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<http://www.agitprop.com.br/?pag=repertorio_det&id=82&titulo=repertorio>
Tradutor(a):Mila Waldeck
Debate entre Hermann Muthesius e Henry van de Velde ocorrido no encontro anual da
Deutscher Werkbund em 1914.
Hermann Muthesius
1. A arquitetura, e com ela toda a área das atividades da Werkbund, está
pressionando em direção à estandardização, e apenas por meio da estandardização ela
pode recuperar o significado universal que lhe era característico nos tempos de cultura
harmoniosa.
3. Enquanto um nível alto e geral de gosto não for alcançado, nós não podemos
esperar a divulgação efetiva das artes e ofícios alemãs internacionalmente.
4. O mundo vai demandar nossos produtos apenas quando eles falarem por meio de
um estilo de expressão convincente. Os princípios fundamentais para isso foram
estabelecidas pelo governo alemão.
6. Partindo da convicção de que refinar mais e mais sua produção é uma questão
vital para a Alemanha, a Deutcher Werkbund, como uma associação de artistas, industriais
e comerciantes, deve direcionar sua atenção na criação de condições para uma arte
industrial de exportação.
3. Não ocorreu a nenhum de nós, entretanto, querer agora impor aos outros como
padrões estas formas ou ornamentos que nós procuramos ou encontramos. Nós sabemos
que muitas gerações terão que trabalhar em cima do que nós iniciamos antes que a
fisionomia do novo estilo seja fixada, e que nós podemos falar de padrão e padronização
apenas depois da passagem de um vasto período de esforços.
4. Mas nós também sabemos que à medida em que esse objetivo não foi alcançado,
nossos esforços ainda terão o encanto do ímpeto criativo. Gradualmente os dons de todos
reunem as forças, se fundem, as diferenças são neutralizadas e precisamente no momento
em que a luta individual começa a abrandar, a fisionomia vai se fixar. A era da imitação vai
começar e formas e decorações serão usadas, com uma produção que não mais vai
necessitar de nenhum impulso criativo: o tempo da infertilidade vai então ter começado.
5. O desejo de ter um tipo padronizado antes que ele se torne um estilo é quase
como querer ver o efeito antes da causa. Seria destruir o embrião no ovo. Alguém
realmente vai se deixar cegar por essa luz, desejando alcançar resultados rápidos desse
modo? Esses efeitos prematuros tiveram todos a perspectiva menor de uma divulgação
efetiva das artes e ofícios alemãs no exterior, afinal eles tinham uma vantagem em relação
aos países que estão à frente de nós na velha tradição e na velha cultura do bom gosto.
6. A Alemanha, por outro lado, tem a grande vantagem de ainda possuir dons que
outros povos, mais velhos e mais cansados, estão perdendo: o dom da invenção, das
inspirações pessoais brilhantes. E seria quase castração amarrar tão cedo essa ascensão
criativa rica e variada.
9. E no entanto nada, nada bom e esplêndido jamais foi criado a partir da mera
consideração pela exportação. A qualidade não será criada a partir do espírito de exportar.
A qualidade será sempre criada em primeiro lugar por um círculo limitado de conhecedores
e clientes. Estes gradualmente ganham confiança em seus artistas; lentamente se
desenvolve em primeiro lugar uma clientela estreita, depois uma clientela nacional, e
somente depois os países estrangeiros e o mundo inteiro tomam conhecimento dessa
qualidade. É uma completa incompreensão dos fatos fazer industriais acreditarem que as
chances deles no mercado internacional aumentam se eles produzem para esse mercado
mundial tipos estandardizados a priori antes que esses tipos tenham se tornado
propriedade comum e bem testada em casa. Os maravilhosos trabalhos que são agora
exportados para nós agora nunca foram originalmente criados para exportação: pense nos
vidros Tiffany, nas porcelanas de Copenhagen, nas joias de Jensen, nos livros Cobden-
Sanderson, e assim por diante.
10. Toda exposição deve ter como propósito mostrar ao mundo sua qualidade
nativa, e de fato as exposições da Werkbund fazem sentido apenas quando, como o senhor
Muthesius tão corretamente diz, elas se restringirem basicamente ao que é melhor e mais
exemplar.
Sobre o Autor(a):
Hermann Muthesius, Henry Van de Velde, Peter Behrens e Walter Gropius foram
O debate entre Muthesius e Van de Velde de 1914 é uma peça crucial na narrativa
de Pevsner. Para ele, neste momento, travava-se uma disputa entre estandardização versus
individualismo onde a primeira sairia vitoriosa (2). Pevsner destaca que Gropius, em meio à
controvérsia ocorrida na Deutscher Werkbund, concordava com Muthesius. A Bauhaus,
dentro dessa perspectiva, seria herdeira da apologia à estandardização. De alguma
maneira, para Pevsner, a escola iria incorporar a influência de William Morris ao mesmo
tempo em que superava a rejeição que ele tinha à industria.
Visto hoje, entretanto, esse debate talvez pareça ter ideias menos antagônicas do
que elas provavelmente pareciam ter em 1914, quando foram expressas, ou em 1936,
época da primeira edição de Os pioneiros do design moderno. Muthesius e Van de Velde,
partindo do pressuposto de que aquilo que é criado pelo artista é superior, compartilhavam
a convicção de que o artista/designer deve determinar as formas que a produção industrial
irá multiplicar.
Victor Margolin observou que Nicolaus Pevsner montou uma história do design
voltada apenas para os objetos que ele considerava ter uma qualidade excepcional,
discriminando os objetos do dia-a-dia usados normalmente pelas pessoas (3). Tendo isso
em mente, os discursos de Muthesius e Van de Velde parecem menos divergentes, já que
ambos falam de uma qualidade extraordinária, concebida ou apreciada por uma minoria.
Hoje esses dois textos são documentos importantes da construção de uma determinada
historiografia do design cujos frutos são, muitas vezes, elitizantes. (Mila Waldeck)
Notas
(1) http://www.deutscher-werkbund.de
(2) Pevsner, Nikolaus. Pioneers of Modern Design: From William Morris to Walter Gropius.
New Haven; Londres: Yale University Press, 2005, p. 25.
(3) Margolin, Victor. The Politics of the Artificial: Essays on Design and Design Studies.
Chicago: University of Chicago Press, 2002, p. 221
<http://www.agitprop.com.br/index.cfm?pag=repertorio_det&id=9&titulo=repertorio>
O Novo
Henry van de Velde, 1929
Tradutor(a):Gilberto Paim
Nunca em nenhuma outra época, sob qualquer estilo, o gosto do público foi tão
insultado como na segunda metade do século XIX. Essa feiúra foi o resultado da repetição
constante, cada vez menos inteligente, cada vez menos perfeita, de modelos de estilos
antigos, e da falta absoluta de controle tanto sobre a relação entre a forma destes modelos
e a finalidade prática à qual se destinavam, quanto sobre o sentido dos ornamentos que os
sobrecarregavam.
A ação empreendida pelos grandes apóstolos Ruskin e Morris faliu. Seus esforços
não obtiveram outro resultado senão a emoção provocada pelo discurso inflamado do
primeiro e o respeito - que partilhamos ainda hoje – pelas obras de excepcional perfeição
do segundo.
Não podia ter sido de outro modo. As fulgurantes diatribes de Ruskin contra a
invasão da feiúra assim como as criações admiráveis de William Morris em todos os ramos
das artes aplicadas eram anacrônicas!
Mas esta ilusão se explica. A revelação do que o estilo gótico realmente é – então
repudiado, renegado desde que cedeu lugar aos estilos do Renascimento – ou seja, um dos
apogeus mais sublimes, uma das concepções mais radicais e audaciosas da arquitetura,
era ainda recente quando Ruskin publicou em As Pedras de Veneza, o famoso capítulo
sobre o estilo gótico a respeito do qual Morris dizia que "foi no dia em que ele e seus
amigos o leram que surgiu para eles uma nova orientação do mundo!"
Admitir que uma "nova" orientação do pensamento, no limiar do século XX, pudesse
se dirigir ao passado, significava nada ter compreendido sobre as forças em ação, sobre a
tensão que provocou uma imensa transformação em todos os domínios da atividade
humana, como nenhum século anterior havia conhecido.
Aparentemente nenhum dos artistas ou artesãos do novo grupo "Art and Crafts"
partilhou a ilusão de Ruskin e Morris sobre o retorno ao estilo gótico. Nem o arquiteto Baillie
Scott, ou o arquiteto-decorador Voysey, o ilustrador Walter Crane, o joalheiro Ashbee, o
construtor de luminárias elétricas Benson ou o vidreiro Powell. Eles partilharam um
programa mais modesto: a criação de uma arquitetura, de um mobiliário e de objetos muito
simples, concebidos saudavelmente longe da imitação dos estilos.
Sem grandes gestos ou exclamações, o grupo Arts and Crafts derrubou, por volta
de 1894, as portas pelas quais escaparam – assim que as criações do grupo inglês foram
conhecidas no continente – os indivíduos que, tomados pelo frenesi da liberdade
reconquistada e pela alegria por terem se livrado do pesadelo da imitação dos estilos, não
levaram em consideração, durante algum tempo, nada que lembrasse disciplina, medida,
ou qualquer coisa que parecesse cercear a sua liberdade.
O que quer que fosse seria melhor, de fato, do que o maldito passado de feiúra do
qual havíamos escapado.
A primavera surpreende sempre. Sentimos, a cada vez que ela ressuscita, o alívio
por termos vencido uma apatia morna, por nos termos nos livrado do fardo que cada
inverno nos impõe.
Depois disso, poderíamos ter ficado com essas coisas simples, charmosas e
saudavelmente concebidas; mas seria uma limitação. Muitas forças latentes de criação
precisavam se manifestar. E, na maioria dos países, surgiram artistas que reivindicaram o
direito de criar o novo, ou seja, formas e ornamentos livres da imitação de qualquer estilo.
Forem eles na Bélgica: Serrurier em primeiro lugar, depois os arquitetos Hanckar, Horta, van
Rijsselbergue e eu; na Holanda, Berlage; Otto Wagner e seus discípulos Olbrich e Hoffmann
na Áustria; na Alemanha: Obrist, Endell, Riemerschmidt e Pankock; depois deles Behrens e
outros. Plumet, Selmersheim, Majorelle na França... Saarinen na Finlândia, e outros em
diferentes países.
No final do século passado, houve uma legião de pioneiros de um estilo novo. Cada
um deles foi desprezado e combatido em sua pátria. Alguns foram levados pelas
circunstâncias do destino a abandonar o seu país para defender uma idéia.
Apesar de tudo o que a vida me reservou em seguida, nunca desejei que as coisas
tivessem acontecido de outro modo. Minha vida foi rica demais: quedas e vitórias; rica
demais em lembranças fascinantes para que eu me mostre ingrato com o destino.
Sou grato ao destino por ter associado intimamente a minha vida a esta correção moral e
estética que, desde 1894, se apoiou no "novo". Nascido da convicção de um fim em si
mesmo, este novo foi inicialmente pretensioso, apaixonado por si mesmo. Isso levou a
extravagâncias, desregramentos e supervalorizações que, hoje, com 30 anos de distância,
fazem pensar num carnaval, numa orgia de individualismo.
Mas em tais condições, alguns indivíduos envelhecem mais rápido que outros.
Havia neste entusiasmo pernicioso, motivo suficiente para que todos perdêssemos
a cabeça, para esvaziar o esforço tenaz de alguns dentre nós, dentre os que buscavam
incessantemente descobrir a fórmula que daria ao nosso movimento o seu sentido
verdadeiro e o seu programa.
Enquanto não conseguíssemos dissipar o mal entendido que havia entre nós e
esses fabricantes, entre os comerciantes e o público, nos sentiríamos ameaçados. Nós
prevíamos o risco de que os nossos esforços nos levassem ao contrário do que queríamos.
Era preciso se explicar o mais rapidamente possível.
Tirar de todos aqueles que só nos viam como "portadores do novo", a ilusão de que
depois desse novo nós lhes traríamos um outro; que depois de termos conquistado o lugar
em nome do direito da nossa época de possuir um estilo, nós cederíamos o lugar a um
outro "novo" e a nossa época perderia o estilo que nasceu da transformação radical de
uma mentalidade que teria reconquistado o seu vigor moribundo, graças à sua fé no
esforço da inteligência, do raciocínio e da aplicação da ciência adquirida.
Viollet-le-Duc, muito antes de nós, expôs o problema do mesmo modo. Mas a sua
voz não foi ouvida. Não escreveu ele, porém, sobre a concepção racional e sobre a
importância de uma volta à lógica das palavras de emocionante penetração e de valor
eterno?
Nada mais há a opor contra a concepção lógica de uma construção, de um edifício, à forma
racional de um objeto.
O que nos resta a fazer? Repudiar todas as formas pervertidas, desmascarar toda a
falta de sentido, todas as aberrações e reencontrar as formas essenciais da casa, da mesa,
da cadeira, da cama e todos os objetos indispensáveis à nossa vida cotidiana.
Pois como se explicaria a novidade daquilo que criamos, e por que tudo isso seria
tão diferente daquilo que o público havia até então idolatrado, e que nos havia inspirado
tanto horror, se não dispuséssemos de um meio desconhecido dos nossos predecessores
para lutar contra a feiúra!
Ora desde esse momento concebemos um novo que iria durar, enquanto o público
esperava de nós "um novo" que se renovaria constantemente.
(...)
Compreendam que aqueles que tudo arriscaram para realizar um ideal se assustam
subitamente com a possibilidade de que a esplêndida realização do "novo" seja anulada
por aqueles que querem "fazer o novo" a qualquer preço e por aqueles que exigem
"sempre o novo".
Chegou a hora de gritar para esses profissionais da inovação que a "lição do novo"
nos vem do âmago da humanidade, que a sua fonte está na reflexão, na dedução, na busca
da solução mais radical e ao mesmo tempo mais satisfatória da forma e da construção em
relação à utilização específica daquilo que criamos. O futuro do novo só está assegurado
enquanto este se alimentar da fonte eterna por intermédio do meio eterno. Só criamos e
encontramos o novo no plano da eternidade.
Tragam-nos o "novo" que vem de muito longe; se for muito antigo, saberemos
reconhecê-lo e não deixaremos de aclamá-lo.
(... )
Sobre o Autor(a):
Em O Novo, Henry van de Velde estabelece a distinção entre o novo estilo racional
moderno que almeja a eternidade e as novidades que, lançadas continuamente pela
indústria, ameaçam a sua consolidação. O ensaio-manifesto de 1929 formula claramente a
pretensão modernista de eternidade. Embora possamos considerar ultrapassada a sua
defesa do estilo novo como conclusão definitiva de uma história do design que então mal
se esboçava, nos parece bastante evidente que a sedução das novidades aprimorou de
modo exemplar ao longo do século XX a sua estratégia inibidora do espírito crítico. (GP)