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Henry Van de Velde

- Textos -
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Debate entre Hermann Muthesius e Henry van de Velde

Hermann Muthesius e Henry van de Velde

Tradutor(a):Mila Waldeck

Debate entre Hermann Muthesius e Henry van de Velde ocorrido no encontro anual da
Deutscher Werkbund em 1914.
 

Hermann Muthesius
1. A arquitetura, e com ela toda a área das atividades da Werkbund, está
pressionando em direção à estandardização, e apenas por meio da estandardização ela
pode recuperar o significado universal que lhe era característico nos tempos de cultura
harmoniosa.

2. Apenas com a estandardização, entendida como o resultado de uma


concentração salutar, o bom gosto universalmente válido e confiável pode novamente
encontrar entrada.

3. Enquanto um nível alto e geral de gosto não for alcançado, nós não podemos
esperar a divulgação efetiva das artes e ofícios alemãs internacionalmente.

4. O mundo vai demandar nossos produtos apenas quando eles falarem por meio de
um estilo de expressão convincente. Os princípios fundamentais para isso foram
estabelecidas pelo governo alemão.

5. O desenvolvimento criativo do que já foi conquistado é a tarefa mais urgente de


nossa época.  Dele vai depender o sucesso definitivo do movimento. Qualquer relapso e
deterioração  em direção à imitação  vai hoje significar a dilapidação de uma propriedade
valiosa.

6. Partindo da convicção de que refinar mais e mais sua produção é uma questão
vital para a Alemanha, a Deutcher Werkbund, como uma associação de artistas, industriais
e comerciantes, deve direcionar sua atenção na criação de condições para uma arte
industrial de exportação.

7. Os avanços da Alemanha nas artes aplicadas e arquitetura devem ser levados ao


conhecimento dos países estrangeiros através de uma publicidade efetiva.  A maneira mais
óbvia de fazer isso é recomendar publicações periódicas ilustradas junto às exposições.

8. Exposições da Deutcher Werkbund fazem sentido apenas se elas forem


radicalmente restritas ao que for melhor e mais exemplar.  Exposições de artes e ofícios no
exterior devem ser encaradas como um assunto nacional e portanto requerem subsídio
público.

9. Para qualquer exportação, a presença de negócios em larga escala, poderosos e


de bom gosto, é um pré-requisito. Nem mesmo demandas internas poderiam ser atendidas
por um design de objeto feito por um artista isolado.

10. Por razões nacionais, empreendimentos de transporte e distribuição em larga


escala cujas atividades são dirigidas para o exterior devem se juntar ao novo movimento,
agora que ele mostrou seus frutos e representa no mundo a arte com consciência que há
na Alemanha.

Henry Van de Velde


1. Enquanto ainda há artistas na Deutcher Werkbund e enquanto eles exercerem
alguma influência no seu destino, eles irão protestar contra toda sugestão pelo
estabelecimento de um cânone ou estandardização. Na sua essência mais íntima o artista é
um individualista ardente, um criador livre  e espontâneo, ele nunca irá voluntariamente se
subordinar à disciplina que impõe a ele um tipo, um cânone. Ele instintivamente desconfia
de tudo o que possa esterelizar suas ações, e todos que pregam uma regra que possa
impedi-lo de pensar suas próprias ideias, para sua própria finalidade livre, ou que tente
dirigi-lo a uma forma geral, na qual ele vê apenas a máscara que procura fazer a virtude a
partir da incapacidade.

2. Certamente o artista que pratica uma “concentração benéfica” sempre


reconheceu que correntes que são mais fortes do que sua pópria vontade e pensamento
demandam dele que ele deva reconhecer o que corresponde essencialmente ao espírito da
sua época. Essas correntes podem ser múltiplas, ele as absorve consciente e
inconscientemente como influências gerais; existe nelas algo materialmente e moralmente
imperativo para ele. Ele voluntariamente se subordina a elas, entusiasmado pela ideia de
um novo estilo. E por vinte anos muitos de nós temos buscado formas e decorações que
correspondam totalmente à  nossa época.

3. Não ocorreu a nenhum de nós, entretanto, querer agora impor aos outros como
padrões estas formas ou ornamentos que nós procuramos  ou encontramos. Nós sabemos
que muitas gerações terão que trabalhar em cima do que nós iniciamos antes que a
fisionomia do novo estilo seja fixada, e que nós podemos falar de padrão e padronização
apenas depois da passagem de um vasto período de esforços.

4. Mas nós também sabemos que à medida em que esse objetivo não foi alcançado,
nossos esforços ainda terão o encanto do ímpeto criativo. Gradualmente os dons de todos
reunem as forças, se fundem, as diferenças são neutralizadas e precisamente no momento
em que a luta individual começa a abrandar, a fisionomia vai se fixar. A era da imitação vai
começar e formas e decorações serão usadas, com uma produção que não mais vai
necessitar de nenhum impulso criativo: o tempo da infertilidade vai então ter começado.

5. O desejo de ter um tipo padronizado antes que ele se torne um estilo é quase
como querer ver o efeito antes da causa. Seria destruir o embrião no ovo. Alguém
realmente vai se deixar cegar por essa luz, desejando alcançar resultados rápidos desse
modo? Esses efeitos prematuros tiveram todos a perspectiva menor de uma divulgação
efetiva das artes e ofícios alemãs no exterior, afinal eles tinham uma vantagem em relação
aos países que estão à frente de nós na velha tradição e na velha cultura do bom gosto.

6. A Alemanha, por outro lado, tem a grande vantagem de ainda possuir dons que
outros povos, mais velhos e mais cansados, estão perdendo: o dom da invenção, das
inspirações pessoais brilhantes. E seria quase castração amarrar tão cedo essa ascensão
criativa rica e variada.

7. Os esforços da Werkbund devem ser direcionados para cultivar precisamente


esses dons, assim como os dons da habilidade manual, alegria e crença na beleza de
execução altamente diferenciada, não para inibí-los pela estandardização, especialmente
no momento em que países estrangeiros estão começando a adquirir um interesse pelo
trabalho da Alemanha. No que diz respeito ao fomento destes dons, tudo ainda está para
ser feito.

8. Nós não estamos subestimando a boa vontade de ninguém e estamos muito


cientes das dificuldades que devem ser superadas. Sabemos que a organização trabalhista
tem feito muito pelo bem estar material dos trabalhadores, mas ela não consegue encontrar
uma desculpa por ter feito tão pouco para despertar entusiasmo pela bela manufatura
naqueles que devem ser nossos mais alegres empregados. Por outro lado, nós todos
conhecemos a necessidade de exportação que pesa como uma maldição sobre nossa
indústria.

9. E no entanto nada, nada bom e esplêndido jamais foi criado a partir da mera
consideração pela exportação. A qualidade não será criada a partir do espírito de exportar.
A qualidade será sempre criada em primeiro lugar por um círculo limitado de conhecedores
e clientes. Estes gradualmente ganham confiança em seus artistas; lentamente se
desenvolve em primeiro lugar uma clientela estreita, depois uma clientela nacional, e
somente depois os países estrangeiros e o mundo inteiro tomam conhecimento dessa
qualidade. É uma completa incompreensão dos fatos fazer industriais acreditarem que as
chances deles no mercado internacional aumentam se eles produzem para esse mercado
mundial tipos estandardizados a priori antes que esses tipos tenham se tornado
propriedade comum e bem testada em casa. Os maravilhosos trabalhos que são agora
exportados para nós agora  nunca foram originalmente criados para exportação: pense nos
vidros Tiffany, nas porcelanas de Copenhagen, nas joias de Jensen, nos livros Cobden-
Sanderson, e assim por diante.

10. Toda exposição deve ter como propósito mostrar ao mundo sua qualidade
nativa, e de fato as exposições da Werkbund fazem sentido apenas quando, como o senhor
Muthesius tão corretamente diz,  elas se restringirem  basicamente ao que é melhor e mais
exemplar.

Sobre o Autor(a):

Hermann Muthesius, Henry Van de Velde, Peter Behrens e Walter Gropius foram

alguns dos integrantes da associação Deutscher Werkbund, criada em Munique em 1907


por um grupo de arquitetos, industriais, artistas, políticos e designers com o objetivo de
“aumentar a competitividade das empresas alemãs no mercado global” (1). Em 1914,
acontecia a primeira grande exposição da Werkbund em Colônia. Foi nessa ocasião que
Muthesius e Van de Velde fizeram os dois discursos aqui traduzidos.

O debate entre os dois arquitetos acabou ganhando visibilidade na historiografia do


design. Parte disso se deve provavelmente à menção que ele recebeu de Nicolaus Pevsner
no influente livro Os pioneiros do design moderno.  Dentro da história do design construída
por Pevsner, Hermann Muthesius tem o papel-chave de fazer a transição entre William
Morris e Walter Gropius. O fato de ter morado na Inglaterra entre o final do século XIX e
início do século XX, pesquisado sobre o movimento Arts and Crafts e, de volta à Alemanha,
participado da Deutscher Werkbund com Gropius fica particularmente relevante na visão
pevsneriana, onde o movimento Arts and Crafts e a Bauhaus se conectam numa linha
evolutiva.

O debate entre Muthesius e Van de Velde de 1914 é uma peça crucial na narrativa
de Pevsner. Para ele, neste momento, travava-se uma disputa entre estandardização versus
individualismo onde a primeira sairia vitoriosa (2). Pevsner destaca que Gropius, em meio à
controvérsia ocorrida na Deutscher Werkbund, concordava com Muthesius. A Bauhaus,
dentro dessa perspectiva, seria herdeira da apologia à estandardização. De alguma
maneira, para Pevsner, a escola iria incorporar a influência de William Morris ao mesmo
tempo em que superava a rejeição que ele tinha à industria.

Visto hoje, entretanto, esse debate talvez pareça ter ideias menos antagônicas do
que elas provavelmente pareciam ter em 1914, quando foram expressas, ou em 1936,
época da primeira edição de Os pioneiros do design moderno. Muthesius e Van de Velde,
partindo do pressuposto de que aquilo que é criado pelo artista é superior, compartilhavam
a convicção de que o artista/designer deve determinar as formas que a produção industrial
irá multiplicar.

Esse ponto de vista está em sintonia com a fetichização do objeto de design, em


que um produto industrializado pode ser vendido por um preço mais caro pelo fato de sua
criação ser atribuída a determinado autor. Além disso, nem Muthesius nem Van de Velde
parecem questionar a separação hierárquica entre o designer/autor e o operário. Muthesius
enfatiza a criatividade e não menciona trabalhador não-criativo da fábrica. Van de Velde
também elogia a criatividade e não compreende por que os trabalhadores não têm
entusiasmo pela boa manufatura.

Victor Margolin observou que Nicolaus Pevsner montou uma história do design
voltada apenas para os objetos que ele considerava ter uma qualidade excepcional,
discriminando os objetos do dia-a-dia usados normalmente pelas pessoas (3). Tendo isso
em mente, os discursos de Muthesius e Van de Velde parecem menos divergentes, já que
ambos falam de uma qualidade extraordinária, concebida ou apreciada por uma minoria.
Hoje esses dois textos são documentos importantes da construção de uma determinada
historiografia do design cujos frutos são, muitas vezes, elitizantes.  (Mila Waldeck)

Notas

(1) http://www.deutscher-werkbund.de

(2) Pevsner, Nikolaus. Pioneers of Modern Design: From William Morris to Walter Gropius.
New Haven; Londres: Yale University Press, 2005, p. 25.

(3) Margolin, Victor. The Politics of the Artificial: Essays on Design and Design Studies.
Chicago: University of Chicago Press, 2002, p. 221

<http://www.agitprop.com.br/index.cfm?pag=repertorio_det&id=9&titulo=repertorio>

O Novo
Henry van de Velde, 1929

Tradutor(a):Gilberto Paim

O novo que se manifestou na última década do século passado, primeiramente nas


artes aplicadas, e depois na arquitetura, foi provocado pela repulsão violenta e irresistível
contra a feiúra.

Nunca em nenhuma outra época, sob qualquer estilo, o gosto do público foi tão
insultado como na segunda metade do século XIX. Essa feiúra foi o resultado da repetição
constante, cada vez menos inteligente, cada vez menos perfeita, de modelos de estilos
antigos, e da falta absoluta de controle tanto sobre a relação entre a forma destes modelos
e a finalidade prática à qual se destinavam, quanto sobre o sentido dos ornamentos que os
sobrecarregavam.

A ação empreendida pelos grandes apóstolos Ruskin e Morris faliu. Seus esforços
não obtiveram outro resultado senão a emoção provocada pelo discurso inflamado do
primeiro e o respeito - que partilhamos ainda hoje – pelas obras de excepcional perfeição
do segundo.

Não podia ter sido de outro modo. As fulgurantes diatribes de Ruskin contra a
invasão da feiúra assim como as criações admiráveis de William Morris em todos os ramos
das artes aplicadas eram anacrônicas!

Ambos escolheram a missão de ressuscitar o estilo gótico. Ora, estávamos no limiar


do século XX. Transformações radicais haviam sacudido a economia política e social pela
introdução da máquina e criação da fábrica, estes dois pilares da indústria e do regime
novo de produção que sobrepujaram os artesãos e os ofícios artísticos.

Pensar em ressuscitar o estilo gótico no limiar do século XX!

Hoje nos perguntamos como dois homens de inteligência excepcional puderam se


entregar a tal ilusão e partilhá-la com tantos discípulos.

Mas esta ilusão se explica. A revelação do que o estilo gótico realmente é – então
repudiado, renegado desde que cedeu lugar aos estilos do Renascimento – ou seja, um dos
apogeus mais sublimes, uma das concepções mais radicais e audaciosas da arquitetura,
era ainda recente quando Ruskin publicou em As Pedras de Veneza, o famoso capítulo
sobre o estilo gótico a respeito do qual Morris dizia que "foi no dia em que ele e seus
amigos o leram que surgiu para eles uma nova orientação do mundo!"

Admitir que uma "nova" orientação do pensamento, no limiar do século XX, pudesse
se dirigir ao passado, significava nada ter compreendido sobre as forças em ação, sobre a
tensão que provocou uma imensa transformação em todos os domínios da atividade
humana, como nenhum século anterior havia conhecido.

A atitude de Ruskin e W. Morris seria incompreensível se perdêssemos de vista o


que acabo de dizer sobre a revelação do gótico, e o apoio moral que esta revelação trouxe
tanto ao "conservadorismo" de Ruskin e ao socialismo de W. Morris!

O primeiro via no retorno ao gótico e às condições de produção da Idade Média o


único modo de interromper a invasão da máquina e da indústria, da fábrica e suas altas
chaminés, das estradas de ferro, enquanto o segundo exaltava na Idade Média a dignidade
do trabalho artesanal, que ele quis reconquistar a todo preço, mesmo ao preço de uma
revolução.

No continente, mais especialmente na Bélgica, o movimento que começou na


Inglaterra foi orientado para o futuro e em direção a um objetivo mais ousado e aventureiro:
o estilo novo.

Isso não aconteceu sem algumas intervenções decisivas

Um grupo de inovadores ingleses, nenhum deles especialmente genial, realizou o


milagre.

Aparentemente nenhum dos artistas ou artesãos do novo grupo "Art and Crafts"
partilhou a ilusão de Ruskin e Morris sobre o retorno ao estilo gótico. Nem o arquiteto Baillie
Scott, ou o arquiteto-decorador Voysey, o ilustrador Walter Crane, o joalheiro Ashbee, o
construtor de luminárias elétricas Benson ou o vidreiro Powell. Eles partilharam um
programa mais modesto: a criação de uma arquitetura, de um mobiliário e de objetos muito
simples, concebidos saudavelmente longe da imitação dos estilos.

A repercussão desse programa foi considerável.

Sem grandes gestos ou exclamações, o grupo Arts and Crafts derrubou, por volta
de 1894, as portas pelas quais escaparam – assim que as criações do grupo inglês foram
conhecidas no continente – os indivíduos que, tomados pelo frenesi da liberdade
reconquistada e pela alegria por terem se livrado do pesadelo da imitação dos estilos, não
levaram em consideração, durante algum tempo, nada que lembrasse disciplina, medida,
ou qualquer coisa que parecesse cercear a sua liberdade.

O que quer que fosse seria melhor, de fato, do que o maldito passado de feiúra do
qual havíamos escapado.

O que experimentamos em torno de 1894, não posso comparar a nada senão à


liberdade que sentimos diante dos primeiros sinais da primavera.

A primavera surpreende sempre. Sentimos, a cada vez que ela ressuscita, o alívio
por termos vencido uma apatia morna, por nos termos nos livrado do fardo que cada
inverno nos impõe.

E nós tínhamos sofrido um longo e trágico inverno, um inverno interminável durante


o qual acreditávamos ter morrido do desgosto decorrente da feiúra de tudo o que víamos.

Depois disso, poderíamos ter ficado com essas coisas simples, charmosas e
saudavelmente concebidas; mas seria uma limitação. Muitas forças latentes de criação
precisavam se manifestar. E, na maioria dos países, surgiram artistas que reivindicaram o
direito de criar o novo, ou seja, formas e ornamentos livres da imitação de qualquer estilo.
Forem eles na Bélgica: Serrurier em primeiro lugar, depois os arquitetos Hanckar, Horta, van
Rijsselbergue e eu; na Holanda, Berlage; Otto Wagner e seus discípulos Olbrich e Hoffmann
na Áustria; na Alemanha: Obrist, Endell, Riemerschmidt e Pankock; depois deles Behrens e
outros. Plumet, Selmersheim, Majorelle na França... Saarinen na Finlândia, e outros em
diferentes países.

No final do século passado, houve uma legião de pioneiros de um estilo novo. Cada
um deles foi desprezado e combatido em sua pátria. Alguns foram levados pelas
circunstâncias do destino a abandonar o seu país para defender uma idéia.

Apesar de tudo o que a vida me reservou em seguida, nunca desejei que as coisas
tivessem acontecido de outro modo. Minha vida foi rica demais: quedas e vitórias; rica
demais em lembranças fascinantes para que eu me mostre ingrato com o destino.

Sou grato ao destino por ter associado intimamente a minha vida a esta correção moral e
estética que, desde 1894, se apoiou no "novo". Nascido da convicção de um fim em si
mesmo, este novo foi inicialmente pretensioso, apaixonado por si mesmo. Isso levou a
extravagâncias, desregramentos e supervalorizações que, hoje, com 30 anos de distância,
fazem pensar num carnaval, numa orgia de individualismo.

Mas em tais condições, alguns indivíduos envelhecem mais rápido que outros.

E, num acesso súbito de clarividência, compreendemos que o movimento em favor


do estilo novo tinha uma bandeira, mas não tinha um programa; que mostrávamos uma
bandeira ilusória num cortejo para o qual os fabricantes, os "negociantes" e o "público"
forneciam a música.

Sabíamos muito bem que os fabricantes estavam interessados sobretudo na


"novidade" das formas e dos ornamentos, no ineditismo das nossas invenções. Todas as
criações que se distinguiam pela novidade no domínio da arquitetura e das artes industriais,
eram assinaladas, barulhentamente discutidas e louvadas sem medidas.

Assim, à primeira hostilidade se sucedeu um encorajamento sem limites. Revistas


de "arte nova" surgiram aos montes, rivalizando apressadamente entre si na descoberta de
alguma novidade sensacional ou de algum gênio portador do novo.

Havia neste entusiasmo pernicioso, motivo suficiente para que todos perdêssemos
a cabeça, para esvaziar o esforço tenaz de alguns dentre nós, dentre os que buscavam
incessantemente descobrir a fórmula que daria ao nosso movimento o seu sentido
verdadeiro e o seu programa.

Enquanto não conseguíssemos dissipar o mal entendido que havia entre nós e
esses fabricantes, entre os comerciantes e o público, nos sentiríamos ameaçados. Nós
prevíamos o risco de que os nossos esforços nos levassem ao contrário do que queríamos.
Era preciso se explicar o mais rapidamente possível.

Tirar de todos aqueles que só nos viam como "portadores do novo", a ilusão de que
depois desse novo nós lhes traríamos um outro; que depois de termos conquistado o lugar
em nome do direito da nossa época de possuir um estilo, nós cederíamos o lugar a um
outro "novo" e a nossa época perderia o estilo que nasceu da transformação radical de
uma mentalidade que teria reconquistado o seu vigor moribundo, graças à sua fé no
esforço da inteligência, do raciocínio e da aplicação da ciência adquirida.

Em minhas "Declarações de princípios", capítulo do meu livro Sermões para os


laicos de 1911, me detive num único princípio: a concepção lógica aplicada à criação de
toda a forma, à invenção de toda construção. Hoje, quase trinta anos depois, o que poderia
acrescentar?

Viollet-le-Duc, muito antes de nós, expôs o problema do mesmo modo. Mas a sua
voz não foi ouvida. Não escreveu ele, porém, sobre a concepção racional e sobre a
importância de uma volta à lógica das palavras de emocionante penetração e de valor
eterno?

Mas, naquele momento, o desgosto ainda não havia agido suficientemente! O


público continuava a se deleitar com a insanidade das formas irreconhecíveis e decoração
sentimental e ultrapassada. Nem Viollet-le-Duc, nem Ruskin, nem mesmo o revolucionário
Morris contribuíram suficientemente para provocar o ato de revolta e de desespero que teria
precipitado os acontecimentos. Eles cultivaram a esperança de que as coisas poderiam ser
resolvidas suavemente e que o retorno à Beleza se seguiria naturalmente.

O que diferencia o movimento provocado no continente ao final do século passado


daquele que foi iniciado por Ruskin e Morris, vinte e cinco anos antes, é que os fanáticos
do princípio de concepção racional, movidos pela idéia da necessidade do aspecto verídico
e moral de todas as coisas, questionamos − sem fraqueza − todas as nossas opiniões
sobre os estilos, formas e ornamentos, e proclamamos após este exame que daríamos as
costas ao passado. O que não excluiu desde então, que refaríamos os laços do presente
com o passado, e que redescobriríamos a fonte de uma grande tradição.

Após termos declarado formalmente que a idéia de um retorno à concepção


racional está no centro da nossa ação e que abandonaríamos todo outro meio de
concepção e criação no domínio da arquitetura e das artes industriais, nos nós voltamos
bruscamente contra a novidade e contra aqueles que, a qualquer preço, exigiam o novo.

Nada mais há a opor contra a concepção lógica de uma construção, de um edifício, à forma
racional de um objeto.

O que nos resta a fazer? Repudiar todas as formas pervertidas, desmascarar toda a
falta de sentido, todas as aberrações e reencontrar as formas essenciais da casa, da mesa,
da cadeira, da cama e todos os objetos indispensáveis à nossa vida cotidiana.

Ao fazer isso, descartamos todas as novidades recentes e antigas e reatamos com a


tradição: a tradição primordial da concepção; da forma adequada, pura e eterna! Quando
havíamos nos interrogado sobre o "novo", sobre a lei que o cria e o princípio que o
justifica?

Até então, havíamos compreendido imperfeitamente que o meio ao qual recorremos


para criar o novo, não era novo.

Pois como se explicaria a novidade daquilo que criamos, e por que tudo isso seria
tão diferente daquilo que o público havia até então idolatrado, e que nos havia inspirado
tanto horror, se não dispuséssemos de um meio desconhecido dos nossos predecessores
para lutar contra a feiúra!

Se eles tivessem conhecido um outro meio, teriam pensado em recorrer à idéia de


uma "volta ao gótico" e às preces patéticas visando um retorno à beleza que ficaram sem
ressonância até que uma nova fórmula definisse o que é a beleza?

Ora desde esse momento concebemos um novo que iria durar, enquanto o público
esperava de nós "um novo" que se renovaria constantemente.

(...)

Compreendam que aqueles que tudo arriscaram para realizar um ideal se assustam
subitamente com a possibilidade de que a esplêndida realização do "novo" seja anulada
por aqueles que querem "fazer o novo" a qualquer preço e por aqueles que exigem
"sempre o novo".

Chegou a hora de gritar para esses profissionais da inovação que a "lição do novo"
nos vem do âmago da humanidade, que a sua fonte está na reflexão, na dedução, na busca
da solução mais radical e ao mesmo tempo mais satisfatória da forma e da construção em
relação à utilização específica daquilo que criamos. O futuro do novo só está assegurado
enquanto este se alimentar da fonte eterna por intermédio do meio eterno. Só criamos e
encontramos o novo no plano da eternidade.

Tragam-nos o "novo" que vem de muito longe; se for muito antigo, saberemos
reconhecê-lo e não deixaremos de aclamá-lo.

Infelizmente, porém, enquanto o estilo, nascido da aplicação de um princípio e de


uma crença que se espalharam por todo o universo, não estiver livre de todas as
lembranças dos estilos históricos, um "falso novo" pode relançar à moda, sob uma
aparência habilmente renovada, os elementos decorativos sem sentido ou justificativa, dos
quais nos livramos progressivamente graças à observação de uma disciplina que só
frutificou depois de 40 anos.

(... )

A ameaça da novidade é constante. Ela prolonga não apenas indefinidamente a


decadência do gosto, mas desmoraliza todos aqueles que de perto ou longe se relacionam
com a criação, a fabricação e a venda da "novidade": o fabricante que, em vez de
consagrar todos os seus esforços na qualidade de um produto por meio das correções
sucessivas que o levariam à perfeição, só pode pensar na busca de uma novidade que, se
na próxima feira, parecer "menos nova" do que a do seu concorrente, provocaria senão a
sua ruína, ao menos perdas consideráveis. A maldição da novidade não pesa menos sobre
os desenhistas e gerentes de produção assustados, uns pelo medo de não fornecer ao
fabricante a novidade que triunfará sobre as outras, e os outros de não produzi-la
suficientemente rápido para que avance sobre o mercado do concorrente; vendedores e
viajantes temem não conseguir vendê-la a um número suficientemente grande de clientes.

Texto extraído do ensaio "Le Nouveau".

VAN DE VELDE, Henry. Déblaiement de l´art, suivi de La Triple Offense à la Beauté, Le


Nouveau, Max Elskamp, La Voie Sacrée, La Colonne. Archives d´Architecture Moderne,
Pierre Mardaga Editeur, Bruxelas, 1979. ( www.mardaga.be)

Mais informações: www.henry-van-de-velde.com

Sobre o Autor(a):


O pintor, designer, arquiteto e profícuo escritor belga Henry Van de Velde

(1863-1957) foi um dos mais importantes pioneiros e propagandistas do movimento


moderno. As suas criações como designer lhe proporcionaram notoriedade internacional
depois de expostas em 1896 na galeria Art Nouveau, do marchand Samuel Bing, em Paris.
Em 1902 foi contratado como consultor de arte pelo Grão Duque de Saxe, que o nomeou
diretor da Escola de Artes e Ofícios de Weimar. Em 1907 tornou-se membro da Deutscher
Werkbund, a Associação Alemã dos Ofícios, na qual teve papel atuante. Na Alemanha
dedicou-se progressivamente à arquitetura e ao ensino. Em suas cada vez mais raras
realizações como designer afastou-se da complexidade orgânica do art nouveau em favor
da simplicidade. Ao deixar a diretoria da Escola de Artes e Ofícios em 1914, indicou Walter
Gropius como seu sucessor na instituição que, alguns anos mais tarde, foi transformada na
Bauhaus.

Em O Novo, Henry van de Velde estabelece a distinção entre o novo estilo racional
moderno que almeja a eternidade e as novidades que, lançadas continuamente pela
indústria, ameaçam a sua consolidação. O ensaio-manifesto de 1929 formula claramente a
pretensão modernista de eternidade. Embora possamos considerar ultrapassada a sua
defesa do estilo novo como conclusão definitiva de uma história do design que então mal
se esboçava, nos parece bastante evidente que a sedução das novidades aprimorou de
modo exemplar ao longo do século XX a sua estratégia inibidora do espírito crítico. (GP)

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