Você está na página 1de 6

Direito e Lei

No primeiro capítulo de seu livro o Professor Lyra Filho tenta mostrar não
o que é o Direito mas sim o que ele não é, fazendo a distinção do que é o
Direito positivo (a norma jurídica) da idéia de Direito como ideal do justo.

Desta forma ele demostra que a lei sempre emana do Estado e


permanece em última análise ligada à classe dominante. A legislação
portanto abrigaria, em menor ou maior grau, o Direito e o anti-direito,
sendo o primeiro o Direito reto e justo e o segundo o Direito "entortado
pelos interesses classísticos e caprichos continuístas do poder estabelecido"

O autêntico Direito não pode ser limitado pela legislação, não pode ser
estudado e reduzido à pura legalidade. Lyra Filho afirma que o seu objetivo
é perguntar, no sentido mais amplo, o que é o Direito, esclarecendo que ele
não é algo acabado e nem mesmo perfeito. Ele considera o Direito como
algo que, vindo da própria Sociedade, mantêm-se em constante renovação
e mudanças e desta forma dificilmente pode-se achar a "essência" do
Direito.
Ideologias Jurídicas

Neste segundo capítulo do livro, Lyra Filho inicia a procura de um


histórico da evolução do pensamento jurídico analisando as principais
ideologias jurídicas do pensamento ocidental e questionando qual o
significado do próprio conceito de ideologia.

Para Roberto Lyra Filho, citando Adam Schaff, a verdade é apenas um


limite ideal, ".. como uma série matemática, um limite que efetivamente vai
recuando cada vez mais à medida que avançamos". Além disto, o Mestre
afirma que a ideologia se manifesta como crenças que, entorpecendo a
capacidade crítica, representam opiniões pré-fabricadas, não
correspondendo à realidade e condicionando o pensamento.

Desta forma as ideologias jurídicas também aparecem dando expressão


a posicionamentos de classes, traduzindo, deformadamente, elementos da
realidade.
Principais Modelos de Ideologia Jurídica

No terceiro capítulo de sua obra "O que é Direito", Lyra Filho, analisa
todas as ideologias jurídicas.

Inicialmente, aponta as duas concepções de Direito existentes nestas


ideologias, de um lado o Direito visto como a ordem estabelecida, a lei
vigente, e do outro lado a idéia do Direito como a ordem justa, o ideal de
justiça. Ou seja, o Positivismo em contraposição ao Jusnaturalismo, dando
origem ao dilema aparentemente insolúvel, entre as duas posições: o justo
porque está ordenado e o ordenado porque é justo.

Desta forma o Positivismo é a redução do Direito ao que está positivado


(normatizado), limitado ao que está ordenado, e o Jusnaturalismo criando
um desdobramento entre o que está nas normas e o que deveria estar
(direito natural).

Lyra Filho aponta a existência de três correntes positivistas: a legalista,


que aponta a lei como único elemento válido; o positivismo historicista ou
sociologista, admitindo as formações jurídicas pré-legislativas, como um
produto espontâneo do "espírito do povo", que dariam origem às leis,
estabelecendo o controle social; e finalmente, o positivismo psicologista
que, através da busca do "direito livre" dentro das "belas almas", revelaria
a essência fenomenológica do Direito.

Como crítica a estes modelos, o Professor Roberto Lyra Filho aponta o


monopólio do Estado para a produção de normas e o domínio do poder em
relação aos procedimentos de criação de novas normas, demonstrando que
o mecanismo de legitimação pelo procedimento nada mais é do que a
criação das regras pelos próprios donos do jogo. Portanto a legalidade de
uma norma não é a prova de sua legitimidade.

Por outro lado, Roberto Lyra Filho aponta o Jusnaturalismo, dentro de


suas três correntes, cosmológica (o Direito oriundo da "natureza das
coisas"), teológica (o Direito divino como fonte do Direito natural) e a
antropológica (os princípios supremos do Direito natural seriam fruto da
razão do homem), como falho em diversos aspectos.

O Jusnaturalismo afirma que existe um Direito natural, baseado em


princípios invariantes, imortais e constantes, que deveria sobrepor-se ao
Direito positivo. Ora, aponta Lyra Filho, o Jusnaturalismo nada mais é que
uma justificativa para o poder manifestado pela norma, servindo àqueles
que elaboram as teorias sobre o que faz parte, e o que não faz, do Direito
natural, transformando o Direito num conjunto de princípios que não
revelam bem de que fonte extraem substâncias e validade e por que
mudam.

Roberto Lyra Filho conclui o capítulo indicando que só a dialética poderia


unificar o discurso da positividade e Justiça, da elaboração de normas e de
sua legitimidade, indo contra a idéia corrente do Direito positivo apoiado
por complementos do Direito Natural.
Sociologia e Direito

Roberto Lyra Filho inicia este capítulo afirmando que, para penetrar na
essência do Direito, é necessária uma análise do processo histórico-social
do fenômeno jurídico. Como ferramenta de estudo deste processo ele
utilizará a sociologia, ressaltando que esta disciplina, mediando os fatos
históricos, é a que efetivamente constrói os modelos que explicam a
história.

A partir desta visão, cria uma dicotomia entre Sociologia do Direito e


Sociologia Jurídica, afirmando que a primeira é o estudo da base social de
um direito específico e que a segunda seria o "...exame do Direito em geral,
como elemento do processo sociológico, em qualquer estrutura dada".

Após este preâmbulo, o autor, citando Ralf Dahrendo, identifica duas


correntes de pensamento na Sociologia: a da "estabilidade, harmonia e
consenso" e a da "mudança, conflito e coação".

A Sociologia da estabilidade explicará o fenômeno do Direito como o


resultado do seguinte processo: o espaço social, composto por relações
estáveis de grupos social tendendo à harmonia, produz costumes que
levarão a normas sociais consensuais e legítimas; estas normas dão origem
ao Estado que efetua o controle social, aceitando somente as mudanças
dentro das regras que ele mesmo cria. Este esquema, de acordo como a
visão do autor, é falho pois não prevê a existência de forças
desestabilizadoras e serve apenas como justificativa para a defesa das
instituições estabelecidas através do fetiche da norma positivada.

Por outro lado a Sociologia da mudança o espaço social é povoado por


diversos grupos tendendo ao conflito, disputando, em relações instáveis, a
supremacia dos seus valores. O Estado, neste contexto, é ambíguo, agindo,
num sistema indefinido, de forma repressiva exercendo o controle social
dominante. Para Roberto Lyra filho este panorama mantêm diversas
incoerências pois retrata o Estado e as Contra-instituições como
emanadoras do Direito sem indicar qual o padrão do Direito, escondendo a
espoliação realizada pela classe dominante que detêm o controle sobre o
Estado.

Roberto Lyra Filho termina este capítulo indicando a necessidade de


construção de outro modelo que explique o fenômeno do Direito utilizando
a visão da dialética social.
A Dialética Social do Direito

Roberto Lyra Filho inicia o último capítulo indicando que a infra-estrutura


social e econômica internacional também produz uma superestrutura
dialética entre os diversos países, e que esta infra-estrutura internacional,
ao contrário das nacionais, é heterogênea pois cada país possui o seu modo
de produção específico.

As sociedades são compostas por forças centrífugas, que buscam a


mudança (dispersão), e forças centrípetas, responsáveis pela manutenção
(coesão). Desta forma as lutas entre as classes sociais provocam a
existência destas forças.

Analisando as forças centrípetas, Lyra Filho indica os mecanismos de


ideologia como responsáveis pela coesão e padronização da organização
social, através da legitimação da ordem estabelecida e criação de um
mecanismo de controle das mudanças.

Do outro lado, as forças centrífugas, as classes espoliadas e dominadas


criam suas próprias normas e instituições cuja presença na estrutura é fator
de maior ou menor desorganização social. Esta atividade contestadora pode
ser de dois tipos: reformista ou revolucionária; sendo que esta atividade
pode ser pacífica ou violenta, independentemente do tipo. Ou seja, uma
atividade revolucionária pode ser pacífica e uma reformista pode se
manifestar violentamente.

Desta forma o autor propõe um modelo dialético que explica o


comportamento da sociedade englobando a existência de forças contrárias.
O esquema deste pode ser detalhado da seguinte forma: no plano
internacional, uma infra-estrutura sócio-econômica, que numa relação de
dominações e libertações instituem uma luta de povos e criação de uma
superestrutura internacional. Cada nação, por sua vez, tem uma infra-
estrutura própria que define uma luta de classes e de grupos (espoliados
versus espoliados, opressores e oprimidos), montando uma superestrutura
nacional onde a cultura dominante efetua o controle social global através
da organização social, que produz as instituições sociais dominantes
responsáveis pela manutenção dos costumes, mores e usos dominantes. Do
outro lado, exercendo uma atividade anômica, os espoliados e oprimidos
criam as suas próprias instituições, mores, costumes e normas.

Esta atividade anômica, identificada por Roberto Lyra Filho, pode dar
origem a dois movimentos, a reforma, onde o sistema de controle social
absorve os valores das classes, sem atingir as bases da estrutura e os
demais aspectos da norma dominadora; e a revolução que através de uma
série de normas e princípios impõem uma prática re-estruturadora,
atingindo a infra-estrutura. Ambos os movimentos têm enlace político-
jurídico pois : "...só politicamente se instrumentalizam e têm chance de
triunfar; mas só juridicamente podem se fundamentar-se".

Desta forma o Direito surge da dialética social e dentro de um processo


histórico e sua essência abrange todos os aspectos da sociedade sem criar
uma oposição insolúvel entre Direito e Antidireito, como blocos estanques
de visões ideológicas. Como conseqüência desta visão, este esquema
dialético explica a contradição entre a injustiça real e as normas como
parte do processo que constrói o Direito e que estas normas não surgem de
blocos em conflito, mas sim de uma luta social constante.

A Justiça seria então uma JUSTIÇA SOCIAL e não uma idéia abstrata
surgida e proclamada por filósofos idealistas, que depois a entregam a um
grupo de juristas. A injustiça emanada do Antidireito (normas ilegítimas
impostas em sociedades mal organizadas) faz parte do processo de
construção do Direito e da Justiça não "... nascem dum berço metafísico ou
são presente generoso dos deuses: eles brotam nas oposições, no conflito,
no caminho penoso do progresso, com avanços e recos, momentos solares
e terríveis eclipses".

Você também pode gostar