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Resumo
O Fundo Monetário Internacional é uma das instituições originárias do contexto pós Segunda Guerra
Mundial, ficando conhecida internacionalmente pela sua atuação, e função principal, de conceder
empréstimos à países membros que o solicitam em virtude de um desequilíbrio econômico. Da mesma
maneira, junto aos empréstimos há condicionalidades, um conjunto de medidas a serem adotadas pelos
governos dos países que tomam empréstimos, sob o argumento de garantia da rotatividade dos recursos do
fundo. A forma como essas condicionalidades se constituíram e foram implementadas, assim como os seus
resultados em termos de eficácia naquilo que é proposto, são objeto de controvérsia não apenas acadêmica,
mas sobretudo política e social. Dessa forma, o objetivo deste artigo é fazer uma síntese da trajetória de
empréstimos e de implementação de condicionalidades, apontando para a problematização dessa prática e
sua expansão para além dos objetivos originais do fundo, denominado por Mission Creep, e de sua eficácia.
Palavras Chave: FMI, Empréstimos, Condicionalidades, Mission Creep, Eficácia.
Introdução.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma das instituições surgidas no contexto pós
Segunda Guerra Mundial, sendo criado para ser a instituição que proveria a liquidez
necessária, na forma de empréstimos, para garantir a estabilidade do sistema monetário e
financeiro internacional, em caso de requerimento por parte dos países membros em
virtude de desequilíbrios no balanço de pagamentos.
Essa posição foi sendo alterada gradativamente com o tempo, da mesma forma que passa
a ser implementada, e formalizada no Articles of Agreements2, um conjunto de medidas
a serem adotadas pelos governos dos países que tivessem empréstimos concedidos pelo
1
Economista e Mestre em Política Social (UFES), Doutorando em Economia PPGE-UFU (2018 -). Artigo
avaliativo referente à disciplina Finanças Internacionais (PECC 1025) durante o semestre 2018/2.
2
O Articles of Agreements é o documento fundacional, que rege o FMI. Institui as diretrizes e delimita as
funções. Mais sobre o documento ver: (IMF, 2016).
fundo, sendo denominadas por condicionalidades. Passam a ser implementadas em 1952,
e são formalizadas em 1969.
Dessa forma, o FMI é reconhecido simultaneamente pelas duas razões apontadas, ou seja,
conceder empréstimos sob a condição de compromisso de implementação de um conjunto
de políticas que repercutem em controvérsia sobre a sua atuação no decorrer da história,
alcançando o âmbito acadêmico, político, e social.
Pode se mencionar dois objetos de controvérsia que são retratados na literatura sobre o
tema. Em relação à expansão das áreas de abrangência e da discricionariedade das
condicionalidades, remonta à uma discussão associada à sociologia e a ciência política,
os quais os economistas, historicamente, também se situam e atuam. Este processo é
denominado por Mission Creep, consistindo em um movimento por parte do fundo que
foi iniciado na década de 1970 e aprofundado na década de 1980, junto ao processo de
liberalização comercial e financeira, e principalmente as mudanças ocorridas nos
paradigmas de pensamento do staff do fundo.
No que se refere à eficácia das condicionalidades em relação aos seus próprios objetivos
(ao serem sugeridas e implementadas) e os objetivos do FMI, há questionamentos
sustentados por robusta evidência empírica que caracterizam uma série de
condicionalidades aplicadas como sendo ineficazes no que se propõem, além de
repercutirem, inclusive, sobre o grau de democracia, em termos de percepção dos
cidadãos e do comportamento das instituições, nos países que recorrem, e são submetidos
a implementação de medidas dos programas de “auxílio financeiro FMI”.
Isto posto, no que concerte a estrutura deste texto, seguinte à essa introdução, na seção 2
é realizada uma breve síntese histórica da constituição do Fundo Monetário Internacional,
sendo acompanhada logo após pela seção 3, onde são apresentados aspectos históricos e
quantitativos relacionados aos empréstimos do fundo desde 1952, e questões relacionadas
às condicionalidades. De maneira a problematizar às questões anteriores, na seção 4 são
apresentados os questionamentos sobre a atuação do FMI, tendo como base a revisão
bibliográfica de autores que utilizam o conceito de Mission Creep, e os que dão ênfase na
eficácia, ou não, das medidas implementadas.
[…] it was the shared view among the allied powers that many characteristics
of the international financial system during the period between the first and
second world wars, including competitive devaluations, unstable exchange
rates, and protectionist trade policies, worsened the 1930s depression and
accelerated the onset of the war (WEISS, 2018, p. 4).
É neste contexto que no mês de julho de 1944 são realizadas as reuniões entre
representantes de 44 países sobre as normas de funcionamento do novo sistema
econômico, monetário e financeiro, mundial no contexto do pós-guerra. Os acordos
firmados nessa ocasião são conhecidos por Acordos de Bretton Woods4.
3
Ver também: (BIRD, 1990).
4
Mais sobre os acordos de Bretton Woods ver: (EICHENGREEN, 1992; 2000).
Nações Unidas (ONU), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), que se tornaria o Banco Mundial (BM) anos depois, o General Agreement on
Tariffs and Trade – GATT (que em 1995 se transforma na OMC), e em especial para os
propósitos deste trabalho, o Fundo Monetário Internacional, que foi oficialmente
constituído por 46 membros em dezembro de 19455.
5
Atualmente são 189 países membros do fundo.
6
“[…] the imf is not a development bank and, unlike the world bank and other development agencies, it
does not finance projects” (IMF, website).
7
“One of the main roles of the IMF is to finance its member countries in order to solve their balance of
payments problems of budget difficulties” (ORASTEAN, 2014, p. 410).
8
Ver: (COELHO, 2010, p. 179); e: (WEISS, 2018, p. 13).
9
Grifos do autor. Este é um dos artigos alterados no processo de instituição das condicionalidades como
forma de acesso aos empréstimos do FMI.
Weiss (2018) divide a atuação do FMI, em duas fases históricas. Uma inicial, de 1946 à
1973, em que sua principal função era regulatória em torno de manter em funcionamento
o sistema monetário baseado na paridade dólar-ouro. E a fase seguinte caracterizada pela
ampliação do escopo de atuação, passando à formulação e proposição de medidas
políticas em áreas diversas, de reformas dos mercados financeiros e de capital, ao
mercado de trabalho, de política social, a resoluções de crises de dívida soberana.
É por isso que se faz fundamental, ainda nos dias atuais, a compreensão da maneira como
está estruturada essa atuação do FMI, de ser um organismo financeiro multilateral credor
de Estados Nação, que são membros da instituição mas tomadores de empréstimo
soberanos, via linhas de crédito vinculada à condicionalidades.
3. Empréstimos e condicionalidades.
3.1 Empréstimos.
Conforme já mencionado, uma das funções do FMI é operacionalizar linhas de crédito
para financiamento de desequilíbrios econômicos de países membros. Na definição da
própria instituição, pode se constatar que:
10
Ver: (ORASTEAN, 2014); e: (IMF, lending).
Gráfico 1 – Número de acordos (non-concessional arrangements) aprovados durante os anos de 1952 à
2018.
35
30
25
20
15
10
0
1952
1954
1956
1958
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018
SBA EFF FCL PLL
Fonte: IMF Financial Data Query Tool. Nota: Elaboração do autor a partir de ORASTEAN (2014).
Neste período, foram constatados 1002 acordos não concessionais firmados por 140
países. Conforme se observa, a maioria são do tipo Stand-by Arrangements, e que na
segunda metade da década de 1960, e na primeira metade das décadas de 1980 e 1990,
são os períodos em que se concentra o maior número de acordos firmados. Em
contrapartida, no período mais recente, ocorre uma redução no número de acordos
firmados durante os anos, especialmente a partir de meados da década de 1990.
Todavia, o gráfico 2 acrescenta o valor total desses acordos firmados por ano, em milhões
de SDR.
A ressalvar a ser feita é que, embora seja perceptível a queda na quantidade de acordos
firmados nos ano que compreendem o período mais recente, há um considerável
acréscimo no montante destinado aos programas implementados neste mesmo contexto,
e de forma mais acentuada especialmente no período subsequente a crise econômica de
2008, considerando ainda os efeitos posteriores na década subsequente, e que são
perceptíveis até os dias atuais.
O fundo também possui uma linha de recursos direcionada à países de renda baixa, através
do Poverty Reduction and Growth Trust (PRGT), que fornece as linhas de crédito
concessionais Extended credit facility (ECF) (substituído pelo Poverty Reduction and
Growth Facility (PRGF) em 2010), indicado para problemas de longo prazo no balanço
de pagamentos (inclusive em períodos de crise econômica internacional), Stand by Credit
Facility (SCF), destinado a lidar com problemas de curto prazo no balanço de
pagamentos, e por fim, o Rapid Credit Facility (RCF) para necessidades urgentes do
balanço de pagamentos11. Tendo essas linhas de crédito iniciado em 1986, o número de
acordos firmados por linha de crédito, e o valor total por ano em milhões de SDR, podem
ser vistos no gráfico 3.
Gráfico 3 – Número de acordos (concessional agreements) aprovados durante os anos de 1986 à 2018 e
valores em milhões de SDR
16 30000
14
25000
12
20000
10
8 15000
6
10000
4
5000
2
0 0
2002
2007
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2003
2004
2005
2006
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
11
ORASTEAN (2014, p. 411), acrescenta que as linhas do PRGT tiveram taxas zero até o final de 2013
com exceção do SCF (até o final de 2012).
dos empréstimos do fundo em direção aos países da Europa Central e Mediterrânea, aos
Países Bálticos, à Irlanda e a Islândia, e de forma mais recente ao Afeganistão, Paquistão,
Iraque, África Subsaariana, América Central, e México, e após a crise de 2008 alcançando
outros países da Europa como Portugal e Grécia. Atualmente 33 países estão com acordos
de empréstimo com o fundo em vigência12.
12
Em ordem alfabética: Afeganistão, Argentina, Barbados, Benin, Bósnia e Herzegovina, Burkina Faso,
Camarões, Chade, Colômbia, Costa do Marfim, Egito, Gabão, Gana, Geórgia, Guiné, Guiné Bissau,
Jamaica, Jordânia, Madagascar, Malaui, Mali, Mauritânia, México, Moldávia, Mongólia, Níger, República
Centro Africana, São Tomé e Príncipe, Serra Leoa, Sri Lanka, Togo, Tunísia, Ucrânia.
Além disso, no âmbito da representatividade, o país que recorre ao FMI já o faz em
condições de desvantagem em relação ao fundo, além de consistir em uma sinalização de
vulnerabilidade econômica ao mercado. De acordo com Coelho (2010).
[...] os países tem que se relacionar com o FMI geralmente em condições que
lhes são desvantajosas. Se o aporte de recursos da instituição significa um aval
em momentos de crise, aceder aos seus recursos é uma manifestação de que o
país é vulnerável e sensível aos fluxos de negócios internacionais. Um país que
esteja sob a influência do fundo perde status internacional, perde poder
(COELHO, 2012, p. 181).
Essa posição também é apresentada por Buira (2003), ao situar o processo de negociação
no centro das medidas de condicionalidade, fundamentando a posição de superioridade
financeira superior por parte do FMI ao oferecer suporte técnico e financeiro em troca de
implementação, e mudanças, de um conjunto de políticas no país membro que faz a
requisição do financiamento.
Dessa forma, cabe agora direcionar a atenção para o que são essas condicionalidades e a
evolução de sua trajetória de implementação.
3.2 Condicionalidades
Um dos principais fatores que contribui para o controverso reconhecimento das atuações
do FMI são as denominadas condicionalidades, contrapartida dos governos dos países
requerentes de empréstimos ao fundo, e que são impostas sob o compromisso de
cumprimento no âmbito do processo de negociação, como critério de autorização do
financiamento13.
13
´“Bailouts sponsored by the International Monetary Fund (IMF) are famous for their conditionality: in
return for continued installments of desperately needed loans, governments must comply with policy
changes, such as closing budget deficits and raising interest rates” (DREHER, 2013, p. 4). Para se ter uma
noção de abrangência das condicionalidades, Kentikelenis et al. (2016), realizaram uma análise de 4.500
documentos de acordos de empréstimos do FMI entre 1985 e 2014, constatando o número de 55.465
condicionalidades individuais aplicadas em 131 países durante este período.
Buira (2003), define o termo enquanto representativo dos meios os quais o fundo oferece
um suporte técnico e financeiro, visando influenciar as políticas de um determinado país
de forma à assegurar o cumprimento de um programa. Este programa seria constituído
por uma série de medidas consideradas adequadas para os objetivos do financiamento e
o compromisso de pagamento. Ou seja, de forma conjunta, consiste na proposição e no
compromisso de execução, de um conjunto de medidas governamentais que o país
membro requerente do financiamento compromete-se à implementar para ter acesso as
parcelas (tranches) do financiamento, mediante aprovação do fundo. São políticas que
teriam a intenção de ajudar o país tomador do empréstimo no sentido de reverter os
problemas no balanço de pagamentos através de uma posição que permita o pagamento
do empréstimo ao fundo ao final do período determinado.
Este comprometimento também abrange a maneira como o país pretende e deve utilizar
o recurso financeiro, não sendo seu uso de livre discricionariedade, condicionado à
acompanhamentos de performance, revisões resultantes de encontros do Staff do FMI
com o Ministro das Finanças do país requerente, e aprovação, ou não, da liberação das
parcelas do empréstimo, de forma a legitimar as medidas implementadas. Essas seriam
as denominadas condicionalidades ex-ante. Em caso de não cumprimento, as parcelas.
seguintes do empréstimo podem ser canceladas, ou renegociada sob outros termos
(condicionalidades ex-post).
Uma das justificativas usadas pelo FMI em relação a condicionalidade dos empréstimos
é o caráter rotativo dos recursos, de forma que esses possam estar disponíveis também
para os demais membros14. De acordo com Dell (1982), a principal preocupação do FMI,
e que pode ser caracterizada enquanto a substância das condicionalidades impostas pela
instituição é “to protect the revolving character of its resources, […] linked to the
capacity to repay, of course, is the need for the country concerned to adopt poliies and
measures that will help to restore and maintain balace-of-payments equilibrium” (DELL,
1982, p. 10).
Ademais das preocupações elencadas, embora tenha sido colocada em prática em diversos
países que firmaram acordos de empréstimo com o fundo, não constitui um elemento
14
“As the former General Counsel of the Fund, Sir Joseph Gold, wryly put it, the [Executive Board´s]
decision on February 13, 1952 [adopting the principle of conditionality] was intended to reinvigorate the
Fund by encouraging members to believe that they would be able to use its resources” (Horsefield, 1969,
apud, DELL, 1982, p. 18).
característico desde a sua fundação. A periodização que retrata a trajetória histórica de
implementação dessas condicionalidades pode ser dividida em três fases.
A primeira corresponde ao período de sua criação, no final de 1945, até 1952, quando não
havia menção ou aplicação de condicionalidades. A propósito, conforme apontam Dell
(1982), Buira (2003), Dreher e Vaubel (2004), Babb e Carruthers (2008), logo após a sua
constituição, as formas de atuação, as concepções gerais, as estruturas básicas do FMI
decorrem das discussões que resultaram nos Acordos de Bretton Woods, com
prominência da disputa entre a posição norte americana, representada pelo secretário do
tesouro Harry Dexter White, e, em especial, a posição britânica, representada por John
Maynard Keynes15.
No contexto que remonta às suas origens, a instituição possuía o objetivo de ser uma
instituição visando à cooperação monetária, não existindo mecanismos e menções
explicitas sobre condicionalidades para o acesso aos recursos do fundo por parte de seus
membros em caso de necessidades de correções de desajustes no balanço de pagamentos
que colocassem a sua economia doméstica em risco, impactando também no sistema
econômico, financeiro e monetário, à nível global. Sob este entendimento deste período,
com base em Jeanne, Ostry e Zettelmeyer (2015)16, pode-se concluir que:
IMF conditionality developed gradually. From 1947 until the mid-1950s, the
Fund allowed members to borrow without explicit conditions. A country
requesting an IMF loan woulf make the case that it needed IMF resources
consistent with the purposes of the Fund […] (JEANNE, OSTRY,
ZETTELMEYER, 2015, p. 5).
15
“When the International Monetary Fund was founded in 1944, its statutes (The Articles of Agreement)
did not provide for conditionality. In the negotiations, the British delegation, led by J. M. Keynes, was
opposed to conditionality because Britain was linkely to be a borrower” (DREHER, VAUBEL, 2004, p.
7).
16
Será referenciado a partir daqui pelas iniciais JOZ (2015).
de política econômica em termos de correção de desequilíbrios fiscais e monetários,
geralmente via sugestão de medidas contracionistas, e de questões de política cambial.
A terceira fase histórica das condicionalidades se encontra nas décadas de 1980 e 1990,
permanecendo como prática do fundo até os dias atuais. Classificadas como
condicionalidades (ajustes) estruturais, são medidas denominadas de intrusivas por Babb
e Carruthers (2008), e que correspondem à abertura comercial e financeira, privatizações,
reformas no sistema financeiro e bancário, reformas no sistema jurídico e institucional (a
partir de aprovação de medidas legislativas), reformas no mercado de trabalho,
prescrições de política social, e de forma mais recente, medidas de combate à lavagem de
dinheiro e terrorismo. Supostamente objetivando crescimento econômico e reforço à
democracia, são medidas que normalmente requerem uma maior estrutura de
monitoramento e, devido as mudanças pretendidas na arquitetura econômica do país
requerente, de aprovação legislativa, o que resulta em um processo permeado de longas
discussões e controvérsias, políticas e sociais.
Dreher e Vaubel (2004) elencam dez momentos, entre as décadas de 1950 e 2000, em que
se observam iniciativas de mudanças nas condicionalidades por parte do FMI. Inicia em
1956, quando foi instituída a ideia de plano de fases, ou seja, a dimensão temporal da
liberação dos recursos, na forma de parcelas (tranches). Após, já em 1963, há uma
redução nas condicionalidades através da criação do Compensatory Financing Facility, e
em 1968, a limitação ao escopo das cláusulas de performance. Na década de 1970, em
1974 ocorre uma extensão das condicionalidades visando outras medidas, instrumentos,
e alvos de política, sendo acompanhada em 1979 por uma expansão dessas. Na década
seguinte, ocorrem três alterações, sendo a primeira delas em 1980, com a inclusão de
condicionalidades relacionadas à fatores no âmbito da oferta e considerando a
especificidade setorial, posteriormente, em 1982 ocorre uma flexibilização com a criação
do Compensatory and Contingency Facility, e anos depois, em 1986 e 1987, introduz-se
os benchmarks estruturais de longo prazo através do Structural Adjustment Facility e do
Enhanced Structural Adjustment Facility. Por fim, nas décadas de 1990 e 2000, ocorrem
reduções e revisões das condicionalidades por parte do fundo, inicialmente entre 1993 e
1995 através do Systemic Transformation Facility, e em 2000, com uma revisão resultante
de pressão pública, e que foi anunciada pelo próprio FMI em 2002.
Não se pode omitir, entretanto, que a condicionalidade é um elemento usual nos mercados
financeiras e nas operações de empréstimos, em que o emprestador condiciona o
empréstimo à algum tipo de garantia mínima de pagamento por parte do tomador de
empréstimo. Geralmente é inserida uma taxa de juros e se estabelece um cronograma de
pagamento, e não há imposição de um membro da instituição que concede o crédito, para
monitorar o uso dos recursos concedidos e o desempenho das finanças do tomador de
empréstimo. Ou seja, no mercado financeiro não interessa ao emprestador, de forma
imediata e direta, as atividades do tomador de empréstimo desde que os compromisso de
pagamento de valores sob correção seja cumprido no cronograma estabelecido.
De acordo com estes autores, a definição do conceito é para uma situação em que os
objetivos originais de uma organização são deslocados ao longo do tempo, e citam duas
dinâmicas que causariam este fenômeno: 1) uma necessidade de adaptação da
organização à pressões no ambiente em que se insere, e; 2) questões relacionadas à lógica
interna das organizações, que mudam as suas práticas quando são confrontadas a novos
desafios.
Apontam que quando uma organização depende de recursos de outra organização maior
(como é o caso do fundo em relação aos Estados Unidos da América), a primeira
(dependente) tende a ser controlada pela segunda. Este exercício de controle é realizado
através de dois canais que seriam o poder de veto (por ser o único país que detém mais
de 15% de quotas), e o fato de ser o emissor da moeda correspondente à reserva
internacional. Alegam ainda que a evolução da condicionalidade no decorrer da história
mantém os princípios básicos de recomendação de políticas direcionadas à austeridade
fiscal e monetária, (e que é alvo de muitos críticos das atuações do fundo), e que o
fundamental está no fato que “today´s Fund does a good deal more than this: it servers
an ally of private creditors and as a promoter of Market-oriented structural reforms”
(BABB; BUIRA; 2004, p. 20).
Nessa associação do fundo com o setor financeiro privado, a análise é feita com base nos
benefícios mútuos dessa cooperação para ambas as partes, e naquilo que é expertise do
FMI: o suporte técnico, e principalmente, os empréstimos.
Um dos principais autores que analisam a eficácia das condicionalidades é Axel Dreher,
que tem importantes estudos sobre o tema, entre os quais se pode destacar “The causes
and consequences of IMF conditionality” (2004), em parceria com Roland Vaubel, “IMF
and Economic Growth: The effects of programs, loans, and compliance with
conditionality” (2005), “IMF conditionality: theory and evidence” (2009), e, “Politics
and IMF Conditionality” (2013), em parceria com Jan-Egbert Sturm e James Raymond
Vreeland.
No primeiro trabalho mencionado, o autor realiza uma análise de 98 países para o período
que compreende os anos de 1970 à 2000, utilizando a metodologia de análise de dados
em painel. Parte da hipótese que a atuação do FMI ao impor condicionalidades, pode
afetar o crescimento econômico, e que os resultados encontrados, concordando com
outros estudos anteriores, demonstram que essa influência é negativa, ou seja, leva à uma
redução da taxa de crescimento econômico. Da mesma forma, constata-se que os
empréstimos do FMI não possuem robustez estatística nas regressões estimadas.
17
São utilizadas as seguintes variáveis: uso de créditos do fundo, quota, a razão entre o uso do crédito e a
quota, a revisão da quota (nos anos que ocorreram), o número de Staffs do fundo, o crescimento econômico,
taxa básica de cobrança, a taxa de juros dos títulos do tesouro norte americano.
as reservas internacionais, e positiva em relação a taxas de juros no âmbito mundial do
mercado de capitais.
Por fim, no referido texto de 2013, os autores realizam discussões dos aspectos políticos
envolvidos no processo de concessão de empréstimo e imposição de condicionalidades,
de forma específica a verificar se há algum tipo de distinção de tratamento quando o país
requerente faz parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas (como membro
efetivo, mas especialmente como membro temporário). Analisando 314 acordos com 101
países para o período de 1992 à 2008, os resultados demonstram uma relação negativa,
no sentido que aos membros do conselho, em caso de firmar acordos com o fundo, seriam
atribuídos um percentual 30% menor de condicionalidades. Portanto, levantam a hipótese
de flexibilização, por parte do FMI, nas imposições de medidas de garantia de
repagamento, tendo em troca, obtenção de apoio objetivando influência na política interna
do conselho.
Há diversos outros autores que também tratam do tema sob outras abordagens e objetivos.
Bird e Rowlands (2016), realizam um estudo sobre o efeito dos programas do FMI no
crescimento econômico de países de baixa renda. Utilizando um modelo de propensity
score matching, comparam a performance econômica dos países que tiveram programas
do FMI daqueles em que não se verifica tal situação abrangendo o período de 1989 à
2008, e considerando o tipo de empréstimo, concessional ou não concessional. Constatam
os autores que a natureza austera desses programas, e empréstimos concessionais
repercutem em crescimento econômico de forma mais significativa a partir das reformas
promovidas pelo fundo em relação as condicionalidades, apenas no começo da década de
2000.
Forster et. al. (2017) analisam de que forma programas de reforma econômica (ajustes
estruturais) propostos pelo FMI, afetam a desigualdade em países em desenvolvimento.
Realizaram uma análise de dados em painel considerando 131 países para o período de
1980 à 2014, constatando uma associação entre os programas do fundo e o aumento da
desigualdade, variando estes efeitos por região e tipos de reformas recomendadas, sendo
os países da Àfrica Sub-Saariana os países em que mais se verificam o aumento da
desigualdade. Em contrapartida, as medidas relacionadas as contas do setor externo, em
favor da liberalização da conta de transações correntes e da conta capital e financeira,
repercutiu em diferenças salariais entre países que fazem parte dessa região em relação à
outros que não fazem.
E por fim, cabe mencionar o trabalho feito por Nelson e Wallace (2016), onde realizam
uma análise dos programas de empréstimo do FMI questionando se surtem efeitos
positivos ou negativos para a democracia nos países requerentes. Para isso se utilizam de
estimações via modelos de variáveis instrumentais, diferença em diferença, e genetic
matching, constatando diferenças positivas nos impactos nos níveis de democracia de
países que participam dos programas do fundo em relação aos países e que não
participam.
Considerações Finais.
De modo à concluir, este texto teve por objetivo apresentar algumas discussões referentes
aos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (e que consistem no principal canal
de atuação e objetivo central da instituição) concomitantemente ao que está associado à
essas ações, as denominadas condicionalidades.
Referências Bibliográficas.
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