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ALÉM FRONTEIRAS: O EMPREENDEDOR JOÃO SIMÕES LOPES NETO

16/01/2012
Luís Borges

Dedicado ao querido amigo Ramão Costa, coordenador do Espaço Blau Nunes

A primeira Exposição Universal foi realizada no Palácio de Cristal, em Hyde Park, Londres, Inglaterra,
em 1851, sob o título "Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria de todas as nações". A "Grande
Exposição", foi uma idéia do Príncipe Albert, marido da Rainha Vitória. Esta foi a primeira exposição
internacional de produtos manufaturados. Como tal, influenciou o desenvolvimento de vários aspectos
da sociedade, incluindo a arte, a educação, o design, a arquitetura, o comércio e até mesmo a nascente
indústria do turismo.
Até a morte de João Simões Lopes Neto as principais Exposições Universais se realizaram em: Paris
(1855, França), Londres 1862 (Inglaterra), Paris (1867, França), Viena (1873, Áustria), Filadélfia (1876,
Estados Unidos), Paris (1878, (França), S. Louis (1904, Estados Unidos), Hampton Roads (1907,
Estados Unidos), Seattle (1909, Estados Unidos), Bruxelas (1910, Bélgica), Turim (1911, Itália), Ghent
(1913, Bélgica), São Francisco (1915, Estados Unidos). Definidas como “espetáculos da modernidade”,
conforme expressão de Pesavento, as exposições universais eram eventos em que as mais diversas
inovações tecnológicas conviviam com todo tipo de produto, inclusive agrícolas. Para além de praças
comerciais, de palcos exibicionistas do desenvolvimento, o estatuto ideológico que as regia viria a
identificar o que, mais tarde, ficou conhecido como “otimismo do progresso”.

Aspectos da Exposição Universal de 1910, na Bélgica.

Ali desfilavam as “artes mecânicas”, o cosmopolitismo e a ascensão da cultura de massas. As


historiadoras Sandra Pesavento e Heloísa Barbui enfatizam que o caráter das Exposições Universais
buscava uma instrução das massas no sentido de prepará-las para um novo modelo de mundo, a fim de
incluí-las nos novos padrões sociais. Havia também a diversão. A diversão se apresentava não mais
como uma fuga ou um intervalo do trabalho, mas como uma indústria lucrativa. Assim, ela recordava ao
trabalhador, mesmo em seus momentos de lazer, que ele dependia da indústria, cujo melhor exemplo
era o cinema. Valores como o progresso, a concórdia social, a ciência como fonte de poder humano e
superação das “superstições religiosas” imperavam nesse espaço. Ao lado disso, embora se
argumentasse implicitamente que a guerra era um método antiquado de dominar a cena internacional,
os valores citados anteriormente levavam as nações a competirem ferozmente acirrando nacionalismos,
que irão explodir em 1914. Esse avanço furioso do espírito competitivo do capitalismo foi descrito para
uma série de artigos de crítica de arte, de Charles Baudelaire, quando da Exposição de 1855, em Paris.
O mais interessante nesses artigos é sua descrição, por via indireta, da divisão social do trabalho
internacional, em que certas nações teriam uma “natural vocação para produzir certos produtos,
enquanto outras estariam destinadas às artes industriais”. Por esse lúcido raciocínio de Baudelaire se
estabelecia uma hierarquia das nações. No caso brasileiro, sua “vocação natural” no concerto
internacional será fornecer matérias-primas para os países industrializados. Marx também não deixou
de atentar para as Exposições Universais. Em seu Das Kapital(1867), ele as define como uma
“ininterrupta coleção de mercadorias”. Marx fazia mais do que referir-se ao novo caráter da produção de
mercadorias, pretende também refletir sobre a cooptação ideológica das massas. Ainda no Das Kapital,
no capítulo intitulado “Maquinaria e grande indústria”, vê-se a utilização da analogia que faz o autor
entre uma máquina norte-americana de fabricar cartuchos de papel, exibida na Exposição de 1862, em
Londres, em que se mostra “os diferentes processos de combinação de ferramentas para formar um só
mecanismo”, para ilustrar a passagem da manufatura à indústria moderna. No Manifesto
Comunista (1848), Marx insiste em dizer que, embora não se refira explicitamente às Exposições
Universais, a civilização industrial é o reflexo da imagem que a burguesia tem de si mesma.
O Governo brasileiro se esforçará para vender a imagem de que o país estava em condições de
integrar o rol das nações desenvolvidas. Em 1908, no Rio de Janeiro, capital da República, mobilizou-se
para mostrar ao mundo e aos brasileiros a sua pujança e a sua modernização. João do Rio numa
crônica que, mais tarde, integrou seu livro Cinematógrafo (1909) ironizou o cosmopolitismo da elite
brasileira afrancesada, que punha em Paris o seu ideal de gosto artístico e desenvolvimento econômico.
Antes disso, na versão definitiva da conferência Educação Cívica (1906), proferida na Biblioteca Pública
Pelotense, o escritor João Simões Lopes Neto advertia: Não é que deseje que ficássemos
estacionários, imóveis, perante as novas formas do viver moderno; eu lamento é a implantação de
hábitos, usos e costumes em contraste, em desacordo com o nosso temperamento, o nosso clima. O
estrangeiro é tão firme na tradição, que mesmo na terra estranha ele a põe em prática [...]; nós
desprezamos a nossa e adotamos a lheia, sem indagar o porquê [...]. Clarividente, em relação aos
aspectos mais perversos e desumanizadores da perda das identidades locais, critica o descaso dos
brasileiros para com o conhecimento das coisas do país, incluindo seu folclore e sua história. Ao lado
disso, percebemos também suas ambigüidades. Simões Lopes Neto, eivado de concepções positivistas
e evolucionistas, fascinado pela idéia de progresso, apóia as medidas que farão parte do programa
governamental de Pereira Passos, o “Bota-Abaixo”, para passar uma imagem de “modernidade”, a ser
plasmada na Exposição de 1908.
Dando prosseguimento a seus planos de ampliar negócios, na tentativa de responder aos anseios
familiares, conforme enfatiza o escritor Aldyr Garcia Schlee, o criador de Blau Nunes depois de ser
premiado na Exposição de S. Louis (1904) – quatro anos mais tarde receberá Medalha de Ouro na
Exposição Nacional, no Rio de Janeiro -, com o carrapaticida Tabacina, lança-se a uma nova
empreitada. Segundo me consta, ainda não se sabia de mais uma participação do Capitão em
exposição internacional.
Folha de rosto do Relatório Brasileiro da Exposição Universal de 1910

O colecionista Ramão Costa, sempre ávido na investigação e na preservação das coisas que
interessam à nossa história, mostrou e cedeu-me para consulta um interessantíssimo catálogo da
Exposição Universal de 1910, em que aparece o Velho Capitão como expositor.
O jornalista B. Belli foi o correspondente brasileiro do jornal “Estado de S. Paulo” na Exposição
Universal de 1910. Em março desse ano, o jornalista foi visitar o pavilhão brasileiro, ainda em
construção, juntamente com o ministro do Brasil, Oliveira Lima, e o secretário do jornal paulista,
Francisco Ferreira Ramos, além de Rebelo, membro da legação brasileira.

Um aspecto do pavilhão Brasileiro na Exposição de Bruxelas


João Simões Lopes Neto foi convidado a apresentar seus produtos na Exposição de Bruxelas
porque os agraciados com o “Grande Prêmio”, Medalha de Prata ou de Ouro (como foi o caso de
Simões) pelo júri da Exposição Nacional de 1908 eram solicitados a enviarem seus produtos
para Exposição Internacional de 1910, na Bélgica, “por motivo de confiança depositada no realce que
poderiam proporcionar à representação do Brasil”, conforme declara o Relatório da Comissão
Organizadora da Secção Brasileira da referida exposição.
Os produtos na Exposição Universal de 1910 estavam divididos em grupos, os quais, por sua vez,
em classes, que se referiam a especificações de cada grupo. Por exemplo, Grupo I, Educação e
Instrução, estava dividido em seis classes, a saber: Educação infantil, Ensino secundário, Ensino
superior, Ensino artístico, Ensino especial agrícola e Ensino especial industrial e comercial. No Grupo
Sétimo, Agricultura, classe 35, referente a “material e processos de exploração rural”, aparece o único
expositor do Rio Grande do Sul, a empresa João Simões & C., de Pelotas. Solicita o expositor, cujo
produto apresentado é a Tabacina, que o distribua gratuitamente.

Página do Relatório da Comissão Organizadora da


Secção Brasileira na Exposição Internacional
e Universal de Bruxelas (1910), em que
aparece o expositor João Simões & C.

Encontraremos outro representante da economia privada riograndense na Exposição Universal de


1910, somente relacionado a “árvores, arbustos, plantas e flores de ornamentação”. Trata-se de
Arnaldo Barbedo, de Porto Alegre, que expôs um exemplar deseccado da flor ‘Loelia Purpurata’, Alba,
variedade Ottilias, acaompanhado de duas photographias e um attestado do Museu Júlio de Castilhos.
O Governo do Estado expôs madeiras (variedades de cedro) procedentes “da Serra de Mato
Castelhano, estrada de ferro ao Uruguai, Passo Fundo”.
*Professor de Literatura, crítico e historiador literário. Conselheiro do Instituto João Simões Lopes
Neto. Membro do CEIHE/UFPEL e do NEL/IFSUL. Doutorando em Educação. Autor, entre outras obras
sobre o escritor pelotense, do livro O projeto cívico-pedagógico de João Simões Lopes Neto (2010).
A Exposição Universal de Bruxelas foi aberta em 23 de abril de 1910, encerrando-se tragicamente
com um grande incêndio, no dia 14 de agosto.
No Relatório da Comissão Brasileira na Exposição estava plasmado o objetivo da mesma: ser o
centro exibidor de todas as descobertas e aplicações da ciência moderna e revelador de todos os
progressos realizados em todas as partes do mundo. Desde a Exposição Nacional de 1908 o presidente
Afonso Pena estava preocupado com a Exposição na Bélgica, tanto que, em três de maio daquele ano,
enviou uma mensagem ao Congresso Nacional, em que afirmava que seria de conveniência nela
tomarmos parte , quer por correspondermos deste modo às manifestações de carinhosa simpatia que a
Bélgica nos tem tributado, quer pelas vantagens que nos adviriam da exibição de nossos variados
recursos em meio tão de capitais e atividades. Em agosto do ano seguinte informava A. Cândido
Rodrigues, numa Exposição de Motivos enviada ao Parlamento Brasileiro, informava o presidente da
república que junto da Exposição de Bruxelas, na mesma ocasião, deverá abrir-se o Primeiro
Congresso Internacional das Associações Agrícolas e de Demografia Rural. Aprovado na Câmara e no
Senado o projeto de lei, foi sancionado pelo presidente Afonso Pena, sob o decreto de n. 2123, de 23-
10-1909, o qual, entre outras disposições, franqueava ao Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio
um crédito especial de 500:000$, ouro, para custear as despesas com a representação do Brasil em
Bruxelas. A Comissão Organizadora foi composta por Antônio Cândido Rodrigues (presidente e Ministro
da Agricultura), Inocêncio Serzedello Corrêa (vice-presidente e prefeito do Distrito Federal), Wenceslau
Belo (presidente da Sociedade Nacional de agricultura), Jorge Street (presidente do Centro Industrial),
Cândido Mendes de Almeida (diretor do Museu Comercial). A direção da comissão brasileira na Bélgica
era integrada pelos seguintes membros: Luiz Vieira Souto (chefe da Comissão de Propaganda e
Expansão Econômica do Brasil no Estrangeiro), F. Ferreira Ramos (Comissário Geral do estado de S.
Paulo em Antuérpia).
A participação do nosso Capitão, único representante de Pelotas e um dos poucos do Rio Grande
do Sul, na Exposição Universal da Bélgica, em 1910, não deixa de ser um fato notável. Tal presença
num evento tão significativo, ainda por se estudar mais minuciosamente, só vem confirmar a visão
empresarial ousada, infelizmente mal-sucedida do ponto de vista prático, desse que, como homem de
negócios, era um insuperável ficcionista.

Fonte: LUÍS ARTUR BORGES PEREIRA - Professor de Literatura, crítico e historiador literário.
Conselheiro do Instituto João Simões Lopes Neto. Membro do CEIHE/UFPEL e do NEL/IFSUL.
Doutorando em Educação. Autor, entre outras obras sobre o escritor pelotense, do livro O projeto cívico-
pedagógico de João Simões Lopes Neto (2009).

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