Demo faz uma crítica contundente do colonialismo do conhecimento
eurocêntrico e das diferentes formas de fundamentalismos.
O autor ressalta a pluralidade como uma característica humana e propõe éticas capazes de auto-crítica como uma solução aos fundamentalismos, que resultam da rejeição das contestações e da compreensão de que é possível que uma ética possa ser a única realmente válida. Assim como a verdade não é exclusividade de uma única cultura, a ética defendida por determinada cultura – seus valores e normas – também não formam uma realidade absoluta. Em outras palavras, o pensamento ético de um povo não pode ser tomado como universal, pois não representa o pensamento ético de todos os outros povos, cada povo constitui o seu conjunto de valores e normas éticos de acordo com sua cultura, convívio, hábitos e costumes. Demo nos ensina sobre os questionamentos, são eles que “trazem o conhecimento ao mundo”, não buscamos descobrir nada se não possuímos uma dúvida sobre aquilo, a melhor forma de avançar na produção de conhecimento é questionando, pois isso nos impulsiona. Nos ensina também a questionar o conhecimento já produzido, pois ele não é uma verdade absoluta, e ao questionarmos esse pré-conhecimento, seguimos aprimorando-o. Demo fala sobre uma “sociologia das éticas”, onde ele observa que a dimensão ética faz parte do ser humano que foi desenvolvida através da dinâmica das culturas. Destacando dois extremos, os criacionistas e os evolucionistas, o autor defende a ideia do “meio termo”, com o argumento de que de um lado está a incompletude do ser humano e sua necessidade de transcendência e de outro o conhecimento científico, que por mais que avance, não tem respostas para todas as perguntas e, aliás, consegue explicar somente “um fiapo” da realidade. Ou seja, Demo defende que devemos nos manter entre os dois extremos, pois nenhum deles é uma verdade absoluta, e sim ambos se completam. Possuimos uma tendência de crer na existência de um único referencial ético, mas esta perspectiva configura um fundamentalismo, à medida que se incompatibiliza com as diversidades evolucionárias e históricas próprias das estruturas sociais e culturais. O fundamentalismo não é uma característica exclusiva das religiões, quando estas não se aceitam plurais, a ciência acaba também caindo nesta armadilha quando aceita como válido somente o saber conhecido, e ignora todos os outros saberes. Demo nos fala como se constitui a consciência ética do sujeito, que é marcada pela convivência com o outro, e como cada indivíduo é diferente, a própria convivência humana em si já nos coloca uma questão ética. Para que possamos conviver harmonicamente, faz-se necessário estabelecermos normas, e valores que regulem a nossa rotina social. Nas palavras do autor “[...] a ética não brota no ser humano por algum aceno divino ou por imposição externa, mas está incrustada na dinâmica cerebral em termos evolucionários e na dinâmica histórica em termos sociais.” Do ponto de vista sociológico, a ética é contexto natural de toda sociedade, tanto no sentido negativo (dos conflitos sociais), quanto positivo (da boa convivência). Segundo o autor, estamos vivendo em uma “erosão das certezas”, ou seja, estamos deixamos de lado a certeza rígida e ficando com outra, mais “flexível” ou, então, mais relativa. Contudo, ele afirma que acabar definitivamente com as certezas também significaria cair em outra “certeza fundamentalista”. Demo denomina “saga humana do conhecimento” sua análise da importância do conhecimento para a história da humanidade e do conhecer de dentro para fora, auto-referente. A auto-referência faz com que vejamos a realidade através de imagem reconstruída, pelo que vemos, ouvimos, lemos, e não uma representação exata da realidade, não a vemos como ela é de fato e sim a reconstruímos de acordo com nossa percepção. Existem duas faces para o conhecimento: o conhecimento que emancipa, liberta, é o mesmo que imbeciliza, coloniza. Este seria o lado obscuro do conhecimento, a exemplo da colonização concretizada pelo conhecimento eurocêntrico por conta de suas pretensões universalistas. Ao se impor como único saber verdadeiro, a ciência moderna se coloca como a religião mais fundamentalista da atualidade. A imposição de determinada forma de conhecer está diretamente vinculada ao poder: conhecimento e poder caminham juntos. O conhecimento moderno acentua o desafio ético, pois, na mesma proporção que se aprimora, também marginaliza, subordina e exclui os diferentes tipos de conhecimento. Nosso cérebro funciona de forma oposta a um computador, o ser humano produz conhecimento internamente e o externaliza, o computador coleta o conhecimento externo, já produzido e o absorve de fora pra dentro. O conhecimento humano é variável, ele é mutável, se atualiza, se modifica de acordo com as vivências e convivências, o computador possui aquelas informações retidas e só, ele somente as reproduz, não as altera com suas experiências, não “se insere na história” como nós, seres humanos fazemos. O autor explica isso, através do exemplo de vinte pessoas sentada ao redor de uma mesa, uma história é contada para a primeira pessoa, quando chegar na vigésima pessoa, a história já está totalmente distorcida, pois cada pessoa que recontou essa história, inseriu um pouco de si, um pouco de seu ponto de vista para recriar a história e a repassar adiante.