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14/12/2019 Joenia Wapichana: “É inadmissível haver mortes de indígenas por estarem protegendo as florestas” - Agência Pública

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ENTREVISTA

Joenia Wapichana: “É inadmissível haver


mortes de indígenas por estarem
protegendo as florestas”
Em entrevista durante a COP25, parlamentar indígena diz que Brasil
perdeu a liderança e que o governo Bolsonaro não tem credibilidade
junto à comunidade internacional

13 de dezembro de 2019 Anna Beatriz Anjos


12:00

Joenia Wapichana (Rede-RR), única parlamentar indígena do Congresso


Nacional, está em Madri acompanhando a Conferência das Nações Unidas sobre
as Mudanças Climáticas (COP25), que se encerra nesta sexta-feira, 13.
Integrante da comitiva oficial da Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara designada para participar
das discussões, ela respondeu a perguntas da Agência Pública sobre o que
tem presenciado no encontro. “As pessoas estão descredibilizando o Brasil”,
disse.

Advogada de currículo pioneiro – foi a primeira indígena a fazer uma


sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2008, ao defender a
demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, habitada também pelos
Wapichana, seu povo –, ela acompanhou a decadência da reputação brasileira
nesse período. “Sempre tivemos um posicionamento progressista, de reconhecer
a importância do debate, mas também de contribuir, assumindo compromissos

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eliderando
MENU grupos”, destaca. “Hoje o Brasil não apresenta propostas, fica muito

na defensiva, não aceita os dados científicos, principalmente os relacionados ao
desmatamento na Amazônia.”

Segundo Joenia, o artigo 6 do Acordo de Paris – negociado na capital francesa


em 2015 –, que trata sobre o mercado de carbono, tem marcado as negociações
oficiais entre países. O assunto divide opiniões: há quem considere a
comercialização de créditos de carbono uma alternativa para a queda de emissão
de gases do efeito estufa, outros questionam sua efetividade. Mas o ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles, já disse que atua para tornar “esse mercado uma
realidade” no Brasil – em entrevista, ele revelou ter se reunido, na Espanha,
com empresas estrangeiras para tratar da venda de créditos.

Já os indígenas querem garantir o uso da floresta pela comunidade em áreas que


participam do mercado de carbono. “O Protocolo de Kyoto mencionou que
haveria impactos negativos do comércio de emissões em algumas comunidades
indígenas e locais, quando as florestas que ocupam e de que dependem para sua
subsistência fossem designadas fora dos limites, como parte de uma troca de
créditos de emissões. Então, muitos povos indígenas, suas organizações e seus
países estão pressionando para que haja o reconhecimento explícito dos direitos
humanos nessa regulamentação”, explica a deputada.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Joenia Wapichana, única parlamentar indígena do Congresso Nacional, em protesto na COP25

Na COP25, o Brasil foi um dos ganhadores do prêmio simbólico


“Fóssil do Dia”. Segundo a sua percepção, qual a imagem do Brasil
diante dos governos e ativistas de outros países?

O Brasil não só ganhou o primeiro prêmio “Fóssil do Dia” como também o


segundo. O primeiro é justamente pela imagem que o Brasil tem construído
diante dos governos, e o segundo, em relação a essa medida provisória
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anunciada,
 MENU sobre a questão da grilagem da terra [na última terça-feira, 10, o 
presidente Bolsonaro assinou uma MP que muda as regras para regularização
fundiária]. O Brasil tem sido bastante questionado, houve protestos dos povos
indígenas e ativistas ambientais em frente ao local onde ocorre a COP, teve
muitas declarações de apoio aos povos indígenas que estão sendo assassinados
– especialmente em relação aos últimos assassinatos no Maranhão. As pessoas
não estão mais reconhecendo a legitimidade de liderança que o Brasil tinha
antes, em outras COPs. Sempre tivemos um posicionamento progressista, de
reconhecer a importância do debate, mas também de contribuir, assumindo
compromissos e liderando grupos. Hoje o Brasil não apresenta propostas, fica
muito na defensiva, não aceita os dados científicos, principalmente os
relacionados ao desmatamento na Amazônia. Ontem [terça-feira, 10], em seu
pronunciamento, o ministro Ricardo Salles foi muito questionado por não ter
admitido retrocessos nas políticas socioambientais – lógico que não vai
reconhecer, está na defensiva. Também omitiu dados reais para fazer a imagem
de um Brasil que conserva a sua biodiversidade e natureza, que, na verdade,
estão sendo reduzidas cada vez mais. Isso está sendo observado, as pessoas
estão descredibilizando o Brasil.

Parlamentares, ativistas e sociedade civil têm tido algum acesso a


integrantes do governo? Como tem sido a interlocução com o
ministro Ricardo Salles?

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Quando
 MENU cheguei, participei de um evento onde estava presente o ministro 
Ricardo Salles com parte de sua equipe, ONGs da sociedade civil e alguns
parlamentares – inclusive, o próprio presidente do Congresso Nacional [Davi
Alcolumbre] estava nesse evento. Salles fez seu pronunciamento, a sociedade
civil também, mas ele saiu antes de ouvir a gente. Ontem também fui ouvi-lo na
plenária, falei rapidamente com ele de uma forma não oficial, dizendo que era
necessário dar uma resposta principalmente sobre a questão das invasões às
terras indígenas, porque os povos indígenas estão fazendo seu papel, mas o
Brasil tem responsabilidade, já que se trata de invasões de madeireiros. É
inadmissível haver mortes de indígenas por estarem protegendo as suas
florestas, as nossas florestas.

Na segunda-feira (9), lideranças indígenas, inclusive a senhora,


protestaram em Madri contra os assassinatos de Raimundo
Guajajara e Firmino Silvino Prexede Guajajara, no Maranhão. Na
sua opinião, por que os Guajajara têm sido alvo de tantos ataques
ultimamente?

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O Estado não existe na terra


indígena mais letal para os
guardiões da floresta
mos até a Terra Indígena Arariboia no
anhão, onde nasceram os Guardiões
loresta, para investigar as mais de 20
es de indígenas que até hoje seguem
impunes

ngança e busca por moto são


principais linhas da PF para
elucidar morte de Paulino
Guajajara e outra vítima
mem branco que morreu no mesmo
pisódio estaria buscando por moto
ada; indígenas falam em emboscada

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mada por pessoas que foram alvo de


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ções de scalização dos Guardiões

Nós temos sérios retrocessos na questão da política socioambiental, há pouco


esforço e efetividade para que as terras indígenas, unidades de conservação e
outras áreas protegidas por lei sejam realmente protegidas. Vemos o
sucateamento da Funai, o enfraquecimento do Ibama e do ICMBio, as políticas
que estão mudando e sendo mais flexibilizadas, a falta de investimentos na área
de proteção e monitoramento, tudo isso somado à impunidade. O Brasil é o país
onde mais ocorrem assassinatos de defensores de direitos ambientais e
indígenas, e isso tem sido colocado nos principais relatórios de direitos
humanos. O Brasil já deveria ter respondido através de medidas urgentes para
mudar esse comportamento de não aceitar a realidade.

O que é necessário ser feito para conter a situação de violência


contra os Guajajara? O envio da Força Nacional pelo ministro Sergio
Moro é suficiente?

O envio da Força Nacional pelo ministro Moro foi questionado, não porque não
é necessário –, é necessário, sim, tomar medidas para conter a violência, para
garantir uma investigação séria e para que não haja mais mortes ali. Mas é
preciso pensar numa ação que se torne mais permanente, também para atender
as áreas que mais precisam. O que a gente ouviu no noticiário é que ele enviou,
mas não justamente para a área onde estava havendo o conflito [o ministro não
enviou a Força Nacional à Terra Indígena Arariboia, que entre 2000 e 2019
registrou 12 assassinatos de indígenas em decorrência de conflitos com
madeireiros]. A ideia é que haja uma base permanente para conter invasões, tem
que haver planejamento e fortalecer a Funai, aumentar seu quadro de servidores
junto com o Ibama, fazer uma força-tarefa juntando Funai, Ibama e Polícia
Federal e, se houver necessidade, [chamar] a Força Nacional para conter a
violência, que está sendo sistemática.

No início da semana, em Madri, o presidente do Senado, Davi


Alcolumbre afirmou que o Congresso Nacional será uma trincheira
para barrar retrocessos socioambientais. A senhora acha que é

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possível
 MENU formar no Congresso uma frente de defesa do meio 
ambiente e dos povos da floresta, apesar da bancada ruralista?

O Congresso é imprescindível para ser o guardião dos direitos coletivos,


socioambientais e para se colocar à frente da defesa dos povos indígenas e da
floresta e do meio ambiente. A bancada ruralista tem que ter essa prerrogativa
de defender os direitos constitucionais – ninguém está fazendo nada ilegal,
estamos defendendo o que a lei determina. Tem que reforçar esse princípio
dentro do Congresso Nacional: direitos são inegociáveis, não é uma questão
ideológica nem política, é um posicionamento legal e constitucional.

Voltando à COP25, como a senhora avalia os trabalhos e diálogos até


o momento? Quais têm sido os principais pontos de discussão?

Na última COP houve a discussão do Acordo de Paris, que estabeleceu algumas


metas e estratégias para fazer avançar na prática os acordos entre países. Para
essa COP, ficou um artigo que não foi fechado durante a COP em Paris, o artigo
6, que fala sobre a questão do comércio internacional de emissões, que as
pessoas chamam de mercado de carbono. O artigo 6 tem vários itens: ele prevê
negociações entre governos, pelas quais um país pode atingir a sua meta de
redução pagando em parte outro país para fazer a redução extra. Estão
estabelecendo regras e algumas delas têm sido questionadas – uma é a questão
dos direitos humanos. Vários especialistas têm falado que essa regulamentação,
se não for bem assegurada em salvaguardas, pode incentivar violações de
direitos humanos.
Outra questão é a de certificação de crédito de redução: demonstrar que as
atividades em questão realmente não teriam acontecido [sem os créditos], ou
seja, a adicionalidade [critério que mede se um projeto precisa de fato dos
retornos dos créditos de carbono para ser realizado]. Há uma discussão de que
isso é óbvio, na prática; por exemplo, à medida que o preço da energia renovável
cai, os projetos que antes pareciam de ponta podem, de repente, ser eliminados
– o crédito por ações extras não é mais garantido. Tem a discussão sobre as
regras que permitem que as pessoas de fora avaliem o adicional e a questão,
também, da transferência de crédito do Protocolo de Kyoto, um tema bastante
discutido em outras COPs. O artigo 6 especifica ainda que, no mercado de
emissões, deve haver um ajuste correspondente para que a mesma redução não
possa ser contada simultaneamente para o cumprimento de dois países: por
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exemplo,
 MENU o Brasil tem seu estoque, aí vem outro país e compra, mas tanto esse 
outro país como o Brasil contam o mesmo crédito. Isso, num primeiro olhar,
parecia óbvio, mas em relação à negociação ainda se tem dúvida de como fazer.
Também tem a mitigação geral das emissões gerais.

Há, no debate, algum ponto específico sobre povos indígenas?

O Protocolo de Kyoto mencionou que haveria impactos negativos do comércio


de emissões em algumas comunidades indígenas e locais, quando as florestas
que ocupam e de que dependem para sua subsistência fossem designadas fora
dos limites, como parte de uma troca de créditos de emissões. Então, muitos
povos indígenas, suas organizações e seus países estão pressionando para que
haja o reconhecimento explícito dos direitos humanos nessa regulamentação.
Isso está levando muito tempo, porque alguns países querem se comprometer,
entendem e reconhecem, mas outros têm uma resistência muito grande.

A senhora sente que tem sido criada uma aliança de apoio global em
torno dos povos da floresta do Brasil? Indígenas, quilombolas,
ribeirinhos, pescadores e outros têm sido vistos, por atores
internacionais, como guardiões da floresta?

Acho que sim. Os povos da floresta sempre têm tido esse apoio a nível global
porque já se avançou muito no reconhecimento aos direitos indígenas e da
importância das terras indígenas para a conservação da biodiversidade, até
mesmo para isso ser considerado uma estratégia de combater os efeitos das
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