Você está na página 1de 56

INFORMATIVO

ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO


PMSP/SMC/DPH São Paulo, abril/junho de 2011 Ano 6 N.29
________________________________________

• ESTUDOS & PESQUISAS Hospitais paulistanos: do século XVI ao XIX

Arq.Eudes Campos
Pesquisador da
Seção Técnica de Estudos e Pesquisas

Assistência à saúde e medicina em São Paulo durante o Período Colonial

São escassas na cidade de São Paulo as informações sobre construções destinadas a enfermarias e
hospitais durante o período colonial. A fundação da Santa Casa de Misericórdia paulistana, irmandade
de caráter assistencial, remonta ao que tudo indica a fins do XVI (c. 1599, segundo a historiadora Laima
Mesgravis), mas na época somente a igreja da instituição foi erguida, não havendo nenhuma menção
nos documentos à existência de hospital1. Aparentemente, o templo esteve desde o início situado no
atual Largo da Misericórdia, ponto que muito provavelmente, naquela época, se achava fora dos muros
defensivos de Piratininga, os quais ainda subsistiam naqueles últimos anos do quinhentismo 2.

Durante o século XVII a Santa Casa não teve condições de erguer seu nosocômio3. A ação assistencial na
área da saúde que a irmandade desenvolvia limitava-se talvez à distribuição de esmolas aos doentes
pobres, que teriam de recorrer à botica dos jesuítas, mantida no colégio, caso quisessem encontrar os
remédios de que necessitavam, tanto os de origem europeia quanto os de origem indígena 4. Supomos
que na inexistência da instituição hospitalar de caridade a cargo da Santa Casa, tenham os jesuítas
procurado suprir essa ausência, assumindo durante largo tempo a responsabilidade pela assistência aos
índios aculturados e aos paulistanos sem recursos 5.

O hospital da Santa Casa paulistana só entraria em funcionamento no século XVIII. Após uma existência
efêmera, entre 1717 e 1728, abriu finalmente as portas em 1749, instalado em quatro casas adquiridas
cinco anos antes para essa finalidade6. Como tudo em São Paulo naquela época, devia estar alojado em
construções diminutas e precárias, de taipa de pilão. Teve, porém, breve duração, porque o local acabou
requisitado pelo governo da Capitania para servir de sede à Legião de Voluntários Reais, entre 1774 e
1801, não recebendo a irmandade nenhuma paga por isso7.

Na época colonial os enfermos eram tratados em casa. As enfermarias paulistanas tinham, em geral,
caráter improvisado e temporário, sendo montadas com o objetivo de segregar, de modo compulsório,
social e espacialmente, os doentes atacados de doenças infectocontagiosas – entre elas, as famigeradas
bexigas (varíola). Para isso se adaptavam quase sempre edificações preexistentes, situadas em pontos
então considerados distantes da zona urbana. O historiador Nuto Santana (1889-1975), que pesquisava
sistematicamente os velhos papéis camarários durante os anos que ocupou a diretoria do Arquivo
Municipal, cita algumas localidades para onde eram desterrados os infectados de São Paulo: as
proximidades do mosteiro de São Bento, a Tabatinguera, o Pacaembu e até a Luz 8. A mesma medida era
adotada com relação aos leprosos, sempre mantidos afastados das regiões habitadas. Mas as
referências ao mal de São Lázaro apenas se tornaram constantes em São Paulo a partir do século XVIII9.

A medicina no período aqui considerado era também muito precária, sendo poucos os profissionais da
saúde existentes em São Paulo. As Atas da Câmara citam em geral cirurgiões e barbeiros. Os primeiros,
encarregados de realizar operações, pensar feridas, reduzir fraturas, mas não podendo diagnosticar
doenças nem receitar remédios; os últimos, aptos apenas para arrancar dentes, deitar bichas
(sanguessugas), aplicar ventosas ou fazer sangrias. Médicos, de verdade, então chamados físicos, que
tinham o título de doutor e a condição de profissionais liberais, parecem ter sido raros. Charlatães e
curandeiros, porém, havia muitos10. Trabalhavam clandestinamente, sem a necessária licença da
Câmara, e praticavam a medicina popular, num suposto misto de tradições portuguesas, indígenas e
africanas, feito à base de rezas, benzeduras, passes, esconjuros, mezinhas, elixires e simpatias. De
qualquer forma, a Medicina erudita da época não era muito mais eficaz que as tradições médicas
populares. Firmada em falsas premissas, estava ela também eivada de crendices e superstições.
Acreditava-se, por exemplo, que os fenômenos cósmicos, atmosféricos, ou até mesmo astrológicos, tais
como, raios, cometas e determinadas conformações astrais (sobretudo envolvendo os planetas Saturno,
Júpiter e Marte) eram capazes de desencadear surtos infecciosos 11. Os maus ares podiam causar vários
tipos de febres, entre elas, evidentemente, a malária, doença cujo nome tem origem etimológica
diretamente ligada ao seu suposto agente patogênico. E também, segundo as concepções daquele
tempo, a luz da lua cheia provocava alienação mental, além de causar a deterioração dos alimentos12.

Nos tempos da Colônia, durante surtos de varíola e outras doenças contagiosas, as medidas tomadas
pelas autoridades tinham natureza eminentemente segregativa. Os atingidos deviam ser afastados da
área urbana e os forasteiros vindos de lugares castigados por epidemias, impedidos de entrar na
povoação (cordão sanitário). Os escravos africanos recém-chegados também inspiravam receio, porque
se intuía que podiam trazer doenças, entre elas, a temível varíola. Para superar esse problema, a
solução adotada era a quarentena, cumprida nos arredores de São Paulo13.

Dada a generalizada ineficácia da arte terapêutica da época, podemos supor que os doentes raramente
saiam vivos das enfermarias em que eram internados. O máximo que se conseguia era evitar o
alastramento descontrolado das doenças contagiosas. Para auxiliar na cura de tão terríveis moléstias
não restava aos paulistanos desamparados senão recorrer à intercessão divina. Solicitavam então à
Igreja a trasladação de uma imagem de Nossa Senhora, tida como miraculosa, entronada no distante
bairro da Penha, e com ela realizavam concorridas procissões e promoviam fervorosas preces.

Nesse tempo ainda persistia o hábito medieval de enterrar os mortos nas igrejas; durante os surtos
epidêmicos tomavam-se certas medidas profiláticas, como a desinfecção por meio da cal viva, lançada
às pazadas sobre os cadáveres no momento da inumação. Enquanto durassem as epidemias, os que
tinham condições abandonavam a cidade. Até mesmo os vereadores, responsáveis pela administração
municipal, não hesitavam em tomar essa atitude. Nas Atas da Câmara há assentamentos deixados pelos
inconformados contra aqueles que não assumiam seus deveres em tempo de crise14.

Ainda conforme as teorias médicas em voga, o mau cheiro em si também dava origem a enfermidades,
por isso combatiam-no com queima de perfumes. Esse tipo de profilaxia continuou a ser adotado em
pleno século XIX. Os aromas não eram encarados apenas como medida paliativa para atenuar odores
nauseabundos; os perfumes, compostos de ervas aromáticas, temperos e substâncias balsâmicas, eram
reconhecidos por sua atividade decididamente preventiva. No Brasil, no combate aos ambientes
carregados de mau odor recorria-se habitualmente a fumigações de alfazema, resina, enxofre ou breu,
este último mais eficaz aos olhos dos contemporâneos 15. Como veremos mais adiante, havia porém
quem condenasse a queima de perfumes no interior das enfermarias de hospitais, por serem
considerados ineficazes, e recomendasse o emprego de vapores mais ativos, como os dos ácidos
acético, muriático ou nítrico! Sabe-se ainda que em caso de epidemias, eram acesas fogueiras nas
esquinas para a queima de perfumes; e, no século XVIII, um dos capitães-generais da Capitania de São
Paulo cita em sua correspondência a prática de passar cabeças de gado pela cidade na tentativa de
atrair para os animais os malefícios de uma epidemia então reinante.

A teoria dos quatro humores (sangue; pituita, fleuma ou muco; bile amarela e bile negra ou atrabile,
sendo esta um humor fictício), nascida na Antiguidade Clássica (Hipócrates, 460-377 a.C., e Galeno, 129-
199 d.C.), sobreviveu com sucesso na Medicina luso-brasileira até meados do século XIX16.
Um seguidor e divulgador dessa doutrina em Portugal era o famoso médico João Curvo Semedo (1635-
1719), médico da Casa Real e Familiar do Santo Oficio (fig.1). Em que pese o fato de ter sido um dos
introdutores do uso de medicamentos químicos na medicina de seu país, manteve a teoria dos humores
como explicação básica para um sem número de doenças. Segundo essa teoria, as moléstias eram o
produto do desequilíbrio humoral ocorrido no interior do corpo do paciente. Os tratamentos então
ministrados procuravam restabelecer a harmonia original, eliminando o excesso de um dos humores ou
corrigindo sua deficiência por meio de sangrias, escalda-pés ou pedilúvios, vomitórios, purgantes,
emplastros, sudoríferos e enemas.

Fig.1 - Retrato do médico João Curvo Semedo (1635-1719),


publicado em seu Polyanthea Medicinal. Noticias galenicas, e chimicas, repartidas
em tres Tratados; [...]. Lisboa, s.n., 1697.

Na verdade, a sangria foi durante muito tempo tida como uma prática curativa de valor universal17,
embora João Curvo Semedo, autor da Polianteia Medicinal (1697), demonstrasse ser grande adepto dos
vomitórios à base de estíbio ou antimônio e fosse muito afamado pelas mezinhas que preparava e
vendia por elevado preço. As formulações da época, muitas vezes influenciadas pela magia, admitiam
ingredientes que hoje seriam considerados repulsivos, senão perigosos ou ridículos. As poções das
bruxas dos atuais contos infantis decerto ecoam a tradição das mezinhas do século XVII e XVIII: era
comum entrarem nas composições bezoares (concreções encontradas em intestinos de determinados
ruminantes, tidas como muito eficientes contra venenos), raspas de dente de narval (considerado como
o verdadeiro chifre do unicórnio, antídoto contra veneno ainda mais eficaz que o bezoar), teias de
aranha, óleo de minhocas, excrementos de boi, cavalo, ratos e até mesmo fezes humanas. A clientela da
época acreditava, decerto, que quanto mais secreta e cara fosse a composição do remédio, mais
positivo seria seu efeito.

O facultativo Semedo, porém, conforme reconheceu aos 80 anos, nunca ousou tomar as poções que
elaborava e não se constrangia ao atribuir sua longevidade a essa atitude cautelosa... Em sua defesa,
contudo, deve-se admitir a sua condição de ter sido um dos primeiros médicos europeus a adotar a
eficaz quina provinda da América do Sul no tratamento da malária. A casca tanífera rica em quinino foi
levada para Europa por padres jesuítas, que aprenderam a usá-la com os indígenas peruanos18.

O projeto do Hospital Militar, 1797

Em São Paulo, de todo esse período, que vai do século XVI aos primeiros anos do XIX, só restou uma
planta arquitetônica a nos dar pálida ideia de como se organizavam os antigos hospitais construídos
dentro da tradição cultural portuguesa. Trata-se, em realidade, de um projeto não executado, datado de
179719, de autoria do engenheiro militar João da Costa Ferreira (1750-1822), destinado a um terreno
junto ao futuro Jardim da Luz, onde depois seria erguido o prédio da atual Pinacoteca do Estado 20.

O citado engenheiro português chegou à cidade de São Paulo em 1788 trazido pelo governador
Bernardo José Maria de Lorena (1756-1818) – este, antigo desafeto do terrível Marquês de Pombal
(1699-1782), e de quem diziam ser meio-irmão da rainha D. Maria I (1734 -1816), já que filho de D. José
I (1714-1777) e sua amante, a infeliz 4.ª Marquesa de Távora (1723-1790)21.

Costa Ferreira radicou-se em São Paulo e durante certo tempo foi considerado o único engenheiro
militar a quem se podia confiar obras de vulto, pois sua competência e talento eram plenamente
reconhecidos pelas autoridades portuguesas locais22. Durante o governo do Capitão-General Antônio
Manuel de Castro e Mendonça (1797-1802), projetou o Hospital Militar, cuja traça se acha hoje
depositada no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (fig.2).

Fig.2 - Projeto do Hospital Militar de São Paulo, autoria do


engenheiro militar João da Costa Ferreira (1750-1822), 1797.
Acervo Arquivo Ultramarino de Lisboa.

Por estar localizada a Capitania de São Paulo em área contígua às fronteiras das colônias hispano-
americanas meridionais, e por Portugal e Espanha manterem acirradas disputas territoriais nessa região,
achou Castro e Mendonça conveniente fundar um hospital militar para as tropas estacionadas na cidade
de São Paulo.
O extenso edifício hospitalar chegou a ser iniciado, mas a obra foi logo abandonada, possivelmente em
razão do alto custo não só de sua execução, como da manutenção que exigiria o hospital quando
estivesse em funcionamento. Obviamente divergia sob determinados aspectos dos outros hospitais,
mais antigos, erguidos em território do império português. Por já datar do período iluminista, fatores de
racionalização decerto atuaram em seu plano, tornando a distribuição interna do hospital mais lógica,
funcional e prática.

Engenheiro formado na Real Academia Militar, Costa Ferreira iniciara sua carreira após o terremoto de
Lisboa de 1755, na reconstrução da Baixa Pombalina, sob as ordens do engenheiro Joaquim Monteiro de
Carvalho (17?-1780). Depois trabalhou com um engenheiro militar inglês, o Tenente-Coronel William
Elsden (ativo entre 1762-1779), que em Portugal tivera destaque ao idealizar e construir obras
arquitetônicas de tendências ecléticas, palladianas e até neogóticas (como era o caso do Palacete de
Monserrate I, em Sintra). No edifício do Gabinete de História Natural de Coimbra (1779), hoje
Departamento de Zoologia da Universidade dessa cidade e Museu Zoológico, Elsden concebeu um
prédio de estilo fundamentalmente palladiano, de nítida influência inglesa, mas com toques da
arquitetura portuguesa do século XVII23. Construção cujas características formais ecoariam no
frontispício do Quartel dos Voluntários Reais de São Paulo, datado de 1790, de acordo com o projeto de
Costa Ferreira hoje conservado no Arquivo Histórico do Exército, do Rio de Janeiro24.

No Brasil, Costa Ferreira tem sido visto como introdutor da arquitetura pombalina em São Paulo, ou até
mesmo do Neoclassicismo na cidade, mas essas opiniões devem ser revistas hoje à luz do que nos
ensinam historiadores portugueses mais recentes 25. Em fins do século XVIII, ainda não existia
propriamente arquitetura neoclássica em Portugal. Havia, sim, um clima eclético, em que várias
tendências arquitetônicas europeias setecentistas se entrecruzavam, materializando-se em projetos
híbridos, em que se mesclavam elementos tardo-renascentistas, barrocos e classicistas de várias
procedências (portuguesa, inglesa, italiana e francesa, entre outras)26. Quanto ao estilo pombalino, a
historiografia especializada restringe hoje o uso dessa denominação ao tipo muito específico de
arquitetura empregada pelos engenheiros militares portugueses na reconstrução de Lisboa após o
terremoto de 1755, da qual a rigor nunca existiram exemplares em São Paulo. Na verdade, Costa
Ferreira, como todo bom engenheiro militar português, formara-se, do ponto de vista arquitetural, no
pragmatismo e funcionalismo típico da escola tradicional dos engenheiros militares lusitanos.
Profissionais que, nos derradeiros anos do século XVIII, de maneira eclética e empírica, a um
renascentismo tardio fundamental, aprendido na Real Academia Militar, mesclavam sóbrios
barroquismos ou elementos de tendência classicista, experiências outrora apressadamente
interpretadas por críticos de arte e arquitetura brasileira ora como precoces manifestações locais do
Neoclassicismo, ora como nítidos testemunhos do estilo pombalino27.

No caso do hospital proposto por Costa Ferreira em 1797, a fachada principal não passava de um longo
piso único com 28 aberturas de extensão. (Os degraus que conduziam à porta de entrada demonstram
que a construção dispunha de porão, cuja serventia seria manter o assoalho afastado do solo úmido e
insalubre.) A composição arquitetônica da fachada traía uma concepção estilisticamente ambígua. Nas
extremidades, viam-se dois corpos ressaltados com três janelas quadrangulares em cada um deles e na
parte central se destacava um corpo em forma de edícula, coroado com um seco frontão triangular. A
essa estrutura, que à primeira vista poderia ser tida como neoclássica, se contrapunham, porém, três
aberturas centrais, providas de arcos abatidos. A porta central chegava mesmo a apresentar no lintel um
detalhe decorativo (algo como um recorte em forma de meia-lua) que aludia à tradição dos frontões
curvos interrompidos, pormenores – tanto os arcos abatidos quanto o frontão interrompido – como se
sabe, típicos da arquitetura barroca.

Planejado como um amplo edifício em quadra – a ser construído decerto de taipa de pilão, como era
então usual na região paulista –, a planta apresentava uma bem definida organização interna,
procurando reunir atividades afins em cada ala, de acordo com a orientação solar mais favorável. Muito
embora a clima da cidade de São Paulo no século XVIII fosse muito distinto do atual, com dias bem mais
frios e úmidos, salta à vista que a distribuição funcional do hospital obedecia de maneira geral ao
critério da orientação solar.

Correspondente ao frontispício, a ala voltada para leste, por ser beneficiada pela osculação solar
matinal, era sem dúvida julgada como a face mais saudável. Tinha acesso centralizado, dando para um
“Salão de Entrada”. À esquerda desse vestíbulo (em relação ao observador), desenvolviam-se a
“Enfermaria dos presos”, a “Enfermaria dos inferiores, e particulares”, a “Enfermaria dos feridos”,
terminando no canto com a área destinada à “Convalescência”. À direita, concentravam-se os
compartimentos ocupados pela “Sala de Cirurgia”, pelo aposento do oficial de dia e pelos alojamentos
dos funcionários residentes, o ajudante de enfermeiro-mor e o enfermeiro-mor, este último então
considerado como o chefe da instituição hospitalar. Os citados alojamentos compunham-se de dois
apartamentos de tamanhos desiguais, mas com as mesmas divisões: sala, “camerim”, “Camera” e
cozinha. Viam-se ainda em sequência: a “casa da fazenda”, que interpretamos como sendo o setor
administrativo do hospital; a “saleta da livraria”, correspondente à biblioteca especializada, e a “botica”,
onde seriam preparadas as fórmulas farmacêuticas, depois ministradas aos doentes.

Na ala voltada para o sul, desprovida de osculação solar direta, em continuação com a sala dos
convalescentes (ala leste), mas sem nenhuma comunicação com este compartimento, localizavam-se
duas enfermarias separadas. A menor, dedicada ao tratamento dos atacados de sífilis (“Enfermaria do
Gálico”), seguramente um dos grandes males da época, e a maior, destinada ao cuidado dos acometidos
de febres (“Enfermaria das Febres”), onde seriam acomodadas as vítimas das doenças
infectocontagiosas mais comuns do mundo colonial. Havia aliás uma razão médica precisa para que
esses pacientes fossem acolhidos na parte que não recebia irradiação solar direta; afinal, é sabido que
ambientes frescos contribuem para que as hipertermias não atinjam temperaturas muito elevadas. O
médico João Curvo Semedo, já citado, “aquela glória puríssima da medicina lusitana setecentista”, no
dizer irônico do historiador Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958), recomendava em seu Polianteia
Medicinal (1697), algo que hoje soaria quase como um truísmo:

Destas observaçoens fiquem advertidos os enfermeiros, que não consintaõ [sic] cheiros, nem flores muito
aromaticas na casa em que se estiverem doentes; nem tambem consintaõ [sic], que os febricitantes estejão
em casas muito quentes, & abafadiças, porque huma, & outra cousa he damnosissima à saud e28. [grifo
nosso] (p. 58)

A ala voltada para o norte, mais ensolarada e seca durante o inverno, ocupava a metade da extensão
desse lado da quadra. Aí se abrigavam o “Armazém das Drogas”, depósito das substâncias
medicamentosas que seriam manipuladas na botica, a “Aula”, decerto uma sala de conferências
médicas e reuniões, e o “Laboratório químico”. O armazém e o laboratório certamente muito se
beneficiariam com sua localização na parte norte do edifício, pois assim os fármacos empregados na
composição das receitas ficavam menos sujeitos à deterioração causada pela umidade. Ainda nessa
mesma ala, mas na face voltada para o sul, existiriam outras dependências, entre as quais uma sala de
jantar e uma cozinha, decerto destinadas ao pessoal mais qualificado do hospital. Depois do laboratório,
abria-se uma área reservada aos escravos da botica e a outros escravos, que trabalhavam em setor
distinto. Nota-se aí a presença de uma bateria de “comuas”, ou seja, latrinas, identificadas pelos típicos
orifícios circulares abertos em laje de pedra, separadas duas a duas e reservadas, provavelmente, a
escravos que serviam em divisões diferentes da instituição.

Por fim, a ala orientada para o oeste, desconfortável sobretudo durante o verão pela exposição ao sol
forte da tarde, era destinada à parte de serviços. Tratava-se de uma ala também de pouca extensão,
cujo comprimento era praticamente igual à metade do lado maior da quadra. Estava separada do corpo
das enfermarias, ao sul, por um estreito corredor externo. Na extremidade oeste da ala sul, haveria um
espaço destinado a galinheiro, necessário ao fornecimento das carnes brancas usadas no preparo das
dietas à base de caldos e canjas em geral prescritas aos doentes em estado grave. Para esse corredor
externo dava a “comua dos doentes”. Pegada a ela, com porta voltada para a parte posterior (face
oeste), via-se o depósito da madeira usada como combustível nas diferentes cozinhas existentes no
hospital (“Casa da Lenha”). Contígua à latrina dos doentes, estava a “Casa dos mortos”, ou necrotério,
com porta voltada para leste; depois, vinham a “Casa de Banhos”, com entradas para ambas as
extremidades, leste e oeste, e a ampla “Cozinha” com um fogão de alvenaria central. Em continuação,
via-se a “Enfermaria dos Escravos”, cujos pacientes ficavam aparentemente relegados a um canto
bastante desconfortável do edifício. Mas nesse compartimento só a entrada daria para o lado oeste; as
duas janelas gradeadas voltavam-se de modo providencial para leste, acolhendo a amena insolação das
manhãs. Depois se seguiam a despensa, com janelas abrindo para leste, para que não se estragassem os
mantimentos com facilidade; a “Casa dos escravos serventes”, com aberturas voltadas para oeste (estes
aqui bem prejudicados, ao menos que se considere que os negros saudáveis, por sua constituição física,
apresentem maior tolerância ao calor); a “Casa de Anatomia”, onde eram feitas dissecações, com vãos
prudentemente virados para leste, tal como os do necrotério, com o propósito de retardar a
decomposição dos cadáveres que tivessem de ser examinados; e, finalmente, as “Comuas dos
particulares”, cuja entrada deitava para o norte, com uma pequena abertura voltada para oeste. A
orientação prevista para essa última dependência parece-nos muito inconveniente, pois, supomos que,
sendo as latrinas do hospital providas de fossas negras, as localizadas a oeste deveriam com o calor do
verão tresandar fartamente, em razão da fermentação dos dejetos acumulados no fundo das fossas.

Com relação às enfermarias, vemos que se tratava de grandes aposentos de forma oblonga, onde em
geral estavam dispostas repartições menores, feitas certamente de material leve, pau a pique, por
exemplo. Em hospitais portugueses medievais, essas repartições se chamavam “câmaras abertas”,
porque, desprovidas de portas, eram destinadas a um ou dois doentes ao mesmo tempo29. No caso aqui
examinado, nas enfermarias dos presos e dos escravos não se via esse gênero de cubículos certamente
por uma questão de segurança, ficando os presos e os escravos, ao que parece, em leitos dispostos no
espaço comum de suas respectivas enfermarias.

Como na planta identificamos 58 repartições, isso nos faz supor que a capacidade de atendimento do
hospital em relação a pacientes militares estivesse limitada entre esse número e o seu dobro, ou seja, o
estabelecimento oferecesse aos militares até 116 leitos. Não devemos deixar ainda de notar que as
faces externas de três das alas do edifício (leste, sul e oeste), voltadas para o pátio interno, eram
protegidas por varandas, por meio das quais era feita a circulação entre os diversos recintos do hospital.
Esses elementos de circulação externa tinham também a função de garantir o conforto térmico das
peças dispostas ao longo das alas por eles servidos.

Hospital Militar, no Acu (1802)

Como já comentamos antes, o hospital concebido por Costa Ferreira não foi executado provavelmente
por ter sido considerado muito ambicioso para a época. O que se construiu para substituí-lo consistia
num sobrado bastante acanhado, com apenas dez leitos30, implantado em terreno localizado no Acu
(atual Rua do Seminário), no início da estrada da Luz; numa das saídas da cidade portanto (fig.3).
Funcionou como hospital militar a partir de 1802. Por um relatório oitocentista redigido pelo engenheiro
militar José Jacques da Costa Ourique sabemos que era provido de água a partir do encanamento
proveniente do Tanque Reiuno31. Por instigação do governador Franca e Horta, que administrou a
Capitania entre 1802 e 1811, o Hospital Militar, durante certo tempo, recebeu e tratou dos pobres da
cidade, já que a vida útil do hospital da Misericórdia fora breve, resumindo-se a um intervalo de poucas
décadas durante o século XVIII32.
Fig.3 - Hospital Militar de São Paulo, construído no Acu e inaugurado em 1802. Pormenor de aquarela
de autoria de Debret, 1827.Acervo Coleção João Moreira Garcez, São Paulo, Brasil.
No centro da ilustração vemos a construção grosseira do hospital, composta de dois corpos em ângulo obtuso,
acompanhando o alinhamento irregular da estrada. A fenestração diferente em cada corpo
indica que o edifício foi provavelmente erguido em duas etapas.
Fonte: Lago, Pedro Correa do. Iconografia paulistana no século XIX. São Paulo: Metalivros, 1998.

Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), famoso botânico francês, fez sumária descrição desse edifício, que
conheceu em 1819:
Por ocasião de minha viagem, o hospital militar ficava situado nas vizinhanças de Santa
Efigênia [sic]. Uma escadaria dava acesso a ele, havendo no centro do prédio um pátio
quadrado. Na farmácia, cuja porta dava para a rua, vendiam-se remédios ao público, em
benefício do hospital. A farmácia era grande, muito limpa e bem organizada, encontrando-se
nela um sortimento completo de medicamentos33.

O historiador Afonso Taunay analisou dois regulamentos elaborados para o hospital do Acu (datados de
1805 e de 1814) e outros documentos relativos a essa instituição. Suas considerações são de grande
valia para nós, porque nos dão conta do que se passava naquele estabelecimento hospitalar34.

De acordo com o primeiro regulamento, de autoria do Dr. Mariano José do Amaral, o pessoal superior
do hospital seria composto de um inspetor, seu ajudante, um escrivão, além dos necessários
enfermeiros, serventes e cozinheiros. Duas seriam as enfermarias, a de medicina e a de cirurgia, onde os
pacientes só poderiam ser visitados mediante ordem expressa do físico-mor. Três tipos de dietas
estariam à disposição dos pacientes, sendo distribuídas conforme o estado de saúde de cada um dos
enfermos (lembremo-nos de que as dietas nesse tempo não eram consideradas apenas um regime
alimentar adequado, mas tinham lugar fundamental no tratamento dos doentes, pois a cura muitas
vezes deveria vir da administração de certos alimentos específicos, vistos como tão eficazes quanto
qualquer medicamento). Os estudantes de cirurgia seriam obrigados a percorrer a enfermaria de
medicina. (Até então havia total separação profissional entre cirurgiões e médicos. Os primeiros eram
considerados simples oficiais mecânicos, enquanto os segundos, profissionais liberais. Até muito depois
da reforma da Universidade de Coimbra, ordenada em 1772 pelo Marquês de Pombal, os médicos
continuaram pouco ou nada entendendo de cirurgia e anatomia. Por seu turno, os cirurgiões, formados
na prática, desconheciam os princípios teóricos da ciência médica. No Brasil, a primeira escola de
cirurgia foi estabelecida em 1801 em Vila Rica, a segunda em 1803 no Hospital Militar de São Paulo, e no
Rio de Janeiro foi criado um curso semelhante por D. João em 1808, no mesmo ano em que foi fundada
uma escola médica em Salvador). Deviam os estudantes de cirurgia ser internos do hospital e fiscalizar
sobretudo a alimentação e o asseio dos pacientes. Deveriam prestar toda a atenção às operações de
cirurgia, partos (nos casos de atendimento a grávidas indigentes encaminhadas pela Misericórdia,
decerto), extração de dentes e sangrias.

Ao darem entrada no hospital, teriam os doentes de lavar pelo menos os pés e vestir roupa limpa, antes
de se deitarem nas camas, arrumadas com lençóis lavados. A varrição das enfermarias seria diária. E na
cabeceira de cada leito estaria pregada uma papeleta onde estariam assentadas a data de entrada do
enfermo, a dieta e a medicação receitada.

Em 1811, longo relatório foi enviado pelo físico-mor Dr. João Álvares Fragoso ao Conde de Linhares
(1755-1812), denunciando o estado lastimável do Hospital Militar de São Paulo. Sérias deficiências
foram apontadas na ocasião. Não havia camisolas para os pacientes, quase sempre trazendo uma só e
muito suja. Quando era necessário lavar tal peça ficavam os enfermos nus estendidos sobre os
enxergões. Os banhos eram administrados em gamelas. E não havia púcaros para a água, escarradeiras e
urinóis de vidro (os existentes, de barro, absorviam a urina, conferindo uma atmosfera insuportável às
enfermarias). Também não havia apisteiros (pequenos vasos dotados de bico por onde bebiam os
doentes graves), nem comadres, nem seringas para clisteres. Não era feita nenhuma separação ou
isolamento entre os doentes. A assistência religiosa era também deficientíssima, pois não havia capelão
fixo.

Só dois médicos trabalhavam no hospital: o físico-mor e o cirurgião-mor da Capitania. O instrumental


cirúrgico era praticamente nulo: três bisturis, uma ou outra lanceta, pente (?), agulha, faca e torniquete.
Apenas as operações que podiam ser executadas com esses instrumentos elementares eram realizadas,
as demais ficavam por ser feitas. O estado da farmácia hospitalar em tudo combinava com o resto; de
fato, estava completamente desaparelhada.

O verdadeiro superintendente do hospital era o almoxarife (pessoa protegida do governador). E esse


funcionário não se preocupava minimamente em mandar proceder à limpeza das enfermarias. Nem
vidros existiam nas janelas do edifício, o que, deduzimos, favorecia as correntes de ar, tão nocivas aos
pacientes do hospital no entender da época.

Em resumo, era impossível pior situação que a do Hospital Real Militar de São Paulo, onde inexistiam
enfermarias especiais para os doentes de gálico, sarna e de febres. Ninguém cuidava das roupas dos
doentes, nem se preocupava tampouco em desinfetá-las por meio de perfumes.

Tentou o governador Franca e Horta rebater ponto por ponto as acusações do físico-mor. Entre as
alegações apresentadas, afirmou, acerca da falta de vidros nas janelas do edifício, que não existiam
vidros planos à venda no comércio da cidade. Tivera de mandar buscar placas de malacacheta em Goiás,
mas o oficial enviado falecera em viagem. Quanto ao número de leitos oferecidos no hospital, não era
absolutamente verdade que havia apenas dez; de fato, eram cem as camas e catres que se achavam à
disposição da instituição.

A crise desencadeada pelas denúncias do físico-mor foram superadas graças ao fato de o caso haver
sido entregue às mãos do físico-mor do exército de Portugal, que em 11 de outubro de 1811 enviou seu
parecer “dirimidor da áspera contenda”. O governador, no entanto, logo a seguir passou o cargo ao
sucessor, enquanto o Dr. Fragoso, denunciante, continuou no exercício de suas funções médicas.

Em 1814, confeccionou o Dr. Fragoso o regulamento para os hospitais militares da Capitania de São
Paulo. Da leitura do longo e extremamente detalhado documento, Taunay concluiu que o autor “era
homem de inteligência aberta aos progressos e conquistas da ciência e da higiene”.

O regulamento então elaborado enunciava as exigências de farta roupa branca de corpo e de cama,
vasilhame considerável para as refeições, a bebida e as dejeções dos pacientes. Só urinóis de vidro
poderiam ser empregados no hospital e as seringas de clisteres deveriam ser fabricadas de estanho ou
borracha (isto é, feitas de couro costurado como os odres bojudos desse nome). Todas as enfermarias
teriam candeeiros cobertos com um capitel terminando por tubo particular ou comum com o objetivo
de conduzir o fumo preto produzido pela combustão do óleo de iluminação para o exterior do prédio.
Um requinte que zelava pela pureza da atmosfera das enfermarias, mas provavelmente nunca adotado
pelos hospitais paulistas. Disporia também o hospital de relógio, barômetro e termômetro para que os
facultativos fizessem as observações médicas necessárias. As enfermarias de febres seriam separadas
das demais para evitar o contágio entre os doentes de outras moléstias. As enfermarias de doenças
cutâneas e venéreas estariam permanentemente isoladas. Nas dos febrentos seria observada uma
distância de 1m32 (quatro pés) entre os leitos. Entre as camas dos impossibilitados de ir às latrinas,
localizadas talvez a grande distância, existiriam caixas de retrete hermeticamente fechadas e sempre no
mais rigoroso asseio.

Todas as enfermarias e as privadas seriam caiadas duas vezes por ano com cal virgem e água. Os
pavimentos, lavados com água de cal (suspensão alcalina tida então como um desinfetante universal).
As tinas de banho seriam mantidas em carretas perfeitamente limpas. As de uma enfermaria não
poderiam ser usadas em outra, sob pena de punição dos empregados. A água servida dos banhos seria
despejada nas latrinas. Era proibido perfumar as enfermarias com alfazema ou qualquer outra
substância, pois estes desodorantes só serviam para tornar o ar das enfermarias menos puro. Em lugar
de perfumes, deveriam ser usados vapores de ácidos acético, muriático e nítrico, considerados mais
eficazes. As roupas dos pacientes infectados tinham de ser tratadas com vapores de enxofre e de ácidos
minerais, para se obter a correspondente desinfecção.

As enfermarias seriam arejadas antes e depois das visitas médicas e os curativos, sendo varridas duas
vezes por dia. A das febres e a das sarnas seriam varridas antes mesmo da chegada dos médicos. Quanto
ao trem de cozinha, Dr. Fragoso estabeleceu que poderiam ser de ferro ou de barro, mas nunca de
cobre, pois esse metal, além de dispendioso, podia ser prejudicial e até fatal à vida de doentes e dos
empregados do hospital (em razão da eventual presença do azinhavre, resultante da oxidação do
metal).

Concordamos plenamente com Taunay: os dispositivos aqui transcritos do Regulamento de 1814 são
suficientes para demonstrar o empenho do físico-mor “em dotar os hospitais da capitania de legislação
capaz de competir com a dos centros mais adiantados do Universo.” Só restaria saber se foram
realmente acatadas, e por quanto tempo observadas as suas prescrições pelas instituições hospitalares
paulistas. De nossa parte, suspeitamos que não tenham sido cumpridas por muito tempo. No entanto,
não deixa de ser uma prova circunstancial a favor do bom funcionamento do estabelecimento a ordem e
o asseio que Saint-Hilaire encontrou na farmácia do hospital em 1819. Até essa data, pelo menos, é
possível que o nosocômio tenha funcionado efetivamente com a mais perfeita regularidade, tal como
estipulado pelo criterioso Dr. Fragoso.

Mais tarde, o edifício do Hospital Militar foi ocupado pelo quartel do 7.º Batalhão de Caçadores, e, em
1833, pelo Seminário das Educandas da Glória35. Sua construção, nada atraente, sobreviveu até início do
século XX, quando foi erigido no local o atual prédio do Palácio dos Correios e Telégrafos (1920-1922).

Do Primeiro Reinado até 1850

Só após o restabelecimento da Capitania de São Paulo em 1765, com a chegada dos primeiros capitães-
generais, começaram a ser tomadas na cidade as primeiras medidas influenciadas por um atenuado
Iluminismo. Os governadores passaram a ocupar a provedoria da Santa Casa, para que pudessem com o
peso de seu cargo político implementar as necessárias reformas na instituição36. Paralelamente a isso,
no princípio do século XIX, introduziu-se em São Paulo a vacinação contra a varíola (1804) – atividade
preventiva que até o advento da Primeira República nunca se mostrou muito eficiente – e começou-se a
cogitar sobre a criação de cemitérios a céu aberto na cidade, conforme ordenavam as cartas régias de
1798 e 1801.

Sabia-se então por experiência que o enterramento no interior dos templos provocava sérios problemas
sanitários. Na França, por exemplo, as primeiras medidas contra os enterramentos nas igrejas datavam
do final do Antigo Regime, remontando a 10 de março de 1776. Como em São Paulo tudo demorava a
acontecer, o primeiro cemitério público da cidade, o da Consolação, só seria inaugurado inacabado, à
beira da estrada de Sorocaba (Rua da Consolação), durante a epidemia de varíola de 1858.

A criação de cemitérios no Brasil estava de fato ligada ao início da divulgação dos princípios neo-
hipocráticos, que relacionavam diretamente a doença com o meio, quer físico quer social. A teoria
miasmática, por exemplo, implicava na existência dos miasmas, emanações deletérias, voláteis e
invisíveis, que levadas pelo vento ocasionavam um sem número de moléstias. Os pântanos e as águas
paradas aquecendo-se ao sol, por exemplo, exalavam miasmas, responsáveis por sérias enfermidades; o
mesmo acontecendo com qualquer matéria putrescível: o lixo e as carcaças de animais mortos atirados
às ruas ou os cadáveres enterrados em covas rasas dentro das igrejas. A terra úmida também os
liberava; penetrando pelas frestas do assoalho, as infectas exalações podiam ascender até os interiores
das habitações e minar a saúde dos moradores. As latrinas avariadas eram outro foco de mórbidas
emanações37. Como veremos adiante, foi durante o Segundo Reinado que a teoria dos miasmas passou
a prevalecer, acarretando as primeiras consequências tanto para o espaço arquitetônico, como para o
espaço urbano das cidades brasileiras.

A sede do Hospital da Santa Casa, em 1825

Depois da fundação do Hospital Militar, outros hospitais começaram a ser instituídos na cidade nos
primeiros anos após da Independência. A recém-criada Província de São Paulo apresentava então
discreto desenvolvimento econômico baseado no ciclo tropeiro e na exploração da lavoura do açúcar. A
enfermaria da Misericórdia, por exemplo, atuante no século XVIII em pequenas casas situadas no centro
da cidade, tivera seus imóveis requisitados pelo governo da Capitania e desde então não mais retomara
as atividades. Agora, em 1825, por iniciativa do presidente da Província, também ocupando o cargo de
provedor da Misericórdia, eram instalados o novo Hospital de Caridade e a Roda dos Expostos na sede
da Chácara dos Ingleses, localizada na entrada da cidade à beira do Caminho do Mar e antes
pertencente ao inglês João Rademaker38 (fig.4).

Fig.4 - Sede da Chácara dos Ingleses, onde a partir de 1825 funcionaria o Hospital da Santa Casa.
Aquarela de Edmond Pink, 1823. Acervo de Artes da Bovespa, São Paulo, Brasil.
Fonte: Lago, Pedro Correa do. Iconografia paulistana no século XIX. São Paulo: Metalivros, 1998.
O hospital da Misericórdia fora atraído para a zona sul da Capital em razão da presença do Cemitério
dos Aflitos. Este, por sua vez, havia sido criado pela Mitra Diocesana em 1775 para o enterro de
escravos, pobres e sentenciados à pena capital. Convém não esquecer que, desde os fins do século XVI,
o patíbulo era tradicionalmente erguido no morro da Forca, hoje Largo da Liberdade, bem perto de
onde foi erguida mais tarde a Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, que ainda hoje existe, escondida no
fundo da Rua dos Aflitos, travessa da Rua dos Estudantes. Como o hospital da Santa Casa atendia
basicamente pobres e escravos, nada mais lógico, e prático, que se estabelecesse nas proximidades do
local onde esses infelizes eram habitualmente enterrados. Poupava-se assim com o transporte de
cadáveres, uma atribuição tradicional das Irmandades de Misericórdia desde a sua criação, no final do
século XV em Portugal (1498).

Na verdade, por séculos, a região sul de São Paulo concentrou praticamente todos os equipamentos
poluidores e de desprestígio, senão perigosos, da cidade, dos quais as pessoas de posses procuravam a
todo custo se afastar39. À forca e ao cemitério de indigentes se juntou em fins do século XVIII a Casa da
Pólvora (1785), erguida no local em que hoje existe o largo do mesmo nome. A partir desse ponto, o
depósito de munição impedia com sua presença que dentro de um círculo com determinado raio
houvesse assentamento permanente por razões de segurança. E esse tipo de ocupação foi, a seguir,
reforçado com a instalação do hospital da Santa Casa na Chácara dos Ingleses e depois, confirmado, com
a transferência do hospital para a futura Rua da Glória (1840). A mudança do hospital para o Arouche
em 1884 (com a consequente adaptação do hospital da Glória para Asilo de Mendicidade) e o
loteamento do cemitério dos Aflitos em 1886 não conseguiram reverter uma tendência já tão antiga,
ficando o bairro da Liberdade para sempre marcado por uma ocupação de certo desprestígio social.

A nova sede do Hospital da Santa Casa, construída entre 1832 e 1840

A casa da antiga Chácara dos Ingleses consistia num sobrado de características aparentemente urbanas,
com cinco vãos em cada nível da fachada. Chegou a ser habitada pela futura Marquesa de Santos (1797-
1867) na época em que conheceu o príncipe D. Pedro (1798-1834), entre 1817 e 1822. Não tinha,
contudo, condições para acolher um hospital. Por isso, em 1832, o Marechal de Campo Daniel Pedro
Müller (1785-1841), engenheiro militar de origem portuguesa, foi instado a apresentar um risco para a
nova sede do nosocômio da Santa Casa40. Para não se afastar muito do Cemitério dos Aflitos, o novo
hospital foi erguido num canto nada distante da antiga sede, dentro dos terrenos da mesma chácara.
Conduzir os doentes falecidos à sua última morada continuou, portanto, sendo uma tarefa fácil de
cumprir para os funcionários do hospital, pois bastava que atravessassem a rua para alcançar o
cemitério de indigentes.

A edificação destinada ao novo hospital da Santa Casa, inaugurada em 1840, não apresentava, porém,
qualidades muito superiores às da sede anterior. Talvez sua única grande vantagem fosse o fato de se
desenvolver num único pavimento, pois essa característica certamente facilitava a execução das tarefas
rotineiras do hospital.

Müller nessa época era tido como um engenheiro de destaque. Na verdade, era o último dos
engenheiros militares portugueses atuantes em São Paulo, responsável por estabelecer a ligação entre a
tradição engenheril lusitana e os engenheiros práticos brasileiros formados no Gabinete Topográfico,
onde havia uma escola por ele criada em 183641.

Poucas são as informações existentes sobre esse estabelecimento hospitalar, situado na futura Rua da
Glória. Durante anos as suas instalações foram elogiadas, mas um relatório de 1875, da autoria do Dr.
Antônio Caetano de Campos (1844-1891), revelou a verdadeira situação calamitosa da instituição42.

Pela ilustração que contemplamos aqui, de autoria de Augusto Esteves (fig. 5), constatamos tratar-se de
um tosco casarão de taipa, protegido por ampla cobertura de telhas de capa e canal. O frontispício
ostentava seis janelas de verga reta, bem espaçadas, e uma larga porta descentralizada arrematada com
arco pleno, a trair uma das primeiras influências do Neoclassicismo cortesão na cidade de São Paulo. A
planta cadastral de 1881 mostra-nos a projeção horizontal de um edifício que agregara vários imóveis
vizinhos e, pela leitura do relatório de 1875, inferimos que o programa de necessidades original talvez
incluísse portaria, salão de entrada, duas salas contiguas, capela, e 40 leitos, provavelmente distribuídos
em duas enfermarias, uma para cada sexo. As latrinas eram certamente de tipo tradicional, com fossa
negra, e a água, fornecida por um poço, que ficava localizado decerto à distância segura das latrinas no
fundo do quintal43.

Fig.5 - Sede do hospital da Santa Casa na futura Rua da Glória, inaugurado em 1840, segundo planta
do engenheiro português Marechal Daniel Pedro Müller (c. 1785-1841). Bico de pena de Augusto
Esteves, 1943.
Fonte: Imagem do acervo do Arquivo de Negativos, DIM, DPH, SMC, da Prefeitura da Cidade de São Paulo.

Ao mesmo tempo em que se criavam o novo hospital de caridade e a Roda na sede da Chácara dos
Ingleses em 1825, foram estabelecidos pelo governo da Província o Seminário da Glória, para meninas, e
o de Santana, para meninos. Essas instituições estavam atreladas à importante questão da infância
desamparada, até então ignorada na Capital e na Província de São Paulo. Com a Roda, a Santa Casa
passava a receber crianças enjeitadas, depois transferidas, aos sete anos de idade, para os citados
seminários, onde eram cuidadas e educadas, até as moças “tomarem estado”, ou seja, se casarem, e os
moços arranjarem emprego44.

Outros hospitais do período: da Ordem Terceira do Carmo, dos Lázaros e dos Alienados

Em 1831, a Ordem Terceira do Carmo decidiu criar igualmente um hospital num prédio construído no
fundo de sua igreja na Rua do Carmo45. Edifício mais tarde ocupado pelo hospital do Corpo Policial dos
Permanentes46. Como todos os estabelecimentos hospitalares da época, o da Ordem Terceira do Carmo
foi erguido por motivos filantrópicos. Apenas os pobres (no caso do hospital da Ordem Terceira do
Carmo, membros pobres da confraria menor) e, no caso do hospital da Misericórdia, além de pessoas
pobres, também os escravos, eram admitidos nesses nosocômios. Os desvalidos eram aceitos não para
serem tratados e curados propriamente, mas para que não sucumbissem às doenças que os acometiam,
de maneira indigna e completamente desassistida. Sendo precários os tratamentos ministrados nos
hospitais, a mortalidade nessas instituições atingia níveis altíssimos. Enquanto isso, as pessoas de
recursos, que ficavam acamadas em casa, com escravos à volta, sob cuidados médicos e sob a
supervisão de parentes próximos, tinham decerto maiores chances de cura.
No século XIX já eram comuns médicos estrangeiros em São Paulo, alguns dos quais bem conhecidos. Os
remédios eram caros, por isso logo apareceram os primeiros facultativos receitando homeopatia 47,
tratamento que, saindo mais em conta, atraía sobretudo os doentes de parcos recursos. Por vezes, os
profissionais da medicina tentavam uma recuperação, prescrevendo mudança de ares aos doentes. Iam
então os atacados de males habitar em chácaras nos arredores da cidade, na, muitas vezes, vã
esperança de que o ar puro do campo lhes devolvesse a saúde perdida48.

Na primeira metade do Oitocentos, ainda seria criado o hospital dos Lázaros, ou antes um abrigo para
leprosos, por iniciativa do governador Franca e Horta49. Em 1802, o governador adquiriu do convento da
Luz um remoto terreno chamado da Olaria, toponímia que remontava ao século XVII, em razão de uma
olaria construída na região do Guaré por Salvador Pires, conhecido construtor ativo na São Paulo de
Piratininga quinhentista. O terreno foi doado pelo governador à Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia que aí ergueu, mediante donativos, uma construção paupérrima, descrita em 1833 como
não sendo nem forrada nem assoalhada. Tratava-se de dois correres de cubículos separados por um
muro. Um deles destinados aos homens e o outro às mulheres. A situação era tão crítica que não havia
no local nem leitos nem roupas. Foi nesse reduto miserável que passaram a ser confinados os doentes
de lepra que perambulavam pela cidade e, mais tarde, segundo Laima Mesgravis50, os de toda a
Província, em número muito superior à capacidade do lugar. Deve ter sido reedificado algumas vezes,
porém sem nunca perder a aparência de extrema precariedade, assemelhando-se antes a um casebre
descuidado. Em 1900 era descrito como uma casa baixa, “de construção antiqüíssima”, muito arruinada,
tendo o aspecto de uma senzala das antigas fazendas. Em 1899, tinha 17 enfermos. Possuía uma
capelinha dedicada a São Lázaro e esperava-se a remoção dos doentes para outro local51. Só foi
desativado em 1901, quando foram os hansenianos transferidos para o bairro do Guapira 52 (figs. 6 e 7).

Dessa mesma época provém também a criação do hospital de loucos. Em 1849 o governo provincial
pressionou para que a Santa Casa se encarregasse desses doentes, que até recentemente eram
confinados e acorrentados em celas imundas na cadeia pública municipal. A irmandade rejeitou a
proposta, afirmando que, conforme rezava a lei, os loucos estavam sob proteção do Juizado de
Órfãos53. Viu-se então o governo provincial constrangido a resolver o problema dos alienados,
assumindo a responsabilidade pela criação de um hospício para esse gênero de doentes. A nova

Fig.6 - Reconstituição do Hospital dos Leprosos, em fins do século XIX (planta), segundo Roberto
Grünwald, sem data.
Fonte: SÃO PAULO (Estado). Assembleia Legislativa. SÃO PAULO: A imperial Cidade e a Assembleia
Legislativa Provincial. São Paulo: Divisão do Arquivo Histórico, 2005.
Fig. 7 - Reconstituição do Hospital dos Leprosos, em fins do século XIX (perspectiva), segundo Roberto
Grünwald, sem data.
Fonte: SÃO PAULO (Estado). Assembleia Legislativa. SÃO PAULO: A imperial Cidade e a Assembleia Legislativa Provincial. São
Paulo: Divisão do Arquivo Histórico, 2005.

construção foi instalada num terreno da Rua São João, esquina da Rua Aurora, em 1852. Quatro anos
mais tarde, porém, já necessitava reparos. Em 1856, o arquiteto-medidor alferes José Porfírio de Lima
(c.1810-1887) apresentava uma proposta de reforma do hospício. Pela planta até hoje existente,
conservada no Arquivo Público do Estado, constatamos que o hospital era basicamente formado por um
sobrado e alguns anexos. Uma longa galeria com 16 cubículos assoalhados, de taipa de pilão e pau-a-
pique, com entradas protegidas por um alpendre, estava sendo então proposta pelo engenheiro prático
Porfírio para a complementação do estabelecimento. Pelo que podemos observar na planta não estava
sendo sugerido nada muito distante de uma espécie de senzala54 (fig.8). Ameaçando ruína, foi descrito
em 1862 como muitíssimo acanhado, sendo formado por uma casa de sobrado, onde no pavimento
superior havia cinco salas, das quais a maior era destinada à administração, e as quatro restantes,
pequenas, habitadas por alienados pacíficos. No térreo havia varanda (palavra talvez usada na acepção
de sala de jantar), três quartos maiores, dos quais um servindo de despensa, e sete cubículos escuros e
abafados, onde sem dúvida ficavam trancafiados os loucos furiosos. Num dos lados havia um telheiro,
em que funcionava a cozinha55.
Fig.8 - Hospital dos Alienados, na Rua de São João.
Proposta de reforma de suas instalações, de autoria do arquiteto-medidor
alferes José Porfírio de Lima (c.1810-1887), datada de 1856.
Acervo Arquivo Público do Estado de São Paulo.

No mesmo ano de 1862, o hospital de loucos foi transferido para a sede da Chácara do Fonseca. O
prédio, anteriormente adquirido pelo governo provincial para receber o Seminário de Educandas da
Glória, seria agora ocupado pelo Hospital de Alienados.

A construção possuía originalmente um único lanço. Embora de grandes proporções (25 vãos de
extensão no segundo pavimento da fachada), o hospício a partir de sua instalação nunca deixou de estar
em contínuo aumento. Em 1870, foi empreendida uma profunda reforma interna na parte principal da
construção. Dessa intervenção se conservam ainda muitos traços: amplas portas de arco pleno e
molduras internas, que revelam a influência de um rude Neoclassicismo.
No tempo do Presidente João Teodoro Xavier de Matos (1828-1878), em 1874, durante a abertura da
Rua do Hospício, a cargo da Câmara Municipal e executada com recursos provinciais, aproveitou-se para
arrasar o monte que se erguia fronteiro à construção, o antigo Morro do Saibro ou da Tabatinguera, e
abrir um largo no local, com a justificativa de que a elevação, muito próxima da fachada do manicômio,
o tornava insalubre, úmido e sombrio56. Ao longo dos anos 1870, 80 e 90, duas outras alas seriam
erguidas, formando um enorme edifício com gigantesco pátio central. A ala da direita seria ocupada
pelas mulheres e a esquerda pelos homens (figs. 9 e 10).

Fig.9 - Detalhe da planta da cidade de São Paulo, executada pela


Companhia Cantareira e Esgotos, datada de 1881. Cópia do século XX.
No pormenor vê-se a projeção horizontal do Hospital dos Alienados,
na Várzea do Carmo, com a ala lateral esquerda já construída.
Fonte: <http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1881.htm>
Fig.10 - Detalhe da planta da cidade de São Paulo datada de 1897.
No pormenor vê-se a projeção horizontal do Hospital dos Alienados,
na Várzea do Carmo, com ambas as alas laterais concluídas.
Fonte: <http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1897.htm>

Na frente ficavam a capela, a sala da administração, a sala da arrecadação, os dormitórios e a sala de


visitas, onde se encontrava o retrato de Frederico Alvarenga, administrador do hospício por 28 anos (a
rua do antigo hospital leva hoje o seu nome).

Em fins do século XIX, existia um prédio alugado defronte ao hospício habitado por 22 mulheres loucas.
No prédio principal, viviam 423 pacientes, sendo 209 homens e 214 mulheres. No hospício eram
mantidos os loucos furiosos e alguns convalescentes, sendo mais tarde transportados para a colônia do
Juqueri os doentes homens que estavam em condições de trabalhar57.

O Hospital dos Alienados manteve-se no edifício da antiga Rua do Hospício até 1903, sendo transferido
então para as modernas instalações do hospício do Juqueri. A seguir, o prédio foi ocupado pela Guarda
Cívica da Capital58, depois chamada Guarda Civil, pela 7.ª Cia. de Guardas do II Exército e pelo 2.º
Batalhão de Guardas, que sucedeu a companhia anteriormente mencionada. Desde 1995, o local
pertence ao 3º Batalhão da Polícia de Choque do Estado de São Paulo. É com profundo desgosto que
constatamos que uma construção de tão amplas proporções, com mais de 160 anos de idade e tombada
pelo órgão de preservação cultural de nível estadual desde 1981, esteja hoje desocupada e em
avançado estado de ruína (fig.11).
Fig.11 - Aspecto externo atual do edifício do antigo Hospício dos Alienados,
no Parque D. Pedro II. Foto: Ricardo Mendes

O Segundo Reinado durante a segunda metade do século XIX

Primeiros indícios de higienismo em São Paulo

A partir dos anos 1850, o estado de coisas começa a mudar na cidade de São Paulo. Desde 1849, a
Câmara passa a aplicar recursos provinciais nas obras públicas sob a sua responsabilidade. Tudo então
era ainda muito incipiente, mas aos poucos os trabalhos públicos irão transformar a vida e a aparência
da cidadezinha provinciana. A maior mudança verificada nessa etapa será no tipo de calçamento
adotado nas ruas mais importantes da Capital, com a adoção do abaulamento do leito viário,
apedregulhamento ou macadamização, construção de passeios e sarjetas laterais e, a partir de 1861,
construção de um sistema subterrâneo de drenagem das águas pluviais. Essas obras públicas tinham
fundamento higiênico, na medida em que o revestimento das vias públicas as isolava do solo produtor
de miasmas, e serão em geral bem visíveis, por exemplo, em fotografias de autoria de Militão Augusto
de Azevedo (1837-1905), tomadas entre 1862 e 1863. As constantes reivindicações de melhoramentos
materiaes publicadas na imprensa diária paulistana em cartas abertas enviadas pela população,
reproduzia, portanto, uma nova postura frente à realidade urbana, que vinha desde algum tempo,
sendo observável na própria capital do Império59.

Esses reflexos estavam diretamente ligados à revolução higiênica desencadeada no Velho Continente a
partir dos meados dos Setecentos, fruto do Iluminismo e baseada em princípios neo-hipocráticos. Essa
revolução, contemporânea da ascensão burguesa na Europa, e fundamentada em teorias médicas pré-
microbianas que apontavam ser o meio ambiente fator fundamental para explicar muitas das doenças
epidêmicas e endêmicas então conhecidas, manifestou-se na vida das pessoas de múltiplas formas,
tanto no nível privado quanto no público: na valorização da cura pelas águas minerais; na retomada do
uso da água para o asseio corporal; na privatização das acomodações familiares no interior das
residências; na introdução de espaço, ar e luz nas construções públicas e privadas; no isolamento dos
edifícios em relação às divisas dos lotes, na concepção de novos partidos arquitetônicos para edifícios
públicos (hospitais, asilos, prisões, quartéis, escolas etc.) e na racionalização do espaço público
(calçamento de vias, arborização de logradouros, remoção regular do lixo, afastamento de atividades
nocivas e incômodas dos centros das aglomerações urbanas, criação de cemitérios apartados das igrejas
etc.). Como dissemos acima, as consequências de tudo isso só começariam a se fazer sentir no Brasil a
partir do Segundo Reinado60.

Na década de 1850, a situação econômica da Província intensificava-se com os primeiros sinais de


prosperidade demonstrados pela lavoura de café no Oeste paulista. A construção da ferrovia de Santos
a Jundiaí (1860-1867) não foi apenas o resultado desse paulatino processo de enriquecimento, mas
sobretudo a consequência da antevisão, por parte de capitalistas ingleses, dos grandes lucros que
poderiam ser auferidos a partir da posterior expansão da produção cafeeira paulista, propiciada pelo
novo tipo de meio de transporte: rápido, seguro e eficiente.

A adoção da alvenaria autoportante de tijolos

Definitivamente, o primeiro grande passo para a modernização das estruturas hospitalares na cidade de
São Paulo foi a adoção de um novo método de construir. Não há dúvida de que a alvenaria autoportante
de tijolos foi crucial para a melhoria geral do padrão das edificações da cidade. Em 1850, uma enchente
ocorrida no início de janeiro deixara os paulistanos deveras assustados, pois em contato com a água da
inundação várias casas de taipa de pilão haviam simplesmente desabado, tal como aconteceu
recentemente com o desastre que se abateu sobre o centro histórico de São Luís de Paraitinga (2010).
Um engenheiro polonês de nome Cristino Wyzewski enviou então um oficio à Câmara paulistana,
exortando-a a dissuadir a população da cidade de continuar construindo com terra socada. O processo
de substituição do sistema construtivo nos edifícios comuns da cidade desde então desencadeado deu-
se de modo dificilmente perceptível, mas no final dos anos 1850 já se viam algumas importantes
construções oficiais executadas de acordo com a nova técnica de construção: a segunda ponte do Acu
(1852); a segunda ala da Penitenciária, iniciada em 1854; a caixa d’água municipal da Rua da Cruz Preta
(1857); o teatro de São José (1858-1864) e a ala mais recente do Seminário da Luz (1858-1860). Na
década de 1860, destacaram-se ainda as obras de reconstrução da ala situada na parte posterior do
Palácio do Governo, a ala presidencial (1862-1864), o complexo ferroviário da San Paulo Railway,
constituído de muros de arrimo, galpões e estações ferroviárias, executados entre 1860 e 1867, e o
mercado municipal (1865-1867), erguido junto da várzea do Rio Tamanduateí. A partir de então
podemos considerar a taipa de pilão definitivamente abandonada na Capital, sobrevivendo apenas no
erguimento de ocasionais muros divisores de lotes ou na execução de eventuais muros de arrimo 61.

Em 1855, o médico Dr. Ernesto Benedito Ottoni, participante de uma comissão composta pelo Dr.
Antônio Ribeiro de Almeida e Major Luís José Monteiro, num relatório apresentado ao governo
provincial, fazia recomendações para a futura sede do Hospital de Morféticos a ser construída em São
Paulo: deveria ser uma casa assobradada (isto é, provida de porão), com alicerces de pedra até o nível
do pavimento e paredes de tijolos (com exposição este-oeste, para benefício da insolação do edifício).
As janelas seriam rasgadas até acima para evitar que os miasmas se acumulassem na parte superior
interna da edificação. Enquanto no nível do pavimento, haveria respiradouros que pudessem ser
fechados ou abertos, à vontade, a fim de renovar o ar da parte inferior da construção62.

A recomendação de que o edifício do hospício fosse construído de tijolos sobre alicerces de pedra era
semelhante àquela que havia sido feita para todas edificações paulistanas pelo engenheiro Wyzewski,
cinco anos antes. E isso vem corroborar que à época a alvenaria autoportante de tijolos, assentada
sobre fundações de pedra, estava intimamente associada a ideias de solidez, impermeabilidade,
conforto ambiental e salubridade; de modernidade, enfim63.

Princípios higienistas influem na concepção arquitetônica de hospitais paulistanos


Já havíamos reparado em nossa tese de doutorado que nos escassos equipamentos públicos erguidos
durante a primeira metade dos Oitocentos não chegaram, seguramente, a se incorporar nenhum dos
princípios básicos de salubridade desenvolvidos pela medicina higienista, então em seus primórdios no
Brasil. O Hospital Militar, inaugurado no Acu em 1802, o Hospital da Misericórdia (tanto a casa de
chácara adaptada em 1825, quanto a nova sede especialmente construída entre 1832 e 1840), o
primeiro raio da Penitenciária em forma de panóptico, de realização tão arrastada quanto acidentada
(erguido entre 1839 e 1851), e o matadouro municipal (1849-1853), de autoria do engenheiro alemão
Carlos Abraão Bresser (1804-1856), formavam um conjunto de grosseiras edificações de taipa de pilão
que décadas mais tarde estariam sendo condenadas por sua má construção e inadequação às funções a
que se destinavam64.

A única medida comum a esses edifícios na qual poderíamos reconhecer uma preocupação de natureza
preventiva era a segregação de todos eles em relação ao núcleo urbano. Medida nem sempre eficaz,
pois as construções situadas ao sul eram constantemente varridas por ventos úmidos provindos da Serra
do Mar que sopravam sobre a cidade, para a qual eles acabavam trazendo os ares contaminados pelos
temíveis miasmas, conforme as teorias médicas da época. O matadouro apresentava ainda o agravante
de lançar seus dejetos no Ribeirão Anhangabaú, cujas águas impuras vinham depois banhar o sopé da
colina onde se levantava a Capital65.

É evidente que os princípios higiênicos resultantes das teorias médicas neo-hipocráticas ainda
prevalecentes na segunda metade do século XIX contrastavam com os vigorantes em épocas anteriores.
Antes, com a concepção de que as enfermidades eram produzidas pelos fenômenos atmosféricos ou
cósmicos, tais como, maus ares, relâmpagos ou luz da lua e das estrelas, as pessoas tinham tendência a
se recolher no interior das casas, mantendo-as hermeticamente fechadas, sobretudo à noite, com o fito
de se subtraírem aos efeitos negativos do mundo exterior. Daí, supomos, o hábito luso-brasileiro
tradicional de dormir em ambientes recônditos, nas alcovas, compartimentos desprovidos de aberturas
externas66. Agora, com a teoria segundo a qual os pretensos “vapores”, emanados da terra, da água, da
matéria putrescente ou dos corpos doentes, eram tidos como os principais agentes patogênicos,
desenvolveu-se a concepção de que o combate às doenças deveria ser feito por meio da ventilação
abundante e da continuada osculação solar. Ar e luz tornaram-se, portanto, as novas e imprescindíveis
necessidades. Antes, até as árvores podiam constituir ameaças com suas sombras vistas às vezes como
perniciosas, provocadoras de moléstias, sendo pouco desejável a presença delas em locais próximos dos
espaços habitados. Agora, ao contrário, a presença das árvores era fundamental, porque
proporcionavam oxigenação dos ambientes externos, em torno das construções. Também as flores
eram bem-vindas, pois seus aromas agradáveis neutralizavam os agentes patógenos, constituídos de
fétidos eflúvios.

Essa mudança radical de atitude com relação à profilaxia é que levou à adoção de um novo tipo de
hospital na França em fins do século XVIII, no qual uma ventilação contínua em todo o edifício deveria
ser alcançada para evitar que o ar parado, saturado de miasmas, tivesse a chance de infectar os doentes
em tratamento e as demais pessoas presentes no local. No relatório do Dr. Caetano de Campos sobre o
velho hospital da Misericórdia de 1875, transparecem esses novos conceitos, quando o médico afirma
que após a reforma e limpeza empreendida na velha construção havia sido acrescentado como novo
benefício – além da rouparia, do depósito de cadáveres, de uma sala de operações e dos encanamentos
de água e de gás – o ajardinamento dos terrenos adjacentes, o que não só veio aformosear o edifício,
como transformar suas condições higiênicas67. Em outro ponto, reivindicava ele melhor ventilação da
construção, com a abertura de óculos nos tetos das enfermarias e nas portas das salas. “Peço ar para
meus doentes. É tão pouco...”68, rogava, porque sabia que nos novos hospitais de partido higienista a
ventilação contínua era a chave do segredo para a queda vertiginosa da mortalidade observada entre os
enfermos.

Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência (1873-1876)


Embora de forma discreta, é possível que as novas concepções higienistas já comparecessem no
Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência (1873-1876), cujas instalações foram tão apreciadas
pela imprensa ao tempo de sua inauguração. O noticiário da época, porém, não esmiuçou os aspectos
técnicos para nós tão relevantes, limitando-se a afiançar que era excelente a situação sanitária do
hospital. Tal fato é digno de lástima porquanto seria valioso poder conhecer em detalhes as condições
de ventilação, iluminação e insolação, o esquema de circulação, o sistema de abastecimento de água e o
de remoção de dejetos, existentes no edifício. Mas a constatação de que nada disso mereceu a atenção
da imprensa na ocasião, parece indicar claramente que esses aspectos ainda não eram tidos como de
máxima importância para o bom funcionamento de um estabelecimento hospitalar.

Na época, um jornalista do Correio Paulistano assim o descreveu:

[...]
Conquanto ainda não esteja inaugurado, tivemos occasião de vêl-o interiormente em um dos ultimos dias e
sentimos a mais agradavel sorpresa.
Na entrada ha duas grandes salas, preparadas com admiravel elegancia quanto ao tecto e paredes as quaes
são forradas de custoso papel azul com ramagens doiradas. Por emquanto ainda não estão com as
competentes mobilas.
Alem d’aquellas, ha a sala destinada a capella, da qual acha-se quasi concluido a [sic] altar, notando-se o
cuidado e bom gosto que igualmente presidiram ao plano da obra. Está forrada com vistoso papel azul
adornado de estrellas doiradas proprio para o brilhante effeito da capella.
Aos lados, ha dois vastos corredores com doze grandes quartos, sendo que cada um delles acommoda
facilmente quatro leitos, de maneira que só n’esse espaço apresenta capacidade para receber quarenta e
oito doentes.
A sala do refeitorio, ao fundo, é ampla e vistosa, e alem della ha outros compartimentos como dispensa,
quarto de roupa, outros quartos, cosinha e etc., tudo acabado de maneira a tornar o hospital da
beneficencia da sociedade portugueza um dos melhores do imperio.
Alem dos commodos da casa ha uma grande área ou quintal, e em redor do edificio espaço sufficiente para
um jardim.
A sociedade portugueza de beneficencia de S. Paulo póde orgulhar-se de possuir um hospital digno de seus
creditos, destinado a desempenhar, como em outras cidades do Brazil, importantissimas e filantropicas
funcções.69

Sem dúvida nenhuma, o edifício paulistano de estilo neoclássico mais bem realizado, ao menos no que
se refere a sua aparência externa, foi o Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência, cujo projeto,
datado de 1866, era de autoria do português Manuel Gonçalves da Silva Cantarino. Embora o
estabelecimento só tenha sido levantado anos mais tarde (1873-1876), no início da fase de transição
para o Ecletismo, do ponto de vista estilístico pertencia ainda à linguagem arquitetônica neoclássica,
admitida em São Paulo no decorrer dos anos de 1850 e 1860. Felizmente, sua fisionomia original
sobrevive em fotografia (fig.12 e 13).

A vistosa frontaria assobradada, de 26 m de extensão, estava voltada para a Rua Alegre (atual Brigadeiro
Tobias). Composta de nove vãos em arco pleno no primeiro andar, dispunha de antecorpo central,
compreendendo três aberturas e encimado de frontão. A parte inferior, pouco visível na foto por estar
encoberta pelas plantas do jardim, foi tratada como embasamento ou porão, tendo paramento de
cantaria fingida nas superfícies externas das paredes, perfuradas por grandes respiradouros de formato
semicircular; no piso superior, a que se tinha acesso diretamente do jardim por meio de um lanço
externo de escada, os panos de parede ritmavam-se pela sequência alternada de janelas rasgadas e
pilastras jônicas. Acima do entablamento, desenvolvia-se uma platibanda azulejada, intercalada de
pedestais nas prumadas das pilastras, sobre os quais repousavam belas crateras de faiança. E no
Fig.12 - Vista externa do edifício da Sociedade Portuguesa de Beneficência, na Rua Brigadeiro Tobias.
Projeto do arquiteto português Manuel Gonçalves da Silva Cantarino, datado de 1866-1873.
Acervo Museu da Cidade de São Paulo, DPH, SMC, Prefeitura da Cidade de São Paulo.

Fig.13 - Reconstituição aproximada da fachada do Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência,


1873-1876. Desenho executado com técnica digital. Autoria: arq. Eudes Campos, 2010.
tímpano do coroamento central, num medalhão de estuque, em relevo, via-se representada a
tradicional alegoria da Caridade – Nossa Senhora da Misericórdia estendendo o manto sobre os
necessitados. Recuado dos limites do lote, o hospital abria espaço para um estreito jardim fronteiro, que
estava separado da via pública (antiga Rua Alegre, atual Brigadeiro Tobias) por um gradeamento
metálico engastado em pilares vistosamente enfeitados com graúdas peças de remate 70.

Baseando-nos nas informações contidas no trecho de jornal acima reproduzido e em plantas de reforma
apresentadas à Prefeitura em agosto de 1915, hoje depositadas no Arquivo Histórico de São Paulo 71,
ousamos reconstituir em linhas gerais a primitiva disposição interna do hospital (fig.14).
Fig.14 - Reconstituição aproximada da planta baixa original do hospital da Sociedade Beneficência
Portuguesa, construído entre 1873 e 1876. Desenho executado com técnica digital a partir de planta
existente no AHSP datada de 1915. Autoria do arq. Eudes Campos, 2010.

Galgando um estreito lance de escada que partia do jardim fronteiro e terminava num pequeno
patamar, ascendia-se ao pavimento principal, onde a porta de ingresso dava passagem a um amplo
vestíbulo. Uma vez no interior do estabelecimento, o visitante ou podia dirigir-se a uma das duas salas
posicionadas à direita e à esquerda do saguão (sala de visitas e sala da administração, talvez), ou então
seguir em frente rumo à capela, cujas janelas deitavam para uma área central descoberta. (Tanto a
forma da escada externa, como a posição da capela resultaram de uma modificação introduzida no
projeto original pela mesa diretora do hospital em 1873, antes do início das obras, havendo sido feitas
essas alterações com consentimento e aprovação do autor, o arquiteto Cantarino, conforme atestam as
atas das seções de diretoria72). De cada lado da capela e projetando-se para a parte posterior do
edifício, desenvolviam-se duas alas com seis grandes quartos cada uma. Nesses quartos eram
acomodados os doentes em pequenos grupos, certamente separados segundo a moléstia que os
acometia e o sexo a que pertenciam. No fundo, disposto no sentido transversal, unindo as duas alas
longitudinais, estava agenciado amplo refeitório, mais tarde transformado em enfermaria. Algumas das
aberturas do refeitório comunicavam-se diretamente com uma varanda situada na parte traseira da
edificação. Protegida por uma cobertura apoiada em colunas de ferro, essa varanda, por meio de uma
escada, estabelecia a ligação externa do primeiro andar com o rés-do-chão. Nos prolongamentos das
alas que ultrapassavam o refeitório e delimitavam lateralmente um pátio existente atrás, distribuíam-se
vários compartimentos de serviço, essenciais ao funcionamento do hospital. Supomos que por essa
época já estivesse o porão ocupado por dependências de caráter secundário.

O partido adotado, com alas formando um grande retângulo em cujo interior se abria uma área de
iluminação e ventilação, revelava extrema simplicidade na divisão dos cômodos – para não dizer certo
simplismo. Com o tempo, foram crescendo as exigências do programa de necessidades a ser atendido
pela instituição, tornando-se indispensáveis o aumento, a repartição ou a unificação das peças, a adição
de anexos e a abertura de novas janelas. Na mais importante dessas intervenções, datada do final do
século XIX, promovida pelo benemérito de origem açoriana José Coelho Pamplona (1843-1906), a
fachada foi ampliada para 42 m de largura, sendo revestida com uma pesada decoração externa de
gosto eclético, na qual se incluíam nichos com relevantes figuras da história lusitana, ocasião em que foi,
sem dúvida, acrescido um anexo ao flanco direito do hospital, reservado à sala de operações. O térreo,
com tratamento arquitetônico de porão, já estava todo ocupado nessa época, com cozinha, despensa,
sala de refeitório para convalescentes, quartos de banho de chuva, vestiários, sala hidroterápica, e
toilletes. Em 1915, procurava-se sobretudo aproveitar melhor a área do pavimento inferior, tendo sido
necessário rebaixar o piso para aumentar o pé-direito dessa parte da construção.

O projeto original do edifício hospitalar (1866) era, como visto, de autoria do arquiteto Cantarino.
Aparentemente este profissional, proveniente do Vale do Parnaíba, ficou pouco tempo na Capital (se é
que aqui esteve de fato), pois já no ano seguinte surgia em Campinas reconstruindo ou reformando o
Teatro São Carlos, numa bela versão luso-brasileira do estilo Império, e riscando o frontispício da matriz
local, que, segundo informações contemporâneas, era de estilo “romano”, o que neste caso deve ser
interpretado como de estilo neoclássico, e não neo-renascentista como seria entendido depois73. Em 9
de fevereiro de 1867, o administrador de obras da matriz nova daquela cidade, Antônio Carlos Sampaio
Peixoto, comunicava que havia ajustado à sua custa

para riscar e dirigir todos os trabalhos da fachada da mesma [matriz] o mui habil architecto
Manoel Goncalves [sic] da Silva Cantarino, bem conhecido nas Provincias do rio [sic] de Janeiro e
S. Paulo [...] 74

Em nossa opinião deve-se ver em Cantarino um daqueles talentosos mestres de obras portugueses que
se especializaram em projetos arquitetônicos, atribuindo por isso a si mesmos o título de arquiteto 75.
Provavelmente trabalhara na Corte antes de, hipoteticamente, se transferir para o Vale do Paraíba.
Depois teria seguido a rota do ouro verde até Campinas, então florescente com a economia do café e do
algodão.

Como é lógico, dificilmente um pretenso mestre de obras português estaria à altura de um encargo de
tamanha responsabilidade, quanto era o projeto de um grande hospital. A esse respeito manifestou-se o
engenheiro-arquiteto alemão Luís Schreiner (1838-1892) em 1880, ao constatar a insalubridade da
maioria dos hospitais brasileiros de sua época. Indagando por que não eram corretamente adotadas as
prescrições sanitárias tão pertinentes e já tão antigas – pois remontavam a um plano especial criado na
França em fins do século XVIII que permanecia plenamente válido – ele próprio respondia da seguinte
maneira:

Em verdade, póde-se explicar isso, si se toma em consideração que um desenhista, que não
possue outros conhecimentos além de sua habilidade manual, ou um pedreiro ou carpinteiro, sem
instrucção scientifica, se apresenta como architecto e é encarregado da construcção de edificios
desta ordem, cuja importancia nem sequer comprehende76.

Não obstante estar eivado de evidentes interesses corporativos sempre em choque com os profissionais
não diplomados, esse trecho não se afasta da verdade ao afirmar que eram os engenheiros os
profissionais mais aptos, por sua formação científica, a enfrentar a crescente complexidade que o ato de
projetar estruturas hospitalares vinha apresentando ultimamente, embora seja forçoso admitir que ser
engenheiro não era condição suficiente, à vista do que dizia o engenheiro e higienista francês Casimir
Tollet (1828-1899) a propósito da construção de hospitais:
Um construtor pode ser um sábio engenheiro, um arquiteto hábil, um artista distinto e ignorar esta
ciência especial [...]77

Hospitais vistos como fatores de desenvolvimento urbano

Ainda relativamente ao hospital de que vimos tratando, temos notícia de um caso que não deixa de ser
curioso. Na época em que se pretendia iniciar as obras de construção, a localização do edifício chegou a
ser objeto de controvérsia, tendo o médico da Câmara Francisco Honorato de Moura dado um parecer
contrário à realização do projeto num terreno para isso adquirido pela Sociedade Portuguesa de
Beneficência, terreno esse situado na Rua Alegre, esquina com a posteriormente chamada Rua da
Beneficência78.

Em fins de 1872, a sociedade se mostrava interessada em dois lotes situados na Rua Alegre, pois
resolvera não levar adiante a ideia de construir o hospital no imóvel que possuía na Rua São João. Na
primeira tentativa de compra, a instituição filantrópica decidiu-se por um terreno pertencente à antiga
chácara do falecido Brigadeiro Tobias (1795-1857), então nas mãos de seu filho Antônio Francisco de
Aguiar e Castro (18??-1905), mas essa transação não prosperou. A seguir, a instituição recebeu uma
proposta muito favorável do Comendador Antônio de Aguiar Barros (1823-1889), futuro Marquês de Itu,
dono do lote em que seria finalmente erguido o hospital. Não há dúvida de que o vendedor, ao fazer
uma proposta irrecusável, tinha por objetivo atrair a construção do hospital para promover a
valorização de suas propriedades79.

Ao ser consultado a respeito da conveniência de se levantar o hospital da Beneficência na Rua Alegre, o


médico de partido emitiu um parecer decididamente desfavorável. Na visão dele, que era a
prevalecente na época, o novo local escolhido pela Beneficência estaria em breve totalmente ocupado
por edificações residenciais e isso, além de configurar uma ameaça à salubridade do hospital que
pretendiam construir, ensejaria que os futuros vizinhos se dessem mais tarde por incomodados com a
presença do nosocômio e censurassem a imprevidência da concessão. Para melhor fundamentar seu
parecer, recorreu o funcionário da Câmara à opinião do ilustre médico Ambroise Auguste Tardieu (1818-
1879), de quem citava trecho do Dictionnaire d’hygiène publique et de salubrité (1852-1854).
Primeiramente, tal como estava sendo proposto, e ao contrário do que prescrevia o sábio francês,
considerava desnecessário que o hospital se situasse em lugar alto e ventilado, pois a Capital por sua
situação elevada sobre o nível do mar e por sua climatologia especial permitia que se dispensasse esse
cuidado. Concordava, em consequência, com o fato de que preferissem os membros da sociedade
beneficente erguer o estabelecimento em local cortado por água corrente, ou acessível à derivação do
encanamento existente (o que nos faz supor fosse a instituição suprida pelo canal que vinha do Tanque
Reiuno, situado atrás da igreja da Consolação, e que levava água ao Jardim Público, passando pelas
imediações); insistia muito porém na condição expressa por Tardieu – e que seria desconsiderada pela
futura construção –, relativa ao posicionamento do hospital em sítio pouco povoado, onde houvesse ar
puro e espaço, sem a agitação e o ruído da cidade. Apesar da coerência dos conceitos emitidos,
conforme os critérios baseados em teorias neo-hipocráticas então vigentes, a Câmara, a quem era
dirigido o parecer, pressionada sem dúvida pelos importantes personagens envolvidos na transação
comercial, manteve-se insensível à argumentação científica e, em votação, acabou por deferir por
unanimidade o requerimento apresentado pela instituição interessada80.

Esse episódio nos leva a cogitar que, já naquele tempo, maiores que o temor da contaminação dos ares
inspirado pela presença inoportuna de um hospital construído muito próximo da área urbana eram as
vantagens econômicas que essa presença trazia, sob a forma de valorização das propriedades
imobiliárias estabelecidas em seu derredor. Afinal, um estabelecimento deste tipo acabava, cedo ou
tarde, atuando como verdadeiro fator de desenvolvimento urbano da região em que se encontrava
localizado. Tanto isso era verdade que, dois anos mais tarde, o Coronel Rafael Tobias de Barros (1830-
1898), futuro segundo Barão de Piracicaba, primo de Antônio de Aguiar de Barros, erguia, sem nenhum
constrangimento, o seu vistoso palacete na vizinhança imediata do hospital, numa clara indicação de ao
se tratar de questões fundiárias as recomendações médicas começavam a perder a importância perante
puras considerações de natureza econômica81.

Aliás, não foi essa a única vez que especuladores atraíram um hospital para terras que pretendiam
valorizar e parcelar. Em 1878, o rico português Antônio José Leite Braga, proprietário da antiga Chácara
do Bexiga, então em processo de loteamento, também ofereceu terreno nessa localidade para que a
Santa Casa de Misericórdia construísse o seu novo hospital. E pouco depois (1880), membros da
importante família Pais de Barros, cujos membros estavam aos poucos se transferindo de Itu para a
Capital, com explícitos interesses fundiários nas terras no Arouche – entre eles o mesmo Antônio de
Aguiar Barros, futuro Marquês de Itu, que estivera envolvido anos antes no caso da Beneficência –,
forçavam a transferência do futuro hospital da Misericórdia, que ia ser erguido na Bela Vista, para o lado
sudoeste da cidade, na certeza de que a presença daquela instituição de saúde estimularia a ocupação
urbana das áreas circunvizinhas; o que de fato, mais uma vez, acabou ocorrendo82. O processo de
urbanização em torno do hospital foi tão rápido que, em 1900, Alfredo Moreira Pinto fazia restrições à
localização da instituição, em razão de estar ela inserida em região já muito povoada 83.

A cidade de São Paulo atinge novo patamar de desenvolvimento

Sem sombra de dúvida, foi a partir dos últimos anos da década de 1870 que teve início uma nova etapa
na construção de edifícios públicos em São Paulo, em especial de edifícios hospitalares. O relativo
descaso com que era enfrentada a questão da saúde pública durante o Império, consequência entre
outros fatores do liberalismo predominante na Constituição de 1824, foi aos poucos sendo substituída
por uma atitude mais responsável por parte das autoridades governamentais, que, durante a República,
não hesitariam em lançar mão de um enérgico autoritarismo para conseguir alcançar seus objetivos
salubristas. E a razão disso era que o interesse pela intensificação da corrente migratória para servir de
mão de obra nas florescentes lavouras de café do Oeste paulista poderia sofrer sérios riscos caso não
fossem tomadas urgentes providências de natureza sanitária. A melhoria das condições da assistência
hospitalar, então dedicada ao atendimento das faixas mais pobres da população, não deixava agora de
ser assim outra faceta da política imigrantista. Pois, se, por um lado, denunciava a inquietação da
camada senhorial com sua própria segurança higiênica, por outro revelava o seu mais vivo interesse pela
reprodução da nova força de trabalho que então se constituía e que, dentro em breve, deveria substituir
completamente a agora indesejável mão de obra escrava.

Não era à toa que nos últimos tempos membros pertencentes à mais alta camada da sociedade
paulistana passaram a participar ativamente da administração de entidades assistenciais. O caso da
Santa Casa de Misericórdia é, sob esse aspecto, paradigmático. No século XVIII, os governadores
portugueses da Capitania de São Paulo foram obrigados a ocupar a provedoria da irmandade como
forma de favorecer o desenvolvimento da instituição. No século XIX, os primeiros presidentes da
Província mantiveram essa tradição, para prestigiar uma confraria que de outra forma corria o risco de
entrar em decadência. Mas a partir dos meados dos Oitocentos, elementos da elite social da cidade
passaram a fazer questão de participar da composição da Mesa da Santa Casa, rivalizando-se entre si em
obras de desinteressada benemerência. Antônio da Silva Prado (1778-1875), Barão de Iguape, por
exemplo, banqueiro e empresário muito rico, ocupou o cargo de provedor de 1847 a 1875. Sua filha
ilustre, D. Veridiana (1825-1910), destacou-se nesse período por ter custeado a reforma do hospital da
Glória, entre 1872 e 1875. E cinco anos mais tarde, 40 membros ligados à família rival dos Prado, os Pais
de Barros, conseguiram entrar na Santa Casa como irmãos. Alguns deles fariam grandes doações
durante a construção do hospital no Arouche, alcançando com esse gesto cobiçados títulos
nobiliárquicos do Império, enquanto três membros dessa prestigiosa família ocupariam a provedoria da
Misericórdia entre 1886 e 1900, sem contar que mais um membro seria alçado ao cargo de provedor no
ano compromissal de 1902-1903 e entre os anos de 1905 e 191784.

A partir dos anos 1870, a cidade de São Paulo atingia novo estágio de desenvolvimento. É comum na
historiografia ser assinalado como novo marco da vida urbana da Capital o governo do Presidente João
Teodoro (1872-1875). De fato, desde o tempo do Presidente Fernandes Torres (1857-1860), não se
executavam tantas obras públicas em São Paulo. No entanto, as obras de iniciativa municipal custeadas
pelo governo da Província no tempo de João Teodoro têm merecido um destaque um tanto exagerado e
acrítico por parte dos historiadores. Em estudo recente, tentamos demonstrar que a maioria das obras
então encetadas mantinham ainda um ranço de improvisação e incompetência técnica, incompatível
com a mentalidade burguesa que aos poucos se constituía. Embora o governo provincial tenha custeado
a abertura de ruas, a pavimentação de vias públicas com paralelepípedos, a construção de pontes, a
arborização de logradouros, etc., quase tudo foi mal executado, sem planejamento e com muito abuso
por parte dos empreiteiros de obras públicas. Situação que só melhoraria na administração de seu
sucessor, Dr. Sebastião José Pereira (1875-1878)85.

Depois de uma fase de crescimento tumultuado experimentada por São Paulo entre os anos de 1880 e
1900, em razão das sucessivas ondas migratórias que acabavam trazendo trabalhadores urbanos que se
fixavam na Capital – época em que o industrialismo começou a deixar impressas as primeiras marcas
indeléveis na cidade –, grandes intervenções urbanas remodeladoras seriam encetadas a partir das
décadas seguintes, período em que foi concebido e parcialmente aplicado o famoso Plano Bouvard
(1911). As obras públicas então realizadas, pertencentes ao período das administrações municipais dos
primeiros prefeitos paulistanos, Antônio Prado (1898-1911), Raimundo Duprat (1911-1914) e
Washington Luís (1914-1919), prolongar-se-iam em alguns casos até 1930. Atuantes no princípio do
século XX, esses administradores não se distanciaram do espírito do higienismo, ao promoverem
alargamentos e retificações viárias, demolições de cortiços e arborização de logradouros. Recorrendo a
métodos coercitivos e autoritários, tinham por objetivo não apenas sanear a área central da cidade, mas
aprimorá-la do ponto de vista viário e estético, propiciando a decorrente valorização social e fundiária
da região atingida pelos trabalhos de reurbanização.

Hospitais paulistanos de partido higienista


Hospital dos Variolosos (1878-1880)

Uma das primeiras iniciativas da nova fase da cidade de São Paulo, mais tarde representada no âmbito
da saúde pública pela criação da Inspetoria de Higiene Provincial (1886) e do serviço de higiene (1888),
foi a construção do Hospital de Variolosos (1879-1880), de iniciativa municipal86. Previsto desde
187587, foi erguido no Araçá (atual Avenida Dr. Arnaldo), numa bifurcação do caminho dos Pinheiros
(Avenida Rebouças), pouco adiante dos limites do rossio paulistano, tal como prescreviam as normas
sanitárias pré-assépticas estabelecidas para hospitais de doenças infecciosas88. O seu plano foi feito
desinteressadamente por um engenheiro de renome, Inácio Wallace da Gama Cochrane (1836-1912),
médico nascido em Valença (RJ), formado na Corte, e desde alguns anos estabelecido na cidade de São
Paulo89. Conforme constava do relatório do Conselheiro Antônio Prado (1840-1929), presidente da
Câmara Municipal, lido perante os novos vereadores em 1881, o hospital fora “construido com todas as
condições exigidas e collocado em excellente local”90, o que significava dizer, em local retirado, alto e
bastante ventilado, com ventos predominantes que levavam o ar infectado pelos miasmas gerados no
hospital para longe da cidade.

Deste hospital conhecemos a representação que dele fez o litógrafo francês Jules Martin (1832-1906) na
época da construção do estabelecimento (fig.15) e a zincogravura de autoria de Theodor Wendt,
publicada na Revista Medica de S. Paulo nos anos iniciais da República91 (fig.16). O programa original do
hospital pode ser reconstituído hoje a partir de informações veiculadas na impressa especializada por
ocasião da conversão do pavilhão, conhecido desde então como o de n. 3, ao tratamento de doentes de
escarlatina. O texto então publicado dizia:

Pavilhão n. 3 – Escarlatina
Compõe-se de um corpo central e duas alas lateraes. Nestas estão as enfermarias (duas de cada
lado) para oito leitos cada uma. No corpo central ha um salão e dez quartos destinados a doentes
de classe. Como no pavilhão n. 2 ha annexas a este [sic, por oeste] as mesmas dependencias
destinadas á copa, sala de distribuição de dietas, refeitorio e dormitorios dos empregados do
pavilhão92.
Fig.15 - Hospital da Câmara, ou de Variolosos. Desenho de Jules Martin, por volta de 1880.
Acervo Museu da Cidade de São Paulo, DPH, SMC,da Prefeitura da Cidade de São Paulo.

Fig.16 - Ilustração publicada na Revista Médica de S. Paulo,


mostrando o estado do antigo Hospital de Isolamento, então Pavilhão n. 3.
Zincogravura de autoria de Th.Wendt, c. 1900.
Acervo Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP.

Tratava-se portanto de um edifício comprido, concebido no sistema linear, com duas enfermarias em
cada ala lateral, uma para cada sexo, tendo um corpo central volumoso, ocupado por dez quartos para
doentes pagantes e um amplo salão provido de um grande ventilador na cobertura. A esta construção
se acrescia um apêndice de serviços na parte posterior, acessível a partir do corpo principal por meio de
um passadiço. Embora protegido por telhado e paredes, esse passadiço estaria, sem dúvida, provido de
algum dispositivo que permitisse a ventilação contínua de seu interior, pois, na ótica higienista, só a
ininterrupta ventilação dessa passagem iria impedir que a contaminação se alastrasse para a parte de
serviços, onde repousavam os funcionários do hospital. Da mesma forma, a função do grande ventilador
existente no alto da cobertura era assegurar a permanente renovação do ar no interior do prédio
principal, por meio de constante tiragem.

Ainda em 1894 eram consideradas pelo Secretário dos Negócios do Interior Cesário Mota Júnior (1847-
1897) plenamente satisfatórias as condições desse hospital:

uma construcção digna desse nome, vasto edificio em excellente posição, com bastante ar e luz,
preenchendo perfeitamente o seu fim93.

Anos mais tarde, porém, esse prédio passaria por uma grande reforma, objetivando sua melhor
higienização. O telhado foi alterado, havendo sido retirado o ventilador original e substituído por uma
área aberta, cujo propósito seria elevar ainda mais o índice de renovação de ar na parte interna do
hospital (fig.17). Quanto aos respiradouros do porão, foram alargados, sendo substituídos por amplas
aberturas em arco, que possibilitassem o acesso para a varredura regular do local, de modo a impedir,
segundo a concepção higienista, o acúmulo de material infectado na parte inferior da edificação. Por
fim, o edifício foi derrubado em 195794, depois de ter perdido a ala esquerda com a construção anos
antes do Instituto Adolfo Lutz, localizado nas imediações.

Fig.17 - Pormenor do Mapa SARA Brasil de 1930 (Folha 50/13, escala 1:1000), mostrando a projeção
horizontal do antigo Hospital de Isolamento, depois Pavilhão n. 3.
O mapa mostra a cobertura alterada do pavilhão, com uma área de aeração e iluminação no lugar do antigo
lanternim.
Acervo AHSP.

Hospital da Santa Casa (1881-1884), no Arouche - hoje Vila Buarque

Mas sem dúvida a construção hospitalar mais significativa da cidade, iniciada ainda na época
monárquica, foi a nova sede do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, que teve seu projeto
selecionado num dos primeiros concursos exclusivos para engenheiros-arquitetos realizados na Capital
(1879) (fig.18 e 19). Luís Pucci (1853- 19??), engenheiro-arquiteto de naturalidade italiana cuja presença
na Província está documentada desde 1876, segundo consta, autor do plano classificado em primeiro
lugar, adotou para esse estabelecimento o sistema tido na ocasião como o melhor, diante dos
resultados positivos que vinha apresentando no combate à mortalidade hospitalar: o sistema de
pavilhões95.

Fig.18 - Desenho da proposta original para a fachada do hospital da Santa Casa de Misericórdia,
erguido no atual bairro de Vila Buarque. Autoria do engenheiro-arquiteto italiano Luís Pucci (1853-
19?), 1879.
Fonte: CARNEIRO, Nelson. O poder da Misericórdia. São Paulo: s.n., 1986. 2v. V1
Fig.19 - Pormenor do mapa SARA de 1930 (Folhas 50/5 e 50/10, escala 1:1000), mostrando a projeção
horizontal do Hospital da Santa Casa de Misericórdia.
Acervo AHSP.

A origem desse sistema remontava ao século anterior, tendo sido recomendado por uma comissão
nomeada pela Academia de Ciências de Paris nos últimos anos do Antigo Regime (1786). Só foi
internacionalmente reconhecido após o sucesso alcançado pelo hospital Lariboisière, antigo Louis-
Philippe, de Paris, projetado pelo arquiteto Martin-Pierre Gauthier (1790-1855) em 1839 e construído
entre 1846 e 185496 (fig.20). Florence Nightingale (1820-1910), ardente defensora da teoria miasmática,
conhecia e recomendava esse sistema, considerando-o o que de mais aperfeiçoado havia para
estruturas hospitalares de grande porte (Notes on hospitals, 1859)97.

No sistema pavilhonar, as enfermarias alojavam-se, em geral, em construções independentes de um


único pavimento (no Lariboisière, porém, as enfermarias têm três pisos). Eram postas em comunicação
por meio de longas galerias ou corredores e esses elementos de circulação formavam os lados maiores
de um grande pátio central de forma quadrangular. Na frente desse pátio concentrava-se a
administração; no fundo, erguia-se a capela e demais dependências. Os pavilhões partiam em ângulo
reto dos dois corredores, para o lado de fora. Posicionados lado a lado, eram separados por amplos
jardins, que serviam não apenas para passeio dos convalescentes, mas sobretudo para promover a
purificação da atmosfera nos arredores do estabelecimento hospitalar, por meio da permanente
circulação de ar.

A proposta de Pucci não introduzia modificações nesse partido criado sob o influxo das teorias neo-
hipocráticas, cuja grande vantagem, de acordo com os critérios profiláticos da época, era que as
enfermarias recebiam abundante iluminação e insolação (no caso paulistano as janelas voltavam-se para
leste e para oeste) e que a intensa circulação não permitia houvesse recantos com ar estagnado. E era
isso que, conforme as pesquisas demonstravam, fazia cair vertiginosamente a taxa de mortalidade entre
os doentes.

Pucci, no memorial que fez acompanhar o seu projeto, indicava ainda outros aspectos positivos:

evita-se com esta disposição o ajuntamento demasiado de doentes, formando cada enfermaria
um pequeno hospital, com a vantagem que os commodos de serviço são communs a todos elles.
Fig.20 - Planta do Hospital Lariboisière, originalmente chamado Louis-Philippe,
em Paris. Projeto do arquiteto Martin-Pierre Gauthier (1790-1855), datado de 1839 e construído entre
1846 e 1854.
Protótipo oitocentista do partido de pavilhões.
Fonte: MIGNOT, Claude. L’architecture au XIXe siècle. Fribourg: Office du Livre, 1983.
Outra vantagem das salas isoladas e relativamente pequenas, é que se podem separar os doentes
segundo as differentes enfermidades, e até em caso de doenças contagiosas pode-se segregar
completamente uma ou outra enfermaria 98.

A comissão encarregada da organização do concurso para seleção do projeto do novo hospital, por meio
de editais publicados em fevereiro de 1879 no jornal A Provincia de São Paulo, definiu o programa de
necessidades da futura sede da instituição. Aparentemente, pela primeira vez eram arroladas de modo
prévio as acomodações de um hospital em São Paulo, não deixando ao sabor do acaso ou da concepção
do projetista o estabelecimento das bases de funcionamento de um estabelecimento hospitalar. A
comissão estava decidida a alcançar as condições ideais recomendadas pela higiene e o edifício
hospitalar deveria ser planeado conforme “as regras e sistemas mais apropriados a esse gênero de
construção”. Constavam do programa exigido: enfermarias para o número total de 200 a 250 leitos; sala
de porteiro e recepção dos doentes; gabinete médico, sala de conferências médicas, sala de cirurgia e
autópsia, cômodos para médico residente; farmácia; cômodos para dez irmãs de caridade (que já
trabalhavam no antigo hospital da Glória desde 1872), enfermeiros e mais pessoal de serviço; rouparia;
refeitório, sala dos convalescentes, despensa e cozinha; capela, sacristia, necrotério e cômodos para o
capelão; salão da Provedoria, arquivo e dependências; biblioteca; Roda de Expostos, cômodos para
criação e educação dos expostos e ingênuos; casa de banhos e duchas; lavanderia; sala de trabalhos de
costura e engomagem99.

Iniciado em 1881, o hospital da Santa Casa foi inaugurado inacabado em 1884. O jornal A Provincia de
São Paulo, na edição de 2 de setembro desse ano descreveu o estágio em que se encontravam as obras:

Ante-ontem na capella provisoria do novo hospital do Arouche fez-se a festa da visitação de


Nossa Senhora
Por causa da mudança dos enfermos que estavam no velho hospital da rua da Gloria, a festa
deixou de ser celebrada como tradicionalmente no dia 2 de Julho.
A casa foi franqueada aos visitantes.
Percorremos todos os compartimentos.
O edifício tem de dimensão 142 metros de frente sobre 132 de fundo.
Ha uma parte principal na frente dividida em dous compartimentos, um para a administração do
hospital, o outro para o asylo des expostos.
Parallelamente á parte da frente ha oito raios destinados aos doentes. Pela sua posição
satisfazem plenamente ás condições hygienicas; são arejados por todos os lados.
Apenas quatro destes raios estão promptos; os outros estão com os alicerces levantados.
Entre esses raios, que formam edifícios independentes e o corpo geral da casa ha um grande
pateo. A grande porta da entrada será construída neste pateo e enfrentando á porta levantar-se-
á a capella.
A parte do edifício que estende-se por traz da capella já está com todos os commodos de serviço
terminados. Entre cada par de raios construir-se-á um jardim de 16 metros de largura. Cada raio
compõe-se de uma enfermaria para 28 camas; uma sala com 4 camas para convalescentes, 2
quartos independentes para doentes de certa gravidade, um quarto grande para o enfermeiro,
um dito de banho, duas latrinas e um lavatorio.
Um portico geral, que dá para a rua, abre a communicação de todos os raios e dependencias da
casa.
A frontaria já está principiada; os alicerces elevam-se a 2 metros. Estende-se um grande terraço
por toda a frente das quatro enfermarias, donde se goza de excellente vista.
O calçamento da frente será feito todo de pedra de cantaria. O estilo das obras é gothico. Os
corredores são abobadados. Os tectos não abobadados são forrados de estuque. Nesse trabalho
não entrou madeira.
Visitamos a pharmacia, a cosinha onde ha um excellente fogão, dormitorios de empregados,
refeitorio, encontrando tudo na maior limpeza.
Alguns doentes, com quem conversamos, disseram que o tratamento é excellente. Ha nas
enfermarias 101 doentes; na casa dos expostos contam-se 36 creanças.
Informaram-nos que approximadamente tem se despendido com as obras 410 contos. É de
lamentar que desde já não hajam meios para concluil-as. [...]100

Como vimos acima, o repertório formal e decorativo usado por Pucci para revestir um tipo edificatório
hospitalar de criação setecentista, gerado no seio da cultura arquitetônica do Classicismo francês, foi um
estilo arquitetônico de tradição romântica do século XIX, o neogótico, em versão lombarda. Esse fato
nos leva a chamar a atenção para a dissociação que então se impunha entre a sintaxe compositiva e o
vocabulário formal dos edifícios, dissociação praticada na arquitetura europeia desde, ao menos, os
ensinamentos do teórico francês J. N. L. Durand (1760-1834), e tida como um dos traços mais marcantes
da arquitetura historicista e eclética então em vigor.

Pretendeu-se ver na escolha desse estilo uma decisão de caráter estritamente religioso, imposta pelo
então provedor da Santa Casa, monsenhor João Jacinto Gonçalves de Andrade (1825-1898)101. Mas a
verdade é que o revivalismo medievalizante – que se infiltrava tardiamente nos centros adiantados do
País por essa época, mostrando-se muitas vezes em edifícios de natureza laica ou profana –, estava,
como assinalado por Luciano Patetta102, intimamente ligado às convenções do ecletismo tipológico-
estilístico e às concepções de modernidade e civilização, constituindo por esse motivo uma sedutora
tentação em relação aos estilos classicistas então em voga. Ademais, no caso específico de construções
hospitalares, sabe-se que havia, ainda, uma importante razão de cunho técnico-profilático a justificar o
uso de abóbadas ogivais na arquitetura das enfermarias dos hospitais de partido higienista. Segundo a
concepção miasmática, o ar infectado produzido no interior dos hospitais ascendia num movimento
natural até o teto das enfermarias, e, de algum modo, deveria ser expelido para fora do edifício para
não se manter em contato com os doentes e os demais frequentadores do local. No sistema
desenvolvido a partir de 1872 pelo já citado engenheiro francês Casimir Tollet, objetivando garantir a
sanidade dos ambientes hospitalares, a ascensão do ar viciado ficava facilitada pelo perfil ogival do teto
das enfermarias. Uma vez concentrado no alto das abóbadas, o ar interno escapava tanto pelos óculos
agenciados na parte superior das paredes extremas das enfermarias, quanto por chaminés distribuídas
ao longo dos pontos mais altos do teto abobadado. Além disso, existiam no interior das paredes, dutos,
em espaçamentos regulares, que se encarregavam de retirar o ar junto ao piso desses ambientes
(fig.21). A criação de um tal sistema de ventilação levou o historiador francês Claude Mignot a tecer o
seguinte comentário: “significatif écho hygiéniste de l’interprétation rationaliste de l’architecture
gothique”103.

No caso paulistano, contudo, é possível que o engenheiro Pucci ignorasse o uso profilático das abóbadas
ogivais, já que as enfermarias por ele projetadas para o hospital da Santa Casa não eram abobadadas,
mas sim forradas com tetos planos estucados104.
Fig.21 - Corte de uma enfermaria segundo o sistema Tollet, criação de Casimir Tollet (1828-1899).
Fonte: MIGNOT, Claude. L’architecture au XIXe siècle. Fribourg: Office du Livre, 1983.

A primeira República durante a segunda metade do século XIX

O alvorecer do período asséptico


O hospital da Misericórdia construído no Arouche distinguia-se dos demais hospitais paulistanos até
então construídos, não só por sua arquitetura, de inédito estilo gótico e baseada em princípios
higienistas, mas pelos novos cuidados médicos que passaram a ser aplicados em suas dependências.
Pelo programa de necessidades, vemos que já havia um médico residente no hospital a se dedicar
integralmente aos pacientes, ao contrário do que acontecia antes, com os médicos fazendo apenas
rápidas visitas aos doentes, entregues durante o resto do dia nas mãos de funcionários pouco
competentes. Na Misericórdia, desde 1872, o tratamento dos enfermos estava a cargo das irmãs de São
José de Chambéry, irmãs de caridade pertencentes a uma congregação de origem francesa. E a partir
dessa data os melhores facultativos de São Paulo estariam frequentando as enfermarias da Santa Casa
como membros do corpo médico hospitalar.

Em 1890, Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho (1867-1920) foi nomeado médico do hospital. Logo alcançaria o
cargo de Diretor Clínico, no qual se manteria até sua morte em 1920. Considerado o maior cirurgião
paulista de seu tempo, sua admissão na Misericórdia coincidiu com as primeiras cirurgias antisséticas
realizadas na cidade. Essas operações usavam o clorofórmio como anestésico e, conforme o testemunho
de época, eram realizadas sob uma chuva de vapores fenicados, lançada por vaporizadores de Lister.
Médicos e doentes ficavam banhados em soluções fenicadas e boricadas, em razão do zelo antissético
que vigorava então. Zelo só mais tarde atenuado, com o melhor conhecimento dos micróbios e do
organismo humano105.
De acordo com o historiador Nikolaus Pevsner (1902-1983)106, respeitáveis obras europeias dedicadas à
arquitetura hospitalar persistiriam na defesa do sistema pavilhonar ainda na passagem para o século XX.
Ou seja, esse tipo de partido continuou legítimo, mesmo após a aceitação generalizada pela classe
médica da teoria microbiana de transmissão de doenças. Muito embora os últimos 30 anos do século
XIX tivessem sido cruciais para a consolidação da teoria germinal das doenças infecciosas – cujas
pesquisas avançaram ao longo do século XIX, mas só se tornaram incontestáveis a partir das
descobertas de Louis Pasteur (1822-1895) e Robert Koch (1843-1910) –, os partidos hospitalares
inventados nos tempos das teorias neo-hipocráticas continuaram válidos por décadas. As necessidades
de constante ventilação e renovação de ar tanto no interior, quanto no exterior das instalações
hospitalares, não foram alteradas imediatamente com as novas descobertas científicas, mesmo porque
os resultados da profilaxia então adotada eram realmente positivos.

Persistência dos hospitais de partido higienista


Hospital Militar (1895-1899)
Exemplo disso foi o projeto e construção do Hospital Militar (1895-1899), erguido no bairro da Luz em
seguimento ao Quartel dos Permanentes (1887-1892), ambas as construções de autoria do engenheiro e
arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928). Este arquiteto, por exemplo, insistiu na
organização pavilhonar do espaço hospitalar da Luz, o mesmo acontecendo com o hospício do Juqueri
(1895-1898), também de sua autoria. Em ambos os casos, as enfermarias abrigavam-se em pavilhões
independentes, dispostos paralelamente, separados por amplos jardins e interligados por meio de
frágeis galerias, apenas cobertas, sustentadas por delicadas estruturas metálicas. A única alteração feita
no partido pavilhonar tradicional era que, com a proclamação da república brasileira, de caráter laico,
havia sido suprimida a presença das capelas nos hospitais diretamente submetidos à administração
governamental (fig. 22 a 25).

Fig.22 - Planta do Hospital Militar. Projeto do engenheiro e arquiteto Francisco de Paula Ramos de
Azevedo (1851-1928), datado de 1895.
Fonte: CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. Ramos de Azevedo. São Paulo: EDUSP, 2000.
Figs.23 e 24 – Aspectos externos do Hospital Militar. Projeto do engenheiro e arquiteto Francisco de
Paula Ramos de Azevedo (1851-1928), datado de 1895.
Fonte: CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. Ramos de Azevedo. São Paulo: EDUSP, 2000.
Fig. 25 – Dois aspectos internos do Hospital Militar (1895-1899), de autoria de Ramos de Azevedo
(1851-1928), segundo ilustrações publicadas na Revista Médica de S. Paulo.
Notar a enfermaria com a abóbada ogival preconizada por Casimir Tollet.
Acervo Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP.

Na Revista Medica de S. Paulo, datada de agosto de 1899, lê-se o memorial descritivo do Hospital Militar
preparado por Ramos de Azevedo. É longo e bastante minucioso, e o que chama a atenção nesse
documento é que a meticulosidade revelada pelo autor na luta contra a contaminação do espaço
hospitalar tem fundamento nas superadas teorias neo-hipocráticas de contágio, enquanto a prática
médica da época já se baseava na teoria microbiana. Apesar de extenso, é muito proveitosa sua leitura
integral:

O serviço hospitalar para abrigada policial do Estado vae em breve ser estabelecido em edifícios
proprios, construidos nas immediações do quartel da Luz, sobre a collina delimitada pelas ruas
João Theodoro e Jorge Miranda, praça de manobras e asylo de morpheticos (terrenos).
A situação é levada e secca; o sólo, de constituição arenosa, afferece suave declividade para os
flancos e fundo, facultando facil enxugo á area do recinto e aos seus arredores.
Nenhum estabelecimento insalubre, nem pantano, ou elemento de viciamento da atmosphera,
prejudica-lhe a collocação.
A exposição da localidade e a natureza de occupação dos vastos terrenos que a circundam,
asseguram-lhe ventilação efficaz, sem que a sua acção possa contaminar bairros povoados da
cidade. A superficie comprehendida em o recinto geral, com 26.450 metros quadrados, permitte a
creação de uma zona sanitaria e isoladora para as habitações mais proximas, em caso algum
inferior a 40m.
A grande praça sobre que se abre o principal ingresso do estabelecimento e as largas ruas, sem
accidentes, que para ellas conduzem, proporcionam accesso corrente e commodo a todo o serviço
que lhe possa interessar. As maiores distancias aos casernamentos da brigada não excedem de
300 metros de distancia.
O hospital deverá offerecer capacidade para tratamento de 200 doentes, em condições
ordinarias, quando forem completadas todas as suas secções. Os edificios formam tantos blocos
separados, quantos os serviços diversos. O conjuncto das construcções occasiona um grupo de 13
pavilhões, dos quais 9 dispostos em torno de grande área central de serviço, a saber:
1.º Administração com as salas de consulta, de operações cirúrgicas, de rouparia, de vestiario e
de habitação para o interno e o enfermeiro.
2.º Economia com as lavanderias, salas de repassagem de linho, deposito de viveres.
3.º Hydrotherapia com o gerador de vapor para aquecimento, banhos simples e medicinaes, sala
de registros da canalisação, etc.
4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º Enfermarias para soldados e inferiores, e seus annexos; sala de
convalescentes, etc.
Destacam-se em situações isoladas.
10.º Enfermaria de observação e suas dependências.
11.º Sala de autopsias e necroterio, com o arsenal cirurgico, etc.
12.º Corpo da guarda, com as camaras para o commandante e praças.
13.º Habitação do porteiro.
As duas ultimas construções flanqueiam o portão de ingresso geral.
As enfermarias, constituindo a parte essencial do estabelecimento, deram assumpto para detido
estudo, no intuito de assegurar aos doentes as condições de hygiene e conforto mais favoraveis
ao restabelecimento. Em typo uniforme são ellas providas dos recursos necessarios ao seu
funccionamento independente. As grandes salas de tratamento, de forma rectangular, tem os
seus longos lados desembaraçados á luz e á ventilação.
As diversas peças, ou camaras de serviço, foram grupadas nas duas extremidades em secções
baixas, de modo a não impedirem a abertura de grandes frestas nas topas [sic, por topos] das
enfermarias.
Cada pavilhão comporta dous pavimentos superpostos que offerecem a capacidade total de 33
leitos, sendo:
No 1.º pavimento, 6 leitos para convalescentes; no 2.º pavimento, 20 leitos na sala geral, 6 leitos
na sala de inferiores, 1 leito em camara isolada.
O pavimento inferior, estabelecido sobre abobadas de alvenaria, tem 0m,80 de elevação do solo e
deste se acha isolado por meio de materiaes impermeaveis.
O seu pé direito é de 3m, 60 em muros largamente vasados para o exterior.
No intuito de não sotopôr camaras de habitação ou de serviço á grande sala de tratamento, toda
a secção correspondente á sua projecção, de 150 metros é consagrada a passeio abrigado dos
convalescentes, cujos dormitorios e dependencias são installladas nos topos dos pavilhões.
O pavimento alto assenta ainda em abobadilhas de tijolo sobre armadura metallica, a 4m, 40
acima do sólo.
A grande sala é coberta por um berço ogival com altura de 1m, 50 sob a chave.
Aos flancos reinam galerias altas, para onde se faz a communicação por cinco grandes janellas de
cada lado, constituindo ellas o prolongamento da enfermaria para tratamento ao ar livre, em
periodo de calma.
O assoalho é estabelecido sobre camada de asphalto permitindo rigorosa antisepsia em toda a
superfície. Os muros são revestidos e pintados a cal em todas as secções dos edifícios,
guarnecendo a parte inferior uma barra de 2m, de altura em pintura de esmalte.
A ventilação se acha largamente provida, directamente por janellas com a superfície total de 480
metros quadrados, guarnecidas de persianas e de caixilhos moveis.
Ao alto da abobada de coroamento reina uma bateria de ventiladores em correspondencia com
orificios na base das janellas, que asseguram uma secção de aspiração de 0.0016 a cada sala.
Entre a abobada e o telhado a tiragem é determinada pelo aquecimento solar, e esta acção
annula em absoluto a influencia de seu gerador sobre a temperatura interior. As salas têm de
comprimento 20 metros sobre 7m,5 de largura, ou a área de 150 metros quadrados.
A cada leito é, pois, attribuida a superfície de 7,5 metros quadrados, não contando o supplemento
de 5m correspondente aos balcões das galerias exteriores.
A secção transversal é de 48 metros quadrados, que em 20m. proporciona a capacidade de 960
metros cubicos ou 48 metros
cubicos a cada leito. A superfície vidrada se compõe de 10 janellas com 4m2 80 cada uma e de 2
oculos com 1m2 76, ou de 51m2 50 na totalidade, ou cerca de 1/3 da superfície da sala. Em
appendice, a uma das extremidades de cada pavilhão, acha-se reservada uma camara para
tratamento de officiaes e inferiores, com capacidade para seis leitos.
A ambas estas peças são attribuidas, independentemente, apparelhos de hygiene, providas dos
recursos das modernas installações. Completam as dependencias das enfermarias, camaras
especiaes para o preparo de tisanas, para pernoite do enfermeiro de serviço e para a
permanencia dos doentes graves.
A esta ultima são adaptados apparelhos mecanicos de descenção para cadaveres.
D’esta arte são poupados aos doentes os incidentes da agonia dos que succumbem e o apparato
do serviço mortuario e de remoção de despojos de companheiros da vespera.
As enfermarias, orientadas a N. S. offerecem successivamente as suas longas faces ao
aquecimento solar. O intervallo de duas enfermarias (26 m de eixo a eixo) é assaz grande para
que a sombra de uma possa attingir a base da outra, de 8 horas da manhã até 4 da tarde.
Os annexos de serviço, com saliência sobre os alinhamentos de flanco das grandes salas,
protegem efficazmente os seus topos contra os ventos reinantes de S. E. e N. O.
A superfície dos muros em contacto com o ar confinado é de 618 m.2 e a de contacto com o ar
exterior, de 558 metros quadrados.
A relação entre a área de absorpção e a de saneamento é, pois de 9 para 10, condição raras vezes
attingida pelas melhores salas de tratamento nos modernos hospitaes.
A rede de esgotos, correspondente aos serviços de cada enfermaria é dotada de apparelhos
especiaes e independentes, de ventilação corrente, de camaras de visita e de desinfecção e de
syphões obturadores em todos os orifícios de junção e de carga.
A illuminação será mininstrada por baterias de lampadas electricas incandescentes, cuja energia
se alimentará na grande usina do Estado, installada nos terrenos do quartel da Luz; de tal sorte
serão evitados os inconvenientes graves, de viciamento do ar pelos combustores proprios a outras
especies de luz.
A casa da Administração occupa toda a face anterior do patio de serviço e, em dous pavimentos
superpostos, offerece amplas accomodações aos trabalhos de direcção e ás dependências do
serviço medico.
Assim é que, gabinete cirurgico, laboratorio attinente, etc., ahi foram estabelecidos em tres salas
do pavimento terreo, em direta communicação com as galerias que conduzem ás enfermarias
geraes.
As salas de vestiario e de rouparia são dispostas em contiguidade com aquellas, de modo a
facilmente satisfazerem ao serviço dos doentes.
A administração, os gabinetes dos internos e enfermeiro-chefe, etc., são installados no pavimento
alto, correspondendo ás galerias que conduzem directamente ás salas de enfermaria.
A casa destinada á Economia comporta no plano terreno os serviços de lavagem de linho, o
armazem de provisão e uma sala de guarda. No pavimento superior, a cosinha, sala de
distribuição de rações, camara de guardas, etc.
As rações serão distribuidas nas infermarias [sic] e nos refeitorios geraes, em caixas apropriadas
sobre carros silenciosos, que percorrerão todas as dependencias do estabelecimento. Os
apparelhos destinados aos diversos serviços da secção foram proporcionados á lotação maxima
do estabelecimento, e responderão amplamente ás respectivas exigencias.
A secção hydroterapica (não concluida), deverá ser provida dos elementos para uma boa sala de
duchas, para camaras de banhos simples e medicinaes, para banhos de vapor, e para uma
pequena piscina.
O aquecimento geral será promovido por gerador de vapor, alojado no sub-solo, attingindo aos
banheiros diversos das enfermarias.
A enfermaria de observação (não iniciada) deverá ter espaço para dous leitos e disporá dos
accessorios indispensaveis á inspecção rigorosa; apenas comportará um pavimento com uma
pequena elevação acima do solo. A sua situação será de accesso mais difficultoso, em condições
de afastamento dos demais edificios.
O necroterio terá uma camara de exposição, em contiguidade com a sala de autopsias. A
capacidade desta é para duas mezas de operação, independentes. Completam o pavilhão uma
camara para o arsenal de cirurgia e uma dita para o medico.
O serviço mortuario dispõe de ingresso especial, fora das vistas das enfermarias e de suas
dependencias.
A portaria é flanqueiada de dois pavilhões baixos destinados: um a habitação do porteiro; e
outro, ao corpo dos guardas do edificio.
A grande área de ajardinamento, reservada em torno dos edifícios, virá complementar, pela sua
benefica acção,
as condições de hygiene e de conforto, que se procurou realisar neste Instituto 107.

Vemos assim que o projeto do hospital procurava atender precipuamente as necessidades de ar e luz,
com garantias de generosa ventilação contínua, tal como preconizado pela medicina higienista. Convém,
por outro lado, notar que o estilo arquitetônico do complexo hospitalar era medievalizante, tal como
acontecia com o quartel da Luz. Torres e merlões serviam de signos arquitetônicos para a fácil
identificação do prédio com a função militar. Quanto às enfermarias, possuíam, como visto, abobadas
ogivais e grandes olhos de boi no alto dos arcos apontados, numa solução funcional ignorada por Pucci
no Hospital da Misericórdia, mas estudada e recomendada pelo engenheiro francês Casimir Tollet desde
1872.
Na verdade, Ramos de Azevedo neste projeto se inspirou fortemente na solução proposta pelo notável
engenheiro francês acima aludido (que, de fato, tinha formação de simples mestre de obras). A solução
encontrada por Tollet foi considerada tão eficiente que seu autor chegou a patenteá-la. A partir da
Exposição Universal de 1878, em Paris, a Sociedade Tollet foi contratada para a construção de uma dúzia
de hospitais desse sistema em diferentes lugares da Europa108.

São muitos os pontos em comum entre o projeto do Hospital Militar de Ramos de Azevedo e a proposta
padronizada de Tollet: a adoção da organização pavilhonar para o estabelecimento hospitalar; a
construção de enfermarias assentadas sobre pavimento inferior e providas de falsas abóbadas ogivais; a
presença de extensas varandas para distração e recuperação dos doentes ao longo das fachadas laterais
das enfermarias e o emprego de sistemas de circulação de ar para o arejamento tanto do espaço interno
da enfermaria, quanto do desvão entre a abóbada e o telhado. A proposta higienista do engenheiro
francês para enfermarias era tão eficaz que, segundo se afirmava, conseguira reduzir a taxa de
mortalidade hospitalar em 25 %.

O Hospital Militar de Ramos de Azevedo manteve sua função original até o final dos anos 1970, quando
se mudou para as atuais instalações da Avenida Cantareira, Invernada do Barro Branco, no bairro do
Tucuruvi. Os antigos edifícios do hospital foram então destinados a outras atividades, mas no início da
década de 1980 decidiu-se, irresponsavelmente, demolir a parte posterior de suas instalações originais,
referentes a refeitório, enfermaria e lavanderia. Hoje na parte subsistente se acham instalados o Museu
Militar e o Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar.
O Hospital de Isolamento (1892-1894)

Enquanto os hospitais projetados por Ramos de Azevedo recebiam elogios, a sede do Hospital da Santa
Casa paulistana sofria críticas desde 1885: carecia de um pavilhão isolado para tuberculosos, uma sala
especial de operações, fornos para desinfecção de roupas e uma maternidade que garantisse a saúde e
o aumento da prole dos trabalhadores imigrantes, conforme salientava o jornalista Rangel Pestana
(1839-1903). Na ocasião, o Dr. Barreto, convocado por uma comissão da irmandade, fez questão de
frisar que a construção não deveria prosseguir
sem operar-se no plano geral da obra modificações que a colloquem de accordo com os principios
actualmente correntes sobre casas desta natureza109.
A verdade era que os conceitos médicos mudavam rapidamente naqueles dias de revolução científica,
sendo difícil acompanhá-los, como também a cidade de São Paulo crescia a olhos vistos, tornando-se
difícil planejar centros hospitalares para uma população trabalhadora cujo número não parava de
aumentar. Ramos de Azevedo demonstrou preferência pelo sistema pavilhonar, longamente maturado
no interior da cultura europeia sete e oitocentista, mas outros profissionais aderiam à cultura hospitalar
de mais recente tradição. Em 1902, um médico brasileiro ao descrever o edifício inacabado da
Misericórdia reparava que o melhor sistema hospitalar não era o pavilhonar, mas o que preconizava o
total isolamento dos pavilhões, então conhecido como sistema de barracas 110. Derivado dos conjuntos
de barracas em que funcionavam os hospitais militares de campanha montados durante a guerra da
Criméia (1853-1856) e a Guerra Civil Americana (1861-1865), – ou seja, quando ainda prevaleciam as
teorias neo-hipocráticas –, esse partido passou a ser preferido na Alemanha111 e usado especialmente
para hospitais de isolamento, tendo sido o escolhido para a realização do hospital deste gênero erguido
no Araçá logo nos primeiros anos da República.

A descentralização política promovida pelo sistema federativo adotado na república brasileira daria
condições para que o agora próspero Estado de São Paulo organizasse com autonomia o mais complexo
aparato de serviço público de saúde do País. A cafeicultura paulista expandira-se tanto nos últimos anos
que o Brasil já controlava praticamente o mercado mundial do produto. Em contrapartida, o fluxo
migratório, sempre crescente, destinado ao trabalho nas lavouras, mantinha-se continuamente
fustigado por sucessivos surtos epidêmicos, agora sobretudo de febre amarela. Para enfrentar esse
dramático problema de saúde pública, que poderia refletir negativamente no desempenho da principal
riqueza econômica do País, havia sido formada a rede estadual de saúde paulista, que em 1892 se
achava composta pelo Instituto Bacteriológico, pelo Laboratório de Análises Químicas e Bromatológicas,
do Instituto Vacinogênico, pelo Laboratório Farmacêutico e pelo Hospital de Isolamento. Depois seriam
criados o Desinfetório Central (1893) e o Instituto Soroterápico (1901), atual Butantã.

Anos depois da criação do hospital de autoria do engenheiro fluminense Inácio Wallace da Gama
Cochrane, o engenheiro baiano Teodoro Fernandes Sampaio (1855-1937) seria encarregado de construir
novos pavilhões para a ampliação do estabelecimento hospitalar, agora sob a administração do governo
do Estado de São Paulo. Como dissemos antes, o sistema então adotado foi o chamado sistema de
barracas, segundo o qual todos os edifícios ficariam completamente isolados uns dos outros, sem
nenhum tipo de contato, nem sequer a presença de galerias apenas cobertas que caracterizavam a
tipologia pavilhonar. O objetivo era separar de forma radical os portadores de diferentes tipos de
doenças transmissíveis, para evitar o mútuo contágio.

Em 1900 a Revista Medica de S Paulo publicava um artigo sobre o Hospital de Isolamento. O conjunto
hospitalar, inaugurado em 1894, dispunha então de uma área de 50 hectares, dos quais dez ocupados
pelos edifícios da administração, pavilhões de doentes, diversas dependências e jardim.

À entrada, do lado direito, estava a casa do porteiro; à esquerda, o edifício da administração e farmácia.
Seguiam-se o Instituto Bacteriológico, onde eram estudadas as moléstias contagiosas, e os pavilhões
para o tratamento de doenças transmissíveis. Eram em número de cinco esses pavilhões (fig.26
superior).
Figs.26 superior e inferior - Aspectos dos diferentes pavilhões do Hospital de Isolamento,
construídos pelo engenheiro baiano Teodoro Sampaio (1855-1937), entre 1892 e 1894.
Zincogravuras de autoria de Theodor Wendt, publicadas
na Revista Médica de S. Paulo, em 1900.
Acervo Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP.

O de n. 1 era destinado aos doentes de difteria ou crupe diftérico. Tinha a aparência de chalé e
compunha-se dos seguintes compartimentos: sala do médico, sala e quarto dormitório das enfermeiras,
quarto do servente, quatro pequenas enfermarias com três leitos cada uma, gabinete e quarto de
banhos do pessoal do pavilhão, gabinete e quarto de banhos dos doentes e por último a copa (fig.27
superior).

O de n.2 era um grande pavilhão dividido em duas alas. Uma para o tratamento de febre tifóide e outra
para o tratamento de febre amarela. Cada ala estava composta de duas enfermarias, uma para homens
e outra para mulheres, havendo anexos a cada uma delas, quartos para doentes, que, por suas
condições, não deveriam ser tratados em enfermaria comum e mais um quarto destinado aos
agonizantes (fig.27 inferior).
Figs. 27 superior e inferior –Dois aspectos dos diferentes pavilhões do Hospital de Isolamento,
construídos pelo engenheiro baiano Teodoro Sampaio (1855-1937), entre 1892 e 1894.
Zincogravuras de autoria de Theodor Wendt, publicadas
na Revista Médica de S. Paulo, em 1900.
Acervo Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP.

Unido a esse pavilhão dos doentes, havia outro abrigando dormitório e sala de refeição do pessoal,
compreendendo a copa, sala de distribuição de dietas, sala de refeição e quartos dormitórios do
pessoal.
Em continuação a esse pavilhão, mas completamente independente, estavam a cozinha geral do
hospital, o salão de refeição do pessoal de serviço externo, que não tinham contato algum com doentes,
e os quartos dormitórios destes mesmos empregados. Estas últimas peças estavam reunidas numa
construção anexa acessível por meio de passadiço coberto, que tinha por tapamento lateral grandes
janelas intercaladas com painéis de venezianas, sistema que, ao conferir ampla e permanente ventilação
ao passadiço, evitava a contaminação da área de serviço (ver adiante fig.31).
O pavilhão de n. 3 era reservado aos enfermos de escarlatina e sobre ele já falamos ao tratar, páginas
atrás, do antigo Hospital de Variolosos (fig.28 superior).

O de n. 4 era consagrado ao tratamento de doentes de varíola, mas vinha sendo usado para doentes de
peste por não haver, havia tempos, epidemias de varíola, graças ao serviço regular de vacinação tornado
eficiente a partir da República. Compunha-se essa construção de quatro enfermarias e de seis quartos.
Como os demais pavilhões, tinha as mesmas dependências para o serviço em separado (fig.28 inferior).

Fig.28 superior. Vista traseira do antigo Hospital dos Variolosos, podendo-se observar à direita o
anexo de serviço separado do corpo principal das enfermarias por passadiço ventilado.
Figs. 28 inferior - Aspecto do novo pavilhão dedicado ao tratamento de varíola do Hospital de
Isolamento, construído pelo engenheiro baiano Teodoro Sampaio (1855-1937), entre 1892 e 1894.
Zincogravuras de autoria de Theodor Wendt, publicadas
na Revista Médica de S. Paulo, em 1900.
Acervo Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP.

E por fim, o último pavilhão, de n.5, chamado de Classe. Era o primeiro a ser construído por esse modelo
e logo outros seriam erguidos, destinados todos eles a doentes de classe, que tinham de ser
acompanhados pelas respectivas famílias. Compunha-se de um vestíbulo e de duas alas completamente
independentes, acomodando em cada uma delas uma família e compostas por sua vez de salão, quarto
de doente, dois quartos para família, sala de jantar, cozinha, gabinete e banheiros, e uma área interna
cercada de varanda para convalescentes (figs.29).
Fig.29 –Aspecto externo do pavilhão n. 5 do Hospital de Isolamento,
construído pelo engenheiro baiano Teodoro Sampaio (1855-1937), entre 1892 e 1894.
Zincogravuras de autoria de Theodor Wendt, publicadas na Revista Medica de S. Paulo, em 1900.
Acervo Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP.

Além dessas construções, o complexo hospital era composto de lavanderia, necrotério e cocheiras
(fig.30). Todas as edificações eram esparsas e devidamente distanciadas no meio de um parque
“caprichosamente cuidado”. O solo sobre o qual se assentavam as construções era completamente
estanque e os pavilhões, construídos sobre arcadas, permitiam a entrada de serventes para as lavagens
dos porões.

Os leitos dos doentes eram feitos de ferro com estrado de arame. Uma mesinha de cabeceira, de ferro e
mármore, existia entre duas camas de doentes.

Especial atenção era dada a profilaxia do hospital. Cada pavilhão tinha seu pessoal especial,
independente, que não podia ter contato com pessoal de outros pavilhões ou de outras dependências
do hospital.

Só os médicos e a enfermeira-chefe tinham acesso a todos os pavilhões, munindo-se, porém, ao entrar,


de competente avental, e cercando-se de cuidados que garantissem a não infecção do vestuário
comum. Todos os pavilhões achavam-se ligados à administração e entre si por aparelhos telefônicos,
único meio de comunicação do pessoal.

O artigo ressaltava ainda que o asseio e limpeza eram da maior preocupação e escrúpulo, fato que
observaram e testaram diversas pessoas “de tratamento” que haviam sido levadas ao hospital e nele
demorado alguns dias. Tudo era deslumbrante: a situação e a vista do hospital; as edificações e suas
dependências; o conforto e o carinho dispensados aos enfermos112.

Dos pavilhões então erguidos, hoje só se conservam três, um dos quais originalmente destinado ao
tratamento das doenças mais temidas: peste bubônica, febre tifóide, difteria e meningite. A construção
mantém as características arquitetônicas iniciais. Apresenta planta oblonga, com paredes de tijolos
erguidas sobre porão aberto em arcada, rodeado de varandas suportadas por estruturas de ferro, sendo
o todo coberto por telhado de quatro águas, com telhas planas de modelo francês. Além desse, outros
dois pavilhões também se acham preservados na área do atual Hospital Emilio Ribas, dando abrigo a
seções administrativas e à biblioteca da unidade113.
Fig.30 –Dois aspectos internos da lavanderia do Hospital de Isolamento,
construído pelo engenheiro baiano Teodoro Sampaio (1855-1937), entre 1892 e 1894.
Zincogravuras de autoria de Theodor Wendt, publicadas
na Revista Médica de S. Paulo, em 1900.
Acervo Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP.
Fig.31 - Dois aspectos internos de pavilhões do Hospital de Isolamento,
construído pelo engenheiro baiano Teodoro Sampaio (1855-1937), entre 1892 e 1894.
Zincogravuras de autoria de Theodor Wendt, publicadas
na Revista Médica de S. Paulo, em 1900.
Acervo Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP.
As enfermarias eram todas de paredes lisas, descantonadas (para não acumular pó e germes), pintadas
a óleo e verniz, com ventiladores diversos, algumas com assoalho frestado e o pavilhão de difteria com
tabuado revestido de linóleo. As instalações higiênicas eram de sistema “Unitas” e diariamente
desinfetadas.

.
Outros estabelecimentos de saúde construídos
a partir dos anos 1890

A partir dos últimos anos do século XIX, várias outras instituições de saúde entrariam em atividade na
cidade de São Paulo, tendo por objetivo oferecer assistência a uma população urbana em processo de
crescimento acelerado: a Sociedade Hospital Samaritano (1892), a Associação Beneficente e Protetora
das Mulheres Desamparadas (1894), o Hospital Alemão, atual Oswaldo Cruz (1897), o Hospital Umberto
Primo, da Societá Italiana di Beneficenza (1904), o Sanatório Santa Catarina (1906) e o Instituto Paulista
(1909), entre tantas outras. Em observância aos ditames higienistas ainda vigentes, as sedes dos novos
estabelecimentos continuaram a ser instaladas em pontos elevados e ventilados da cidade, afastados da
área urbana e providos de densa arborização.

O hospital Samaritano (1892), por exemplo, seria erguido numa das encostas do Morro do Caaguaçu (na
atual Rua Conselheiro Brotero, n.1486), em local próximo ao loteamento do futuro bairro de
Higienópolis (1895), afamado naquele tempo por sua excelente condição de salubridade. A maternidade
da Associação Beneficente e Protetora das Mulheres Desamparada, por sua vez, seria construída nas
vizinhanças da Avenida Paulista (atual Rua Frei Caneca, n. 1245), tal como o pavilhão do Hospital
Umberto I, da colônia italiana, inaugurado em 1904 em terreno não distante dessa mesma avenida
(Alameda Rio Claro, n. 190), instituição transferida do bairro da Bela Vista, onde esteve localizada na
esquina das Ruas Major Diogo e São Domingos, entre 1892 e 1899114.

Inaugurada em 1891, a Avenida Paulista vinha sendo ocupada desde então por ricas moradias
apalacetadas, mas em razão de suas características físicas especiais – situada em alto espigão e em
região originalmente recoberta de densas matas –, alguns equipamentos de saúde conseguiram
estabelecer-se tanto nessa via pública quanto em suas circunvizinhanças, tais como, o Hospital Santa
Catarina (1906), o Instituto Paulista (1909) e o Hospital Alemão (1922), sem falar no Instituto Pasteur,
um instituição antirrábica, datada de fins do século XIX, dedicada à pesquisa, diagnóstico e atendimento
ambulatorial.

Do ponto de vista estilístico todas essas construções, tal como as demais estruturas hospitalares
executadas até a década de 1930, seguiam as convenções do Ecletismo. Em geral, adotavam
vocabulários ornamentais de inspiração historicista ou regionalista que estivesse mais em moda no
momento. No Hospital Samaritano, por exemplo, adotou-se, excepcionalmente, uma linguagem
arquitetônica de inspiração norte-americana, com tijolos aparentes e molduras brancas contornando
portas e janelas (projeto atribuído a Jorge Krug, 1860-1919, com curso de proficiência de dois anos em
Arquitetura na Universidade de Cornell, EUA, concluído em 1888). O Hospital Umberto I, projetado pelo
arquiteto italiano Júlio Micheli (1862-1919), apresentava características influenciadas pelo estilo
toscano, então em voga na Itália. Enquanto o Sanatório Santa Catarina, idealizado pelo engenheiro
alemão Maximilian Hehl (1861-1916), filiava-se ao consagrado estilo neogótico.

De início, a maioria dessas edificações hospitalares não passavam de pequenas e modestas construções.
Em geral, constavam de um corpo com um pavimento sobre porão, acompanhado lateralmente de duas
enfermarias em forma de alas, situadas em posição oposta, segundo o sistema linear (pavilhões iniciais
da Maternidade São Paulo), ou de acordo com uma variação desse partido, como era o caso do primeiro
pavilhão do Hospital Umberto I, em que as alas, paralelas, partiam da face posterior do corpo principal,
formando uma planta em forma de U. Também o hospital do Sanatório de Santa Catarina seguia o
partido linear, com um corpo central com dois pavimentos sobre porão habitável, e duas pequenas alas
laterais, de apenas um pavimento, onde provavelmente se alojavam quartos particulares de várias
categorias. A respeito desse último estabelecimento, aliás, cumpre assinalar que é considerado o
primeiro hospital particular de São Paulo, tendo sido destinado desde o começo a receber doentes
pagantes, exclusivamente.
Conclusão
Já nas primeiras décadas do século XX, o partido de pavilhões demonstrava estar com os dias contados.
Atingira o máximo de seu desenvolvimento e começava a ser abandonado, sobretudo nos EUA115.
Enquanto isso, o partido hospitalar com enfermarias totalmente separadas (o chamado partido de
barracas) continuava ainda a ser bem aceito. Mas depois do nascimento da Bacterologia e do
tratamento antisséptico adotado por Joseph Lister (1827-1912), que mudaram radicalmente a prática da
Medicina, a estrutura hospitalar não poderia mais continuar a ser a mesma do período pré-antissético.

As instalações hospitalares com partido de pavilhões – quer interligados, quer totalmente


independentes – provaram ser de construção e manutenção muito onerosas e o reconhecimento de que
muitas das prescrições profiláticas até então observadas eram exageradas, ou mesmo desnecessárias,
conduziram a uma nova tendência, que de fato demoraria décadas para se consolidar, o hospital em
bloco compacto, composto de vários pavimentos. O primeiro desse tipo, com cinco pisos, foi construído
nos EUA em 1877, por G. B. Post, o hospital de Nova York, protótipo de uma fórmula que iria se mostrar
completamente vitoriosa no século seguinte116 (fig.32).

Fig.32 - Hospital de Nova York, construído em 1877 por G. B. Post, segundo o partido de bloco
compacto, com vários pavimentos, que predominará a partir do século XX.
Fonte: MIGNOT, Claude. L’architecture au XIXe siècle. Fribourg: Office du Livre, 1983.

Do ponto de vista terapêutico, desde o final do Oitocentos, os hospitais vinham-se revelando cada vez
mais eficientes, proporcionando a seus enfermos reais chances de recuperação. As recentes conquistas
da ciência médica e biomédica, o desenvolvimento da indústria farmacêutica, o aprimoramento dos
profissionais ligados à área da saúde, e mais recentemente os avanços da tecnologia médica etc., tudo
contribuiu para transformar o hospital em local seguro, com alta taxa de recuperação e baixo índice de
mortalidade. Como resultado dessas transformações, esses estabelecimentos, antigos redutos
filantrópicos pouco eficazes, inteiramente dedicados ao acolhimento do doente pobre, passaram a ser
frequentados por uma clientela pagante, que se tornava ciente de que as instituições hospitalares se
constituíam agora num espaço cômodo, onde as esperanças de cura eram bem maiores que as
oferecidas em seu próprio lar.

Paralelamente a isso, de temíveis geradores de miasmas, que deveriam ser implantados em áreas
desocupadas distantes da zona urbana, os hospitais transformaram-se com o tempo em eficientes
fatores de desenvolvimento urbano, com grandes proprietários de terrenos em São Paulo tentando,
argutamente, atrair os estabelecimentos hospitalares, na certeza de que a presença desses
equipamentos de saúde favorecia a rápida ocupação urbana nas proximidades de seus
empreendimentos imobiliários.

Notas

1-MESGRAVIS, Laima. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1976. p.37.
2-CAMPOS, Eudes. A vila de São Paulo do Campo e seus caminhos. Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, Departamento do
Patrimônio Histórico, v. 204, 11-34, 2006. p. 24.
Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/ revista_do_arquivo_204_1253293754.pdf>
Acessado em 10 de março de 2010.
3-MESGRAVIS, op.cit., p.43.
4-Id. ibid., p. 42 e 43.
5-Ver a esse respeito:
LOMONACO, Maria Aparecida Toschi. Praticas médicas indígenas e jesuíticas em Piratininga. In: CATALINI, Gilberto e AMARAL,
José Luiz Gomes (org.). 450 anos de história da medicina paulistana. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. p.
2-31. passim.
6-MESGRAVIS, op. cit., p.65 e 69.
7-MARTINS, Antonio E. São Paulo antigo (1554 a 1910). São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1973. p.24.
MESGRAVIS, op. cit., p.90.
8-SANT’ANNA, Nuto. São Paulo histórico. São Paulo: Departamento de Cultura, 1937-1944.6v. V.5 p.224.
9-MESGRAVIS, op. cit., p.122 a 124.
10-Citado por:
CARNEIRO, Glauco. O poder da Misericórdia. São Paulo: s.n., 1986. 2 v. V.1. p. 411.
11-Laima Mesgravis chama atenção para as curiosas crendices expressas pelo Morgado de Mateus (1722-1798), elemento da
nobreza lusa e representante da administração colonial portuguesa de ultramar em São Paulo: icterícias provocadas por
tempestade de raios e surto de lepra resultante do “maligno influxo das estrelas”. Cf.: MESGRAVIS, op. cit., p. 123.
12-Não nos esqueçamos do que dizia o padre José de Anchieta ao descrever o clima do Brasil em carta de 1585 para os padres da
Companhia em Portugal:
O clima desta Província do Brasil, é geralmente muito temperado, de bons e delicados ares muito sadios, aonde os homens vivem
muito, até oitenta, noventa e mais anos, e a terra esta cheia de velhos. Não tem frios nem calores grandes, os céus são mui puros,
máxime à noite, a lua é mui prejudicial à saúde, e corrompe muito as coisas [...](grifo nosso). Cf.:
ANCHIETA, Padre José de. Informação para nosso Padre. Apud. AMARAL, Álvaro do. O Padre José de Anchieta e a fundação de São
Paulo. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1971. 2v. V.2 p.276 a 278.
13-CARNEIRO, op. cit., p. 208.
14-Nas Atas da Câmara de São Paulo, por exemplo, há um termo de declaração, datado de 8 de fevereiro de 1731, em que oficiais
da Câmara acusam colegas por terem abandonado a cidade em razão da grave epidemia de varíola que então grassava.
Durante o ano todo, os vereadores fugidos recusaram-se a voltar. Só no mês de janeiro seguinte a Câmara pôde retomar seus
trabalhos regulares. Dos vereadores eleitos para o ano de 1732, dois recusaram-se a assumir os cargos. Tiveram de ser
substituídos por “vereadores emprestados”. Cf.:
ACTAS da Camara da Cidade de S. Paulo.1730-1736., v. 10. São Paulo: Archivo Municipal de S. Paulo, 1915. p.115.
15-BRUNO, Ernani da Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953. 3v. V.2. p.728 e 729.
16-LIMA, Tania Andrade. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século XIX. Hist. cienc. Saúde -
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 44-94, fev. 1996 . passim.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v2n3/a04v2n3.pdf>
Acessado em 10 de março de 2010.
17-Ver a respeito:
SANTOS, Georgina Silva dos. A difícil arte de sangrar na Lisboa do Antigo Regime. Tempo, Niteroi, Editora de UFF, v.10, n.º 19, 43-
60, dez. 2005. passim.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1413-
77042005000200004&lng=en&nrm=iso>
Acessado em 10 de março de 2010.
18-SEMMEDO, Joam Curvo. Polyanthea Medicinal. Noticias galenicas,e chimicas, repartidas em tres Tratados; [...]. Lisboa, s.n.,
1697. p.10.
Disponível em: <http://books.google.com.br/books?
id=UYKWhq5BGN8C&printsec=
frontcover&source=gbs_v2_summary_r&cad=0#v=
onepage&q=&f=false>
Acessado em 10 de março de 2010.
BARROSO, Maria do Sameiro. João Curvo Semedo, em busca da química da vida. Medicina na Beira Interior, da Pré-História ao
século XXI, Cadernos de Cultura, Castelo Branco, n.º 18, 53-57, nov. 2004. passim.
Disponível em: <http://www.triplov.com/letras/maria_do_sameiro
curvo_semedo/index.htm>
Acessado em 10 de março de 2010.
19-MARTINS, op. cit., p.127.
20-Id. ibid., p.128.
21-A respeito do processo dos Távoras e da biografia de D. Bernardo José Maria de Lorena, consultem-se, por exemplo:
Na Wikipedia:
O processo dos Távoras
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Processo_dos_T%C3%A1voras>
Acessado em 10 de março de 2010.
Em site de Humberto Ballerini:
BALLERINI, Humberto. Conde de Sarzedas [biografia de Bernardo José de Lorena]
Disponível em: <http://www.humbertoballerini.com.br/sarzedas.php>
Acessado em 10 de março de 2010.
22-CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. 1997. 814f.
Tese (Doutorado em Arquitetura) – FAU USP. São Paulo. 4v. V.1, p.64.
23-Id. ibid., V.4, p. 642.
GOMES, Paulo Varela. A cultura arquitectónica e artística em Portugal. Lisboa: Caminho, 1988.p.76.
24-TOLEDO, Benedito L. de. O Real Corpo de Engenheiros na Capitania de São Paulo. São Paulo: João Fortes Engenharia, 1981.
p.141.
25- CAMPOS, op. cit., V.4, p.639 a 642.
26-Sobre as diversas correntes existentes na cultura arquitetônica portuguesa durante a segunda metade do século XVIII,
baseamo-nos principalmente nos vários ensaios de:
GOMES, op. cit., passim.
27-CAMPOS, op. cit. , V.4, p. 599.
28-SEMMEDO, op. cit., p. 58.
29-GRAÇA, Luis. Textos sobre Saúde e Trabalho. Hospitais e outros estabelecimentos assistenciais até o final do século XV. 2000.
(texto n.71)
Disponível em: <http://www.ensp.unl.pt/lgraca/textos71.html>
Acessado em 10 de março de 2010.
30-CARNEIRO, op. cit., p.238.
31-SÃO PAULO (Estado). Assembleia Legislativa . SÃO PAULO: A imperial Cidade e a Assembleia Legislativa Provincial. São Paulo:
Divisão do Arquivo Histórico, 2005. p. 32.
32-MESGRAVIS, op. cit., p.92.
33-SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à Província de São Paulo. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade
de São Paulo, 1976. p. 130.
34-TAUNAY, Affonso de E. História colonial da cidade de São Paulo no século XIX. V. III (1801-1822). São Paulo: Departamento de
Cultura, Divisão do Arquivo Histórico, 1956. p. 295 a 217.
35-MARTINS, op. cit., p.36.
36-MESGRAVIS, op. cit., p. 88 a 95.

37-Num longo artigo publicado em partes na Revista dos Constructores, dedicado à salubridade das construções cariocas, o
engenheiro Guilherme Frederico Röhe alertava, em 1886, sobre o perigo das emanações mefíticas que, segundo a teoria
miasmática, subiam pelas frestas do assoalho das casas térreas, indo concentrar-se junto do forro. Mediante cortes esquemáticos
mostrava a maneira pela qual essas emanações ascendiam do solo e o modo de combatê-las, por meio da adoção nos edifícios de
caixas de ar, lanternas e dutos de ventilação. Cf.:
RÖHE, Guilherme Frederico. Higiene da habitação. Nossas habitações. Humidade, ar e luz. I. Revista dos Constructores. Rio de
Janeiro, n. 8, 120-122, set. 1886. (o artigo prossegue no n.9, p. 133 a 136, e finda nos ns. 11 e 12, p. 159, dessa revista).
38-CARNEIRO, op. cit., p.271.
MESGRAVIS, op. cit., p.106.
39-CAMPOS, Eudes. São Paulo: desenvolvimento urbano e arquitetura sob o Império. In: PORTA, Paula (org.). História da cidade de
São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2004.3v. V. 2, p. 187-249. p. 204.
40-MESGRAVIS, op. cit., p. 107, 135 e 136.
41-CAMPOS. Arquitetura paulistana sob o Império. V.1, p. 65 a 69.
42-CARNEIRO, op. cit., p.315.
43-Loc. cit.
44-MESGRAVIS, op. cit., p.180.
45-ATAS da Câmara Municipal de São Paulo, 1831-1832, v. 26. São Paulo; Archivo Municipal de S. Paulo, 1923. p.163, 171 e 232.
46-MARTINS, op. cit., p. 83.
47-BRUNO, op. cit., p. 735.
48-CAMPOS, op. cit.,V.3, cap.5, nota n.27.
49-MESGRAVIS, op. cit., p.93.
50-Id. ibid., p. 124 e 129.
51-PINTO, Alfredo Moreira. A cidade de São Paulo em 1900. 2ª ed. fac-similar. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1979.
p. 147.
52-MESGRAVIS, op. cit., p 133.
53-Id. ibid., p.195.
54-MARTINS, op. cit., p. 58 a 61.
55-Id.ibid., p. 59.
56-RELATORIO apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de S. Paulo pelo exm. sr. dr. João Theodoro Xavier, presidente da
provincia, no dia 14 de fevereiro de 1875. S. Paulo, Typ. do "Diario," 1875. p.37.
57-PINTO, op. cit., p . 147 e 148.
58-São Paulo (Estado). SNM, Emplasa e SÃO PAULO (Cidade). Sempla. Bens culturais arquitetônicos no município e na região
metropolitana de São Paulo. São Paulo: 1984. p.427.
59-CAMPOS, Eudes. A cidade de São Paulo e a era dos melhoramentos materiaes: obras públicas e arquitetura vistas por meio de
fotografias de autoria de Militão Augusto de Azevedo, datadas do período 1862-1863. Anais do Museu Paulista: história e cultura
material. São Paulo, v. 15, n. 1,11-114, jun. 2007. passim.
60-CAMPOS, Arquitetura paulistana sob o Império, V.3, cap.5, nota n. 1.
61-Id. ibid., V.2, cap. 4, seção 4.2, passim.
62-DISCURSO com que o illustrissimo e excellentissimo senhor dr. José Antonio Saraiva, presidente da provincia de S. Paulo, abrio
a Assembléa Legislativa Provincial no dia 15 de fevereiro de 1855. S. Paulo, Typ. 2 de Dezembro de Antonio Louzada Antunes,
1855. p.11 e 12.
63-CAMPOS, op. cit., V. 2, p. 378.
64-CAMPOS, op.cit., V.3, p. 527 e 528.
65-Loc.cit.
66-Em 1569, o rei D. Sebastião de Portugal mandou vir de Sevilha dois médicos (Tomás Alvarez e Garcia de Salzedo) com
experiência no combate a epidemias. O conselho que estes especialistas espanhóis deram às autoridades portuguesas para
minimizar os efeitos da "grande peste de Lisboa" incluía medidas de natureza diversa. Entre elas, duas que confirmam o temor
que os homens do século XVI e XVII tinham das más influências noturnas sobre a saúde das pessoas.
Entre outras, os médicos espanhóis fizeram as seguintes recomendações: "não abrir as janelas antes do nascer do sol, não sair de
casa senão decorridas duas horas depois de ele ter nascido”. Além disso, recomendaram: aspergir o interior da casa com água e
vinagre ou com vinho aromático, fazer lume de lenhas aromáticas, enramar as casas com plantas de aroma agradável, trazer nas
mãos pomas feitas de substâncias balsâmicas, etc.". Cf.:
GRAÇA, Luís. Textos sobre Saúde e Trabalho. Saúde e terror no Antigo Regime, 2000. (texto n.33). 1. Regimento do Que se Ha-de
Observar Succedendo Haver Peste (de que Deus nos Livre!)
Disponível em: <http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/textos33.html>
Acessado em 10 de março de 2010.
67-CARNEIRO,op. cit., p 316.
Num relatório sobre cemitérios endereçado à Câmara Municipal de São Paulo no ano de 1856, o engenheiro e médico alemão
Carlos Rath, morador na cidade, fazia menção explícita à capacidade profilática das flores e plantas aromáticas. Nesse documento
afirma que o melhor tipo de cemitério que havia então era o adotado por uma seita pietista alemã denominada Herrnhut (cuja
tradução é Sob o cuidado do Senhor ou Montando guarda para o Senhor), seita similar à dos Quakers. Na cidade-sede da confraria,
também chamada Herrnhut, localizada na Saxônia, os cemitérios locais formavam “um jardim com passeios entre flores, arbustos
e pequenos bosques”, que exalavam “um aroma agradavel neutralisando assim as exalações mephiticas, visto que as flores e
arbustos aromaticos entre os monumentos” absorviam “esses gases”. Cf.:
SÃO PAULO (CIDADE). AHMWL. Papéis Avulsos, 1856. V. 1 (n.175), fls. 339 e seguintes. RATH, Carlos F. J. Memoria. Sobre os
cemiterios e o uso de enterrar nas igrejas e suas origens.
68-CARNEIRO, op. cit., p 317.
69-HOSPITAL da sociedade Portugueza de Beneficencia. Correio Paulistano. São Paulo, 28 de junho de 1876. p.2.
70-CAMPOS, op. cit., V.3, p.674 e 675.
71-SÃO PAULO (CIDADE). AHMWL. Obras Particulares – Papéis Avulsos. Caixa referente à Rua Brigadeiro Tobias, 1915. Projecto de
reforma da R. B. Sociedade de Beneficencia – Hospital São Joaquim. Apresentado em 26 de agosto de 1915.
72-NOBRE, Antonio de Goes. Esboço historico da Real e Benemerita Sociedade Portuguesa de Beneficencia, em São Paulo. São
Paulo: Cia. Paulistana de Papeis e Artes Graphicas, 1919. 2 v. V. 1. p.266.
73-CAMPOS, op. cit., V.1, p. 181 a 182.
74-MATRIZ nova de Campinas. Correio Paulistano. São Paulo, 9 de fevereiro de 1867, p.4.
75-A suposição de que Cantarino era português provém de: LEMOS, Carlos A. C. Ecletismo em São Paulo. In: FABRIS, Annatersa
(org.). Ecletismo na arquitetura brasileira. São Paulo: Nobel/Edusp, 1987. p.76 e 77.
76-SCHREINER, Luiz. Estudo sobre hospitaes. Revista de Engenharia. Rio de Janeiro, 8, 126-128, ago. 1880. p.128.
77-TOLLET, Casimir. Les édifices hospitaliers depuis leur origine jusqu’a nos jours. Paris: s.n, 1892. p.V e VI. Apud: SEGAWA, Hugo.
Construção de ordens. São Paulo: Dissertação de mestrado, FAU.USP., 1988. p.157.
78-SÃO PAULO (CIDADE). AHMWL. Obras Particulares - Papéis Avulsos. V.E-1-1. Parecer sobre a futura localização do Hospital da
Sociedade Portuguesa de Beneficência. Datado de 20 de janeiro de 1873 e assinado por Francisco Honorato de Moura, médico da
Câmara.
79-O caso da Beneficência Portuguesa foi colhido em: NOBRE, op. cit. p.260 e 261.
80-ATAS da Câmara Municipal de São Paulo, 1873. p.33.
81-CAMPOS, op. cit., V.3, p.532.
82-CARNEIRO, op. cit., p.318, 327 e 328.
83-PINTO, op. cit., p.144.
84-CARNEIRO, op. cit., V.2, p.920.
Sobre a rivalidade entre os Prados e os Pais de Barros no século XIX, ver: CAMPOS, Eudes. Os Pais de Barros e a Imperial Cidade de
São Paulo. Informativo Arquivo Histórico Municipal. São Paulo, PMSP/SMC/DPH/ AHMWL ano 3, n.16, jan./fev.2008.
Disponível em: <http://www.arquiamigos.org.br/info/
info16/index.html>
Acessado em 10 de março de 2010.
85-CAMPOS, Eudes. Antônio Bernardo Quartim, o ABC da Arquitetura. Informativo Arquivo Histórico Municipal. São Paulo,
PMSP/SMC/DPH/ AHMWL, ano 5, . n. 25/26, jul./ out. 2009.
Disponível em:
<http://www.arquiamigos.org.br/info/info25/26/index.html>
Acessado em 10 de abril de 2010.
86-CAMPOS. Arquitetura paulistana sob o Império. V.3, p. 532 e 533.
87-ATAS da Câmara Municipal de São Paulo, 1875. p.88.
88-CAMPOS, op. cit., V.3, p 533. Na época em que estava em vigor o sistema de propriedade comunal da terra urbana, durante o
período colonial e imperial, o rossio era uma área circunscrita, instituída dentro dos limites do município, onde se concentravam
as terras patrimoniais gozadas em comunhão. No caso de São Paulo, tratava-se de uma área de formato quadrado com uma légua
de lado, ou seja 6 600 metros, medida a partir do ponto mais central da área urbana, no Largo da Sé. Era dentro da delimitação do
rossio que a Câmara municipal exercia sua jurisdição. Dentro desse perímetro, a Câmara estava autorizada a conceder datas de
terra para habitação e cultivo e só no âmbito dele podiam ser designados logradouros públicos ou áreas de servidão pública em
benefício do povo da cidade. Essas áreas de servidão tinham múltiplas serventias durante os séculos XVIII e XIX: serviam de
pastagens para o gado que chegava à cidade; para as tropas que cruzavam os limites do município e para as demais cavalgaduras
locais; para o abastecimento de água para os moradores, viajantes e animais; para pesca, às margens de rios e ribeirões; para a
retirada de lenha e de materiais de construção como madeira, barro, areia de mina e tabatinga, etc. Em fins do Império, viam-se
excepcionalmente dois estabelecimentos de propriedade da Câmara localizados fora do rossio: o hospital de Variolosos (1879-
1880), no alto do Araçá, e o Matadouro Municipal (1886-1887), situado na Vila Mariana, ambos mantidos longe da zona urbana
por motivos de salubridade pública.
89-A respeito desse engenheiro, ver:
RIBEIRO, José Jacintho. Chronologia paulista. São Paulo: Officinas do Diario Official, 1899. Partes I e II em 3v.V.1. p.325 e 326 (nota
n.1).
90-Id., ibid., p.325.
91-SÃO PAULO (CIDADE). DPH.DIM.Arquivo de Negativos. Neg. n.1552 ? Cr. AS NOSSAS gravuras. Revista Medica de São Paulo.
Serviço Sanitario de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial,v.3, n. 3, 174-183, 1900. Ver imagem no alto da p. 177.
92-Id., Ibid. p. 171.
93-MOTTA Junior, Cesario. Relatorio apresentado ao Senhor Doutor Presidente do Estado de São Paulo pelo Dr. Cesario MOTTA
Junior, secretario d’Estado dos Negocios do Interior em 28 de Março de 1894. São Paulo: Vanorden, 1894.p.LII.
94-NASCIMENTO, Silvia Haskel Pereira do; PIRES, Elaine Munis e SANTOS, Gabriela Aparecida dos. Pavilhões do Hospital de
Isolamento do Instituto Adolfo Lutz. In: PROCESSO Compresp 2003 - 0.093.705-5 (referente ao tombamento dos remanescentes do
antigo Hospital de Isolamento).
95- As informações sobre os sistemas hospitalares em uso no século XIX foram obtidas em:
SCHREINER, op.cit., passim.
PEVSNER, Nikolaus. A history of building types. London: Thames and Hudson, [198-]. p.150 a 156.
LAMI, E.-O. Dictionnaire encyclopédique et biographique de l’industrie et des arts industriels. Paris, Librairie des Dictionnaires,
1885-1886, V.5 . p. 671 e ss. (Verbete Hôpital).
MIGNOT, Claude. L’architecture au XIXe siècle. Fribourg: Office du Livre, 1983.p. 212 a 236.
96-PEVSNER, op. cit., p.154a
97-Loc.cit.
98-PUCCI, Luiz. Descripção do Projecto para a Santa Casa de Misericordia de São Paulo, 1879. Apud. CARNEIRO, op.cit., p.333.
99-SANTA Casa de Misericordia de São Paulo. A Provincia de São Paulo. São Paulo, 1.º de fevereiro de 1879. Apud. CARNEIRO, op.
cit., p.321 a 323.
100-SANTA Casa de Misericordia. A Provincia de São Paulo. São Paulo, 2 de setembro de 1884. Apud. Id.ibid., p. 340 e 241.
101-Id., ibid., p.336 e 346 (nota n. 37).
102-PATETTA, Luciano. Los revivals en arquitectura. In: ARGAN, Giulio Carlo. El pasado en el presente. Barcelona: Editorial Gustavo
Gili, 1977.p.129 a 163. p. 146.
103-MIGNOT, op. cit., p. 229.
104-Citado por CARNEIRO, op. cit,. p. 341.
105-Id., ibid., p. 458 a 460.
106-Ver nota n. 93.
107-HOSPITAL militar de São Paulo. Revista Medica de S. Paulo. São Paulo: Impressa Official, v. 2, n. 8, 224-226, ago. 1899.
108-MIGNOT, op. cit., p. 229.
109-SANTA Casa de Misericordia. A Provincia de São Paulo. São Paulo, 25 de julho de 1885. Apud. CARNEIRO, op.cit., p.343 e 344.
110-FAUSTO, Oliveira. L’hôpital de la Misericordia à São Paulo. Revista Medica de S.Paulo. São Paulo, v.5, n. 10, 375-378, out.
1902. Apud. CARNEIRO, op.cit., p.347.
111-MIGNOT, op. cit., p. 225.
112-Ver nota n. 89.
113-SÃO PAULO (Cidade). Departamento do Patrimônio Histórico. O hospital de Isolamento e a geografia das doenças. Portal da
Prefeitura da Cidade de São Paulo.
Disponível em:
<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/ patrimonio_historico/ladeira_memoria/index.php?p=375>
Acessado em 10 de março de 2010.
114-A Societá di Beneficenza in San Paolo foi criada em 1878. Tendo adquirido um terreno na Bela Vista em 1881, inaugurou seu
pequeno hospital em 1892, segundo projeto dos engenheiros italianos Luís Pucci e Júlio Micheli, ambos responsáveis pelo
conjunto hospitalar da Santa Casa de Misericórdia. Em virtude de suas reduzidas proporções, o edifício logo se mostrou
inadequado, sendo vendido ao Estado em 1899, para abrigar uma instituição de ensino, a Escola Maria José (nome dado em
homenagem à progenitora do último dono daquelas terras, o engenheiro Fernando de Albuquerque). A construção, hoje
preservada, ainda existe, destacando-se por se filiar ao Ecletismo de tendência vignolesca,
São Paulo (Estado)... Bens culturais arquitetônicos no município e na região metropolitana de São Paulo. p.403.
115-MIGNOT, op. cit., p, 229.
116-Id. ibid., p. 229.

Para citação adote:

CAMPOS, Eudes. Hospitais paulistanos: do século XVI ao XIX.


INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 6 (29): abr/jun.2011. <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>

Você também pode gostar