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Resumo Tema 2:
Estudos determinados têm por base um contrato legal que vincula o antropólogo ao cliente (ex.
modelo explicativo do plano, método e objetivos ou 1 ficha onde o participante reconhece os
objetivos, riscos e benefícios da sua participação); Nomes verdadeiros não devem ser usados em
relatórios ou publicações;
Metas: Fornecer um esquema claro da constituição social; O objetivo do treino científico é dotar o
investigador empírico de um mapa mental que o possa orientar e definir o seu caminho;
Comparação de dados, ajuda a revelar lacunas e a reformular a investigação; para registar uma
crença ou magia o autor usa uma carta sinóptica
3 vias do trabalho etnográfico: Organização da tribo e a anatomia da sua cultura registado num
esquema (documentação concreta e estatística); apresentar uma recolha de depoimentos
etnográficos. Objetivo da etnografia: compreender o ponto de vista do nativo.
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2.2 CRÍTICAS E NOVOS CENÁRIOS: O LOCAL E A VOZ EM ETNOGRAFIA
OBJETIVOS:
Compreender a emergência da crítica à prática e escrita etnográfica.
Texto 2: pretende apresentar a evolução mais recente das práticas etnográficas, marcadas
fortemente pelas críticas pós-modernistas.
A autora faz uma interpretação do papel do antropólogo, uma visão contemporânea e crítica da
antropologia clássica e das técnicas usadas na etnografia desenvolvidas por Bronislaw
Malinowski.
Pretende abordar aspetos da mudança nas condições de produção do trabalho antropológico,
analisando as novas alternativas que as críticas propõem, a partir de uma perspetiva
específica: a do papel do autor no texto etnográfico.
Questiona as regras implícitas na relação do autor, objeto e leitor defendendo mudanças na
produção do trabalho antropológico através de uma visão autocrítica do autor.
O antropólogo contemporâneo:
Tende a rejeitar as descrições holísticas.
Interroga-se sobre os limites da sua capacidade de conhecer o outro.
Expõe no texto as suas dúvidas, e o percurso que o levou à interpretação, que se deseja
sempre parcial.
Verifica-se mudanças nas regras implícitas que definem a relação entre autor, objeto e leitor, que
permitem a produção, a legibilidade e a legitimidade do texto etnográfico.
Esta mudança está associada ao processo de autocrítica que atualmente atinge a antropologia,
onde os mais diversos aspetos de sua prática são questionados e desconstruídos.
A Presença Ambígua:
Foucault (1984): A função do autor na modernidade, não se dá sempre da mesma forma, altera-
se com as diferentes sociedades e relativamente a distintos discursos.
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Seguindo estes parâmetros da presença do investigador:
A antropologia alicerçava a produção de conhecimento na experiência pessoal de outra
cultura, legitimou os seus escritos na fórmula: "eu estive lá, vi e, portanto, posso falar sobre
o outro", tal era a importância do etnógrafo na construção da autoridade etnográfica
(evidencia os relatos passados, fruto das experiências pessoais).
Clifford (1983) e Marcus e Cushman (1982): mostram a importância dessa fórmula na
construção da autoridade etnográfica.
Com transformações.
Com história, com sincretismo e encontros.
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Com práxis e comunicação.
Sobretudo com relações de poder.
Contudo, apesar dessas transformações, observa-se que os antropólogos americanos
insistem:
Em estudar predominantemente culturas estranhas à sua própria.
Nos artigos críticos sobre como pensam/veem "o outro", como membro de uma cultura sem
tradição escrita ou que não produz conhecimentos sobre si mesma, persistindo a visão de
uma sociedade do Terceiro Mundo.
James Clifford: denominado de meta-etnógrafo, é sem dúvida uma das figuras centrais no
processo de desconstrução da etnografia clássica.
** No seu trabalho em 1983: tenta mostrar uma autoridade etnográfica, na qual os antropólogos
através de diversos dispositivos criaram nos seus textos uma legitimidade para falar sobre os
outros.
** Segundo o historiador, foi necessária a constituição da figura do “antropólogo-cientista”.
** Descreve-o como o profissional em trabalho de campo, contrastando com a imagem do
antropólogo de gabinete, e, do missionário e agente colonial.
** Segundo Clifford (1983): o antropólogo cientista clássico realizava o seu trabalho de campo
segundo regras específicas, e legitimava o texto, evocando a experiência que tinha de uma outra
cultura. O seu modo predominante de autoridade do trabalho de campo moderno está marcado:
"você está lá, porque eu estive lá".
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O texto-fundador do método da observação participante: a “Introdução aos Argonautas do
Pacífico Ocidental” trabalho protagonizado por Malinowski (1976):
Refere-se á: "imensa distância entre a apresentação final dos resultados da pesquisa e o
material bruto das informações coletadas pelo pesquisador através de suas próprias observações,
das asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida tribal".
A experiência é necessária para o conhecimento, mas não deve permanecer em estado
bruto (quando ainda não são submetidos a um processo de transformação).
Tal como, o antropólogo tem que se transformar ao entrar noutra cultura, tem que
igualmente, reelaborar a sua experiência quando termina, de modo a transformá-la em uma
descrição objetiva (científica) da cultura como um todo. Esta reelaboração é inspirada por uma
teoria da cultura específica.
Argumentam que ao usar as convenções mencionadas, “inspiradas pela teoria que concebia
as culturas como totalidades e pelos requisitos de cientificidade que obrigavam à reelaboração
da experiência de campo, o que se acabou produzindo nos textos foi uma visão deformada tanto
das culturas, quanto da experiência do antropólogo junto a outras culturas.”
Muita informação do que se passava no campo, ter-se-ia perdido ao ser transcrita para o
texto (ou parte dela modificada na transformação que ocorre entre a pesquisa de campo e o
texto), uma vez que, o que era uma experiência de campo fragmentada e diversa acaba sendo
retratada como um todo coerente e integrado.
O processo de comunicação, de troca, de negociação entre o antropólogo e seus
informantes, transforma-se em algo autônomo (diários de campo, gráficos de parentesco, mitos
etc.).
Os diálogos transformam-se em monólogos encenados pelo etnógrafo, assume-se como
voz única que coloca todas as outras e inerente diversidade à sua própria elaboração.
A interação transforma-se em descrição, como se as culturas fossem algo passíveis de
serem observadas e descritas de imediato (por isso, nos textos, as imagens são sobretudo
visuais, em detrimento de imagens que enfatizem a fala ou a audição (Fabian 1983)).
Deixam de existir as relações interpessoais e generaliza-se o nativo. Usando uma
expressão de Clifford (1983): o que era discursivo vira puramente textual.
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A experiência cultural apesar de ser usada como argumento legitimador do conhecimento do
antropólogo, nos textos ela é negada enquanto tal.
“A experiência que aparece mencionada nos textos só pode ser uma evocação legitimadora: o
que conta como sendo a cultura é a descrição final, obtida através da reelaboração da experiência
inspirada pela reflexão teórica.” - Pág. 37
A novidade de Malinowski e dos antropólogos que lhe seguiram foi justamente a de criar
um novo contexto para descrever os outros:
O outro e a sua cultura eram distanciados e apresentados como diferentes.
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A diferença não era mais de estágios de evolução, mas de perspetiva.
O ponto de vista nativo, ao ser reproduzido dentro do seu próprio contexto, jamais podia ser
incorporado ao da cultura do antropólogo e de seus leitores.
No máximo, os pontos de vista poderiam ser adaptados pelo antropólogo, com um estatuto
privilegiado que se movimenta entre dois mundos, que conhece o estranho, descobre seu
caráter corriqueiro, e traduz essa diferente perspetiva para os leitores de sua própria cultura.
A partir de Malinowski, os antropólogos têm que criar nos seus textos uma consciência sobre
a diversidade do mundo. Eles têm que criar uma "ficção persuasiva" (Strathern 1987a:257)
sobre um outro que é radicalmente diverso.
O RELATIVISMO CULTURAL:
É uma das consequências cruciais desta nova abordagem antropológica e, uma marca do
modernismo em antropologia.
O relativismo cultural, marca a diferença entre as culturas.
Enfatiza a unidade de cada cultura e mostra a impossibilidade de que uma fosse avaliada em
função dos valores e da visão da outra.
Mas,
Esta perspetiva acabou por dificultar o trabalho dos antropólogos e aumentar a distância entre
as culturas.
As diferenças acentuaram-se de tal modo, que se tornou cada vez mais difícil fazer com que
uma cultura falasse a outras em termos críticos.
A denúncia do etnocentrismo que caracterizou a antropologia modernista e que veio junto
com o relativismo cultural também teve o mesmo efeito.
Assim, a possibilidade de crítica cultural, uma das bases em que se assentou a antropologia
clássica e que foi de fato exercida nos seus 1.ºs anos (exemplo: na crítica ao racismo) acabou
por perder intensidade. Esta sempre esteve no horizonte da antropologia, mas foi muito pouco
praticada (a ênfase no entendimento das culturas nos seus próprios termos e o
distanciamento dos contextos culturais acabaram por frustrar qualquer possibilidade.
SÍNTESE DAS ALTERNATIVAS PÓS-MODERNAS:
Quem melhor resumiu esta alternativa foi James Clifford (1983): Pág. 39
“Um modelo discursivo da prática etnográfica dá preeminência à intersubjetividade de toda
fala, e ao seu contexto performativo imediato. ...As palavras da escrita etnográfica... não
podem ser construídas monologicamente, como uma afirmação de autoridade sobre, ou
interpretação de uma realidade abstrata, textualizada. A linguagem da etnografia é
impregnada de outras subjetividades e de tonalidades contextualmente específicas. Porque
toda linguagem, na visão de Bakhtin, é "uma concreta conceção heteróglota do mundo".
Os textos de autores pós-modernos normalmente fazem menção à perspetiva política, se não está
explícita é sugerida. A sugestão é assumida pelo pós-modernismo no texto, através de menções à
crítica ao colonialismo, ou às relações de poder entre pesquisador e informantes.
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A etnografia é sempre escrita e é textualmente que ela tem que enfrentar seus problemas
políticos, mas de que forma é capaz de os enfrentar? É a opinião do autor e este pode expressar
a sua crítica cultural ou posição política.
Rabinow (1985): não acha que seja possível passar sem uma discussão específica da dimensão
política. Para ele, "política, experimentação formal e epistemologia podem ser variáveis
independentes, (e) a associação de experimentos formais de vanguarda com uma política
progressista continua questionável". Experimentos textuais podem abrir novas possibilidades mas,
como diz Rabinow, não garantem nada. Teoricamente, os autores podem escolher qualquer estilo,
qualquer modo de organização de texto, porque em si mesmos "eles não nos oferecem nenhuma
garantia, não contêm nenhum poder secreto, não fornecem nenhuma senha (password) textual
para a verdade ou a política". – Pág. 41
Para Rabinow, a discussão textual nunca vai se sustentar por si só: por não incorporar uma
análise sociológica que estabeleça as mediações entre, por exemplo, as críticas ao colonialismo
realizadas em um nível macro e os experimentos textuais. O que estaria faltando, em suma, seria
questionar a academia americana nos anos 80 e seus jogos de poder.
Bourdieu (1983): Para este autor a discussão textual está aliada a uma análise:
Que tenta localizar autores em instituições, autores, textos e instituições num campo
epistemológico e de poder, com estratégias próprias e marcado historicamente.
Ou deveria estar também associada a uma análise inspirada em Foucault, que tentasse
analisar as relações de poder que definem quais enunciados podem ser aceitos como
verdadeiros em cada momento.
A DIMENSÃO POLÍTICA DA CRÍTICA ANTROPOLÓGICA: não se limita a uma apreciação das
condições de produção do conhecimento.
Discute: A possibilidade da antropologia vir a realizar uma crítica cultural das sociedades que
estuda ou das sociedades dos antropólogos.
Critica: a sociedade burguesa / o etnocentrismo e o racismo (ao revelar o sentido familiar do que
era exótico) / Crítica cultural à sociedade ocidental (ao fazer uma comparação com outras
sociedades).
PÓS-MODERNISMO EM ANTROPOLOGIA:
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Pela proposição de alternativas textuais do que pela produção de etnografias que levem em
conta as novas regras, não só em relação ao texto, mas também à crítica cultural.
EXPERIÊNCIAS DO PÓS-MODERNISMO:
Price - First-Time:
Price está preocupado em estudar o conhecimento que os Saramakas, descendentes de
escravos que vivem no Suriname, têm sobre um período crucial de sua história.
Este é o First-Time: é o período que compreende a fuga em massa desses escravos das
plantações onde viviam, sua contínua resistência a tentativas de re- escravização, e finalmente a
"Grande Paz" que selou a sua libertação em 1762.
Primeiro problema: memória oral sobre um evento que ocorreu há mais de 2 séculos e cujas
informações só se mantêm de modo fragmentário. Mas a maior dificuldade reside, no caso dos
Saramakas, no conhecimento do passado que está explicitamente articulado a questões de poder.
Entre os Saramakas, o conhecimento sobre o passado, e sobretudo sobre o First-Time, é
privilégio de alguns velhos, não devendo ser contado indiscriminadamente (as histórias são
contadas em fragmentos dispersos em distintos momentos). As histórias mais importantes não
podem ser reveladas porque são perigosas (histórias de fugas e lutas por liberdade), correndo o
risco na sua perspetiva que ao contar a história a outros, estão a entregar a sua liberdade.
Acreditam que têm que proteger o que sabem, ou o seu conhecimento vai ser usado por outros
(para impedir que a escravidão possa ocorrer de novo – o conceito do “nunca mais” relembrar o
passado prevalece). Memória e história sobre o First-Time são importantes na preservação da
identidade do grupo e de seu senso de auto-respeito: elas contêm as raízes do que significa ser
Saramaka. Através da proteção do conhecimento sobre o passado é que as histórias sobre o
First-Time foram preservadas com uma considerável riqueza de detalhes por dois séculos.
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Price em First -Time e questões impostas pelo próprio objeto de análise:
Teve que descobrir a forma cultural específica: canções, lendas, histórias, encantamentos
ditos eventualmente e ritualisticamente, forma pela qual o conhecimento sobre o passado é
transmitido.
Teve que lidar com a memória dos Saramakas e com documentos sobre a sua história, com
diferentes versões sobre o passado (impossibilidade de contar como realmente aconteceu); bem
como, enfrentar a questão sobre a melhor maneira de expressar as distintas versões.
Ao escrever encontra outros problemas: o mais importante deles aponta para o agrupar
de um conhecimento quando era suposto ser mantido em fragmentos, e ao fato de revelar algo
que é considerado perigoso e que deveria ser mantido em segredo.
Price só foi informado sobre o First-Time após nove anos de trabalho de campo e quando
os velhos o consideraram pronto para isso.
Nessa consideração interveio:
O fato de Price ter estudado a história dos Saramakas nos arquivos coloniais holandeses
por vários anos, tendo em seu poder algumas informações ignoradas pelos velhos para oferecer-
lhes. Consciente da relação de poder a ser então estabelecida, e de quanto iria interferir no
próprio caráter do conhecimento sobre o First-Time.
Por outro lado, quando Price obteve as informações dos Saramakas e foi solicitado pelos
velhos para ser uma espécie de cronista, a sociedade deste povo estava a sofrer mudanças
irreversíveis (a tradição estava a perder-se e os velhos decidiram que o pouco de conhecimento
ainda tinham deveria ser preservado).
Ao deixarem o seu conhecimento ser agrupado e escrito, eles próprios mudaram de modo
irreversível o caráter do seu conhecimento.
Nesta situação o antropólogo assume-se claramente como agente de interferência na sociedade
estudada e qualquer atitude que tome, representa uma opção ética e política, daí que Price
tenha refletido sobre o seu próprio poder e o papel de seu trabalho enquanto antropólogo.
Price na sua obra apresenta as suas dúvidas e as decisões que tomou fazem:
1.ª questão: identificar ou não os informantes.
Price decide identificá-los, publicando uma foto de cada um dos velhos que lhe falaram sobre o
First- Time, seguidas de seus nomes e uma pequena biografia. A decisão, da qual assume total
responsabilidade, assenta na ideia de incorporar os Saramakas como co-autores na sua tentativa
de contar a sua história. Eles, afinal, é que detinham a maior parte do conhecimento.
2.ª questão: era a do possível impacto do livro no sistema de conhecimento dos Saramakas.
Consciente que escrevia de forma parcial, uma seleção da história, correndo o risco de, ao ser
publicada, se transformar em cânone (modelo de referência num dado período, estilo ou cultura),
numa versão com mais autoridade.
Daí insistir sempre no caráter incompleto e parcial da sua versão:
A obra é publicada como uma celebração da tradição historiográfica dos Saramakas, que
guardaram coletivamente por muito tempo verdades sobre o First-Time, e como "um tributo à
dignidade (dos Saramakas) em face da opressão, e à sua contínua recusa em deixar que fossem
definidos como objetos.” – Pág. 45
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3.ª questão: Prende-se com preocupações com possíveis efeitos e as relações de força em que o
conhecimento foi gerado e apreendido. Assim, as decisões mais importantes apontam para o
estilo do texto.
Price concebe o livro “First-Time” como uma experiência textual. Separado em duas partes,
cada uma delas representa uma versão (ou mais), convidando o leitor a fazer a sua própria
interpretação e retomar várias vezes a leitura, relendo os fragmentos depois de ler a interpretação.
First-Time apresenta a perspetiva local: as relações de poder são aquelas definidas na
relação com os informantes e sua cultura. Não existe intenção de inserir as discussões sobre os
Saramakas em um contexto mais amplo (só de modo indireto, cabendo aos leitores deduzir), em
que a análise da memória deste povo constituiria um elemento para pensar as sociedades
ocidentais.
4.ª questão: A crítica cultural não faz parte dos horizontes do texto.
Pelo contrário, destaca-se o caráter seletivo e parcial da "verdade" histórica ou
antropológica, o caráter social da memória e o caráter político das interpretações do passado.
O objetivo do texto é transformar o antropólogo/autor somente em mais um, entre vários
produtores de informação e interpretações, e aquele que a produz em determinadas condições de
força, sobre as quais Price tenta estar consciente e interferir.
Price diluiu a sua própria voz dando voz aos Samaraka que contam a mesma história.
Contudo, não desaparece do texto porque a sua interpretação surge sempre num espaço
específico de cada página.
O estilo do texto e a sua organização são indissociáveis do objeto estudado e de como Price
percebe sua relação com ele. Em boa parte, mas não completamente, foi o caráter da memória
social dos Saramakas que orientaram o trabalho de Price e a maneira como devia expressá-la.
“O estilo "pós-moderno" do texto não se impôs, então, aprioristicamente; se o objeto
fosse outro, a forma poderia ser outra”.
Vincent Crapanzano: Waiting - tem um projeto até certo ponto semelhante ao de Price.
Quer que o livro seja um experimento em termos de texto e da representação do outro: quer
escrever uma etnografia pós-moderna.
O estilo vem de fora e, segundo Caldeira, essa imposição cria impasses sérios para a análise,
a ponto de comprometê-la.
Crapanzano: Povo estudado, um grupo dominante: os brancos da África do Sul.
Objeto do livro “Waiting”: enfoque nos efeitos da dominação na vida cotidiana (não na vida
cotidiana daqueles que sofrem a dominação), mas de pessoas que dominam. É sobre o discurso
de pessoas que são privilegiadas por aquele poder, cujo paradoxo, no seu privilégio também são
vítimas dele.
Os brancos sul-africanos apesar de deterem o poder, também são vítimas dele, na medida
em que, o apartheid domina todas as dimensões de suas vidas, sentindo-se tão aterrorizados por
ele quanto as pessoas de cor.
O apartheid não é apenas um sistema de dominação social e político, tem de igual modo,
dimensões linguísticas, morais e psicológicas. Ser branco na África do Sul significa não
reconhecer a existência de nenhum outro grupo.
Os dois grupos brancos (africânderes e ingleses), constituem sua identidade um em relação
ao outro e ignoram por completo os outros grupos. Os negros, asiáticos e coloureds não são
reconhecidos pelos grupos dos brancos, mas, ao reconhecerem a sua identidade, estes estão a
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conceder-lhes uma existência que os brancos insistem em lhes negar, situação que não era de
todo desejada.
“As consequências desse total não-reconhecimento dos outros são, para Crapanzano, o
mutilamento moral dos brancos e a visão estática que eles têm da realidade. Os brancos são,
assim, "aprisionados no tempo particular e paralisado da espera (waiting).” – Pág. 46
Toda crítica pós-moderna da qual Crapanzano é adepto, auxiliando na sua formulação, nos E.U.A.
não concebe os brancos sul-africanos como objetos a serem observados e analisados pelo
antropólogo: eles são sujeitos que devem falar por si mesmos. Nesse sentido, o objetivo do autor
é semelhante ao de Price: transformar seus informantes em uma espécie de co-autores,
através da reprodução das suas vozes.
O livro constitui-se: pela citação de testemunhos, contextualizados por pequenos comentários.
Objetivo é claro: segundo o autor é “recriar alguma coisa da cacofonia da minha sul-africana
experiência”, ou seja, recriar o quotidiano dos brancos fazendo uso de uma cacofonia (cada um
por si / inarmonia) obtida pela sobreposição de depoimentos de informantes.
Na estrutura: “Waiting” pareceu um romance, essencialmente plurivocal.
Através da plurivocalidade, quer reproduzir a "qualidade barroca da vida cotidiana",
geralmente perdida nas análises sociológicas. O autor conseguiu alcançar essa justaposição de
depoimentos de informantes, na recriação do quotidiano dos brancos.
Nessa plurivocalidade há algo insuficiente: a voz do autor quase que não é ouvida.
(Crapanzano preferiu quase não falar).
Contrariamente a Price, que representou várias vozes mas guardou no texto o espaço para
a sua própria voz e interpretação.
Jameson (1985): Crapanzano queria produzir uma etnografia pós-moderna, e provavelmente ele
foi bem-sucedido. Afinal, o que mais caracteriza o pós-modernismo senão o pastiche (reprodução)
dos comentários, o jogo de imagens, o achatamento da história, a descontextualização, a
neutralidade, a textualidade?
Problema: o de reproduzir na ótica pós-modernista, falas e mais falas não permite criar uma
perspetiva na qual a relação do antropólogo com essas falas seja clara. Restando a Crapanzano
a "objetividade" traduzida em afastamento (este desaparecimento de cena não tem nenhuma
ligação com o distanciamento crítico a partir do qual se poderia elaborar uma interpretação).
Nesta situação criada por Crapanzano, questiona-se sobre o que acontece com o leitor:
Enquanto Price convida o leitor a ir e a voltar no texto, a pensar/refletir sobre as suas
responsabilidades ao ler a história dos Saramakas.
Em Crapanzano o leitor tem um papel ainda mais crucial na formação da interpretação: na
ausência de outras interpretações especificadas, fica quase exclusivamente a cargo do leitor
formular a interpretação e construir o sentido daquela experiência sul-africana.
Surge então, questionamentos: é esse afastamento da cena etnográfica o papel do autor que
uma antropologia crítica deveria procurar?
Se a presença do analista é excessiva na antropologia clássica, no caso de Crapanzano ela
parece ser claramente insuficiente.
Se num caso o antropólogo não explicita e questiona seu próprio papel e o estatuto da
interpretação que ele efetivamente faz, no outro temos a total relatividade da voz do autor, mas
ausência de análise.
É nesta recusa que queremos transformar a antropologia?
Caldeira refere: a crítica pós- moderna à antropologia terá sentido se, ao questionar a autoridade
monológica do antropólogo, ao quebrar a sua condição de única voz ou voz totalmente
dominante, criar condições para que sua presença se transforme em uma outra coisa, mas sem
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desaparecer. Essa outra coisa é, na opinião da autora é: uma presença crítica, que considere a
sua relatividade, a sua existência entre outras, mas, também o jogo de forças em que a pesquisa
antropológica se realiza, para fornecer uma interpretação que se define em termos críticos e
políticos.
Michael Taussig: a sua opinião vai de encontro à Teresa Caldeira: nega a possibilidade de
dizer o que os outros são.
Adota um posicionamento que marca uma conceção totalmente diferente não só do papel
do autor, mas da antropologia (deixa de ser a representação do outro e a preocupação não se
foca mais com o aprimorar desta representação). Ver Pág. 49
O antropólogo não deve anular a sua voz nos seus trabalhos, mas encontrar uma forma de
ela aparecer, porém, sem ser uma fala dominante ou única
Deveria estar presente de modo a que pudesse fazer uma interpretação em termos críticos e
políticos.
O objetivo do trabalho está presente na Explicação e na Interpretação. - Ver pág. 49
“Não pode existir outra maneira, porque o antropólogo nunca é confrontado diretamente pelo
Outro, mas pelo contato do eu com o Outro. Isso significa que o texto antropológico é na sua
essência um texto mediando diferença — as sombras na página em branco formadas pelo
Outro a partir do modo como é iluminado pela luz ocidental (profissional de classe média).”
Taussig – livro “Shamanism Colonialism and The Wild Man”
A questão do diálogo do trabalho de campo e da sua representação não se coloca.
O diálogo que interessa é aquele elaborado internamente pelo antropólogo e que marca o
seu processo de conhecimento e de crítica.
O autor não vai para segundo plano, não dispersa a sua autoria, não a compartilha com
outros: o autor vai para o centro da cena e domina a produção de enunciados.
Mas não há enganos: não há nada aqui semelhante ao autor que ocupa o centro da cena
para revelar o que os outros são. O autor reporta somente sobre o reflexo dos outros no
antropólogo e em seu processo de crítica à sua própria sociedade.
Interessado em fazer uma crítica cultural, e uma crítica da sua sociedade, Taussig impõe ao
autor a responsabilidade de assumir uma posição política explícita, que deve deixar claro como o
tema que está tratando fala à sua própria sociedade.
A crítica de Taussig, que difere da crítica marxista, apesar de igual modo, querer chegar a novos
significados, só quer sugerir e provocar. Assim, pretende provocar reações, porque não tem uma
resposta definitiva, uma explicação sistemática sobre os significados da experiência do outro.
A sua interpretação e respetivo texto são, assim, construídos de formas radicalmente diferentes.
Objetivos da obra: Shamanism, Colonialism and the Wild Man
Concebido para ser um experimento formal e um contradiscurso em dois níveis:
O contradiscurso à antropologia e à maneira acadêmica ocidental de pensar e escrever.
O contradiscurso à violência e ao terror.
Nesse sentido, o contradiscurso não é apenas o objeto de análise, mas é a análise mesma, ou o
resultado almejado da análise. Assim, é extremamente interessante contrapô-lo a Waiting.
Taussig, como Crapanzano analisa um tema do qual ética e política se distanciam (a
violência e o terror). Só que sua análise e seu texto são construídos para produzir um
distanciamento crítico em relação a ao referido tema. No seu caso, não existe "objetividade"
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possível, se por ela for entendida uma atitude de pretensa neutralidade em relação aos discursos
em que o tema se circunscreve.
O seu livro é construído como um ensaio modernista (não pós- modernista), que deve
provocar distanciamento e estranhamente em relação ao seu objeto (o terror) e, através
disso, criar uma visão crítica de procedimentos "naturais" em sociedades ocidentais.
As ideias de Taussig sobre a produção de distanciamento e de choque são tiradas das
teorias de Walter Benjamin e Bertold Brecht.
A composição do livro:
A técnica textual básica usada no livro é a montagem.
Não existe um objeto único a ser representado.
Texto aberto: o que existe são vários discursos diferentes justapostos lado a lado, um
aludindo ao outro e ao terror, mas as possíveis associações e ligações entre eles não são
expressas; no máximo, são sugeridas.
As classificações de modernista e pós-modernista no caso de Taussig são ambíguas. Seu texto é
modernista, mas a conceção de seu livro pode ser considerada pós-moderna, por representar
uma crítica à etnografia clássica feita em diálogo com a crítica americana contemporânea.
Marcus resumiu algumas características do ensaio modernista que servem para descrever
o texto de Taussig: Ver Pág. 50
“Em vez de tentar representar o sistema de eventos principais através do cômputo ordenado
desses eventos, para o que o realismo é parcial, o ensaio moderno permite, ou melhor
sanciona, o supremo subterfúgio (hedge) — ele legitima a fragmentação, limites toscos,
e o objetivo consciente de atingir um efeito que perturbe o leitor. [...] a etnografia
enquanto ensaio modernista rompe profundamente o compromisso com o holismo que
está na base da maioria das etnografias realistas e que vem se tornando
crescentemente problemático. ...Ela não promete que os seus objetos fazem parte de uma
ordem maior. Ao contrário, pela abertura de sua forma, ela evoca um mundo mais amplo de
ordem incerta — essa é a postura que o ensaio modernista cultiva ao extremo.” (Marcus
1986:191-2)
No seu texto Taussig:
Elabora relatórios coloniais sobre o terror durante o período do “boom” da borracha na
Amazônia colombiana.
Considera que a racionalização não se vincula apenas a preocupações com representação
textual em antropologia.
O autor está interessado em encontrar um efetivo contradiscurso ao terror na Colômbia e
em qualquer outro lugar.
“Mas oferecer as explicações racionais padronizadas sobre a tortura em geral ou sobre essa
ou aquela situação específica é igualmente sem sentido. Porque atrás do interesse
consciente que motiva o terror e a tortura — desde as altas esferas da busca de lucro das
corporações e a necessidade de controlar a força de trabalho, até equações mais
estritamente pessoais de interesse — existem formações culturais — modos de sentir —
intrincadamente construídas, duradouras, inconscientes, cuja rede social de convenções
tácitas e imaginárias repousa num mundo simbólico e não naquela débil ficção "pré-
kantiana" representada pelo racionalismo ou pelo racionalismo utilitário. Talvez não haja
explicação, palavras disponíveis, e disso nós temos estado inconfortavelmente conscientes.
A compreensão aqui se move muito rápido ou muito devagar, absorvendo a si mesma na
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faticidade dos mais brutos dos fatos, tais como os eletrodos e o corpo mutilado, ou na
incerteza enlouquecedora daquele menos fictício dos fatos, a experiência de ser torturado.”
(1987:9)
Em suma: esta política é mais complicada. Pois não é só uma questão de quebrar com o
realismo e desconstruir modos tradicionais de autoridade.
É uma questão de lidar com aquilo que talvez não tenha explicação, com um conjunto de
discursos e práticas que não podem ser apreendidos (para não falar em compreendidos)
racionalmente.
Essas são boas razões para que Taussig não tente explicar e construa seu texto de uma
maneira que não classifica, não estabelece causalidades, não indica razões, mas apenas sugere
possíveis conexões de sentido.
O estilo do livro:
Como em Price, o estilo é ditado pelo objeto de análise e pela forma política de concebê-la.
Em todo o livro, Taussig associa os mais variados temas de uma maneira não- realista.
O texto é basicamente literário, e a intenção é a de colocá-lo a serviço de uma conceção
epistemológica resumida em uma frase: "penetrar o véu mantendo sua qualidade
alucinatória".
O livro de Taussig é, sob muitos aspetos, uma imagem especular do seu objeto.
«Logo no começo ele afirma que se vale da montagem, e acrescenta que esse é um
princípio que ele aprendeu com o modernismo, mas também com o terror e com "o
xamanismo Putumaio e o seu uso sagaz, embora inconsciente, da mágica da história e seu
poder de curar"» (1987: XIX).
Teresa Caldeira: não interessa apenas ver até que ponto Taussig terá sido bem-sucedido na
tentativa de construir um contradiscurso, mas sim reter a sua intenção de construir esse
contradiscurso. Pois é ela que nos fala sobre o papel do autor na antropologia contemporânea.
É esta intenção de construir esse contradiscurso que nos fala sobre o papel do autor na
antropologia contemporânea: Dispersão ou Responsabilidade.
DISPERSÃO OU RESPONSABILIDADE:
Acredita que:
É possível conhecer e interpretar outras culturas e produzir inscrições.
Que as condições em que isso ocorre mudaram, inclusive por influência da crítica pós-
modema.
Para ele, essa crítica leva, na perspetiva do autor, a uma posição oposta àquela assumida por
muitos pós-modernos (seguramente não por Rabinow e por Taussig).
Ao contrário de dispersão da autoridade e da autoria, sugere a necessidade de o autor
assumir maior responsabilidade por seu texto e pelas interpretações que produz.
Geertz não leva às últimas consequências a discussão do aumento da responsabilidade do
autor, pois, continua a ignorar a problemática indicada por Rabinow (1986):
O fato das interpretações se formularem num campo intelectual específico, marcado por
relações de poder, dentro das quais se definem as condições para a construção de enunciados de
verdade.
Além disso, a caracterização que faz sobre a nova responsabilidade do autor, põe de parte
considerações sobre o posicionamento político do autor e sobre a sua possibilidade de formular
crítica cultural.
Ele não considera, por exemplo, como parte do "burden of authorship" (ônus da autoria) o
fato de o autor definir como ele quer que a sua voz seja ouvida politicamente (Taussig está fora de
sua bibliografia).
Na descrição que Geertz antevê para o papel da antropologia no mundo moderno fica claro o
abandono dessas questões: as interpretações antropológicas marcadas por relações de
poder / põe de parte a posição do autor em relação às críticas culturais e políticas / põe de
parte o ônus da autoria e como o autor define como colocar a sua voz.
Considera no futuro que a antropologia poderia ser usada para "permitir conversas através
de linhas societais (de etnicidade, classe, gênero, linguagem, raça), de forma progressiva se
tornaram cambiantes/ passam por mudanças, mais imediatas e mais irregulares”.
A antropologia deveria permitir discursos e conversas entre pessoas que se diferenciam
entre si pelos mais diferentes critérios, mas que compartilham o mesmo mundo e estão sempre e
necessariamente em contato. – Pág. 54
Questão: Será que a sua proposta para a antropologia e seus autores é tão diferente da proposta
pela antropologia clássica, que via o antropólogo como mediador, escritor e tradutor, só que agora
transpondo esses papéis para o mundo moderno?
Teresa Caldeira refere: Não haver muita diferença. Considera que essa visão peca por
ingenuidade política.
21
Como é possível promover conversas entre pessoas que se separam por diferentes linhas
societais no mundo moderno sem pensar no caráter político dessas divisões?
Donde vem a neutralidade possível para mediar as diferenças que são sociais e políticas?
Pelo menos desde a II Guerra mundial, a questão da diferença cultural é claramente uma
questão política: como é possível mediá-las a não ser a partir de uma posição específica,
que só pode ser uma perspetiva política?
Se Geertz soube reconhecer as responsabilidades do autor contemporâneo de textos
antropológicos, ele, como muitos dos críticos pós-modernos:
Foi incapaz de enquadrar a antropologia numa perspetiva mais política, e de pensá-la na
ótica da produção de uma crítica cultural, uma perspetiva que parece insistir em continuar como a
promessa nunca realizada da antropologia feita nos países do Primeiro Mundo.
TEXTO 3: Silvano, Filomena, 2002, “José e Jacinta, nem sempre vivem nos mesmos lugares:
reflexões em torno de uma experiência de etnografia multi-situada.”
Para compreender a abordagem multi-situada.
22
1. OS LUGARES DA CULTURA
Contexto de produção intelectual: pensou a cultura através de uma relação indissociável com
o espaço, a viagem passa a ser uma prática obrigatória para quem queria observar outras
culturas.
Na antropologia clássica: o etnógrafo é concebido pela antropologia como um viajante
que, para conhecer outros povos e respetivas culturas, desenvolve a sua experiência em lugares
geográfica e culturalmente distantes.
Nesta perspetiva a figura do etnógrafo deve a sua existência ao nativo localizado em
determinado local e a quem está intimamente associado. Os nativos eram estudados como
circunscritos nesse espaço.
Appadurai (1988a,1988b): refere-se à figura do nativo localizado, como “encarcerado”.
A associação entre nativo e lugar: foi crucial para a organização da prática e pensamento
antropológico, mas conduziu a uma discutível representação da figura do nativo. Assim, ao
associar-se os nativos com o estudo da antropologia surge uma definição de nativo, ou
representação deste, como alguém confinado e preso num dado espaço.
Surge uma questão pertinente: o de saber porque é que há pessoas que são vistas como
confinadas a/e aos seus lugares de vivência?
“O que isso significa não é apenas que os nativos são pessoas que são de certos lugares e
que pertencem a esses lugares, mas também que eles são aqueles que estão de algum
modo encarcerados, ou confinados, nos seus lugares. O que precisamos de examinar é
essa atribuição, ou suposição, de encarceramento, aprisionamento ou confinamento.
Porque é que há pessoas que são vistas como confinadas a, e pelos, seus lugares?”
(Appadurai 1988b:37). – Pág. 57
Este “encarceramento” determinou uma conceção específica das dimensões morais e
intelectuais dos nativos.
Appadurai: a antropologia considera os nativos como seres confinados pelo que sabem,
sentem, pensam e acreditam isto é, como prisioneiros dentro da sociedade onde vivem.
Contrariamente aos nativos, o antropólogo/etnólogo (tal como o explorador, o
administrador ou o missionário) são vistos como figuras dotadas de mobilidade, ou seja,
movimentam-se no espaço e não ficam restringidos a um lugar / a um saber/ a uma cultura.
“Deste modo, a etnografia reflete o encontro circunstancial entre a deslocação voluntária do
antropólogo e o "outro" involuntariamente localizado.” (Appadurai 1988 a:16).
Isto é, a etnografia vai estudar a relação entre o antropólogo e os que se encontram
restringidos a um determinado espaço/ cultura.
Implicações cívicas: Há uma dissonância entre as elites ocidentais, considerados como
viajantes, e as outras pessoas que viajam concebidos como imigrantes (nessa qualidade, são
sempre associados a uma cultura de origem, pertencentes a lugares diferentes do lugar onde
residem).
23
Desenvolve-se com Malinowski, a observação participante na pesquisa de campo. Neste
contexto de produção concetual do objeto da antropologia, esta surge como uma técnica
apropriada: o antropólogo passa a residir no local do povo/sociedade a estudar, embrenhando-se
na cultura do nativo, no seu quotidiano, na partilha de experiências, feito através do
relacionamento direto com as pessoas que habitam esse lugar e que representam somente essa
cultura.
O termo lugar passa a estar associado a uma construção conceptual, associada à prática
da investigação.
James Clifford (1997): comenta, que a situação atual está rodeada por interrogações:
*** O que é que permanece das práticas antropológicas clássicas nestas novas situações?
*** Como é que, na antropologia contemporânea, as noções de viagem, de fronteira, de co-
residência, de interação, de interior e de exterior, que têm definido o campo e o próprio trabalho
de campo, têm sido desafiadas e retrabalhadas?
Com o surgir de algumas propostas etnográficas de um novo tipo, verificam-se alterações
focalizadas na forma de elaborar a prática dos dois personagens centrais do trabalho etnográfico:
o etnógrafo e do informante.
Do etnógrafo: que passa a não poder centrar a sua observação num só lugar.
Do "informante": que passa a não poder ser observado enquanto pessoa restrita a um lugar.
24
Possibilidade metodológica: o reaparecimento da figura do antropólogo viajante (que agora
viaja para acompanhar os “informantes” viajantes).
Marcus (1995):
Propõe “seguir as pessoas” é talvez a forma mais óbvia de materializar uma etnografia
multisituada, tanto mais que se filia na tradição etnográfica inaugurada por Malinowski quando, em
“Os Argonautas do Pacífico Ocidental”, segue os movimentos dos objetos, e das pessoas, nos
percursos do Kula.
A técnica da observação participante mantem-se, na medida em que, o etnógrafo continua a
manter relações duradouras com os “informantes”, porém, a noção do espaço altera-se, dado que
os informantes são observados numa situação de mobilidade espacial (tendo a haver com as idas
e vindas).
Deixa de fazer sentido a oposição simples entre o “aqui” da cultura em estudo e o
“além” dos outros.
*** A viagem surge como um atributo de todas as pessoas envolvidas, logo, a relação com o
espaço vai depender de múltiplos pontos de vista, resultantes de diferentes formas de
aproximação e afastamento dos lugares. Atualmente, todos os lugares encontram-se
diretamente ligados com o exterior, logo, a produção de cultura implica sempre a relação
com outros lugares.
*** Dentro desta realidade, a conceção do espaço assenta nesta interação, recorrendo a noções
que integrem múltiplos lugares (Ex: o caso da noção de rede ou da noção de sistema de lugares),
mas a questão do lugar não deixa no entanto de se colocar. Pelo contrário, a sociedade
contemporânea parece ter desenvolvido e sofisticado os mecanismos da sua produção.
(Augé, 1992): “A organização do espaço e a constituição de lugares são, no interior de um
mesmo grupo social, um dos enjeux e uma das modalidades das práticas coletivas e
individuais. As coletividades (ou aqueles que as dirigem), tal como os indivíduos que a elas
se ligam, têm necessidade de pensar simultaneamente a identidade e a relação, e, para o
fazer, de simbolizar os componentes da identidade partilhada (pelo conjunto do grupo), da
identidade particular (de tal grupo ou de tal indivíduo em relação aos outros) e da identidade
singular (do indivíduo ou do grupo de indivíduos enquanto não semelhantes a nenhum
outro). O tratamento do espaço é um dos meios desse empreendimento (...). – Pág. 61
A figura cultural do "nativo", associado a uma determinada zona não desaparece no tempo, fica
ligada a uma construção cultural e a uma figura de “lugar”, embora se possa aplicar também a
quem pratique mobilidade. Não se trata de substituir a figura do "nativo" pela do "viajante"
intercultural, mas de estudar as múltiplas articulações que se estabelecem entre elas (relações
multidisciplinares entre ambos), bem como, os contextos em que essas articulações se
desenvolvem.
É necessário continuar a estudar o lugar, mas sem fazer a economia das suas interações
com as outras escalas de relevância espacial.
25
Culminam na constante construção de trabalho etnográfico dos efeitos da mobilidade, quer do
ponto de vista das práticas e das representações do observador, como da ótica das
representações das pessoas observadas.
26
Diário de campo: as notas incluem os momentos de visionamento dos filmes em conjunto com a
família, cruzam descrições com apontamentos interpretativos e integram já referências teóricas e
concetuais. As imagens filmadas reproduzem, através de um enquadramento muito preciso, que é
o do olhar do cineasta, as situações vividas.
O texto da resulta da sua relação com esses dois tipos de materiais etnográficos, que concebe
como materializações da sua memória do terreno. De forma a poder elaborar um texto que se
adaptasse ao espaço de uma revista, a autora fixou-se em alguns momentos das filmagens
relativas ao 1.º documentário.
3. “RESIDINDO-VIAJANDO” E “VIAJANDO-RESIDINDO”
José e Jacinta passam a semana em Paris num apartamento de porteira.
Os dois filhos (Johnny e Léa) dormiam no apartamento, com o casal, mas o filho adolescente,
passou a dormir num quarto cedido pelo condomínio do prédio e só Léa ficou a dormir em
casa. Jacinta é porteira do prédio onde vive, passando aí a maior parte do seu tempo. José é
proprietário de uma oficina de sapateiro, o qual é a sua profissão. Dada a proximidade do
trabalho, em a casa almoçar e depois volta para lá até ao fim da tarde. Os filhos, quando não
estão na escola, estão em casa com a mãe.
Ao fim de semana vão para a moradia que têm na periferia de Paris, perto da casa dos pais de
José. Aí têm espaço para tudo: quarto para as crianças, sala de jantar para receber
convidados, jardim para cultivar flores e legumes, sítio para fazer grelhados e garagem para o
carro. Ao vão à missa à igreja da paróquia de St. Josephe em Paris, que fica perto do
apartamento, e retornam à moradia. À noite voltam de metro para Paris e deixam o carro na
garagem da casa da campanha.
Quando chegam as férias de Verão, os filhos partem para Portugal numa carrinha com outros
portugueses e passam um mês em casa dos avós maternos. Os pais chegam mais tarde e
durante a estada deles a família vai andando entre Argozelo e Espadanedo, as aldeias dos
avós.
Há várias situações de práticas espaciais da família Fundo que correspondem à
descrição que ficou feita: conjugam situações muito diversas, facto que torna a família
culturalmente interessante.
As três gerações vivem entre Paris e Trás-os-Montes, mas fazem-no de uma forma diferente.
Os pais de José foram emigrantes de 1.ª geração e construíram em Trás-os-Montes a primeira
"casa de emigrante" da aldeia de Argozelo, sua terra natal. Hoje estão reformados e vivem nos
arredores de Paris, numa moradia unifamiliar, mas no Verão todos os anos regressam à aldeia
de onde são originários.
José e a mulher vivem em Paris, numa zona relativamente central, num apartamento de
porteira e são proprietários de uma moradia unifamiliar na periferia.
Os pais de Jacinta vivem em Trás-os-Montes (Espadanedo) numa casa que pertence à família
há várias gerações e que, apesar de modernizada, mantém a estrutura tradicional. O pai
emigrou algum tempo, mas a mãe não saiu da aldeia. As terras que possuem deram- lhes um
rendimento suficiente para sustentar a casa, mas os filhos já optaram, uns de forma definitiva,
outros provisoriamente, pela emigração.
Nesta conjuntura, onde as práticas espaciais da família se desenvolvem entre dois países
(entre uma cidade e duas aldeias), situadas em países diferentes, não é possível estabelecer
uma relação estável entre cultura e espaço. A família apresenta condições para tentar
responder à proposta de trabalho formulada por Clifford.
James Clifford (1997): formula uma proposta.
27
“(...) aquilo que está em causa é uma abordagem comparativa por parte dos estudos culturais
de histórias, táticas e práticas quotidianas específicas de residir e viajar: viajando-residindo,
residindo-viajando. (Supra: 36)
Pág. 36: “Muito estaria sendo perdido ou sendo substancialmente modificado na transformação
que ocorre entre a pesquisa de campo e o texto. O que era uma experiência de campo
fragmentada e diversa acaba sendo retratado como um todo coerente e integrado. O que era um
processo de comunicação, de troca, de negociação entre o antropólogo e seus informantes vira
algo autônomo (diários de campo, gráficos de parentesco, mitos etc.). O que era um diálogo, vira
um monólogo encenado pelo etnógrafo, voz única que subsume todas as outras e sua diversidade
à sua própria elaboração. O que era interação vira descrição, como se as culturas fossem algo
pronto para ser observado e descrito (e por isso nos textos as imagens são sobretudo visuais, em
detrimento de imagens que enfatizem a fala ou a audição (Fabian 1983)). Apagam se as relações
inter-pessoais e generaliza-se o nativo”. Para usar uma expressão de Clifford (1983), o que era
discursivo vira puramente textual.
Hall (1996:4): “Ainda que pareça invocarem uma origem a partir de um passado histórico com o
qual continuam em correspondência, as identidades, de facto, referem-se a questões de como
usar os recursos da história, da linguagem e da cultura no processo de nos tornarmos em
vez de sermos: não é tanto o «quem somos nós» ou «de onde viemos», como aquilo em que
nos podemos tornar, como é que temos sido representados e como é que isso tem algo a
ver com o como é que nos poderemos representar a nós próprios.”
Este estudo permitiu à autora, percecionar que a emigração colocou os vários elementos da
família em situações diversas e que a construção das identidades pessoais ocorre no
interior de negociações internas que implicam a manipulação de discursos, imagens,
valores e capitais diferentes. A viagem cultural a que todos foram sujeitos não foi vivida da
mesma forma, tornando-se claro, talvez porque a observação centrou-se na família nuclear,
que as opções são marcadas pela clivagem de género.
A autora refere que irá traduzir algumas das componentes dos discursos e das emoções, e,
descrever algumas das práticas quotidianas, de José e Jacinta (família nuclear onde se centrou o
estudo), sendo importantes enquanto manifestações individuais e subjetivas, das negociações
mais gerais que se desenvolvem no interior de um campo social preciso: o da emigração de
portugueses de origem rural para países centrais europeus.
Precisamente porque as identidades são construídas dentro do discurso, e não fora, é preciso
compreende-las como sendo produzidas em lugares históricos e institucionais específicos, no seio
de formações discursivas e práticas específicas, através de estratégias próprias. Estas emergem
no interior de dispositivos de poder, passando a ser mais o produto da marcação da diferença
e da exclusão do que o sinal de uma unidade idêntica e naturalmente constituída (uma
28
«identidade» no seu sentido tradicional), ou seja, uma constante que a todos inclui, lisa, sem
diferenciação interna. (Supra: 4).
Pág. 60: (…) é necessário encontrar respostas adaptadas às transformações do espaço, e é
preciso fazê-lo não só ao nível da observação etnográfica como também da abordagem
conceptual.
O facto de a viagem surgir como um atributo de todas as pessoas envolvidas faz com que a
relação com o espaço passe a depender de múltiplos pontos de vista, resultantes de diferentes
formas de aproximação e afastamento dos lugares.
É evidente que hoje todos os lugares se encontram em relação direta ou mediatizada com o
exterior, e que, por isso, a produção de cultura implica sempre a relação com outros lugares.
Para dar conta dessa realidade, a conceção do espaço tem de se socorrer de noções que
integrem múltiplos lugares - como é o caso da noção de rede ou da noção de sistema de lugares
(Rodman 1992), mas a questão do lugar não deixa no entanto de se colocar. Pelo contrário, a
sociedade contemporânea parece ter desenvolvido e sofisticado os mecanismos da sua
produção.
29
AUTO-REFLEXÃO:
Esta diversidade das posturas face à câmara, e a importância etnográfica dessa observação,
coloca algumas questões relacionadas com o facto de um filme documental se rodar no interior de
processos de comunicação intersubjetiva (Crawford 1995).
O facto de a vida quotidiana de uma pessoa ser registada por uma câmara manipulada por outro,
coloca-a numa situação de auto-reflexão:
1. A aceitação de fazer um filme passa por uma reflexão prévia que implica a definição das
suas próprias motivações.
2. A presença da câmara significa a presença de pessoas com valores culturais diferentes e
consequentemente implica a interação com esses mesmos valores.
3. O fato da câmara registar o quotidiano das pessoas coloca-as numa posição de
exterioridade face a si próprias, uma vez que as leva a ter consciência de que estão a transformar-
se numa imagem que vai ser vista e interpretada por outros.
Durante o processo descrito:
José manteve uma posição firme que se identificava com o motivo pelo qual queria
participar no filme, assumindo-se como uma voz "pública" (uma voz dirigida ao exterior), de quem
se identifica com o papel que está a representar.
Ao contrário, Jacinta nunca revelou a razão por que participou no filme. No entanto, a
rodagem permitiu verificar que as suas motivações não eram as mesmas de José. Para ela não se
tratou de se representar e apresentar enquanto membro de uma família de emigrante, cuja
palavra “emigrante” raramente surge no seu discurso e, quando aparece, não é para ser utilizada
como uma forma de classificação aplicável a si própria, mas antes como pessoa que vive de
forma única o seu percurso de vida.
Pág. 68:
(Giddens1994): “A sua postura esteve sempre mais próxima de alguém cuja identidade está
marcada pela construção do “self” e que, por esse motivo, se sente desconfortável quando a
colocam no interior de uma categoria identificadora de um grupo”.
Independentemente, das diferentes posturas face à câmara que ambos revelaram, Jacinta
tal como José, “manipulou”, desde as 1.ªs filmagens, a sua ação perante as camaras. Dentro de
um universo social que tem pouco espaço para o seu discurso, aproveitou o contexto para se
fazer ouvir, consciente de que este era um importante instrumento para verbalizar as suas
palavras, produzindo uma perspetiva subjetiva na sua narrativa.
Os membros da equipa de filmagens transformam-se num contexto de negociação de uma
identidade pessoal que procura fazer a articulação entre os valores do mundo rural português e os
da classe média urbana francesa, em interlocutores privilegiados. Jacinta foi filmada com uma voz
envolta num universo privado (muito mais hesitante do que a de José, sem poder de construção e
fixação da "verdade".
A voz do marido pretende revela um personagem marcado pela curiosidade e pelo
desconhecido, pela abertura à diversidade cultural e pela disponibilidade para colocar a
experiência das filmagens no interior de um processo reflexivo de constante recriação da
identidade pessoal.
DIÁSPORA: significa o espalhamento dos povos, que saem de sua terra de origem para
concretizar a vida em outros países ou em outros continentes.
Seja de forma forçosa ou por opção própria, os povos que abandonam a sua casa jamais se
desapegam das origens, e mantém através da tradição a cultura na qual nasceram. Isso se
dá pela manutenção da língua, da religião, modo de pensar e agir.
José passa a maior parte do seu dia a trabalhar na oficina de sapateiro de que é proprietário.
É conhecido no bairro pelas suas qualidades profissionais e pela sua simpatia, e por isso possui
uma sólida carteira de clientes.
Pertence a uma 2.ª geração de emigrantes que estudou em França e conseguiu integrar-se,
contribui para a economia do país de acolhimento. A sua integração e êxito profissional são
reconhecidas quer pelos franceses, quer pelos emigrantes do bairro, o que o coloca numa posição
privilegiada para assumir o duplo papel do imigrante/emigrante ideal.
As identidades quer profissional, quer social de José, estão assentes no facto de ter
assimilado com êxito os valores da sociedade francesa, que se apresenta como a sua
comunidade de referência. Ao investir na escolarização dos filhos, que acompanha com interesse,
revela um projeto de educação que se pauta pelos mesmos objetivos de integração económica e
social que orientaram a sua própria vida.
José assimilou com sucesso os valores da sociedade francesa, sendo a sua comunidade de
referência educou os filhos de acordo com a mesma.
Apesar disso, a comunidade de origem (constituída pelos parentes em 1.º grau, depois pelos
considerados próximos, que abrange outros familiares ou vizinhos em Trás-os-Montes e, por fim,
por todos os emigrantes portugueses em França) para José surge como o único espaço social
possível para um emigrante desenvolver as suas relações interpessoais. À exceção de um amigo
argelino, proprietário de uma loja perto da sua oficina, não lhe conhecemos qualquer relação
exterior ao trabalho que não se situasse no espaço social referido.
Esse universo cultural contém todas as orientações necessárias à construção de um estilo
de vida, porque é nele que se encontram as pessoas que servem de modelos, interlocutores e
avaliadores.
Exemplo: Um pequeno episódio que se passou com a autora e restantes elementos, durante a
viagem de Paris para Lisboa, em que quase não se parou e em geral, viajam a 170 Km por hora.
A certa altura, preocupados com o fato de estarem a pôr as vidas em risco, questionam:
Porque é que não páram? Isto assim é perigoso.
José teve dificuldade em justificar racionalmente um comportamento imprudente e refugiou-se
no interior da única comunidade que reconhece enquanto avaliadora dos seus comportamentos.
Respondeu: Porque é assim a vida do emigrante. É uma vida de sacrifício. E como a resposta era
pouco convincente, ainda acrescentou: Até os árabes fazem assim. Vão até Marrocos sem dormir.
A comunidade de referência pode por isso, em casos de extrema necessidade, incluir
emigrantes do Norte de África.
31
O mesmo exemplo pode ilustrar a diversidade das posturas dos dois membros do casal.
Enquanto José e a mãe fizeram sempre questão de não parar durante a viagem, Jacinta mostrou-
se incomodada com aquilo que sabia ser, aos nossos olhos, um comportamento civicamente
condenável. Por isso aproveitou a nossa presença para tentar argumentar contra as opções do
marido e da sogra, dizendo que ela não gostava de viajar assim, que era perigoso e enervante e
que era por isso que muitos emigrantes nunca chegavam a chegar à terra.
Parece que resultou um pouco, no ano seguinte ao irem ao seu encontro, referiram ter
parado mais vezes. Jacinta referiu ainda que seguiriam o ritmo da equipa, o que lhe permitia ver
tudo…, isto, traduz a sua forma de fazer a “viagem cultural” a que a emigração a sujeitou.
Voltando ao quotidiano parisiense da família:
Os tempos de lazer resumem-se, ao convívio com os pais e irmãos de José durante os fins-
de -semana, uma ou outra visita a familiares na periferia e à participação nas cerimónias
religiosas.
Em Paris, a vida pública da família desenvolve-se em torno da Igreja. Todos os domingos
vão à Paróquia se St. Josephe, com a comunidade portuguesa do bairro presente, José
acompanhado da sua família, apresenta uma postura pública compenetrada e convicta. As 1.ªas
imagens de “Esta é a minha casa”, filmadas durante uma missa em 1997, ilustram essa postura,
embora apontem para algum nervosismo face ao contexto onde se encontram: na presença do
padre e da comunidade portuguesa do bairro, José e Jacinta assumiam naquele domingo o papel
de atores principais de um filme sobre emigrantes (apresentam-se publicamente como os
representantes da comunidade).
A possibilidade de assumir essa postura reflete a posição de prestígio que conseguiram
construir no interior da comunidade manifesta nos comentários da professora de português, uma
figura detentora de alguma autoridade no meio, considerando que escolha recaiu sobre uma
família exemplar: gente honesta e de trabalho. Muito bem escolhida.
Não tendo identidade profissional, como o marido, que lhe atribua um lugar no exterior das teias
de relacionamento privado, dando assim forma a uma vida pública mais marcada por padrões
urbanos, Jacinta como porteira do prédio onde a família vive e empregada na casa de uma
médica francesa que lhe permite observar os modelos culturais da sociedade parisiense,
colocando-a no interior da vida doméstica da classe média francesa e apreender outros estilos de
vida, baseados noutros valores e noutras práticas sociais.
A tentativa de reproduzir alguns desses valores e algumas dessas práticas está sujeita a
constantes negociações, que colocam em confronto os diferentes projetos de vida dos membros
da família.
Para José, não parece ser muito importante ter uma casa que permita reproduzir o modelo
de vida urbano francês. Privilegia a proximidade do trabalho e a manutenção dos laços familiares.
Viver num pequeno apartamento em Paris e passar os fins -de - semana numa pequena moradia
ao pé dos pais parece-lhe um modelo de vida aceitável, correspondendo à situação de muitos
emigrantes, que prescindem do conforto quotidiano para poderem ter uma residência secundária
na periferia.
33
representação como uma sala de jantar com dimensões razoáveis seria, nesse quadro,
indispensável.
Giddens (1995): “O estilo de vida que enquadra o seu desejo - baseado numa conceção
moderna das relações matrimoniais, em que a ligação emocional entre o homem e a mulher se
desenvolve num quadro íntimo.”
José sabe que o estilo de vida que Jacinta deseja poria em causa a sua conceção de família
e, por isso, resiste, na medida em que o seu poder lhe permite fazê-lo. Vai resistindo e mantem-na
aprisionada à vida e rotinas já estabelecidas.
Essa resistência passa, em termos espaciais, pela fixação simbólica e material no lugar
de origem, na aldeia e na casa dos pais em Trás-os-Montes, pela subvalorização do quotidiano
parisiense. Numa filmagem na casa dos sogros, Jacinta aparece no quarto do casal, sentada
numa cama, ao lado de um enorme caixote de papel. Vai mostrando o seu conteúdo – um serviço
de mesa Vista Alegre, presente de casamento - e vai dizendo que o marido não quer que se tirem
dali aqueles objetos, nem para os usar, nem para os levar para casa da mãe dela nem para os
levar para Paris. O que demonstra o tipo de resignação perante a vida que tem.
Para lá da fixação no lugar de origem, coloca-se aqui a questão da presença, no seio da
família, de formas diversas de valorizar os objetos. Tal como alguns autores defendem, no
seguimento das propostas de Appadurai (1986) e Miller (1987, 1997): o consumo de objetos
transcreve-se em formas diversas de apropriação, que correspondem a diversos estilos de
vida e que, consequentemente configuram diferentes identidades (Clarke e Miller 1999; Falk
e Campbell (orgs.) 1997; Featherstone 1991; Lury 1997).
Depois de ver as duas sequências, o modelo de fixação na terra de origem, que preside aos
comportamentos habitacionais da família de José, corresponde também a uma opção de estilo de
vida que, apesar de investir na posse de objetos domésticos de origem urbana – o que, por si só,
produz um efeito de distinção (Bourdieu 1979) face a alguns habitantes da aldeia menos dotados
economicamente - prescinde do seu valor de uso e, consequentemente, dos modelos de
sociabilidade que esses mesmos objetos convocam.
O facto de o habitus que envolve os referidos objetos não ter estado presente conduziu a essa
fratura entre objetos e práticas sociais. Quando se consegue comprar os objetos já era tarde para
os integrar nas práticas/hábitos da família e daí resultam apenas os efeitos sociais simples de
posse de objetos socialmente valorizados.
Face a essa situação, Jacinta tenta introduzir na vida do casal, quando as situações o permitem,
alguns elementos do estilo de vida que gostaria que fosse o seu. Tenta convencer José a levar o
serviço de mesa para casa da sua mãe, para o utilizar na festa da 1ª comunhão de Léa, que se
iria realizar durante essas férias de Verão. Pretendia desse modo utilizar uma circunstância que
iria convocar os valores simbólicos e as práticas sociais em que José investe, para pôr em prática
as suas próprias opções de estilo de vida.
As relações que a família estabelece com os espaços e objetos domésticos revelam assim
a presença de uma negociação entre dois estilos de vida diferenciados: enquanto o homem
preconiza a reprodução de um estilo de vida rural que acentua a relação com a terra de origem e
com a família alargada (segundo uma regra virilocal), a mulher projeta um estilo de vida que
privilegia o quotidiano citadino, a autonomia da família nuclear e as relações sociais com o
exterior.
PAUL DU GAY E STUART HALL (1997): O MODELO “DO CIRCUITO DA CULTURA ” - Pág. 75
34
Coloca as identidades numa relação constante com outras dimensões: a representação, a
regulação, o consumo e a produção.
Permite orientar para as diversas dimensões que se pode observar quando se procura ver a
vida dos informantes como manifestações individuais de processos coletivos de produção e
reprodução de cultura.
Filomena Silvano: a dinâmica identitária pode integrar outras dimensões, que conduzem à
questão da cultura, que em simultâneo, com as identidades vai sendo produzida.
Os exemplos apresentados conduz à hipótese dos mecanismos de produção de cultura,
observados em contexto de emigração, integrarem uma diferenciação de género.
No caso observado: a identidade masculina encontra-se associada à reprodução de
práticas e valores que circulam, e são regulados, no interior das teias de relações familiares e de
vizinhança que se organizam a partir dos lugares de origem.
A reprodução, numa cidade como Paris, do modelo de masculinidade que parece estar
presente (marcado pela exposição pública de uma autoridade absoluta e indiscutível sobre a
família nuclear e pela efetivação dessa autoridade em privado) só seria possível no interior de
comunidades fechadas aos efeitos do cosmopolitismo.
O investimento dos homens emigrantes portugueses nas comunidades de origem pode ser
associado à necessidade de estes defenderem os modelos com que construíram as suas
identidades masculinas e, consequente, necessidade de defenderem o tipo de poder que os
mesmos modelos lhes conferem.
Confrontados com os modelos identitários femininos urbanos, que não reconhecem o tipo de
autoridade que estão habituados a representar, temem pela estabilidade das suas identidades e
desenvolvem táticas para as manter.
A autora relata uma situação vivida antes do início das filmagens que mostra a transcrição pública
que essas táticas, que se desenrolam sobretudo na esfera privada, podem assumir.
Quando esperava na loja de José para falar um pouco sobre o projeto do filme (na presença de
alguns homens portugueses), entrou uma rapariga com uns sapatos para arranjar, dirigiu-se em
francês a José, e este, antes de iniciar um diálogo em torno do arranjo dos sapatos, disse-lhe que
ali se falava português. A rapariga não se demoveu da sua posição inicial e respondeu, em
francês, que estavam em França e que por isso a língua que se falava era o francês. Face à
firmeza da posição da rapariga, este referiu que se ela não falasse em português, não lhe
arranjaria os sapatos, pondo a tocar uma música de Roberta Miranda, afirmando como prova de
que ali era Portugal. A rapariga não cedeu. Partiu com os sapatos na mão enquanto nós, as duas
pessoas que tinham acabado de chegar e que estavam ali porque queriam fazer um filme sobre
emigrantes portugueses, ficámos a olhar, perplexos, mas convencidos da convicção com que
José vive a sua identidade de português emigrante.
A importância que a língua portuguesa: mesmo em versão brasileira (como no caso de José
com a música brasileira), assume no processo de constituição da “comunidade imaginada”,
reaparece aqui claramente (como no caso de José com a música brasileira).
Ao mesmo tempo, o episódio relatado permite introduzir uma nova problemática,
relacionada com a complexidade das implicações políticas do referido processo: a
comunidade portuguesa revela conflitos e lutas de poder quando se observa as práticas e os
discursos que integram as negociações internas que conduzem à sua construção cultural,
transcrevendo-se em tentativas de apropriação, por parte de alguns agentes, dos símbolos que
lhe estão associados, no sentido de os utilizarem num processo de resistência à modernidade.
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Quando a luta de poder se assume no interior de um confronto de géneros, como aconteceu
no caso descrito, essa estratégia parece ser sobretudo desenvolvida pelos homens. A firmeza que
a jovem mulher de origem portuguesa manifestou, face ao grupo de homens emigrantes
portugueses, ao recusar-se a partilhar a língua da comunidade, corresponde à afirmação de um
distanciamento face às opções culturais conservadoras que essa partilha pode implicar e,
em paralelo, à afirmação de uma proximidade com os valores modernos que a língua do país
onde vive pode veicular.
Um outro exemplo: relativo a uma família residente em França, mas muito ligada aos
valores tradicionais da comunidade portuguesa, permite-nos perceber como é que as táticas de
afirmação da identidade masculina atrás referidas se apoiam na transmissão, feita no interior da
sociabilidade inter-geracional, de modelos de práticas ritualizadas de exercício de poder.
O filho mais novo de um casal já reformado iniciou uma relação com uma jovem francesa.
Conforme as práticas parisienses, os 2 jovens começaram, por vezes, a dormir juntos nas casas
dos respetivos pais. Tudo parecia decorrer num relativo entendimento até que, alguns meses
depois, um conflito revelou, segundo o discurso das mulheres mais novas da comunidade, a má
influência do pai do rapaz no comportamento deste. Face à passividade que o velho emigrante via
no comportamento do filho, aquele começou a pressionar o jovem no sentido de bater na
namorada, argumentando que, se não o fizesse naquele momento, nunca mais teria mão nela.
As mulheres, sobretudo quando as vidas profissionais se desenrolam no interior das suas
vidavidas domésticas das classes médias francesas, concebem os modelos identitários
femininos urbanos como repertórios de valores e de comportamentos disponíveis para
serem utilizados nas suas próprias táticas identitárias. Obviamente os utilizam para
negociarem exercício da autoridade masculina com os homens das suas famílias. Nesse jogo
surgem situações de conflito que, como o exemplo anterior, podem conduzir a situações de rutura
e de violência.
Na zona de Paris em que decorreu o trabalho de campo, uma parte significativa das porteiras é
portuguesa. Conhecem-se umas às outras e desenvolvem entre elas mecanismos de controlo e
proteção que passam pela partilha das suas histórias de vida. Algumas dessas histórias revelam
que quase todas viveram um longo, e por vezes doloroso, mesmo violento, processo negocial com
os maridos. As mais velhas parecem, no fim de uma vida em Paris, ter chegado a situações
relativamente estáveis que, numa parte significativa dos casos, dependeu fortemente dos filhos.
Ao fomentarem a integração dos filhos (rapazes e raparigas) na sociedade francesa elas
produzem aliados que, quando adultos, se manifestam a seu favor, contrabalançando assim o
poder dos pais.
Maria Engracia Leandro: no seu estudo sobre a emigração portuguesa em Paris, refere, num
capítulo dedicado à personagem da porteira, o mesmo tipo de dinâmica inter-geracional. Depois
de apresentar alguns extratos de entrevistas ilustrativos, a autora comenta: Ver Pág. 78
“Ressalta destes comentários que o contacto com um novo meio social vai provocar uma
rutura social entre pai e filhos. Ora, a profissão de porteira conduz ao estabelecimento de
relações que têm uma grande influência no futuro das crianças. Se é verdade que o
apartamento de porteira forma uma unidade à parte e dita a conduta dos seus habitantes
- as relações com os vizinhos, com os diferentes grupos sociais - ele abre também a via
ao contacto e à observação de outros modelos de comportamento sociocultural que
podem ter efeitos sobre a ascensão social.” (Leandro 1995:90).
VIAGEM CULTURA:
Neste contexto: as vidas de José e de Jacinta podem ser vistas como 2 formas distintas, mas
entrosadas, de viver a "viagem cultural" a que ambos resolveram aventurar-se.
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Para José: essa viagem significa antes de mais a possibilidade de terminar com êxito um
processo de integração económica em França que se traduz pela efetivação de uma mobilidade
social ascendente.
(Hall 1992): Porém, esse processo de integração, que implica a construção de uma identidade
profissional que integra valores da sociedade urbana francesa, parece comportar, a outros níveis,
alguns riscos de desestabilização identitária, que José previne ao investir na construção de uma
"comunidade portuguesa imaginada", através de mecanismos de produção e partilha de
memórias do passado, perpetuação da herança e realização do desejo de estar junto.
Esta atitude, reproduzida por outros membros da comunidade emigrante, resulta na produção de
uma cultura de diáspora que se sustenta na evocação do lugar de origem.
Jacinta: como todos os emigrantes com quem mantém relações próximas, também está integrada
nesse processo coletivo de produção de cultura. Para ela a viagem comporta, mais do que para o
marido, a possibilidade de construir uma identidade pessoal com referências exteriores ao
lugar de origem.
Além de a conduzir, numa atitude de partilha com a comunidade emigrante, é-lhe permitido a
utilização de mecanismos de transformação da cultura de origem por via da sua objetivação, a
viagem, colocou-a ainda numa situação de abertura a outras culturas, o que a leva a um tipo de
ação mais marcada por mecanismos de articulação com valores exteriores.
Etnografia multi-situada:
A etnografia multi-situada: é a componente empírica do trabalho de pesquisa, que deixa o lugar
exclusivo de investigação para passar a acompanhar os sujeitos alvo de estudo. Com esta
alteração, altera-se também a conceção de espaço, visto que os sujeitos passam a ser
observados numa situação de mobilidade social, passando a existir a necessidade de alteração na
forma como se vêm os mesmos, bem como com a articulação existente entre a multiplicidade dos
espaços e das culturas percorridas por estes, existindo por consequência uma alteração na
relação tradicional do espaço com a cultura, passando de uma dimensão relativamente fixa para
uma dimensão multilocal.
Cabe ao investigador: desenvolver vários papéis ao longo do processo etnográfico, e por vezes
existe um descolamento do papel de investigador, onde este se despe desse papel institucional e
passa para uma participação dialógica.
Este pode assumir dois tipos de participação:
Como espetador da realidade social.
Na construção do texto etnográfico: não importa centrar-se no dramatismo da cultura, mas sim
na parte performativa da cultura. O filme etnográfico e o etnoteatro, possibilitam explorar e
transformar informação em experiência partilhada. A escrita performativa apodera-se da força
afetiva do evento.
Estão presentes na nossa vida social, através da cultura ou da forma como os classificamos,
uns mais importantes do que outros.
Da habituação que temos da presença destes objetos na nossa vida, acabamos por não lhe dar
a mesma importância, “relevância social e simbólica”, acabando por pensar neles de um modo
mais prático, considerando o aspeto da sua função na nossa vida (Shalins 1976), a utilidade e
as necessidades que temos deles (Dumont 1985; Shalins 2004 [1974]), ou como lhe chamou
Geertz (1989:25-40): “Conceção estratigráfica” da cultura.
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REFLEXÃO ANTROPOLÓGICA:
Exemplos:
Nem sempre os antropólogos deram especial atenção, à interpretação dos objetos materiais
nem acompanharam as mudanças nos modelos teóricos da disciplina.
TEORIAS ANTROPOLÓGICAS
Os objetos materiais: têm uma importância no entendimento de uma sociedade e da sua cultura.
Fazem parte de muitos museus, como forma de sustentar as etapas da evolução
sociocultural.
Os objetos são usados como meios de reconstituir processos históricos.
No seguimento destas visões, os museus do séc. XIX recriaram uma história da humanidade,
desde a sua origem mais remota até ao processo mais evoluído, que são consideradas as
sociedades ocidentais (chamada era dos museus).
Boas afirma “pensavam os objetos materiais e significados no contexto das sociedades, onde
foram produzidos”.
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Os objetos têm de facto funções e significados, apenas e muitas vezes no contexto onde foram
produzidos. A título de exemplo uma mulher Kachin, depois de casada, passa a usar turbante,
uma mulher ocidental quando se casa usa aliança na mão esquerda.
Assim os objetos são vistos como meios de comunicação, meios simbólicos através dos quais
se emitem informações sobre status e posição na sociedade. A chegada ao museu de objetos é
crucial para perceber a importância dos mesmos na esfera social, que os transformam em ícones
sociais.
O colecionismo: é tido como uma prática cultural presente em todas as sociedades humanas. Os
objetos materiais desempenham uma função simbólica:
São tidos vários tipos de objetos: mercadorias, dádivas e bens inalienáveis. Estão sujeitos a
deslocação, passam de mercadorias a presentes, ou vice-versa, outros há que não podem nem
ser vendidos nem alienados, por exemplo objetos de património-cultural (estes são construtores
da identidade de um povo).
TEXTO 6: Miguel Vale Almeida (1996) Corpo presente – Antropologia do corpo e da incorporação.
Texto 6: Passível de ser objetivado, o corpo, estudado outrora pela antropologia biológica,
nomeadamente a colonial, adquire novos contornos, torna-se um sujeito e plataforma de
estudo e argumentação.
Para Mauss: toda a expressão corporal era aprendida, Mauss define o corpo como ferramenta
original, a partir do qual o mundo humano é moldado.
Maru Douglas: fala no corpo físico, que é constantemente moldado ao corpo social.
Blacking: afirma que o “corpo medeia toda a reflexão e ação sobre o mundo”. Ao antropólogo
interessa saber como funciona o corpo como transmissor e recetor de informação.
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Incorporação, onde as práticas corporais mediaram a realização pessoal.
A construção do self e do outro, onde as emoções funcionam como pensamentos
encorpados nas interações.
Os corpos dóceis e resistentes, impostos no domínio da produção, troca, sexualidade e
cuidados maternos.
A doença, como uma performance cultural, que permite o exercício de alguma força a quem
está destituído de poder.
A alteridade e agência, tido como uma ciência de mediações.
A epistemologia e a política do corpo, com abordagens radicais ao conhecimento e das
práticas médicas.
A normalização e reconstrução dos corpos, mapeamento do genoma humano.
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conhecimento é o fator determinante e a produção contínua de subjetividade é a principal
atividade económica.
CIBERESPAÇO/CIBERCULTURA
O termo "Ciberespaço" pode ser definido como o locus virtual criado pela conjunção das
diferentes tecnologias de telecomunicação e telemática. O Ciberespaço, assim definido,
configura-se como um locus de extrema complexidade e difícil compreensão.
CIBERANTROPOLOGIA
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A nível dos valores que ditam o comportamento das pessoas: valores que regem o
comportamento das pessoas, por vezes, idealizações ou racionalizações.
• Software.
A Net representa uma analogia do mundo, ou seja, é um lugar onde se constrói um espaço
topográfico (interface), com lugares (sites) e os caminhos (path) que irão ser percorridos, até se
chegar ao destino.
• Uma certa continuidade espacial, que permita contactos diretos entre os seus membros;
• A participação numa obra, que sendo a realização desses objetivos é também uma força de
coesão interna da comunidade.
Conclusão
Em suma, ao criar um meio de circulação de informações, a rede possibilitou uma
multiplicidade de formas de comunicação e de criação de sociabilidades através do CMC.
Criou-se um novo espaço, virtual, a que se deu o nome de ciberespaço. Nele materializam-se
relações sociais e valores, que vulgarmente se chama de cibercultura.
A cibercultura: possibilita mudanças nas relações do homem com a tecnologia e entre si,
gerando novas formas de sociabilidade.
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Estas novas formas de sociabilidade estão condicionadas pelo aparecimento de novas
identidades sociais.
O objetivo da Ciberantropologia será o estudo das novas formas de sociabilidade que são
estabelecidas na Internet através de outros elementos de identidade que não a voz.
OUTRO RESUMO:
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Cibercultura gera mudanças nas relações do homem com a tecnologia, formando novas
formas de sociabilidade.
Ciberantropologia: visa a compreensão dos grupos que se constituem no seu interior, mais um
aspeto de outras realidades.
Espaço com áreas de privacidade, com suportes cognitivos, sociais e afetivos, transmutado
da rede tecnológica em um espaço social, onde os ciber-utilizadores reconstroem uma
identidade que lhes permite criar laços nesse contexto, suscitando novos valores, gerando novas
formas de sociabilidade, gerando novas práticas culturais.
Novo tipo de organização social, que facilita a mobilidade do conhecimento, troca de saberes,
onde identidade sofre uma expansão do eu e o corpo deixa de existir, acelerando a
disseminação do eu, no espaço e no tempo, onde se criam identidades e práticas
culturais.
“A tecnologia propõe mudanças, mas é a sociedade que vai fazer uso dessas tecnologias,
logo, não se deve ter uma expetativa demasiado elevada quanto à mudança porque a velocidade
da mudança social é substancialmente mais lenta que a mudança tecnológica.
A mudança social não acontece, constrói-se. Um novo Éthos, o Éthos da mediatização
tecnológica da comunicação instalar-se-á progressivamente envolvendo-nos de modo
silencioso, subtil, mas eficaz. É necessário estar atento para participar criticamente no
processo”.
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