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LUCIANA REQUIÃO
(violão, violão baixo e baixo
elétrico), arranjadora, pesquisadora
e professora. Desenvolve um
LUCIANA REQUIÃO
intenso trabalho como camerista,
tendo participado em concertos e
gravações junto a grupos como a
Orquestra Rio de Violões, Orquestra de Violões
Chiquinha Gonzaga (dirigida por Maurício O MÚSICO - PROFESSOR
Carrilho), TrioRio, Roda de Saia e o Trio Violão
Brasileiro, entre outros. Tem inúmeros trabalhos
gravados e/ou apresentados pelo Trio Violão
Brasileiro, Orquestra Rio de Violões, Orquestra de
MPB da UNIRIO, Grupo Sem Batuta, entre outros. SABERES E COMPETÊNCIAS NO
É mestre em música brasileira e graduada em ÂMBITO DAS ESCOLAS DE MÚSICA ALTERNATIVAS:
O MÚSICO - PROFESSOR
licenciatura, ambos pela UNIRIO. Atualmente é A ATIVIDADE DOCENTE DO MÚSICO-PROFESSOR
professora da escola Rio Música, onde ministra os
NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO MÚSICO
cursos de Leitura e Escrita Musical, Violão, e
Introdução ao FINALE (editor de partituras).
Fundou a In Pauta, onde desenvolve um trabalho
de digitação, transcrição e edição de partituras
utilizando o software FINALE. Em 2000 elaborou
150 verbetes para o Dicionário Cravo Albin da
Música Popular Brasileira.
I S BN 8 5 - 8 8 3 1 9 2 5 - X
LI N K
O músico-professor
Seis estudos-canção para violão / songbook
Popolina / songbook
www.booklink.com.br/lucianarequiao
lucianarequiao@inpauta.com.br
Luciana Requião
O MÚSICO-PROFESSOR
SABERES E COMPETÊNCIAS NO ÂMBITO
DAS ESCOLAS DE MÚSICA ALTERNATIVAS:
A ATIVIDADE DOCENTE DO MÚSICO-PROFESSOR
NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO MÚSICO
Copyright © 2002 Luciana Requião
ISBN
85-88319-25-X
CAPÍTULO 1
Marco referencial ............................................................................... 21
1.1 Saberes e Competências: a construção de perfis
profissionais ..................................................................................... 21
1.2 Um debate sobre a formação profissional do músico .............. 30
CAPÍTULO 2
A escola de música alternativa e o músico-professor:
um estudo de caso ............................................................................. 37
2.1 Rio Música: uma escola de música alternativa ........................ 37
2.2 O grupo de professores da Rio Música .................................... 40
2.3 Músico-professor: caracterização de um docente ................... 45
CAPÍTULO 3
Saberes e competências representados em enunciados
de propagandas, na fala de estudantes e na fala do
músico-professor ......................................................................... 55
3.1 Um estudo a partir de três perspectivas ................................... 55
3.1.1 As propagandas de escolas de música alternativas ............... 56
3.1.2 A fala de estudantes de música ............................................. 62
3.1.3 O músico-professor Adriano Giffoni: um informante
qualificado ........................................................................................ 67
3.2 Saberes e competências na formação profissional do
músico ............................................................................................. 70
CAPÍTULO 4
Análise de publicações com fins de ensino musical ................. 83
4.1 As publicações analisadas ....................................................... 86
4.1.1 Dicionário de acordes cifrados .............................................. 87
4.1.2 Escola moderna do cavaquinho ............................................ 90
4.1.3 A arte da improvisação ......................................................... 92
4.1.4 Música brasileira para contrabaixo ..................................... 93
4.1.5 Vocabulário do choro ............................................................ 96
4.1.6 Harmonia prática da bossa-nova ........................................ 97
4.2 Análise geral das publicações ................................................. 98
Paulo Freire
Introdução
Esta dissertação parte de um marco situacional detectado na
monografia que desenvolvi ao final do curso de Licenciatura em
Educação Artística com habilitação em Música da UNIRIO, entre os
meses de janeiro e junho de 1999, onde procurei compreender de que
forma se dava a atividade docente do músico. Nesta monografia,
intitulada “Músico-Professor: um estudo de caso”, coletamos dados que
nos permitiram caracterizar aquele que denominamos como “músico-
professor”, e que se tornou um dos atores principais da presente
dissertação.
O que me motivou para a realização daquele estudo, foi um fato
que vinha observando há muito tempo: o de que ser professor é uma
condição intrínseca à atividade profissional do músico, e que esta
atividade é, freqüentemente, a mais presente em seu cotidiano
profissional e a que lhe garante uma remuneração mais regular.
Antes de ingressar no curso de Licenciatura, eu, há dez anos, já
desenvolvia uma atividade docente, em cursos de música, paralela à
uma atividade artístico-musical, e o contato com questões do âmbito da
educação, e da educação musical, me fizeram refletir sobre minha
atividade docente. Assim, a questão principal de minha monografia de
graduação foi a de compreender como o músico desenvolve sua
atividade docente e que tipo de reflexão ele faz sobre esta prática: como
e porque iniciou esta atividade, como relaciona sua atividade artística
com sua atividade docente, se considera importante para sua formação
como músico o exercício da atividade docente, se considera importante
para o estudante de música ter aulas com um músico atuante, como
resolve eventuais problemas de aprendizagem, se desenvolve alguma
metodologia ou tenta aplicar alguma metodologia existente, se o músico
se preocupa com questões relacionadas à didática, como foi sua
formação profissional, se acha que a atividade docente requer uma
formação na área da educação, se faz distinção entre o professor de
15
música e o educador musical, se segue a orientação de algum currículo,
e se utiliza ou produz algum tipo de material didático.
O que pude observar, entre outros aspectos, é que o músico
considera a atividade docente uma atividade secundária no escopo de
suas atividades profissionais, embora a atividade docente seja uma
constante em seu cotidiano profissional e esta seja também a atividade
que em geral lhe proporciona uma remuneração mais regular.
Pude ainda observar que o músico-professor vem, nos últimos
20 anos, produzindo um crescente número de publicações com fins de
ensino-aprendizagem musical. Essas publicações se caracterizam, de
uma forma geral, por estarem voltadas para gêneros da música popular,
mais especificamente da música popular brasileira. Observamos que
neste mesmo período também houve um aumento do número de escolas
de música não oficiais, denominadas freqüentemente como alternativas
ou livres, no centro e zonal sul da cidade do Rio de Janeiro, o que
significa uma ampliação das possibilidades de atuação docente para o
músico.
A monografia de graduação partiu de entrevistas realizadas com
100% do grupo de professores de uma escola de música alternativa, e
nos permitiu caracterizar, então, aquele que denominamos como
“músico-professor”. Concluí, através de sua fala, que ele está atendendo
a uma demanda que busca por saberes ainda não legitimados por
instituições oficiais para o ensino da música, daí a necessidade da
elaboração de um material didático que aborde esses saberes e também
de escolas que dêem conta desta demanda.
Partindo deste quadro, novas questões surgiram e me
impulsionam para uma nova pesquisa. Assim, na presente dissertação
interessa-nos compreender:
16
perspectiva do seu aluno.
O objetivo da atual pesquisa é responder a essas questões como
forma de compreender os saberes e as competências que norteiam a
atuação docente do músico-professor. O foco deste trabalho foi
delimitado na atividade docente exercida pelo músico-professor no
âmbito das escolas de música alternativas. Este recorte justifica-se pela
necessidade de compreender como se dá a formação profissional do
músico neste âmbito, e de verificar em que este fato vem contribuir
para o atual debate em torno da reforma curricular dos cursos superiores
em música.
Por escolas de música alternativas entendemos escolas nas quais
os professores que compõem seu quadro não precisam ser concursados
e a legitimação de sua competência docente está ligada diretamente à
sua atuação como músico. Silva (1996) retrata outros aspectos,
utilizando o termo escolas alternativas de música para designar escolas
que
1
Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996.
2
Documentos que podem proceder da União, do Estado ou do Município, conforme
Título IV da LDB.
17
regularmente em atividades práticas musicais, com ou sem remuneração.
Por professor entendemos aquele que desenvolve regularmente
uma atividade docente. Portanto, o músico-professor seria o músico que,
atuante ou não, desenvolve regularmente uma atividade docente de ensino
musical.
O termo músico-professor, como aqui nos referimos, designa o
músico que atua como professor em escolas de música alternativas
(muitas vezes também em aulas particulares), e que se caracteriza, entre
outros aspectos, por desenvolver um trabalho docente que prioriza o
repertório voltado para a música popular3 , trabalhando em geral com
gêneros da música brasileira. O músico-professor coloca a atividade
docente em segundo plano no escopo de suas atividades profissionais,
apesar desta ser, freqüentemente, a atividade mais constante e com uma
remuneração mais regular em seu cotidiano profissional.
A demanda que parece ser atendida pelo músico-professor no
âmbito das escolas de música alternativas procede tanto de estudantes
de música diletantes, ou seja, aqueles que não almejam a
profissionalização na área musical, como de estudantes com pretensões
profissionais ou que já exercem a atividade musical profissionalmente.
Na presente dissertação, o estudante de música que interessa é aquele
que se insere no segundo caso, e que procura por um percurso de
formação que inclui tais escolas. Isso se deve ao fato de nos interessar
investigar os motivos que levam um estudante com este perfil a procurar
pelo ensino musical em escolas de música alternativas, ao invés de, ou
paralelamente, procurar pelo ensino oferecido por instituições oficiais.
Assim como Luckesi (1994), acreditamos que “com a
identificação dos conteúdos de uma prática escolar, identifica-se também
a direção pedagógica que predomina nessa prática” (p.134). Portanto,
na presente pesquisa procuramos analisar os conteúdos, que aqui nos
referimos como saberes, e as competências representados na prática
docente do músico-professor através de sua fala, da fala de seu aluno,
em propagandas de escolas de música alternativas, e através da análise
de publicações com fins de ensino musical escritas pelo músico-professor.
Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, onde toda e
3
Neste trabalho, como não cabe uma ampla discussão a respeito do termo música popular,
nos limitamos a reproduzir a definição de Tinhorão (1986): “a música popular [...] constitui
uma criação contemporânea do aparecimento de cidades com um certo grau de
diversificação social” (p. 7).
18
qualquer evidência e manifestação singular é objeto de atenção,
constando de debate bibliográfico e pesquisa de campo. Realizamos
entrevistas semi-estruturadas e estruturadas com informantes
qualificados: o músico-professor Adriano Giffoni, autor de uma das
publicações analisadas; o presidente do Sindicato dos Músicos do Rio
de Janeiro, Vitor Neto; o fundador da escola de música alternativa Rio
Música, Sérgio Benevenuto; e um grupo de alunos que estuda nesta
escola.
O Capítulo I – Marco Referencial – trata de nosso marco
conceitual e situacional. Apresenta conceitos que fundamentam este
trabalho (saberes e competências), e estabelece um debate bibliográfico,
aproximado dos depoimentos recolhidos através de entrevistas. Estes
dados situam a problemática em torno da formação profissional do
músico.
O Capítulo II – A Escola de Música Alternativa e o Músico-
Professor: um estudo de caso – analisa dados colhidos em entrevistas
semi-estruturadas com Sérgio Benevenuto, fundador da escola de música
alternativa Rio Música, palco deste estudo de caso, e em entrevistas
semi-estruturadas com a totalidade dos professores desta escola. Neste
capítulo é caracterizado aquele que denominamos como músico-
professor.
O Capítulo III – Saberes e competências representados em
propagandas, na fala de estudantes e na fala do músico-professor –
apresenta a perspectiva da escola, do estudante de música e do músico-
professor, a respeito dos saberes e competências priorizados pelo ensino
musical, tendo como foco o âmbito das escolas de música alternativas.
A perspectiva da escola teve como fonte a análise e interpretação de
propagandas de escolas de música alternativas, colhidas em três revistas
especializadas em música. A perspectiva do estudante de música e a
perspectiva do músico-professor foram obtidas através de informantes
qualificados – um grupo de estudantes da Rio Música e o músico-
professor Adriano Giffoni – que se tornaram informantes por estarem
inseridos no âmbito de nosso estudo: apresentam características que os
tornam, respectivamente, porta voz do estudante de música e do músico-
professor, da forma como os entendemos neste trabalho.
O Capítulo IV – Análise de publicações com fins de ensino e
aprendizagem musical – trata das publicações com fins de ensino e
aprendizagem musical escritas pelo músico-professor. Foram
selecionadas seis publicações e consideradas como unidades de análise
19
os seguintes itens: público alvo, objetivos, justificativa, pré-requisitos,
seleção do conteúdo, organização do conteúdo, recursos e seleção de
repertório. A interpretação dos dados foi realizada tendo como referência
o conceito de conteúdo proposto pelos Diseños Curriculares Base (DCB)
segundo Coll, Pozo, Sarabia e Valls (2000). Este projeto, desenvolvido
pelas Administrações Educacionais da Espanha, vem influenciando
vários países da América Latina, incluindo o Brasil, nas suas reformas
de ensino.
Considerando os depoimentos de músicos-professores, estudantes
de música, e os demais dados coletados, e recorrendo a autores que vêm
apontando para a necessidade de reestruturação de cursos superiores
(Schön, 2000; Demo, 1993 e 1995; Tardiff, 2000; Perrenoud, 2000;
Lopes, 1999; Sacristán, 1999; Santomé, 2001) e especificamente a
reestruturação dos cursos de música de nível superior (Ferreira, 2000;
Kleber, 2000; Sekeff, 1997; Santos et alli, 1998), pretendemos contribuir
para um necessário diálogo entre o ensino musical oficial e o alternativo,
enquanto instâncias de formação profissional.
20
CAPÍTULO I
Marco referencial
4
Embora os autores não situem a época em que foi desenvolvido o DCB, Maravillas
Díaz Goméz (2000) se refere à implementação da Lei Orgánica General del Sistema
Educativo em 1990, data a partir da qual o Estado Espanhol se encontra imerso em uma
importante Reforma de seu sistema de ensino (p.77).
21
desproporcional nas propostas curriculares e nas atividades habituais
de ensino e aprendizagem em sala de aula” (Coll, p.14), recomendando
que conteúdos procedimentais e atitudinais sejam reconhecidos em
currículos escolares:
22
Nesta dissertação, consideramos que o conteúdo pode estar
relacionado a fatos, conceitos, procedimentos ou atitudes, e a partir desta
compreensão procuramos identificar esses conteúdos, aos quais nos
referimos aqui como saberes, presentes na atividade docente do músico-
professor, no âmbito das escolas de música alternativas.
Saberes
23
Segundo Coll (2000) “o que caracteriza a aprendizagem de fatos
ou dados é que eles devem ser lembrados ou devem ser reconhecidos de
modo literal” (p. 20). O autor considera que são os conceitos que dão
significado aos fatos e aos dados. Pozo (2000) comenta: “Para que os
dados e os fatos adquiram significado, os alunos devem dispor de
conceitos que lhes permitam interpretá-los” (p.21). Já a aprendizagem
de conteúdos factuais isolada pode acarretar uma aprendizagem
memorística, por repetição, que acaba em esquecimento.
A aprendizagem de conteúdos procedimentais também necessita
de saberes conceituais, podendo correr o risco de se tornar uma mera
reprodução mecânica. Coll e Valls (2000) indicam que “um dos principais
problemas do ensino dos procedimentos é conseguir a aplicação
espontânea daqueles que são os adequados para resolver uma tarefa nova
sem depender das ordens ou sugestões do professor” (p.113). Numa
aula de instrumento como o violão, em que o professor digita a partitura
do aluno para lhe facilitar a leitura e a execução de uma peça, mas que o
processo de digitação não é discutido com o aluno, este aluno, ao se
deparar com uma nova peça, poderá carecer de conhecimentos
necessários para digitá-la com autonomia, sem o auxílio do professor.
“Colocar a ênfase mais sobre os processos que sobre o produto, mais
sobre a maneira como as coisas vão sendo feitas pelos alunos que sobre
o que é realizado. É nisso que reside a maior significação do ensino dos
procedimentos” (Coll e Valls, 2000, p.112).
No caso do ensino musical, a escolha do repertório também
influencia diretamente na aprendizagem. Na aprendizagem de um
instrumento, por exemplo, dependendo do repertório adotado pelo
professor, podemos ter situações de aprendizagem diversas e até mesmo
antagônicas. O que é considerado “certo” em determinado contexto
musical pode ser considerado “errado” ou inadequado em outro: seja a
postura de um violonista ao tocar seu instrumento, a embocadura de um
flautista, a emissão sonora de um cantor, a articulação de um fraseado.
A seleção do repertório para a aprendizagem de determinado
conteúdo musical traz também implicações em torno da motivação e a
aplicabilidade do conhecimento. Os conteúdos de um curso de harmonia
podem ser vivenciados através de um coro renascentista a quatro vozes,
ou através da condução de acordes do choro, que são duas abordagens
distintas. Em cada uma delas, o sentido da aprendizagem pode variar de
acordo com a vivência musical do aluno e da forma como ele pretende
aplicar este conhecimento.
24
Na formação de um músico, consideramos que a seleção,
abrangência e dosagem desses tipos de saberes (factuais, conceituais,
procedimentais e atitudinais) no percurso de sua formação, dará a ele
uma competência ou um conjunto de competências determinado, que
representa certo perfil profissional.
25
profissões bem definidas, seria inadequado à instabilidade das ofertas de
emprego e a uma gestão flexível no interior das organizações. Isto porque
a qualificação repousa sobre os repertórios relativamente estáveis: os
postos de trabalho, cuja classificação é determinada de uma maneira
estática; o diploma e a profissão, cuja possessão é a combinação de
direitos precisos e duráveis e não podem ser questionados (Ramos, 2001,
pp.61-62).
26
no campo da música erudita, com exceção de alguns poucos cursos que
possuem ênfase no campo da música popular. Isto deve-se,
principalmente, à exigência imposta aos cursos de graduação – obedecer
ao currículo mínimo, estipulado pelo Ministério da Educação em 1969.
No entanto, sabe-se que existe uma defasagem significativa entre o que
foi previsto no currículo mínimo em 1969 (e ainda em vigor), e o mercado
de trabalho nos dias de hoje. Os egressos dos cursos de Bacharelado em
Música, dependendo da ênfase escolhida, são profissionais capacitados
para atuar como músico solista, de orquestra, como regentes de coro e
orquestra, como compositores (Hentschke e Oliveira, 2000, p.56).
5
Diário Oficial de 15 de abril de 1931, pp. 5830-5839. Transcrita de Ministério da
Educação e Saúde Pública. Organização universitária brasileira, Rio de Janeiro, Imprensa
Nacional, 1931.
27
la e transmiti-la. A Universidade gera saberes, idéias e valores que
posteriormente, farão parte dessa mesma herança (Morin, 1999, p.9).
6
Dos cursos de Bacharelado em Instrumento, Bacharelado em Canto, Bacharelado em
Composição, Bacharelado em Regência e da Licenciatura em Educação Artística com
Habilitação em Música. Segundo dados obtidos em questionário aplicado a 157 alunos
dentre os 398 inscritos no primeiro semestre de 1999.
7
Conforme preenchimento ao item do questionário tipo de repertório.
28
Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro com seus filiados8 ,
73% são profissionais autônomos, 12,7% são empregados e 14,3% têm
emprego mas também trabalham como profissional autônomo. Essa
autonomia característica da profissão do músico é o que requer do
profissional estar capacitado a enfrentar uma grande diversidade de
situações profissionais.
Desta forma, o sucesso da formação do músico que almeja atuar
profissionalmente parece depender de um percurso flexível, que o permita
adquirir competências necessárias para alcançar o perfil ou os perfis
profissionais desejados. É por isso que o músico Adriano Giffoni diz:
“ser competente é estar apto a trabalhar no maior número de situações
profissionais possíveis”9 .
Podemos supor que a diversidade de situações profissionais do
músico pode levá-lo a uma superficialidade em torno de seus
conhecimentos. Porém, autores apontam para um novo modelo
profissional, onde a adaptabilidade e a capacidade de atuar em diversas
áreas são necessárias. Não defendemos uma idéia de flexibilização no
sentido de superficialidade, mas acreditamos que uma instância de
formação profissional superior não pode dar as costas à realidade que
seus formandos estão tendo de enfrentar no mundo do trabalho, e que
soluções alternativas devem ser buscadas.
Perrenoud (2000) defende a idéia de se possibilitar aos alunos
um percurso de formação individualizado nas instituições acadêmicas.
O autor lança a proposta de uma pedagogia diferenciada, onde possa
existir o que chama por grupos de necessidades, com “o oferecimento
de certas opções no programa, para melhor dar conta da diversidade dos
interesses e necessidades dos alunos” (Perrenoud, 2000, p.43). Perrenoud
considera que, de uma forma ou de outra, a individualização já ocorre, e
que nem sempre o currículo prescrito é o currículo real:
8
Relatório de pesquisa de opinião com músicos filiados ao SindMusi, realizado em
agosto de 2000 pelo Laboratório de Pesquisa Mercadológica e de Opinião Pública da
UERJ.
9
Em entrevista concedida à autora em novembro de 2000.
29
1.2 Um debate sobre a formação
profissional do músico
10
Entrevista concedida à autora em outubro de 2000.
30
que vai te jogar no mercado. Esse é um dos caminhos interessantes,
estudar com quem sabe fazer. Se você pegar um contrabaixista que só é
formado pela universidade e colocar num estúdio ele não vai saber como
é que é tocar num estúdio. Você pode até fazer a universidade mas tem
que ter uma pessoa da prática. Esse cara devia estar dentro da universidade
também, aí seria muito melhor.
11
Entrevista concedida à autora em novembro de 2000.
31
A esta busca por saberes e competências necessárias à formação
profissional do músico que pretende atuar no mundo do trabalho, se
soma a expectativa de que a estruturação dos currículos dos cursos de
graduação permita ao aluno a possibilidade de construir um percurso de
formação individualizado. Perrenoud (2000) indica novas formas de se
pensar a estrutura de cursos superiores:
32
Ferreira (2000) comenta que na Escola de Música da UFMG está
havendo uma reforma curricular:
33
vantagem em relações de poder. Desta forma, o currículo é expressão das
relações sociais de poder (Moreira e Silva, 2000, p.29).
12
É importante frisar que no caso do Brasil as culturas “negadas” não são necessariamente
culturas minoritárias.
13
A UNIRIO a partir de 2000 instituiu o Bacharelado em Música Brasileira. Segundo
nosso ponto de vista isso não resolve a questão da inserção da música popular nos cursos
de música universitários. Ao contrário disso, o Bacharelado em Música Brasileira acabou
por separar este repertório dos cursos de canto, instrumentos, composição e regência,
confinando-o em um curso próprio e exclusivo.
34
Entendemos que o que se ensina está intimamente vinculado a
como se ensina. Desta forma, a seleção do repertório implica a abordagem
de conteúdos tanto factuais e conceituais quanto procedimentais e
atitudinais.
O marco situacional de nossa pesquisa nos coloca diante de
saberes representados e desenvolvidos por instituições oficiais, ao lado
de um mercado de trabalho que exige do profissional versatilidade e
competências que estão ausentes das propostas de ensino dessas
instituições. Torna-se necessário, então, a compreensão sobre o papel
da universidade na vida profissional do músico.
Segundo a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, em seu Artigo 43 II, a educação
superior tem por finalidade: “formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimento aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na
sua formação contínua”. O Decreto nº 2.208 de 17 de abril de 1997,
estabelece que a educação profissional se compreende em três níveis: o
básico, o técnico e o tecnológico. Em seu Artigo 10º indica que o “Os
cursos de nível superior, correspondentes à educação profissional de
nível tecnológico, deverão ser estruturados aos diversos setores da
economia, abrangendo áreas especializadas, e conferirão diploma de
Tecnólogo”.
Nesta pesquisa, nosso interesse é o de colocar em questão os
cursos superiores de música enquanto instâncias de formação
profissional, sem com isso esquecer que eles estão associados à pesquisa
e à extensão. Esta parece ser a maior problemática das Instituições de
Ensino Superior (IES). Morin (1999) indica a
35
CAPÍTULO II
14
A visão êmica seria uma visão de dentro para fora, a visão de quem é insider, assim
como a visão ética seria aquela realizada de fora para dentro, a visão de quem é outsider
(termos utilizados por etnomusicólogos para designar aquele que se encontra inserido
em determinado grupo ou contexto social – insider – e aquele que está fora de determinado
grupo ou contexto social - outsider).
37
música popular, neste caso especificamente o jazz. Segundo Benevenuto,
foi este um dos principais motivos que o tornou, ao voltar ao Brasil, um
professor particular muito procurado. Na época em que começou a
estudar música ainda não havia cursos que contemplassem conteúdos
como harmonia funcional e improvisação, base do que tinha estudado
em Berklee.
A partir do relato de Benevenuto sobre sua trajetória como
estudante de música, percebemos como, na época, era difícil para o
músico que desejasse trabalhar com a música popular o acesso a
informações que lhe facilitassem o estudo15 .
15
Entrevista concedida à autora em agosto de 2001.
38
que, ao saber da existência de uma escola que priorizava o ensino da
música popular em Boston, EUA, não exitou em buscar por essa nova
fonte de saberes. Em 1978 ingressou na Berklee onde se formou em
composição.
39
Através do depoimento de Benevenuto, percebemos a existência
de uma demanda por saberes não presentes em instituições oficiais para
o ensino da música, demanda esta que vem sendo absorvida por escolas
de música alternativas como a Rio Música. Além da questão do repertório,
os estudantes estão buscando por saberes profissionais, que resultem
efetivamente em saberes procedimentais. Segundo Benevenuto, a Rio
Música foi criada com este intuito: “reduzir a distância entre o ensino
convencional e a realidade profissional do mercado de música”.
O fato do depoimento de Benevenuto apontar para a necessidade
de um ensino profissionalizante não o distancia do ensino superior, uma
vez que este ensino é também voltado à profissionalização. Como vimos,
autores apontam para uma universidade que está formando profissionais
com perfis que já não mais se adequam ao mundo do trabalho. Este fato
pode estar afastando músicos do ambiente universitário, uma vez que
eles procuram por outras instâncias de formação, e isso acaba por afetar
a função da universidade de fomentar a pesquisa e de preparar um corpo
docente que dê conta de novos perfis profissionais.
16
Entrevistamos 100% dos professores que estavam atuando naquele momento, sendo o
quadro total de professores compostos por 12 pessoas.
40
Os professores que compunham naquele momento o corpo
docente da escola, atuavam na área de canto, guitarra, violão, piano,
bateria, gaita, teoria, harmonia e improvisação.
Inicialmente nos deteremos, ainda que de forma breve, na
trajetória de formação dos músicos-professores entrevistados. Embora
consideremos este grupo bastante homogêneo, a ponto de permitir uma
caracterização geral, sua formação musical se deu em diversos contextos.
Esta breve exposição poderá nos ajudar a compreender seu pensamento,
pois acreditamos que o professor “usa como recurso pedagógico a sua
própria memória do que é ser professor, que guarda de quando era aluno,
ou os modelos que no seu percurso biográfico mais o marcaram e que
justamente estão mais próximos da sua identidade” (Vieira, 1999, p. 23).
Atuação profissional
Músico-Professor principal Curso ministrado
Márcia Cabral Cantora Canto
Tomás Improta Pianista Piano/Harmonia
Euro S. R. Baterista Bateria
Vera de Andrade Violonista Violão
Guitarra/Teoria/
Sidney Linhares Guitarrista
Harmonia
Guitarra/
Rômulo Thompson Guitarrista
Improvisação
Deco Fiori Cantor Canto
Michael Arce Gaitista Gaita
Ricardo Camargos Pianista Piano
17
Neste trabalho, o termo escolas se refere à escola de ensino regular.
41
é um complemento para minha formação como artista”. Sua atuação como
professora tem como principal referência sua própria formação: “Eu estudei
14 anos, pratiquei 14 anos essa técnica. A partir disso, dessa observação,
eu trouxe tudo o que meu professor me ensinou e também fui colocando
as minhas questões.”
42
Arquitetura e paralelo à música desenvolve um trabalho com literatura e
artes plásticas. Sua trajetória como estudante de música se iniciou através
do estudo do piano: “Na infância eu tinha estudado piano mas não gostei.
Talvez por causa da professora que era aquela alemã super rígida... quase
me tirou a vontade de música”. Na escola Euro teve aulas de música:
“Tinha e detestava. [...] Era canto orfeônico, a professora chatíssima,
tinha que ter nota pra passar. Era super desestimulante”. Mais tarde, já
adulto, foi estudar bateria no Conservatório Brasileiro de Música, onde
também cursou três anos de vibrafone. Quando começou a dar aulas
teve em seu professor sua principal referência: “Corri atrás do meu
professor [...]. Ele falou pra eu pegar [os alunos] que ele ia me orientar
e dar o material que ele tinha. Então comecei a dar aula em cima do
método dele”.
Eu tava assistindo a minha tia dar aula pro meu primo, tentando ensinar
umas posições [...]. Aí pedi pra ver se eu conseguia tocar também. Peguei
umas musiquinhas e fui indo... pedindo pra um e pra outro me ensinar
uma posição, uma musiquinha. [...] Estudar foi bem mais tarde.
Fui ter aulas de teoria. [...] Aí pintou um curso de preparação pra faculdade
e tinha lá o curso de clarinete, não tinha de violão. Eu tinha um clarinete
e resolvi aprender outro instrumento. [...] Tinha aula de instrumento,
tinha teclado básico, tinha teoria e tinha aula de apreciação musical.
43
escolas de música alternativas. Muito tempo depois, por volta dos trinta
anos de idade, ingressou no curso de Licenciatura em Educação Artística
da UNIRIO, transferindo-se posteriormente para o Bacharelado em
violão.
44
na UFF para fazer cinema, e paralelo a isso foi “fazer aula com um primo
meu de violão erudito e comecei a gostar [...]. Aí saí da UFF e fui pra
UNIRIO fazer TEPEM”18 . Em seguida ingressou no curso de Licenciatura
em Educação Artística da UNIRIO onde se formou.
18
TEPEM é um curso de extensão da UNIRIO, de teoria e percepção musical.
45
atividade docente é intrínseca à atividade profissional do músico foi
reiterada. É através da atividade docente que o músico dá os primeiros
passos em sua vida profissional, e sua principal motivação é o aspecto
financeiro:
Fora do Brasil todos os grandes caras dão aulas, têm métodos [...] e
todos dizem que é importante, que ajuda na formação, você está sempre
se reciclando, está sempre revendo coisas básicas que são importantes
(Rômulo Thompson); Acho que enriquece, você sempre aprende alguma
coisa (Ricardo Camargos); Eu aprendi muito. Ajuda a reforçar aquilo
que você já sabe [...] (Sidney Linhares).
46
que professores:
47
esses caras irem embora” (Sidney Linhares).
A seleção e a organização de conteúdos inerentes ao curso de
cada músico-professor entrevistado, aparece de forma clara e objetiva
em sua fala: “Eu tenho um cronograma. Pra começar eu pensei qual era
o meu público alvo. [...] Então a metodologia tinha que girar em função
disso. [...] Então eu bolei toda uma série, um cronograma de 2 anos”
(Michael Arce);
Às vezes você programa uma aula e faz de uma outra maneira e é ótimo.
Mas eu já tinha preparado a aula, tinha elementos pra trabalhar (Vera de
Andrade); É super importante você poder tomar novas diretrizes no meio
da aula, coisas que às vezes o aluno diz e muda o rumo da aula... é bom
ter jogo de cintura (Deco Fiori); Eu fiz um programa aula a aula. Então
eu tive um trabalhão... é claro que isso não é uma coisa rígida. Eu tenho
um roteiro, uma direção da onde o curso quer chegar. Então eu já sei o
que vou dar pro cara e eu marco mesmo. Tenho uma ficha pra cada
aluno em que eu marco o nível que ele tá, a aula que ele tá fazendo. Essa
aula não é no sentido de na primeira aula vou dar isso, na segunda isso.
Essa é a matéria. O cara pode fazer a primeira e segunda aula numa aula
só. O outro levar três aulas fazendo a primeira aula. Isso é um roteiro
mais vai rolando conforme o aluno, isso eu explico pra ele. São trinta
níveis de 8 aulas cada (Euro S. R.).
48
dedo ou aquela maneira que ele faz pra atingir aquele som. Mesmo que
seja uma aula só de timbre” (Michael Arce);
É bom ele passar por isso. Eu tive aula com o Ary Piassarollo que não
tinha didática nenhuma e só de eu tocar com ele aquilo ali me inspirava,
cheio de idéias na cabeça, cheio de músicas na cabeça, e pronto... isso
funciona. [...] Eu acho que eu consigo motivar porque eu sou motivado
pra música e isso gera uma troca (Rômulo Thompson).
depois de estudar com o Almir fui estudar com a Celinha Vaz, fui buscar
as pessoas, buscar as fontes. Fui estudar no Cenário com gente famosa,
que na época era um pouco a venda... o forte do Cenário era ter músicos
profissionais com uma certa notoriedade no meio musical dando aula,
com um método todo montadinho, apostilas, aquela coisa toda. Fui
estudar lá não só pra ter aula mas também pra ficar perto do artista que
você gosta. Estar ali junto, ver como a pessoa faz, ter um contato mais
estreito com aquela pessoa (Vera de Andrade).
acho que são pessoas especiais, que têm uma tarefa muito grande, uma
dedicação muito grande... não é o músico não. É um professor que tenha
uma didática muito boa, que seja uma pessoa muito bem humorada que
atraia a atenção das crianças. O ideal é alguém que tenha estudado Piaget,
que tenha uma coisa didática pra lidar com criança muito desenvolvida,
a formação muito sólida (Rômulo Thompson); Eu dou aula pra quem é
músico ou quer ser músico. O professor da escola dá uma aula obrigatória.
O cara que vem pra uma escola de música acha música um grande barato,
você só tem que confirmar isso. Na escola de repente você tem que dizer
que música é legal, você tem que trazer esse universo pra eles (Deco
Fiori).
49
Percebemos aí uma contradição, pois, paralelamente aos
depoimentos onde o conhecimento musical parece sobrepor a capacidade
docente, encontramos depoimentos como:
Acho que se ele não tem didática o aluno não aprende. Tanto que existem
instrumentistas e cantores maravilhosos mas que não sabem dar aula.
Não sabem simplificar, acho a didática muito importante (Márcia Cabral);
A didática nem todo mundo tem (Ricardo Camargos); Acho que tem a
coisa da didática. Tudo o que você aprende sistematizado é melhor (Euro
S. R.); Você passar uma informação tem que saber como (Vera de
Andrade).
esse material nasceu da prática. Me lembro que quando entrei pra dar
aula no Cenário pediram pro corpo docente preparar um material,
apostilas e tudo. Mas todo mundo ficou muito perdido de ter que preparar
50
aula por aula porque as pessoas não sabiam o que iriam encontrar. A
partir dos alunos que a gente foi encontrando, da proposta de dar aula
em grupo... daí foi nascendo da prática. Foi um pouco de tentativas,
você vê o que funciona (Vera de Andrade) .
51
√ Considera importante o estudante aspirante a músico
profissional ter aulas com um músico profissional atuante, uma vez que
só este pode passar ao aluno informações de que realmente ele necessita;
√ Teve em sua formação aulas com músicos atuantes;
√ Define o professor de música que atua nas escolas
regulares, especificamente os que trabalham com o público infantil, como
aquele que não precisa necessariamente saber música ou ser um músico
profissional atuante mas que precisa ter “didática” e uma sensibilidade
considerada especial;
√ Considera o ensino universitário da música como
complementar à sua formação profissional;
√ Desenvolve materiais com fins de ensino-aprendizagem
musical na forma de apostilas e livros baseados em sua atividade musical,
na maioria das vezes voltados para a música brasileira;
√ Prioriza a música popular brasileira no desenvolvimento
de sua atividade docente.
52
de Sérgio Benevenuto, fundador da Rio Música, e de Tomás Improta,
fundador do CENARIO, as escolas de música alternativas surgiram com
a finalidade de suprir uma suposta carência na formação do músico
profissional, com um ensino voltado para o mercado de trabalho e a
música popular, e ainda trazendo o músico para a sala de aula, preferindo
“transformar grandes músicos em grandes professores do que transformar
grandes professores em grandes músicos”19 .
19
Texto extraído do book da Rio Música.
53
CAPÍTULO 3
55
menos dois anos. O debate foi realizado a partir de questões lançadas
pelo mediador (esta pesquisadora) e de outras questões que surgiram a
partir da fala dos estudantes.
Para obtermos a perspectiva do músico-professor, optamos por
selecionar um único informante qualificado: o músico-professor Adriano
Giffoni. O informante foi selecionado segundo a caracterização do
músico-professor exposta pelo Capítulo 2 desta dissertação, e pelo fato
deste informante ser também o autor de uma das publicações analisadas
por esta pesquisa (Capítulo 4). Foram realizadas com o músico-professor
Adriano Giffoni duas entrevistas, a primeira de forma semi-estruturada
e a segunda de forma estruturada.
Quem é escolhido pelos melhores é porque sabe bem o que está fazendo...;
Aulas com músicos famosos; Aulas particulares [com] o pianista das
estrelas; métodos desenvolvidos pelos maiores profissionais da música;
workshops gratuitos com músicos de renome; venha estudar com quem
fez a história da guitarra brasileira.
56
nome desses artistas: “tocou com Marisa Monte, Djavan, Gal Costa, BB
King”.
Os enunciados das propagandas deixam explícito o tipo de
repertório com o qual os cursos trabalham, delimitando assim o recorte
que faz dentro da amplitude de gêneros musicais: “No mês de abril,
começa o curso Guitarra Brasileira de Heraldo do Monte”; “Guitarra
Jazz, Violão Solo (MPB)”; “A guitarra no Rock’n’roll, Gaita de Blues,
A Percussão no Soul, funk e ritmos latinos”; “Técnica Vocal para metal
em geral”. Isso nos remete ao músico-professor especialista, que se
propõe a ensinar música através de determinado estilo, técnica ou gênero
musical definido. Ao estudante de música é oferecida uma ampla oferta
de cursos, sem a exigência de pré-requisitos. Desde que tenha condições
financeiras, o aluno pode trilhar seu caminho como bem entender,
adquirindo as competências que considera necessárias à construção de
seu perfil profissional.
A eficiência dos cursos é sugerida pelas propagandas através de
enunciados que indicam como o ensino é realizado: “cursos 100%
práticos”; “aulas com CD Trainer, audio-livros e métodos importados”;
“métodos desenvolvidos pelos maiores profissionais da música”.
A possibilidade de individualização do percurso de formação se
torna possível uma vez que os cursos oferecem “aulas totalmente
individuais”, indicam que “não precisa conhecimento prévio”, oferecendo
ainda “curso rápido e avançado de guitarra, direcionado à necessidade
do aluno” e ainda garantem: “curso que fará de você um verdadeiro
profissional”.
Os cursos oferecidos pelas escolas de música alternativas ainda
disponibilizam ao aluno acesso a inovações tecnológicas: “Equipamentos
modernos”, “Guitarra Midi, Programação de teclados e módulos,
Sequencers”, e associam cursos de música com cursos de áudio: “Cursos
de Música e Introdução à Tecnologia Musical”, “Você vai descobrir
todos os segredos: Gravação, Mixagem, Masterização”.
Identificamos três aspectos primordiais nos discursos sobre a
oferta de ensino de música, aspectos sobre os quais o emissor constrói
uma imagem para seu público receptor: o que se ensina, quem ensina, e
como se ensina. As operações de enunciação20 em torno desses aspectos
20
Operações de enunciação são “operações que apontam, que localizam objetos, seres,
num ato de referenciação interna no movimento narrativo. [...] Certas referências vêm
como repertório de textos já dados na cultura, já construídos por processo histórico
cultural” (Santos, 1997, pp.63-64). As operações de enunciação podem ser operações de
atualização, extração, indicação, totalização e identificação.
57
Figura 3 – Propagandas de escolas de música alternativas
58
Figura 4 – Propagandas de escolas de música alternativas (continuação)
59
Figura 5 – Propagandas de escolas de música alternativas (continuação)
60
Figura 6 – Propagandas de escolas de música alternativas (continuação)
61
indicam que os cursos são “idiomáticos”, voltados para a música popular;
que são ministrados pelo músico-professor “especialista”, que tem sua
legitimação como professor dada através de sua competência artístico-
musical; que sua forma de ensino “prático” se dá através de métodos
que vêm acompanhados de CDs ou fitas K7, e que têm o atributo ou de
ser importado ou de ser desenvolvido “pelos maiores profissionais da
música”; e que utiliza outros recursos de ensino que garantem acesso à
inovação tecnológica e asseguram um saber prático.
21
Nomes fictícios.
62
Outros Tempo de
Curso atual Tempo de estudo na Se atua ou Se atua
Identificação Idade cursos na
na Rio estudo Rio pretende atuar profissionalmente
Rio
Música musical Música profissionalmente em outra área
Música
Gustavo 23 Canto Guitarra 5 anos 2 anos Atua Não
André 19 Flauta - 2 anos 5 meses Pretende Não
Marcos 25 Baixo Técnicas de 10 anos 2 anos Atua Não
Gravação
Composição Sim
Lúcia 30 Harmonia de música 13 anos 3 anos Atua Professora de
pop música
Quadro 2 – Identidade de um grupo de estudantes de música da Rio Música
22
Em depoimentos apresentados no item 2.3 desta pesquisa.
63
fato do currículo dos cursos de música das universidades não contemplar
certos instrumentos, que em geral são empregados com mais freqüência
no âmbito da música popular:
Eu acho que estudar numa escola como a Rio Música é legal porque a
escola oferece bons professores, igual à universidade, mas a universidade
tem mais aquela coisa da música erudita que não é o que eu quero (André);
Quando eu entrei [para a universidade] eu tava buscando tocar mais,
conhecer gente, compor [...] Aí depois quando começou era muita teoria.
Nada que eu tava imaginando aconteceu. [...] Eu fiquei animada em
estudar harmonia, pensei que poderia me ajudar com o violão. [...] Mas
a harmonia eu achei um pouco fria porque era uma harmonia a quatro
vozes, não era a harmonia que eu queria. Fiquei sabendo todas as regras
mas não conseguia utilizar. [...] Quando eu procurei o curso daqui eu já
sabia que ele dava dicas de composição pop. Me interessou analisar o
que as pessoas já fazem por aí, as fórmulas da música pop [...]. E também
porque na UNIRIO a análise que era feita era em cima de músicas
clássicas (Lúcia).
64
Eu estou entrando numa faculdade só pra complementar. Acho que o de
lá complementa o daqui [da escola alternativa] porque eu já estou tocando,
já estou trabalhando, dando aulas (Marcos); o ensino médio não apresenta
um ensino musical. Uma pessoa que quer freqüentar uma faculdade de
música vai ter que buscar pelo conhecimento numa escola de música
[alternativa] ou em aulas particulares (Gustavo); Eu tentei entrar três
vezes para a universidade, primeiro pr canto e depois pra violão. Mas eu
não estava preparada e não passei no teste de habilidade específica. Depois
eu entrei no curso de Licenciatura pra tentar me transferir depois pro
Bacharelado em Violão (Lúcia).
65
o músico. Acho os dois importantes, mas se você quer tocar vai perder
tempo se estudar com um catedrático o tempo todo (Marcos).
Tem que ter leitura, técnica, noção de harmonia e uma boa percepção.
Não digo nem o solfejo propriamente dito, mas saber tirar uma música
de ouvido, saber acompanhar só de ouvir a melodia. Ter essa intuição
(Gustavo); Tocar uma música que você nunca ouviu antes. Saber se
situar harmonicamente. Tem que ter a competência de ouvir, ter ouvido
musical (Lúcia); Eu acho que pra mim é a humildade. Acho que o músico
tem que saber conquistar as pessoas, não só pela música dele mas pela
pessoa dele. Acho que o músico tem que saber se virar, até quando as
coisas dão erradas... saber na hora se virar. Tem que saber improvisar,
tem que ser esperto. Pra mim, ser competente seria quando alguém botar
uma partitura na minha frente e eu olhar aquilo e sentir, poder transformar
aquilo... não sentir dificuldade, estar bem seguro (André); Músico
competente é aquele que resolva o que o cliente está pedindo... o
contratante. Aquele que se adapta da melhor maneira possível ao trabalho.
Tem que ter sonoridade, técnica, a própria responsabilidade.. e a
compatibilidade, até social, com os outros músicos (Marcos).
66
3.1.3 O músico-professor Adriano Giffoni:
um informante qualificado
23
Ver item 2.3 desta pesquisa.
67
das pessoas que estão entrando no meio profissional”. A forma de
organizar o seu próprio estudo serve ainda como uma espécie de modelo
para seus alunos: “A didática está no professor organizar o estudo do
aluno. Eu tenho um esquema de estudo que me organiza, a forma como
eu vou estudar em quatro horas de estudo, por exemplo. Eu passo a
organização do meu estudo para o aluno”.
Seu público alvo não é restrito apenas a contrabaixistas aspirantes
a profissionais, apesar de todo o seu trabalho docente estar voltado à
capacitação profissional: “dar as bases, o que a pessoa precisa saber
para poder tocar, para trabalhar”. Sua atividade docente está voltada
também para profissionais que necessitam de aperfeiçoamento ou
atualização:
tem muito profissional que já toca e que não tem uma boa leitura e que
até agora não conseguiu achar uma metodologia boa de aprender a ler.
Têm outros que querem estudar improvisação mas não têm informação
de harmonia e vai esbarrar numa barreira que eu tenho de mostrar a ele
o que que é pra ele vencer as etapas.
68
Giffoni considera que o ensino oferecido pelo músico-professor
no âmbito das escolas de música alternativas e aulas particulares está
suprindo uma lacuna: “tem gente que chega com muito conhecimento
teórico sobre os modos mas não sabe na hora de improvisar como usar.
Então eu senti falta disso nas oportunidades que eu tive de estar nas
universidades”. Esse relato vem corroborar com nosso pensamento de
que a problemática que vem sendo apontada entre teoria e prática não
está na “quantidade”, mas sim na forma como conteúdos factuais e
conceituais vêm sendo ensinados, não necessariamente dissociados da
prática, mas associados a uma prática que não aquela reconhecida e
desejada por estudantes.
Sua noção de competência profissional passa pela idéia de
flexibilidade: “Acho que o músico tem que estar sempre atualizado,
trabalhar um pouquinho em cada área conforme eu te falei. Às vezes eu
estou fazendo pouco show e se eu não tivesse a versatilidade de trabalhar
em outras áreas seria mais difícil ainda”.
Referindo-se ao seu livro, Giffoni indica a necessidade da teoria
vir sempre acompanhada da prática:
Acho que tudo que tem que ser explicado tem que ser praticado. Se não
for praticado de uma maneira legal pode dar uma certa confusão. Então
eu botei as músicas [se referindo ao livro], botei as levadas gravadas e
escritas, e botei as músicas de modo que o baixista pode tirar [a linha do
baixo] do lado esquerdo da caixa e tocar junto.
Eu achei uma fórmula ideal: uma página explicativa [sobre cada ritmo
ou levada], uma página com 10 exemplos pra cada um, uma música
gravada com banda, porque aí o músico pode participar junto e tirar o
baixo no canal esquerdo e tocar junto com a base que tem o Gilson
69
Peranzzeta, Afonso Cláudio na flauta. No primeiro livro eu coloquei
fotos de baixistas representativos de cada ritmo, tem outro livro que
deve sair lá pra abril, que vai englobar outros ritmos, e também estou
colocando alguns ritmos do primeiro mas com coisas novas.
70
instituições oficiais também visam conteúdos procedimentais. Se não
fosse assim, essas instituições não formariam instrumentistas e cantores.
O ponto primordial apontado nesses depoimentos é a necessidade
de conteúdos do “mundo do trabalho” estarem presentes nos currículos
dos cursos de música de instituições oficiais, isto é, que os cursos de
música dessas instituições proporcionem aos estudantes uma formação
mais ampla, formação que contemple perfis profissionais que estão sendo
requisitados pelo “mundo do trabalho”. Por isso, o ensino oferecido pelas
instituições oficiais é comumente visto como complementar, conforme
mencionou Gustavo, em depoimento transcrito anteriormente: “Eu estou
entrando numa faculdade só pra complementar. Acho que o de lá
[universidade] complementa o daqui [Rio Música] porque eu já estou
tocando, já estou trabalhando, dando aulas”. Como vimos, os conteúdos
provenientes do mundo do trabalho são valorizados pelo músico-
professor Adriano Giffoni, na sua prática docente e na sua publicação
com fins de ensino musical.
Sobre o “mundo do trabalho”, Travassos (1999) pesquisando
sobre a trajetória de estudantes de música do Instituto Villa-Lobos
(UNIRIO), reconhece que, embora os cursos do IVL sejam divididos
em Composição, Regência, Instrumentos e Canto e Licenciatura,
71
O ensino oferecido em escolas de música alternativas vem atender
às necessidades expostas pelo músico-professor Tomás Improta, que
lembrou a inexistência de cursos que ensinassem música popular na época
em que iniciava seus estudos musicais. O mesmo identificou Benevenuto
em seu depoimento sobre seu percurso de formação. Ele diz ter tido a
necessidade de buscar esse tipo de conhecimento fora do país, uma vez
que os saberes e as competências que buscava ainda não haviam sido
sistematizados em escolas brasileiras, oficiais ou alternativas. Diz ainda
que o ensino oferecido pelas escolas oficiais, que era a única opção do
estudante na época, “dava as costas” para a realidade do mundo do
trabalho do músico, e que este foi um dos motivos que o levou a abrir
uma escola de música alternativa: “a Rio Música nasceu com essa
filosofia: não vamos trabalhar de costas com a realidade. Como é que é
a vida, como a indústria participa disso, como é que é o mercado
alternativo disso”.
Esses saberes foram apontados pelos estudantes como referentes
à seleção do repertório e dos instrumentos musicais ensinados, e também
a saberes oriundos da prática, do cotidiano profissional. Lúcia observou
que, através do ensino que obteve na universidade, ficou sabendo “todas
as regras mas não conseguia utilizar”. Adriano Giffoni também
identificou este fato quando disse que muitos dos estudantes que o
procuram possuem conhecimentos teóricos mas não sabem como utilizá-
los em sua atividade prática. Assim, percebemos que a aplicabilidade
imediata de conhecimentos associada à realidade cotidiana do estudante
é outro fator fundamental na escolha de um percurso de formação.
Benevenuto relatou em seu depoimento: “eu próprio me sentia indo para
a escola e não sendo preparado pro que eu via na minha frente
acontecendo. Eu estava sendo preparado para outra coisa, outro século,
para um outro tempo, mas nada associado à minha realidade”.
Willians Pereira, coordenador pedagógico do CIGAM – Centro
Ian Guest de Aperfeiçoamento Musical, uma escola de música alternativa
situada no centro da cidade do Rio de Janeiro, também observou a
necessidade dos alunos em fazer uso imediato de conhecimentos
aprendidos 24 : “a gente trabalha com música popular e com um
determinado tipo de interesse específico e imediato”25 .
24
Em Simpósio realizado na UNIRIO em 30/03/1998 pelo Departamento de Educação
Musical do Instituto Villa-Lobos, evento que foi coordenado pela professora Regina
Márcia Simão Santos.
25
Transcrição do referido Simpósio. Texto de circulação interna, IVL, CLA, UNIRIO.
72
Masetto (1998) comenta a respeito do professor universitário:
Com base nos dados colhidos até aqui, nesta pesquisa, a seleção
do repertório, o ensino de instrumentos oriundos de práticas da música
popular, o contato com tecnologia atualizada, o contato com saberes
profissionais através de cursos ministrados por músicos atuantes e a
possibilidade do estudante traçar seu próprio percurso de formação, são
as tônicas pelas quais se anunciam as escolas de música alternativas.
Esses itens, fundamentais à formação do músico conforme apontados
por músicos-professores, estudantes de música, donos de escolas
alternativas, entre outros, são identificados como ausentes em instituições
oficiais de ensino de música.
Segundo os depoimentos obtidos, um fazer ou saber-fazer parece
caracterizar um saber profissional. A experiência profissional do músico
é vista como um saber e como uma competência a ser aprendida, daí a
necessidade de se ter aulas com um músico atuante. Schön (2000) defende
a idéia de um ensino prático reflexivo, onde “estudantes aprendem
principalmente através do fazer, apoiados pela instrução” (p.viii). O autor
aponta para a necessidade de se “encontrar as raízes da distância existente
entre faculdade e local de trabalho, entre pesquisa e prática, em uma
concepção errônea de competência profissional e sua relação com a
pesquisa acadêmica e científica” (p.21). Segundo Schön, existem zonas
indeterminadas da prática, que vêm a ser certas situações de incerteza e
singularidade com que os profissionais se deparam, da qual somente
uma atitude reflexiva poderia dar conta. O autor ilustra essa situação da
seguinte forma: “Uma médica reconhece um conjunto de sintomas que
não consegue associar a nenhuma doença conhecida. Um engenheiro
mecânico encontra uma estrutura para a qual ele não pode, com as
ferramentas à sua disposição, fazer uma determinada análise” (p.17).
São situações onde não basta saber técnicas aprendidas e aplicá-las, mas
onde o profissional tem que ter uma espécie de “jogo de cintura” e uma
grande capacidade de reflexão (ou reflexão-em-ação, como diz Schön)
para poder gerar um conhecimento que o autor chama de conhecimento-
73
em-ação. A essa capacidade se daria o nome de artistry26 . Isso nos
remete ao depoimento de André quando diz que o músico “tem que saber
se virar até quando as coisas dão erradas”. O estudante reconhece como
um saber dos profissionais a capacidade de resolver situações
problemáticas enquanto elas ocorrem. Gómez (1995) aponta para a
mesma direção:
26
Traduzido como “talento artístico”.
74
Essa idéia se assemelha ao que Gomes (2001) reconhece como
competência profissional:
75
ao mesmo tempo em que capacita os estudantes para que façam
experiências sem grandes riscos, variem o ritmo e foco do trabalho e
repitam as ações quando lhes parecer útil. [...] Para que tenha crédito e
seja legítima, uma aula prática deve passar a ser um mundo com sua
própria cultura, incluindo sua linguagem, suas normas e seus rituais
(Schön, 2000, p.133).
76
muito boa para o ensino de música, porque música passa pelo ouvido.
Porque é difícil você falar assim: aquela notinha lá no compasso 38...
complica longamente. Não é que nem nas artes plásticas que você vê e
aponta para o que vê. Naturalmente você vai vendo que as pessoas podem
compreender muita coisa através da metáfora27 .
27
Depoimento de Sérgio Benevenuto, fundador da Rio Música (escola de música
alternativa que foi o universo de nosso estudo exploratório) à autora em agosto 2001.
28
“Metaphors depend on the musician´s personal experience with words and images.
Metapjors grow from an inquiry into musical meaning in performance not always
emanating from technical concerns, motor skills, or standard theoretical terms” (tradução
da autora desta dissertação).
77
direção de transformar a compreensão musical a partir de seu próprio
ponto de vista. Embora a informação seja experimentada principalmente
através da imitação total, a troca de informação explícita e tácita entre o
músico mestre e o aprendiz está no âmago desse processo. ‘O aprendiz,
inconscientemente, capta as regras da arte incluindo aquelas que não
são explicitamente conhecidas pelo próprio mestre’ (Davidson e Scripp,
1992, p.404)29 .
29
“the focus is directed to the teacher’s performance (production-in-action). Through the
process of imitating the model (perception-in-action), students work toward transforming
musical understanding from their own point of view. Although information is experienced
principally through wholesale imitation, the explicit and tacit exchange of information
between the master musician and the apprentice is at the heart of this process. ‘The
apprentice unconsciously picks up rules of the art, including those wich are not explicitly
known to the master himself’ (Polanyi, 1962, p.53)”. (Tradução da autora)
78
seu conhecimento a respeito do conteúdo ensinado e de sua experiência
como aluno, através de seu percurso de formação. Segundo sua própria
fala, o músico-professor procura situações para que o aluno alcance
resultados de uma forma sistematizada, e acredita que com isso irá lhe
facilitar e encurtar o caminho. Sua legitimação perante o aluno parte,
além de sua performance como músico, do que Demo (1995) chama de
“discurso competente”: um discurso “devidamente argumentado,
logicamente consistente, fundado em conhecimento de causa, tipicamente
re-construtivo” (p.25).
Em recente encontro da série “Roda de Filosofia – temas de
música, cultura e educação”, realizada em junho de 2001 promovida
pelos Seminários de Música Pro Arte e coordenado por José Alberto
Salgado, estudantes de música debateram a respeito do processo de
preparação ou aperfeiçoamento para a vida profissional.
Segundo os estudantes, nem sempre a melhor opção a seguir
na trajetória de seus estudos é a universidade, o que muitas vezes é
imposto pelos pais dos alunos que vê na instituição oficial o melhor
caminho a ser trilhado: “o que eu queria é continuar tocando bateria
aqui na Pro Arte, continuar encaminhando meus estudos da maneira
que eu quiser, mas essa oportunidade não me dão, tem que fazer uma
faculdade”30 .
Para esses alunos, a universidade não apresenta, conforme vimos,
os saberes e competências imediatos que os estudantes almejam alcançar:
30
Depoimento de um estudante transcrito de uma fita gravada neste evento pela
pesquisadora.
31
Idem.
79
ia acrescentar muito [estudar numa universidade]. Ia tomar muito tempo,
eu ia deixar de estudar”.
A possibilidade do estudante realizar um percurso de formação
individualizado conforme indicou Perrenoud (2000), vai ao encontro ao
pensamento de estudantes e do músico-professor, além de estar de acordo
com o conceito que se tem, atualmente, de competência, conforme vimos.
Segundo o autor, a competência seria a “capacidade de encontrar, de
reunir, de reconstruir, de reler, de reaprender [...] é isso que constitui
uma competência, além dos conhecimentos que ela mobiliza, atualiza,
extrapola ou produz” (p.69). Mais do que ter acesso ao conhecimento, o
aluno precisa desenvolver competências procedimentais, um saber fazer.
Segundo ele,
80
compreender melhor o que acontece, delimitar o que lhe interessa e aquilo
de que tem necessidade, decidir sua orientação ou precisar seu projeto
de formação (Perrenoud, 2000, p.93).
81
CAPÍTULO 4
Análise de publicações
com fins de ensino musical
32
Revista Backstage nº66 – maio/2001, p.113.
33
Em contato telefônico com a pesquisadora em dezembro de 2001.
83
Biglione”; “O melhor do choro brasileiro” em dois volumes; “O melhor de
Beto Guedes”; “O melhor de Garganta Profunda”; “O melhor de
Pixinguinha”; e “Música Brasileira para conjuntos de flauta”.
Porém, até o início da década de 80, não era tão comum como
hoje a existência de publicações voltadas para o repertório da música
popular contendo partitura com melodia cifrada e letra. Esse quadro
mudou quando, a partir da década de oitenta, foi lançado pela Lumiar
Editora o songbook “Caetano Veloso”, em dois volumes. Este foi o
primeiro de uma série de songbooks e livros com fins de ensino musical
voltados para a música popular brasileira, na maioria das vezes publicados
por iniciativa do músico-professor.
A Lumiar Editora, fundada em 198634 , é totalmente dedicada à
música brasileira. Segundo o catálogo da editora (s.d.), a Lumiar lançou
seis biografias, 23 livros didáticos e 31 songbooks, contemplando
composições de 15 autores diferentes (Ary Barroso, Caetano Veloso,
Carlos Lyra, Cazuza, Chico Buarque, Djavan, Dorival Caymmi, Edu
Lobo, Gilberto Gil, João Donato, Marcos Valle, Noel Rosa, Rita Lee,
Tom Jobim e Vinicius de Moraes) além de uma série de cinco songbooks
dedicados à bossa nova, somando um total de 36 songbooks.
A grande novidade apresentada pela Lumiar em seus songbooks
é o fato dos autores das músicas participarem do processo de escrita da
partitura da música. Segundo o músico Tom Jobim35 ,
34
Segundo informação obtida através de contato telefônico com a editora em dezembro
de 2001.
37
Depoimento divulgado pela home page da Lumiar Editora (www.lumiar.com.br)
consultada em 26 de dezembro de 2001.
84
publicação de songbooks com canções populares já era um fato corriqueiro
em outros países.
36
João Máximo in Songbook Caetano Veloso vol. I, Rio de Janeiro, Lumiar Editora, sd.,
contracapa.
85
30
25
20
15
10
5
0
1986
1988
1989
1991
1992
1993
1994
1996
1997
1998
1999
2000
Figura 7 – Crescimento do número de publicações editadas pela Lumiar Editora.
86
primeiro escrito por Almir Chediak – e 1999, ano em que elaboramos o
projeto desta pesquisa. (Ver Quadro 3)
Dados observados:
87
contracapa quanto em seu interior, podemos destacar alguns depoimentos
que apontam para essa justificativa:
88
ainda utiliza este repertório para fornecer ao aluno material para que exercite
os conhecimentos aprendidos.
Vale dizer que este livro foi um dos primeiros a trazer o repertório
da música popular, neste caso em grande parte a bossa-nova, com as cifras
e a letra disponíveis, sendo as cifras dispostas em compasso. O livro foi
utilizado por músicos e estudantes de música, muitas vezes, como uma
espécie de songbook37 . Podemos supor que foi a partir desta constatação
que o autor, Almir Chediak, fundou a Lumiar Editora para fazer o que os
americanos, por exemplo, vinham fazendo há tempos: editar songbooks de
música popular.
O livro foi organizado em partes teóricas e partes destinadas à
prática tanto da execução de acordes (desenho de acordes e progressões
harmônicas) quanto à análise harmônica. A primeira trata exclusivamente
de uma parte teórica introdutória e a segunda parte é o dicionário de acordes
cifrados propriamente dito (desenho dos acordes no braço do violão com a
respectiva grafia no pentagrama). A terceira parte apresenta uma série de
progressões harmônicas “clichês” e também conceituações teóricas a
respeito de tonalidade, harmonia e modulação. A quarta e última parte
trata do “relacionamento melodia / harmonia”, apresentando procedimentos
em relação a como realizar a análise harmônica, trazendo exemplos em
progressões harmônicas, e ainda um repertório como exemplificação de
análises e também para ser analisado pelo leitor como forma de exercitar
os conhecimentos aprendidos. As músicas foram grafadas com as cifras
separadas em compassos, com a letra da música abaixo.
Quanto aos recursos usados, a parte teórica contida no livro é
exclusivamente expositiva, não trazendo nenhum tipo de exercício. A
segunda parte do livro, onde o autor elaborou um dicionário de acordes,
também não apresenta nenhuma sugestão de exercícios. O autor oferece
apenas uma dica de como transpor estes acordes, uma vez que o dicionário
limita-se a explorar diversas possibilidades de digitação de tipos de acordes
partindo da fundamental Dó. Na terceira parte, onde são apresentadas
progressões harmônicas, não há nenhuma indicação procedimental quanto
à realização de exercícios, a não ser pela seguinte observação feita pelo
autor: “Todos os exercícios no decorrer deste trabalho deverão, também,
37
Até então, a fonte de repertório cifrado para o músico popular eram principalmente as
revistinhas “Violão & Guitarra”, também conhecidas como “VIGU”. Essas revistas até
os dias de hoje são vendidas em bancas de jornal, mas a cifragem nem sempre é confiável,
conforme advertiu Tom Jobim e Chediak, e não vem disposta em compassos.
89
ser tocados em forma de tríade (sem a sétima), exceto dominantes (V7) e os
m7(b5)” (p.128). Destaca ainda, em seu prefácio, que “os acordes
relacionados ao sistema tonal são apresentados em pequenas progressões,
obedecendo a uma ordem didática”. Assim, o autor apresenta progressões
harmônicas que vão ficando cada vez mais complexas, começando com
progressões diatônicas em tonalidades maiores, em seguida em tonalidades
menores, e posteriormente utilizando acordes de empréstimo modal. Nessas
progressões ele utiliza tríades e tétrades. Na parte 4, onde encontramos
músicas a serem analisadas pelo leitor, o autor destaca: “deve-se observar
que as músicas, no decorrer deste trabalho, aparecem obedecendo uma
ordem didática” (p.272), ou seja, do simples ao complexo, seguindo o
mesmo critério da terceira parte do livro.
O estilo das músicas não foi identificado pelo autor, sendo todas
composições que fazem parte do repertório da música popular brasileira,
compostas por autores conhecidos tais como Moraes Moreira, Martinho
da Vila, Luiz Gonzaga, Caetano Veloso, Vinícius de Moraes, Chico
Buarque, entre outros, e que, segundo o autor, “são de conhecimento de
todos”.
Quanto ao público alvo, o livro não traz uma indicação direta, senão
pelos pareceres de músicos que constam no início do livro: “cavaquinistas
amadores e profissionais”, “para quem deseja obter uma boa técnica [...]
ser um bom cavaquinista”, “um método para os que buscam a oportunidade
de usufruir das qualidades do cavaquinho como instrumento solista...”.
O autor não explicita seus objetivos. Porém, estes já ficam claros
por conta do prefácio onde músicos afirmam:
90
todos os recursos do cavaquinho; existia uma carência muito grande no que
diz respeito ao aprendizado deste instrumento; para que, seguindo caminhos
brasileiros, as nossas artes evidenciem, através dos tempos, a contagiante
força de expressão que a índole do nosso povo oferece em suas manifestações
musicais.
91
utilização. Na primeira parte, apresenta exercícios de leitura melódica que
“visam a desenvolver a prática da leitura com o instrumento, bem como a
associação entre a altura da nota e sua localização no braço do cavaquinho”
(p.16). É importante lembrar que, embora o autor não indique nenhum tipo
de pré-requisito, o leitor não poderia realizar este exercício, bem como os
exercícios técnicos mencionados anteriormente, sem o conhecimento prévio
da grafia tradicional no pentagrama, ou sem a ajuda de um professor. São
sugeridos também exercícios relacionados aos conteúdos teóricos. Ainda
sobre a questão da leitura, o autor indica uma listagem de músicas como
sugestão de solos a serem tocados ao cavaquinho.
Para o exercício da leitura melódica, são utilizadas músicas do autor,
além de compositores como J. S. Bach, Radamés Gnattali e M. Ravel. São
apresentadas como sugestão de leitura polcas, valsas, choros, estudos,
maxixes e baiões de autores como Anacleto de Medeiros, Garoto, Hermeto
Pascoal, Jacob do bandolim, K-Ximbinho, Pixinguinha, Waldir Azevedo,
entre outros. O repertório cifrado apresentado ao final do livro apresenta
músicas tradicionais do repertório da música popular brasileira como
“Guardei minha viola”, de Paulinho da Viola, “Trem das onze”, de Adoniran
Barbosa, “Acontece”, de Cartola, e “Kid Cavaquinho”, de João Bosco e
Aldir Blanc, entre outras. O estilo de cada uma dessas composições não
está indicado, ficando subentendido que o leitor já deva ter alguma
intimidade com este repertório.
Os pré-requisitos básicos para que se tire maior proveito deste livro são:
reconhecimento dos intervalos, formação das escalas e dos acordes, leitura
de cifras e domínio no instrumento, da escala maior e das três formas da
escala menor (natural, harmônica e melódica) em todas as tonalidades (p.18).
92
Predominam nesta publicação conteúdos procedimentais. A fita
K-7 que acompanha o livro segue junto aos exemplos do início ao fim,
para que o leitor possa praticar o improviso.
O livro foi organizado em seis partes distintas, cada uma tratando
de um aspecto específico da improvisação. A primeira delas é mais geral,
apresentando conceituações teóricas, técnicas e fraseados correspondentes
a centros tonais. As partes dois e cinco trabalham determinadas progressões
harmônicas “clichês”, e as partes três e quatro a utilização de escalas
específicas. Na sexta e última parte são apresentados solos escritos sobre
progressões harmônicas cifradas, sendo indicado o estilo musical. Segundo
o autor, “as partes neste livro estão organizadas de forma a dar ao estudante
uma intimidade gradativa com o inter-relacionamento entre escalas e acordes
e desenvolver a arte da improvisação no estilo “passo a passo” (p.17). Assim,
o livro segue a ordem dos exemplos gravados na fita que o acompanha,
começando com progressões harmônicas em centros tonais maiores e
menores, com a utilização de acordes diatônicos, em seguida trabalha com
a improvisação sobre acordes dominantes secundários, alterados e
substitutos, etc.
Uma fita K7 acompanha o livro com a gravação de bases harmônicas
que servem para se exercitar o improviso. Há, inclusive, um sumário da
fita, com indicação da exemplificação que faz de estilos musicais e
progressões harmônicas. As frases propostas pelo autor foram gravadas de
duas maneiras: uma lenta “para que possam ser assimiladas com mais
facilidade as nuances de interpretação” (p.18) e outra num andamento mais
rápido. O autor sugere que o leitor “experimente fazer um estudo gradativo
para o domínio na mudança de escalas, tocando inicialmente apenas
mínimas, depois semínimas [...]” (p.18) e ainda oferece outras dicas de
estudo na introdução e no decorrer de todo o seu livro. São propostos
exclusivamente exercícios práticos aplicados ao instrumento.
No repertório contido no livro não há canções propriamente ditas,
mas progressões harmônicas “clichês” com a sugestão do estilo musical do
acompanhamento. Os estilos utilizados são: bossa-nova, bolero, salsa lenta,
swing, disco funk, samba-canção, baião, funk, salsa, samba, frevo, blues e
jazz.
93
interessa pelo repertório da música popular brasileira. Segundo o autor,
este é “um trabalho de objetivos práticos” onde “são apresentados oito
estilos musicais brasileiros com suas acentuações características, diferenças
de compasso e interpretação para o contrabaixo” (p.8).
Não encontramos nenhuma espécie de justificativa. Porém, pelo
autor tratar-se de nosso informante qualificado, temos o seguinte
depoimento:
40
Entrevista concedida à autora em dezembro de 2000.
94
O autor dá dicas ao leitor, como: “a sonoridade do baixo deve ser aguda para
não se confundir com a percussão [no samba]. Já no estilo bossa-nova, a
equalização pode ser mais grave e as notas devem ser executadas ligadas,
com um toque leve da mão direita” (p.13).
O livro não se divide numa ordem que vai do simples ao complexo.
O seu índice não separa em partes o conteúdo, mas indica os estilos musicais
apresentados pelo autor. Exceto pelos itens “Síncopes Brasileiras”, “Slap
na Música Brasileira “ e “Baixo de Cinco Cordas na Música Brasileira”,
todos os outros itens se referem a estilos musicais brasileiros específicos.
Para cada estilo o autor obedeceu um único critério, que estabeleceu a
seguinte ordem: apresentação da célula rítmica básica do estilo em estudo;
referências discográficas a esse estilo; apresentação de linhas de baixo em
progressões, utilizando-se da célula rítmica básica; apresentação da partitura
de uma música no estilo estudado, contendo a melodia e a linha de baixo
escritas no pentagrama e a harmonia cifrada. Ao final do estudo de cada
estilo, é apresentado ao leitor um baixista que se destacou naquele estilo,
ou que foi representativo dentro de determinada técnica (como é o caso
dos dois últimos itens), constando sua foto e um pequeno comentário . Ele
diz:
95
4.1.5 Vocabulário do choro
96
os exercícios vêm com a indicação da harmonia cifrada). O autor ainda
sugere que as frases sejam decoradas e que o leitor experimente “modificar
para os modos menores algumas escalas e aplicar arpejos aumentados ou
diminutos sobre certos arpejos dados” (p.22).
A seleção do repertório inclui composições do autor abordando os
seguintes estilos musicais: choro, valsa, samba, frevo e baião.
39
Entrevista concedida à autora em dezembro de 2000.
97
com o desenho do acorde no braço do violão representado sobre a cifra e
ainda com a letra da música abaixo da melodia.
O livro não se preocupa em conceituar termos por ele utilizados,
limitando-se a defini-los de forma reduzida. A respeito de “escala”, o autor
escreveu: “Escala é uma seqüência de notas, formada por graus sucessivos,
representados por algarismos romanos” (p.15). Apresenta ainda a noção
do que é “certo” e “errado” na orelha do livro, quando demonstra através
de fotografias “a posição errada ou certa das mãos”.
O autor propõe uma série de exercícios teóricos nas suas três
primeiras partes (a quarta parte, apesar de ser também teórica, é
exclusivamente expositiva). Um CD acompanha o livro onde apresenta a
gravação de 9 trilhas com ilustrações de “ritmos” apresentados pelo autor
na parte 1, e as 17 músicas cujas partituras estão disponíveis na parte 5 do
livro. O autor sugere que estas gravações sirvam como ilustração e também
para que o leitor as acompanhe ao violão, orientando-se pela partitura.
O repertório consta de composições do autor, algumas, inclusive,
que fazem parte do repertório tradicional da bossa-nova (como, por exemplo,
“Minha Namorada”, composta em parceria com Vinícius de Moraes). Estão
presentes os seguintes estilos: baião-toada, samba-canção, samba, bossa-
nova, marcha-rancho e toada.
98
As publicações têm por objetivo
Objetivos sistematizar algum conhecimento, como um
sistema de cifragens, a improvisação ou o
fraseado do choro; atingir “objetivos
práticos”, como tocar dentro de
determinado estilo; e viabilizar o estudo de
algum instrumento ou gênero musical,
freqüentemente voltado para a música
popular brasileira.
99
A parte teórica, em geral, traz exercícios de
fixação. Na parte prática há um repertório
Recursos cifrado, separado em compassos, ou a
sugestão de um repertório a ser praticado
pelo estudante. São utilizadas fitas K7 ou
CDs como apoio à prática musical.
40
John Blacking (1995) utiliza o termo sound groups para definir um grupo social que
compartilha uma linguagem musical comum, compartilhando a mesma idéia do que seja
música e suas formas de manifestação.
100
A necessidade e o valor de se publicarem livros com fins de ensino-
aprendizagem musical é justificada com afirmações como:
o êxito dessa proposta vai facilitar a difusão das cifras nas escolas de
formação musical, atendendo a um público e mercado de trabalho cada
vez maiores; pela primeira vez no mundo os músicos terão oportunidade
de conhecer todos os recursos do cavaquinho; contribuir para a criação e
sistematização de um estudo técnico sobre o choro, valorizando sua
importância na formação de uma escola (de fato) para música brasileira; e
deve ser reforçada pelas escolas de música, indicando esta obra como
veículo fundamental nas disciplinas que se relacionam com a harmonia.
São saberes que foram (ou ainda são) negados e silenciados por
instituições oficiais, e que careciam de uma sistematização, conforme
indicou Santomé (2001)41.
O objetivo central dessas publicações é saber fazer alguma coisa.
Portanto, os conteúdos procedimentais são valorizados e estimulados
através, principalmente, da possibilidade de se praticar com o apoio de um
CD ou fita K7, que freqüentemente acompanham livros deste tipo.
Conteúdos factuais (fatos e dados) são encontrados como complemento ou
como forma de introduzir ou fornecer bases aos conteúdos procedimentais.
Assim, estas publicações, na grande maioria, preocupam-se principalmente
em levar o aluno a “manejar, usar, construir, aplicar, coletar, observar,
experimentar, elaborar, simular, planejar, compor, avaliar, representar, etc”
(Coll, Pozo, Sarabia e Valls, 2000, p.91).
As publicações analisadas carecem, contudo, de conteúdos
conceituais. Apesar de encontrarmos definições em todas as partes teóricas
apresentadas pelas publicações, elas não chegam a se constituir em
conceitos. Tomemos como exemplo a demonstração do que é tonalidade
em Harmonia prática da bossa-nova. O autor diz: “Tonalidade é um trecho
de música em que predomina um tom” (p.14) e tom é definido como “a
altura, ou seja, abaixamento ou elevação do som” (p. 14). Conceituações
teóricas poderiam e deveriam auxiliar o estudante na aprendizagem de fatos,
dados, conforme recomendou Pozo (2000): “Para que os dados e os fatos
adquiram significado, os alunos devem dispor de conceitos que lhes
permitam interpretá-los” (p.21). Para o autor, o importante não é privilegiar
um ou outro tipo de conteúdo, mas sim a integração entre eles: “Nem a
41
Ver Capítulo I, item 1.2, pp.22-23 desta dissertação.
101
aprendizagem de fatos nem a compreensão de conceitos podem ser isoladas
do restante dos conteúdos do currículo” (p.22).
Acreditamos que, pela carência de conteúdos conceituais, as
publicações analisadas são aproveitadas parcialmente pelos estudantes,
quando eles não possuem conhecimentos prévios a respeito do assunto
abordado ou quando não possuem o auxílio de um professor ou de outro
estudante. Assim, muitas delas podem se tornar, por exemplo, apenas uma
fonte de consulta ao repertório apresentado.
Por outro lado, quando o estudante não possui familiaridade com o
gênero musical em questão, nem com seu instrumento, acreditamos que,
se auxiliado por um professor, por outro estudante, por um músico mais
experiente ou até mesmo pelo autor da publicação, esta carência de
conteúdos conceituais fica de certa forma sanada. Isso, porque acreditamos
que, através deste contato e da vivência musical, os conceitos se formarão.
Conteúdos atitudinais estão representados nas publicações. As
atitudes assumem grande importância dentro de proposta e dos objetivos
dessas publicações, inicialmente pelos processos de influência que os
músicos têm em relação aos seus discípulos. Como vimos na análise das
propagandas de escolas de música alternativa e aulas particulares, o grande
atrativo é oferecer ao aluno um modelo de competência, competência que
é comprovada pela atuação artística do músico-professor. É o que Demo
(1993) aponta, quando diz que os alunos procuram “não qualquer professor
ou qualquer aula, mas determinada competência produtiva comprovada”
(p.136), e Schön (2000) comenta quando argumenta que os estudantes
“regulam sua busca pelos sinais externos de competência que já sabem
reconhecer” (p.75).
Sobre a importância das atitudes Sarabia (2000) coloca
características de poder que o comunicador pode ter sobre seu público.
Além do poder coercitivo e do poder de recompensa, o autor se remete ao
poder referente:
102
o poder de especialista ou perícia baseia-se na percepção de que o comunicador
possui uma série de conhecimentos especiais dos quais o receptor carece.
[...] O professor confere ao aluno um sentimento de credibilidade, segurança
e confiança ao comunicar-lhe que a sua conduta (física, verbal, simbólica) é
correta ou está bem orientada (Sarabia, 2000, p.156).
42
Parecer de João Máximo contido no livro.
103
Música brasileira para contrabaixo, apresenta também uma extensa lista
de artistas com os quais atuou, como Gal Costa, Vinícius de Moraes, Elba
Ramalho, entre outros; Mário Sève, autor de Vocabulário do choro, é
identificado como: “flautista e saxofonista, compositor e arranjador”,
“integrante e fundador dos quintetos Nó em Pingo d’Água e Aquarela
Carioca”, “gravou quatro discos”, “com o Aquarela Carioca foi indicado
três vezes para o prêmio Sharp”, “integrou os trabalhos de Geraldo Azevedo,
Ney Matogrosso e Alceu Valença”; e Carlos Lyra, autor de Harmonia
prática da bossa-nova, que apresenta composições suas que se tornaram
representativas da bossa-nova, ao lado de parceiros como Vinícius de
Moraes e Ronaldo Bôscoli.
As referências feitas aos autores no interior do livro também
ressaltam sua experiência didática: “é professor da Escola Brasileira de
Música”, “foi professor da Escola Pró-Arte”. Elas também apontam para
sua trajetória como estudante como um indicador de sua competência:
“estudou durante um ano com músicos como Joe Pass”, “[estudou] baixo
elétrico com Zeca Assumpção e arranjo com Ian Guest”.
O que se ensina é representado inicialmente através do título, e
também de indicações na capa da publicação: “todos os acordes incluindo
os dissonantes”, “solo e acompanhamento”, “músicas cifradas”, “harmonia
aplicada à música popular”.
O como se ensina é identificado também na capa das publicações:
“inclui CD com 9 trilhas contendo demonstrações de ritmos e 17 músicas
para ouvir e acompanhar com o violão”, “acompanha CD com 90 trilhas
gravadas”, “demonstrações e exercícios com ritmos brasileiros”,
“acompanha uma fita cassete”.
104
Considerações finais
Esta dissertação parte de um marco situacional onde a atividade
docente é percebida como intrínseca à atividade profissional do músico.
Este marco nos levou a procurar compreender de que forma se dá esta
atividade através de um estudo de caso realizado em uma escola de música
alternativa: a Rio Música. Entrevistamos a totalidade dos professores desta
escola, o que nos permitiu caracterizar aquele que denominamos como
músico-professor.
O músico-professor foi caracterizado como aquele que teve uma
formação profissional voltada para o desenvolvimento de atividades
artísticas na área da música, e que coloca a atividade docente em segundo
plano no escopo de suas atividades profissionais, apesar desta ser,
freqüentemente, a atividade mais constante e com uma remuneração mais
regular em seu cotidiano profissional. Sua atuação como docente se dá
prioritariamente no âmbito de escolas de música que são freqüentemente
denominadas como alternativas ou livres e em aulas particulares, onde
desenvolve um trabalho, em especial, através da música popular brasileira.
O músico-professor vem atendendo a uma demanda por saberes
profissionais, que reconhece sua competência docente através de seu
desempenho artístico. Como fruto desta atividade, o músico-professor vem
publicando livros com fins de ensino musical onde a música popular
brasileira tem papel de destaque. São livros que procuram sistematizar
conhecimentos específicos de algum gênero musical brasileiro ou promover
o ensino de algum instrumento musical através de um repertório brasileiro.
Entendendo que as escolas de música alternativas, através da
atividade docente do músico-professor, estão sendo uma instância de
formação profissional, neste trabalho procuramos compreender quais os
saberes e as competências que norteiam esta atividade; quais os fatores que
levam estudantes a procurar por uma formação profissional em escolas de
música alternativas, uma vez que existem outras instâncias de formação
profissional como as Instituições de Ensino Superior (IES); e quais são as
competências que legitimam a atividade docente do músico-professor.
105
Realizamos este trabalho através de um estudo que se valeu de três
perspectivas – a das escolas de música alternativas, a do estudante de
música e a do músico-professor – e da análise de publicações com fins de
ensino musical escritas pelo músico-professor, selecionadas através do
catálogo das editoras Lumiar (Rio de Janeiro) e Irmãos Vitale (São Paulo), e
editadas entre 1984 e 1999. Esta análise foi realizada sob a ótica dos conteúdos
(sua seleção, organização e abrangência), entendido neste trabalho como
um sinônimo de saberes, a partir da proposta apresentada por Coll, Pozo,
Sarabia e Valls (2000) onde se incluem conteúdos factuais, conceituais,
procedimentais e atitudinais.
A perspectiva das escolas de música alternativas foi percebida através
da análise do enunciado de propagandas publicadas em três revistas
especializadas de circulação nacional: a revista Guitar Player (Trama
Editorial Ltda, São Paulo), a revista Backstage (H. Sheldon Serviços de
Marketing Ltda, Rio de Janeiro), e a revista Áudio, Música & Tecnologia
(Editora Música & Tecnologia Ltda, Rio de Janeiro), em edições publicadas
entre os anos de 1997 e 2001. A perspectiva do estudante de música foi
percebida através de um debate, promovido na escola Rio Música, entre
estudantes de música que têm em comum a busca pela profissionalização
na área da música ou que já exercem esta atividade profissionalmente,
tendo como mediadora esta pesquisadora. E a perspectiva do músico-
professor foi percebida através de entrevistas com um informante
qualificado: o músico-professor Adriano Giffoni, que também é um dos
autores de uma das publicações analisadas por esta pesquisa.
Para a realização deste trabalho fomos amparados por Sguirssadi
(1997), Meghnagi (2000), Manfredi (2000), Ramos (2001), Tardif (2000),
Schön (2000), Demo (1993 e 1995) e Perrenoud (2000), autores que fazem
referências a uma atual maneira de se pensar a formação profissional,
especificando o conceito de competência profissional, ensino prático-
reflexivo, design, competência produtiva comprovada e percurso de
formação individualizado.
Considerando os depoimentos de músicos-professores, estudantes
de música, e os demais dados coletados, percebemos três pontos
fundamentais que aparecem como norteadores da atividade docente do
músico-professor no âmbito das escolas de música alternativas: o que se
ensina, quem ensina e como se ensina.
Os saberes desenvolvidos pelo músico-professor em sua atividade
docente no âmbito das escolas de música alternativas, vêm atender a uma
demanda por saberes profissionais. São saberes relacionados ao mundo do
106
trabalho, fruto da experiência do músico-professor em sua atividade artístico-
musical. Sua noção de competência está ligada à noção de versatilidade. O
músico-professor Adriano Giffoni assim definiu sua atuação como músico
profissional: “Trabalho como baixista, produtor, arranjador, professor, tudo
isso está inserido dentro dela [da música]”, e disse que “ser competente é
estar apto a trabalhar no maior número de situações profissionais possíveis”.
Saberes procedimentais e atitudinais são valorizados em sua
atividade docente, sendo esses saberes referência para os estudantes ao
buscarem por um percurso de formação profissional. Um dos estudantes
entrevistados relatou: “ele [o músico-professor com quem estuda] tem uma
experiência de já ter tocado que eu quero vivenciar”. Essa experiência prática
do músico-professor foi identificada como uma competência produtiva
comprovada, que vem legitimar sua atividade docente, e é o que regula a
busca dos estudantes em seu percurso de formação.
É através da competência produtiva comprovada de músicos-
professores em sua atividade artístico-musical, que as propagandas de
escolas de música alternativas defendem a qualidade de seus cursos, assim
como este é o meio pelo qual os músicos-professores se identificam em
suas publicações para o ensino musical.
Segundo o ponto de vista do músico-professor, o que legitima sua
atuação docente é justamente o conjunto de saberes por ele representados
e legitimados através de sua atuação artístico-musical. Em seu discurso,
traz uma noção de didática ligada à capacidade de organização e, segundo
ele, esta capacidade de organização é o que o torna um professor competente,
que procura “encurtar um pouco o caminho das pessoas que estão entrando
no meio profissional”. Contraditoriamente, distingue o educador musical
(que seria o professor que atua em escolas regulares) do professor de música
(que é o seu caso), reconhecendo que no primeiro é a capacidade didática
que assegura a qualidade de seu desempenho docente, enquanto que, no
segundo, é a experiência prática artístico-musical.
Identificamos a metáfora e a modelagem, tal qual nos colocam
Davidson e Scripp (1992), como ferramentas que orientam a atividade
docente do músico-professor, o que veio corroborar com o conceito de
design proposto por Schön (2000). O autor utiliza este termo como uma
forma de se realizar determinada prática, e que os estudantes devem aprender
através do “fazer”, e no contato com o “fazer” de seus instrutores (ou
professores).
Encontramos em Schön também a idéia de um ensino prático-
reflexivo, onde os estudantes desenvolvem a capacidade de reflexão-em-
107
ação. O autor considera a existência de zonas indeterminadas da prática,
onde profissionais se deparam em seu cotidiano com situações não previstas,
e onde esta capacidade de refletir em ação se torna indispensável. Esse
mesmo aspecto vimos apontado por Demo (1995), quando faz a distinção
entre o fazer e o saber fazer. No segundo caso, torna-se necessária a
capacidade de compreensão, que vem a ser a capacidade que Schön (2000)
denomina por reflexão-na-ação.
Na análise das publicações, percebemos que conteúdos
procedimentais, ou seja, o saber-fazer, são priorizados. Porém, os autores
se preocupam em fornecer ao estudante conteúdos factuais, que
freqüentemente aparecem nas primeiras partes das publicações onde
elementos da teoria e harmonia musical são expostos. Em muitos casos
observa-mos uma carência de conteúdos conceituais, o que dificulta a
compreensão desta parte teórica sem o auxílio de um outro suporte (outro
livro, um professor, um exemplo musical, etc.). As publicações priorizam
um saber referido como “prático” e com “aplicabilidade imediata”, onde
se trabalha, por exemplo, técnica junto com determinada “levada” ou com
uma fraseologia característica de algum gênero musical, promovendo o
tocar junto através de recursos como CDs ou fitas K7. Saberes atitudinais
assumem grande importância dentro da proposta e dos objetivos dessas
publicações, pelos processos de influência que os músicos têm em relação
a seus discípulos, onde o grande atrativo é oferecer ao aluno um modelo de
competência, competência produtiva que é comprovada pela atuação
artística do músico-professor.
As escolas de música alternativas, através da atividade docente do
músico-professor, foram apontadas como uma instância de formação
profissional que vem suprir uma lacuna deixada pelas IES, conforme os
depoimentos apresentados por esta pesquisa cruzados com as pesquisas de
Ferreira (2000) e Kleber (2000). Entendemos que essa lacuna se refere à
não articulação dos saberes contemplados no currículo de seus cursos com
o mundo do trabalho, conforme também indicou Tardif e Schön, O que
não quer dizer que as escolas de música alternativas dêem conta disso. A
insatisfação constatada reside, principalmente, no fato dos saberes presentes
nos currículos das IES estarem desarticulados com o cotidiano profissional
do músico, incluindo aí a seleção do repertório que, segundo os autores
mencionados, atualmente privilegia a música erudita.
Tendo em mãos documentos que regulamentam e / ou estabelecem
bases e diretrizes para o ensino, como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de
1996, entendemos que as IES têm como uma de suas funções preparar o
108
profissional para o mundo do trabalho, sem que com isso se submeta às
regras do mercado de trabalho. As IES devem proporcionar aos estudantes
não só a dimensão técnica, onde são desenvolvidos saberes que os habilitem
à atuação profissional, como também a dimensão social e política, onde os
estudantes desenvolvem sua capacidade de compreensão, argumentação e
crítica, tornando-se agentes transformadores capazes de produzir
conhecimento. Entendemos que uma formação calcada num modelo estático
e previsível não atende às exigências profissionais atuais.
Encontramos em Perrenoud, suporte para os indícios apontados por
Travassos (1999), Sekeff (1997) e no depoimento de Vitor Neto, presidente
do Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro, quando indicam
a variedade de perfis profissionais encontrados na área musical, e a
necessidade de versatilidade exigida ao profissional pelo mundo do trabalho.
O autor defende a possibilidade das escolas formadoras propiciarem aos
estudantes percursos individualizados de formação. Conforme apontamos
no decorrer do trabalho, apesar desta ainda não ser uma realidade nos cursos
superiores em música, algumas propostas já surgiram no sentido de propiciar
aos estudantes uma maior autonomia na construção de seu perfil profissional
através de um percurso de formação individualizado.
Assim, o conjunto de saberes desenvolvidos pelo músico-professor
em sua atividade docente, no âmbito das escolas de música alternativas,
privilegia conteúdos procedimentais, tendo como objetivo um saber-fazer.
Este saber-fazer está relacionado a “especialidade” do músico-professor,
fruto de sua atividade artístico-musical. Sua atividade docente é dirigida à
formação profissional, mesmo que esta não seja o objetivo de seu aluno, e
é este direcionamento que justifica a seleção dos saberes articulados nesta
atividade. A noção de competência profissional em que o músico-professor
se apóia, e que procura formar, está relacionada à noção de versatilidade.
As escolas de música alternativas, através da atividade docente do
músico-professor, oferece aos estudantes cursos direcionados a algum
conhecimento específico, delimitado em determinado contexto ou
repertório. Em sua propaganda enuncia: curso de guitarra brasileira.
A demanda atendida pelo músico-professor, no âmbito das escolas
de música alternativas, consta de estudantes diletantes, que não almejam a
profissionalização na área musical, e de estudantes que almejam a
profissionalização ou que já exercem a atividade musical profissionalmente.
Os estudantes que buscam pelos saberes articulados pelas escolas de música
alternativas em seu percurso de formação profissional, entendem que nesta
instância irão encontrar um ensino objetivo, direcionado às suas
109
necessidades imediatas. O ensino oferecido pelas IES foi apontado como
complementar, uma vez que não garante um saber-fazer relacionado ao
seu cotidiano profissional ou ao perfil profissional almejado. Podemos
observar que entre esses dois âmbitos de formação profissional (as IES e as
escolas de música alternativas) alguns pontos convergem e outros divergem.
As IES também possuem em seus quadros professores com “competência
produtiva comprovada”, e contemplam em seus currículos conteúdos
procedimentais, conforme comentado no decorrer deste trabalho. Porém,
entre outros aspectos divergentes, destacamos que as escolas de música
alternativas definem abertamente o repertório, a linguagem musical com
que trabalham, inclusive se utilizam disso em sua propaganda, ao contrário
das IES que não assumem de forma explícita estar calcado seu ensino em
um repertório clássico-romântico.
O músico-professor é tido como um professor capacitado, já que
sua competência produtiva é comprovada através de sua atuação artística.
Segundo a perspectiva do aluno, o saber-fazer comprovado do músico-
professor é o que legitima sua atividade docente. Para o músico-professor,
sua experiência profissional e capacidade em organizar e orientar o estudo
de seu aluno é o que lhe garante uma atividade docente bem sucedida.
Esta pesquisa, através dos dados coletados e das questões debatidas,
pretende contribuir para um diálogo entre o ensino musical oficial e o
alternativo, considerando a questão da formação profissional do músico.
Como prosseguimento deste trabalho, sugerimos que sejam estudados os
campos de atuação profissional do músico, com seus respectivos saberes e
competências, e, de acordo com Schön (2000), recomendamos um estudo
para que se perceba o relacionamento entre prática competente e
conhecimento profissional. Recomendamos ainda um estudo sobre a
utilização das publicações com fins de ensino musical escritas pelo músico-
professor, por professores e estudantes de música.
Termino me reportando à epígrafe desta dissertação, com palavras
de Paulo Freire: “para que uma educação seja válida, toda ação educativa
deverá necessariamente ser precedida de uma reflexão sobre o homem, e
uma análise profunda do meio, da vida concreta daquele que se quer educar”
(1976, p.37).
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