Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ANTROPOLOGIA
DANIEL ZÜRCHER
ORQUESTRA DA GROTA:
REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO MUSICAL DENTRO DE UMA FAVELA
NITERÓI
2016
Introdução
1
Marcio Paes Selles é o atual coordenador, juntamente com Lenora Pinto Mendes.
2
gêneros populares, como o pop, rock, axé, — até mesmo o samba, são vistos por certos
setores com um outro olhar, mas ainda assim são considerados “aceitáveis”2. Quando
falamos em música na favela, nos referimos, de maneira geral, ao funk e ao rap, pois o
samba já não é majoritariamente visto como sendo originário da favela. Os dois gêneros
são vistos por certas categorias mais elitizadas como sendo de um estatuto inferior. O
rap hoje em dia vem ganhando mais espaço e respeito no senso comum, que tempos
atrás fazia parte de uma cultura marginal , assim como o funk, que ainda assim ocupa
um lugar onde sim, o funk principalmente, é mal visto por esses setorespela sociedade.
Sendo assim, de um lado temos a música clássica que goza de um estatuto elevado e que
é imposta como superior por todo um setor da sociedadea uma sociedade, e por outro
lado, o funk, frequentemente representado como o seu oposto e em grande parte como
não sendo considerado uma manifestação cultural.
2
Sei que o termo “aceitáveis” parece meio forte, mas a ideia e fazer um painel geral e raso,
para termos uma ideia.
2
normalmente não detém o “capital cultural” supostamente necessário para a sua fruição
e aprendizado, fazendo com que essa música seja transformada de acordo com os
habitus, e o “capital cultural” dos alunos que “reinterpretam” a música tradicional de Commented [2]: termo entre "" ou não?
...
Nesta parte do texto, abro espaço para aprofundar a discussão sobre a cultura
erudita em contraste com a popular a partir de um dos pontos mais significativos do
meu trabalho: a sugestão de que projetos sociais levariam para as favelas uma cultura de
fora apresentando-a geralmente como sendo superior. No caso da minha pesquisa,
abordo a questão da música de concerto levada à favela da Grota pelo projeto da
Orquestra de Cordas da Grota. Procuro problematizar esta questão a partir dos meus
dados de campo.
3
urbana: Uma explanação introdutória”, de Gledson Meira, para dar suporte ao raciocínio
construído ao longo desse texto.
3
O Spalla é o primeiro violino ao lado esquerdo do maestro, sendo o último instrumentista a
entrar no palco, tendo a função de afinar toda a orquestra e a preparando para a entrada do maestro.
Portanto, é uma posição de destaque diante de toda a orquestra.
4
Nas minhas idas ao ECG conversei com pessoas que contavam que a orquestra
dava aos integrantes que tocam nas orquestras e aos participantes do projeto na parte da
organização, uma oportunidade de sair do meio da favela e conseguir “ser alguém na
vida”, vejo esse discurso sendo um reflexo de um discurso de senso comum, que julga a
favela ainda como um lugar carente de cultura, ainda que as favelas vem ganhando uma
maior visibilidade e um reconhecimento, podemos ver a favela sendo estereotipada pelo
senso comum, como um lugar de marginalidade. Sendo assim aAlguns dos jovens
acabam optando por seguir outra carreira, como foi o caso de um aluno da Orquestra
que entrou esse ano para cursar Antropologia, entre outros que já cursam carreiras como
medicina, entre outras.
Uma questão que vem me chamando atenção ao longo desta pesquisa é o uso
recorrente pelos projetos sociais, como o da Grota, de discursos que veem a favela como
um lugar sem cultura, sem lazer e sem oportunidade. Esse tipo de discurso defende a
ideia de que são os projetos sociais que levam isso para a comunidade e que, como
consequência, podem conseguir “tirar” as pessoas da favela.
5
(UPP) em algumas favelas e a ampliação de servições nestes lugares. Estes fatores
acabaram por repercutir na imagem pública da favela, que passou a ser disseminada em
meios de comunicação de massa de forma positivada e na forma de um bem de
consumo. Hoje, algumas favelas do Rio de Janeiro gozam de status de pontos turísticos,
como é o caso do Morro do Alemão e do Morro da Providência que abrigam teleféricos
e que recebem muitos visitantes.
6
Notei que em algumas das aulas, os professores tentam trazer exemplos do
cotidianos dos alunos, para explicar a parte da teoria musical, como é o caso da aula de
percepção musical, com a professora Adriana Miana, que procura trazer exemplos de
musica pop para exemplificar questões de escalas e ritimos. Um fato muito interessante
que ocorreu em uma dessas aulas, foi que um aluno começou a fazer um ritmo de funk
durante a aula, e a Adriana perguntou aos demais, qual seria as figuras rítmicas que o
aluno estava “cantando”fazendo, e logo após ela começou a explicar o ritmo, abrindo
uma discussão em torno dos tempos rítmicos que estavam presentes naquela batida.
Com isso observei que a ideia que esta presente no ECG, é a ideia de aproximar o
máximos pela arte, mundos que de certa forma ainda são separados por questões
socioeconimicas.
Através do discurso produzido pelas falas dos entrevistados, noto que o espaço
da cultural da Grota é tido como um espaço de intercambio cultural, promovendo
acolhimento para muitos dos jovens que frequentam. Em algumas entrevistas e até no
convívio ouvi estudantes dizendo o quanto a música os ajudou, e que hoje não se
imaginam sem a música em suas vida. Há depoimentos de integrantes relatando o quão
Márcio foi atencioso, dando esperança a jovens e até mesmo o descrevendo como um
pai para muitos delesdaqueles jovens,. Katuga Vidal, que foi aluno a tempos atrás, e
atualmente professor de violoncelo no ECG, relatou em uma entrevista feita para uma
reportagem sobre o ECG, que a orquestra era como uma lar para muitos daqueles
jovens, e dava um novo horizonte para os integrantes, “A gente é programado pra ser
um repetidor daquilo que vivemos, então eu via minha mãe trabalhando de domestica,
meu pai trabalhando num trabalho que tinha na época, então pensava que era isso que ia
fazer”. Com esses discursos podemos ver que, para a grande maioria dos integrantes da
Orquestra, o projeto repercutiu positivamente em suas vidas. Realmente pude observar
que Márcio e Lenora são tidos por muitos como uma segunda família, ajudando em
dificuldades que os estudantes têm em casa, as vezes até falta de dinheiro. Assim
podemos enxergar também o ECG como um lar aconchegante para os jovens
frequentadores, seja por tocarem na Orquestra, ou apenas por participarem como
amigos, público ou moradores da Grota.
7
ou seja, de agir sobre nossa consciência. Trabalhar a dimensão
social da música é um caminho também para refletir sobre um
tema clássico na sociologia. Qual seja, a relação entre
indivíduo e sociedade, que se desenvolve no processo de
socialização. Nesse sentido, cabe perguntar, como se dá essa
articulação? Como se operacionaliza a relação indivíduo e
sociedade? Ou, mais especificamente, como a música pode
socializar e, consequentemente, como a música pode nos ajudar
a falar sobre a difícil tarefa de construir a identidade do jovem
de hoje?” (SETTON, M. G. J, 2008, p.16-17)
Numa outra ida ao campo observei um momento único, que demonstrou como a
música une as pessoas. Havia dois jovens tocando uma música, da qual não me recordo
bem qual era, e logo em seguida foram chegando mais algumas pessoas. Cada um foi
pegando um instrumento e se juntando ao grupo que tocava. Terminada uma música,
todos seguiam para uma outra e assim por diante. Esse momento demonstra como a
música é um fator de integração entre as pessoas. Muitas das entrevistas que realizei no
Espaço da Grota mencionaram que, além do projeto proporcionar o aprendizado de
algum instrumento, proporciona também novas amizades e relações pelo fato de
tocarem juntos.
8
Favela e Seus “Salvadores”
Neste trecho do texto, a autora cita os atores que criam essa identificação da
favela, notando que não há consenso:
9
“Face às lagrimas de um ser humano é preciso participar ou
compadecer-se. Raros são aqueles que não ficam emocionados com as
lágrimas de um outro, sendo difícil reter as lagrimas diante daquelas
que são derramadas.” (VINCENT-BUFFAULT, 1988, p. 33)
Com base na citação acima, abordo aqui a questão das emoções provocadas pela
música clássica nos jovens frequentadores da Orquestra e desenvolvo minha ideia sobre
uma troca de sentimentos para que se possa fazer música. Dentro de um palco, quando
esses jovens estão tocando para um público, há uma relação de troca de emoções, uma
inter-subjetividade. De um lado, os músicos mobilizam sentimentos e emoções
psíquicas ao tocar a musica e transmití-las para o publico, que não está lá apenas para
ouvir a musica tocada, mas também para compartilhar emoções. Sendo esses lugares
espaços de trocas emocionais muito marcantes, onde certas emoções estão implícitas
como regras, os músicos e a plateia compartilham certos códigos de comportamento4.
“Estes não berram e não gritam só para expressar o medo, a ira ou a dor, mas porque são
encarregados, obrigados a fazê-lo” (MAUSS, 1981, p.150). Pegando emprestada essa
fala do Mauss, posso dizer que se alguém no meio daquele espaço de trocas das
emoções não se expressar mais ou menos de acordo com o resto do publico — ou no
caso do musico, de acordo com o resto da orquestra — esta pessoa poderá ser vista de
forma negativa por aqueles que estão ali.“Não só o choro, mas toda uma série de
expressões orais de sentimento não são fenômenos exclusivamente psicológicos ou
fisiológicos, mas sim fenômenos sócias, marcados por manifestações não-espontâneas e
da mais perfeita obrigação” (MAUSS, 1981, p.147)
4
Obrigadas no sentido de ser uma regra. As pessoas teriam que de uma certa forma seguir um
padrão nos sentimentos.
10
emocional e cultural do seu intérprete. Esta questão é muito visível por exemplo em
solos musicais, pois são nos solos, mais que no resto da peça, que o lado emocional
aparece. Podemos fazer uma breve comparação com o teatro onde, na maioria dos
casos, o que irá determinar a escolha de um ator para um papel, é se o ator conseguirá
passar para o publico a emoção que o papel exige, e não apenas se ele decorou as falas.
As vezes a pessoa pode saber tocar/interpretar muito bem, mas não se encaixa no papel
ou no solo.
11
A Música Clássica Pela Favela Formatted: Space After: 6 pt, Border: Top: (No
border), Bottom: (No border), Left: (No border), Right:
Nessa parte de meu texto, quero discutir os fatores socioculturais que (No border), Between : (No border)
12
torno do objeto, tentando "entender" a proposta.” (Trecho
retirado de uma reportagem do site da UOL)
Neste caso podemos ver claramente como o local onde está inserida a obra de
arte pode mudar totalmente o contexto da mesma. O trecho da reportagem retrata
claramente o valor simbólico atribuído ao museu e a seus objetos, e a partir do
momento em que esses objetos são inseridos, eles acabam absorvendo os valores
atribuídos ao local. Outro bom exemplo também, foi um situação pela qual passei ao
visitar o Museu do Inhotim, onde havia peças que não representavam uma obra de arte
para mim, mas eu buscava enxergar elas de alguma forma artística, só pelo fato de
estarem inseridas em um meio onde elas são consideradas com tal.
13
Aqui é o meu lugar: Reflexões sobre a “MostrArte - Encurtando
Distâncias”
14
Conclusão
Sendo esse trabalho uma introdução para minha monografia, apresento aqui
algumas conclusões, que ao longo de minha monografia pretendo aprofundar com mais
detalhes.
As questões que apresento neste texto, servem como uma complementação entre
si. A primeira questão apresentada neste texto, é a de que projetos sociais em favela tem
uma problemática de estar impondo de certa forma uma cultura nos jovens de favela.
Neste ponto venho observando que os projetos servem como uma ponte entre o que a
sociedade julga ser a “cultura boa”. Ao longo desse primeiro ano em campo, consegui
observar o discurso da sociedade elevando e valorizando a música clássica, em
detrimento de outros gêneros musicais. Entre discursos de oportunidades e imposições
culturais, procuro achar um equilíbrio, entrede encontrar os pontos positivos e negativos
passado pelo projeto da Grota. Commented [5]: reescrever
Concluo também que a imagem padronizada que se tem desses jovens acaba
desmotivando milhares de jovens. Que por carregar esses estigmas acabam desistindo
15
de certos projetos de vida, ou pior, muitos deles nem começam sequer, a pensar em um
futuro, por conta da sociedade já lhes impor um destino.
16
Bibliografia
Reportagens:
17