Você está na página 1de 2

Imprimir ()

30/07/2019 - 05:00

A miopia da aversão a risco na indústria de


investimentos
Por Debora Mendeleh

No início de fevereiro, pouco antes da liberação dos detalhes da tão esperada


proposta para a reforma da Previdência e em um período de extrema
suscetibilidade da volatilidade do mercado ao noticiário local, recebemos o
convite de um cliente - um "multi-family office" - para palestrar em um evento
cujo tema seria: "Vale a pena investir na bolsa em 2019?"

Uma discussão interna foi iniciada para definir a melhor linha de


argumentação, mas o ponto central que embasaria a apresentação era
unânime: sempre vale a pena ter uma parcela da carteira estruturalmente
alocada em ações, independentemente do perfil de risco do investidor.

Para fortalecer esse ponto, a convergência dos juros no Brasil acelerou a necessidade de transformação da indústria de
investimentos local, reduzindo a atratividade dos ativos de renda fixa e exigindo maior tomada de risco. O desempenho
pífio da economia, a inflação sob controle, a alta capacidade ociosa das empresas e a expectativa de equacionamento da
questão fiscal contribuem para a manutenção da Selic em níveis baixos, corroborando esse cenário.

Contudo, os produtos de ações representam apenas 7% dos R$ 4,9 trilhões da indústria de fundos de investimento,
segundo a Anbima. No segmento institucional esse número equivale a 18,9%, contra 50% nos EUA e 59,3% no Chile, que
estaria em um ciclo de mercado mais próximo da realidade brasileira. Essa desproporção evidencia a fraca educação
financeira no Brasil e os desafios enfrentados para vencer a cultura do juro alto, responsável, em grande parte, pela postura
errática do investidor local.

Tomemos como exemplo os períodos mais críticos enfrentados pelos gestores de fundos nos últimos dois anos,
coincidentemente deflagrados no mês de maio: 1) maio de 2017, marcado pelo vazamento do áudio da conversa entre
Joesley Batista e o ex-presidente Temer, que ocasionou queda de 8,8% do Índice Bovespa em um dia, tendo sido acionado
por três vezes o "circuit breaker" (sistema de limitação de perdas da bolsa) e resultou em queda de 4,12% do índice no
fechamento do mês; e 2) maio de 2018, com o grande estrago causado pela greve dos caminhoneiros, que foi o gatilho para
a mudança na regra do reajuste dos preços do óleo diesel, com subsídios do Tesouro à Petrobrás, resultando em perdas de
10,87% no índice.

Em ambos os casos, houve intenso fluxo de resgates nos produtos de ações no mês subsequente, totalizando R$ 3,8 bilhões
no primeiro evento e R$ 1,7 bilhão no segundo.

A alocação em renda variável deve ser orientada a longo prazo e esse movimento tático irracional prejudica a dinâmica de
rentabilização de carteira, pois o investidor resgata após um período de performance ruim, realizando as perdas e deixando
de capturar uma possível reversão do mercado na sequência. Lembrando que, nos dois episódios relatados, o índice
apresentou forte recuperação nos meses subsequentes, tendo encerrado 2017 e 2018 com alta de 24% e 26%,
respectivamente, se tomarmos como base os níveis mínimos atingidos em cada evento. Mesmo considerando os níveis
vigentes antes do chamado "drawdown", os retornos até o final de dezembro foram positivos em 13% e 2% e o investidor
que não realizou o saque passou imune pela crise.
Os princípios mais básicos de "behavioral finance" já explicaram as inconsistências e vieses nas heurísticas associadas a
decisões de investimentos, que sofrem grande influência de fatores emocionais. Dentre os fundamentos elementares, a
teoria prospectiva, de Daniel Kahneman (vencedor do Nobel de Economia em 2002) e Amos Tversky, introduz o efeito
denominado "aversão a risco míope", posteriormente explorado pelo economista Richard Thaler (vencedor do Nobel de
Economia em 2017), pelo qual os indivíduos se valem de uma "contabilidade mental" para compactar seus horizontes de
cálculo financeiro, tendendo a medir desempenho de forma segmentada em períodos mais curtos e se desviando de
analisar a performance de longo prazo. Thaler também analisa os problemas relacionados à falta de autocontrole, que gera
uma tensão interna entre o planejamento de longo prazo e a execução de curto prazo.

No Brasil, o elevado patamar de juros serviu como catalisador desses fenômenos. Os hábitos imediatistas do investidor
local, mal-acostumado com a previsibilidade da renda fixa, gera disfunções na nossa indústria de investimentos, arraigada
na cultura da cota diária e do CDI alto. Com a forte convergência da Selic de 14,25% para a atual mínima histórica de 6,5%,
e tendo completado 15 meses nesse patamar, o investidor começa a entender que a aplicação sem risco terá retorno bruto
muito magro - em torno de apenas 0,5% ao mês.

A irracionalidade de ambicionar boa rentabilidade sem se expor a risco se torna mais evidente nesse contexto. Vivemos um
momento de inflexão, que invoca a necessidade de abandonar a gaiola da renda fixa e tolerar maior volatilidade para
acessar uma realidade exitosa de retornos, associada a um universo de ativos sofisticados e menos "confortáveis". A
educação financeira é a principal chave para transpor essa barreira, proporcionando maior alento para alçar voo diante da
complexidade de um mercado mais desafiador.

Debora Mendeleh é responsável pela área de relação com investidores da Claritas Investimentos

E-mail: comunicacao@claritas.com.br

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e
nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em
decorrência do uso destas informações.

Você também pode gostar