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Em alto e bom som

(Agamenon Magalhães Júnior)

M
inha paixão pela música ultrapassa os limites da normalidade, não consigo viver sem ela.
Essa “dependência” ao extremo é visível, mas nunca chegou ao fanatismo; pelo
contrário, sempre foi uma relação plena, de elevação espiritual.
Para cada momento da vida, tenho uma canção representando-o. Para os momentos
felizes, determinada música estava lá marcando o instante; para as épocas ruins, também a
música se apresentou como um aviso de que o dia seguinte seria melhor.
Minha maior dívida com a música, porém, se deve ao fato dela ter estreitado minha
relação com minha filha. Desde o primeiro dia de vida dela, a musicalidade fez minha moça
mais feliz e nos deixa mais próximos. Confesso que não tenho talento para a música e
também minha voz não é padrão para o canto – desafino até cantando “Parabéns pra você” –
mas nunca deixei de expressar meu sentimento mais puro à minha moça por meio duma
canção. Desde muito cedo, eu a habituei a ouvir todos os tipos de música, do forró ao clássico,
da MPB ao mais estrondoso rock’n’roll, do pop mais comercial às cantigas folclóricas mais
obscuras. O único ponto importante nessa “aprendizagem” musical foi a liberdade de escolha
que eu lhe dei para ela escolher seus estilos preferidos, o cantor mais bacana, a música mais
legal ou a composição mais emocionante.
Nunca fiz comentários tendenciosos em relação a cantor nenhum; quer dizer, pra falar
a verdade, com os Beatles eu forcei (um pouco) a barra... mas só um pouquinho... Porém não
deve ser por isso que ela hoje seja fã dos Beatles.
Com seus recém-completados nove anos, minha filha pediu, como presente de
aniversário, um violão. Está tendo agora aulas para dominar o instrumento e também
“aprender as músicas dos Beatles e cantá-las” para o papai coruja. Ela me prometeu que logo,
logo tocará (e cantará) as composições da dupla Lennon-McCartney para mim. Ela começou,
lógico, pela simples “Yellow Submarine”.
Entretanto, o prazer do qual sou merecedor não para por aí. À medida que lentamente
minha Ana Clara aprende os acordes do violão, ela os passa para mim. Essa interação é quase
indescritível.
Clara, com paciência, vai me ensinando suas noções de ritmo, afinação, compasso, e
harmonia. A música em seu estado mais pleno se apresenta tal qual um testemunho da
felicidade entre pai e filha.
Fico imaginado por que os pais não se utilizam da música para a harmonia familiar.
Quando converso com meus amigos que também têm filhos, alguns reclamam da dificuldade
deles hoje se comunicarem com suas crias.
A música pode ser esse instrumento de aproximação entre pais e filhos. Se ela sozinha
não faz milagres, com certeza diminui o abismo familiar tão visto na maioria dos lares
modernos.
Eu e minha filha, nós nos divertimos com as lembranças de um passado não tão
distante em que passávamos horas cantando (ou tentando cantar) “Nós vamos invadir sua
praia”, do grupo Ultraje a Rigor. Quanto ao presente, vivo cada segundo com a finalidade de
ser feliz junto com ela, sob a proteção das mais ricas sensações auditivas. Se a Deus o futuro
pertence, a única certeza é de que o amanhã virá cheio de musicalidade, repleto de sons e rico
de ritmos em forma de arte.
Passado, presente e futuro entrelaçados com a idêntica perspectiva de felicidade;
embalados com a mesma expressão artística que une as pessoas: a música.

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