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- Sabe o que é diadelfo? Não sabe. É isso aí: ninguém aprende mais nada na
escola, não há professor que ensine o que é diadelfo. Entretanto, basta você
sair por aí, na Gávea, e dá de cara com pencas de diadelfos. Tão fácil
distingui-los. Pelo visto, sou capaz de jurar que você também nunca
experimentou a emoção do ilapso. Ou por outra: pode ter experimentado, mas sem
identificá-lo pelo nome. Não alcançou a maravilhosa consciência de haver
merecido o ilapso. Conheci um nordestino que na mocidade exercera a profissão
de ultor; como é que pode ser tão mau profissional?
Praticamente, as coisas deixaram de ser nomeadas na boca dos falantes. O
vocabulário azulou. São incapazes de reconhecer o que é beltiano, e mais ainda
de qualificá-lo. Paranzela, já ouviu falar? Conhece entre suas relações quem
algum dia lhe falou em oniquito? Se vou ao Number One e peço alfitetes, pensam
que estou louco, acham que eu quero comer alfinetes. Não adianta argumentar
que, como paguilha, faço jus a maior consideração; de resto, sabem lá o que
seja paguilha?
Olhe, não é só a piara que ignora tudo, inclusive que ela é piara. Os da
alta, é a mesma coisa. Participei de umas boedrômias em certa mansão do Cosme
Velho, e pude verificar que todos, satisfeitíssimos com o que faziam, estavam
longe de imaginar que tudo aquilo que se passava em torno da piscina eram
boedrômias, autênticas boedrômias. Uma situação de poslimínio é absolutamente
indecifrável para muitos doutores que conheço. E quantos só dormem sossegados
se têm talambor a protegê-los, desconhecendo embora que instalaram um talambor
em casa?
Menino, você gosta remuito de siricaia e não sabe o que é siricaia e o
que é remuito? Santa ignorância! Mas que o seu pai, professor ilustre, pratique
o harpaxismo e nem desconfie de ser harpaxista, meus pêsames às codornas.
Lamentável, ainda, a incontinência de seus borborigmos em reuniões sociais,
pois não?
Quanta gente por aí precisando de auriscálpio, e se aconselho que procure
obter um, fica perturbada, imaginando coisas. Chega a manifestar aversamento,
sem mesmo desconfiar do que seja aversamento. De português, não aprendem um
pigalho. Aventure-se alguém, numa roda seleta, a falar em cristadelfos. Os que
se julgam mais informados pensarão que nos referimos a porcelanas de Delft.
Pessoas que adoram determinados pitéus, não as visita a mínima noção de
gamarologia (não quer dizer que estejam gamadas, é outra coisa muito
diferente). Dispomos de alguns estratólogos, a que ninguém trata pela correta
denominação, e se esta for mencionada, haverá quem suponha tratar-se de peritos
em rodoviarismo ou em extrato de contas. Fui cumprimentar uma campeã de tênis,
chamando-a lindamente de vitrice, e ela abespinhou-se. Achou talvez algo de
venéfico no vocábulo. Sabe tênis e não sabe o idioma.
Vamos dar uma volta seral? propus a outra moça, que arregalou os olhos.
Não houve meio de convencê-la de que pretendia levá-la por aí, sob a paz das
estrelas. Imagine se eu lhe propusesse usar subsiles. Ainda que eu aplicasse o
máximo de catexe, não conseguiria nada. E talvez até ela chamasse a polícia.
Bem, não estou exagerando. Você que me ouve, sabe (pelo menos isso) que eu
evito toda e qualquer espécie de cinquete. Ah, também não sabe o que é
cinquete? Era de se esperar. Não posso falar que sua cabeça parece uma
abatiguera, porque, a bem dizer, você nunca plantou nada aí, e em conseqüência
nada aí se pode colher. Certas coisas a gente vê logo, não carece ser
mirioftalmo. Passe bem, ignaro, ou melhor, passe mal!
ANDRADE, Carlos Drummond. As palavras que ninguém diz.
Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 95-98.
HARPAXISMO- relação entre dois organismos VITRICE- aquela que obteve vitória,
de espécies diferentes, na qual um destrói vencedora
o outro ou se alimenta de seus órgãos,
larvas, ovos ou filhotes.
a) Determine o que está implícito nessa frase: que comportamento do narrador poderia
estar sendo considerado um exagero?
02- As palavras que ninguém diz citadas na crônica podem ser divididas em dois grupos.
Cite exemplos de cada um dos dois grupos:
GRUPO 01- palavras que designam seres, coisas, sentimentos, ações que são raros, pouco
conhecidos.
GRUPO 02- palavras que designam seres, coisas, sentimentos, ações que são bem
conhecidos, mas geralmente por outras palavras e expressões.
04- No último parágrafo o narrador diz “Você que me ouve, sabe...” Por que o narrador
usa ouve e não lê (você que me lê...)?
06- Para o narrador, você é ignorante, eles são ignorantes. Que opinião a respeito de
si mesmo ele deixa transparecer na crônica?
07- O que o narrador diz não está de acordo com o título da crônica. Qual é a
contradição?