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Fundo Monetário Internacional: Empréstimos condicionais.

Raphael Rodrigues de Oliveira1

Resumo
O Fundo Monetário Internacional é uma das instituições originárias do contexto pós Segunda Guerra
Mundial, ficando conhecida internacionalmente pela sua atuação, e função principal, de conceder
empréstimos à países membros que o solicitam em virtude de um desequilíbrio econômico. Da mesma
maneira, junto aos empréstimos há condicionalidades, um conjunto de medidas a serem adotadas pelos
governos dos países que tomam empréstimos, sob o argumento de garantia da rotatividade dos recursos do
fundo. A forma como essas condicionalidades se constituíram e foram implementadas, assim como os seus
resultados em termos de eficácia naquilo que é proposto, são objeto de controvérsia não apenas acadêmica,
mas sobretudo política e social. Dessa forma, o objetivo deste artigo é fazer uma síntese da trajetória de
empréstimos e de implementação de condicionalidades, apontando para a problematização dessa prática e
sua expansão para além dos objetivos originais do fundo, denominado por Mission Creep, e de sua eficácia.
Palavras Chave: FMI, Empréstimos, Condicionalidades, Mission Creep, Eficácia.

International Monetary Fund: conditional lending’s


Abstract
The International Monetary Fund is one of the institutions that originated in the post-World War II context,
becoming internationally known for its role and principal function of granting loans to member countries
that request it because of an economic imbalance. In the same way, there are conditionality’s with loans,
a set of measures to be adopted by the governments of the countries that take loans, under the argument of
guarantee of the rotation of the resources of the fund. The way in which these conditionality’s were
constituted and implemented, as well as their results in terms of effectiveness in what is proposed, are the
subject of controversy not only academic, but mainly political and social. In this way, the objective of this
article is to summarize the trajectory of loans and the implementation of conditionality’s, pointing to the
problematization of this practice and its expansion beyond the fund's original objectives, called Mission
Creep, and its effectiveness.
Keywords: IMF, Lending´s, Conditionality, Mission Creep, Efficacy.

Introdução.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma das instituições surgidas no contexto pós
Segunda Guerra Mundial, sendo criado para ser a instituição que proveria a liquidez
necessária, na forma de empréstimos, para garantir a estabilidade do sistema monetário e
financeiro internacional, em caso de requerimento por parte dos países membros em
virtude de desequilíbrios no balanço de pagamentos.

Essa posição foi sendo alterada gradativamente com o tempo, da mesma forma que passa
a ser implementada, e formalizada no Articles of Agreements2, um conjunto de medidas
a serem adotadas pelos governos dos países que tivessem empréstimos concedidos pelo

1
Economista e Mestre em Política Social (UFES), Doutorando em Economia PPGE-UFU (2018 -). Artigo
avaliativo referente à disciplina Finanças Internacionais (PECC 1025) durante o semestre 2018/2.
2
O Articles of Agreements é o documento fundacional, que rege o FMI. Institui as diretrizes e delimita as
funções. Mais sobre o documento ver: (IMF, 2016).
fundo, sendo denominadas por condicionalidades. Passam a ser implementadas em 1952,
e são formalizadas em 1969.

Sendo inicialmente direcionadas à questões de política econômica, fiscal, monetária e


cambial, e sobre a forma de utilização dos recursos a fim de atingir o objetivo de
estabilização dos desequilíbrios no balanço de pagamentos, a abordagem passa a abranger
outras temáticas como crescimento econômico e questões institucionais, por exemplo,
reforma do sistema bancário e financeiro, privatizações, reformas no mercado de trabalho,
indicações de programas de política social, e mais recentemente ações contra lavagem de
dinheiro e terrorismo.

Dessa forma, o FMI é reconhecido simultaneamente pelas duas razões apontadas, ou seja,
conceder empréstimos sob a condição de compromisso de implementação de um conjunto
de políticas que repercutem em controvérsia sobre a sua atuação no decorrer da história,
alcançando o âmbito acadêmico, político, e social.

Pode se mencionar dois objetos de controvérsia que são retratados na literatura sobre o
tema. Em relação à expansão das áreas de abrangência e da discricionariedade das
condicionalidades, remonta à uma discussão associada à sociologia e a ciência política,
os quais os economistas, historicamente, também se situam e atuam. Este processo é
denominado por Mission Creep, consistindo em um movimento por parte do fundo que
foi iniciado na década de 1970 e aprofundado na década de 1980, junto ao processo de
liberalização comercial e financeira, e principalmente as mudanças ocorridas nos
paradigmas de pensamento do staff do fundo.

No que se refere à eficácia das condicionalidades em relação aos seus próprios objetivos
(ao serem sugeridas e implementadas) e os objetivos do FMI, há questionamentos
sustentados por robusta evidência empírica que caracterizam uma série de
condicionalidades aplicadas como sendo ineficazes no que se propõem, além de
repercutirem, inclusive, sobre o grau de democracia, em termos de percepção dos
cidadãos e do comportamento das instituições, nos países que recorrem, e são submetidos
a implementação de medidas dos programas de “auxílio financeiro FMI”.

Isto posto, no que concerte a estrutura deste texto, seguinte à essa introdução, na seção 2
é realizada uma breve síntese histórica da constituição do Fundo Monetário Internacional,
sendo acompanhada logo após pela seção 3, onde são apresentados aspectos históricos e
quantitativos relacionados aos empréstimos do fundo desde 1952, e questões relacionadas
às condicionalidades. De maneira a problematizar às questões anteriores, na seção 4 são
apresentados os questionamentos sobre a atuação do FMI, tendo como base a revisão
bibliográfica de autores que utilizam o conceito de Mission Creep, e os que dão ênfase na
eficácia, ou não, das medidas implementadas.

2. O Fundo Monetário Internacional: Síntese histórica e objetivos.


A primeira metade do século XX pode ser caracterizado como o período onde se
localizam alguns dos maiores acontecimentos da história contemporânea, dentre os quais
se pode mencionar as duas grandes guerras mundiais, de 1914 à 1918, e de 1938 à 1945,
e a crise econômica de 1929. Do ponto de vista econômico, os aprendizados resultantes
das consequências da falta de uma arquitetura econômica em nível mundial, expressada
pelas políticas de desvalorização competitiva das taxas de câmbio e de protecionismo
comercial, características do denominado período Entre Guerras, repercutiram nas
lideranças internacionais, mesmo anteriormente ao final da Segunda Guerra Mundial,
sobre a necessidade de organização, do ponto de vista internacional, de arranjos
institucionais, econômicos e políticos. Sob essa perspectiva, de acordo com Weiss
(2018)3,

[…] it was the shared view among the allied powers that many characteristics
of the international financial system during the period between the first and
second world wars, including competitive devaluations, unstable exchange
rates, and protectionist trade policies, worsened the 1930s depression and
accelerated the onset of the war (WEISS, 2018, p. 4).

É neste contexto que no mês de julho de 1944 são realizadas as reuniões entre
representantes de 44 países sobre as normas de funcionamento do novo sistema
econômico, monetário e financeiro, mundial no contexto do pós-guerra. Os acordos
firmados nessa ocasião são conhecidos por Acordos de Bretton Woods4.

Além da legitimação de uma já notável proeminência da hegemonia norte americana no


sistema monetário e financeiro internacional (através da instituição do padrão dólar-
ouro), estes acordos tiveram como resultado a fundação de instituições que teriam por
objetivo promover o desenvolvimento, e a estabilidade da arquitetura financeira e
monetária global proposta, dentre os quais se podem mencionar a Organização das

3
Ver também: (BIRD, 1990).
4
Mais sobre os acordos de Bretton Woods ver: (EICHENGREEN, 1992; 2000).
Nações Unidas (ONU), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), que se tornaria o Banco Mundial (BM) anos depois, o General Agreement on
Tariffs and Trade – GATT (que em 1995 se transforma na OMC), e em especial para os
propósitos deste trabalho, o Fundo Monetário Internacional, que foi oficialmente
constituído por 46 membros em dezembro de 19455.

No que se refere a instituições financeiras multilaterais, enquanto o BM será a instituição


que terá por objetivo o financiamento de infraestrutura através de linhas de crédito de
longo prazo6, o FMI será o responsável em prover liquidez para financiar déficits no
balanço de pagamentos verificados em um determinado país em um período de tempo,
dependendo de requerimento por parte do país membro e de aprovação pela direção do
fundo7. Coelho (2010) e Weiss (2018)8, classificam as principais funções do FMI em três
ações: 1) supervisionar e assegurar a estabilidade do sistema monetário e financeiro
internacional; 2) prover assistência técnica; 3) fornecer linhas de crédito multilateral.
Ainda se pode mencionar a prospecção e elaboração de base de dados, pesquisa, e
treinamento à policy makers.

No artigo I do documento de constituição e que rege o FMI, Articles of Agreement, estão


localizadas as seis finalidades da instituição, e que portanto seriam:

(i) to promote international monetary cooperation through a permanent


institution which provides the machinery for consultation and collaboration
on international monetary problems; (ii) to facilitate the expansion and
balanced growth of international trade, and to contribute thereby to the
promotion and maintenance of high levels of employment and real income to
the development of the productive resources of all members as primary
objectives of economic policy; (iii) to promote exchange stability, to maintain
orderly exchange arrangements among members, and to avoid competitive
exchange depreciation; (iv) to assist in the establishment of a multilateral
system of payments in respect of current transactions between members and in
the elimination of foreign exchange restrictions which hamper the growth of
world trade; (v) to giver confidence to members by making the general
resources of the Fund temporarily available to them under adequate
safeguards, thus providing them with opportunity to correct maladjustments
in their balance of payments without resorting to measures destructive of
national of international prosperity; (vi) in accordance with the above, to
shorten the duration and lessen the degree of disequilibrium in the
international balances of payments of members (IMF, 2016, p. 13)9.

5
Atualmente são 189 países membros do fundo.
6
“[…] the imf is not a development bank and, unlike the world bank and other development agencies, it
does not finance projects” (IMF, website).
7
“One of the main roles of the IMF is to finance its member countries in order to solve their balance of
payments problems of budget difficulties” (ORASTEAN, 2014, p. 410).
8
Ver: (COELHO, 2010, p. 179); e: (WEISS, 2018, p. 13).
9
Grifos do autor. Este é um dos artigos alterados no processo de instituição das condicionalidades como
forma de acesso aos empréstimos do FMI.
Weiss (2018) divide a atuação do FMI, em duas fases históricas. Uma inicial, de 1946 à
1973, em que sua principal função era regulatória em torno de manter em funcionamento
o sistema monetário baseado na paridade dólar-ouro. E a fase seguinte caracterizada pela
ampliação do escopo de atuação, passando à formulação e proposição de medidas
políticas em áreas diversas, de reformas dos mercados financeiros e de capital, ao
mercado de trabalho, de política social, a resoluções de crises de dívida soberana.

Desde o seu surgimento, mantém a sua proeminência enquanto instituição multilateral


que busca atuar de maneira à garantir a estabilidade do sistema monetário e financeiro
internacional. Entretanto, da mesma maneira que houve a expansão das suas atividades
no fornecimento de linhas de crédito acopladas à condições de cumprimento de
determinadas medidas políticas e de política econômica como forma de conceder o
recurso financeiro, também foram crescentes as críticas e controvérsias, que ultrapassam
as discussões acadêmicas e políticas, chegando em muitos casos, nos países em que se
implementam os programas de ajuda financeira do fundo, à questões intrínsecas a
soberania nacional e de repercussão via revolta popular.

É por isso que se faz fundamental, ainda nos dias atuais, a compreensão da maneira como
está estruturada essa atuação do FMI, de ser um organismo financeiro multilateral credor
de Estados Nação, que são membros da instituição mas tomadores de empréstimo
soberanos, via linhas de crédito vinculada à condicionalidades.

3. Empréstimos e condicionalidades.
3.1 Empréstimos.
Conforme já mencionado, uma das funções do FMI é operacionalizar linhas de crédito
para financiamento de desequilíbrios econômicos de países membros. Na definição da
própria instituição, pode se constatar que:

A country in severe financial trouble, unable to pay its international bills,


poses potential problems for the stability of the international financial system,
which the imf was created to protect. Any member country, whether rich,
middle-income, or poor, can turn to the imf for financing if it has a balance of
payments need – that is, if it cannot find sufficient financing on affordable
terms in the capital markets to make its international payments and maintain
a safe level of reserves. IMF loans are meant to help member countries tackle
balance of payments problems, stabilize their economies, and restore
sustainable economic growth (IMF, website).
O fundo possui basicamente quatro fontes de recursos para financiar suas operações.
Inicialmente pode-se mencionar que essas linhas de financiamento existem desde a
constituição do FMI através de quotas de participação que cada país membro possui no
fundo, e também de duas outras fontes complementares, o general arrangements to
Borrow (GAB), criado em 1962 e formado por 11 membros, e o New Arrangements to
Borrow (NAB), criado em 1997, formado por 40 países membros, e acionado por 10 vezes
desde a sua criação. Além disso, desde a crise econômica de 2008, o fundo também tem
atuado através de acordos bilaterais realizados com países, constituindo o retorno dessas
operações, uma outra fonte de recursos.

Os empréstimos podem ser divididos em duas grandes classificações denominadas de


empréstimos concessionais ou não concessionais (concessional loan; non concessional
loan), dos quais fazem parte diversas linhas de crédito estabelecidas pelo fundo, de acordo
com as avaliações realizadas pelo Staff da instituição sobre as características dos
fundamentos econômicos do país requerente.

No que se refere aos empréstimos não concessionais, encontram-se o Stand By


Arrangements (SBA), direcionado à problemas de curto prazo no balanço de pagamentos,
o Flexible Credit Line (FCL) (substituído pelo Structural Adjustment Facility (SAF) em
2009), que tem por objetivo o provimento de liquidez aos países com fundamentos,
políticas, e medidas de implementação de políticas robustas, o Precautionary and
Liquidity Line (PLL) (substituído pelo Precautionary Credit Line (PCL) em 2011),
direcionado ao provimento de liquidez para países membros com sólidos fundamentos
macroeconômicos mas que não atendem ao FCL10, o Extended Fund Facility (EFF),
voltado à problemas de médio e longo prazo no balanço de pagamentos, e por fim, o mais
recente é o Rapid Financing Instrument (RFI), disponível para todos os membros em
virtude de questões emergenciais no balanço de pagamentos. Com base em um survey
realizado em 2014 por Ramona Orastean, o gráfico 1 apresenta a evolução do número de
acordos non-concessional aprovados durante os anos de 1952 à 2018.

10
Ver: (ORASTEAN, 2014); e: (IMF, lending).
Gráfico 1 – Número de acordos (non-concessional arrangements) aprovados durante os anos de 1952 à
2018.
35

30

25

20

15

10

0
1952
1954
1956
1958
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018
SBA EFF FCL PLL

Fonte: IMF Financial Data Query Tool. Nota: Elaboração do autor a partir de ORASTEAN (2014).

Neste período, foram constatados 1002 acordos não concessionais firmados por 140
países. Conforme se observa, a maioria são do tipo Stand-by Arrangements, e que na
segunda metade da década de 1960, e na primeira metade das décadas de 1980 e 1990,
são os períodos em que se concentra o maior número de acordos firmados. Em
contrapartida, no período mais recente, ocorre uma redução no número de acordos
firmados durante os anos, especialmente a partir de meados da década de 1990.

Todavia, o gráfico 2 acrescenta o valor total desses acordos firmados por ano, em milhões
de SDR.

Gráfico 2 - – Número de acordos (non-concessional arrangements) aprovados durante os anos de 1952 à


2018 e valores em milhões de SDR.
40 120000
35
100000
30
80000
25
20 60000
15
40000
10
20000
5
0 0
1952
1954
1956
1958
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018

SBA EFF FCL PLL total em SDR

Fonte: IMF Query Tools. Nota: Elaboração do autor.

A ressalvar a ser feita é que, embora seja perceptível a queda na quantidade de acordos
firmados nos ano que compreendem o período mais recente, há um considerável
acréscimo no montante destinado aos programas implementados neste mesmo contexto,
e de forma mais acentuada especialmente no período subsequente a crise econômica de
2008, considerando ainda os efeitos posteriores na década subsequente, e que são
perceptíveis até os dias atuais.
O fundo também possui uma linha de recursos direcionada à países de renda baixa, através
do Poverty Reduction and Growth Trust (PRGT), que fornece as linhas de crédito
concessionais Extended credit facility (ECF) (substituído pelo Poverty Reduction and
Growth Facility (PRGF) em 2010), indicado para problemas de longo prazo no balanço
de pagamentos (inclusive em períodos de crise econômica internacional), Stand by Credit
Facility (SCF), destinado a lidar com problemas de curto prazo no balanço de
pagamentos, e por fim, o Rapid Credit Facility (RCF) para necessidades urgentes do
balanço de pagamentos11. Tendo essas linhas de crédito iniciado em 1986, o número de
acordos firmados por linha de crédito, e o valor total por ano em milhões de SDR, podem
ser vistos no gráfico 3.

Gráfico 3 – Número de acordos (concessional agreements) aprovados durante os anos de 1986 à 2018 e
valores em milhões de SDR
16 30000
14
25000
12
20000
10
8 15000
6
10000
4
5000
2
0 0
2002

2007
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001

2003
2004
2005
2006

2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018

SAF ECF ESF total em SDR

Fonte: IMF Query Tools. Nota: Elaboração do autor.

Concordando com Coelho (2010), em termos regionais, a análise da trajetória de acordos


de empréstimos permite constatar que os países da América Latina e da África
Subsaariana podem ser considerados como os mais experimentados, sendo a década de
1970 e 1980 o período a ser considerado para o primeiro grupo de países, e os anos mais
recentes para o segundo. Também, que há um deslocamento a partir da década de 1980,

11
ORASTEAN (2014, p. 411), acrescenta que as linhas do PRGT tiveram taxas zero até o final de 2013
com exceção do SCF (até o final de 2012).
dos empréstimos do fundo em direção aos países da Europa Central e Mediterrânea, aos
Países Bálticos, à Irlanda e a Islândia, e de forma mais recente ao Afeganistão, Paquistão,
Iraque, África Subsaariana, América Central, e México, e após a crise de 2008 alcançando
outros países da Europa como Portugal e Grécia. Atualmente 33 países estão com acordos
de empréstimo com o fundo em vigência12.

As formas de acesso aos recursos é o principal motivo de discussão e controvérsia, uma


vez que relaciona fatores econômicos e geopolíticos. No que refere aos fatores
econômicos, cita-se a orientação dos fundamentos macroeconômicos e de política
econômica a ser implementada pelo país que solicita, que deve ser associada as diretrizes
do fundo, que serão avaliadas pelo corpo executivo no momento de deliberação pela
aprovação ou não do empréstimo. Muitos destes fatores estarão explicitados nas já
denominadas condicionalidades, que serão tratadas de forma mais específica mais
adiante. Em termos dos fatores geopolíticos, no geral, o relacionamento diplomático do
país com o restante dos países membros é importante, mas o fundamental é a obtenção de
respaldo por parte do governo norte americano, detentor de 17.45% de quotas, sendo o
único país que possui poder de veto aos requerimentos de empréstimo (é necessária a
aprovação por parte de um conjunto de países que represente ao menos 85% do total de
quotas). Na tabela 2 são apresentadas as posições, em percentual, dos 10 maiores
detentores de quotas de participação no fundo.

Tabela 1 – Percentual de Quotas do FMI dos 10 maiores detentores.


País Percentual de quotas (%)
EUA 17.45
Japão 6.48
China 6.41
Alemanha 5.60
França 4.23
Reino Unido 4.23
Itália 3.16
Índia 2.75
Rússia 2.71
Brasil 2.32
Fonte: IMF Query Tools. Nota: Elaboração do autor.

12
Em ordem alfabética: Afeganistão, Argentina, Barbados, Benin, Bósnia e Herzegovina, Burkina Faso,
Camarões, Chade, Colômbia, Costa do Marfim, Egito, Gabão, Gana, Geórgia, Guiné, Guiné Bissau,
Jamaica, Jordânia, Madagascar, Malaui, Mali, Mauritânia, México, Moldávia, Mongólia, Níger, República
Centro Africana, São Tomé e Príncipe, Serra Leoa, Sri Lanka, Togo, Tunísia, Ucrânia.
Além disso, no âmbito da representatividade, o país que recorre ao FMI já o faz em
condições de desvantagem em relação ao fundo, além de consistir em uma sinalização de
vulnerabilidade econômica ao mercado. De acordo com Coelho (2010).

[...] os países tem que se relacionar com o FMI geralmente em condições que
lhes são desvantajosas. Se o aporte de recursos da instituição significa um aval
em momentos de crise, aceder aos seus recursos é uma manifestação de que o
país é vulnerável e sensível aos fluxos de negócios internacionais. Um país que
esteja sob a influência do fundo perde status internacional, perde poder
(COELHO, 2012, p. 181).

Essa posição também é apresentada por Buira (2003), ao situar o processo de negociação
no centro das medidas de condicionalidade, fundamentando a posição de superioridade
financeira superior por parte do FMI ao oferecer suporte técnico e financeiro em troca de
implementação, e mudanças, de um conjunto de políticas no país membro que faz a
requisição do financiamento.
Dessa forma, cabe agora direcionar a atenção para o que são essas condicionalidades e a
evolução de sua trajetória de implementação.

3.2 Condicionalidades
Um dos principais fatores que contribui para o controverso reconhecimento das atuações
do FMI são as denominadas condicionalidades, contrapartida dos governos dos países
requerentes de empréstimos ao fundo, e que são impostas sob o compromisso de
cumprimento no âmbito do processo de negociação, como critério de autorização do
financiamento13.

Babb e Carruthers (2008), analisam a definição de condicionalidade desde o ponto de


vista semântico, que significa “aquilo que tem o caráter de ser condicionado” (de acordo
com o Oxford English Dictionary), até o próprio entendimento nos termos do FMI, que
poderia ser definido como a “as the placement of policy conditions on the disbursement
of financial resources to national governments” (BABB, CARRUTHERS, 2008, p. 15).

13
´“Bailouts sponsored by the International Monetary Fund (IMF) are famous for their conditionality: in
return for continued installments of desperately needed loans, governments must comply with policy
changes, such as closing budget deficits and raising interest rates” (DREHER, 2013, p. 4). Para se ter uma
noção de abrangência das condicionalidades, Kentikelenis et al. (2016), realizaram uma análise de 4.500
documentos de acordos de empréstimos do FMI entre 1985 e 2014, constatando o número de 55.465
condicionalidades individuais aplicadas em 131 países durante este período.
Buira (2003), define o termo enquanto representativo dos meios os quais o fundo oferece
um suporte técnico e financeiro, visando influenciar as políticas de um determinado país
de forma à assegurar o cumprimento de um programa. Este programa seria constituído
por uma série de medidas consideradas adequadas para os objetivos do financiamento e
o compromisso de pagamento. Ou seja, de forma conjunta, consiste na proposição e no
compromisso de execução, de um conjunto de medidas governamentais que o país
membro requerente do financiamento compromete-se à implementar para ter acesso as
parcelas (tranches) do financiamento, mediante aprovação do fundo. São políticas que
teriam a intenção de ajudar o país tomador do empréstimo no sentido de reverter os
problemas no balanço de pagamentos através de uma posição que permita o pagamento
do empréstimo ao fundo ao final do período determinado.

Este comprometimento também abrange a maneira como o país pretende e deve utilizar
o recurso financeiro, não sendo seu uso de livre discricionariedade, condicionado à
acompanhamentos de performance, revisões resultantes de encontros do Staff do FMI
com o Ministro das Finanças do país requerente, e aprovação, ou não, da liberação das
parcelas do empréstimo, de forma a legitimar as medidas implementadas. Essas seriam
as denominadas condicionalidades ex-ante. Em caso de não cumprimento, as parcelas.
seguintes do empréstimo podem ser canceladas, ou renegociada sob outros termos
(condicionalidades ex-post).

Uma das justificativas usadas pelo FMI em relação a condicionalidade dos empréstimos
é o caráter rotativo dos recursos, de forma que esses possam estar disponíveis também
para os demais membros14. De acordo com Dell (1982), a principal preocupação do FMI,
e que pode ser caracterizada enquanto a substância das condicionalidades impostas pela
instituição é “to protect the revolving character of its resources, […] linked to the
capacity to repay, of course, is the need for the country concerned to adopt poliies and
measures that will help to restore and maintain balace-of-payments equilibrium” (DELL,
1982, p. 10).

Ademais das preocupações elencadas, embora tenha sido colocada em prática em diversos
países que firmaram acordos de empréstimo com o fundo, não constitui um elemento

14
“As the former General Counsel of the Fund, Sir Joseph Gold, wryly put it, the [Executive Board´s]
decision on February 13, 1952 [adopting the principle of conditionality] was intended to reinvigorate the
Fund by encouraging members to believe that they would be able to use its resources” (Horsefield, 1969,
apud, DELL, 1982, p. 18).
característico desde a sua fundação. A periodização que retrata a trajetória histórica de
implementação dessas condicionalidades pode ser dividida em três fases.

A primeira corresponde ao período de sua criação, no final de 1945, até 1952, quando não
havia menção ou aplicação de condicionalidades. A propósito, conforme apontam Dell
(1982), Buira (2003), Dreher e Vaubel (2004), Babb e Carruthers (2008), logo após a sua
constituição, as formas de atuação, as concepções gerais, as estruturas básicas do FMI
decorrem das discussões que resultaram nos Acordos de Bretton Woods, com
prominência da disputa entre a posição norte americana, representada pelo secretário do
tesouro Harry Dexter White, e, em especial, a posição britânica, representada por John
Maynard Keynes15.

No contexto que remonta às suas origens, a instituição possuía o objetivo de ser uma
instituição visando à cooperação monetária, não existindo mecanismos e menções
explicitas sobre condicionalidades para o acesso aos recursos do fundo por parte de seus
membros em caso de necessidades de correções de desajustes no balanço de pagamentos
que colocassem a sua economia doméstica em risco, impactando também no sistema
econômico, financeiro e monetário, à nível global. Sob este entendimento deste período,
com base em Jeanne, Ostry e Zettelmeyer (2015)16, pode-se concluir que:

IMF conditionality developed gradually. From 1947 until the mid-1950s, the
Fund allowed members to borrow without explicit conditions. A country
requesting an IMF loan woulf make the case that it needed IMF resources
consistent with the purposes of the Fund […] (JEANNE, OSTRY,
ZETTELMEYER, 2015, p. 5).

Em 1952, há uma alteração nessa trajetória, diante da introdução da condicionalidade pelo


Comitê Executivo, sendo incorporada anos depois, em 1969, aos artigos I e V como parte
da primeira emenda ao Articles of Agreement. JOZ (2015) apontam que
concomitantemente às primeiras iniciativas de condicionalidades nos acordos com o
fundo, também foi criado no ano de 1952 um novo instrumento de crédito, o Stand by
Arrangement, tendo como principal característica a possibilidade dos países terem um
intervalo de tempo na captação de recursos antes de requererem novos acordos. Neste
primeiro momento de implementação, as condicionalidades estarão associadas à medidas

15
“When the International Monetary Fund was founded in 1944, its statutes (The Articles of Agreement)
did not provide for conditionality. In the negotiations, the British delegation, led by J. M. Keynes, was
opposed to conditionality because Britain was linkely to be a borrower” (DREHER, VAUBEL, 2004, p.
7).
16
Será referenciado a partir daqui pelas iniciais JOZ (2015).
de política econômica em termos de correção de desequilíbrios fiscais e monetários,
geralmente via sugestão de medidas contracionistas, e de questões de política cambial.

A terceira fase histórica das condicionalidades se encontra nas décadas de 1980 e 1990,
permanecendo como prática do fundo até os dias atuais. Classificadas como
condicionalidades (ajustes) estruturais, são medidas denominadas de intrusivas por Babb
e Carruthers (2008), e que correspondem à abertura comercial e financeira, privatizações,
reformas no sistema financeiro e bancário, reformas no sistema jurídico e institucional (a
partir de aprovação de medidas legislativas), reformas no mercado de trabalho,
prescrições de política social, e de forma mais recente, medidas de combate à lavagem de
dinheiro e terrorismo. Supostamente objetivando crescimento econômico e reforço à
democracia, são medidas que normalmente requerem uma maior estrutura de
monitoramento e, devido as mudanças pretendidas na arquitetura econômica do país
requerente, de aprovação legislativa, o que resulta em um processo permeado de longas
discussões e controvérsias, políticas e sociais.

Dreher e Vaubel (2004) elencam dez momentos, entre as décadas de 1950 e 2000, em que
se observam iniciativas de mudanças nas condicionalidades por parte do FMI. Inicia em
1956, quando foi instituída a ideia de plano de fases, ou seja, a dimensão temporal da
liberação dos recursos, na forma de parcelas (tranches). Após, já em 1963, há uma
redução nas condicionalidades através da criação do Compensatory Financing Facility, e
em 1968, a limitação ao escopo das cláusulas de performance. Na década de 1970, em
1974 ocorre uma extensão das condicionalidades visando outras medidas, instrumentos,
e alvos de política, sendo acompanhada em 1979 por uma expansão dessas. Na década
seguinte, ocorrem três alterações, sendo a primeira delas em 1980, com a inclusão de
condicionalidades relacionadas à fatores no âmbito da oferta e considerando a
especificidade setorial, posteriormente, em 1982 ocorre uma flexibilização com a criação
do Compensatory and Contingency Facility, e anos depois, em 1986 e 1987, introduz-se
os benchmarks estruturais de longo prazo através do Structural Adjustment Facility e do
Enhanced Structural Adjustment Facility. Por fim, nas décadas de 1990 e 2000, ocorrem
reduções e revisões das condicionalidades por parte do fundo, inicialmente entre 1993 e
1995 através do Systemic Transformation Facility, e em 2000, com uma revisão resultante
de pressão pública, e que foi anunciada pelo próprio FMI em 2002.

É a forma mais contemporânea dessa atuação, com base em condicionalidades estruturais,


a que mais vem gerando mais controvérsias e discussões ao longo da história e de maneira
crescente nos últimos anos. Se fundamentam tanto na comparação entre as finalidades
originárias e as ações recentes, e as finalidades das próprias medidas, quanto em relação
à eficácia naquilo que propõem.

Não se pode omitir, entretanto, que a condicionalidade é um elemento usual nos mercados
financeiras e nas operações de empréstimos, em que o emprestador condiciona o
empréstimo à algum tipo de garantia mínima de pagamento por parte do tomador de
empréstimo. Geralmente é inserida uma taxa de juros e se estabelece um cronograma de
pagamento, e não há imposição de um membro da instituição que concede o crédito, para
monitorar o uso dos recursos concedidos e o desempenho das finanças do tomador de
empréstimo. Ou seja, no mercado financeiro não interessa ao emprestador, de forma
imediata e direta, as atividades do tomador de empréstimo desde que os compromisso de
pagamento de valores sob correção seja cumprido no cronograma estabelecido.

Entretanto, a diferença no que se refere ao caráter das relações de empréstimo


estabelecida pelo FMI, é que a relação condicional é estabelecida com um Estado
Nacional, que é soberano, via a assinatura de um acordo por parte de um mandato político,
um governo, representativo deste Estado. Ou seja, na instituição das condicionalidades
por parte do fundo, “The result was a unique institutional apparatus – no analogous
private sector framework for setting and monitoring lending condiditions has ever
developed – for minimizing the debtor moral hazard problem” (JEANNE; OSTRY;
ZETTELMEYER, 2015, p. 6).

4. A controvérsia das condicionalidades do FMI: Mission Creep e eficácia.


O fato do reconhecimento do FMI ser indissociável das condicionalidades que impõem
aos países em suas operações de empréstimo, possibilitam a análise crítica de sua atuação
a partir dessa questão específica, e que aqui serão apresentadas em duas perspectivas: no
que se refere à ampliação da abrangência dessas condicionalidades e seus efeitos em
termos de soberania nacional; e da eficácia dessas medidas.

4.1 A ideia de Mission Creep.


Kentikelenis et al. (2016), apontam que após a crise de 2008 teria ocorrido uma inflexão
de discurso por parte do FMI em relação ao grau e a abrangência das condicionalidades,
mas que conforme se observam os programas implementados nos períodos mais recentes,
em termos práticos, estes acordos
[…] re-incorporated many of the reforms that it claimed to no longer
advocate. The most recent data from 2014 show a sharp increase both in the
total number of conditions and in the array of policy areas under reform
(KENTIKELENIS et. al., 2016, p. 3).

Relacionando a essência das condicionalidades à questões de soberania, Buira (2003, p.


8) e Babb e Buira (2004, p. 2) classificam essa situação, em termos do FMI, como a mais
controversa justamente pelo fato do tomador de empréstimo ser um país, uma nação
soberana, e que as condicionalidades implicam em questões próprias de soberania
nacional e de política interna. A principal questão apontada pelos dois autores em texto
conjunto apresentado no encontro do grupo técnico do G-24 em 2004, envolve o que se
denomina Mission Creep.

Os autores partem da já referida análise da trajetória histórica do FMI, em que desde a


sua origem notam-se mudanças consideráveis no que se refere a condicionalidade, de um
início em que não havia a menção à essa questão, passando pela sua implementação e
inclusão no Articles of Agreement, até a considerável expansão quantitativa (total e em
cada acordo) e no tipo de políticas recomendadas no período mais recente. Ao longo da
história, o fundo vem ampliando o conjunto de objetivos e interesses econômicos
específicos estabelecidos pelas políticas de condicionalidade, indo além do que é
considerado o seu mandato original. É a este fenômeno que literatura atribui o termo
Mission Creep, que correspondente ao aumento no número de áreas de prescrição política
do FMI, enquanto condição para aprovação dos requerimentos de recursos por parte de
países membros. Babb e Buira, o definem como “the systematic shifting of organizational
activities from original mandates” (2004, p. 2).

De acordo com estes autores, a definição do conceito é para uma situação em que os
objetivos originais de uma organização são deslocados ao longo do tempo, e citam duas
dinâmicas que causariam este fenômeno: 1) uma necessidade de adaptação da
organização à pressões no ambiente em que se insere, e; 2) questões relacionadas à lógica
interna das organizações, que mudam as suas práticas quando são confrontadas a novos
desafios.

Apontam que quando uma organização depende de recursos de outra organização maior
(como é o caso do fundo em relação aos Estados Unidos da América), a primeira
(dependente) tende a ser controlada pela segunda. Este exercício de controle é realizado
através de dois canais que seriam o poder de veto (por ser o único país que detém mais
de 15% de quotas), e o fato de ser o emissor da moeda correspondente à reserva
internacional. Alegam ainda que a evolução da condicionalidade no decorrer da história
mantém os princípios básicos de recomendação de políticas direcionadas à austeridade
fiscal e monetária, (e que é alvo de muitos críticos das atuações do fundo), e que o
fundamental está no fato que “today´s Fund does a good deal more than this: it servers
an ally of private creditors and as a promoter of Market-oriented structural reforms”
(BABB; BUIRA; 2004, p. 20).

Nessa associação do fundo com o setor financeiro privado, a análise é feita com base nos
benefícios mútuos dessa cooperação para ambas as partes, e naquilo que é expertise do
FMI: o suporte técnico, e principalmente, os empréstimos.

Mas o fundamental está nas condicionalidades (reformas, ajustes) estruturais observadas


desde a década de 1980, e que podem ter o seu acréscimo desde então a ser explicado por
três fatores: 1) a queda dos recursos do FMI em termos de percentual do PIB mundial; 2)
a assunção de Ronald Reagan e Margareth Thatcher aos governos dos EUA e do Reino
Unido respectivamente; 3) a denominada “revolução silenciosa”, em que as perspectivas
de orientação de políticas do fundo passam a estabelecer a relação entre a estabilidade de
preços e o crescimento econômico não enquanto um trade off, mas enquanto uma pré-
condição em termos da necessidade de se obter o primeiro para resultar no segundo. A
“revolução silenciosa” é de considerável relevância tendo em vista o período mais recente
da última década em que muitos acadêmicos, e inclusive economistas do próprio FMI,
tem realizado pesquisas demonstrando a ineficiência de um conjunto de políticas
recomendadas e implementadas pelo fundo em diversos acordos de empréstimos
firmados, na forma de condicionalidades.

As condicionalidades estruturais são consideradas de difícil aplicação, mensuração,


administração, e acompanhamento via critérios de performance. Isso devido a
discricionariedade das políticas e da própria avaliação por parte do fundo, resultante da
falta de parâmetros de hierarquização de prioridades e para mensuração de performance
de esforço de implementação de reformas e medidas que dependem de aprovação
legislativa, além dos já mencionados possíveis conflitos de ordem social que são inerentes
à processos de privatizações, reformas de mercados de trabalho e de sistemas de proteção
social, mudanças no sistema financeiro, e demais condicionalidades com essas
características estruturais.
De forma a finalizar a abordagem com base nessa perspectiva de questionamento, os
referidos autores ainda elencam outras quatro questões importantes sobre o conceito de
Mission Creep.

Constatam que há um aumento da incerteza da continuidade do empréstimo nos termos


do acordo inicial devido ao fato das condicionalidades passarem a ser discricionárias e
avaliadas de acordo com a atribuição de hierarquia de importância por parte dos próprios
membros do Staff do fundo. Há também ampliação da ambiguidade em situações de
barganha e negociação de acordos de empréstimo, permitindo que aqueles que possuem
maiores quotas possam ter acordos aprovados sob circunstancias excepcionais.

A terceira questão está relacionada à aspectos democráticos, internos ao fundo, em


relação ao poder de voz e voto dos membros com menores quotas, e o quão de fato seria
a decisão do corpo executivo aquela que é levada em consideração para liberação de
recursos. Além disso, elementos inerentes à transparência, no sentido que no mesmo
momento em que o FMI reivindica a jurisdição sobre diversos temas de soberania
nacional, via a imposição de condicionalidades, não fornecem prestações de contas aos
cidadãos desses países, ou eleitores, conforme classificação usada por Babb e Buira
(2004).

A última questão aludida é justamente o assunto da próxima subseção, e que consiste no


questionamento da eficácia dessas condicionalidades em diversos âmbitos, desde
econômico e social, até mesmo em relação à aspectos inerentes ao regime democrático.
Os autores reforçam ainda o questionamento ao fato do crescimento econômico não se
constituir uma variável de critério de performance para aprovação de novas tranches pelo
fundo, embora reiterem que “IMF programas implicitly assume that lowering inflation
and implementing free-market reforms are necessary and suficiente preconditions for
economic growth” (BABB; BUIRA, 2004, p. 26).

4.2 A efetividade das condicionalidades.


De maneira a encaminhar o último elemento de discussão proposto para este texto, essa
subseção tem o objetivo de apresentar revisão bibliográfica introdutória dos estudos que
utilizam o instrumental estatístico e econométrico com o objetivo de verificar a eficácia
dos programas do FMI, e de suas condicionalidades, e que para isso envolvem uma série
de variáveis econômicas e políticas. Isso possibilitará um maior aprofundamento para a
discussão, de forma a abrir oportunidades de estudos e constituição de agendas de
pesquisas na área em uma perspectiva futura.

Um dos principais autores que analisam a eficácia das condicionalidades é Axel Dreher,
que tem importantes estudos sobre o tema, entre os quais se pode destacar “The causes
and consequences of IMF conditionality” (2004), em parceria com Roland Vaubel, “IMF
and Economic Growth: The effects of programs, loans, and compliance with
conditionality” (2005), “IMF conditionality: theory and evidence” (2009), e, “Politics
and IMF Conditionality” (2013), em parceria com Jan-Egbert Sturm e James Raymond
Vreeland.

No primeiro trabalho mencionado, o autor realiza uma análise de 98 países para o período
que compreende os anos de 1970 à 2000, utilizando a metodologia de análise de dados
em painel. Parte da hipótese que a atuação do FMI ao impor condicionalidades, pode
afetar o crescimento econômico, e que os resultados encontrados, concordando com
outros estudos anteriores, demonstram que essa influência é negativa, ou seja, leva à uma
redução da taxa de crescimento econômico. Da mesma forma, constata-se que os
empréstimos do FMI não possuem robustez estatística nas regressões estimadas.

No segundo trabalho mencionado, os autores, elaboram um modelo, baseado na teoria da


escolha pública, em que a oferta de crédito e a imposição de condicionalidades são
determinados pela demanda por empréstimos do FMI. Realizam duas análises
econométricas objetivando verificar as principais mudanças nas regras que regem a
condicionalidade e no número de condicionalidades por programa. Inicialmente via
análise por mínimos quadrados ordinários, observam quais variáveis17 afetam o aumento
ou a diminuição da utilização de condicionalidades, e depois, considerando uma amostra
de 206 cartas de intenções de empréstimo de 38 países entre 1997 e 2003, e utilizando
análise de dados em painel, verificam a relação de dependência entre o número de
condicionalidades e as variáveis macroeconômicas.

Dentre os principais resultados, na primeira proposição de análise foi constatada uma


elevada correlação entre o número de condicionalidades por programa implementado e a
razão entre o uso de créditos do fundo e a quota, no período entre 1959 e 1999. Em relação
à segunda metodologia, os resultados apontam para uma dependência negativa em relação

17
São utilizadas as seguintes variáveis: uso de créditos do fundo, quota, a razão entre o uso do crédito e a
quota, a revisão da quota (nos anos que ocorreram), o número de Staffs do fundo, o crescimento econômico,
taxa básica de cobrança, a taxa de juros dos títulos do tesouro norte americano.
as reservas internacionais, e positiva em relação a taxas de juros no âmbito mundial do
mercado de capitais.

Em Dreher (2009), o autor realiza uma revisão de bibliografia, e propõem, argumentos


em favor da racionalidade da existência e utilização de condicionalidades em uma relação
de empréstimo, mas reforça a crítica sobre a maneira como o FMI as utiliza, e se é o
mecanismo apropriado para garantir o caráter rotativo dos recursos do fundo, reportando
que a literatura é conclusiva em demonstrar, com base nas evidências, que as
condicionalidades são ineficazes.

Por fim, no referido texto de 2013, os autores realizam discussões dos aspectos políticos
envolvidos no processo de concessão de empréstimo e imposição de condicionalidades,
de forma específica a verificar se há algum tipo de distinção de tratamento quando o país
requerente faz parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas (como membro
efetivo, mas especialmente como membro temporário). Analisando 314 acordos com 101
países para o período de 1992 à 2008, os resultados demonstram uma relação negativa,
no sentido que aos membros do conselho, em caso de firmar acordos com o fundo, seriam
atribuídos um percentual 30% menor de condicionalidades. Portanto, levantam a hipótese
de flexibilização, por parte do FMI, nas imposições de medidas de garantia de
repagamento, tendo em troca, obtenção de apoio objetivando influência na política interna
do conselho.

Há diversos outros autores que também tratam do tema sob outras abordagens e objetivos.
Bird e Rowlands (2016), realizam um estudo sobre o efeito dos programas do FMI no
crescimento econômico de países de baixa renda. Utilizando um modelo de propensity
score matching, comparam a performance econômica dos países que tiveram programas
do FMI daqueles em que não se verifica tal situação abrangendo o período de 1989 à
2008, e considerando o tipo de empréstimo, concessional ou não concessional. Constatam
os autores que a natureza austera desses programas, e empréstimos concessionais
repercutem em crescimento econômico de forma mais significativa a partir das reformas
promovidas pelo fundo em relação as condicionalidades, apenas no começo da década de
2000.

Forster et. al. (2017) analisam de que forma programas de reforma econômica (ajustes
estruturais) propostos pelo FMI, afetam a desigualdade em países em desenvolvimento.
Realizaram uma análise de dados em painel considerando 131 países para o período de
1980 à 2014, constatando uma associação entre os programas do fundo e o aumento da
desigualdade, variando estes efeitos por região e tipos de reformas recomendadas, sendo
os países da Àfrica Sub-Saariana os países em que mais se verificam o aumento da
desigualdade. Em contrapartida, as medidas relacionadas as contas do setor externo, em
favor da liberalização da conta de transações correntes e da conta capital e financeira,
repercutiu em diferenças salariais entre países que fazem parte dessa região em relação à
outros que não fazem.

E por fim, cabe mencionar o trabalho feito por Nelson e Wallace (2016), onde realizam
uma análise dos programas de empréstimo do FMI questionando se surtem efeitos
positivos ou negativos para a democracia nos países requerentes. Para isso se utilizam de
estimações via modelos de variáveis instrumentais, diferença em diferença, e genetic
matching, constatando diferenças positivas nos impactos nos níveis de democracia de
países que participam dos programas do fundo em relação aos países e que não
participam.

Considerações Finais.
De modo à concluir, este texto teve por objetivo apresentar algumas discussões referentes
aos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (e que consistem no principal canal
de atuação e objetivo central da instituição) concomitantemente ao que está associado à
essas ações, as denominadas condicionalidades.

Foi demonstrado que atuar como financiador de desequilíbrios econômicos, em especial


de balanço de pagamentos, dos países membros, é parte dos objetivos do FMI desde a sua
constituição, mas também que, com o decorrer do tempo, observa-se mudanças tanto na
abrangência dos empréstimos, na quantidade por ano, e também nos valores
desembolsados pelo fundo. No que se refere à abrangência, observa-se que há uma
expansão para além do financiamento de desequilíbrios de balanço de pagamentos, o que
repercute também na expansão das condicionalidades. Em termos da quantidade e dos
valores, verifica-se que os períodos de maior quantidade de acordos encontram-se no final
da década de 1960 e na segunda metade das décadas de 1980 e 1990, enquanto no que se
refere aos valores, há um salto significativo no sentido de crescimento na segunda metade
da década de 1990, e especialmente após a crise de 2008.

Também, que as condicionalidades, ao contrário da atuação via empréstimos, foi algo


constituído historicamente, não guardando relações com os fundamentos que se referem
as origens da instituição. Desde o início de sua implementação em 1952, além de uma
expansão quantitativa, observa-se também um alargamento das áreas de abrangência das
medidas a serem implementadas pelos países que recorressem ao fundo, provocando
discussões no âmbito acadêmico, mas também político e social, questionando se a
instituição, no processo de implementação de seus programas de auxílio financeiro, não
estaria excedendo as responsabilidades de seus mandatos, conforme sua atribuição legal
e de suas origens, e no que se trata dos casos mais recentes, de suas próprias
recomendações internas em termos de corpo técnico e retórico de revisão de diretrizes.

Embora recentemente o FMI tenha buscado realizar revisões e autocríticas em relação a


utilização dessas medidas, o que se observa é que essas retornam a fazer parte de seus
programas, permitindo a promoção, e o prosseguimento, das discussões, e conflitos,
associados a atuação da instituição, e consequentemente das medidas de
condicionalidade, tendo em vista 33 países estarem atualmente sob auxilio de programas
financeiros do fundo.

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