Você está na página 1de 1

Acertos do idioma

Agamenon Magalhães Júnior Ensaísta, gramático e educador

Um estudante me perguntou se o feminino de “o presidente” seria “a presidente” ou “a


presidenta”. Quando eu lhe dei a resposta, explicando-lhe que as duas formas para o
feminino estão corretas, ele me veio com essa argumentação: “Se pode “presidenta”, é por
causa da criatividade popular, é um neologismo, uma expressão recém-criada pelo povo que
logo se estabeleceu no idioma”.
Puro engano. A forma feminina “presidenta” já está consolidada no idioma português
há muito tempo, só que até hoje é comum a preferência pelo vocábulo “presidente” ao definir
a mulher que ocupa esse cargo de liderança (“A presidente do clube chegou”). Mas, se eu digo
“A presidenta está aí”, também acerto na flexão do substantivo.
São do mesmo grupo flexional de “presidenta” as palavras “parenta”, “gerenta” e
“giganta” – embora a sonoridade e a grafia dessas palavras causem certa estranheza para os
menos avisados.
O gramático Evanildo Bechara bate o martelo: “O uso não só atende a princípios
gramaticais. A estética e a eufonia são fatores permanentes nas escolhas dos usuários (...). A
tentativa de dar forma feminina a nomes uniformes tem ocorrido em outras línguas”.
A Língua Portuguesa herdou a seguinte lição do latim e a incorporou às suas
inumeráveis particularidades: são chamados de “uniformes” os adjetivos com terminação
“nte” – portanto a mesma forma adjetival serve para um substantivo masculino ou feminino.
Grupo, por exemplo, formado por “prudente”, “amante”, “vidente” e “ouvinte”. Logo, se o
vocábulo for “adjetivo” (com esta terminação), não se flexiona; se a palavra for “substantivo”,
a formação do feminino muda ortograficamente.
Outro vocábulo que desperta espanto quando escrito ou pronunciado é “chefa”. A
palavra “chefe” vem registrada no vocabulário oficial português (daqui e de Portugal) como
substantivo de dois gêneros (“o chefe” e “a chefe”), mas não significa que não possamos dizer,
basta coragem, “Estou esperando a minha chefa”. Certíssimo.
Para quem sustenta a indignação perante essas formas femininas (teorizando que, se o
vocábulo não está registrado em todos os grandes dicionários, não há valor idiomático),
fiquem atentos para o seguinte fato: não é o dicionário que revela a flexão das palavras; cabe
à gramática essa tarefa.
A Língua Portuguesa exige-nos atenção aos detalhes e às singularidades de sua
estrutura. Mais ainda: o idioma impõe-nos paciência na compreensão de suas características
flexionais.
Uma amiga minha que é “monja” (e também estudiosa do idioma) me deu valioso
conselho sobre o assunto, quando foi minha “hópeda” por alguns dias em meu apartamento:
“Professor, não queira competir com a Língua Portuguesa. Eu não ‘compito’. Quem quer
mergulhar nas águas profundas do idioma, não lhe pode exigir respostas ou explicações
lógicas para todas as questões flexionais”.

Você também pode gostar