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MARCOS DE ALMEIDA

A TÉCNICA DO LIVRO SEGUNDO SÃO JERÔNIMO

São Paulo
2006
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SUMÁRIO

Introdução ______________________________________________________________________ 4

1. O MATERIAL _________________________________________________________________ 6

1.1. Papiro ____________________________________________________________________________ 6


1.1.1.Charta _________________________________________________________________________________ 6
1.1.2. Scheda ________________________________________________________________________________ 7

1.2. Pergaminho _______________________________________________________________________ 7

1.3. Tabuletas de cera __________________________________________________________________ 8

1.4. Estilete ___________________________________________________________________________ 8

2. A REDAÇÃO __________________________________________________________________ 9

2.1. O ditado __________________________________________________________________________ 9


2.1.1. Dictare ________________________________________________________________________________ 9
2.1.2. As circunstâncias do ditado ________________________________________________________________ 9
2.1.3. Os inconvenientes do ditado _______________________________________________________________ 9
2.1.4. Manu própria __________________________________________________________________________ 10

2.2. O taquígrafo _____________________________________________________________________ 10


2.2.1. A rapidez _____________________________________________________________________________ 10
2.2.2. Os sinais ______________________________________________________________________________ 10
2.2.3. Excipere ______________________________________________________________________________ 11
2.2.4. As tabulates ___________________________________________________________________________ 11
2.2.5. Remuneração __________________________________________________________________________ 11

2.3. A transcrição _____________________________________________________________________ 11


2.3.2. Tarefa do copista _______________________________________________________________________ 12
2.3.3. Defeitos do copista ______________________________________________________________________ 12

2.4. A correção _______________________________________________________________________ 13

2.5. O exemplar ______________________________________________________________________ 13

3. A EDIÇÃO___________________________________________________________________ 14

3.1. A publicação _____________________________________________________________________ 14

3.2. As formas do livro _________________________________________________________________ 15

3.3. A Epistula _______________________________________________________________________ 15


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3.4. O líber __________________________________________________________________________ 16

3.5. O volumen _______________________________________________________________________ 17

3.6. O codex _________________________________________________________________________ 17

4. A DIFUSÃO _________________________________________________________________ 17

4.1. Alguns aspectos do problema _______________________________________________________ 17

4.2. Intermediários e depositários _______________________________________________________ 18

4.3. A remuneração ___________________________________________________________________ 18

4.4. A publicação à revelia do autor ______________________________________________________ 19

4.5. Informações literárias _____________________________________________________________ 19

4.6. O empréstimo de livros ____________________________________________________________ 19

4.7. Cópia particular __________________________________________________________________ 19

5. O LIVRO E OS ARQUIVOS ____________________________________________________ 19

5.1. A autenticidade dos livros __________________________________________________________ 19


5.1.1. Crítica externa _________________________________________________________________________ 20
5.1.2. Crítica interna __________________________________________________________________________ 20

5.2. Adulteração dos escritos ___________________________________________________________ 20


5.2.2. Adulterações acidentais __________________________________________________________________ 20
5.2.3. Adulterações intencionais ________________________________________________________________ 20
5.2.4. Alguns princípios para a reconstrução do texto ________________________________________________ 21

5.3. Os arquivos ______________________________________________________________________ 21

Conclusão _____________________________________________________________________ 22

Bibliografia ____________________________________________________________________ 23
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Introdução

Este trabalho é fruto do estudo do livro de Dom Paulo Evaristo Arns, que trata da produção
literária nas proximidades do século IV. Este é um rara pesquisa, cuja edição é de difícil acesso. Esta
pesquisa do autor é extremamente importante para a história da crítica literária. Jerônimo, cujo labor
árduo fez toda a diferença em sua época, é o protagonista desta obra.
Diante das inúmeras dificuldades que o próprio momento apresenta, onde a produção dos
elementos diversos eram frutos de serviços manuais, Jerônimo se destaca numa posição fundamental
para a preservação da Escritura Sagrada.
Daí o interesse em apresentar o processo de como se dava a formação do livro, desde a
matéria prima, passando pela difusão, até a busca de conservação. Então, a técnica do livro é
disciplina indispensável para a compreensão da preservação dos manuscritos, bem como de sua
fidelidade aos seus autógrafos.
O que se tem a seguir é um breve resumo desta obra, onde se destaca os pontos principais e,
principalmente, os termos da língua latina que foram matrizes para expressões usadas na atualidade.

A obra: A Técnica do Livro Segundo são Jerônimo

Dom Paulo Evaristo Arns, autor do livro, realizou um trabalho fruto de 12 anos de pesquisa.
A obra é iniciada como tese doutoral sobre Jerônimo, que tinha como objetivo saber quando ele usava
o papiro, folhas prensadas no Egito em forma de papel primitivo, e quando se servia do pergaminho,
couro curtido de boi, de modo a transformar-se em material de escrita. Também procurar saber como
é que Jerônimo ditava as suas traduções bíblicas, comentários e cartas.
No processo de estudo, Arns teve que ler dez mil colunas dos Tomos da Patrologia Latina.
Isto certamente nos mostra a seriedade e a disciplina empregadas pelo autor para que se apresente
uma obra séria, acima de dogmas, mas resultado de trabalho acadêmico.
O personagem de estudo, São Jerônimo, é o mestre que nasce por volta de 347 e morre em
419. É estudioso, profundo conhecedor das línguas originais da Bíblia.
Arns tem a motivação de trazer à luz o que passa despercebido aos olhos da maior parte dos
homens que lêem o Doutor Jerônimo.
Com relação à estrutura, o livro é composto de cinco partes:
1. Material: Papiro, pergaminho, tabuleta e estilete.
2. Redação: Ditado, transcrição e acabamento.
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3. Edição: O que consiste a publicação, algumas formas do livro com suas subdivisões.
4. Difusão: O esforço para garantir uma sorte à obra literária.
5. Livro e os arquivos: Os lugares onde são conservados os manuscritos modificados
pelas reproduções sucessivas.
É importante destacar que Jerônimo é um dos autores mais atentos aos detalhes em relação a
cópias e à edição, ações inerentes que o levam a ser crítico das produções realizada de maneira
incerta, fraudulenta e distorcida.
Como já foi dito, esta tese de Arns é uma tentativa de reconstruir, em parte, a história do livro
nos séculos IV e V, e seu impacto para as futuras gerações..
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1. O MATERIAL

1.1. Papiro

O papiro ocupava o primeiro lugar na indústria do livro no século I.


No século IV o Egito mantinha seu comércio no Adriático e até os confins da Gália.
A planta papiro não devia ser muito conhecida pelos leitores de Jerônimo. Destaque – Ao
assinalar que os setenta preferem a palavra papiro a iuncus, ele tem o cuidado de acrescentar que é a
partir do papiro que se fabrica a charta.

1.1.1.Charta

ca,rthj – uma folha de papiro, um pedaço de papel. Os romanos atribuíam a ela charta.
No Egito, desde o século 3 a.C., esta palavra charta designava a unidade da indústria, o rolo.
Exemplo de uso da palavra em Jerônimo:

Folha:
“A charta não deve separar aqueles que o amor mútuo reuniu...” “...nem dividir entre vocês
três o que tenho a lhes dizer”.
No sentido lato do vocabulário – papel, folha, como oposto ao conteúdo da carta.
No sentido simbólico: A unidade da afeição.

Folhinha ou rascunho:

Chartula – guarda todo seu valor de diminutivo.


Exemplo: “examinem integralmente os menores pedaços de papel do passado” (retro
chartulas).

Os arquivos (emprego no plural):

Pode ter o sentido mais vasto de arquivos. Este sentido corresponderá perfeitamente ao
francês chartes.
Exemplo: Rufino é remetido às obras jurídicas e não aos arquivos da igreja (chartae
ecclesiasticae), para qualquer informação sobre os processos criminais.
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1.1.2. Scheda

Schedae ou schedulae – uma espécie de rascunho. Estado do manuscrito antes de sua


transcrição definitiva. Schedula, em geral, é uma simples folha de papel.
Seu lugar na redação de uma obra literária: recebem a transcrição das notas do taquígrafo e
serão corrigidas antes de constituírem o manuscrito definitivo.
Arns vai argumentar que não se pode reduzir a este vocábulo apenas o significado de
“rascunho”, pois seu uso aponta para significados mais amplos, como por exemplo, uma lista
(schedula) de nomes. De modo geral, a palavra scheda substitui muitas vezes o termo que pudesse
designar todo tipo de escrito.

1.1.3. Codex

O codex é a obra acabada. Também designada – o livro. Representa um certo numero de


páginas, reunidas com certa arte.

Arns diz que ousa concluir atribuindo à palavra schedula ou sheda o primeiro sentido de
folha, página.

1.2. Pergaminho

A palavra pergamenta aparece pela primeira vez no século IV d.C., no Edito do Máximo.
Nas fontes literárias ela aparece bem mais tarde.
Jerônimo entra na história no momento em que se passa a luta decisiva entre o papiro e o
pergaminho.
São os monges responsáveis pela vitória do pergaminho, pois criam na sobrevivência eterna
de seus institutos. Assim, tudo o que fabricam deve ser durável e sólido. O pergaminho não rasgava.
Por isso se transcreve em pergaminho os papiros estragados.

A Bíblia se torna leitura quotidiana e alvo de meditação noturna, e isto exige um material
resistente.
A Bíblia é o primeiro livro do qual se consente fazer uma cópia “em série”, em pergaminho.
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Eusébio fala de cinqüenta cópias da Sagrada Escritura, em pergaminho, feitas por ordem de
Constantino para as igrejas de Constantinopla. Para Jerônimo, o emprego do vocábulo chega a se
tornar sinônimo de codex e equivale a membrana.
Um texto: “Eles (os judeus) lêem as Escrituras, mas não as entendem, guardam os
pergaminhos, e o Cristo que está escrito nos pergaminhos, perderam-no”.
O amor do livro sagrado e sobretudo a posição oficial da Igreja precipitaram a evolução da
técnica do livro em pergaminho.

1.3. Tabuletas de cera

As tabuletas de cera eram materiais empregados na escola, para o ensino da alfabetização.


Também serviam para as contas, contratos, e para os primeiros esboços de trabalhos literários.
Consegue-se até fazer mapas geográficos nas tabuletas.
Ao longo da história do livro encontramos os tabulae preparados para os taquígrafos.
Estas “madeiras” reunidas podem formar um codex ou codicillus.

1.4. Estilete

Arns inicia dizendo que o escritor sempre mantém dois instrumentos ao alcance da mão: o
estilete (stilus) e a pena (calamus).
O stilus teria tido um emprego mais amplo, porém o calamus lhe tomará o lugar, à medida
que a evolução da técnica da cópia generalizar sua utilização.
O estilete é o instrumento que escreve na cera.
A pena é o instrumento que escreve no papiro, pergaminho ou qualquer matéria apta para
receber a escritura: “stilum scribit in cera, calamus vel in charta vel in membranis aut in quacumque
matéria, quae apta esta d scribendum”
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2. A REDAÇÃO

2.1. O ditado

2.1.1. Dictare

O sentido geral de dictare é declarar muitas vezes, repetir, porém o mais empregado é o
sentido especial de dizer, ditar algo a alguém para transcrevê-lo.
Às vezes oposto a scribere, numa passagem típica de Jerônimo:”Aquilo que digo, que dito,
que escrevo, que corrigo, que releio”.
Às vezes indica fase intermediária entre a composição e o ditado, com um subentendido:
compor ditando.
O emprego de dictare para o Espírito Santo: ser inspirado, o autor deles.
Na obra de Jerônimo o sentido primeiro e normal é literalmente o uso de copistas. A palavra
surge lá pelos anos de 380 d.C., em sua correspondência, comentários e traduções. Com as vistas
cansadas, pede ao taquigrafo que escreva seu ditado. Mais tarde deixa explícito que dita porque está
enfermo.

2.1.2. As circunstâncias do ditado

Obstáculo interior: dita enquanto sente os sofrimentos de estar cego.


Obstáculo exterior: dita enquanto as guerras devastam o império. As províncias da África e
Roma são destruídas.
Diante estas circunstâncias Jerônimo dita depressa, com tamanha pressa que não lhe sobra
tempo para a correção.

2.1.3. Os inconvenientes do ditado

Diante das circunstâncias ficam evidentes as conseqüências negativas para a perfeição da sua
produção literária. Ele mesmo confessa os inconvenientes de seu método.
O ditado depende do acaso, pode tornar-se uma temeridade devido à pressa, e representa um
perigo para o talento da doutrina. Também a pressa compromete o resultado gramatical.
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2.1.4. Manu própria

Somente um restrito número de cartas foi escrito por mão de Jerônimo.

2.2. O taquígrafo

Entre o ditado feito pelo autor e o texto que nos é transmitido, há uma dupla etapa a ser
percorrida:
A passagem do ouvido para a mão dos taquígrafos, que se substituem alternadamente junto ao
autor.
Do olho à mão dos escribas, que reconstituem a taquigrafia em escrita comum.
A palavra que designa taquígrafo é notarius, o mesmo que Jerônimo emprega para traduzir
tacugra,foj.
Característica deste técnico: A própria expressão de Jerônimo numa Carta a Marcella:
a) velox notarii manus
b) me dictante
c) signere

2.2.1. A rapidez

Nos sermões os taquígrafos acompanham o orador e reproduzem, com maior ou menor


perfeição o sentido e o estilo característico do discurso.
Em Jerônimo pode-se perceber a rapidez em seu Comentário das Epístolas aos Gálatas e aos
Efésios: mil linhas ditadas num só dia, significam muito quanto à rapidez com que os taquígrafos
acompanham Jerônimo.

2.2.2. Os sinais

Os sinais na obra de Jerônimo – notarii. Jerônimo fala dos sistemas de sinais, no plural
notarum compendia, ou ainda de um certo sistema, utilizado pelo escriba rápido.
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A definição de notarius nos mostra que os especialistas que têm oficialmente esse título
aprenderam as notae, e por isto continuam ligados ao sistema tironiano. Este passou para o
patrimônio da civilização romana, sendo codificado numa coleção de aproximadamente 13.000
elementos (Commentarii notarum tironiarum).

2.2.3. Excipere

A palavra, com seus dois elementos muito expressivos ex e capere, dá bem a função daquele
que, colocado talvez diante do erudito ou do conferencista, como o escriba, acocorado, esperava a
frase, a fim de captá-la antes que caísse.
Assim, se emprega esta palavra técnica para designar a atividade dos taquígrafos.

2.2.4. As tabulates

Tabuletas de cera para imprimir os “sinais”.

2.2.5. Remuneração

Salário de professor de taquigrafia – 75 denários por mês e por aluno.


Salário mestre de caligrafia – 50 denários
Salário do professor de geografia – 200 denários
Salário de professor de línguas – 250 denários.

2.3. A transcrição

Os agentes da transcrição são os librarii, às vezes chamados de scriptores, ou mesmo scribae.


Jerônimo emprega esta palavra sempre no sentido de copista. As noções de notarii e librarii
geralmente são separadas, mas as funções de um e de outro são exercidas pela mesma pessoa.
Etimologia da palavra librarius: vem da árvore cuja madeira e cuja casca eram usadas na
fabricação do material para escrever.
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2.3.1. A profissão de copista

Um copista estudava durante dois anos, cursos que lhe permitiam adquirir uma técnica
perfeita. Assim, este se tornava um dos principais agentes da cultura.
Quando alguém desejava ler ou possuir um livro, pedia emprestado ao autor ou aos amigos
dele e mandavam os escravos copiarem-no.
Os copistas geralmente são pagos.

2.3.2. Tarefa do copista

A tarefa do copista na visão de Jerônimo:


“Tu que transcreverá este livro, eu e conjuro, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, e de sua
volta gloriosa, na qual virá julgar os vivos e os mortos: confronta o que tiveres copiado, e corrige-o
com cuidado no exemplar em que o tiverdes escrito. Transcreve também do mesmo modo esta
súplica e coloca-o em tua cópia”. Ou seja, fique atento a qualquer inadvertência que pudesse causar
novos erros.

2.3.3. Defeitos do copista

Os erros dos copistas eram freqüentes.


A adulteração do texto da Bíblia justifica sua nova tradução. Os copistas tropeçaram,
sobretudo na transcrição dos nomes próprios e das divisões.
Quando o copista não entende, acrescenta, muda, para que a narrativa fique clara, isto é,
errada. Em vez de Asaph ele escreverá Isaías. Como este nome lhe era mais familiar, ele pensou que
seu predecessor se enganara ao copiá-lo.
Os copistas adormecem sobre seus trabalhos. Foi assim que o Evangelho se tornou
irreconhecível: os tradutores o traduziram mal, os leitores mal informados e presunçosos quiseram
corrigi-lo, às vezes até com perversidade, e os copistas sonolentos completaram a devastação,
trazendo acréscimos ou modificações ao texto.
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2.4. A correção

Jerônimo era um escritor exposto à crítica e por isso tinha que examinar seus escritos,
controlar os secretários e cuidar da correção das “provas”.
O vocabulário de Jerônimo:
Emendare: É apagar as manchas, os erros. correção e retratação.
Recensere: Examinar, passar pelo crivo.
Confere:
Relegere: Reler. Está dentro das fases de composição. As vezes sinônimo de recensere.
Adnotare: Anotar no sentido de acrescentar todos os tipos de explicações ou notas. O autor
costuma anotar à margem de seus próprios manuscritos. Por vezes, fica zangado se as notas, devido a
negligência do copista, entra no corpo do texto.
Distinguere: Termo técnico para a aposição de sinais críticos.
Jerônimo levava a sério a correção, e pode-se assinalar três correções:
O que o autor fazia antes de confiar seus escritos ao amanuensis para a cópia.
É fetia no manuscrito, e consiste no confronto da cópia com o original.
Mais rara, é a que se fazia após a difusão dos manuscritos. Pode ser em forma de retratação
aberta. Outra é recolher o material que foram postos a venda.

2.5. O exemplar

Este vocábulo pode carregar o sentido de exemplar que serve de modelo, de protótipo. Mas
também ter um sentido passivo, de cópia, realizada conforme o exemplar no sentido primeiro.
Os modelos mais precisos eram aqueles que continham anotações do punho do autor para a
garantia de autenticidade. A prova irrefutável de que um manuscrito está conforme o original é a
concordância das cópias entre si.
Jerônimo era o maior crítico literário daquele tempo.
Com relação a Sagrada Escritura, há uma distinção muito precisa entre os manuscritos latinos
e gregos. Graeci códices e Latinum exemplar. Em geral o Latinum era inferior ao Graeci, porque
estava mais distante da fonte.
Diante da variedade de textos, não se supõe obrigatoriamente um trabalho minucioso de
comparação, mas talvez em meras aproximações. Não havia naquele tempo uma classificação
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suficientemente exaustiva para se chegar a estabelecer o exemplar arquétipo ou mesmo uma


genealogia exata. As fontes eram variadas.
Diante da insuficiência de informação literária, Jerônimo, tradutor e editor da Bíblia teve que
retornar sempre ao hebreu, cuja leitura e cujo texto estavam mais preservados.

3. A EDIÇÃO

Editio – Blass escreve: “Quando, por uma mudança de aspecto, editio acaba designando não
mais uma ação, mas o resultado desta ação, ela não é nunca usada como fazemos com nossa palavra
“edição”, para designar o objeto material, constituído pela massa dos exemplares publicados ao
mesmo tempo, mas somente para designar a substância, o teor do próprio texto...”.
Jerônimo aplica esta palavra quase que unicamente ao texto da Sagrada Escritura.

3.1. A publicação

Para Jerônimo, a partir do momento em que se escreve, deve-se publicar, pois não há sentido
em esconder do público a obra. Um elemento essencial da edição é o desejo do autor de divulgar seu
escrito. Para ele, o simples fato de colocar uma tradução em circulação já equivale a uma publicação.
Editar parece, muitas vezes, equivalente a divulgar. Desde o instante em que o autor julga
conveniente enviar sua obra a um amigo, esta pertence ao público, e o autor já não tem mais nenhum
direito sobre ela.
Observação: Nem sempre uma obra de fôlego era editada de uma só vez. Era publicada à
medida que as partes iam sendo terminadas. Sua divisão em livros obedecia apenas ao ritmo do
trabalho do autor. Uma das funções do prefácio é justamente assegurar a ordem dos livros e das
partes tratadas.
Com relação aos direitos autorais, os escritores estavam entregues inteiramente à mercê dos
falsários. Os direitos de uma obra terminavam desde que a primeira cópia saía da oficina. Jerônimo
lutará a vida inteira contra os falsários, “aqueles que chamam malícia de prudência”.
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3.2. As formas do livro

Dificilmente se poderiam enumerar todas as formas de publicações das obras no tempo de


Jerônimo. Temos o seguinte quadro:
Líber
Libellus
Opus
Tractatus
Commentarius
Dialogus
Apologia
Exemplar
Epistula
Evangelium
Monimenta
Dogma
Translatio
Diversa

3.3. A Epistula

A finalidade de qualquer correspondência é estar presente através da carta, falar com aqueles
que se ama e ouvi-los. Jerônimo está sempre cheio de zelo para com os deveres da amizade. Mesmo
as explicações doutrinais, as cartas-tratados, deveriam constituir um fator de intimidade.
O encanto de tal correspondência escapa de nossos sentimentos modernos. A carta cria e
estreita a amizade entre pessoas que só se conhecem através dela. É o exemplo da amizade dos dois
maiores escritores eclesiásticos latinos, Jerônimo e Agostinho, que nunca se viram nem se
conheceram senão por cartas.
O início de uma carta – frons epistulae – é um fragmento especial. Nele se repete o conteúdo
de uma carta anterior, fala-se da ocasião, das circunstâncias da remessa. A nota mais pessoal é
deixada para o fim da correspondência – finis epistulae – nesta conclusão imagens e palavras tomam
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um colorido de amizade e simplicidade. A concisão era uma qualidade de qualquer carta familiar na
antigüidade – modus epistulae.

3.4. O líber

Esta é uma segunda forma da qual se manifesta a produção literária. Jerônimo sempre
empregará codex, exemplar e líber num sentido análogo. O desaparecimento do rolo colocará ainda
mais em relevo o líber como unidade de composição literária.
Líber e seu correpondente biblo desde muito tempo já podiam designar uma obra inteira que
exigia vários rolos.
Jerônimo: “Líber manet, homines praeterierunt.” – “O livro permanece quando os homens já
passaram”. Ele admitirá que o livro possa ser muito volumoso, mas também que possa ser muito fino.
As partes do livro – apenas as poucas noções que as alusões de Jerônimo apresentam:
Título: Se encontrava no fim do volumen, pois estava bem mais protegido. Indicava-se o
conteúdo do livro numa tira de pergaminho que prendia fora do rolo. A isto se dava o nome de index
ou titulus.
Titulare: Jerônimo o emprega raramente, com o valor preciso de dar um título.
Nome do autor: Ficava normalmente ao lado do título. Jerônimo tinha pouca estima para os
que escrevem no anonimato porque evitavam assumir responsabilidades.
Frons libri: São os cortes superior e inferior do manuscrito. Muitas vezes classificavam-nas
de pumicata, porque a pumex (pedras-pumes) lhes dava um brilho especial.
Divisão: Em princípio a divisão em livros.
Prefácio: Jerônimo as compõe após ter completado a obra inteira. O objetivo é apresentar a
obra ou o autor a ser comentado, depois define o gênero literário e os métodos de trabalho do autor.
Jerônimo considera que o principal é explicar os métodos de tradução.
Capitulum: Representa uma divisão do livro: os diversos assuntos tratados num livro se
apresentarão com a forma de capitula.
Cola et commata: O procedimento comático consiste em se dispor o texto em frases curtas,
sem nada mais. Quando o sentido de um texto está muito confuso Jerônimo se esforça para aclará-lo
por meio de uma divisão “em versos” – para facilitar a leitura e a compreensão do texto.
Pagina: É a superfície da tabuleta que recebe a escrita. As paginae estão, em geral, reunidas
em codex.
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In calce libri: A palavra calx não designa apenas o fim do volume, mas também o fim de um
escrito qualquer.
In fine librorum: Terminada a obra os latinos colocarão seu explicuit, feliciter. Os hebreus
acrescentam o amen, ou sela, ou ainda shalom, para prometer um sobrevivência eterna, ou ainda
afirmar a alegria de haver terminado a obra.
Cornu: Reforço de uma largura de cinco centímetros para evitar que se rasgue na
extremidade.

3.5. O volumen

Esta palavra está estreitamente ligada à forma do livro que chamamos “rolo”. Volvere e seus
compostos se tornaram termos técnicos para a manipulação desta forma de manuscrito.
Pode-se afirmar que Jerônimo emprega a palavra volumen sobretudo para as Sagradas
Escrituras. Porém o termo se torna cada vez mais vago, sobretudo em razão do aparecimento da nova
forma de livro, o codex.

3.6. O codex

O codex designava o livro, e não somente o manuscrito, no sentido material. Pouco a pouco as
posições se inverterão e a palavra codex se tornará o termo próprio para designar o livro.
Os manuscritos de autores cristãos que nos restam do século III compreendem quatro vezes
mais códices que rolos. Birt sugere uma explicação: o codex foi a forma pobre do livro no século I, e
assim o círculo cristão adotou e conservou. Existe uma relação de causa e efeito entre o
desenvolvimento da literatura cristã e a vitória do codex.

4. A DIFUSÃO

4.1. Alguns aspectos do problema

Era realizada por meio de uma publicidade gradativa. Os amigos, solicitados a darem seu
julgamento sobre a obra, copiavam-na e passavam-na a outros, até o momento em que o público
letrado começava a se interessar por ela. Os livreiros tinham faro para descobrir os autores e as obras
com chance de agradar.
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No período cristão os grandes autores cristãos tiveram tantos admiradores quanto seus colegas
pagãos.
Princípio jeronimiano: Não existe atividade literária sem difusão. Não se escreve um livro
para escondê-lo, e sim para difundi-lo.
As controvérsias são a atração de um público curioso. Quanto mais apaixonante é a questão,
mais garantida é a difusão do texto.
Outros meios:
Substituir o nome de um autor herético pelo de um mártir ou um ortodoxo.
Reproduzir em seus próprios trabalhos, obras ou extratos de outros escritores.
A tradução é quase o único meio de divulgar os livros gregos no Ocidente.

4.2. Intermediários e depositários

O intermediário tem a missão de animar o escritor, demonstrando-lhe interesse pela sua obra.
Ele não somente se contenta em fazer com que nasçam as obras, mas também favorece a divulgação.
Jerônimo é daqueles que só começam a trabalhar sob encomenda, ele precisa da simpatia e
encorajamento dos amigos. Exemplos: O bispo de Hipona, Agostinho. O papa Damaso. Paula e
Eustáquia, Marcella, Pamáquio e o Padre Domniano.
A difusão se fará através dos amigos que se encontram no maior centro livreiro do mundo:
Roma.

4.3. A remuneração

As despesas com as cópias e a remuneração do escritor. A indicação sobre estes assuntos é


vaga: as despesas são grandes e as dificuldades imensas para a compra de livros.
Tem-se que pagar o material. Jerônimo confessa que os papiros de Alexandria lhe esvaziaram
a bolsa. Há também a manutenção dos taquígrafos.
Jerônimo sempre fala de sua pobreza: desprovido de riquezas. Os cristãos devem evitar
qualquer suspeita neste campo: o alimento, a vestimenta, eis o que lhes há de bastar. É certo que
Jerônimo recebia algo, até para poder manter seus copistas, bem como suas demais despesas. Ele tem
a imensa simpatia de seus alunos e amigos preferidos, que são muito ricos e não hesitam em gastar
para ajudá-lo.
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4.4. A publicação à revelia do autor

Conforme visto, a publicação passa pela amizade. Assim, é natural que seu controle seja
muito flexível. Resultado, escritos ainda não maduros “voam do ninho”. Isto ocorria tanto para o
louvor, como para crítica.

4.5. Informações literárias

A maneira mais comum de informar o público é anunciar sua obra no prefácio de uma obra
anterior ou numa carta. Um simples aviso não basta. Torna-se indispensável uma verdadeira
publicidade para que os livros encontrem o caminho das regiões mais longínquas da terra.

4.6. O empréstimo de livros

Os cristãos do tempo de Jerônimo emprestam livros uns aos outros, primeiro para lerem; mas
não se contentam em resumi-los, em selecionar certos trechos, e acabam quase sempre copiando-os
inteiramente.
Para conseguir um exemplar as pessoas se dirigiam a um depositário, quando não era possível
entrar em contato com o próprio autor.
As bibliotecas emprestam livros, porém somente para as pessoas de confiança.

4.7. Cópia particular

É na casa do autor e dos depositários que os leitores vão buscar o modelo que copiarão de
próprio punho ou mandarão que outros copiem.

5. O LIVRO E OS ARQUIVOS

5.1. A autenticidade dos livros

O problema da autenticidade dos livros e critérios para se descobrir os falsários.


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5.1.1. Crítica externa

Subscritio: meio de ter certeza da autenticidade dos escritos. A assinatura afasta os falsários.
Mesmo assim, a assinatura também podia ser falsificada. Se ainda vivo, somente o autor pode
empreender autenticidade de suas obras.
Anulus signatorius: anel sigilar, que se aplica às cartas.

5.1.2. Crítica interna

Jerônimo, mestre estilista, recorrerá com freqüência ao estilo como meio de identificação de
um autor.

5.2. Adulteração dos escritos

O problema da adulteração de textos se torna cada vez maior, e Jerônimo, o tradutor da Bíblia,
se vê forçado a cuidar da questão, e tenta descobrir suas causas.

5.2.2. Adulterações acidentais

A base da adulteração está no longo encadeamento de cópias com os erros sucessivos devidos
aos copistas. Como o exemplar nem sempre era corrigido, os copistas só podiam agravar os erros.
Exemplo: em vez de dizerem que as divisórias e as paredes desmoronaram – dirão que a lua e o sol
estão abalados.

5.2.3. Adulterações intencionais

O problema dos falsários se torna delicado e insolúvel. A falta de escrúpulos se apóia num
fanatismo feroz, que ignora limites. Já não é a verdade que preocupa as pessoas, mas a publicidade do
partido a qual pertencem. Aqueles que corrigem os escritos em favor de uma seita são bem vistos e
considerados como confessores e mártires.
As correções em manuscritos antigos obedecem a dois processos muito simples: se, por
exemplo, um versículo da Sagrada Escritura incomoda, o leitor o raspa do livro. Ma a engenhosidade
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dos falsários não pára por ai. Eles conseguem tornar suspeita uma cópia verdadeira. Eles apagam o
texto autêntico e nas folhas assim raspadas recopiam exatamente o mesmo texto. O leitor habituado
com os princípios elementares da crítica literária rejeitará as passagens assim refeitas, porque só pode
imaginar que um texto com esta rasura está adulterado. É uma loucura, exclamará Jerônimo.

5.2.4. Alguns princípios para a reconstrução do texto

O principal esforço deve se concentrar na descoberta de um exemplar autêntico. Chega-se a


ele por meio do cotejo de um grande número de manuscritos. Há também o recurso aos testemunhos
exteriores: uma citação do Antigo Testamento, assinalada pelos apóstolos, representa uma leitura
correta, e se impõe como regra. O recurso ao texto original constitui a única defesa contra os erros
devidos aos tradutores. Jerônimo recorrerá sempre ao texto hebraico sem mudá-lo em nada. Jerônimo
consagra a vida inteira à nobre tarefa de restituir ao livro sagrado um texto que fique acima das
mesquinhas lutas partidárias, um texto que seja o dos autores inspirados.

5.3. Os arquivos

O trabalho científico e as críticas feitas continuamente a Jerônimo, o obrigam a aperfeiçoar


seu método de documentação. Isto porque lhe podem pedir exame de consciência e ele terá que
retornar às suas próprias cópias.
Algumas peças que ajudam na conservação das cópias:
Scrinium: arquivos públicos
Scriniolum: cofre que guarda livros ou arquivos particulares. Pode significar uma caixa
fechada ao público na qual se guardam obras para uso particular.
Chartarium: mais um termo que significa arquivos.
Arca: tanto caixa das bibliotecas como caixa dos arquivos.
Riscus: cofre.
Armarium: são móveis importantes nas casas e nas bibliotecas.
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Conclusão

Este esquema cronológico leva a observar Jerônimo desde o momento em que reúne o
material até o momento em que seus escritos, multiplicados pelos inúmeros leitores e copistas,
repousam no fundo dos arquivos.
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Bibliografia

ARNS, Paulo Evaristo. A técnica do livro segundo São Jerônimo. Tradução Cleone Augusto
Rodrigues. Rio de Janeiro: Imago, 1993.

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