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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Campinas
2014
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RABELO, D. F. (2014). Configuração e funcionamento de famílias com idosos que
apresentam diferentes condições psicológicas e de saúde. Campinas: Tese de Doutorado em
Educação, Faculdade de Educação da UNICAMP.
RESUMO
Este estudo verificou a percepção de idosos quanto à configuração familiar (tipo de arranjo
familiar, chefia familiar e contribuição dos idosos para o sustento da família) e ao
funcionamento de suas respectivas famílias (satisfação com os relacionamentos familiares e
clima familiar), considerando-se o gênero, a idade, as condições psicológicas indicadas por
depressão e ansiedade e as condições de saúde indicadas por desempenho funcional, por
número de doenças, sinais e sintomas e pelo envolvimento social. Foram realizados quatro
estudos descritivos para analisar: 1) as relações entre a configuração familiar, o gênero, a
idade e as condições psicológicas e de saúde dos idosos; 2) as relações entre a satisfação com
os relacionamentos familiares, o gênero, a idade, as condições psicológicas e de saúde dos
idosos e a configuração familiar; 3) as relações entre o clima familiar, o gênero, a idade, as
condições de saúde física e psicológica e a configuração familiar; 4) as relações entre as
características dos idosos em termos de idade, gênero, condições de saúde física e psicológica,
a configuração familiar e o funcionamento familiar. A amostra, composta por 134 idosos, foi
representativa dos cadastrados no Programa de Saúde da Família de uma Unidade Básica de
Saúde do município de Santo Antônio de Jesus – BA. Foram incluídos aqueles que pontuaram
acima da nota de corte no Mini-Exame do Estado Mental – MEEM. A coleta dos dados foi
feita nos domicílios dos idosos utilizando-se os instrumentos: Questionário de informações
sociodemográficas, sobre o envolvimento social e sobre a configuração familiar; Questionário
de doenças e de sinais e sintomas autorrelatados; INDEX de Independência nas Atividades de
Vida Diária; Escala de desempenho de atividades instrumentais de vida diária; Escala de
Depressão Geriátrica – GDS; Inventário de ansiedade de Beck – BAI; APGAR de Família;
Inventário do clima familiar – ICF. Foram feitas análises de conglomerados mediante o
método da partição, considerando a formação de três agrupamentos. Os resultados sugerem
que a percepção do idoso quanto ao clima familiar positivo, seu lugar na hierarquia familiar e
o significado desta, a função que ocupam na manutenção financeira da família e suas
condições de saúde física e psicológica desempenham papel importante na explicação do
funcionamento da família com e de idosos. O funcionamento familiar está mais relacionado às
condições de saúde física e psicológica dos idosos do que a arranjos específicos de moradia, à
idade ou ao gênero, embora estas variáveis ajudem a modelar os efeitos dessas interações.
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RABELO, D.F. (2014). Configuration and functioning of families with elderly members who
have different psychological and health conditions. Campinas: Doctoral Thesis in Education,
Faculty of Education at the State University of Campinas, Brazil.
ABSTRACT
The aim of this study was verify the elderly perception of the family configuration (household
arrangement, family leadership and financial contribution) and the functioning of their
respective families (family relationships satisfaction and family climate), considering gender,
age, psychological health (depression and anxiety) and physical health (functional
performance, number of diseases, signs and symptoms and social involvement). Four
descriptive studies was conducted to analyze: 1) relations between the family configuration,
gender, age and psychological and physical health; 2) the relationships between family
relationships satisfaction, gender, age, psychological and health conditions and the family
configuration; 3) relations between the family climate, gender, age, the elderly physical and
psychological health conditions and family configuration; 4) the relationships between the
characteristics of elderly people in terms of age, gender, physical and psychological health
conditions, family configuration and family functioning.The 134 older people sample, was
representative of registered in the Health Family Program in a basic health Unit in Santo
Antônio de Jesus-Bahia. We included those who scored above the cutoff score on the Mini-
Mental State Examination – MMSE. The data collection was made in the elderly households
using the tools: demographic information, survey on social involvement and about the family
configuration; Diseases survey of self-reported signs and symptoms; INDEX of Independence
in activities of daily living; Performance range of instrumental activities of daily living;
Geriatric depression scale-GDS; Beck anxiety inventory-BAI; Family APGAR; Family
Climate Inventory – ICF. Conglomerates analysis by partition method, considering the
formation of three groups, was performed. The results suggest that the elderly perception of
positive family climate, his place in the family hierarchy and the significance of this role,
financial maintenance of the family and their physical and psychological health conditions
play an important role in the explanation of the elderly family functioning. The family
functioning is more related to the elderly physical and psychological health conditions than
the specific housing arrangements, age or gender, although these variables help to model the
effects of these interactions.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 01
5. Conclusões............................................................................................................. 44
1. O Contexto............................................................................................................. 46
2. Objetivos ............................................................................................................... 47
3. Método................................................................................................................... 48
.
4. Análise de dados.................................................................................................... 54
ESTUDO 1......................................................................................................................... 56
ESTUDO 2......................................................................................................................... 77
ESTUDO 3......................................................................................................................... 96
CONCLUSÕES................................................................................................................. 140
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 148
ANEXOS........................................................................................................................... 161
xi
AGRADECIMENTOS
À minha Orientadora Dra. Anita Liberalesso Neri, sou muitíssimo grata pela maravilhosa
experiência profissional e pessoal ao longo de vários anos e durante o doutorado, pela maneira
carinhosa de compartilhar seu conhecimento, e por ter creditado confiança no meu trabalho.
Ao meu esposo, Edmar Henrique Dairell Davi pelo seu amor, companheirismo, compreensão
e incentivo ao meu crescimento.
À toda minha família que sempre torceu pelo meu sucesso, em especial minha mãe, Claudia
Barbosa Firmino Rabelo pelo apoio e dedicação que sempre me ofertou e à minha avó Normy
Barbosa Firmino pelo exemplo de vida.
Aos idosos participantes desta pesquisa que generosamente nos receberam em suas casas.
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LISTA DE QUADROS
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LISTA DE TABELAS
ESTUDO 1
Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero,
configuração familiar e condições de saúde física e psicológica. Santo Antônio de
Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011................................................................................. 64
Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que
entraram as variáveis idade, gênero, configuração familiar e condições de saúde. Santo
Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011................................................................. 66
ESTUDO 2
Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero,
configuração familiar, condições de saúde física e psicológica e satisfação com os
relacionamentos familiares. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011........... 85
Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que
entraram as variáveis idade, gênero, configuração familiar, condições de saúde física e
psicológica, e satisfação com os relacionamentos familiares. Santo Antônio de Jesus,
Bahia, Brasil. Idosos, 2011............................................................................................... 87
ESTUDO 3
Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero,
configuração familiar, condições de saúde física e psicológica e clima familiar. Santo
Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011................................................................ 104
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Tabela 2. Resultados da análise de conglomerados conforme as variáveis idade,
gênero, condições de saúde física e psicológica, configuração e clima familiar. Santo
Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011................................................................... 105
Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que
entraram as variáveis idade, gênero, configuração familiar, condições de saúde física e
psicológica e clima familiar. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos,
2011................................................................................................................................ 106
ESTUDO 4
Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero,
condições de saúde física e psicológica, configuração e funcionamento familiar. Santo
Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011................................................................... 127
Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que
entraram as variáveis idade, gênero, condições de saúde física e psicológica,
configuração e funcionamento familiar. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos,
2011................................................................................................................................... 130
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LISTA DE ANEXOS
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INTRODUÇÃO
Apesar das alterações que a família sofreu nas últimas décadas, e mesmo considerando o
aumento da demanda por apoio formal, ela ainda é o sistema de suporte mais presente na vida
dos idosos. Permanece comprometida com seus membros mais velhos, em razão da vigência
de valores culturais fundamentais à sociabilidade, entre eles a solidariedade entre as gerações.
Os apoios familiares concretizam-se no intercâmbio de recursos materiais, instrumentais,
afetivos e informativos recebidos e oferecidos pelos indivíduos. A convivência proporciona
condições para a realização e a satisfação das necessidades dos membros, incluindo as de
saúde. As experiências e as informações acumuladas pela família influenciam a prevenção, o
tratamento e o controle de doenças bem como as formas de enfrentamento do adoecimento.
Conviver de forma saudável com um familiar idoso e ampará-lo quando necessário,
especialmente quando existem comprometimentos da saúde, são elementos importantes para
uma dinâmica familiar positiva e para a saúde psicossocial de seus membros (LOPES;
CALDERONI, 2007).
As relações familiares têm sido apontadas em vários estudos como elementos importantes para
o envelhecimento bem-sucedido e para a qualidade de vida na velhice. Por exemplo, Moraes e
Souza (2005) verificaram que as relações familiares, as amizades, o bem-estar, a saúde
percebida, a capacidade funcional e o suporte psicossocial associam-se significativa e
independentemente com envelhecimento bem-sucedido. Idosos entrevistados por Vilela,
Carvalho e Araújo (2006) relataram que necessidades afetivas não satisfeitas são ocasião para
um envelhecimento não saudável. Os idosos esperam que essas necessidades sejam satisfeitas
principalmente pelos familiares, dos quais esperam maior atenção, reconhecimento, aceitação
e paciência. Qualidade de vida significa, para os idosos, poder manter fortalecidos os vínculos
com a família, contribuir para a educação dos descendentes, auxiliar vizinhos e amigos de
maneira a solidificar a rede de suporte social e vivenciar uma dinâmica familiar positiva
(TORRES et al, 2009; VECCHIA et al, 2005). Octogenários apontam os problemas familiares
como um importante determinante de baixa qualidade de vida (XAVIER et al, 2003). Segundo
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dados de Ferretti, Nierotka e Silva (2011) a família é essencial para que o idoso se perceba
saudável e tem papel central nas redes de apoio que o envolvem.
A configuração familiar envolve aspectos mais objetivos da organização familiar, tais como o
arranjo de moradia atual e a posição do idoso dentro da família, determinada pelo desempenho
do papel de chefe, que se associa à contribuição financeira. A estrutura domiciliar é um
indicativo das necessidades de várias gerações, das transferências intergeracionais de recursos
e das condições socioeconômicas e de saúde dos membros (CAMARANO et al, 2004). A
percepção do funcionamento familiar refere-se ao universo subjetivo. Dele fazem parte as
concepções sobre a coesão, o apoio, o conflito e a hierarquia familiar (TEODORO;
ALLGAYER; LAND, 2009). Essas concepções influenciam fortemente as maneiras como as
famílias distribuem recursos e enfrentam momentos de transição, conflitos e adversidades. O
grau de satisfação dos membros da família com os relacionamentos familiares é um indicador
importante do funcionamento familiar porque reflete não só aspectos objetivos das relações
familiares, como também os valores, as expectativas e as crenças internalizadas pelos seus
membros (SILVERSTEIN, 2006).
A idade dos membros da família e o fato de ela conter membros de uma, duas ou três gerações
acarretam diferenças importantes em sua dinâmica, porque cada tipo de família tem
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necessidades e obrigações diferentes. O gênero, a idade e a condição econômica dos idosos
que integram uma família na qual convivem seus filhos, netos e bisnetos criam uma dinâmica
própria que envolve as funções, os papéis e os relacionamentos familiares. O grau de
vulnerabilidade física e psíquica dos idosos, espelhada em limitações funcionais físicas pode
afetar o equilíbrio da estrutura familiar. A extensão do desequilíbrio pode colocar em risco a
capacidade assistencial da família. Idosos com depressão e ansiedade, condições psicológicas
indicadoras de desregulação emocional, têm forte impacto sobre o suporte social oferecido
pela família e sobre a percepção que seus membros têm sobre seu funcionamento. Quanto
maior a funcionalidade familiar, melhor será a resposta da família às demandas da velhice e
melhor será a qualidade de vida dos idosos. A funcionalidade familiar e a qualidade
emocional dos vínculos familiares dependem da maneira como o sistema foi organizado ao
longo do tempo, dos padrões que foram estabelecidos e das formas de ajustamento vigentes na
família (FALCÃO; BAPTISTA, 2010; ANDRADE; MARTINS, 2011).
Pelo fato de ser fonte primária de suporte e o principal recurso potencializador da saúde física
e mental dos idosos que nela convive, a família ocupa lugar de destaque na agenda social e no
debate político, histórico, sociológico, psicológico e de saúde das sociedades. Compreender as
variações correntes na configuração e no funcionamento da família brasileira que têm idosos
entre seus membros e que vivem em contextos de pobreza, é um desafio que se abre para a
pesquisa voltada ao atendimento das necessidades da população. Os dados resultantes poderão
interessar aos gestores de políticas públicas e aos profissionais de saúde. Do ponto de vista
teórico, é importante compreender a configuração e o funcionamento familiar porque a
qualidade das relações familiares e os padrões de interação podem ser relacionados com o
desenvolvimento e com o curso de diversas condições de saúde física e psicológica dos idosos.
As famílias com membros idosos enfrentam vários desafios emocionais, financeiros, legais e
instrumentais. A percepção sobre o grau em que as necessidades dos idosos devem ser
satisfeitas relaciona-se com a provisão de suporte e com um funcionamento familiar saudável.
A literatura brasileira sobre o assunto é escassa e atualmente está limitada principalmente à
perspectiva do cuidador familiar. Conhecer o ambiente familiar a partir da perspectiva dos
idosos pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias de intervenção mais eficazes de
4
promoção da saúde, contribuir para o esclarecimento do impacto de diferentes condições
físicas e psicológicas sobre a família e fundamentar programas direcionados a comunidades
menos favorecidas.
Os sistemas público e privado de saúde são constantemente desafiados a dar respostas eficazes
às necessidades dos idosos, adequando-se aos valores e às praticas culturais e estabelecendo
relações de parceira e corresponsabilidade entre familiares e profissionais. Dados de pesquisa
sobre a configuração e o funcionamento de famílias com idosos podem ser úteis a essas
agências, em processos de intervenção familiar que visem ao estabelecimento e à manutenção
de estruturas familiares mais coesas e responsivas às necessidades de todos os seus membros.
Podem ser úteis em situações de treinamento de profissionais para atuar junto à população
idosa e na promoção de boas relações entre a família e a comunidade.
No texto que segue será apresentada a fundamentação teórica, começando pela concepção
sistêmica de família. Nesta visão, a interconectividade é o principal fundamento do
funcionamento da família e busca compreender como o sistema familiar se adapta e se
reorganiza frente a estressores. No tópico seguinte, a família será apresentada sob o ponto de
vista de sua historicidade, em termos de ciclos caracterizados pela interação dos membros
individuais e do sistema familiar com pressões externas e internas que geram exigências para a
adaptação. Ênfase será dada à última fase da vida das famílias, qual seja, a que coincide com a
presença de idosos entre seus membros. No terceiro tópico será considerada a questão das
transferências intergeracionais de recursos nas diferentes configurações familiares, em
interação com características pessoais dos membros, com eventos situacionais, com a situação
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econômica e a saúde, a funcionalidade e a afetividade dos residentes. O quarto item será
dedicado ao tratamento das relações emocionais que se estabelecem entre as gerações e do seu
impacto sobre a saúde mental dos idosos. O argumento central é que a regulação dos
relacionamentos sociais no âmbito da família está associada com a habilidade de seus
membros de regular e manejar as emoções. Esta habilidade é crucial à harmonia das relações
familiares e intergeracionais nos sistemas familiares.
A concepção de família como um sistema foi desenvolvida por volta dos anos 1950.
Estenderam-se para o sistema familiar os conceitos teóricos desenvolvidos pela teoria geral
dos sistemas e pela cibernética, que tinham a pretensão transdisciplinar de desenvolver
princípios aplicáveis a qualquer sistema, fossem eles biológicos ou sociais. Essa perspectiva
representou um salto para o entendimento da família, ao passar do pensamento linear (causa-
efeito) para o circular (padrão interativo) e ao deslocar o foco do indivíduo (intrapsíquico)
para o das relações (interrelacional). A dinâmica familiar passou a ser vista como o produto de
um sistema, com propriedades que emergem do seu funcionamento sistêmico (SANCHEZ,
2012).
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relacionamentos e a natureza das interações entre os elementos do sistema são vistos como tão
importantes quanto os próprios elementos. O desenvolvimento do estresse é visto dentro de
uma matriz contextual, de contornos culturais e sociais. Como premissas, essa perspectiva
inclui a totalidade e a não-somatividade, a homeostase, a morfogênese, os processos de
feedback e a equifinalidade (GRANDESSO, 2000). Segundo os princípios da totalidade e da
não somatividade, o todo é maior ou diferente da soma das partes, isto é, o próprio sistema
familiar tem qualidades que excedem as dos membros individuais. Todo sistema se comporta
de maneira que a mudança em uma parte do sistema provoca mudança em outras subpartes e
no sistema como um todo. A homeostase é um processo de autorregulação que mantém a
estabilidade do sistema, preservando o seu funcionamento. A morfogênese diz respeito à
espontaneidade dos sistemas vivos, sua abertura ao meio e sua capacidade de absorver
estímulos e mudar sua organização. Os processos de feedback do sistema familiar podem
aumentar a estabilidade ou provocar mudança. A equifinalidade é uma característica
representada pela noção de que diferentes condições iniciais podem gerar o mesmo resultado,
bem como diferentes resultados podem ser gerados pela mesma condição inicial, num
processo regido pelos princípios da multicausalidade e da multidetermiação.
Os sistemas complexos têm capacidade de auto-organização, por meio das ações de seus
elementos, que funcionam de forma interdependente. Por meio da retroinformação, a família
regula entradas e saídas para que o sistema como um todo possa se adaptar. Trata-se de um
processo circular em que a ação de um membro da família tem consequências que
influenciarão suas próprias ações futuras e as ações do próprio sistema. A retroalimentação
negativa funciona para manter a homeostase enquanto que os feedbacks positivos respondem
pela morfogênese. A adaptabilidade do sistema diz respeito ao equilíbrio advindo da tendência
à homeostase e da capacidade de transformação (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007).
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padrões existentes, até alcançar o equilíbrio novamente. Mudanças são presididas por períodos
de desequilíbrio, que podem funcionar como oportunidades para o crescimento ou para o
movimento em busca de oportunidades. No entanto, se os recursos são insuficientes ou se o
sistema não se envolver na ativação de processos de solução de problemas ou de geração de
novos recursos, a adaptação e o consequente crescimento podem não ocorrer (WALSH, 2011).
Não há uma elaboração teórica homogênea sobre a família dentro do pensamento sistêmico, o
que reflete a complexidade do fenômeno. Para a escola estrutural sistêmica, cujo expoente é
Salvador Minuchin (1982), três componentes são essenciais para a compreensão da família:
estrutura, subsistemas e fronteiras. O sistema familiar tem uma estrutura, isto é, uma forma de
funcionamento dada por um conjunto invisível de regras que organizam a interação familiar. A
estrutura da família está relacionada com seu funcionamento. Em um sistema complexo de
elementos em mútua interação, cada membro faz parte de um subsistema e de um sistema, em
uma relação de complementaridade e mutualidade. Os subsistemas familiares são
caracterizados pelo grau de reciprocidade entre os membros, pelo equilíbrio do poder e pela
qualidade afetiva dos relacionamentos. Respondem a demandas específicas associadas ao
desempenho das funções conjugais, parentais, filiais e fraternas, que se diferenciam por meio
de fronteiras ou barreiras invisíveis que regulam o contato e os limites de interação com os
outros, definem os espaços subjetivos de cada membro e delimitam seus papéis. Essas
fronteiras protegem a autonomia e a diferenciação do sistema e dos subsistemas, e assim,
ajudam os membros da família a lidar com a proximidade e com a hierarquia (AUN,
VASCONCELLOS; COELHO, 2007).
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funções. Quando os subsistemas têm fronteiras claras e definidas, mas dinâmicas e flexíveis,
as associações relacionais são mais adaptáveis às mudanças no ciclo de vida familiar e às
mudanças sociais externas.
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Os estudos sobre família têm apontado a coesão e a hierarquia como duas dimensões básicas à
descrição da organização familiar (MINUCHIN, 1982). A coesão é definida como vínculo,
proximidade emocional ou sentimento de estar conectado ao grupo. É uma propriedade dos
subsistemas e dos sistemas familiares com maior bem-estar psicossocial. A hierarquia é
definida como uma estrutura de poder que envolve influência, controle (criação de regras e
imposição de limites), poder decisório e adaptabilidade. Quando auxilia a manter o equilíbrio
no sistema familiar, o exercício de poder é adaptativo. Assim, o funcionamento familiar
saudável está relacionado ao relacionamento igualitário do casal (equilíbrio de poder) e à
superioridade dos pais sobre os filhos. Famílias estressadas têm maior probabilidade de
demonstrar inversão dessa hierarquia, que pode levar ao colapso no funcionamento da família
(GEHRING; MARTI, 1993; GEHRING; MARTI; SIDLER, 1994).
O modelo circumplexo dos sistemas conjugal e familiar proposto por Maynard e Olson (1987)
destaca três dimensões: a coesão, a adaptabilidade e a comunicação. A coesão reflete a
maneira como o sistema equilibra separação versus união. Segundo Olson e Gorall (2003),
existem cinco níveis de coesão: emaranhado (coesão muito alta), conectado (coesão
moderada), separado (coesão baixa) e desligado (coesão muito baixa). Os níveis centrais ou
equilibrados de coesão geram um funcionamento familiar e conjugal equilibrado, enquanto os
níveis extremos ou desequilibrados (desligado ou emaranhado) estão relacionados a problemas
nos relacionamentos. É esperado que os níveis de coesão mudem momentaneamente para que
o sistema lide com os estressores, e que mudem ao longo do tempo para acomodar as
mudanças evolutivas dos membros. Um sistema equilibrado é aquele que pode experimentar
níveis extremos quando apropriado, mas que em seguida volta aos níveis basais de
funcionamento.
A flexibilidade familiar diz respeito a como o sistema equilibra estabilidade com mudança
(MAYNARD; OLSON, 1987). Caracteriza-se pela habilidade do sistema conjugal e familiar
para mudar a estrutura de poder, a liderança (controle e disciplina), os papéis e as regras, em
resposta aos eventos de vida. Como ocorre com a coesão, a permanência prolongada nos
níveis extremos pode ser problemática, gerando inflexibilidade ou flexibilidade caótica.
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Relacionamentos bem estruturados e estáveis são capazes de mudar de maneira mais
funcional.
Gehring e Marti (1993) consideram que a combinação entre coesão e hierarquia define a
estrutura relacional familiar. Acreditam que essa combinação funciona num contínuo que
inclui os níveis equilíbrio, equilíbrio instável e desequilíbrio. Uma estrutura equilibrada é
indicada por coesão moderada ou alta e por hierarquia moderada. O equilíbrio instável é
representado por coesão moderada combinada com baixa ou alta hierarquia, ou por baixa
coesão combinada com moderada hierarquia. Estruturas desequilibradas apresentam escores
extremos nas duas dimensões.
O clima familiar pode ser analisado à luz das relações interpessoais entre os membros, que,
segundo Montiel-Nava, Montiel-Barbero e Peña (2005), comportam três dimensões:
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relacionamento, crescimento pessoal e manutenção do sistema. A dimensão relacionamento
reflete-se em coesão, expressividade e conflito. A dimensão crescimento pessoal diz respeito
ao grau em que a família permite e ajuda os membros a se desenvolverem como únicos,
independentes e orientados à realização e às atividades intelectuais, culturais e recreativas.
Engloba também a ênfase nos aspectos religiosos. A dimensão manutenção do sistema inclui
aspectos de controle e organização que permitem à família funcionar como um todo
organizado.
A família tem uma cultura própria que é regida por regras, valores e crenças. Segundo Naves e
Jesus (2005), sua funcionalidade é fruto do equilíbrio entre a cultura das relações interpessoais
(coesão/conflito, sentimento de pertença; afetividade e comunicação), a cultura da heurística
(capacidade de adaptação à mudança, criatividade), a cultura da hierarquia (regras, os papeis,
os limites) e a cultura dos objetivos sociais (objetivos sociais, pressão social, competitividade).
O equilíbrio refere-se à flexibilidade e à rigidez, que devem complementar-se em proporções
mais ou menos simétricas, frente às demandas internas e externas do sistema. A
disfuncionalidade reflete a incapacidade de obter equilíbrio entre os vários aspectos desse
complexo processo e não se caracteriza apenas pela presença do conflito, mas também pela
dificuldade de lidar com ele de forma eficaz. O conflito pode colocar a adaptação familiar em
risco, quando afeta significativamente a coesão. Também pode ser um veículo de mudança e
de reestruturação e, como tal, é indispensável ao desenvolvimento das relações familiares. Em
qualquer fase do desenvolvimento, a funcionalidade da família reflete-se na capacidade de
adaptação e mudança, na capacidade de enfrentar a pressão social, nos recursos afetivos e na
organização de papéis, normas e regras.
No âmbito das disfunções familiares, Osorio (2009) descreve dois fenômenos que podem
causar sofrimento no campo relacional da família: o divórcio e as cisões intra e inter
geracionais. O divórcio gera questões de ordem financeira, social e emocional. É disfuncional
se as etapas de seu ciclo não se sucedem dentro do esperado ou se o sofrimento imposto aos
membros da família impede a execução das tarefas correspondentes ao seu ciclo de vida. As
cisões intrageracionais são situações de conflito entre pessoas de uma mesma geração; as
intergeracionais envolvem conflitos entre pessoas de gerações diferentes. São exemplos das
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primeiras as brigas entre irmãos por dinheiro e outros bens materiais. Exemplificam cisões
intergeracionais os conflitos entre pais e filhos decorrentes de desacordos com relação às
escolhas afetivas ou profissionais destes últimos. A violência, o abandono e os abusos também
são instâncias de disfuncionalidade familiar.
A família sofre constantes pressões externas e internas, tais como doenças, morte,
nascimentos, casamentos e separações, que requerem constante transformação nas relações e
nas posições dos membros dentro do sistema. Se a família responde com rigidez aos diferentes
eventos estressantes, podem ocorrer padrões disfuncionais. Como os membros operam como
um sistema e estão ligados de várias maneiras ao longo da vida, os desafios e transições do
ciclo vital determinam a forma de ser e de estar da família e determinam como as situações
são vivenciadas, segundo suas forças e vulnerabilidades. A compreensão dos problemas que os
idosos e seus familiares vivenciam depende das características dos eventos de transição, dos
padrões familiares e das relações inter e intrageracionais. As relações familiares são moldadas
pela história de vida dos seus membros e pelas circunstâncias históricas específicas que os
afetam e afetam o sistema familiar ao longo das respectivas existências (CARTER;
MCGOLDRICK, 1995).
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descontínuos. Pressões e tensões podem significar disfuncionalidade momentânea, sinalizando
uma nova e mais complexa integração. Porem, quando a solução dos problemas é impedida ou
retardada, podem sobrevir problemas duradouros de adaptação.
As respostas da família aos eventos de transição da vida de seus membros e do sistema como
um todo dependem da história familiar compartilhada, das normas sociais sobre o significado
dos eventos, dos comportamentos e papéis esperados, das crenças compartilhadas com relação
às fases da vida e à duração e à sequência dos eventos (PIERCY, 2010). Os eventos de
transição costumam gerar estresse familiar. Geralmente os membros são capazes de enfrenta-
lo e supera-lo (COELHO, 2007), mas o estresse pode ser intensificado por conflitos
intergeracionais com relação a valores e a expectativas de comportamento.
O estresse presente nos momentos de transição pode se acumular nas relações entre as
gerações. Se não resolvidas, as dificuldades de adaptação às mudanças e os processos
emocionais subjacentes podem repetir-se, de maneira que os padrões vinculares observados
em uma geração podem ser transmitidos para as seguintes. Trata-se do processo de
transmissão geracional, no qual as experiências do passado dos membros são atualizadas em
face de um evento de vida contemporâneo e generalizadas para outras esferas da vida
individual e familiar. Por causa da interdependência dos membros da rede familiar, o
sofrimento psíquico pode ser reativado e revivido no presente, por membros que não
vivenciaram o fato principal (COELHO, 2007). Para Carter e McGoldrick (1995), basta um
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estresse no eixo horizontal para que a família se apresente como disfuncional e ocorra um
rompimento no sistema, especialmente se houver um estresse intenso e concorrente no eixo
vertical. A disfunção se apresenta como a presença constante (caráter longitudinal) ou
ocasional de estruturas patológicas, coincidentes com a dificuldade da família de adaptar-se a
mudanças e a novas circunstâncias. A insuficiência familiar também pode conduzir à
disfunção, caracterizada, por exemplo, pela impossibilidade física de os membros prestarem a
assistência necessária ao idoso, bem como por situações de maus-tratos e violência
decorrentes de carências materiais, sociais, psicológicas e afetivas (LEME, 2007).
Hareven (1996) identifica três domínios nos padrões familiares e nas relações geracionais
envolvendo pessoas idosas:
1. Sincronia entre os eventos de transição da vida de cada membro da família e os eventos
de transição da história social. Na vida individual, os eventos de vida demarcam o
envolvimento das pessoas em novas fases do desenvolvimento e em novos papeis
sociais, como acontece, por exemplo, com a entrada na escola, o casamento e a
parentalidade. Podem demarcar, também, o afastamento de papéis, caso da
aposentadoria e da saída dos filhos de casa para constituir a própria família. A
elaboração desses momentos de transição da vida individual pode ser facilitada ou
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dificultada por períodos da vida social caracterizados por abundancia ou por restrição
de recursos financeiros, empregos e oportunidades. Os idosos podem viver fortes
sentimentos de incontrolabilidade se seus filhos e netos vierem a viver eventos por
demais estressantes em comparação com os recursos de que dispõem para enfrenta-los,
ou de viverem eventos de transição da vida pessoal em momentos de instabilidade
política e socioeconômica.
2. Sincronia entre as transições individuais e as do coletivo familiar e como as relações
geracionais são afetadas nesse processo. Os indivíduos sucessivamente se engajam em
uma variedade de configurações familiares, que mudam ao longo do tempo em função
da emergência de novas exigências e tarefas para a família como um todo. Eventos
familiares como mortes, casamentos, nascimentos e migrações propõem novas
exigências aos membros de cada núcleo familiar. A sincronia entre as novas exigências
que pesam para a família, que tem que realocar papeis e atribuições de status é um
aspecto crucial da adaptação da família e de seus membros. A assincronia entre esses
aspectos é exemplificada por conflitos entre as metas individuais e as necessidades e
ditames da família, os quais podem afetar as relações intergeracionais.
3. Impacto acumulado de acontecimentos anteriores da vida das coortes e das famílias. As
experiências anteriores de cada coorte, moldadas pelos eventos históricos, têm impacto
sobre o curso de vida das próximas gerações, sobre a disponibilidade de recursos para
os membros familiares e sobre as habilidades de enfrentamento na velhice.
A velhice dos membros idosos é o último do ciclo de vida familiar, caracterizado pelo
rompimento com o trabalho formal, pelo vislumbre da perda de independência e autonomia,
16
pela proximidade da morte e pela vivência do luto pela perda do cônjuge, de parentes e de
amigos. Ao mesmo tempo, há a possibilidade de reencontro com o cônjuge, de projeção da
continuidade familiar nas futuras gerações, de reestruturação de papéis familiares e de revisão
de vida, de busca de integridade e de busca de significado. As características e a qualidade
desse momento são consequentes a como as fases anteriores foram vividas, aos
relacionamentos passados e aos padrões familiares desenvolvidos para manter a integração
familiar (CARVENY; BERTHOUD, 2009).
Homens e mulheres envelhecem de forma diferente. A maioria dos idosos atuais foi
socializada segundo um modelo em que a posição das mulheres nos relacionamentos era
definida pelos homens. Cabia às mulheres a responsabilidade emocional pelos
relacionamentos familiares e o gerenciamento das relações de intimidade, o que lhes conferia
poder dentro da família. Esse padrão está mudando aos poucos, mas ainda é predominante
entre os atuais idosos, conforme documentado por pesquisas de levantamento. Por exemplo,
Socorro e Dias (2007) avaliaram a perspectiva de mulheres idosas quanto aos papéis
vivenciados durante o ciclo vital da família. A maioria das idosas relatou que se moldaram aos
padrões de família tradicional segundo o qual deveriam abandonar a vida profissional,
subordinar-se aos seus maridos e ficar responsáveis pelos cuidados da casa e dos filhos. Com a
viuvez, boa parte passou a residir com filhos e a cuidar de netos e de parentes idosos, mas
relataram sentirem-se amparadas e acolhidas por suas famílias na velhice. Santos e Dias
(2008) encontraram que os homens idosos exercem papel de transmissores de valores,
conciliadores, agregadores e provedores de suporte financeiro, tendo importância fundamental
na família. Mostram-se disponíveis nos momentos de crises e manifestam desejo de
permanecer na posição de chefes e de norteadores do comportamento familiar.
Como já comentado, os eventos que marcam a vida pessoal dos idosos também marcam as
relações familiares. A dependência e a incapacidade resultantes de problemas de saúde física e
mental, a viuvez e a aposentadoria de um membro idoso acarretam implicações para o
equilíbrio da família. O estresse decorrente desses eventos pode juntar-se com outros,
principalmente em contextos de vulnerabilidade social. A viuvez é considerada um dos
eventos de transição mais difíceis, pois é seguida por reconfiguração e adaptação de papéis e
17
funções parentais, de chefia e de suporte na família. O processo de luto decorrente da viuvez
está associado com maior risco de transtorno mental, com maior número de enfermidades de
saúde geral (PARKES, 1998), com mortalidade aumentada (GOMES et al, 2013) e com mais
sintomas depressivos (TRENTINI et al, 2009). A perda do cônjuge adiciona novos problemas
ao cotidiano, acarreta necessidade de reavaliação do significado da vida e das metas, tem
impacto sobre a identidade e implica em responder a novas exigências na vida prática. A
adaptação à viuvez parece ser mais difícil para os relacionamentos com elevados níveis de
proximidade e de dependência instrumental e com baixos níveis de conflitos no casamento
(SILVA; FERREIRA-ALVES, 2012). Os homens costumam ser mais dependentes em termos
instrumentais e as mulheres em termos emocionais. Homens e mulheres mais ajustados
aprendem mais rapidamente a manejar o estresse decorrente da viuvez e das consequentes
alterações em papeis e tarefas associados a gênero (SILVERSTEIN; GIARUSSO, 2010).
Para Carter e McGoldrick (1995), na velhice ou estágio tardio do ciclo de vida familiar, aceitar
a mudança dos papéis geracionais é o principal processo emocional de transição. Os idosos
devem apoiar a chamada geração do meio, formada pelos filhos, genros e noras, permitindo-
lhes maior centralidade no desempenho de papeis de autoridade. A recusa em passar parte do
controle, a inflexibilidade ou a dificuldade para aceitar a mudança de papéis são ocasião para
conflitos e para disfuncionalidade familiar e pessoal. Segundo Silverstein e Bengtston (1994),
muitos idosos relutam em solicitar ou aceitar suporte dos filhos, preferindo permanecer
autônomos pelo maior tempo possível, mesmo quando a necessidade de assistência é
inarredável. Se por um lado a interpretação da oferta de ajuda como desnecessária pode ajudar
os idosos a preservar a autoestima e a autoeficacia, por outro pode causar desprazer e conflitos
nas relações com os filhos. Quando há expectativa de suporte e esta não se realiza, os idosos
podem sentir-se alienados e negligenciados. Se é verdade que as relações intergeracionais ao
longo da vida são caracterizadas por uma tensão entre a autonomia a e dependência, também é
verdadeiro que, na velhice, a saúde dessas relações exige a negociação dos papéis geracionais.
18
de saúde, oferecer conforto emocional, interagir com profissionais de saúde e lidar com
conflitos familiares. Dados do Estudo Fibra Campinas (NERI, 2010) sobre o cuidado a idosos
exercido por outros idosos com diferentes condições de saúde e bem-estar social apontam que
a escassez de ajuda e a privação de contatos sociais são fontes de risco ao bem-estar físico e
psicológico dos cuidadores idosos. As idosas cuidadoras tinham mais doenças crônicas do que
os idosos cuidadores. Ser cuidador homem e ter deixado de lado a maior número de atividades
avançadas de vida diária foram condições associadas ao baixo suporte social percebido. Para o
grupo de cuidadores, baixa renda familiar associou-se com depressão e a percepção de que o
suporte social disponível era insuficiente associou-se com maior probabilidade de afastamento
social. Esses resultados mostram a complexidade das relações entre gênero, doenças,
incapacidade, depressão e prestar cuidados na velhice.
19
São exemplos de fatores que influenciam a boa funcionalidade de famílias com idosos que
requerem cuidados de longa duração: contar com uma rede de suporte social informal
composta por parentes, amigos, voluntários ou grupos religiosos; facilidade de acesso aos
serviços de saúde; recursos comunitários, que possibilitam o acompanhamento regular do
estado de saúde dos idosos. São importantes, também, a capacidade adaptativa dos familiares
diante da doença; a organização da casa; relações afetivas consistentes, responsáveis e seguras
e grande dedicação dos familiares ao idoso. (MARQUES; RODRIGUES; KUSUMOTA,
2006; HORTA; FERREIRA; ZHAO, 2010). As maiores dificuldades da família dizem
respeito à desorganização emocional, ao luto antecipado, à sobrecarga do papel de cuidador, à
falta de conhecimento sobre a doença e ao desajuste familiar, que aumentam com a doença,
com a falta de colaboração para o cuidado e com o distanciamento nos relacionamentos. As
mulheres estão mais expostas a sentir insatisfação em relação à funcionalidade familiar do que
os homens idosos (SILVA; GALERA; MORENO, 2007; SANTOS; PAVARINI; BARHAM,
2011).
Quando os idosos não têm doenças nem dependência, a satisfação com a dinâmica familiar e o
bom relacionamento entre os membros da família tornam-se mais prováveis. As exceções
geralmente incluem os idosos que moram sozinhos e que precisam recorrer a pessoas fora da
família e as famílias cujos membros são todos idosos. Os idosos saudáveis preocupam-se com
a dependência, a doença e a solidão e têm opinião formada sobre as características da pessoa
que gostariam que fosse sua cuidadora (PAVARINI et al, 2006; PAIVA et al, 2011).
20
A assimilação da situação de cuidar, a resolução dos problemas dela advindos e a organização
necessária para o enfrentamento e para a manutenção da trajetória familiar dependem da
história familiar pregressa. As questões afetivas arraigadas nas relações e as tensões existentes
dentro da família tendem a ser exacerbadas pela enfermidade do idoso. A partir da melhor
elaboração dos conflitos e da consolidação de novos arranjos, a família consegue buscar
alternativas e novos recursos para a idoso e para a própria estabilidade.
21
3. AS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E AS TRANSFERÊNCIAS
INTERGERACIONAIS DE RECURSOS
O conceito de configuração familiar diz respeito a quem faz parte de uma unidade domiciliar e
como esta se organiza, caracterizando um núcleo ou nicho familiar. Os diversos arranjos
domiciliares podem envolver uma pessoa vivendo sozinha, um casal, uma família nuclear
tradicional (pai, mãe e filhos), uma família monoparental, uma família ampliada (pai, mãe,
filhos, netos e bisnetos), um idoso vivendo com a família de um filho ou filha, um idoso
vivendo com outros parentes, um idoso vivendo com amigos ou agregados, um idoso ou um
casal de idosos vivendo com empregados domésticos ou cuidadores e arranjos mistos
(PEDRAZZI, 2008). As diversas transformações sociais em curso no Brasil estão modificando
o tamanho e a configuração da família, assim como estão mudando os arranjos domiciliares.
22
realidade predominantemente feminina. Sendo mais pobres e menos escolarizadas do que os
homens, as mulheres são mais vulneráveis às consequências do envelhecimento e apresentam
mais doenças e incapacidades incidentes do que os homens idosos. Como o tipo de arranjo
familiar é comumente determinado pela incapacidade física e pela pobreza, as mulheres têm
maior probabilidade de morar com parentes.
A configuração familiar também é moldada pela chefia familiar e pela contribuição dos
membros adultos e idosos para o sustento da família. Nesse sentido, os economistas
consideram a existência de famílias de idosos e de famílias com idosos (CAMARANO et al,
2004). Nas famílias de idosos, o idoso é o chefe da família, é geralmente mais jovem,
economicamente produtivo e com boas condições de saúde. Sua renda é fundamental ao
orçamento familiar, nele prevalecendo transferências descendentes de apoio (das gerações
mais velhas para as mais jovens). Idosos com algum grau de dependência física podem
manter-se na posição de chefes de família, se tiverem rendimentos e se puderem contar com o
cônjuge para ajuda-los com cuidados. Nas famílias com idosos, eles ocupam a posição de
parentes do chefe da família. São geralmente mais velhos e do sexo feminino, com renda
insuficiente para garantir seu sustento e, com frequência, precisam de ajuda para o
desempenho de atividades de vida diária. Nessas famílias, prevalecem transferências de apoio
ascendentes (da geração mais nova para a mais velha).
Se por um lado a corresidência pode dar origem a conflitos relacionados ao controle familiar e
ao manejo e à destinação dos recursos materiais, por outro pode beneficiar os idosos e seus
descendentes, em especial em situações de pobreza extrema. Embora facilite a transferência de
recursos materiais, instrumentais, emocionais e cognitivos entre as gerações, a corresidência
não garante que o idoso receberá o apoio de que precisa, mesmo quando contribui
financeiramente ou cuida de netos e da casa.
23
idosos (SANTOS; PAVARINI, 2009; SOUZA; SKUBS; BRETAS, 2007; Pedrazzi et al,
2010). Para os velhos, esses elementos podem funcionar com um seguro contra maus tratos e
negligência. Para os membros não-idosos da família, contar com a renda dos idosos pode
funcionar como um seguro contra privações materiais.
Os idosos mais velhos tendem a obter mais ajuda do que os idosos jovens, mas os homens de
mais de 80 anos, de baixa renda, não casados e com pequena rede de apoio tendem a ser
menos cuidados (ROSA et al, 2007; PAVARINI et al, 2009). Motta et al (2010) descreveu as
vivências incomuns de famílias multigeracionais com idosos centenários. Nelas, a geração
pivô, ou geração do meio, é composta por idosos que se dividem entre os cuidados aos pais
centenários e aos descendentes (filhos, netos e bisnetos). Ou seja, oferecem apoios quando eles
próprios estão mais fragilizados. É comum que mencionem renúncias, dificuldades e
obrigações em demasia.
Ser casado é fator protetor tanto para homens quanto para mulheres. Os homens casados, com
maior escolaridade e renda mais alta desfrutam de melhor interação social e de mais apoio
emocional e informativo. As mulheres idosas com baixa escolaridade e renda, não casadas e
que vivem com menor número de pessoas estão expostas a maior risco de baixo ou
inadequado suporte social (PINTO et al, 2006; ROSA et al, 2007). Idosos casados relatam
melhor bem-estar físico e psicológico do que os não casados, possivelmente porque são mais
favorecidos pelo apoio recebido pela família e das redes sociais externas à família (BIRDITT;
ANTONUCCI, 2007). Segundo Corbi e Menezes-Filho (2006) e Peiró (2006), os casados têm
cerca de 50% mais chance de se avaliarem como felizes que os solteiros, viúvos e separados.
Entre homens e entre mulheres, a satisfação conjugal atenua a percepção negativa da saúde. A
presença do cônjuge tende a ser um fator protetor, favorecendo a manutenção das condições
que levam à melhor percepção de saúde (WALDINGER; SCHULZ, 2010).
24
homens, com maior renda, com maior escolaridade, com 75 anos ou mais, sem filhos, com boa
saúde e capacidade funcional e os viúvos (CAMARGOS; MACHADO; RODRIGUES, 2007).
No entanto, morar sozinho pode configurar uma condição de risco para o bem-estar,
especialmente para os idosos com problemas de saúde ou que não dispõem de condições
adequadas de subsistência. O estudo de Silva, Rabelo e Queroz (2010) mostrou relações entre
os arranjos de moradia e a satisfação dos idosos com a dinâmica familiar. Os mais insatisfeitos
foram os que moravam sozinhos ou com outras pessoas fora da família. Mesmo quando os
idosos moravam com outras pessoas da família, a ausência do cônjuge associou-se com níveis
mais baixos de satisfação.
Batistoni et al (2013) observaram que a maioria dos idosos espera ser cuidada por alguém,
especialmente pelas filhas, principalmente aqueles que moram com o cônjuge e os
descendentes e os que têm percepção mais positiva de suporte social. Ou seja, os idosos
esperam que as relações de parentesco e a convivência traduzam-se em cuidado e ajuda mútua.
De modo inverso, é menos provável que o idoso acredite que receberá ajuda, na presença de
um histórico familiar de conflitos ou de situações relacionais mal resolvidas. Embora nenhum
tipo de arranjo garanta que o idoso venha a receber a ajuda de que precisa ou que espera, a
percepção de que há pessoas disponíveis para o suporte contribui para que mantenham
sentimentos de que são valorizados e cuidados.
25
estrutura e da dinâmica do funcionamento familiar. Se bem que seja importante para o bem-
estar dos idosos e sirva como indicador importante dos recursos materiais e humanos da
família, a corresidência não esgota a complexidade da estrutura e da dinâmica das unidades
familiares formada por idosos ou que têm membros idosos entre seus componentes.
A família é uma organização social que se esforça para distribuir recursos (por exemplo,
dinheiro, bens, tempo e espaço), com base em decisões estratégicas orientadas à manutenção
do equilíbrio do sistema e do bem-estar dos membros. A intensidade e o fluxo dessas
transações exibem diferentes motivações e características, mas seu elemento comum é a
necessidade de satisfazer tanto as necessidades individuais quanto as coletivas. A deliberação
do chefe de família quanto à alocação dos recursos familiares é seletiva e não representa,
necessariamente, a preferência dos outros membros. Frente a demandas concorrentes, as
percepções e expectativas de pais, filhos, irmão e netos sobre quais são as necessidades e
sobre como deve ser o fluxo das transferências podem ser muito diferentes. Ao envolver
interesses conflitantes, a alocação de recursos pode implicar em barganhas de poder
(SILVERSTEIN, 2006).
O exame das transferências intergeracionais de recursos tem sido realizado a partir de duas
perspectivas teóricas: a da troca social e a do altruísmo. A teoria da troca social sustenta que
os indivíduos agem com base em cálculos de custo e benefício. Por conseguinte, toda a
interação social, inclusive as que se dão entre os membros da família, é vista como um
intercâmbio de recursos. Em consonância com esta perspectiva, os pais ajudam filhos adultos
que anteriormente os ajudaram, ou que deverão ajudá-los no futuro. Em contraste, a
perspectiva do altruísmo não vê as transferências em termos de troca mútua. Pelo contrário,
acredita que comportamentos altruístas destinam-se principalmente a aumentar o bem-estar
dos destinatários. Deste ponto de vista, os pais que apoiam filhos adultos o fazem por amor e
como forma de melhorar a vida dos filhos. Como subproduto não intencional seu bem-estar
também aumenta (ROLL; LITWIN, 2010).
Na atualidade, idosos jovens são obrigados a ajudar as gerações mais velhas e as mais novas
ao mesmo tempo, otimizando seu tempo e seus recursos para oferecer tudo o que for possível
26
aos representantes de ambas as gerações (FINGERMAN; SECHRIST; BIRDITT, 2013).
Mesmo em famílias com um ou dois progenitores idosos com incapacidade funcional, a ajuda
recebida por eles é pouco maior do que a que oferecem aos filhos. O fluxo de suporte é
preferencialmente direcionado aos filhos e netos, porque de modo geral eles são vistos como
uma extensão dos pais e porque apresentam importantes demandas associadas ao
prolongamento da educação, à carreira, ao trabalho, ao desemprego e aos filhos pequenos.
Esse padrão de suporte só é alterado quando os pais idosos enfrentam uma crise na saúde e
apresentam incapacidade (FINGERMAN et al, 2010).
No Brasil, o fluxo de apoio dos idosos para os mais jovens é crucial na maior parte da vida e
os pais só começam a demandar maior suporte dos filhos a partir dos 75 anos (CAMARANO
et al, 2004). Parte significativa da corresidência verificada no Nordeste brasileiro está mais
associada às necessidades dos filhos adultos do que às dos pais (SAAD, 2004). É comum que
os idosos priorizem as necessidades dos descendentes em detrimento das suas e que gastem
mais de sua renda com outros familiares do que com eles mesmos. A renda dos idosos tem
grande impacto na diminuição da pobreza e no aumento do investimento em capital humano
(ex: maior escolarização dos jovens e redução do trabalho infantil) (CAMARANO et al,
2004). Em muitas comunidades do Nordeste brasileiro, os rendimentos dos idosos
movimentam a pequena economia local.
Os idosos da América Latina estão longe de ser um fardo para suas famílias, pois as
transferências econômicas que realizam para os outros membros da família são maiores do que
as que recebem (ENGLER, 2007). Rosero-Bixby (2011) considera que, na América Latina, o
envelhecimento da população beneficia a qualidade de vida das famílias. Sousa, Silver e Griep
(2010) observaram que a maioria das mulheres idosas fornece mais apoio do que recebe
(58,3% contra 29,3%). Entre as ofertas de apoio pelos idosos estão: tomar conta dos netos,
cuidar da moradia e manejar o dinheiro da família. Entre os tipos de suporte recebido da
família estão: dinheiro (61,1%), cuidados pessoais (31,5%), companhia para se locomover
(18,5%) e moradia (13%). As mulheres que mais recebem suporte da família são as mais
velhas, que vivem sozinhas. As mães oferecem mais suporte instrumental e emocional às
filhas do que aos filhos, enquanto que os pais tendem a oferecer mais dinheiro aos filhos do
27
que às filhas (DEINDL; BRANDT, 2011). Os filhos casados tendem a receber mais ajuda dos
seus pais idosos do que filhos solteiros, assim como os idosos casados dão e recebem mais
ajuda financeira do que os que não casados (SAAD, 2004).
Ao ajudar os filhos, os pais podem vivenciar conflitos entre duas normas: a da reciprocidade e
da solidariedade. Os pais são geralmente motivados pela solidariedade, mas a norma da
reciprocidade também opera na diferenciação dos que receberão mais suporte. Assim, a
prioridade do suporte parece ser fruto de uma combinação entre a percepção de qual filho mais
precisa e de qual deles receberam mais auxílio no passado. Estudo de Suitor, Pillemer e
Sechrist (2006) revelou que a maioria das mães tende a ajudar mais as filhas mulheres, mais
jovens, não casadas, que moram perto, que têm problemas de saúde e que as ajudaram
recentemente. Viuvez e divórcio associam-se com a diminuição da ajuda dos pais aos filhos, e
com o aumento da ajuda destes para com aqueles. O recasamento dos pais diminui pela
metade a chance de oferta de transferências financeiras aos filhos adultos. (SHAPIRO;
REMLE, 2010).
28
O fluxo de apoio entre as gerações reflete normas sociais internalizadas e pressões sociais
externas. A família é um sistema social cujos laços envolvem expectativas de reciprocidade,
responsabilidade, compromisso e partilha de afeições e objetivos. O suporte familiar beneficia
os indivíduos por meio do desempenho das funções de dar e receber informações e auxílio
material e emocional, por fortalecer o senso de serem amados e valorizados e a identidade
social, e por ajudar a dar sentido às experiências de vida. A convivência multigeracional torna-
se cada vez mais provável com o aumento da longevidade. Esta ocorrência é de particular
interesse em contextos de vulnerabilidade social.
A maior longevidade alcançada pelos brasileiros está favorecendo uma convivência mais
prolongada entre as gerações. A convivência entre idosos, adultos, adolescentes e crianças no
mesmo domicílio acarreta alterações na hierarquia e na dinâmica da família, diversificação das
funções e mudanças nos papeis sociais dos idosos (LOPES; SANTOS, 2009). As trocas
podem se estruturar como relações de aliança, solidariedade e inclusão, ou então de conflito,
dominação e exclusão, beneficiando ou prejudicando a autonomia, a privacidade, a aceitação e
o respeito entre os membros. A convivência intergeracional abarca benefícios e dificuldades,
tanto para os idosos quanto para seus familiares. As doenças e as limitações físicas são as
mudanças que causam maior impacto na qualidade das relações entre os idosos e a família
(SOUZA; SKUBS; BRÊTAS, 2007).
O suporte advindo da família envolve elementos como coesão (proximidade emocional entre
os membros da família), apoio (suporte dado e recebido na família), adaptabilidade
(capacidade da família de se ajustar às mudanças) e comunicação. A percepção de que o
suporte familiar é satisfatório reflete a força da ligação emocional, sua adaptabilidade a
situações de estresse e o compartilhamento de afeto, estima e gratificação (NICHOLS;
SCHWARTZ, 2007).
29
A percepção de suporte atua como moderador do efeito dos eventos estressantes sobre a saúde
mental (HYDE et al, 2011; PETTIT et al, 2011). Couto e colaboradores (2009) investigaram
como a rede de apoio social se articula com o bem-estar psicológico em idosos expostos a
eventos de vida estressantes. Os resultados mostraram que, quanto maior a reciprocidade
dentro das redes de apoio, maior o bem-estar psicológico. As autoras sugerem que esses
processos podem favorecer a resiliência psicológica individual frente a eventos adversos.
30
apoio, o companheirismo e o conforto emocional e a minimizar as tensões e as dificuldades.
As estratégias de que os idosos lançam mão para otimizar suas relações sociais são explicadas
pela microteoria de seletividade socioemocional (SCHEIBE; CARSTENSEN, 2010). Segundo
este modelo, ocorre seleção voluntária e adaptativa dos parceiros sociais ao longo da vida
adulta e os idosos desempenham papel proativo no investimento emocional em relações que
lhes são recompensadoras. Na velhice, contatos emocionalmente significativos são mais
importantes do que outras motivações para o contato social, o que leva à escolha de parceiros
com quem podem manter relações de intimidade e proximidade e ligações de longo prazo.
Essa regulação da vida social proporciona bem-estar. Mudanças em circunstâncias da vida
podem criar desafios e impor limites a essa estratégia. Por exemplo, doenças e incapacidades
graves podem levar a uma redução involuntária dos parceiros sociais (CHARLES;
CARSTENSEN, 2009).
As pessoas se esforçam para manter contatos sociais positivos, mas, na velhice, esse esforço
pessoal está mais associado à proximidade emocional do que à percepção da reciprocidade
(LANG et al, 2013). À medida que o tempo passa, qualquer relacionamento pode enfrentar
dificuldades. Essa ameaça exige um esforço intencional para a sua manutenção, o que depende
da natureza (parentesco x não-parentesco) e da qualidade do relacionamento. Em contextos
estáveis e com baixos níveis de ameaça, trocas não recíprocas são toleradas, mas em situações
de instabilidade e de forte ameaça, os indivíduos ficam mais sensíveis à desigualdade. Talvez
por isso os idosos sejam mais propensos a desistir de relacionamentos fora da família do que
os adultos.
Experiências de conflito nos relacionamentos pessoais são relatadas com menor frequência por
idosos do que por não-idosos e têm implicações diferentes segundo a natureza do
relacionamento: o conflito está associado à maior proximidade emocional entre membros
familiares e à menor proximidade quando se trata de outros relacionamentos. Os
relacionamentos conflituosos exigem maior esforço pessoal para a sua manutenção. O
investimento de esforço para esta finalidade costuma ser diferentes para parentes e não-
parentes: maior esforço tende a ser direcionado aos familiares por sua maior proximidade
emocional e menor exigência de reciprocidade (LANG et al, 2013).
31
Mais interações positivas, menos interações negativas e satisfação com os relacionamentos
sociais estão associados com a habilidade de regular e manejar as emoções (MARROQUÍN,
2011). A regulação emocional envolve os processos intrínsecos e extrínsecos responsáveis
pelo início, pelo monitoramento, pela avaliação e pela modificação das reações emocionais
(intensidade e duração). Quando as pessoas experimentam estados afetivos desagradáveis e
indesejáveis, elas podem engajar-se na autorregulação do afeto ou na regulação interpessoal
do afeto. As interações que geram afetos agradáveis desempenham um papel importante na
construção e na manutenção de conexões de alta qualidade porque as pessoas tendem a atribuí-
las ao parceiro. Emoções positivas levam os indivíduos a fazer mais julgamentos positivos
sobre a qualidade de suas relações. Afetos negativos implicam em uma avaliação mais
negativa (NIVEN; HOLMAN; TOTTERDELL, 2012).
32
estratégias menos adaptativas, mais disfuncionais e menos flexíveis do que grupos não-
deprimidos. A depressão potencializa os afetos negativos e diminui os positivos. Caracteriza-
se como uma visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro e por uma regulação mal
adaptativa da emoção. Essas condições relacionam-se com baixo suporte social, com menor
proximidade com outras pessoas e com menor satisfação social. A baixa percepção de suporte
pode influenciar a regulação emocional, ao limitar os recursos que o indivíduo pode ativar em
sua rede social (WERNER-SEIDLER et al, 2012).
33
são comuns na velhice, especialmente entre mulheres idosas com funcionamento psicossocial
pobre, com menos habilidades pessoais e com maior necessidade de suporte emocional. A
combinação entre ansiedade e depressão em idosos associa-se ao agravamento do sofrimento
físico advindo de condições clínicas, ao risco de comprometimento funcional e a maior
sofrimento psíquico (STELLA, 2007).
34
A frequência e a intimidade nos contatos, mesmo que à distancia, fortalecem as relações
familiares. A frequência dos contatos revela a efetivação do apoio recebido e o grau de
correspondência das relações interpessoais (DOMINGUES; QUEIROZ; DERNIL, 2007). Os
encontros de família são importantes para o fortalecimento dos relacionamentos e para a troca
emocional. Para que sejam uma experiência satisfatória, devem promover sentimentos de
união e de pertencimento ao grupo familiar, clima emocional de alegria, compartilhamento de
experiências e troca emocional de sentimentos positivos, e devem envolver baixo conflito
(LEMOS; SANTOS; PONTES, 2009).
A interação entre emoção, relacionamentos e saúde é central no estudo do sistema familiar dos
ou com idosos. As emoções desempenham um papel fundamental na comunicação de
informações importantes sobre os estados internos a outras pessoas. Saber como a outra pessoa
sente é crucial para coordenar as interações sociais e responder adequadamente às suas
necessidades (ENGLISH et al, 2012). As emoções positivas são centrais à coesão e ao apoio
enquanto que os sentimentos negativos, que podem gerar estresse, agressividade ou mudança,
caracterizam o conflito (TEODORO, 2006).
35
passam grande parte de sua vida convivendo com filhos adultos e esse relacionamento é
distinto de qualquer outro devido à longa história compartilhada. Os laços entre pais e filhos
não só envolvem uma grande quantidade de contatos e trocas de apoio, mas também intensa
proximidade e emoções positivas e negativas. Três perspectivas teóricas dominam a literatura
sobre a qualidade emocional da relação pais-filhos: a teoria da solidariedade (BENGTSON;
ROBERTS, 1991), a perspectiva do conflito (CLARK et al, 1999) e a teoria da ambivalência
(LUECHER; PILLEMER, 1998).
Bengtson e Roberts (1991) criaram uma tipologia com seis dimensões explicativas da
solidariedade intergeracional: associativa, afetiva, funcional, normativa, consensual e
estrutural. O modelo foca a coesão familiar como um importante componente das relações
familiares, particularmente para aumentar o bem-estar na velhice. No Quadro 1 podem ser
observadas as definições e exemplos de interações de cada uma das dimensões.
Posteriormente o modelo passou a considerar a dimensão conflito. De fato, a maioria dos pais
e dos filhos relata algum nível de tensão em suas relações. As tensões podem derivar da
competição entre necessidades, do excesso ou da escassez de contatos, de problemas na
expressão do poder, de diferenças de personalidades ou de conflitos não resolvidos no passado
(FINGERMAN; BIRDITT, 2011). O conflito é um aspecto normativo das relações familiares,
mas pode afetar a maneira pela qual os familiares percebem uns aos outros e a sua disposição
para dar assistência. Dificuldades financeiras e problemas de saúde são fatores que podem
gerar muita tensão, assim como as escolhas e o estilo de vida dos filhos adultos e os padrões
de comunicação e interação com os pais (CLARKE et al, 1999). O conflito aumenta a
ansiedade e afeta significativamente o funcionamento familiar, principalmente quando a
coesão é baixa. Interações negativas e conflituosas podem indicar dificuldade em equilibrar as
necessidades individuais e as da unidade familiar (PRIEST; DENTON, 2012).
36
Quadro 1: Tipologia da solidariedade intergeracional (Bengtson; Roberts, 1991)
Tipo de solidariedade Definição Indicadores
37
orientações claras para os comportamentos ou relacionamentos interpessoais. O desempenho
de papéis pode envolver normas ou expectativas incompatíveis que causam emoções ou
crenças contraditórias (por exemplo, quando a necessidade de trabalhar compete com a
necessidade de prover cuidado a pais idosos). As mulheres têm maior probabilidade de ocupar
papéis que geram normas conflitantes (FINGERMAN; BIRDITT, 2011). A ambivalência
psicológica refere-se à experiência simultânea de sentimentos positivos e negativos (por
exemplo, amor e irritação). É diferente da confusão ou indiferença, que envolvem baixos
níveis de sentimentos positivos e negativos (SILVERSTEIN; GIARUSSO, 2010). O
relacionamento pais-filhos pode gerar sentimentos ambivalentes para os pais, quando há
contradição entre suas normas e expectativas e suas emoções, especialmente em relação aos
filhos problemáticos e que não são ou não foram bem-sucedidos profissional ou afetivamente.
A ambivalência está associada a maior risco de depressão, pior qualidade de vida e pior saúde,
principalmente quando os idosos necessitam de suporte dos filhos (BIRDITT; FINGERMAN;
ZARIT, 2010).
38
relacionamentos intergeracionais e as alterações nas relações familiares do que o da
ambivalência. Para os autores, o contato, a afetividade e as trocas de suporte são centrais à
solidariedade intergeracional, enquanto que o conflito parece ser exógeno ao modelo.
Receber suporte emocional também tem custos, que dependem de três fatores. Primeiro, da
bagagem cultural, pois o grau em que a independência ou a interdependência é sancionada e
usada para organizar as práticas e significados no cotidiano varia entre as culturas. O segundo
fator refere-se ao estresse percebido por parte de quem recebe o suporte. Em contextos de
valorização da interdependência, as pessoas que precisam de cuidados podem ficar
preocupadas com o ônus de quem está oferecendo o suporte. Ficam menos preocupadas
quando o apoio é necessário e justificável. Mesmo em situações de real dificuldade, nas quais
a independência é mais valorizada, receber suporte pode ser visto como um sinal de
incapacidade e incompetência, o que afeta o senso de autoeficácia de quem recebe. O terceiro
fator diz respeito à personalidade. Quanto maior o neuroticismo, mais sensibilizado o
indivíduo ficará para os custos de receber suporte e menos positiva será a relação entre ter
ajuda e a saúde. Para muitos idosos, oferecer suporte é mais importante do que receber,
porque os envolve em comportamentos sociais produtivos e fortalece a autoestima (PARK et
al, 2013; THOMAS, 2010).
Para serem positivas, as trocas de suporte social requerem a comunicação clara das
necessidades e a capacidade do provedor de suporte para atendê-las. A não compreensão ou a
má comunicação podem interferir tanto na apropriada provisão de suporte quanto na
percepção da adequação do suporte recebido. A comunicação é um condutor vital na provisão
de suporte e interfere na satisfação relativa à organização e a reorganização de papeis, na
coesão e nos conflitos familiares. O suporte familiar bem intencionado, mas equivocado, pode
resultar em superproteção ou em aconselhamento negativo e mal informado. A superproteção
é um aspecto problemático do suporte familiar. Nessa situação, o idoso é excessiva e
desnecessariamente ajudado, induzido a ser dependente, protegido do contato com qualquer
estresse e é geralmente infantilizado. Cimarolli, Reinhardt, Horowitz (2006) observaram que
alto nível de superproteção percebido por idosos com incapacidade visual crônica associou-se
39
com menor ajustamento, menor adaptação e menor domínio sobre o ambiente, bem como com
nível mais alto de incapacidade funcional.
O abuso contra idosos é uma causa importante de lesões, doenças, perda de produtividade,
isolamento, depressão e desespero (JOHANNESEN; LOGIUDICE, 2013). Trata-se de
fenômeno universal, culturalmente enraizado e de múltiplas dimensões, cuja definição e
normatização dependem de valores e costumes culturais e de fatores contextuais que definem
o lugar do idoso na estrutura social. É um problema de saúde publica em âmbito mundial
(WHO, 2008). No Quadro 2 é apresentada uma tipologia das formas de abusos e maus tratos a
idosos segundo Tatara, Thomas e Cyphers (1998).
40
Quadro 2: Tipos de abuso e maus tratos a idosos.
Tipo Descrição Exemplos
Físico Uso de força física com potencialQualquer tipo de punição física: machucar, bater
de machucaduras ou fraturas, dor com objeto, esmurrar, empurrar, derrubar, estapear,
física ou deficiência física. beliscar, cutucar, queimar, restringir movimentos,
aprisionar ou administrar remédios impróprios ou
em excesso.
Sexual Contato sexual de qualquer tipo, Obrigar um idoso demenciado a participar
não consentido pelo idoso ativamente ou como observador em atos sexuais ou
em conversas libidinosas.
Emocional ou Infringir angústia, dor, desgosto, Coerção, ridicularização, criticismo, ofensas morais,
físico medo, humilhação, culpa ou acusações, culpabilização, silêncio, “gelo”.
vergonha a um idoso.
Financeiro ou Uso ilegal ou impróprio das Exploração financeira exercida por meio de coerção,
material reservas financeiras, dos ativos privação física e emocional e chantagem financeira
ou das propriedades do idoso ou afetiva para a realização de empréstimos; a
cessão de talões de cheques, de senha de cartões
bancários e de benefícios; a assinatura em
documentos de compra e venda e em procurações.
Representada também por roubo de documentos e
senhas e por falsificação de assinatura. Alienação de
bens e fraudes com a ajuda de advogados.
Convencer ou obrigar o idoso a participar de
sorteios, loterias, pirâmides e correntes financeiras
fraudulentas. Ludibria-lo com base em sua boa fé.
Abandono Renúncia ou desistência de Deixar um idoso dependente só ou sem atendimento,
alguém que tem obrigação legal prejudicando sua saúde e seu bem-estar.
de cuidar do idoso.
Negligência Falta de cumprimento de Privar o idoso de comida, roupas, conforto,
responsabilidades e deveres para medicação essencial.
com idosos.
Autonegligência Comportamentos de idosos Autonegligência: negar-se ativamente a tomar
cognitivamente prejudicados que remédios e a submeter-se a tratamentos
ameaçam sua própria saúde ou reabilitadores; esconder remédios ou joga-los fora;
segurança. Incapacidade de beber água contaminada; deixar os bicos do gás do
desempenhar atividades de fogão abertos; estocar lixo e encher a casa de
autocuidado, incluindo animais encontrados nas ruas.
alimentação, abrigo, medicação e Comportamentos autodestrutivos: excesso de
segurança. Diferente de consumo de álcool, consumo de substancias
comportamentos autodestrutivos químicas, abuso de remédios, excessos
assumidos intencionalmente por comportamentais, envolver-se em jogos de azar.
adulto cognitivamente íntegros,
sabendo que prejudicam sua
saúde e segurança.
Os avós tendem a funcionar como elos entre as gerações, transmissores de valores e tradições,
figuras de autoridade que auxiliam os pais na socialização dos filhos, cuidadores temporários,
exemplos ou mentores, ou apoiadores em momentos de crise. Ser avô ou avó oferece
oportunidades de reavaliação da própria vida e de realização vicária através dos netos (DIAS,
2008). As diferenças entre avós e avôs parecem confirmar papéis educacionais tradicionais.
As avós em comparação com avôs geralmente gastam uma maior quantidade de tempo e
realizam mais atividades junto com seus netos e são mais envolvidas em atividades simbólicas
baseadas na linguagem (por exemplo, contando contos de fadas, histórias ou anedotas sobre a
própria família); enquanto que os avôs se envolvem mais com atividades físicas com os netos,
como jogos e práticas ao ar livre (SMORTI; TSCHIESNER; FARNETI, 2012). Todas essas
atividades conjuntas indicam a efetivação de trocas afetivas que promovem maior
proximidade emocional e do exercício de um papel considerado valioso, importante e desejado
na velhice (MAHNE; MOTEL-KLINGEBIEL, 2012).
De uma perspectiva sistêmica e evolutiva, os avós exercem grande influência na vida dos
netos, mas a recíproca é verdadeira. A saúde mental dos avós é afetada pela qualidade do
relacionamento com os netos, assim como estes se beneficiam da proximidade emocional dos
avós (HAYSLIP; PAGE, 2012). Avós que perderam contato com seus netos experimentam um
impacto negativo na sua saúde emocional (DREW; SILVERSTEIN, 2007). Jovens de famílias
divorciadas indicam que suas relações com suas avós maternas são mais salientes para sua
adaptação do que jovens de famílias intactas, o que sugere que os laços desenvolvidos podem
afetar positivamente o funcionamento psicológico dos netos após o divórcio dos pais
(HENDERSON et al, 2009).
Quando os avós não são os principais responsáveis pelos netos, a relação entre as partes torna-
se de uma natureza mais afetuosa e é por esta razão que parecem mais generosos e tolerantes
42
do que os pais. Já os avós que criam netos podem se sentir isolados e confusos no exercício do
papel. Os sentimentos podem ser ambivalentes, envolvendo negatividade mesclada com afeto,
assistência, aprendizagem e alegria. É comum avós cuidadores experimentarem esgotamento,
perda de liberdade, ansiedade em relação à responsabilidade, raiva, rancor e medo, bem como
apresentarem comportamentos como mimar excessivamente os netos e não saber impor limites
(DIAS, 2008).
Para os avós e para o bem-estar familiar, a coesão parece ser o elemento mais importante das
relações intergeracionais. As diferenças nas percepções do funcionamento familiar refletem o
tipo de cuidado oferecido aos netos, estresses e tensões familiares, recursos e características
das avós. Apesar de muitos avós cuidadores considerarem seu papel recompensador, sua
complexa situação os coloca em maior risco de perceber problemas no funcionamento
familiar. Avós cuidadoras têm mais problemas de saúde e depressão e têm maior
probabilidade de viver na pobreza do que avós não cuidadoras. Netos criados por avós têm
maior risco de apresentar problemas comportamentais e emocionais (MUSIL et al, 2010).
O relacionamento dos idosos com seus filhos adultos e netos envolve grande complexidade
emocional. A qualidade dessas relações está associada às suas condições de saúde física e
43
mental. Essas características estão refletidas tanto na estrutura domiciliar quanto na percepção
do seu funcionamento. A maneira pela qual a família consegue otimizar seus recursos com
vistas ao provimento de cuidado aos idosos envolve as escolhas que os membros familiares
fazem de acordo a estrutura da família, o contexto cultural, político e econômico, e as normas
de piedade filial (percepção moral de obrigação) (SILVERSTEIN, 2006). Mesmo que grande
parte dos idosos tenha uma boa saúde, a doença e a dependência são uma grande preocupação,
pois podem afetar o equilíbrio da estrutura familiar e sua capacidade assistencial.
5. CONCLUSÕES
44
socioeconômico baixo e intermediário e suas demandas especificas sobre a estrutura e a
dinâmica da família com membros idosos.
A ampliação de conhecimentos sobre como se dá a adaptação dos idosos dentro das famílias
de que fazem parte tem potencial para beneficiar várias áreas de pesquisa e de atuação
profissional. A teorização sobre o desenvolvimento humano e sobre a família nos anos
avançados pode ser favorecida, assim como as teorias sobre a sociologia da família, a
demografia e a epidemiologia. As políticas públicas e as intervenções em saúde e em proteção
social podem auferir ganhos da ampliação dos conhecimentos sobre as necessidades e as
expectativas dos idosos e de suas famílias e, com eles, expandir os atuais limites de sua
atuação. A psicologia clínica e a psicologia da família podem derivar sugestões úteis à
intervenções que tenham como foco a melhoria da qualidade de vida subjetiva e da
autorregulação cognitivo-emocional dos idosos que vivem nos diversos arranjos familiares
propiciados pelas atuais condições de convivência entre as gerações.
45
UM ESTUDO SOBRE A CONFIGURAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DE FAMÍLIAS
COM IDOSOS QUE APRESENTAM DIFERENTES CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS E
DE SAÚDE: CONTEXTO, OBJETIVOS E MÉTODO
O presente estudo faz parte da pesquisa “Desenvolvimento familiar e o idoso: rede de suporte
social, dinâmica familiar e a convivência intergeracional”, destinado a investigar o
funcionamento de famílias com idosos e sua rede de suporte informal e formal. O estudo foi
realizado com base em amostra probabilística representativa dos domicílios com idosos
cadastrados na Unidade Básica de Saúde (UBS) CENTROSAJ do município de Santo Antônio
de Jesus – BA. O contexto da pesquisa, os objetivos da tese e a metodologia empregada serão
descritas a seguir.
1. O CONTEXTO
No que tange ao setor saúde, o município de Santo Antonio de Jesus exerce um papel
importante, pois nucleia a microrregião leste do Estado da Bahia, que é sede da 4ª DIRES
46
(Diretorias Regionais de Saúde). Conforme explicitado no Plano Diretor de Regionalização da
Assistência à Saúde, versão 2002, o Estado da Bahia foi subdividido em sete macrorregiões de
saúde, que correspondem a grandes áreas com características físicas e socioeconômicas
relativamente peculiares. A região Nordeste do Estado da Bahia compreende o litoral norte e o
recôncavo, onde está localizada a Região Metropolitana de Salvador. Nela estão situados cento
e um municípios distribuídos por dez micro regiões, com uma população total de 5.265.302
habitantes, que representam cerca de 39,8% da população do Estado (BAHIA, 2004).
A cidade de Santo Antônio de Jesus conta com 20 unidades de saúde na zona urbana, sendo a
Unidade Básica de Saúde (UBS) CENTROSAJ a maior do município, localizada no bairro
Centro. Segundo os dados do SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica) 2010, estão
cadastradas 2.754 famílias que somam 9.234 pessoas, sendo 1344 idosos, o que representa
14,5% dos cadastradas nessa UBS, segundo a faixa etária. Dentro da zona urbana da cidade, o
CENTROSAJ tem a maior concentração de idosos, totalizando 16,8% das pessoas com idade
igual ou superior a 60 anos cadastradas nas 20 Unidades Básicas de Saúde (UBS) da zona
urbana da cidade (n=7983).
2. OBJETIVOS
47
2. Verificar relações entre a satisfação com os relacionamentos familiares, o gênero, a
idade, as condições psicológicas e de saúde dos idosos e a configuração familiar.
3. MÉTODO
Procedimentos de recrutamento
Quando os endereços não eram encontrados, ou quando os idosos não eram localizados por
motivos de viagem, falecimento, doença, internação ou mudança de endereço, ou ainda,
quando não atendiam aos critérios de elegibilidade, exclusão e inclusão, buscava-se outro
endereço na mesma rua. Esse outro endereço era indicado pelo agente comunitário de saúde
ou por pessoas residentes na micro-área.
49
idosos (31,9%) pontuaram abaixo da nota de corte no MEEM. A amostra final foi constituída
por 134 idosos.
A Tabela 1 a seguir apresenta os dados sobre a amostra obtida no estudo (n=134), segundo as
variáveis demográficas (gênero, faixa etária, cor, status conjugal) e socioeconômicas
(escolaridade, renda familiar, trabalho e aposentadoria, propriedade da residência).
50
Aspectos éticos
Os participantes foram informados acerca dos objetivos da pesquisa e sobre o direito à opção
individual de participar ou não e foram certificados sobre o sigilo que seria mantido em
relação aos seus dados individuais e à sua identidade. Após a resposta afirmativa em
participar, era solicitado que cada idoso assinasse um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), de acordo com as diretrizes da resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde (CNS), do Ministério da Saúde do Brasil. Foram explicados os benefícios que a
pesquisa trará para o esclarecimento dos fatores que podem interferir positivamente ou
negativamente na qualidade de vida de idosos e a forma como a pesquisa aconteceria, visando
a salvaguardar os direitos dos sujeitos envolvidos. O Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido foi redigido em duas vias, uma entregue aos participantes e a segunda arquivada
pelos pesquisadores. Esse documento informava o nome do coordenador da pesquisa e
oferecia um numero para contato em caso de duvida e um numero do comitê de ética da
universidade, para eventuais reclamações. Ao fim da coleta dos dados, os instrumentos
respondidos foram guardados em um envelope sob a responsabilidade dos pesquisadores.
51
acomodados ele e o idoso, pedia licença para começar a entrevista, que, como dito acima,
incluía a aplicação do MEEM.
A coleta de dados durou de duas a três visitas de duas horas cada uma, em média, dependendo
da disposição de cada idoso. Optou-se por este procedimento porque a avaliação proposta
neste estudo é extensa, mas também era fundamental que todos os instrumentos fossem
respondidos adequadamente para o cumprimento dos objetivos propostos e para que os idosos
não se cansassem.
Variáveis e instrumentos
Condições de saúde
52
Continuação do Quadro 3
Condições Psicológicas
Sintomas depressivos
15 perguntas objetivas (sim ou não) a respeito de como o Escala de Depressão Geriátrica –
idoso tinha se sentido durante a última semana. Pontuação GDS (YESAVAGE et al, 1983;
entre 0 e 5 se considera normal, 6 a 10 indica depressãoALMEIDA; ALMEIDA, 1999).
leve e 11 a 15 depressão severa. Anexo 6
Ansiedade
21 questões sobre como o indivíduo tem se sentido na Inventário de ansiedade de Beck -
última semana, expressas em sintomas comuns de BAI (CUNHA, 2001). Utilização
ansiedade. Cada questão apresenta quatro possíveis restrita aos psicólogos e por isso não
respostas, e a que se assemelha mais com o estado mental foi anexado no trabalho.
do indivíduo deve ser sinalizada. Pontuação entre 11 e 19
se considera ansiedade leve, de 20 a 30, moderado e de 31
a 63 grave.
Funcionamento Familiar
Clima familiar*
22 itens avaliados em uma escala de 5 pontos (1= de jeito Inventário do clima familiar – ICF
nenhum; 2=pouco; 3=mais ou menos; 4=muito; (TEODORO, 2006). Anexo 8
5=completamente) relativos a quatro fatores: apoio, coesão
(vínculo emocional existente entre os membros da
família), conflito (relação agressiva e conflituosa existente
entre os membros da família) e hierarquia (nível de
controle e poder no sistema familiar).
53
A medida de clima familiar não foi criada para avaliar especificamente as relações familiares
de idosos. Como a grande parte das escalas de avaliação familiar, ele focaliza a criança e o
adolescente. No entanto, justifica-se a escolha desse pela escassez de escalas adequadas para a
população idosa, as quais sejam capazes de avaliar o sistema familiar de forma mais
minuciosa. Ou seja, foram priorizadas as características: tamanho, simplicidade e facilidade de
aplicação.
4. ANÁLISE DE DADOS
54
Dessa maneira, os resultados serão apresentados na seguinte ordem:
Estudo 2: Configuração familiar, condições de saúde física e psicológica de idosos e seu grau
de satisfação com os relacionamentos familiares.
Estudo 3: Relações entre clima familiar, configuração familiar e saúde física e psicológica de
idosos.
55
ESTUDO 1
Introdução
56
econômicas, sendo que as demais apresentam uma proporção duas vezes mais elevada de
famílias pobres) (CAMARANO, KANSO, MELLO, 2004) .
Economistas e demógrafos identificam dois tipos de família: famílias “de idosos” e famílias
“com idosos”. Nas primeiras o idoso é o chefe da família, ou seja, responde pelo sustento da
família, é geralmente mais jovem, economicamente produtivo e com boas condições de saúde.
Sua renda é fundamental ao orçamento familiar, no qual prevalecem transferências
descendentes de apoio (das gerações mais velhas para as mais jovens). Idosos com algum grau
de dependência física podem manter-se na posição de chefes de família, se tiverem
rendimentos e se puderem contar com o cônjuge para ajuda-los. Nas famílias “com idosos”,
estes ocupam a posição de parentes do chefe da família. São geralmente mais velhos e do sexo
feminino, com renda insuficiente para garantir seu sustento e com frequência precisam de
ajuda para o desempenho de atividades de vida diária. Nessas famílias, prevalecem
transferências de apoio ascendentes (da geração mais nova para a mais velha) (CAMARANO
et al, 2004).
Idosos com limitações funcionais importantes e com problemas de saúde mental requerem
mais assistência da família, o que geralmente dá origem à corresidência entre membros de
57
duas ou três gerações da mesma família e, eventualmente, de pessoas de fora, que prestam
serviços domésticos e de cuidado aos familiares. Um maior número de pessoas no domicílio
pode influenciar positivamente o apoio afetivo e emocional aos idosos (SANTOS;
PAVARINI, 2009) e pode oferecer apoios em várias dimensões (SOUZA; SKUBS; BRETAS,
2007; PEDRAZZI et al, 2010). A coabitação é uma estratégia que geralmente beneficia os
idosos e seus descendentes, embora algumas famílias sejam incapazes de proporcionar o apoio
necessário a idosos dependentes e outras proporcionem excesso de ajuda, estimulando a
dependência ou gerando desconforto psicológico nos idosos (REIS et al, 2011).
Entre os idosos brasileiros, tem sido observado aumento do número de domicílios unipessoais,
sendo que em 2006 representavam 13,2% dos arranjos domiciliares de idosos e 40,3% dos
domicílios unipessoais brasileiros (CAMARGOS, RODRIGUES, MACHADO, 2011). Morar
sozinho não significa necessariamente negligência ou abandono por parte dos filhos, nem
enfraquecimento dos laços familiares ou sentimentos de solidão e de sofrimento psicológico
para os idosos. Quando isso acontece, há riscos importantes para o bem-estar, especialmente
de idosos com problemas de saúde e/ou que não dispõem de condições adequadas de
subsistência. Por outro lado, morar sozinho pode refletir uma nova e bem-sucedida realidade
de envelhecimento, na medida em que morar só e estar bem nessa condição é uma escolha
possível apenas para idosos com recursos suficientes de saúde e renda e que valorizam a
independência e a privacidade (CAMARGOS; MACHADO; RODRIGUES, 2007).
A corresidência não garante que o idoso irá receber o apoio que precisa ou espera, mesmo
quando contribui financeiramente ou com o cuidado de netos e da casa, mas, de todo modo,
facilita a transferência de recursos materiais, instrumentais, emocionais e informativos e
facilita seu fluxo de acordo com as características, a disponibilidade de recursos e as
necessidades de cada geração (SOUZA; SKUBS; BRÊTAS, 2007). A percepção de suporte e a
expectativa de ser cuidado por pessoas próximas, caso haja necessidade, também estão
associadas ao arranjo domiciliar. Estudo de Batistoni et al (2013) mostrou que a maioria dos
idosos espera ser cuidado por alguém, especialmente pelas filhas, e esta expectativa é maior
entre aqueles que moram com o cônjuge e descendentes. A avaliação de que há pessoas
disponíveis para o suporte contribui para o sentimento de ser valorizado e cuidado.
58
As práticas de cuidados exercidas na família inscrevem-se no quadro de redes de relações
sociais. As transferências intergeracionais de apoio são produzidas pela necessidade dos
membros da família e por expectativas socioculturalmente construídas e estão associadas à
configuração familiar. A provisão de cuidados e de recursos é moldada em um complexo
contexto que leva em conta interesses conflitantes. Envolve expectativas de reciprocidade,
responsabilidade, compromisso, partilha de afeições e objetivos. A família é requisitada para
dar assistência em diferentes situações, que exigem mudança, adaptação, novas tarefas e que
demandam o provimento de várias formas de suporte. A configuração familiar reflete essas
alterações. O governo e entidades da sociedade civil dedicadas à atenção à saúde e à proteção
social têm na família um parceiro essencial para garantir o bem-estar dos idosos e da família.
Por esse motivo, pesquisas que sirvam para aumentar a base de conhecimentos sobre a
configuração de famílias com e de idosos que apresentam diferentes condições econômicas e
de saúde põem gerar importantes subsídios para o planejamento e a gestão de políticas sociais
e de saúde orientadas aos idosos e à família. O objetivo deste estudo foi analisar, a partir da
perspectiva do idoso, as relações entre a configuração familiar e a idade, o gênero, as
condições de saúde física e psicológica dos idosos.
Método
Participantes e procedimentos
O campo selecionado para estudo foi Santo Antonio de Jesus, Estado da Bahia – Brasil, cujo
papel no setor da saúde é importante no Recôncavo Baiano. Tem população total de 90.985
habitantes, sendo que 9149 (7983 residentes na zona urbana e 1166 na zona rural), ou 10% da
população total, têm 60 anos ou mais. O município tem 20 unidades básicas de saúde (UBS)
localizadas na zona urbana. Dente elas, foi selecionada a que tinha o maior número de idosos
cadastrados, o que correspondeu a 14,5% do total de pessoas cadastradas e a 16,8% dos idosos
residentes na cidade. Segundo dados do Sistema de Informação da Atenção Básica ano 2010,
nessa unidade estavam cadastradas 2.754 famílias que somavam 9.234 pessoas, dentre os
quais 1344 com 60 anos e mais. O tamanho da amostra foi fixado em 134 idosos, para um
nível de confiança de 90% e para erro amostral de 5%.
59
Com a ajuda de agentes comunitários de saúde, foram realizados a identificação e o
arrolamento dos domicílios com idosos localizados em todas as 21 micro-áreas abrangidas
pela UBS selecionada. Dentre os domicílios com idosos identificados, foram sorteados 134,
que foram visitados para efeito de recrutamento. Quando os endereços não eram encontrados,
ou quando os idosos não eram localizados por motivos de viagem, falecimento, doença,
internação ou mudança de endereço, ou ainda, quando não atendiam aos critérios de
elegibilidade e inclusão, buscava-se outro endereço previamente arrolado entre os que tinham
idosos em sua estrutura. Esse outro endereço ficava na mesma rua. O agente comunitário de
saúde e pessoas residentes na micro-área auxiliaram nessa identificação.
Foram visitados 207 domicílios com idosos, dos quais sete (3,4%) não cumpriam um ou mais
critérios de elegibilidade. Sessenta e seis idosos (31,9%) pontuaram abaixo da nota de corte no
MEEM, razão pela qual foram excluídos. Em cada domicilio, todos os idosos eram
entrevistados com vistas à seleção para participação no estudo e a escolha do participante era
baseada na maior pontuação obtida no Mini-Exame do Estado Mental. Era solicitado ao idoso
que a entrevista ocorresse em um local da casa que pudesse proporcionar maior privacidade e
tranquilidade, evitando-se a interrupção por outras pessoas. A coleta durou de duas a três
visitas de 2 horas cada uma, em média.
A realização da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Maria
Milza (FAMAM), do município de Cruz das Almas – Bahia (protocolo no. 034/2011), de
60
acordo com a Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da
Saúde do Brasil. Todos os idosos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Foi garantido a todos o direito de abandonar a pesquisa a qualquer momento. Aos que foram
excluídos com base na pontuação no MEEM foi dito que a pesquisa tinha diferentes formas de
coleta de dados e que se agradecia sua participação naquele momento.
Variáveis e instrumentos
61
dicotômicas) e sinais e sintomas (total de doze com respostas dicotômicas), ambas
agrupadas nas categorias nenhuma; 1 a 2; 3 ou mais (NERI; GUARIENTO, 2011);
3.2. Índice de Independência nas Atividades de Vida Diária (KATZ et al, 1963;
LINO et al, 2008). Foi obtido mediante escala de 6 itens com três possibilidades de
resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para banho, vestir-se,
toalete, transferência, controle esfincteriano e alimentação. As respostas foram
agrupadas em: independente, dependência parcial e dependência total.
3.3. Desempenho de atividades instrumentais de vida diária (LAWTON; BRODY,
1969; BRITO; NUNES; YUASO, 2007), mediante escalas com três possibilidades
de resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para telefonar, usar
transportes, compras, cozinhar, serviços domésticos, uso de medicação e manejo de
dinheiro. As respostas foram agrupadas em: independente, dependência parcial e
dependência total.
3.4. Envolvimento social: a avaliação foi baseada em autorrelato sobre a
participação em atividades físicas, em centro de convivência, na comunidade e
religiosas (quatro questões com respostas que foram agrupadas em sim ou não). Os
dados foram categorizados pela mediana, em menor ou maior envolvimento social.
4. Condições de saúde psicológica:
4.1. Escala de Depressão Geriátrica (YESAVAGE et al, 1983; ALMEIDA;
ALMEIDA, 1999) com 15 perguntas tipo sim x não, a respeito de como o idoso
havia se sentido durante a última semana, os quais referem-se a humores disfóricos.
Trata-se escala de rastreio de depressão, com nota de corte > 6 para depressão leve
e > 11 para depressão grave. Posteriormente, foram reunidas as categorias para
analises dicotômicas (sim x não).
4.2. Inventário de Ansiedade de Beck – BAI (CUNHA, 2001), com 21 itens
versando sobre sintomas comuns de ansiedade e perguntando como o indivíduo
sentiu-se na última semana, com relação a cada um deles. Cada item apresenta
quatro possibilidades de resposta A nota de corte para ansiedade leve é >11, para
ansiedade moderada > 20 e para ansiedade grave, > 31, numa pontuação que pode
variar entre 1 e 63 pontos. Posteriormente, foram reunidas as categorias leve,
moderada ou grave, para analises dicotômicas (sim x não).
62
Análise de dados
Com o objetivo de estudar o perfil da amostra, foi feita análise de conglomerados mediante o
método da partição. A análise comparativa da composição dos conglomerados obtidos foi feita
mediante os testes qui-quadrado e Exato de Fisher. O nível de significância adotado para os
testes estatísticos foi de 5%.
Resultados
Quanto às condições físicas, a maioria relatou ter de uma ou duas doenças (52,2%), três ou
mais sinais e sintomas (59,7%), baixo envolvimento social (65,7%), e independência para as
atividades básicas (96,3%) e instrumentais (58,2%) de vida diária. Com relação às condições
psicológicas, 82,9% dos idosos não apresentava sintomatologia depressiva superior a 5 pontos
e 76,9% não pontuaram acima de 10 em sintomas de ansiedade.
63
Grupo 2 (n=59; 44% da amostra): predominantemente formado por idosos mais velhos,
residentes com descendentes e chefes de família, que sustentam a família (contribuição total);
com número alto de doenças e de sinais e sintomas, baixa participação social, independência
total para ABVDs, independência parcial em AIVDs, com depressão e com ansiedade;
Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero, configuração
familiar e condições de saúde física e psicológica. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil.
Idosos, 2011.
Grupos Frequência RMS2 (Desvio- Distância máxima Cluster mais Distância entre os
padrão) observada do centro próximo centróides do grupo
2
A formação com três clusters teve um R de 0.208, ou seja, explicou 20.8% da variabilidade
dos dados. As variáveis que mais contribuíram para a formação dos conglomerados (variáveis
com maior R2) foram as atividades básicas de vida diária (R2 =0,732), as atividades
instrumentais de vida diária (R2 =0,487), o número de doenças (R2 =0,241) e idade (R2 =
0,225). A Tabela 2 mostra os resultados da análise de conglomerados.
64
Tabela 2. Resultados da análise de conglomerados conforme as variáveis idade, gênero,
configuração familiar e condições de saúde física e psicológica. Santo Antônio de Jesus,
Bahia, Brasil. Idosos, 2011.
Variáveis Desvio-padrão Coeficiente de RSQ/(1-RSQ)
determinação
Gênero 1.00154 0.012010 0.012156
Idade 0.88721 0.224690 0.289807
Arranjos de moradia 0.99977 0.015492 0.015736
Chefia familiar 0.96714 0.078707 0.085431
Contribuição para o sustento família 0.94625 0.118066 0.133872
N° doenças autorrelatadas 0.87799 0.240731 0.317057
N° sinais e sintomas autorrelatadas 0.91590 0.173737 0.210269
Envolvimento social 0.96527 0.082269 0.089643
ABVDs 0.52139 0.732239 2.734675
AIVDs 0.72160 0.487124 0.949789
Depressão 0.92617 0.155110 0.183586
Ansiedade 0.91301 0.178948 0.217950
Total 0.89656 0.208260 0.263041
Discussão
66
o envolvimento social, um importante indicador de envelhecimento bem-sucedido. Manifesta-
se por melhor funcionamento na vida cotidiana, em maior envolvimento em atividades e no
exercício de papéis complexos relacionados ao trabalho, ao lazer, à vida social e à
comunidade. As redes sociais são importantes para a troca de recursos, para a influência social
e o contato face-a-face e esses processos influenciam a saúde física e psicológica. Manter altos
níveis de ligação social por meio do engajamento social tem efeito protetor sobre as limitações
físicas e cognitivas (THOMAS, 2011).
Além da melhor saúde física e psicológica, esteve associado a esse grupo o arranjo de moradia
com o cônjuge ou companheiro(a) e descendentes. É mais provável que o casal esteja intacto
em uma idade mais jovem, principalmente para as mulheres que são mais longevas. Esse tipo
de coabitação consegue reunir maior renda e pode facilitar pela proximidade física as
transferências de apoio (CAMARANO et al, 2004).
Estar casado é fator protetor tanto para homens quanto para mulheres idosas, pois aumenta as
chances de apoio material e emocional e de interações sociais positivas. A presença do
cônjuge também favorece a manutenção das condições que levam à melhor percepção de
saúde (WALDINGER; SCHULZ, 2010). Os homens idosos casados, com maior escolaridade
e renda desfrutam de melhor interação social e maior apoio emocional e de informação. As
mulheres idosas não casadas, com baixa escolaridade e renda e que vivem com um menor
número de pessoas são as que sofrem mais risco de suporte social insuficiente ou inadequado
(PINTO et al, 2006; ROSA et al, 2007).
67
gênero. Além disso, a melhor saúde, a idade mais jovem e a menor sobrecarga associada ao
papel do provedor pode ter facilitado a maior participação social fora do ambiente doméstico.
O segundo grupo foi formado predominantemente por idosos mais velhos, ou seja, com 75
anos ou mais, com mais doenças e mais sinais e sintomas autorrelatados, menor envolvimento
social, com perdas quanto ao desempenho independente de atividades instrumentais. A
diminuição de envolvimento em atividades sociais é um indicador precoce de perdas em
mobilidade e em outras capacidades funcionais que são pré-requisito para o desempenho
independente de atividades de vida diária (GRIFFITH et al, 2010; NERI et al, 2013a). As
incapacidades associadas ao aumento da dependência física, frequentemente têm como sub-
produtos disfunções no senso de controle, rebaixamento da autoestima, diminuição da
atividade social, sendo os idosos de baixa renda mais afetados do que os de renda mais
elevada (SUTTAJIT et al, 2010).
Também esteve associado ao grupo 2 características de pior saúde psicológica, com maior
ansiedade e sintomas depressivos. A incapacidade física está entre os mais significativos
fatores de risco para depressão em adultos mais velhos, bem como a depressão em si está
associada à deficiência (JIANG et al, 2004). Idosos deprimidos têm mais incapacidade
funcional do que seus pares não-deprimidos, e vários estudos longitudinais também
encontraram evidência de um efeito prejudicial da depressão na deficiência física ao longo do
tempo. Maior risco de depressão foi encontrado para as perdas nas atividades instrumentais do
que nas atividades básicas de vida diária (SUTTAJIT et al, 2010). Na população brasileira, a
depressão clínica e os sintomas depressivos estiveram associados com a deficiência funcional,
mesmo após o ajuste para fatores demográficos, condições socioeconômicas, morbidades
físicas e demência (SILVA; SCAZUFCA; MENEZES, 2013).
68
ansiolíticos no passado e no momento atual, a ansiedade foi associada com aumento da
incidência de restrição social e de limitação em atividades instrumentais de vida diária em
idosos (NORTON et al, 2012).
No segundo grupo predominou o arranjo domiciliar em que um idoso sem um cônjuge (viúvo,
divorciado ou solteiro) vive com descendentes, maior frequência de chefia familiar e
contribuição total para o sustento familiar. A ausência do cônjuge e a idade avançada são
motivos importantes para a corresidência entre idosos e as gerações mais jovens (SILVA;
BESSA; OLIVEIRA, 2004). A saúde também é um determinante do arranjo domiciliar, no
entanto, apesar de um conjunto de condições desfavoráveis, esses idosos continuam
desempenhando papel de chefia no núcleo familiar seja porque tem boas condições de renda,
seja porque a família como um todo e os filhos em particular são muito pobres. Geralmente,
nas transferências intergeracionais de recursos, o fluxo de suporte é preferencialmente
direcionado aos mais jovens, e esse padrão só é alterado quando os pais idosos enfrentam uma
crise na saúde e apresentam incapacidade (FINGERMAN et al, 2010). No Brasil, o fluxo de
apoio dos idosos para os mais jovens é crucial na maior parte da vida e os pais só começam a
demandar maior suporte dos filhos a partir dos 75 anos (CAMARANO et al, 2004). Parte
69
significativa da corresidência verificada no Nordeste brasileiro está mais associada às
necessidades dos filhos adultos do que às dos pais idosos (SAAD, 2004).
O terceiro grupo, o menor de todos, foi composto por duas idosas com dependência total em
AIVD e ABVD e que provavelmente precisam ser cuidadas. São todos mais velhos, com três
ou mais doenças autorrelatadas e com menor participação social. Por outro lado, nenhuma das
idosas desse grupo apresentou sintomas depressivos. As associações desse grupo parecem
indicar uma capacidade de ajustamento à situação da dependência e melhor regulação
emocional. É possível que o processo de perda das capacidades funcionais seja mais difícil e
tenha maiores efeitos psicológicos do que o período após essa transição independência-
dependência. Aceitar a situação de ser dependente e cuidado por alguém envolve um processo
de adaptação e ajustamento e esse cluster parece ter reunido essas características. Trata-se da
perspectiva da adaptação enquanto processo, isto é, a responsividade ao estímulo inicial
diminui ao longo do tempo e o bem-estar retorna ao nível preexistente, anterior ao evento
(LUHMANN et al, 2012).
70
psicológicas; como a incapacidade foi adquirida, sua severidade e a cronicidade; a idade de
início e; as condições socioculturais e ambientais. A literatura aponta estágios para o
ajustamento à incapacidade que vão desde o impacto inicial (caracterizada pelas reações de
choque e ansiedade) até a reintegração ou reorganização (reconhecimento e aceitação
psicológica da deficiência e suas implicações físicas, sociais, familiares, pessoais e
profissionais para o futuro). Segundo Findler, Shalev e Barak (2014), o equilíbrio se perpetua
enquanto for possível, até que surge um episódio desafiador. No curso da instalação de uma
incapacidade é natural a emergência de uma desordem e um desequilíbrio, incluindo as
mudanças emocionais ao longo desse processo. Se o desafio é acomodado e assimilado, a vida
retorna a um novo equilíbrio dinâmico.
Nesse grupo observou-se que uma idosa mora sozinha e a outra com o cônjuge e os
descendentes, porém, não houve associações significativas com qualquer tipo de arranjo
domiciliar. Os arranjos considerados não continentes, como morar sozinho, constitui-se em
risco para o idoso, contudo, novas formas de organização podem ser possíveis até certo ponto.
Esses idosos apresentam dependência funcional, mas estão preservados cognitivamente, o que
indica maior autonomia e capacidade de compreensão do mundo que o cerca e das suas
condições atuais. O ajustamento não ocorre apenas no indivíduo, mas acomoda todo um
sistema familiar que precisa se reorganizar para atender as demandas de um familiar idoso.
Nesse sentido, pode-se pensar que as famílias ou o próprio idoso conseguem fazer esse ajuste
de formas alternativas ao arranjo domiciliar quando existem condições favoráveis para isso.
71
grupos, provavelmente em virtude do elevado número de mulheres na amostra. No entanto, é
possível fazer suposições sobre as possíveis combinações entre arranjos familiares e gênero,
considerando-se dados censitários e de pesquisas epidemiológicas. As variáveis que mais
contribuíram para a formação dos grupos foram as atividades básicas e instrumentais de vida
diária, o número de doenças e a idade, apontando para a centralidade que saúde e idade têm na
vida dos idosos e de sua família. A importância das condições de saúde, objetiva ou subjetiva
para o bem-estar e para a qualidade de vida foi mostrada em vários estudos tanto na
perspectiva dos próprios idosos (ex: ROSA; CUPERTINO; NERI, 2009; NERI et al, 2013b)
quanto na de profissionais de saúde (ROWE; KAHN, 1997).
Considerações Finais
Os dados indicam que as condições de saúde são cruciais à configuração familiar e a saúde
psicológica. A presença do cônjuge/companheiro(a) no arranjo domiciliar e o maior
envolvimento social são indicadores de um envelhecimento com melhor funcionalidade, saúde
psicológica e talvez de um fluxo de transferências intergeracionais de recursos menos oneroso
para o idoso.
Os idosos mais velhos parecem enfrentar duas situações: a vivência das perdas na capacidade
funcional e a dependência total. No primeiro caso, é provável que a percepção de crescente
necessidade de auxílio em atividades cotidianas associadas ao exercício de um papel central
para a manutenção do sustento familiar tem efeitos psicológicos importantes. No segundo
caso, a dependência é o produto de um processo de perdas que exige adaptação à situação
atual e às possibilidades reais de futuro e as consequências psicológicas são positivas quando
esse ajustamento é alcançado.
A principal limitação do estudo se refere a não inclusão de dados sobre estado conjugal e
renda pessoal e familiar. No entanto, este estudo fornece indícios importantes de como as
variáveis de interesse podem estar associadas a partir de uma análise raramente realizada nesse
campo em conjunto com informações provenientes do Nordeste brasileiro, região com
escassos estudos dessa natureza. Dado o impacto importante das atividades da vida diária no
72
funcionamento social e familiar, nosso estudo sublinha a necessidade de aumentar o
reconhecimento das condições de saúde física e psicológica em idosos e de como as famílias
estão se organizando para oferecer o suporte necessário às necessidades de seus membros em
envelhecimento.
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76
ESTUDO 2
Introdução
Os apoios familiares podem atuar positivamente sobre a saúde física e mental dos idosos, na
medida em que favorecem o enfrentamento, fortalecem o sistema imunológico e contribuem
para o senso de controle, para o bem-estar psicológico e para a satisfação com a vida (MOTA
et al, 2010; FIORILLO; SABATINI, 2011; ALVARENGA et al, 2011). A percepção do
suporte familiar como satisfatório reflete a força da ligação emocional estabelecida entre os
membros da família, sua adaptabilidade a situações de estresse e o compartilhamento de afeto,
estima e gratificação que permeia as relações. Atua como um moderador do efeito dos eventos
estressantes sobre a saúde mental (HYDE et al, 2011) e é o fator mais importante para a
diminuição da vulnerabilidade de adultos à depressão (PETTIT et al, 2011).
77
A funcionalidade de famílias com a presença de idosos é desafiada em muitas situações, com
destaque para a dependência resultante de problemas de saúde física e psicológica e para
eventos correlatos, tais como a perda de papéis, a redução da autoridade, o rebaixamento do
senso de controle, a redução do bem-estar dos idosos e o aumento dos conflitos familiares
(TORRES et al, 2010; MOTA et al, 2010). Para os idosos, necessitar de cuidador e permitir
ser cuidado é um longo processo de negociação e ajustamento, que envolve expectativas e
aceitação próprias e dos cuidadores potenciais, assim como disponibilidade de suporte
(SILVA; BOUSSO; GALERA, 2009).
O tipo de arranjo de moradia do idoso, sua posição de chefe de família ou parente deste, assim
como sua contribuição financeira interagem reciprocamente compondo as configurações
familiares, formas de organização que determinam como se dão as trocas de suporte no
contexto domiciliar. As configurações domiciliares são um indicativo importante do ambiente
físico e social do idoso e das estratégias de transferência intergeracional de recursos que
predominam em cada família (CAMARANO et al, 2004). As trocas estabelecidas entre as
gerações acontecem nos níveis afetivo, instrumental, financeiro e educativo e podem se
estruturar como relações de aliança, solidariedade e inclusão, ou de conflito, dominação e
exclusão. Organizam-se em torno dos papeis atribuídos ao idoso e da hierarquia estabelecida
entre os componentes da família (LOPES; SANTOS, 2009).
78
A avaliação da funcionalidade familiar mediante o nível de satisfação dos idosos com os
relacionamentos familiares associa-se às variáveis gênero, idade e saúde física e aos arranjos
de moradia. Os estudos de Pavarini et al. (2006), Silva, Rabelo e Queroz (2010), Santos,
Pavarini e Barham (2011) e Paiva et al. (2011) mostraram que a maioria dos idosos relatou
boa funcionalidade familiar. Os mais insatisfeitos são as mulheres, os que moram sozinhos ou
em arranjos mistos sem familiares e aqueles que não esperam ser cuidados por um familiar.
Nos estudos de Torres et al. (2009 e 2010), os idosos dependentes apresentaram maior
disfunção familiar.
Conhecer o ambiente familiar a partir da perspectiva dos idosos pode contribuir para o
desenvolvimento de estratégias de intervenção mais eficazes de promoção da saúde, contribuir
para o esclarecimento do impacto de diferentes condições físicas e psicológicas sobre a família
e fundamentar programas direcionados a comunidades menos favorecidas. O objetivo deste
estudo foi analisar relações entre a configuração familiar, as condições de saúde física e
psicológica de idosos e seu grau de satisfação com a dinâmica dos relacionamentos familiares,
com base em autorrelatos de homens e mulheres idosos.
79
Método
Participantes e procedimentos
O campo selecionado para estudo foi Santo Antonio de Jesus, Estado da Bahia – Brasil, cujo
papel no setor da saúde é importante no Recôncavo Baiano. Tem população total de 90.985
habitantes, sendo que 9149 (7983 residentes na zona urbana e 1166 na zona rural), ou 10% da
população total, têm 60 anos ou mais. O município tem 20 unidades básicas de saúde (UBS)
localizadas na zona urbana. Dente elas, foi selecionada a que tinha o maior número de idosos
cadastrados, o que correspondeu a 14,5% do total de pessoas cadastradas e a 16,8% dos idosos
residentes na cidade. Segundo dados do Sistema de Informação da Atenção Básica ano 2010,
nessa unidade estavam cadastradas 2.754 famílias que somavam 9.234 pessoas, dentre os
quais 1344 com 60 anos e mais. O tamanho da amostra foi fixado em 134 idosos, para um
nível de confiança de 90% e para erro amostral de 5%.
80
do Estado Mental –MEEM (FOLSTEIN, FOLSTEIN, MCHUGH, 1975; BERTOLUCCI et.
al., 1994), um teste de rastreio de demências comumente usado em estudos populacionais.
Foram visitados 207 domicílios com idosos, dos quais sete (3,4%) não cumpriam um ou mais
critérios de elegibilidade. Sessenta e seis idosos (31,9%) pontuaram abaixo da nota de corte no
MEEM, razão pela qual foram excluídos. Em cada domicilio, todos os idosos eram
entrevistados com vistas à seleção para participação no estudo e a escolha do participante era
baseada na maior pontuação obtida no Mini-Exame do Estado Mental. Era solicitado ao idoso
que a entrevista ocorresse em um local da casa que pudesse proporcionar maior privacidade e
tranquilidade, evitando-se a interrupção por outras pessoas. A coleta durou de duas a três
visitas de 2 horas cada uma, em média.
A realização da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Maria
Milza (FAMAM), do município de Cruz das Almas – Bahia (protocolo no. 034/2011), de
acordo com a Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da
Saúde do Brasil. Todos os idosos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Foi garantido a todos o direito de abandonar a pesquisa a qualquer momento. Aos que foram
excluídos com base na pontuação no MEEM foi dito que a pesquisa tinha diferentes formas de
coleta de dados e que se agradecia sua participação naquele momento.
Variáveis e instrumentos
81
2. Configuração familiar. Compreendeu a variáveis e itens que se seguem.
2.1. Arranjos de moradia (com base na pergunta: com quem o(a) sr(a) mora?, com
opções para a indicação de sozinho e com o cônjuge ou companheiro, filhos, netos,
outros parentes e pessoas de fora da família). As respostas foram agrupadas nas
categorias sozinho, com o cônjuge ou companheiro, com o cônjuge e descendentes,
com descendentes e outros tipos de arranjo);
2.2. Chefia familiar (com base na pergunta: quem é o chefe da família? As respostas
foram agrupadas nas opções sim ou não para a chefia do idoso).
2.3. Contribuição financeira do idoso para o sustento da família (uma pergunta com
as alternativas total, parcial ou nenhuma).
3. Condições de saúde física:
3.1. Questionário de doenças e de sinais e sintomas auto-relatados. Doenças
crônicas diagnosticadas por médico no ultimo ano (nove doenças, com respostas
dicotômicas) e sinais e sintomas (total de doze com respostas dicotômicas), ambas
agrupadas nas categorias nenhuma; 1 a 2; 3 ou mais (NERI; GUARIENTO, 2011);
3.2. Índice de Independência nas Atividades de Vida Diária (KATZ et al, 1963;
LINO et al, 2008). Foi obtido mediante escala de 6 itens com três possibilidades de
resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para banho, vestir-se,
toalete, transferência, controle esfincteriano e alimentação. As respostas foram
agrupadas em: independente, dependência parcial e dependência total.
3.3. Desempenho de atividades instrumentais de vida diária (LAWTON; BRODY,
1969; BRITO; NUNES; YUASO, 2007), mediante escalas com três possibilidades
de resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para telefonar, usar
transportes, compras, cozinhar, serviços domésticos, uso de medicação e manejo de
dinheiro. As respostas foram agrupadas em: independente, dependência parcial e
dependência total.
3.4. Envolvimento social: a avaliação foi baseada em autorrelato sobre a
participação em atividades físicas, em centro de convivência, na comunidade e
religiosas (quatro questões com respostas que foram agrupadas em sim ou não). Os
dados foram categorizados pela mediana, em menor ou maior envolvimento social.
82
4. Condições de saúde psicológica:
4.1. Escala de Depressão Geriátrica (YESAVAGE et al, 1983; ALMEIDA;
ALMEIDA, 1999) com 15 perguntas tipo sim x não, a respeito de como o idoso
havia se sentido durante a última semana, os quais referem-se a humores disfóricos.
Trata-se escala de rastreio de depressão, com nota de corte > 6 para depressão leve
e > 11 para depressão grave. Posteriormente, foram reunidas as categorias para
analises dicotômicas (sim x não).
4.2. Inventário de Ansiedade de Beck – BAI (CUNHA, 2001), com 21 itens
versando sobre sintomas comuns de ansiedade e perguntando como o indivíduo
sentiu-se na última semana, com relação a cada um deles. Cada item apresenta
quatro possibilidades de resposta A nota de corte para ansiedade leve é >11, para
ansiedade moderada > 20 e para ansiedade grave, > 31, numa pontuação que pode
variar entre 1 e 63 pontos. Posteriormente, foram reunidas as categorias leve,
moderada ou grave, para analises dicotômicas (sim x não).
5. APGAR da Família (SMILKSTEIN, 1978; BRASIL, 2006; DUARTE, 2001), que
avalia a satisfação com as relações familiares em cinco domínios: adaptação,
companheirismo, desenvolvimento, afetividade e capacidade resolutiva. São cinco
questões avaliadas de 0 (nunca), 1 (algumas vezes) ou 2 (sempre). O escore de 0 a 4
indica elevada disfunção familiar, 5 e 6 moderada disfunção familiar e 7 a 10 boa
funcionalidade familiar. Posteriormente, para analises dicotômicas foram reunidas as
categorias elevada + moderada em disfunção familiar X boa funcionalidade.
Análise de dados
Com o objetivo de estudar o perfil da amostra, foi feita análise de conglomerados mediante o
método da partição. A análise comparativa da composição dos conglomerados obtidos foi feita
mediante os testes qui-quadrado e Exato de Fisher. O nível de significância adotado para os
testes estatísticos foi de 5%.
83
Resultados
A maioria relatou ter de uma ou duas doenças (52,2%), três ou mais sinais e sintomas (59,7%),
baixo envolvimento social (65,7%), e independência para as atividades básicas (96,3%) e
instrumentais (58,2%) de vida diária. Com relação às condições psicológicas, 82,9% dos
idosos não apresentava sintomatologia depressiva e 76,9% não pontuou para ansiedade.
84
Grupo 3 (n = 108; 80,6% da amostra): predominantemente formado por idosos com
independência em ABVDs, com independência em AIVDs, sem ansiedade, satisfeitos com
adaptação, companheirismo, desenvolvimento, afetividade, capacidade resolutiva e boa
funcionalidade familiar.
Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero, configuração
familiar, condições de saúde física e psicológica e satisfação com os relacionamentos
familiares. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011.
Grupos Frequência RMS2 (Desvio- Distância máxima Cluster mais Distância entre os
padrão) observada do centro próximo centróides do grupo
85
Tabela 2. Resultados da análise de conglomerados conforme as variáveis idade, gênero,
condições de saúde física e psicológica, configuração familiar e satisfação com os
relacionamentos familiares. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011.
Variáveis Desvio-padrão Coeficiente de RSQ/(1-RSQ)
determinação
Gênero 1.00276 0.009595 0.009688
Idade 0.98545 0.043499 0.045477
Arranjos de moradia 0.99460 0.025651 0.026326
Chefia familiar 1.00549 0.004192 0.004210
Contribuição para o sustento família 1.00715 0.000894 0.000895
N° doenças autorrelatadas 0.99423 0.026372 0.027086
N° sinais e sintomas autorrelatadas 1.00108 0.012915 0.013084
Envolvimento social 0.99883 0.017338 0.017644
ABVDs 0.52811 0.725296 2.640277
AIVDs 0.97437 0.064883 0.069385
Depressão 0.99525 0.024369 0.024977
Ansiedade 0.97072 0.071873 0.077439
Adaptação 0.69320 0.526697 1.112813
Companheirismo 0.57711 0.671955 2.048358
Desenvolvimento 0.63599 0.601597 1.510021
Afetividade 0.59851 0.647175 1.834269
Capacidade resolutiva 0.69292 0.527075 1.114502
Satisfação dinâmica familiar 0.49645 0.757246 3.119403
Total 0.86421 0.264368 0.359375
86
Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que entraram as variáveis
idade, gênero, configuração familiar, condições de saúde física e psicológica, e satisfação com os
relacionamentos familiares. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011.
Variáveis Categorias Amostra total Conglomerados (%)
n % 1G1 2G2 3G3 Valor-p*
Idade 60-74 anos 89 66,4 79,2 0 64,8 0,053
≥75 anos 45 33,6 20,8 100,0 35,2
Gênero Feminino 104 77,6 70,8 100,0 78,7 0,654
Masculino 30 22,4 29,2 0 21,3
Arranjos de Sozinho 24 17,9 29,2 50,0 14,8 0,112
moradia C/ cônjuge/companheiro 10 7,5 4,1 0 8,3
C/ cônjuge e descendentes 32 23,9 16,7 50,0 25,0
Com descendentes 55 41,0 29,2 0 44,5
Outros 13 9,7 20,8 0 7,4
Chefia familiar Sim 97 72,4 70,8 50,0 73,2 0,639
Não 37 27,6 29,2 50,0 26,8
Contribuição para Total 66 49,3 54,2 50,0 48,1 0,878
o sustento família Parcial 59 44,0 37,5 50,0 45,4
Nenhuma 09 6,7 8,3 0 6,5
Envolvimento Menor 88 65,7 75,0 100,0 63,0 0,371
social Maior 46 34,3 25,0 0 37,0
N° doenças Nenhuma 18 13,4 12,5 0 13,9 0,383
autorrelatadas 1-2 70 52,3 45,8 0 54,6
≥3 46 34,3 41,7 100,0 31,5
N° sinais e Nenhum 12 9,0 4,2 0 10,2 0,664
sintomas 1-2 42 31,3 25,0 50,0 32,4
autorrelatadas ≥3 80 59,7 70,8 50,0 57,4
ABVDs Independente 129 96,3 95,8 0 98,2 <0,001
Dependência parcial 03 2,2 4,2 0 1,8
Dependente 02 1,5 0 100,0 0
AIVDs Dependência total 08 6,0 12,5 100,0 2,8 0,001
Dependência parcial 48 35,8 41,7 0 35,2
Independência 78 58,2 45,8 0 62,0
Depressão Sim 23 17,2 29,2 0 14,8 0,224
Não 111 82,8 70,8 100,0 85,2
Ansiedade Sim 31 23,1 45,8 50,0 17,6 0,005
Não 103 76,9 54,2 50,0 82,4
Adaptação Insatisfeito 25 18,7 79,2 0 5,6 <0,001
Satisfeito 109 81,3 20,8 100,0 94,4
Companheirismo Insatisfeito 23 17,2 83,3 0 2,8 <0,001
Satisfeito 111 82,8 16,7 100,0 97,2
Desenvolvimento Insatisfeito 25 18,7 83,3 0 4,6 <0,001
Satisfeito 109 81,3 16,7 100,0 95,4
Afetividade Insatisfeito 26 19,4 87,5 0 4,6 <0,001
Satisfeito 108 80,6 12,5 100,0 95,4
Capacidade Insatisfeito 21 15,7 70,8 50,0 2,8 <0,001
resolutiva Satisfeito 113 84,3 29,2 50,0 97,2
Satisfação Disfunção familiar 19 14,2 79,2 0 0 <0,001
dinâmica familiar Boa funcionalidade 115 85,8 20,8 100,0 100,0
*Teste Exato de Fisher; diferença significativa se p≤0,05.
G1
. Idosos com necessidade de ajuda instrumental para o desempenho de AVD, com ansiedade, com avaliações
negativas e com insatisfação com os relacionamentos familiares.
G2
. Idosos dependentes para o desempenho de AVD, com ansiedade e com satisfação com os relacionamentos
familiares.
G3
. Idosos totalmente independentes e com satisfação com os relacionamentos familiares.
87
Houve um percentual superior de idosos de 60 a 74 anos nos Grupos 1 e 3 e no Grupo 2 ambos
os participantes tinham 75 anos e mais. Nos três grupos predominaram mulheres, chefes de
família, de cujos recursos esta dependia total ou parcialmente. Metade dos idosos no Grupo 1
viviam em arranjos considerados menos continentes (sozinho ou outros arranjos) enquanto que
no Grupo 3 os arranjos mais comuns eram os familiares com cônjuge e/ou descendentes. A
maioria dos três grupos pontuou abaixo da mediana na variável participação social e não
apresentaram sintomatologia depressiva superior a 5 pontos. A maior parte dos idosos dos
Grupos 1 e 3 relatou ter 1 ou 2 doenças, três ou mais sinais e sintomas, independência para as
ABVDs e AIVDs (e dependência parcial para o G1); enquanto que o grupo 2 apresentou maior
número de doenças, sinais e sintomas, dependência total para ABVDs e AIVDs. Os
percentuais mais elevados de pontuação para ansiedade ocorreram nos Grupos 1 e 2. A
totalidade dos idosos dos Grupos 2 e 3 declararam-se satisfeitas com a dinâmica da família,
mas no Grupo 1, cerca de 80% declararam-se insatisfeitos. As avaliações nos domínios da
funcionalidade familiar seguiram a mesma tendência.
Discussão
88
Interações negativas podem indicar dificuldades no equilíbrio entre as necessidades
individuais e as da unidade familiar, acarretando aumento da ansiedade dos membros e
afetando o funcionamento familiar. Indivíduos com ansiedade tendem a ter menos controle
sobre emoções negativas, o qual se associa à falta de habilidade para gerenciar e regular
experiências emocionais intensas (CARL et al, 2013). Os principais sintomas da ansiedade,
tais como o medo, a tensão excessiva e a instabilidade emocional são mais comuns entre
idosos com funcionamento psicossocial pobre, com menos habilidades sociais e com maior
necessidade de suporte emocional (STELLA, 2007). Idosos com necessidades não atendidas,
vivendo em ambiente tenso e disfuncional são fortes candidatos a ter sintomas de ansiedade e
a terem agravadas suas condições de dependência funcional e de restrição social (VINK;
AARTSEN; SCHOEVERS, 2008; NORTON et al, 2012).
O segundo grupo foi formado apenas por dois idosos, que eram totalmente dependentes para
atividades básicas e instrumentais de vida diária e que tinham ansiedade. Estes idosos
provavelmente precisam ser cuidados, situação que exige a elaboração de processos
emocionais individuais e familiares bem como reorganização de papéis e funções entre os
membros da família. Nesse grupo, a ansiedade parece dizer mais respeito à capacidade
funcional do que à qualidade das relações familiares, pois os idosos relataram estar satisfeitos
com quase todos os domínios da funcionalidade familiar avaliados (adaptação,
companheirismo, desenvolvimento e afetividade).
89
papeis e deveres sociais como progenitores de uma prole emocionalmente equilibrada,
produtiva e grata.
As variáveis idade, gênero, arranjos de moradia, chefia familiar, contribuição para o sustento
da família, envolvimento social, número de doenças, sinais e sintomas e sintomas depressivos
tiveram distribuições compatíveis com as encontradas em outros estudos (PEDRAZZI et al,
2010; GUARIENTO et al, 2013; RIBEIRO et, 2013; NERI et al, 2013). Neste estudo, sua
variabilidade não foi suficiente para que elas se manifestassem na formação dos três grupos,
mas é importante lembrar que idade avançada, número de condições crônicas e nível de
envolvimento social são fatores de risco para dependência funcional (GRIFFITH et al, 2010;
NERI et al, 2013) e que esta afeta a funcionalidade familiar. As mulheres vivem mais e têm
maior risco de viver em famílias disfuncionais (SANTOS; PAVARINI; BARHAM, 2011) do
que os homens. A configuração familiar é um indicador importante do ambiente físico e social
do idoso, das trocas intergeracionais e do funcionamento familiar.
As variáveis que mais contribuíram para a formação dos grupos, ou seja, que se relacionaram
de forma mais robusta com as demais, foram o desempenho de atividades básicas de vida
90
diária e a satisfação com a dinâmica de funcionamento familiar. O comprometimento das
atividades básicas de vida diária é determinante da necessidade de ser cuidado e por isso afeta
as relações familiares e o potencial de assistência da família que precisa se reorganizar para
responder às necessidades do membro idoso.
Considerações Finais
Os dados apresentados neste estudo são de especial interesse porque coletados num contexto
social brasileiro com piores condições socioeconômicas e de predominância de corresidência
de familiares de várias gerações e de intercâmbios de ajuda descendente entre os idosos e os
mais jovens. Embora não seja possível fazer afirmações sobre relações de causa e efeito com
relação aos dados, uma vez que eles são de natureza descritiva, foram observadas associações
interessantes. Entre elas a principal é a das relações entre a satisfação e as avaliações positivas
ou negativas dos idosos sobre a própria família e o nível de saúde física e mental e de
independência apresentada por eles. Com base na literatura e na observação clínica, é possível
afirmar que há relações recíprocas entre essas variáveis.
Referências
91
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fragilidade. In: NERI, A. L. (Org.). Fragilidade e qualidade de vida na velhice. Campinas,
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grading the cognitive status of patients for the clinician. Journal of Psychiatric Research, v.
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94
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WERNER-SEIDLER, A. et al. An investigation of the relationship between positive affect
regulation and Depression. Behaviour Research and Therapy, v.51, p.46-56, 2013.
95
ESTUDO 3
Introdução
O clima familiar do idoso está relacionado com suas condições de saúde, pois além de se
constituírem em grande fonte de preocupação para eles e para os seus familiares, doenças e
incapacidades podem prejudicar o equilíbrio familiar. A emergência da necessidade de cuidar,
gerada por problemas de saúde nos idosos geralmente funciona como evento estressante que
exige a mobilização dos recursos de enfrentamento da família (PIERCY, 2010), para dar conta
de questões quanto a moradia, dinheiro, cuidado instrumental, responsabilidade e afeto. O
idoso com limitações funcionais importantes são mais insatisfeitos com os relacionamentos
familiares (TORRES et al., 2010), tem maior risco de depressão (BATISTONI et al, 2013) e
ansiedade (VINK; AARTSEN; SCHOEVERS, 2008) e estão mais expostos ao risco de viver
em arranjos domiciliares não continentes (CAMARANO; KANSO, 2010).
96
O conceito de configuração familiar diz respeito a quem integra o nicho familiar (conforme
sexo e idade, por exemplo), ao grau de parentesco entre os membros, ao desempenho de chefia
e ao nível da contribuição oferecida pelos membros para o sustento da família. Diferentes
configurações são determinadas por variáveis demográficas, econômicas e de saúde dos
membros, as quais determinam papéis e funções, trocas de recursos materiais e formas de
relacionamento (CAMARANO et al, 2004). A configuração familiar oferece as bases para a
convivência diária e para o clima emocional da família e é um importante indicativo do
ambiente físico e social em que vivem seus membros.
Os estudos sobre família têm apontado a coesão e a hierarquia como duas dimensões básicas
da organização familiar. Segundo os conceitos da escola estrutural sistêmica de Minuchin
(1982), estes são os aspectos que formam a estrutura familiar de todas as famílias. Mudanças
nessas dimensões acarretam alterações nas formas de interação e no funcionamento da família.
A coesão é definida como vínculo ou proximidade emocional e como o sentimento de estar
conectado ao grupo por laços de pertencimento e afeto, é uma propriedade de famílias com
maior bem-estar psicossocial, nas quais as pessoas se esforçam para manter contatos sociais
positivos. Na velhice, os esforços de coesão estão mais associados ao senso de proximidade
emocional do que à percepção de reciprocidade nas trocas sociais (LANG et al, 2013).
A hierarquia é definida como uma estrutura de poder que envolve influência, controle (criação
de regras e imposição de limites), poder decisório e adaptabilidade. Quando auxilia a manter o
equilíbrio no sistema familiar, o exercício de poder é adaptativo. O funcionamento familiar
saudável está relacionado ao relacionamento igualitário do casal (equilíbrio de poder) e à
predominância do poder e da influência dos pais. Famílias estressadas tem maior
probabilidade de demonstrar inversão hierárquica, que pode leva-la ao colapso (GEHRING,
MARTI, SIDLER, 1994; GEHRING, MARTI, 1993). Quando os pais idosos apresentam forte
dependência física e cognitiva, a inversão hierárquica torna-se uma necessidade e não se
configura como disfunção, mas nem por isso deixam de ser geradoras de estresse familiar. Por
outro lado, o valor da hierarquia familiar sofre mudanças culturais ao longo das gerações. Por
exemplo, no Brasil, os idosos atuais cresceram em famílias que valorizavam a autoridade, a
tradição e a continuidade dos costumes e que colocavam as demandas familiares acima das
97
demandas individuais. O valor da igualdade e da liberdade e o fortalecimento da ideologia
individualista foram progressivamente sendo assimiladas no cotidiano familiar e hoje são mais
valorizadas pelas gerações mais jovens (BORGES; ROCHA; COUTINHO, 2008).
98
O objetivo deste estudo foi analisar relações entre o clima familiar, a configuração familiar e
as condições de saúde física e psicológica de homens e mulheres idosos de diferentes idades.
Método
Participantes e procedimentos
O campo selecionado para estudo foi Santo Antonio de Jesus, Estado da Bahia – Brasil, cujo
papel no setor da saúde é importante no Recôncavo Baiano. Tem população total de 90.985
habitantes, sendo que 9149 (7983 residentes na zona urbana e 1166 na zona rural), ou 10% da
população total, têm 60 anos ou mais. O município tem 20 unidades básicas de saúde (UBS)
localizadas na zona urbana. Dente elas, foi selecionada a que tinha o maior número de idosos
cadastrados, o que correspondeu a 14,5% do total de pessoas cadastradas e a 16,8% dos idosos
residentes na cidade. Segundo dados do Sistema de Informação da Atenção Básica ano 2010,
nessa unidade estavam cadastradas 2.754 famílias que somavam 9.234 pessoas, dentre os
quais 1344 com 60 anos e mais. O tamanho da amostra foi fixado em 134 idosos, para um
nível de confiança de 90% e para erro amostral de 5%.
99
instruções; interesse em participar e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Como critério de inclusão foi adotada a pontuação referente as notas de corte apresentadas por
Brucki et al (2003) para cada faixa de escolaridade menos um desvio padrão no Mini-Exame
do Estado Mental –MEEM (FOLSTEIN, FOLSTEIN, MCHUGH, 1975; BERTOLUCCI et.
al., 1994), um teste de rastreio de demências comumente usado em estudos populacionais.
Foram visitados 207 domicílios com idosos, dos quais sete (3,4%) não cumpriam um ou mais
critérios de elegibilidade. Sessenta e seis idosos (31,9%) pontuaram abaixo da nota de corte no
MEEM, razão pela qual foram excluídos. Em cada domicilio, todos os idosos eram
entrevistados com vistas à seleção para participação no estudo e a escolha do participante era
baseada na maior pontuação obtida no Mini-Exame do Estado Mental. Era solicitado ao idoso
que a entrevista ocorresse em um local da casa que pudesse proporcionar maior privacidade e
tranquilidade, evitando-se a interrupção por outras pessoas. A coleta durou de duas a três
visitas de 2 horas cada uma, em média.
A realização da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Maria
Milza (FAMAM), do município de Cruz das Almas – Bahia (protocolo no. 034/2011), de
acordo com a Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da
Saúde do Brasil. Todos os idosos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Foi garantido a todos o direito de abandonar a pesquisa a qualquer momento. Aos que foram
excluídos com base na pontuação no MEEM foi dito que a pesquisa tinha diferentes formas de
coleta de dados e que se agradecia sua participação naquele momento.
Variáveis e instrumentos
100
para os idosos com 1 a 4 anos de escolaridade, 24 para os que tinham de 5 a 8 e 26 para os que
tinham 9 anos ou mais de escolaridade.
1. Características sociodemográficas. Foram avaliadas a idade (agrupada em duas
faixas - 60 a 74 anos e 75 anos ou mais) e o gênero: feminino x masculino.
2. Configuração familiar. Compreendeu a variáveis e itens que se seguem.
2.1. Arranjos de moradia (com base na pergunta: com quem o(a) sr(a) mora?, com
opções para a indicação de sozinho e com o cônjuge ou companheiro, filhos, netos,
outros parentes e pessoas de fora da família). As respostas foram agrupadas nas
categorias sozinho, com o cônjuge ou companheiro, com o cônjuge e descendentes,
com descendentes e outros tipos de arranjo);
2.2. Chefia familiar (com base na pergunta: quem é o chefe da família? As respostas
foram agrupadas nas opções sim ou não para a chefia do idoso).
2.3. Contribuição financeira do idoso para o sustento da família (uma pergunta com
as alternativas total, parcial ou nenhuma).
3. Condições de saúde física:
3.1. Questionário de doenças e de sinais e sintomas auto-relatados. Doenças
crônicas diagnosticadas por médico no ultimo ano (nove doenças, com respostas
dicotômicas) e sinais e sintomas (total de doze com respostas dicotômicas), ambas
agrupadas nas categorias nenhuma; 1 a 2; 3 ou mais (NERI; GUARIENTO, 2011);
3.2. Índice de Independência nas Atividades de Vida Diária (KATZ et al, 1963;
LINO et al, 2008). Foi obtido mediante escala de 6 itens com três possibilidades de
resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para banho, vestir-se,
toalete, transferência, controle esfincteriano e alimentação. As respostas foram
agrupadas em: independente, dependência parcial e dependência total.
3.3. Desempenho de atividades instrumentais de vida diária (LAWTON; BRODY,
1969; BRITO; NUNES; YUASO, 2007), mediante escalas com três possibilidades
de resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para telefonar, usar
transportes, compras, cozinhar, serviços domésticos, uso de medicação e manejo de
dinheiro. As respostas foram agrupadas em: independente, dependência parcial e
dependência total.
101
3.4. Envolvimento social: a avaliação foi baseada em autorrelato sobre a
participação em atividades físicas, em centro de convivência, na comunidade e
religiosas (quatro questões com respostas que foram agrupadas em sim ou não). Os
dados foram categorizados pela mediana, em menor ou maior envolvimento social.
102
Análise de dados
Com o objetivo de estudar o perfil da amostra, foi feita análise de conglomerados mediante o
método da partição. A análise comparativa da composição dos conglomerados obtidos foi feita
mediante os testes qui-quadrado e Exato de Fisher. O nível de significância adotado para os
testes estatísticos foi de 5%.
Resultados
Quanto às condições físicas, a maioria relatou ter de uma a duas doenças (52,2%), três ou mais
sinais e sintomas (59,7%), baixo envolvimento social (65,7%), e independência para as
atividades básicas (96,3%) e instrumentais (58,2%) de vida diária. Com relação às condições
psicológicas, 82,9% dos idosos não apresentava sintomatologia depressiva e 76,9% não
mostrou ansiedade.
A maioria dos idosos percebeu menor apoio familiar (58,2%), menor coesão (56,7%), menor
conflito (50,7%), menor hierarquia (53,7%), menor clima familiar positivo (53,7%) e se
dividiu igualmente quanto à percepção de clima negativo (50% menor e 50% maior).
103
doenças; com dependência total ou parcial em ABVDs e dependência total em AIVDs; com
depressão e com ansiedade; e com percepção de menor apoio, de menor coesão, de menor
hierarquia, de menor clima positivo e de menor clima negativo.
Grupo 3 (n=55; 41,1% da amostra): predominantemente formado por mulheres, com menor
frequência de chefia familiar, que contribuíam parcialmente para sustento familiar e com
maior participação social; com numero intermediário de doenças, independência em ABVDs e
independência em AIVDs; sem depressão e sem ansiedade; e com percepção de maior apoio,
de maior coesão, de maior hierarquia, de maior clima positivo e de maior clima negativo.
Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero, configuração
familiar, condições de saúde física e psicológica e clima familiar. Santo Antônio de Jesus,
Bahia, Brasil. Idosos, 2011.
Grupos Frequência RMS2 (Desvio- Distância máxima Cluster mais Distância entre os
padrão) observada do centro próximo centróides do grupo
2
A formação com 3 grupos obteve um R de 0.137, ou seja, explicativo de 13.7% da
variabilidade dos dados. As variáveis que mais contribuíram para a formação dos grupos
(variáveis com maior R 2), ou seja, que se relacionaram com as demais de forma mais robusta,
2
foram as atividades básicas de vida diária (R =0,887), apoio familiar (R2 =0,242) e clima
familiar positivo (R2 =0,224). A Tabela 2 mostra os resultados da análise de conglomerados.
104
Tabela 2. Resultados da análise de conglomerados conforme as variáveis idade, gênero,
condições de saúde física e psicológica, configuração e clima familiar. Santo Antônio de
Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011.
Variáveis Desvio-padrão Coeficiente de RSQ/(1-RSQ)
determinação
Gênero 0.97856 0.056827 0.060251
Idade 0.99193 0.030880 0.031864
Arranjos de moradia 1.00354 0.008049 0.008114
Chefia familiar 0.96136 0.089691 0.098528
Contribuição para o sustento família 0.98188 0.050403 0.053079
N° doenças autorrelatadas 0.94296 0.124189 0.141799
N° sinais e sintomas autorrelatadas 0.98697 0.040529 0.042241
Envolvimento social 0.97296 0.067592 0.072492
ABVDs 0.33847 0.887158 7.861940
AIVDs 0.95208 0.107177 0.120043
Depressão 0.97132 0.070717 0.076099
Ansiedade 0.95719 0.097559 0.108106
Apoio 0.87685 0.242692 0.320466
Coesão 0.93344 0.141799 0.165229
Conflito 1.00034 0.014376 0.014585
Hierarquia 0.95383 0.103888 0.115931
Clima positivo 0.88726 0.224608 0.289671
Clima negativo 0.95274 0.105944 0.118499
Total 0.93610 0.136893 0.158605
105
Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que entraram as variáveis
idade, gênero, configuração familiar, condições de saúde física e psicológica e clima familiar. Santo Antônio de
Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011.
Variáveis Categorias Amostra total Conglomerados (%)
n % 1G1 2G2 3G3 Valor-p*
Faixa etária 60-74 anos 89 66,4 60,0 59,5 76,4 0,108
≥75 anos 45 33,6 40,0 40,5 23,6
Gênero Feminino 104 77,6 100,0 68,9 87,3 0,028
Masculino 30 22,4 0 31,1 12,7
Arranjos de Sozinho 24 17,9 40,0 23,0 9,1 0,061
moradia C/ cônjuge/companheiro 10 7,5 0 9,4 5,4
C/ cônjuge e descendentes 32 23,9 20,0 14,9 36,4
Com descendentes 55 41,0 40,0 44,6 36,4
Outros 13 9,7 0 8,1 12,7
Chefia familiar Sim 97 72,4 80,0 83,8 56,4 0,002
Não 37 27,6 20,0 16,2 43,6
Contribuição para Total 66 49,3 80,0 59,5 32,7 0,008
o sustento família Parcial 59 44,0 20,0 32,4 61,8
Nenhuma 09 6,7 0 8,1 5,5
Envolvimento Menor 88 65,7 80,0 75,7 50,9 0,011
social Maior 46 34,3 20,0 24,3 49,1
N° doenças Nenhuma 18 13,4 0 23,0 1,8 <0,001
autorrelatadas 1-2 70 52,3 0 51,3 58,2
≥3 46 34,3 100,0 25,7 40,0
N° sinais e Nenhum 12 9,0 0 10,8 7,3 0,145
sintomas 1-2 42 31,3 20,0 39,2 21,8
autorrelatadas ≥3 80 59,7 80,0 50,0 70,9
ABVDs Independente 129 96,3 0 100,0 100,0 <0,001
Dependência parcial 03 2,2 60,0 0 0
Dependente 02 1,5 40,0 0 0
AIVDs Dependência total 08 6,0 80,0 5,4 0 <0,001
Dependência parcial 48 35,8 20,0 37,8 34,5
Independência 78 58,2 0 56,8 65,5
Depressão Sim 23 17,2 60,0 20,3 9,1 0,011
Não 111 82,8 40,0 79,7 90,9
Ansiedade Sim 31 23,1 80,0 27,0 12,7 0,002
Não 103 76,9 20,0 73,0 87,3
Apoio Menor 78 58,2 80,0 78,4 29,1 <0,001
Maior 56 41,8 20,0 21,6 70,9
Coesão Menor 76 56,7 60,0 73,0 34,5 <0,001
Maior 58 43,3 40,0 27,0 65,5
Conflito Menor 68 50,7 60,0 55,4 43,6 0,396
Maior 66 49,3 40,0 44,6 56,4
Hierarquia Menor 72 53,7 60,0 67,6 34,5 <0,001
Maior 62 46,3 40,0 32,4 65,5
Clima positivo Menor 72 53,7 80,0 73,0 25,5 <0,001
Maior 62 46,3 20,0 27,0 74,5
Clima negativo Menor 67 50,0 80,0 62,2 30,9 <0,001
Maior 67 50,0 20,0 37,8 69,1
*Teste Exato de Fisher; diferença significativa se p≤0,05.
G1
. Mulheres física, psicológica e financeiramente oneradas e com tendência ao isolamento, com avaliações negativas do
clima familiar.
G2
. Homens financeiramente onerados, com tendência ao isolamento, mas com boa saúde e independência física, com
avaliações negativas do clima familiar.
G3
. Mulheres parcialmente responsáveis pelo sustento da família, com boa saúde, socialmente envolvidas e com avaliações
positivas do clima familiar.
106
Houve um percentual superior de idosos de 60 a 74 anos nos três grupos. Predominaram as
mulheres nos grupos 1 e 3 e um percentual significativamente diferente dos demais grupos
entre os homens no grupo 2. Os grupos 1 e 2 apresentaram um percentual superior de chefes
de família, de cujos recursos esta dependia totalmente e com menor envolvimento social,
enquanto que o inverso foi verificado no grupo 3, com menor chefia familiar e contribuição
financeira parcial e maior envolvimento social. Nos três grupos predominaram arranjos
familiares com cônjuge e/ou descendentes. Todos os idosos do grupo 1 relataram ter 3 ou mais
doenças, a maioria dos grupos 2 e 3 uma ou duas doenças e nos três grupos a maior parte
relatou ter 3 ou mais sinais e sintomas. Predominou no grupo 1 idosos com dependência total
ou parcial em ABVDs e dependência total em AIVDs, enquanto que nos grupos 2 e 3 idosos
independentes. A presença de depressão e ansiedade foi predominante somente no grupo 1.
Discussão
O primeiro grupo representou a menor parcela da amostra e foi formado por mulheres,
majoritariamente por uma pior saúde física com maior número de doenças, dependência total
ou parcial nas atividades básicas e dependência total nas atividades instrumentais de vida
diária e menor participação social. Entre os idosos, as mulheres são as que mais precisam de
cuidados permanentes (CAMARANO; KANSO, 2010), principalmente as mais velhas, porque
têm maior risco para comprometimento funcional e para doenças autorrelatadas (NERI et al,
2011), assim como estão mais expostas ao risco de restrição ao domicílio do que os homens
idosos e os idosos mais jovens (NERI et al, 2013). Essas condições guardam forte associação
com prejuízos sociais, tais como baixo nível de escolaridade e renda, com maior longevidade e
com maior exposição ao ônus associado às tarefas domésticas e de cuidado. O estresse gerado
por essas condições pode tornar-se ainda mais intenso e deletério ao bem-estar, quando traz à
107
tona conflitos intergeracionais com relação a valores e expectativas de comportamento
relacionadas ao cuidado.
Apesar das condições de saúde física, os idosos desse grupo caracterizaram-se por maior
frequência de chefia familiar e com contribuição total para sustento familiar. A proporção de
mulheres idosas chefes de família aumentou 2,5 vezes entre 1980 e 200 no Brasil e reduziu-se
a proporção de mulheres vivendo na casa de filhos e/ou na casa de outros parentes
(CAMARANO, 2003). A renda e a posse do domicilio tem grande influência sobre o aumento
do número de homens e particularmente de mulheres idosas que são chefes de família, mesmo
que apresentem algum grau de dependência. Essa responsabilidade pode conferir maior poder
às mulheres idosas, já fortalecido pelo gerenciamento emocional e da vida pratica da família.
Também pode gerar sobrecarga objetiva e subjetiva e falta de apoio e de cuidado, pois as
idosas continuam desempenhando o seu papel de cuidadora, mas assumiu também o de
provedora. A maior preocupação decorre do maior risco deste contigente feminino de
debilidades físicas, o que pode acarretar perda de autonomia e incapacidade para lidar com as
atividades do cotidiano, além do aparecimento de novos papéis sociais, como o de ser chefes
de família.
Embora a família seja a principal instituição responsável pelo cuidado, questiona-se se pode
desempenhar essa tarefa de forma adequada. Uma parte significativa de idosos com
dificuldades em atividades básicas não recebe ajuda e suas necessidades não são devidamente
atendidas pelas famílias e estas, por sua vez, não contam com programas de apoio formal do
108
governo. Falta de apoio e maior exposição a interações sociais negativas têm sido associados
com pior saúde e funcionalidade (POWERS et al, 2012).
A saúde psicológica também tem relação com a qualidade dos relacionamentos familiares. A
maior percepção de suporte familiar está associada com menor sintomatologia depressiva em
idosos (SHERMAN et al, 2011). Estudo de Kivelä e colaboradores (2008) aponta que um pior
relacionamento familiar e marital é mais uma consequência do que um preditor da depressão
em idosos. As emoções servem a funções sociais e distúrbios a elas associados estão
associados a doenças psicológicas. Os comportamentos sociais de indivíduos deprimidos tem
consequências mal adaptativas para a própria depressão e afetam a provisão de suporte
(MARROQUÍN, 2011).
109
e o papel que ele considera que tem na família e a resposta desta à sua função e poder na
hierarquia familiar. Pode indicar ainda que o idoso tem pouco poder decisório na alocação dos
seus recursos financeiros e que o padrão de autoridade não foi flexível e adaptável ao processo
de dependência física do idoso.
Por outro lado, esteve associado a esse grupo menor percepção de clima negativo, o que
assinala tanto uma percepção de menor hierarquia quanto de menor conflito familiar.
Experiências de conflito são relatadas com menor frequência pelos idosos do que por adultos
mais jovens (LANG et al, 2013). Além disso, a incapacidade funcional, a depressão e a
ansiedade limitam a energia disponível para o idoso se engajar em trocas conflituosas.
No segundo grupo, composto pela maioria da amostra, foram observadas associações entre ser
homem, ter melhores condições de saúde física, independência tanto para atividades básicas
instrumentais de vida diária, mas menor participação social e ausência de sintomas de
depressão e de ansiedade. Homens apresentam maior tendência de interromper as atividades
avançadas de vida diária, mesmo que tenham boa saúde, em função da aposentadoria, da perda
de recursos e do menor engajamento em atividades extradomésticas que estão relacionadas à
saúde (BORIM et al, 2011; RIBEIRO et al, 2013). Com isso, apresentam menor envolvimento
social na velhice do que as mulheres, mesmo na presença de condições similares de
funcionalidade física. Quando se trata do risco de depressão e ansiedade, o sexo masculino
está em vantagem, pois as mulheres apresentam pior saúde psicológica do que os homens
(GIORDANO; LINDSTRÖM, 2011).
O segundo grupo apresentou maior frequência de chefia familiar e contribuição total para
sustento familiar. Segundo Camarano e colaboradores (2004), no Brasil, nas famílias cujo
idoso é o chefe da família, predominam aqueles do sexo masculino, mais jovens, com
melhores condições de saúde, cuja renda é central ao orçamento familiar e prevalecem as
transferências descendentes de apoio. Para muitos desses idosos as responsabilidades com
filhos e netos não são diminuídas, pois sua aposentadoria representa uma fonte importante de
sustento da família, mesmo quando o domicílio não é multigeracional. Nos contextos de maior
pobreza fica mais difícil satisfazer as próprias necessidades. Por isso, os idosos tornam-se
110
mais vulneráveis às frustrações do dia-a-dia e ao desgaste das relações entre as gerações
(HINES, 1995).
Apesar da boa saúde física e psicológica, esteve associada às características desse grupo uma
percepção de menor apoio, de menor coesão, de menor hierarquia, de menor clima positivo e
de menor clima negativo. A coesão familiar é um importante componente das relações
familiares. Baixo afeto nos relacionamentos intergeracionais prediz pior qualidade de vida na
velhice (SILVERSTEIN; GIARUSSO, 2010). É possível que as consequências de uma pior
qualidade dos relacionamentos familiares sejam diferentes para homens e mulheres. Por
questões culturais, as mulheres tipicamente relatam maior investimento nos relacionamentos
sociais e favorecem a coesão entre as gerações, ao oferecer suporte e manutenção das ligações
sociais e afetivas. Assim, os efeitos psicológicos de uma pior qualidade dos relacionamentos
familiares podem ser maiores para elas do que para os homens, principalmente se a condição
de dependência estiver presente.
A troca positiva de suporte requer uma comunicação clara da necessidade bem como a
habilidade do provedor de suporte de atender a necessidade expressada pelo idoso. Tanto os
homens idosos quanto seus familiares podem ter expectativas irrealistas a respeito dos
comportamentos de suporte. A não compreensão ou a má comunicação podem interferir tanto
na apropriada provisão de suporte quanto na percepção da adequação do suporte recebido.
Ajudar e receber ajuda são componentes-chave da interação familiar e representam parte do
que significa pertencer a uma unidade coesa. As famílias com membros idosos enfrentam
vários desafios e a percepção de que as necessidades são atendidas relaciona-se com
funcionamento familiar saudável.
O envolvimento dos idosos com sua rede familiar nem sempre traz efeitos positivos. As
famílias podem não estar preparadas para expressar emoções negativas e positivas de forma
adequada, nem para responder apropriadamente a situações de estresse. Com excesso de ajuda
ou ajuda intrusiva ou desnecessária, podem criar um ambiente adverso à expressão de
liberdade e autonomia de seu membro familiar mais velho (REIS et al, 2011). Além disso, se
há a presença de um histórico familiar de situações relacionais mal resolvidas, é menos
provável que o idoso perceba apoio.
111
A percepção de menor hierarquia familiar, apesar da boa saúde física e mental e da posição do
idoso como chefe e provedor da família pode indicar que ele considera que nem seu status e
nem sua autonomia estão sendo respeitados pela família.Essa situação pode dar origem a
problemas relacionados ao controle familiar, ao manejo de recursos e relativos à percepção de
dependência entre as gerações. Estudo de Santos e Dias (2008) mostrou que homens idosos
desejam permanecer na posição de chefes familiares e de norteadores do comportamento
familiar, mas que consideram que o tratamento dado aos mais velhos hoje não os respeita e
valoriza como antigamente e se ressentem disso. A instituição de valores mais igualitários e de
uma cultura mais individualista modificou as relações entre as gerações, antes alicerçadas em
um modelo hierárquico, baseado na autoridade, que valorizava a tradição e a continuidade dos
costumes (BORGES; ROCHA-COUTINHO, 2008). O alto valor dado à individualidade, à
liberdade e à igualdade nas relações pessoais, presentes nas gerações mais jovens, coloca as
escolhas e necessidades individuais acima das familiares. Isso pode ser interpretado pelo idoso
como sinônimo de menor apoio, de menor coesão e de menor hierarquia. Pouca flexibilidade e
pouca capacidade de ajustamento a tais mudanças nos modelos tradicionais de família,
masculinidade, feminilidade e respeito aos mais velhos podem levar ao distanciamento nas
relações intergeracionais familiares, dadas pela percepção tanto de menor clima positivo
quanto de menor clima negativo.
O terceiro grupo foi formado predominantemente por mulheres, em boas condições de saúde
física e psicológica, com uma ou duas doenças, independência em atividades básicas e
instrumentais de vida diária, participação social, ausência de depressão e ansiedade e
contribuição parcial para o sustento familiar.
As mulheres tendem a manter atividades sociais, o contato com sua rede social e atividades
extradomésticas relacionadas ao autocuidado. Essa participação é facilitada quando desfrutam
de boa saúde física e pela redução da responsabilidade nos contextos familiar e doméstico,
como ilustrado pela menor sobrecarga associada à chefia e ao sustento familiar (RIBEIRO et
al, 2013). O envolvimento social funciona como fator protetor contra o isolamento social e
funcional e está associado a mais suporte social, maior bem-estar psicológico e melhor
qualidade de vida na velhice, que favorecem o clima familiar e sua avaliação pelas idosas
112
(THOMAS, 2011). Esse grupo percebeu maior apoio, maior coesão e maior hierarquia
familiar. Quando os idosos não têm limitações funcionais importantes e nem problemas de
saúde psicológica, a satisfação com a dinâmica familiar e o bom relacionamento entre os
membros da família tornam-se mais prováveis. Por se tratar de um grupo mais competente
funcionalmente, a percepção de maior hierarquia relaciona-se com o exercício da autonomia,
da maior participação nas decisões familiares e da manutenção do seu status dentro do sistema
familiar. Perceberam tanto maior clima positivo quanto maior clima negativo, o que indica que
a afetividade também pode ser acompanhada da tensão necessária ao crescimento e ao
amadurecimento da família. Idosos autônomos também brigam pelo que desejam e expressam
seus pensamentos e emoções, o que pode levar à discordância e ao conflito.
Quanto à percepção de maior clima negativo, dependendo dos recursos de saúde, sociais e
econômicos, a ajuda recebida dos familiares pode ser interpretada como intrusiva, por
prejudicar o autoconceito e o senso de autoeficacia quanto à competência funcional e por
fortalecer o estigma de ser um fardo. A maioria dos pais e filhos relata algum grau de tensão
entre si, que se reflete na percepção de proximidade emocional e de coesão. Essas tensões
resultam da competição entre necessidades próprias do desenvolvimento, de conselhos não
solicitados, da frequência de contatos, das formas de expressão de poder, de diferenças de
personalidades ou dos padrões de relacionamento anterior (FINGERMAN; BIRDITT, 2011).
Os pais idosos mencionam conflitos relacionados com os hábitos e as escolhas de estilo de
vida dos filhos adultos, enquanto que os filhos reclamam das formas de comunicação e do
estilo de interação dos pais (CLARKE et al, 1999). Como as mulheres são responsáveis por
manter a família unida e cuidar dos parentes, e como tipicamente descrevem maior
investimento nos relacionamentos sociais e na coesão entre as gerações do que os homens,
elas têm maior probabilidade de avaliar o clima familiar de forma negativa, até mesmo porque
são sobrecarregadas por essas tarefas.
As variáveis que mais contribuíram na formação dos três conglomerados foram o desempenho
de atividades básicas de vida diária, o apoio familiar e o clima familiar positivo. Esses dados
apontam o impacto que a dependência funcional tem para o sistema familiar e o quanto podem
afetar a capacidade assistencial e a provisão de suporte. A crescente dependência dos pais
113
idosos pode levar a um desequilíbrio de poder entre as gerações, além de a história familiar
pregressa influenciar a solidariedade intergeracional na velhice (WETHINGTON; DUSH,
2007). Ao que parece, a afetividade ou o clima positivo e as limitações funcionais são as
dimensão que melhor explicam o funcionamento de famílias com idosos.
Considerações Finais
Este estudo mostrou que o clima familiar positivo, a posição hierárquica e a função que os
idosos ocupam na família, associadas a suas condições de saúde física desempenham papel
importante na explicação do funcionamento familiar na velhice. As diferentes formas pelas
quais a família pode se posicionar diante do papel do idoso e da dinâmica hierárquica
estabelecida entre seus membros afeta de maneira diferente a saúde psicológica de homens e
mulheres idosas, que sofrem mais desvantagens do que aqueles.
Homens e mulheres têm expectativas diferentes com relação à família, especialmente quanto à
hierarquia e quanto à aceitação de mudanças nos papéis geracionais. As mulheres têm maior
expectativa de receber cuidado e apoio familiar do que os homens, pois são mais vulneráveis à
dependência funcional e provavelmente já exerceram o papel de cuidadoras, o que as torna
mais exigentes e conscientes do que desejam do cuidado. Os homens idosos esperam manter
sua posição de autoridade e de norteadores do comportamento familiar. Essas expectativas e a
insistência em cumpri-las pode gerar desgaste nas relações familiares.
Este estudo fornece indícios importantes de como as variáveis de interesse podem estar
associadas a partir de uma análise raramente realizada nesse campo, de modo especial no
Nordeste brasileiro, região com escassos estudos dessa natureza. Dado o impacto importante
das atividades da vida diária no funcionamento social e familiar, esta pesquisa chama a
atenção para a necessidade de aumentar o conhecimento sobre as condições de saúde física e
psicológica em idosos e sobre como as famílias estão se organizando para oferecer o suporte
necessário às necessidades de seus membros que envelhecem.
114
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118
ESTUDO 4
Introdução
A configuração familiar envolve aspectos objetivos tais como o arranjo de moradia, a posição
do idoso na família, os intercâmbios de ajuda e o desempenho de chefia familiar, determinadas
pelas condições socioeconômicas, pelas necessidades da família e pelas condições de saúde do
idoso. A percepção do idoso sobre o funcionamento familiar diz respeito à sua avaliação sobre
a qualidade das relações, a eficácia do atendimento das suas necessidades e o grau em que as
relações familiares correspondem às expectativas sociais e às suas expectativas pessoais. Os
atributos coesão, apoio, conflito e hierarquia (TEODORO; ALLGAYER; LAND, 2009), assim
como a satisfação com os relacionamentos familiares são os principais indicadores de
funcionalidade familiar (RODRÍGUEZ-SÁNCHEZ et al, 2011).
Teodoro, Allgayer e Land (2009) apontam a coesão e o apoio como as dimensões essenciais
do clima familiar positivo. Coesão significa vínculo emocional e esse reflete no sentimento de
estar conectado ao grupo. Na velhice, as trocas sociais são baseadas principalmente na busca
de proximidade emocional ou coesão (LANG et al, 2013). Avaliar o suporte como positivo e
suficiente atua como moderador do efeito dos eventos estressantes sobre o bem-estar
psicológico dos idosos (HYDE et al, 2011). A percepção de que há pessoas disponíveis para
ajudar em tempos de necessidade afeta a sua saúde física e mental (BATISTONI et al, 2013).
Os mesmos autores (TEODORO; ALLGAYER; LAND, 2009) apontam a hierarquia e o
conflito como características definidoras de clima emocional negativo na família. É provável
que, ao afirmar tal ponto de vista, eles tenham levado em conta a combinação das duas
características ou a incompatibilidade entre os valores dos membros da família quanto ao
119
sentido da hierarquia, porque, em princípio, a hierarquia é um principio fundamental ao
funcionamento dessa instituição social e ao cumprimento dos papeis que lhe são atribuídos.
Ao longo do curso a vida familiar, a maneira como a hierarquia se apresenta sofre mudanças.
Assim, a autoridade parental associada ao afeto, à flexibilidade e à atenção às necessidades é
fundamental ao desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, muito embora se espere que
as mudanças cognitivas que ocorrem nesta fase da vida abram mais oportunidades para
conflitos de valores com os pais do que quando os filhos estão na idade escolar, quando o
status cognitivo e social da criança prediz maior harmonia nas relações com os pais. Ou seja,
espera-se que na infância e na adolescência a hierarquia familiar seja presidida pelos pais e
que a partir da adolescência ocorram alterações nas relações de poder entre pais e filhos. Uma
das tarefas evolutivas fundamentais a ser realizada por idosos que perdem independência
física, cognitiva e financeira é a delegação de autoridade e poder aos filhos. Isto caracteriza
uma inversão de papeis na estrutura de poder da família, uma das características básicas das
famílias com membros idosos que não raramente causa conflitos e perda de coesão.
Em suma, em qualquer fase do ciclo vital de seus membros, a hierarquia familiar envolve
influência, controle e adaptabilidade. O que se altera junto com as mudanças evolutivas de
seus integrantes é a força dessas relações e sua combinação com a coesão e o conflito. Em
qualquer fase do curso da vida familiar, o conflito aumenta a ansiedade dos membros. Quando
a coesão é baixa, o funcionamento familiar é significativamente prejudicado (LOWENSTEIN,
2007; FINGERMAN; BIRDITT, 2011). Dito de outra forma, os níveis de coesão e de conflito
na família, associadas ao significado que a hierarquia tem para seus integrantes, predizem a
qualidade das relações intergeracionais e as consequências dessa qualidade sobre a
funcionalidade da família e sobre bem-estar de seus membros.
Os estudos de Pavarini et al. (2006), Silva; Rabelo e Queroz (2010), Santos; Pavarini; Barham
(2011) e Paiva et al. (2011) mostraram que a maioria dos idosos relata satisfação com os
relacionamento familiares. As mulheres apresentam-se com níveis mais baixos de satisfação,
assim como os idosos que moram sós ou em arranjos mistos (com pessoas fora da família) e os
que não esperam ser cuidados por um familiar. Nos estudos de Torres et al. (2009) e Torres et
120
al. (2010), com idosos dependentes, foram observadas taxas altas de disfunção familiar. A
necessidade de cuidado é um evento estressante que exige da família a mobilização de seus
recursos de enfrentamento (PIERCY, 2010). Os idosos com limitações funcionais importantes
tem maior risco de depressão (BATISTONI et al, 2013) e ansiedade (VINK; AARTSEN;
SCHOEVERS, 2008) e estão mais vulneráveis a viver em arranjos domiciliares não
continentes (CAMARANO; KANSO, 2010).
A convivência com membros idosos doentes, com incapacidades físicas e com piores
condições de saúde psicológica propõe à família um conjunto de desafios com forte potencial
para dar origem a novas configurações (por exemplo, coabitação entre membros idosos e não
idosos) e a novas formas de funcionamento. Conflitos e tensões historicamente existentes
dentro das famílias tendem a ser exacerbadas pela enfermidade de membros idosos. Lidar com
essas novas condições exige a elaboração de conflitos e a busca de alternativas e de novos
recursos pelos idosos e pelos demais membros da família, em favor da harmonia, da
funcionalidade e da estabilidade familiar (TORRES et al, 2010; SANTOS; PAVARINI;
BARHAM, 2011). Por outro lado, os desafios gerados pela presença de idosos doentes e
incapacitados no seio da família podem ser veículo positivos de mudança, reestruturação e
fortalecimento dos vínculos familiares (RESENDE et al, 2008).
121
uma família, sua adaptabilidade às circunstâncias desafiadoras e o compartilhamento de apoio,
afeto, estima e gratificação. Famílias com idosos são consideradas funcionais quando aptas a
absorver e a manejar as situações de crise de forma realista e adequada, bem como a cumprir e
a harmonizar suas funções essenciais. Maior grau de funcionalidade familiar indicada por
coesão, organização e apoio corresponde a níveis mais altos de qualidade de vida percebida
por seus membros idosos (SILVERSTEIN; GIARRUSSO, 2010).
O objetivo desse estudo foi identificar, a partir da percepção de idosos, as relações entre a
idade, o gênero, as condições de saúde física e psicológica dos idosos, a configuração da
família a qual pertencem e o funcionamento familiar indicada pela satisfação com os
relacionamentos familiares e a avaliação sobre o clima familiar.
Método
Participantes e procedimentos
O campo selecionado para estudo foi Santo Antonio de Jesus, Estado da Bahia – Brasil, cujo
papel no setor da saúde é importante no Recôncavo Baiano. Tem população total de 90.985
habitantes, sendo que 9149 (7983 residentes na zona urbana e 1166 na zona rural), ou 10% da
122
população total, têm 60 anos ou mais. O município tem 20 unidades básicas de saúde (UBS)
localizadas na zona urbana. Dente elas, foi selecionada a que tinha o maior número de idosos
cadastrados, o que correspondeu a 14,5% do total de pessoas cadastradas e a 16,8% dos idosos
residentes na cidade. Segundo dados do Sistema de Informação da Atenção Básica ano 2010,
nessa unidade estavam cadastradas 2.754 famílias que somavam 9.234 pessoas, dentre os
quais 1344 com 60 anos e mais. O tamanho da amostra foi fixado em 134 idosos, para um
nível de confiança de 90% e para erro amostral de 5%.
Foram visitados 207 domicílios com idosos, dos quais sete (3,4%) não cumpriam um ou mais
critérios de elegibilidade. Sessenta e seis idosos (31,9%) pontuaram abaixo da nota de corte no
MEEM, razão pela qual foram excluídos. Em cada domicilio, todos os idosos eram
entrevistados com vistas à seleção para participação no estudo e a escolha do participante era
baseada na maior pontuação obtida no Mini-Exame do Estado Mental. Era solicitado ao idoso
123
que a entrevista ocorresse em um local da casa que pudesse proporcionar maior privacidade e
tranquilidade, evitando-se a interrupção por outras pessoas. A coleta durou de duas a três
visitas de 2 horas cada uma, em média.
A realização da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Maria
Milza (FAMAM), do município de Cruz das Almas – Bahia (protocolo no. 034/2011), de
acordo com a Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da
Saúde do Brasil. Todos os idosos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Foi garantido a todos o direito de abandonar a pesquisa a qualquer momento. Aos que foram
excluídos com base na pontuação no MEEM foi dito que a pesquisa tinha diferentes formas de
coleta de dados e que se agradecia sua participação naquele momento.
Variáveis e instrumentos
124
2.3. Contribuição financeira do idoso para o sustento da família (uma pergunta com
as alternativas total, parcial ou nenhuma).
3. Condições de saúde física:
3.1. Questionário de doenças e de sinais e sintomas auto-relatados. Doenças
crônicas diagnosticadas por médico no ultimo ano (nove doenças, com respostas
dicotômicas) e sinais e sintomas (total de doze com respostas dicotômicas), ambas
agrupadas nas categorias nenhuma; 1 a 2; 3 ou mais (NERI; GUARIENTO, 2011);
3.2. Índice de Independência nas Atividades de Vida Diária (KATZ et al, 1963;
LINO et al, 2008). Foi obtido mediante escala de 6 itens com três possibilidades de
resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para banho, vestir-se,
toalete, transferência, controle esfincteriano e alimentação. As respostas foram
agrupadas em: independente, dependência parcial e dependência total.
3.3. Desempenho de atividades instrumentais de vida diária (LAWTON; BRODY,
1969; BRITO; NUNES; YUASO, 2007), mediante escalas com três possibilidades
de resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para telefonar, usar
transportes, compras, cozinhar, serviços domésticos, uso de medicação e manejo de
dinheiro. As respostas foram agrupadas em: independente, dependência parcial e
dependência total.
3.4. Envolvimento social: a avaliação foi baseada em autorrelato sobre a
participação em atividades físicas, em centro de convivência, na comunidade e
religiosas (quatro questões com respostas que foram agrupadas em sim ou não). Os
dados foram categorizados pela mediana, em menor ou maior envolvimento social.
4. Condições de saúde psicológica:
4.1. Escala de Depressão Geriátrica (YESAVAGE et al, 1983; ALMEIDA;
ALMEIDA, 1999) com 15 perguntas tipo sim x não, a respeito de como o idoso
havia se sentido durante a última semana, os quais referem-se a humores disfóricos.
Trata-se escala de rastreio de depressão, com nota de corte > 6 para depressão leve
e > 11 para depressão grave. Posteriormente, foram reunidas as categorias para
analises dicotômicas (sim x não).
4.2. Inventário de Ansiedade de Beck – BAI (CUNHA, 2001), com 21 itens
versando sobre sintomas comuns de ansiedade e perguntando como o indivíduo
125
sentiu-se na última semana, com relação a cada um deles. Cada item apresenta
quatro possibilidades de resposta A nota de corte para ansiedade leve é >11, para
ansiedade moderada > 20 e para ansiedade grave, > 31, numa pontuação que pode
variar entre 1 e 63 pontos. Posteriormente, foram reunidas as categorias leve,
moderada ou grave, para analises dicotômicas (sim x não).
5. Avaliação do funcionamento familiar
5.1. APGAR da Família (SMILKSTEIN, 1978; BRASIL, 2006; DUARTE, 2001),
que avalia a satisfação com as relações familiares em cinco domínios: adaptação,
companheirismo, desenvolvimento, afetividade e capacidade resolutiva. São cinco
questões avaliadas de 0 (nunca), 1 (algumas vezes) ou 2 (sempre). O escore de 0 a
4 indica elevada disfunção familiar, 5 e 6 moderada disfunção familiar e 7 a 10 boa
funcionalidade familiar. Posteriormente, para analises dicotômicas foram reunidas
as categorias elevada + moderada em disfunção familiar X boa funcionalidade.
5.2. Clima familiar. Foi avaliado por meio do Inventário do Clima Familiar – ICF,
instrumento construído por Teodoro (2006). São 22 itens avaliados em uma escala
de 5 pontos (1= de jeito nenhum; 2=pouco; 3=mais ou menos; 4=muito;
5=completamente) relativos a quatro domínios: apoio (suporte dado e recebido na
família) coesão (vínculo emocional existente entre os membros da família),
conflito (relação agressiva e conflituosa existente entre os membros da família) e
hierarquia (nível de controle e poder no sistema familiar). Os dados foram
agrupados pela mediana, em maior ou menor percepção quanto aos quatro
domínios avaliados e em maior ou menor percepção de clima positivo (apoio +
coesão) e de clima negativo (hierarquia e conflito).
Análise de dados
Com o objetivo de estudar o perfil da amostra, foi feita análise de conglomerados mediante o
método da partição. A análise comparativa da composição dos conglomerados obtidos foi feita
mediante os testes qui-quadrado e Exato de Fisher. O nível de significância adotado para os
testes estatísticos foi de 5%.
126
Resultados
Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero, condições de
saúde física e psicológica, configuração e funcionamento familiar. Santo Antônio de Jesus,
Bahia, Brasil. Idosos, 2011.
Grupos Frequência RMS2 (Desvio- Distância máxima Cluster mais Distância entre os
padrão) observada do centro próximo centróides do grupo
127
2
A formação com três clusters teve um R de 0.221, ou seja, explicou 22.1% da variabilidade
dos dados. As variáveis que mais contribuíram para a formação dos conglomerados foram
desempenho de ABVD (R 2 = 0,816) e satisfação com a dinâmica de funcionamento familiar
(R2 = 0,642), conforme pode ser observado na tabela 2.
128
ABVD, a ansiedade, a depressão, a adaptação, o companheirismo, o desenvolvimento, a
afetividade, a capacidade resolutiva, a satisfação com a dinâmica familiar, o apoio, a coesão, o
conflito e o clima positivo. Não se associaram significativamente ente si ou às demais
variáveis: idade, gênero, arranjos de moradia, chefia familiar, contribuição para o sustento da
família, envolvimento social, número de doenças, sinais e sintomas, hierarquia e clima
negativo, sinal de que se distribuíram de forma similar entre os grupos.
129
Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada das variáveis idade, gênero, condições de saúde
física e psicológica, configuração e funcionamento familiar. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011.
Variáveis Categorias Amostra total Conglomerados (%)
n % 1 2 3 Valor-p*
Idade 60-74 anos 89 66,4 50,0 77,3 64,8 0,381
≥75 anos 45 33,6 50,0 22,7 35,2
Gênero Feminino 104 77,6 100,0 72,7 77,8 0,598
Masculino 30 22,4 0 27,3 22,2
Arranjos de moradia Sozinho 24 17,9 25,0 27,3 15,8 0,705
C/ cônjuge/companheiro 10 7,5 0 4,5 8,3
C/ cônjuge e descendentes 32 23,9 25,0 18,2 25,0
Com descendentes 55 41,0 50,0 31,8 42,6
Outros 13 9,7 0 18,2 8,3
Chefia familiar Sim 97 72,4 75,0 68,2 73,2 0,835
Não 37 27,6 25,0 31,8 26,8
Contribuição para o Total 66 49,3 75,0 54,5 47,2 0,727
sustento família Parcial 59 44,0 25,0 36,4 46,3
Nenhuma 09 6,7 0 9,1 6,5
Envolvimento social Menor 88 65,7 75,0 72,7 63,9 0,734
Maior 46 34,3 25,0 27,3 36,1
N° doenças Nenhuma 18 13,4 0 13,6 13,9 0,051
autorrelatadas 1-2 70 52,3 0 40,9 56,5
≥3 46 34,3 100,0 45,5 29,6
N° sinais e sintomas Nenhum 12 9,0 0 0 11,1 0,295
autorrelatadas 1-2 42 31,3 25,0 22,7 33,3
≥3 80 59,7 75,0 77,3 55,6
ABVDs Independente 129 96,3 0 95,4 100,0 <0,001
Dependência parcial 03 2,2 50,0 4,6 0
Dependente 02 1,5 50,0 0 0
AIVDs Dependência total 08 6,0 75,0 13,6 1,8 <0,001
Dependência parcial 48 35,8 25,0 40,9 35,2
Independência 78 58,2 0 45,5 63,0
Depressão Sim 23 17,2 50,0 31,8 13,0 0,018
Não 111 82,8 50,0 68,2 87,0
Ansiedade Sim 31 23,1 75,0 50,0 15,7 <0,001
Não 103 76,9 25,0 50,0 84,3
Adaptação Insatisfeito 25 18,7 25,0 77,3 6,5 <0,001
Satisfeito 109 81,3 75,0 22,7 93,5
Companheirismo Insatisfeito 23 17,2 0 86,4 3,7 <0,001
Satisfeito 111 82,8 100,0 13,6 96,3
Desenvolvimento Insatisfeito 25 18,7 0 86,4 5,6 <0,001
Satisfeito 109 81,3 100,0 13,6 94,4
Afetividade Insatisfeito 26 19,4 50,0 90,9 3,7 <0,001
Satisfeito 108 80,6 50,0 9,1 96,3
Capacidade Insatisfeito 21 15,7 25,0 77,3 2,8 <0,001
resolutiva Satisfeito 113 84,3 75,0 22,7 97,2
Satisfação dinâmica Disfunção familiar 19 14,2 0 77,3 1,8 <0,001
familiar Boa funcionalidade 115 85,8 100,0 22,7 98,2
Apoio Menor 78 58,2 75,0 90,9 50,9 <0,001
Maior 56 41,8 25,0 9,1 49,1
Coesão Menor 76 56,7 50,0 86,4 50,9 0,004
Maior 58 43,3 50,0 13,6 49,1
Conflito Menor 68 50,7 75,0 13,6 57,4 <0,001
Maior 66 49,3 25,0 86,4 42,6
Hierarquia Menor 72 53,7 50,0 45,4 55,6 0,702
Maior 62 46,3 50,0 54,6 44,4
Clima positivo Menor 72 53,7 75,0 95,5 44,4 <0,001
Maior 62 46,3 25,0 4,5 55,6
Clima negativo Menor 67 50,0 75,0 31,8 52,8 0,140
Maior 67 50,0 25,0 68,2 47,2
*Teste Exato de Fisher; diferença significativa se p≤0,05.
130
Discussão
O primeiro grupo foi composto por idosos que requerem cuidados básicos e instrumentais de
vida diária. Um momento de transição importante na família é quando os pais idosos, que
cuidaram e deram suporte aos filhos ao longo de toda a vida, precisam ser cuidados. Esse
evento afeta o equilíbrio da estrutura familiar e exige negociação de tarefas, flexibilidade e
capacidade de ajustamento às novas demandas. O estresse vivenciado à essa transição pode
associar-se a prejuízo à funcionalidade familiar, até que a família se reorganize em um novo
modo de funcionamento. A assimilação da situação de cuidar, a resolução dos problemas dela
advindos, a organização necessária para o enfrentamento e para a manutenção dos vínculos
familiares dependem da história familiar pregressa.
131
reconhecerem que recebem alguma assistência, mas que a família ainda não foi capaz de
responder a todas as necessidades que emergem nessa condição. No entanto, não se sabe como
essas famílias funcionavam previamente e se essas características refletem apenas um padrão
de funcionamento que foi estabelecido ao longo do ciclo de vida familiar.
Além disso, é possível que o fato do primeiro grupo, que é a minoria da amostra, ter
apresentado satisfação com os relacionamentos familiares, mas percepção de menor apoio e
clima familiar positivo, não tenha a ver só com as diferenças nos instrumentos. O suporte de
familiares a idosos dependentes é seletivo e as transferências de apoio não são equivalentes de
todas as partes. Isso significa que eles podem estar satisfeitos com o apoio recebido de alguns
membros, mas não de todos, pois não são todos que assumem os cuidados ou estão
sensibilizados com as necessidades dos idosos. E tem a questão da transferência dos recursos
do idoso na família, o que pode deixar alguns filhos ou parentes insatisfeitos, o que por sua
vez pode resultar em problemas na percepção de coesão e de apoio na família como um todo.
O volume da assistência está positivamente associado à proximidade emocional
(SILVERSTEIN, 2006), o que sugere que eles estejam sendo cuidados, mas não da forma
como gostariam ou esperam. Porém, é preciso destacar que os idosos tendem a avaliar
positivamente a sua família porque isso protege seu autoconceito e a sua autoestima. Avaliar
negativamente a família pode significar insucesso pessoal e ameaça ao senso de
autorrealização.
132
A percepção de menor conflito familiar foi predominante no primeiro grupo, o que pode
indicar que esta família esteja ainda se ajustando às novas necessidades do idoso, o que afetou
a qualidade positiva das relações, mas não a negativa. Além disso, pode sugerir uma forma
passiva de enfrentamento como distanciar-se de situações conflituosas a fim de preservar
recursos físicos, sociais e psicológicos, especialmente porque apresentaram comprometimento
funcional.
A percepção de maior conflito familiar observado no segundo grupo pode ter relação com as
tensões advindas da autonomia e independência dos idosos. A autonomia é um valor cultural
importante e um anseio de pessoas de todas as idades. A perda de independência física,
133
cognitiva e financeira, com a consequente necessidade de aceitação de ajuda e a mudança de
papeis familiares é um grande desafio na velhice. Conflitos podem emergir nos
relacionamentos familiares com relação ao controle e ao manejo de recursos, à tomada de
decisões, às diferenças em valores e expectativas quanto ao cumprimento de papéis ou devido
a uma percepção inapropriada de dependência de uma geração em relação a outra
(SILVERSTEIN; BENGTSON, 1994).
Os idosos do segundo grupo são independentes, mas com piores condições psicológicas, não
se sabe se antecedentes ou consequentes às avaliações dos idosos sobre as relações familiares.
De todo modo, a necessidade de suporte social é latente. A troca positiva de suporte social
requer uma comunicação clara da necessidade bem como a habilidade do provedor de suporte
encontrar a necessidade expressada. Os indivíduos podem ter expectativas irrealistas de
comportamentos de suporte por parte de familiares, e a não compreensão ou a má
comunicação podem interferir tanto na apropriada provisão de suporte quanto na percepção da
adequação do suporte recebido. A comunicação é um condutor vital na provisão de suporte e
interfere na satisfação com a reorganização de papeis, na coesão e nos conflitos familiares. O
suporte familiar bem intencionado, mas equivocado, pode resultar em superproteção ou em um
aconselhamento negativo e mal informado.
Toda troca de suporte abarca custos e benefícios e o envolvimento dos idosos com sua rede
social nem sempre traz efeitos positivos. As famílias podem não estar preparadas para
expressar emoções negativas e positivas de forma adequada, nem para responder
apropriadamente a situações de estresse. Podem criar um ambiente adverso à expressão de
liberdade e autonomia de seu membro familiar mais velho (REIS et al, 2011). Podem ser
excessivamente críticos, negligentes, exigentes, insensíveis e desrespeitosos, com prejuízos à
saúde e ao bem-estar dos idosos.
134
ICF) e a afetividade (domínio do APGAR) dizem respeito à proximidade emocional no
contexto familiar e foram avaliados negativamente nesse conglomerado. Segundo Priest e
Denton (2012), em famílias latinas a coesão, uma característica dessa cultura, está associada
com menor estresse e problemas de ansiedade e inclui priorizar as obrigações familiares,
honrar a família e usá-la como referência para a definição de self.
No terceiro grupo, que contem a maior parte da amostra, estão associadas à independência
funcional, uma boa saúde psicológica e percepção de boa funcionalidade familiar, satisfação
com os relacionamentos familiares e avaliações mais positivas do clima familiar.
As avaliações dos idosos deste grupo podem ter sido afetadas pela independência funcional e
pela ausência de sintomas depressivos e de ansiedade nos idosos, pelo alto grau de
adaptabilidade das suas famílias ou, mas provavelmente por ambos os fatores. Essa
adaptabilidade familiar reflete-se em maior resiliência, que, ao mesmo tempo, possibilita aos
idosos um ajustamento positivo frente aos desafios da velhice e o atendimento mais adequado
das necessidades dos membros da família (MARIN; HUBER, 2011).
O terceiro grupo caracterizou as respectivas famílias como funcionais, sugerindo que elas têm
boa capacidade de absorver e de lidar com as situações de crise de forma realista e adequada e
de cumprir e harmonizar suas funções essenciais. Suas avaliações sugerem que são robustos o
vinculo emocional e o compartilhamento de afeto e apoio nas famílias. O funcionamento
psicológico positivo dos idosos observado nesse grupo deve ter relações recíprocas com essas
características das famílias.
135
Conclusão
Os dados apontaram que boa saúde física está associada a avaliações positivas sobre a
funcionalidade familiar, mas esta associação pode ser alterada na presença de piores condições
psicológicas. Idosos funcionalmente independentes podem se encontrar em duas situações:
aqueles que percebem um funcionamento familiar saudável ou aqueles que percebem o
inverso. Neste último caso, não se tem clareza das relações de causa e efeito entre a presença
de depressão e ansiedade e a pior avaliação familiar, mas pode-se dizer que estas condições
estão associadas e apontam a interrelação entre a desregulação emocional própria destas
condições psicológicas e os padrões de interação familiares estabelecidos e a capacidade
destas famílias de atender às demandas desse idoso. Ao mesmo tempo, as famílias com idosos
dependentes podem ter dificuldades em responder às necessidades emergentes do idoso de
maneira que a dependência funcional está associada à disfuncionalidade familiar e com piores
desfechos de saúde psicológica para os idosos. A qualidade das relações familiares pode
interferir na provisão de suporte.
Embora neste estudo se tenha priorizado a percepção do idoso, a inclusão de um único ponto
de vida dificulta o entendimento do funcionamento familiar como um todo e dos fatores que
interferem na qualidade das relações familiares e na provisão de suporte. Dessa maneira,
sugere-se uma abordagem multireferencial e multidimensional nos estudos sobre a família de
idosos.
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Neste documento acadêmico, foram apresentados quatro estudos descritivos sobre a percepção
de idosos quanto à configuração (tipo de arranjo familiar, chefia familiar e contribuição dos
idosos para o sustento da família) e ao funcionamento de suas respectivas famílias (satisfação
com os relacionamentos familiares e clima familiar), considerando-se o gênero, a idade, as
condições psicológicas indicadas por depressão e ansiedade e as condições de saúde indicadas
por desempenho funcional, por número de doenças e de sinais e sintomas e pelo envolvimento
social.
O status atual do conhecimento brasileiro sobre as relações focalizadas nestes estudos permite
que tenha sido feita opção por uma abordagem multivariada da frequência dos dados, por se
140
julgar ela suficiente e necessária para a futura realização de estudos mais analíticos e
estatisticamente mais robustos. Segue-se uma síntese dos resultados dos quatro estudos que
foram objeto de apresentação neste trabalho.
141
(com a idade, os arranjos de moradia e com os sinais e sintomas – que apresentaram diferenças
estatisticamente significativas só no estudo 1) e no Estudo 3 (com o gênero –
significativamente diferente só no estudo 3 - e com o clima familiar). O conflito familiar só
mostrou associação significativa no Estudo 4, quando a variável satisfação com os
relacionamentos familiares entrou na análise; e a hierarquia e o clima negativo somente no
Estudo 3.
O Quadro 4 apresenta a síntese dos resultados dos quatro estudos descritivos e respectivas
configurações de multivariação entre as variáveis idade, gênero, condições de saúde física e
psicológica, configuração e funcionamento familiar.
142
Quadro 4: Síntese dos resultados de quatro estudos descritivos e respectivas configurações de multivariação entr
gênero, condições de saúde física e psicológica, configuração e funcionamento familiar. Santo Antônio de Jesus,
2011.
Estudo 1 Estudo 2 Estudo 3
Grupos
1 2 3 1 2 3 1 2 3
n=73 n=59 n=02 n=24 n=02 n=108 n=05 n=74 n=55
Idade 60-74 75e + 75 e + - - - - - -
Gênero - - - - - - F M F
Arranjo moradia Conjuge + Descendentes - - - - - - -
descendentes
AIVDs Independente Dependência Dependência Independente/ Dependência Independente Dependência Independente Independente
parcial Total dependência Total Total
parcial
Envolvimento maior menor menor - - - menor menor maior
social
Depressão Não Sim Não - - - Sim Não Não
Ansiedade Não Sim - Sim Sim Não Sim Não Não
Funcionalidade disfunção boa boa
familiar
Coesão menor menor maior
Apoio menor menor maior
Hierarquia menor menor maior
Conflito - - -
Clima positivo menor menor maior
Clima negativo menor menor maior
Analisamos todos os agrupamentos dos quatro estudos na tentativa de sintetizar os dados a
partir das características que se repetiram. Considerando que a funcionalidade física e as
condições psicológicas contribuíram para a formação dos agrupamentos em todos os estudos,
podemos resumir os dados em quatro grupos:
1) Idosos com boa saúde física e com boa saúde psicológica: Representaram a maioria da
amostra. Incluiu idosos mais jovens, em arranjos com a presença do cônjuge e descendentes,
que não eram chefes de família ou os principais responsáveis pelo sustento familiar, com
maior envolvimento social e com boa funcionalidade familiar. Esses dados apontam que estes
idosos estão envelhecendo sem grandes prejuízos nas condições de saúde, apresentam
indicadores importantes de bem-estar manifestados pelo maior funcionamento na vida
cotidiana, relações positivas e melhor regulação emocional. Um menor número de fatores de
risco biológico, social ou familiar é importante para o envelhecimento bem-sucedido e para a
qualidade de vida na fase da velhice. No entanto, esse grupo apresentou diferenças entre
homens e mulheres. Os homens, apesar das boas condições de saúde física e psicológica,
mostraram uma avaliação mais negativa do clima familiar, maior ônus financeiro com a chefia
familiar e a contribuição financeira total e menor envolvimento social. Já as mulheres não
apresentaram esse ônus e além do maior envolvimento social fizeram uma avaliação positiva
do clima familiar.
2) Idosos com boa saúde física mas com pior saúde psicológica: Os idosos com essas
características incluíram os mais velhos, com menor frequência quanto à presença do cônjuge
no domicílio, chefes de família e que contribuíam totalmente para o sustento da família, com
menor envolvimento social, que relataram disfunção familiar e que fizeram avaliações mais
negativas do clima familiar.
3) Idosos com dependência funcional e com boa saúde psicológica: Os idosos que
predominaram nestas condições foram as mulheres, mais velhas e sem envolvimento social.
Nenhuma avaliação do funcionamento familiar associou-se a estas características.
4) Idosos com dependência funcional e com pior saúde psicológica: Os idosos com estas
características incluíram as mulheres, chefes de família e principais responsáveis pelo sustento
familiar, com menor envolvimento social e que embora tenham relatado boa funcionalidade
familiar apresentaram uma avaliação mais negativa do clima familiar.
A funcionalidade física indicada pelas atividades básicas de vida diária contribuiu para a
formação dos grupos em todos os estudos e as condições psicológicas indicadas pela
depressão e ansiedade em quase todos os estudos e grupos. Apesar do pequeno número de
idosos dependentes na amostra, este grupo se diferenciou e mostrou associações importantes
para o maior entendimento de como as pessoas nessas condições estão vivendo. A
incapacidade funcional total ou parcial e as complicações dela resultantes são capazes de
afetar o funcionamento de qualquer família. Exigem a reorganização do sistema familiar e
modificação de padrões construídos ao longo do tempo. Este é um processo que envolve o
ajustamento da família e do idoso, a resolução de problemas, as expectativas de papéis e o
manejo de ambiguidades comportamentais, cognitivas e afetivas nos relacionamentos. De
modo geral, as avaliações dos idosos sugerem que, em sua maioria, eles são cuidados, mas que
as famílias têm dificuldades de ajustamento às mudanças exigidas pela dependência deles.
145
o que condiciona os idosos a viverem unicamente com seus recursos, independente de quais
são suas necessidades. Ambas as situações podem se constituir em um risco para o bem-estar
do idoso quando precisam de auxílio para questões cotidianas, mas como não se configuram
como uma crise, não são atendidas em detrimento de outras demandas familiares. A presença
do cônjuge/companheiro(a) no arranjo domiciliar e o maior envolvimento social são
indicadores de um envelhecimento com melhor funcionalidade, saúde psicológica e talvez de
um fluxo de transferências intergeracionais de recursos menos oneroso para o idoso.
A coesão e o apoio funcionam como recursos para a manutenção e a promoção de saúde física
e mental na velhice e relacionam-se com os apoios instrumental, emocional e material
disponibilizados pela família. Se por um lado a proximidade emocional é o elemento mais
importante na velhice, pois é ela que regula os relacionamentos sociais e é a principal
motivação para o contato social, por outro os resultados apontam que essa foi uma propriedade
percebida com menor frequência pelos idosos. Estudos indicam que a coesão familiar e o
apoio são valorizados pelos idosos, mas que, em casos de dependência funcional, o
mecanismo de seletividade socioemocional é limitado quando é necessário aceitar
involuntariamente determinados relacionamentos devido ao cuidado.
Idosos do sexo feminino, com maior idade, com menor envolvimento social, com maior chefia
e contribuição financeira, em arranjos sem a presença do cônjuge e com percepção mais
negativa do clima familiar parecem estar em desvantagem. A idade mostrou associação
somente no estudo 1, sendo que a faixa etária mais jovem associou-se com melhores
condições de saúde física e mental e com a presença de um cônjuge ou companheiro. O gênero
mostrou associação somente no estudo 3, apontando que homens e mulheres parecem ter
expectativas diferentes com relação à família, especialmente quanto à percepção de hierarquia
e quanto à aceitação da mudança nos papéis geracionais. As mulheres guardam maior
expectativa quanto ao cuidado e ao apoio familiar, pois são mais vulneráveis à dependência
funcional e provavelmente já exerceram o papel de cuidadoras, o que as torna mais exigentes e
conscientes do que querem obter com o cuidado. Já os homens idosos esperam manter sua
posição de autoridade e de norteador do comportamento familiar, no entanto, a sobrecarga do
exercício dessa função pode gerar desgaste nas relações familiares. A heterogeneidade de
146
formas pela qual a família pode se posicionar diante do papel do idoso e da dinâmica
hierárquica estabelecida entre os componentes afetam de maneira diferente a saúde
psicológica de homens e mulheres idosas, estando elas em desvantagem.
A literatura sobre a violência na velhice indica que idosos com problemas psicológicos e
dependência funcional, em condições de desarmonia familiar e com baixo apoio social estão
em maior risco de sofrer maus-tratos e violência (BRITO, FALAEIROS, 2009;
JOHANNESEN; LOGIUDICE, 2013; TATARA; THOMAS; CYPHERS, 1998). Idosos
nessas condições, bem como seus familiares, deve ser alvo das políticas de saúde pública para
que sua situação não seja naturalizada no cotidiano das relações familiares e nas formas de
negligência social (MINAYO, 2003).
No cômputo geral, as relações familiares foram percebidas pelos idosos como satisfatórias em
alguns aspectos, mas com um baixo clima tanto positivo quanto negativo. Nesse caso, não se
trata de uma ambivalência afetiva, mas uma indiferença envolvendo baixos níveis de
sentimentos positivos e negativos. Idosos com melhor saúde física e psicológica, com menor
sobrecarga no ambiente doméstico e com maior envolvimento social apresentam maiores
recursos de compensação das características negativas dos relacionamentos familiares.
Embora a importância da contribuição da família para a qualidade de vida dos idosos seja
amplamente reconhecida, o que sabemos no Brasil, com base em dados populacionais sobre as
relações entre pessoas idosas e seus familiares ainda é pouco e limitado à perspectiva do
cuidador. Os estudos relatados fornecem uma visão do ponto de vista das pessoas idosas e uma
visão sobre as tensões implícitas aos acordos negociados na família. Os estudos indicaram que
o funcionamento familiar está mais relacionado às condições de saúde física e psicológica dos
idosos do que a arranjos específicos de moradia, à idade ou ao gênero, embora estas variáveis
ajudem a modelar os efeitos dessas interações.
147
apoio familiar. Os profissionais de saúde devem estar atentos às repercussões que a depressão,
a ansiedade, as limitações funcionais e a disfunção familiar têm sobre o idoso e sobre sua
família.
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160
ANEXOS
161
ANEXO 1
1-Idade:__________________
(1) Sozinho (2) Com cônjuge ou companheiro (3) Com filhos (4) Com cônjuge e filhos
(5) Com netos (6) Com cônjuge, filhos e netos (5) Outros parentes (6) Pessoas fora da família
4- Quem é o chefe da família: (1) idoso (2) cônjuge (3) filho/a (4) neto/a (5) outro
5- O(a) Sr(a) é proprietário de sua residência? (1) Sim (2) Não (3) a casa é do familiar
6- De que forma o(a) Sr(a) participa das despesas da casa:
162
ANEXO 2
163
ANEXO 3
INDEX de Independência nas Atividades de Vida Diária de Katz (KATZ et al, 1963;
LINO et al, 2008).
Banho
Transferência
Vestuário
Continência
Higiene pessoal
Alimentação
164
ANEXO 4
ATIVIDADE AVALIAÇÃO
O (a) Sr(a) consegue usar o telefone? Sem ajuda 3
Com ajuda parcial 2
Não consegue 1
O (a) Sr(a) consegue ir a locais distantes, Sem ajuda 3
usando algum transporte, sem necessidade Com ajuda parcial 2
de planejamentos especiais? Não consegue 1
O (a) Sr(a) consegue fazer compras? Sem ajuda 3
Com ajuda parcial 2
Não consegue 1
O (a) Sr(a) consegue preparar suas próprias Sem ajuda 3
refeições? Com ajuda parcial 2
Não consegue 1
O (a) Sr(a) consegue arrumar a casa/ subir Sem ajuda 3
escadas? Com ajuda parcial 2
Não consegue 1
O (a) Sr(a) consegue fazer trabalhos Sem ajuda 3
manuais domésticos, como pequenos Com ajuda parcial 2
reparos? Não consegue 1
165
ANEXO 5
Mini-Exame do Estado Mental (FOLSTEIN, FOLSTEIN, MCHUGH, 1975; BERTOLUCCI et. al.,
1994; BRUCKI et. al., 2003).
ORIENTAÇÃO Pontuação
Dia do mês 1
Mês 1
Ano 1
Dia da semana 1
Hora 1
Local específico 1
Local genérico 1
Bairro/rua 1
Cidade 1
Estado 1
MEMÓRIA IMEDIATA
Repita as palavras: Pêra, mesa, centavo 1 1 1
ATENÇÃO E CÁLCULO
Quanto é 100-7? (até completar 5 subtrações)
93 (1) 86 (1) 79 (1) 72 (1) 65 (1)
EVOCAÇÃO
Diga de novo o nome dos três objetos que eu mencionei há pouco 1 1 1
Linguagem
Nomear um relógio e uma caneta 1 1
Repita: “Nem aqui, nem ali, nem lá” 1
Comando: “Pegue o papel com a mão direita, dobre ao meio e coloque no chão” 1 1 1
Ler e executar: “Feche os olhos” 1
Escrever uma frase 1
Copiar o desenho 1
166
ANEXO 6
5) Você está de bem com a vida a maior parte do tempo? Sim / NÃO
6) Você tem medo de que algo de ruim vai lhe acontecer? SIM / Não
9) Você prefere ficar em casa em vez de sair e fazer coisas novas? SIM / Não
10) Você sente que está freqüentemente tendo problemas de memória? SIM / Não
167
ANEXO 7
Sempre Ás Nunca
vezes
O(a) Sr(a) está satisfeito(a) pois pode recorrer à sua família em busca de 2 1 0
ajuda quando alguma coisa está te incomodando ou preocupando?
O(a) Sr(a) está satisfeito(a) com a maneira pela qual o(a) 168r(a) e sua 2 1 0
família conversam e compartilham os problemas?
O(a) Sr(a) está satisfeito(a) com a maneira como sua família aceita e 2 1 0
apóia seus desejos de iniciar ou buscar novas atividades e procurar novos
caminhos ou direções?
O(a) Sr(a) está satisfeito(a) com a maneira pela qual sua família 2 1 0
demonstra afeição e reage às suas emoções, tais como raiva, mágoa ou
amor ?
O(a) Sr(a) está satisfeito(a) com a maneira pela qual o (a) sr(a) e sua 2 1 0
família compartilham o tempo juntos?
TOTAL:
168
ANEXO 8
Inventário do clima familiar – ICF (TEODORO, 2006).
Este questionário trata de um tema sobre o qual todos nós temos muito a dizer: a nossa família. Gostaríamos de
pedir que você pense sobre o(s) membro(s) de sua família e sobre como eles, geralmente, se relacionam. Abaixo
estão algumas frases que descrevem situações e sentimentos que podem ou não ocorrer no dia-a-dia de qualquer
família. Responda se as frases se aplicam ou não à sua família.
169
ANEXO 9
170
171
172
173