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" Into Temptation"

Kathryn Smith
Tradução: Susana

Revisão Inicial: Suzane, J , Ana

Paula, Joy Q., Joana

Segunda Revisão: Heli Goes

Revisão Final: Aryh

Leitura Final e Formatação: Lola


Comentário da tradutora
Achei o enredo interessante, um desencontro entre

dois personagens que temiam os próprios sentimentos,

mas confesso que gostei muito mais do segundo livro da

trilogia (Um Jogo Escandaloso-traduzido por esta que

vos fala), mais ação, mistério e cenas apimentadas (do

jeitinho que eu gosto...kkk)

Boa leitura

Comentário da Revisora:
Enredo leve, com um pouco de ação e uma mocinha

decidida sobre suas vontades. Um homem generoso e

bastante protetor, encontros e desencontros, até que o

amor prevaleça.

Delicie-se ;)
Dedicatória
Para Nathalie:

Por ser alguém que realmente queria escutar meus

álbuns do Shaun Cassidy, por ser a voz da razão quando

eu não podia sê-lo, por ter as respostas mais astutas e por

fazer as imitações de Colombo mais engraçadas que já

vi.

Quando for mais velha, quero ser como você.


Sinopse

Lady Sophia Aberley jurou que nunca

mais deixaria Julian Rexley entrar em sua

casa ou em sua vida novamente. Apesar do

tempo que se passou, ela ainda não esqueceu

a humilhação do escândalo, por ter sido

exilada do país em razão de suas ações

vergonhosas. Mas ela não poderia

abandonar uma amiga em um momento de

necessidade, mesmo que essa amiga fosse a

irmã de Julian, e agora ele está de volta a

Londres....
Capítulo 1
Ele era um daqueles homens que

acreditam ter sempre razão e que os outros estão sempre errados.

Uma união desafortunada, de uma dama arrependida.

Essex, Abril de 1819.

— O que diabos quer dizer com ―Não está aqui?‖

Sir William Lewis piscou diante do tom irritado de seu


companheiro.

— Pensei que sabia.

Julian Rexley, Conde de Wolfram, levantou-se de uma


poltrona estampada que com o tempo havia sido moldado
com um traseiro muito maior que o dele e franziu o cenho
para seu anfitrião.

A viagem a Essex tinha sido mais longa que o habitual


devido às más condições das estradas, e Julian ficou preso
em sua carruagem com nada mais a fazer do que olhar a
chuva e a lama. O fato de ter que esperar na pequena e
quente sala desse baronete sem caráter não melhorava a
situação, e descobrir que toda a viagem fora em vão só
piorava seu mau humor.

— Caro Senhor, não estaria aqui se soubesse que minha


presença era desnecessária.

Mas não havia sido assim. Letitia não lhe informou


sobre sua mudança de planos. Por quê?

O vermelho na face de Sir William Lewis se acentuou


ainda mais.

— É uma situação por demais constrangedora, Wolfram.


Muito constrangedora.

— Sir William — disse Julian, trincando os dentes.


Sentia tanto calor que seu pescoço coçava e sentia um
martelar constante na cabeça. — Onde está minha irmã?

O baronete se sentou deselegantemente na cadeira e ao


fazê-lo, os botões do colete se esticaram ao máximo. Olhou
fixamente Julian com uma expressão de perplexidade amável.

— Não sei.

Julian notou uma desagradável pontada na órbita dos


olhos. Franziu o cenho, o que piorou seu mal-estar. Tentou
recuperar a calma, embora os pensamentos sobre os perigos
que sua irmã poderia enfrentar bombardeavam sua cabeça e
lhe aceleravam o coração. Letitia era o tipo de pessoa que não
tinha que procurar por problemas, já que estes estavam
acostumados a chegar a ela facilmente.
— Não sabe? Posso lhe perguntar, estimado Senhor, por
que deixou uma mulher se afastar da sua proteção e
responsabilidade sem se assegurar primeiro seu destino?

Seu tom era enganosamente suave, mas por dentro


estava a ponto de se deixar levar pelo pânico. Ninguém sabia
aonde havia ido Miranda, e quando Julian a encontrou já
estava morta. Supor que pudesse ocorrer o mesmo a Letitia
era de enlouquecer, mas não podia evitar que esse
pensamento pavoroso lhe passasse pela cabeça.

Sir William corou ainda mais.

— Perdoe-me, lorde Wolfram, mas não me pareceu tão


estranho como sugere. Lady Letitia já não é uma menina que
acabou de sair do colégio e deixou muito claro no momento
de sua chegada que nos deixaria no dia 4 devido uma
obrigação prévia. Mencionou sua decisão de uma maneira tão
despreocupada que não notei nada suspeito em seu tom e
tampouco me ocorreu que não tivesse sua aprovação.

Tinha razão, é obvio. Por que suspeitar de Letitia, ou


pensar que o enganava? Sir William não conhecia sua irmã
como Julian. Amável e de bom coração, Letitia também era
teimosa e determinada, uma característica de seu caráter do
qual Julian tinha certa culpa.

Mas nesse momento, isso não vinha ao caso. O


importante era saber onde estava sua ardilosa irmã, e porque
tinha considerado um segredo importante o suficiente para
não lhe contar. Sem dúvida alguma, parte do motivo era seu
desejo de não ir a Londres para a temporada social. Letitia
sabia muito bem que ele queria vê-la casada esse ano, do
mesmo modo que Julian era muito consciente de que sua
irmã mais nova não queria sua ajuda nesse assunto.

— Sir William.

O baronete o observou com a cautela de alguém que


olha um cão rabugento.

— Senhor?

Julian forçou um sorriso.

— Pergunto-me se sua filha saberia o paradeiro de


minha irmã.

— Claro! Aposto que sim! — respondeu sir William


alegrando-se. — Essas duas passavam o dia todo juntas,
como um calo no calcanhar de uma prostituta.

Com essa analogia encantadora em mente, Julian


esperou que o homem fosse à procura da filha. Mas Sir
William se limitou a sentar-se, corado e aturdido.
Ironicamente, Julian se perguntou se a estupidez do baronete
lhe teria rendido muitas surras no colégio.

— O Senhor poderia falar com ela? — perguntou


quando lhe pareceu evidente que tal pensamento não
passaria pela cabeça totalmente deserta de Sir William.

— É claro! — respondeu o baronete, enquanto se


levantava com tanta elegância quanto lhe permitia tanto seu
tamanho quanto sua gota. — Irei à procura dela eu mesmo.

Os lábios de Julian esboçaram um sorriso ou uma


careta, não sabia muito bem a diferença.
— Agradeço.

Sir William fez um gesto com a mão como que


diminuindo a importância dessas palavras e com um sorriso
amplo abandonou a sala arrastando os pés, em busca do
fruto de seu amor.

Onde diabos estava Letitia? E por que se preocupava


tanto com a irmã? Sir William tinha razão; Letitia não era
mais nenhuma menina. Era uma mulher de vinte e quatro
anos, madura o suficiente para saber que esse
comportamento era infantil e desconsiderado. Devia saber o
quanto ele se assustaria com essa notícia. Ou talvez fosse
essa a intenção. Estava zangada porque ele estava
empenhado em encontrar um marido para ela e essa era sua
maneira de mostrar seu desgosto.

Essa tola irresponsável não sabia ainda o que era


desgosto, mas quando Julian a encontrasse ela descobriria.
Fugir ou se esconder não era forma de enfrentar os
problemas. Agora teria de arranjar tempo em sua agenda
lotada de compromissos para procurar sua irmã mal
educada. Não estava nada contente. Santo Deus! Esperava
que não tivesse acontecido nada a ela.

Não suportaria se algo de mal acontecesse a Letitia. Ela


era tudo o que tinha. Perdera seus pais aos dezoito anos, e a
sua outra irmã, Miranda, dez anos mais tarde. Só seu amigo
Brave, que tinha amado Miranda, sabia o que tinha sofrido
após sua morte. Enlouqueceria se perdesse Letitia também.
Algumas vezes ela mais lhe parecia ser sua filha do que sua
irmã, e sabia que às vezes ela o considerava um tirano, mas
ele tinha feito tudo possível para lhe proporcionar a vida que
ela merecia. Mesmo tendo lhe permitido escolher o marido
que quisesse, mas isso já fazia cinco anos e sua escolha
ainda estava pendente.

Ela precisava do seu apoio se quisesse ter vida própria,


teria que ajudar sua irmã a sair da casa dele para ter seu
próprio lar e família com outro homem. Um homem que a
merecesse e que a amasse.

E, acima de tudo, um homem que pudesse controlá-la


sem destroçar seu espírito. Letitia podia ser teimosa, mas
tinha um caráter doce e era de uma natureza romântica que
tendia tanto à melancolia, quanto à alegria. Um homem
especial que pudesse lhe dar o que precisava para ser feliz.
Por esse motivo, Julian se atrevera a selecionar possíveis
candidatos. Faria todo o possível para se assegurar de que o
coração da irmã não se unisse ao de outra pessoa de maneira
catastrófica, como acontecera com Miranda.

O calor sufocante da sala estava piorando o martelar em


sua cabeça. Afastando-se do fogo o máximo possível, Julian
parou perto da janela, em um extremo da sala. Ali não estava
tão mal, e se pressionasse a frente contra o vidro frio da
janela molhada pela chuva, sentiria um pouco de alívio.

Não devia se lamentar estava na casa de Sir William.


Embora preferisse estar lá fora, onde fazia mais frio. E
preferia ainda mais saber onde estava Letitia.

— Aqui está ela, Wolfram.


A voz alegre de sir William soou na porta, o que
minguou a pouca paciência que restava a Julian.

Por um segundo, Julian acreditou que sir William estava


falando de Letitia, mas logo se lembrou da situação.

A senhorita Lewis não se parecia nada com o pai, o que


só podia ser algo a seu favor. Era pequena, de cabelos
castanhos avermelhados, com um nariz arrebitado e olhos
grandes, verdes e chamativos, como de uma felina. A primeira
vista, Julian soube que essa garota e sua irmã juntas
poderiam ser um perigo.

E a primeira vista também pôde notar que sabia


exatamente onde estava Letitia. Se por acaso o sobressalto
em sua expressão ao vê-lo não fosse suficiente, o fato de que
não pudesse olhá-lo nos olhos seria.

Abafando o impulso de começar a exigir respostas às


suas perguntas, Julian fez uma reverência.

— Senhorita Lewis.

A jovem fez uma reverência e resmungou algo em


resposta, embora prosseguisse sem encará-lo.

Julian fez todo o possível para esboçar um sorriso


encantador ao se dirigir a sir William e a filha. Desprezava
qualquer tipo de segredo ou mentira. Havia duas pessoas que
já tinham tentado enganá-lo deste modo até então: Miranda e
a outra. Miranda tinha conseguido e a outra quase. A simples
suspeita de que lhe mentiam ou conspiravam contra ele,
bastava para atiçar as brasas de seu gênio.
— Minha querida Lady Lewis. — disse com doçura. —
Sinto implicá-la nesta... Situação.

A garota levantou a cabeça, mas manteve o olhar baixo.

— Não sei de que situação está falando, meu Senhor.

Julian trincou os dentes. Devia ter imaginado que não


haveria cooperação imediata.

— Refiro-me ao feito de que minha irmã a tenha


comprometido nesse seu plano mirabolante para não ir a
Londres.

Fitou-o nos olhos e mentiu com descaramento.

— Desconheço qualquer plano neste sentido, Lorde


Wolfram.

Apertando os lábios, Julian encontrou seu olhar doce


com seriedade. A serenidade da jovem o baqueou um pouco.

— Creio que tenha conhecimento total do assunto.

Ela empalideceu, mas não disse nada. Possivelmente


não tivesse insistindo da forma adequada. A lealdade da
jovem em relação à Letitia era admirável, para não dizer
insensata. Não delataria sua amiga, diante de um irmão
fanfarrão, ou não faria só porque ele o exigia. Não. A mocinha
precisava de maior incentivo.

Julian esboçou uma careta de desculpa.

— Odiaria ter minha irmã envolvida em um escândalo


que também pudesse manchar a sua reputação minha lady,
sobre tudo dadas as circunstâncias.
Isso sim captou sua atenção, e a de seu pai. Não era
nenhum segredo que Sir William queria a filha unida a um
bom partido. As propriedades e o título passariam ao filho do
baronete quando este morresse, mas não seria uma grande
herança. Os dois filhos de Sir William teriam que se casar
proveitosamente para conseguir o estilo de vida que queriam,
e um escândalo sem dúvida os afetaria.

Sir William lançou a Julian um olhar nervoso antes de


se voltar e observar sua filha.

— Bem, Senhorita. O que sabe a respeito do paradeiro


de lady Letitia?

— Hertford — murmurou — Ela está em Hertford.

Julian sentiu alívio imediato. Lady Wickford, uma boa


amiga da família, vivia em Hertford. Letitia a visitava
frequentemente. Seu plano só tinha servido para atrasar o
encontro de Julian com a irmã.

A senhorita Lewis se aproximou do pai.

— Está com lady Aberley.

Todo o alívio que Julian acabava de sentir desapareceu


e foi substituído por uma onda de raiva que inundou seu
cérebro como da vez em que Fitz Parkington golpeou sua
cabeça contra o chão no colégio.

A Marquesa de Aberley era Sophia Morelle. Ele a


conhecera como Sophia Everston. Houve uma época em que
se referia a ela como "querida Fé". Era ela a outra pessoa que
tentara enganá-lo. Como a megera tinha conseguido pôr suas
garras sobre Letitia?

— Está certa de que está em Aberley? — perguntou


quando recuperou a voz.

Lady Lewis assentiu friamente. Tanto ela como seu pai o


estavam observando de perto. Sem dúvida, ambos eram
conscientes do escândalo que houve entre ele e Lady Aberley.
Sir William era o suficientemente velho para lembrar de
primeira mão e não precisava perguntar como Lady Lewis
soubera. Indubitavelmente, Letitia havia lhe contado.

Teria se posto a rir, mas estava furioso. Letitia não era


nada tola, embora às vezes se perguntasse como lhe
funcionava a mente. Ela sabia o que pensava de Soph... Lady
Aberley. Sem dúvida, acreditava que ali estaria a salvo, que
Julian não a procuraria ali porque sempre fazia o possível
para não se encontrar com a Marquesa.

Pois sua irmã não podia estar mais enganada.

Murmurando um agradecimento, partiu deixando Sir


William e sua filha mudos. Não lhe importava se falassem de
seu comportamento às suas costas. Não lhe importava o que
dissessem dele. Só lhe importava Letitia. Por sorte, a
Senhorita Lewis era uma boa amiga de sua irmã e sem
dúvida manteria o segredo de Letitia, mesmo sem a
insinuação de um possível escândalo se o segredo fosse
espalhado.

Ao menos Letitia tinha certo bom senso ao escolher os


amigos, pensou ao descer as escadas da casa de Sir William
com toda pressa. O cocheiro de Julian chegou correndo dos
estábulos quando um lacaio de sir William abriu a porta da
carruagem.

— A Hertford — ordenou a seu pobre cocheiro, que,


apesar da proteção de uma capa, não pudera evitar o frio e a
umidade. — Se chegarmos rápido, terá comida e uma
banheira quente para se aquecer.

— Sim, Senhor. — respondeu o cocheiro ao subir à


boleia.

Depois de empurrar as cortinas para que o interior do


veículo ficasse envolto em escuridão tenebrosa, Julian se
apoiou contra as almofadas e a carruagem começou a se
mover. Ali estava mais frio que na casa, o que aliviava
ligeiramente sua dor de cabeça. Não podia fazer nada para
evitar a tensão nos ombros ou o nó que tinha no estômago.
Entretanto, nesse momento não tinha a quem culpar por
aquela viagem, a não ser o destino.

Sophia.

Quando foi a última vez que a tinha visto? Fazia alguns


anos, ele a viu rapidamente em Bath quando ela e o Marquês
frequentavam a cidade a procura dos banhos termais devido
à saúde frágil do marido. Era óbvio que as águas não tinham
funcionado, porque Sophia ficou viúva fazia dois anos e meio.
Como era apropriado, e muito estranho nela, vivera
relativamente isolada durante seu período de luto. Julian
havia mais ou menos esperado que se apresentasse no
casamento de seu amigo Gabriel, mas ela não comparecera,
embora soubesse que Lilith, a esposa de Gabriel, a houvesse
convidado.

Julian agradeceu por Sophia não ter comparecido ao


casamento para evitar vê-lo, mas sabia que nada poderia
estar mais longe da verdade. A Sophia que ele conhecia não
temia nada.

Por outro lado, a Sophia que ele conhecia não teria


se escondido durante dezoito meses pelo luto. Não por um
marido.

Quando pensou o quão perto estivera de ter sido este


marido, estremeceu. Ela fizera todo o possível para agarrá-lo,
mas tinha fracassado, graças a Deus. Ela parecia lhe devotar
tanto afeto que o fez acreditar... Bem, não importava no que
ele acreditava. Tinha caminhado por vontade própria até a
armadilha só para descobrir que tudo não passara de um
estratagema sórdido para colocar suas mãozinhas ambiciosas
na fortuna dele.

Foi um escândalo. Todos na Inglaterra sabiam que o


tinham pego literalmente com os calções baixos, ou
desabotoados. Ainda podia recordar o brilho de triunfo nos
olhos de Sophia quando acreditou que o tinha apanhado.
Também lembrou-se do ódio que viu ali mesmo mais tarde.

O pior de tudo é que tinha sido tão ingênuo que


acreditou que ela se importava com ele. Essa ideia logo se
dissipou com seu casamento precipitado com o marquês e
sua incrível fortuna. Graças a Deus, ele tinha descoberto a
verdade sobre Sophia e sua ganância antes que pudesse
mudar de ideia e se oferecer no altar das ambições dela. Já
tinha sido ridicularizado o bastante sem que isso
acontecesse.

Ainda o ridicularizavam, para falar a verdade. O poema


que lhe tinha dado à fama como escritor fora inspirado nela.
Embora as obras posteriores o tivessem consagrado como um
dos poetas mais respeitados da Inglaterra, essa obra era a
predileta dos círculos literários, segundo os críticos "a
melhor" que tinha criado.

Sim, fizera muitos mais poemas inspirados em Sophia,


mas muito poucos foram publicados. Não queria que ela fosse
considerada sua musa.

A mulher era uma bruxa e agora tinha sua irmã, a


única família que lhe restara. Não toleraria essa afronta.

Que Letitia pensasse que podia manipulá-lo e controlar


dessa maneira, só mostrava o perigo que representava
Sophia. Por mais teimosa e atrevida que fosse sua irmã,
nunca fora uma mentirosa. Se o fosse, não teria contado a
sua amiga onde estaria. Teria feito com que Julian sofresse e
se preocupasse com sua ausência. Não. Tratava-se de um
jogo de poder. Ao se abrigar na casa de Sophia, Letitia
desafiava seu irmão a que fosse buscá-la. Provavelmente
pensava que ele não o faria.

Mas estava enganada.

Iria a Hertford e a tiraria da casa de Sophia, mesmo que


tivesse de ser a força. E logo estaria com a irmã mal-
humorada com destino a Londres. Se fosse necessário, ele
usaria algemas e a prenderia a seu braço durante toda a
temporada social em Londres, ou ao menos até que
encontrasse um marido adequado para ela. Felizmente, neste
momento ele garantiria que sua irmã já estaria muito
apaixonada por seu prometido para empreender alguma fuga
ou causar problemas a seu irmão mais velho.

Depois de se cobrir com uma manta de pele o peito


para se resguardar do frio, Julian repousou a cabeça sobre a
almofadinha aveludada. Era um aborrecimento tudo isto.
Preferiria estar em casa com um bom livro e uma taça de
vinho quente e não estar viajando com esse tempo horrível.

— Ah, Lettie! — suspirou fechando os olhos.

Seria muito mais fácil se enfurecer com a menina se não


a quisesse tão bem, mas aquela última travessura foi demais.
Seria a última vez que o desafiaria.

A dor de cabeça diminuiu quando o sono, estimulado


pelo som da chuva sobre o teto e a escuridão do interior da
carruagem se fechou sobre ele. Julian afastou todos os
pensamentos referentes à sua irmã e tentou não pensar em
nada enquanto tentava dormir. Quase o conseguiu, exceto
por alguns pensamentos que o atormentaram enquanto caía
lentamente no sono, pensamentos que incluíam olhos
escuros e o sorriso de uma determinada mulher.
— Pode me dizer o que achou de tão interessante na
chuva para que não afaste o olhar desta janela?

Sophia Morelle, viúva do Marquês de Aberley, parou de


olhar para a porta principal que estava do outro lado da
janela para se dirigir à jovem vestida de cetim colorido e
jogada na chaise long1 que estava no outro extremo da sala.
Sorriu, embora não estivesse com humor para fazê-lo.

— Estou esperando seu irmão. — respondeu com um


calafrio que tinha mais a ver com o homem em questão do
que com a corrente de ar que atravessava o fino cashmere2 de
seu xale.

Letitia revirou os olhos em claro sinal de exasperação.

— Pensei que já havíamos concordado de que Julian


nunca viria aqui.

Sorrindo sarcasticamente diante da certeza de sua


amiga, Sophia se levantou da cadeira que estava perto da
janela e pisou delicadamente no chão de carvalho para se
dirigir à cadeira em frente da qual sentava Letitia.

1
Um modelo de cadeira

2
Lã, com que se produziam tecidos e roupas.
— Não. Você decidiu isso. Eu nunca concordei e
continuo não concordando. Você se engana ao pensar que
seu irmão permitirá que fique sob o mesmo teto que eu.

A mulher mais jovem e esbelta, observou com


curiosidade Sophia, enquanto esta se sentava na cadeira em
frente. O fato parecia assustá-la.

— Ele tem medo.

Sophia grunhiu.

— Seu irmão não tem medo de nada.

Letitia se inclinou para frente, apoiando o cotovelo nas


almofadas.

— É mesmo? No entanto ele costuma mudar os planos


dele só para não coincidir com os seus.

— Porque ele me despreza.

Há muito tempo, mais parecia uma eternidade, ela


também o tinha desprezado, mas esse sentimento se esvaiu
com os anos. Agora, quase podia entender por que Julian a
tinha traído. Infelizmente, a ferida de sua traição não
cicatrizou com seu ódio. Estava sempre presente. Às vezes
passavam meses sem que pensasse nisso, mas quando o
fazia, a dor ainda era aguda e atroz.

Fora estúpida, muito estúpida, com ele e nunca perdoou


a si mesma.

Sua amiga sorriu.

— Meu irmão se pavoneia diante das pessoas por quem


sente aversão. Creio que de certo modo sente um prazer
perverso ao fazê-lo, mas partiria de imediato se a visse em
um lugar sem ao menos pensar um instante em fazer o
mesmo com você.

— Eu o humilhei miseravelmente. — replicou Sophia,


sentindo a vergonha lhe subir a face. — Ou acaso não se
lembra.

— Ele nem sequer menciona seu nome, sabia? — Letitia


levantou uma sobrancelha. — Porque tampouco suporta isso.

Sophia olhou fixamente a amiga. Letitia fazia parecer


que o ódio de Julian por ela fosse algo que devia se orgulhar.
Nesse instante, com essa expressão de altivez e satisfação,
parecia-se muito com seu irmão mais velho. Tanto que
Sophia teve que olhar para o outro lado.

— Imagino que a simples menção do meu nome o faz


sentir repúdio. — murmurou.

Deus sabia que ela se encolhia cada vez que alguém


falava dele.

— Devo confessar que Julian não me contou quase nada


sobre a história. O que sei vieram das fofocas.

Sophia levantou o olhar. Julian não tinha lhe contado


toda a historia sórdida? Não, supunha que não. Não poderia
saber se as duas tinham sido amigas, e além do mais, não
era o tipo de história que um irmão conta a uma jovem de
boa educação.

— Apaixonei-me por ele.

Diante do olhar surpreendido da amiga, continuou.


— E o sentimento não foi correspondido, por mais que
eu tenha tentado.

E quando não foi correspondido, ela decidiu arrancá-lo


da maneira mais pública e ostentosa que pôde.

— Oh!

A expressão de Letitia era confusa e Sophia lamentou


ter dito algo. Não fazia sentido contar a Letitia que ela tinha
acreditado que seus sentimentos tinham sido correspondidos
nessa época. Tudo agora era passado e Julian era o irmão de
Letitia. Sophia não queria denegrí-lo ou manchar sua imagem
diante dos olhos da irmã.

— Destruí a mim mesma.

Pronunciar essas palavras era como rasgar-se por


dentro, mas era quase um alívio libertar a verdade.

— E meu comportamento é a razão pela qual ele virá a


sua procura. Não deixará que eu a influencie de maneira
alguma.

A expressão de Letitia era de indignação.

— Não preciso que me protejam de sua influência. Não é


você que quer me obrigar a casar. Você não quer me tornar
alguém que não sou. Sempre me incentivou a ser o que
realmente quero ser.

Sophia sorriu.

— Viu só? Sou uma má influência. No mínimo, do ponto


de vista masculino.
Rindo, Letitia estendeu o braço e agarrou a mão de
Sophia para colocá-la entre as suas. Os dedos da jovem eram
quentes e firmes.

— É minha melhor amiga. Oxalá não tivesse tido que


ocultar nossa amizade todos esses anos.

— Temos que agradecer lady Wickford por sua ajuda —


respondeu Sophia, retirando sua mão para poder se recostar
na cadeira. — Se não fosse por ela, quase não nos veríamos.

Acontecera de forma bastante casual há alguns anos,


quando Edmund ainda vivia. Letitia estivera visitando lady
Wickford e as duas se encontraram um dia por acaso com
Sophia, quando faziam compras no povoado. Lady Wickford
sempre fora amável com Sophia, apesar da longa amizade da
mulher com a família Rexley. A boa Senhora as apresentou e
convidou Sophia para jantar com elas naquela noite. Sophia
se encantou com a irmã de Julian imediatamente, e quando
Letitia vinha visitar Lady Wickford, Sophia passava todo o
tempo que podia com elas.

Mas essa última visita fora diferente. Letitia não tinha


ido à mansão Wickford primeiramente. Viera diretamente a
residência de Sophia, fugindo do irmão e de seus planos de
casá-la com o cavalheiro que mais lhe conviesse.

— E qual é a opinião do Senhor Wesley sobre tudo isto?

Letitia se alegrou ao ouvir mencionar o homem que


amava.

Sophia invejava e ao mesmo tempo temia sua reação.


Sabia o que era pensar que o sol saía e se punha só por
causa de uma pessoa e conhecia a doçura dessa devoção
exacerbada. Também conhecia a amargura de descobrir que
essa devoção não era merecida e nem correspondida.
Gostaria de poupar sua jovem amiga dessa dor a todo custo.

Por essa razão tinha aceitado ajudar Letitia, para poder


determinar por si mesma quais eram as verdadeiras
intenções do Senhor Wesley e, em consequência, respeitar ou
dissuadir Letitia.

— Diz que quer falar com meu irmão, — respondeu a


jovem com evidente pavor na voz. — Acredita que pode
convencer Julian a concordar com nosso casamento.

Sophia já gostava desse tal Senhor Wesley. Convencer


um homem como Julian Rexley de algo não era tarefa fácil,
ainda mais quando o Conde já tinha decidido algo. Mas o fato
de que o pretendente de Letitia quisesse ser honesto e sincero
sobre suas intenções, e não duvidoso, dizia muito dele. Bem,
o Senhor Wesley não tinha nenhum título, no momento,
embora fosse o herdeiro de um Lorde. Algum dia seria um
partido excelente para uma jovem, mas nesse momento não
podia comprar para Letitia nem um vestido e nem lhe
oferecer o estilo de vida ao qual ela estava acostumada.

— Então por que você se opõe que seu irmão e ele se


encontrem? — perguntou Sophia, servindo uma xícara de chá
que estava na bandeja que tinha diante delas. Não estava
fumegante, mas esperava que estivesse suficientemente
quente para afugentar o frio de seus ossos.

Letitia a olhou fixamente como se a resposta fosse óbvia.


— Porque meu irmão nunca permitirá que me case com
o Senhor Wesley. Até Marcus herdar as posses que lhe são
devidas, não poderá nos manter. Além disso, meu irmão
acredita que sabe melhor do que eu quem deverá ser o
marido apropriado para mim. — Fez uma careta de
indignação. — Quer que eu me case com alguém tão afetado e
aborrecido quanto ele. Como se algum dos homens que tem
em mente pudesse me fazer feliz!

Com a xícara na boca, Sophia se deteve, permitindo que


o calor da porcelana chegasse a seus dedos e lábios.

Julian afetado e aborrecido? Jamais em sua vida


descreveria o jovem apaixonado que conheceu dessa maneira.
A princípio tinha sido uma brincadeira para ela, mas não
demorou em se tornar muito mais que isso.

Esse acabou por ser seu maior erro. Acreditar que


Julian Rexley era algo mais que um homem elegante que
sabia fazer uma jovem se sentir bonita e especial. Ela
começou querendo seduzi-lo, mas acabou sendo seduzida.

— Estou certa de que seu irmão acredita que é para o


seu bem.

Os lábios em forma de coração de Letitia se retorceram


para emitir um comentário inesperadamente amargo.

— Como fez com você?

A réplica a atingiu em cheio, e sem dúvida um golpe


mais poderoso do que Letitia pretendera. A menina, que,
apesar de sua idade era só isso, estava preocupada com seu
próprio sofrimento para considerar colocar outra pessoa em
má situação.

— O que aconteceu comigo foi completamente diferente,


— respondeu Sophia, enquanto seus dedos trêmulos
colocavam a xícara sobre o pires ruidosamente. — Não sou a
irmã dele, e como bem o disse você mesma antes, não tem
informações suficiente sobre os fatos para fazer hipóteses.

Algo em seu tom deve ter tocado o coração de Letitia,


porque sua expressão mudou no ato e passou a refletir
arrependimento. Estendeu de novo o braço para agarrar a
mão de Sophia.

— Oh, minha queridíssima amiga. O que deve pensar de


mim? Tem toda a razão. Não tenho direito de julgar o que
aconteceu entre você e meu irmão. Imploro que me perdoe.

Sophia apertou os dedos da jovem e esboçou um sorriso.


Já não sentia tanto frio. O fogo e o chá começavam a fazer
efeito.

— Não se desculpe por nada. Está zangada. Qualquer


moça em seu lugar estaria.

Letitia soltou sua mão e desabou sobre a chaise long.

— Oh, Sophia! "Zangada" não é a palavra que descreve


meu sofrimento! Tento não me deixar levar pelas emoções,
mas é tão difícil! Sabe o que é enfrentar a possibilidade de
perder a única pessoa que ama com todo seu coração?

O coração de Sophia ficou tão oprimido que quase gritou


de dor. Sim. Sabia o que era sentir-se assim.
— Claro que sabe, — continuou Letitia com rosto
compassivo. — Perdeu seu marido. Maldita seja minha
insensata língua! Alguém deveria cortá-la para que deixe de
falar tolices!

Sophia riu. Não estava muito certa se de si mesma, pois


Letitia supunha que tinha amado seu marido, ou pelo
arrebatamento de sua amiga. Possivelmente fosse por ambas
as coisas.

— Não fique triste. — suplicou quando o humor de


Letitia ameaçava ficar tão cinza quanto o dia. — Não levei a
mal e não permitirei que aja como se me tivesse feito isso.
Não é permitido ser melancólico nesta casa.

Com a mesma rapidez com que tinham surgido as


nuvens tormentosas na expressão da jovem, desapareceram,
e o sol começou a brilhar com alegria na gargalhada de
Letitia. Esse som deixou Sophia com os nervos à flor da pele,
porque não estava acostumada a um temperamento tão
volátil. Que o céu a afastasse das pessoas apaixonadas,
porque certamente acabariam com ela.

E pensar que no passado, ela tinha sido uma delas...


Santo Deus. Não gostaria de ser aquela menina de novo por
nada no mundo. Mas... Mas apreciaria rir desse modo, nem
que fosse só uma vez mais. Lembrava-se do quanto era bom
sentir-se assim.

— Não ficarei mais melancólica — prometeu Letitia com


um sorriso. — Mas você deve me prometer algo em troca.

Algo no tom da jovem fez Sophia ficar em guarda.


— Sim, e o que é?

O sorriso desapareceu.

— Deve responder a uma pergunta, por mais


impertinente que possa lhe parecer.

— Você? Impertinente? — respondeu Sophia, apesar de


o coração bater forte diante da repentina seriedade de sua
amiga. — Não. Não posso acreditar nisso.

— Promete responder?

Sophia já tinha prometido a Letitia que a protegeria de


seu irmão. Não queria prometer outra coisa que não pudesse
cumprir.

— Farei o que puder, mas não posso prometer nada sem


ouvir primeiro a pergunta.

E a julgar pela expressão na face de Letitia não seria


uma pergunta que Sophia gostaria de responder.

Letitia hesitou, algo que Sophia nunca vira a jovem fazer


antes. Que o fizesse nesse momento não pressagiava nada de
bom.

— É verdade que pegaram você e meu irmão... Nus?

Uma vergonha abrasadora dominou o rosto de Sophia.


Era normal que Letitia tivesse perguntas. Que não tivesse
perguntado nada até então era o surpreendente.

— Sim — respondeu, levantando o queixo.


Não baixaria a cabeça diante de Letitia, por mais que
quisesse, Letitia podia ser sua amiga, mas também era a irmã
daquele idiota.

— Sim.

A cena voltou à sua mente de forma espontânea e


inoportuna; fora um instante gravado para sempre na mente
de Sophia. Era o desejo quente e inocente misturado ao
medo, a expectativa do momento no qual Julian se
encontrava entre suas coxas, só para ser cruelmente,
interrompido pela agitação na porta quando o pai de Sophia
entrou no quarto.

O horror da situação se refletia na expressão que tinha


diante de si. Era óbvio que Letitia já sabia esta parte da
história.

— Meu irmão a desgraçou.

— Eu não diria isso. Desgracei-me por conta própria.

Parecia que Letitia não a tinha ouvido. Possivelmente


não o quisesse. Possivelmente as palavras, na realidade,
tinham sido apenas o sussurro patético que ouvia Sophia.

— E é verdade que se negou a casar-se com você?

Sophia tentou engolir em seco com a garganta tensa.


Manteve o olhar temeroso da jovem. Pobre Letitia. Já sabia a
verdade.

— Sim. — sussurrou.

De fato, Julian nem sequer lhe perguntara se queria


casar-se com ela antes que ela própria negar o suposto
pedido ostentosamente. Ele acreditava que Sophia quisera
enganá-lo para que se casassem. E isso só era uma meia
verdade. Sim, ela quisera que os descobrissem naquela
situação, mas não desse modo. Quisera que os descobrissem
depois de Julian a tivesse feito dele e que lhe propusesse
casamento por vontade própria. Mas quando viu o ódio em
seus olhos verdes, Sophia se deu conta de que nunca teria
proposto um casamento, embora estivesse mais que disposto
a lhe roubar a inocência.

A rosto de Letitia empalideceu. Refletia tanta angústia


que Sophia lamentou lhe haver contado a verdade.

— É terrível!

Olhando os dedos entrelaçados que tinha sobre o colo,


Sophia conseguiu dar de ombros.

— Eu sou tão culpada quanto seu irmão. Pensei que sua


atenção para comigo tivesse outro significado, do mesmo
modo que ele pensou que a minha reação significava outra
coisa.

Ah! Parecia muito adulta! Parecia muito tranquila e


amável! Mas nem sempre tinha sido tão amável com Julian
Rexley.

Letitia moveu a cabeça. Sua expressão continha tanta


compaixão que Sophia preferiu afastar seu olhar novamente.

―Vamos! Conte a história completa, Sophia. E então


veremos se Letitia continuaria a sentir tanta compaixão pela
amiga. Vamos! Diga o quanto zombou dos sentimentos de seu
irmão.‖
Ah! Mas ela acabará descobrindo. Julian fará todo o
possível para que sua querida irmã saiba que tipo de mulher
é Sophia. Contará tudo e Letitia saberá que Sophia se vingou
de seu irmão de maneira rancorosa e abominável.

Às vezes Sophia lamentava por ter agido dessa maneira,


e em outras lamentava que não houvesse mais gente que
soubesse a verdade sobre a história toda. Julian a tinha
humilhado publicamente e Sophia o tinha feito de uma
maneira muito mais sutil, e gostaria de vê-lo sofrer um pouco
durante todos esses anos.

Vozes que provinham do vestíbulo fizeram tanto ela,


quanto Letitia se virarem para a porta. A senhora Ellis, a
governanta, entrou de repente na sala, com o peito arfante e
tentando recuperar o ar.

— Senhora, sinto muito, mas...

A senhora não pôde acabar a frase. Sophia se levantou


quando uma sombra ameaçadora surgiu sob o batente da
porta. Sabia quem era com a mesma segurança com que
sabia que ele realmente viria.

Ignorou-a acintosamente ao entrar. Seu cabelo estava


molhado e jogado para trás. A água gotejava no chão ao cair
das pregas de sua capa. Parecia que tinha percorrido certa
distância a pé sob a chuva para resgatar a irmã e afastá-la
definitivamente de Sophia. Seu olhar se dirigiu
imediatamente a Letitia.

— Você — disse com um tom que deixou Sophia


arrepiada. — Arrume seus pertences imediatamente.
Sem sequer se incomodar em ver se a irmã o obedecia,
lançou seu olhar glacial a Sophia. Ela observou a fúria em
seu rosto, um rosto que um dia achara tão bonito que faria os
anjos chorarem. Já não era tão bonito, mas assim mesmo ao
vê-la doía mais do que teria esperado.

Depois de se armar com coragem, Sophia levantou o


queixo e o enfrentou com o que esperava ser um sorriso
sereno. Não lhe daria a satisfação de vê-la tremer diante dele.

— Boa noite, lorde Wolfram. Não gostaria de sentar-se?


Capítulo 2
O destino tem uma maneira de castigar

os que se atrevem a pô-lo a prova.

A união desafortunada, de uma dama arrependida.

Queria que se sentasse?

Tinha vindo preparado para lutar e se dirigia a ele como


se estivessem em um maldito jantar! Se não fosse por
reconhecer sua voz em qualquer parte, profunda e rouca com
um ligeiro acento espanhol teria acreditado que se enganou
de casa ao avançar trabalhosamente entre a chuva e o barro.

Mas não. Ele a reconheceria mesmo se fosse surdo e


cego. Reconheceria pelos calafrios que sentia diante da
presença, uma sensação que ia do peito diretamente à virilha
de forma excitante e exasperante.

Maldição. Os anos a tinham tratado bem. Tinha mais


curvas do que se lembrava, estava menos terna, o rosto
irradiava uma maturidade que antes não tinha. Usava o
cabelo, negro e grosso, recolhido para trás de uma maneira
um tanto austera, mas que acentuava os delicados ossos de
sua face e sua fina pele rosada e marfim.
— Ficarei de pé — resmungou apertando a mandíbula
para impedir que os dentes se trincassem.

Essa mulher tinha coragem.

— Como queira. Ao menos permita que a senhora Ellis


lhe guarde o casaco. Está gotejando no meu chão.

Não havia rancor em seu tom, mas sabia como fazer


Julian se sentir culpado. E por que tinha que sentir-se
culpado? Fora ela quem tentara enganá-lo. Fora ela quem
estava contando à sua irmã Deus sabe o que sobre ele. A
única coisa pela qual tinha que sentir-se mal era por estar
molhando o chão. De todo modo, viam-se tantas manchas
sob a cera que algumas gotas de água não fariam diferença.

Entretanto, permitiu que a governanta corpulenta


pegasse seu casaco. Era o lógico. Não podia voltar a Londres
com a roupa molhada. De fato, não podia voltar a Londres até
que a maldita roda da carruagem a um quilômetro e meio dali
pudesse ser reparada. Mas não permitiria que Letitia ficasse
outra noite com Sophia. Alugaria uma carruagem se fosse
necessário, ou pediria uma emprestada a Sophia, mas
partiriam o quanto antes possível.

Virou-se para olhar a irmã, cautelosamente, como se


Sophia fosse um animal selvagem. Letitia ainda estava ao
lado da chaise long, observando-o com uma mistura de
surpresa e ódio.

— Ordenei-lhe que vá arrumar suas malas.

Letitia apertou os lábios.


— Não vou a lugar nenhum.

O rosto gelado de Julian se injetou de sangue. Como ela


se atrevia a desafiá-lo! Ainda mais diante de Sophia. Além de
ter de estar ali, molhado e trêmulo, Letitia desafiava sua
autoridade, e isso era imperdoável.

— É mesmo? — indagou com calma. — Mesmo que eu


tenha que lhe cobrir a cabeça com um saco e arrastá-la pelos
pés. Você me obedecerá, arrume suas malas.

Os olhos de sua irmã começaram a derramar lágrimas e


isso lhe doeu na alma. Não gostava de vê-la chorar, e ela
sabia. Era outra tentativa de lhe frustrar os planos. Não
funcionaria. Olhou-a fixamente sem se alterar, esperando que
fizesse o que lhe tinha ordenado.

— Odeio você! — gritou. — E não pode me obrigar a sair


daqui! Não pode!

Com essa declaração e um soluço desolado, Letitia saiu


correndo da sala e deixou Julian Sophia a sós.

Rompeu o súbito silêncio ao se virar para enfrentar seu


desafeto e seu sorriso de satisfação.

Mas não estava sorrindo de satisfação. Observava-o com


uma expressão a qual não pode entender, algo como
compaixão e indignação juntas. Teria preferido o sorriso de
satisfação.

— Não foi nada mal — ela assinalou com mais humor do


que se merecia a situação.
Julian entrecerrou os olhos. Como podia assumir uma
atitude tão indiferente? Estava tão zangado, que acreditava
que lhe tremiam os músculos ao estar tão perto dela. E ela
estava ali, observando-o placidamente, como se nada tivesse
acontecido entre eles.

— Você é a culpada disso.

Sophia bufou. Seu olhar escuro encontrou o dele.

— Sim, claro. Fui eu quem a fez sair correndo da sala


chorando.

Com a mandíbula tensa, Julian passou seu peso para o


outro pé. Ao fazê-lo, ouviu a água chapinhando contra o
chão. Estava todo molhado, a cabeça lhe doía, enquanto ela
pareceria tranquila. Não estava com humor para discutir com
essa mulher sobre sua irmã.

— Não. Você simplesmente a ensinou a enganar o


irmão. — Falava com os dentes apertados para que não
rangessem.

Os olhos escuros lhe lançaram um olhar.

— Talvez o irmão devesse descobrir por que ela queria


enganá-lo.

Isso já era o cúmulo. Quem ela pensava ser para se dar


ao direito de fazer comentários sobre seus assuntos?

— O que acontece entre Letitia e eu não é de seu


interesse, Senhora.

Suspirando, Sophia moveu a cabeça.


— Temo que esse assunto em particular seja de meu
interesse, sim, lorde Wolfram. Sua irmã, assim como o
Senhor, não me deu escolha.

Julian franziu o cenho enquanto suas palavras


reduziam parte do ódio que sentia no corpo.

— O que quer dizer?

Ela afastou o olhar.

— Letitia chegou aqui sem ter sido convidada, Senhor,


algo que normalmente não me incomoda em absoluto, mas se
soubesse que o traria a minha casa, não a teria recebido.

Estava dizendo a verdade, disso ele tinha certeza. Era


óbvio que ela tinha tão pouca vontade de vê-lo como ele a ela.
Por alguma razão, isso doeu mais do que o agradou. Gostou
de saber que não era o único a guardar rancor, mas uma
parte dele tinha esperado que, ao entrar, ela tivesse se jogado
em seus braços.

— Sinto muito que minha irmã decidisse implicá-la


nisto. — Quase sufocou ao dizê-lo. Pedir perdão a Sophia
pelo que acontecera ali o contrariava. — Partiremos assim
que ela arrumar as malas.

Sophia o olhou, como surpresa diante do que via.

— Senhor, creio que saiba tão bem quanto eu, que sua
irmã não está fazendo as malas, é mais provável que esteja
chorando ou lamentando-se no quarto.

Julian teria rido diante de sua astúcia se não fosse a


mulher mentirosa que era.
— Por gentileza, ―Senhora‖. Permita-me ir aos aposentos
de minha irmã para falar com ela. — ele começava a se irritar

— Penso que seria melhor o ―Senhor‖ deixá-la se


acalmar primeiramente. — ela respondeu de modo estóico.

— Sem querer ofender, ―Senhora‖, não me importa o que


pensa.

Sophia não se deixou abater, encolheu os ombros, e


prosseguiu insistindo.

— Bem, parece que o Senhor também não se importa


muito com que sua irmã pensa ou sente.

— Como? — Sua voz soou amortecida pelo forte som que


fez ao trincar os dentes.

Sophia fez uma careta e não disse nada.

Julian deu um passo à frente.

— A ―Senhora‖ começou. Agora exijo saber do que está


falando.

Por causa de seu aborrecimento, Sophia respirava de


forma agitada, seu peito subia e descia preso pelo decote de
seu vestido violeta.

Como é próprio dos homens; o insensível estava


comendo seus seios com o olhar, embora este refletisse a
raiva que o dominava. Que mais ele poderia fazer para
degradar-se?

— Pode exigir tudo o que desejar, ―Senhor‖, mas aqui eu


sou a senhora e apenas eu posso fazer exigências.
Essa era a Sophia que ele conhecia. A mulher que o
tinha tratado como a um homem irascível de forma educada
era uma estranha. Essa mulher, de olhos reluzentes como
um céu estrelado e com os punhos serrados de ambos os
lados do corpo, era a mulher que na juventude tinha desejado
tanto que ainda lhe doía. Essa dor que sentia nesse momento
era só uma lembrança disso, nada mais.

— E o que quer que eu faça, Lady Aberley? —


perguntou movendo as mãos como, sempre fazia quando
perdia a paciência. — Me sentar perto da lareira e conversar
tranquilamente enquanto minha irmã manipula nós dois?

Ao ouvir suas palavras, Sophia liberou parte da tensão.

— Exatamente isso, Lorde Wolfram. Acredito que teria


que se sentar perto da lareira para, no mínimo se aquecer e
não acabar com febre sob meu teto e ter que ficar aqui por
mais tempo do que nós poderíamos suportar.

Mas que língua de víbora tinha! Mas sempre fora assim.


A picada de suas palavras piorou com o irritante fato de que
tinha razão.

Cruzou a sala para se aproximar do fogo e se sentou em


uma poltrona incrivelmente feia, cujo desenho escuro,
marrom e laranja só poderiam piorar com as manchas que
sua roupa molhada deixaria.

Sophia o seguiu, mantendo toda a distância possível


entre eles. Para Julian já parecia o suficiente, até que se deu
conta de que ela ajeitava o chale sobre os ombros
provavelmente com frio.
— Sente-se aqui, perto do calor — ele ordenou. —
Prometo não morder.

Pelo menos, por enquanto.

Sophia o surpreendeu ao arrastar uma cadeira e trazê-la


até ele.

— Deveria tirar as botas para que se sequem mais


rápido.

Como sempre, ela tinha razão, é claro, e Julian


obedeceu sem pestanejar. Colocou as botas molhadas e
enlameadas de lado, com a parte dianteira de frente ao fogo,
para que o interior secasse rápido.

Ajeitou a cadeira que ela lhe ofereceu diante da lareira,


apoiou os pés sobre ela e suspirou enquanto deixava que o
fogo se encarregasse de afugentar o frio de seus ossos.

Sentaram-se em um silêncio surpreendentemente


agradável. De vez em quando gotas de chuva escorriam no
interior da lareira, o que produzia um grande chiado ao cair
sobre o fogo, mas, além disso, não se sentia nenhuma
agressividade na sala. Era como se Letitia, e o fato de que
ambos estivessem enregelados, tivesse criado uma espécie de
trégua entre eles.

Sem pretender submeter-se a essa sensação de


satisfação, Julian aproveitou a oportunidade para observar o
que o rodeava, tentando encontrar algum indício de que
Sophia era a bruxa que ele queria que fosse. Não viu muita
coisa e o que viu lhe aguçou a curiosidade.
Sophia era viúva e vivia na casa de seu finado marido,
como era devido, mas sua residência não era o que tinha
esperado. Em vez de encontrar o luxo e a opulência com que
prodigalizava Sophia, encontrou móveis confortáveis e
simples, paredes pintadas há muito tempo e o piso
precisando de reparos. Mesmo Sophia, apesar de ser muito
bonita, usava um vestido que não estava na moda, embora
provavelmente o estivesse há alguns anos atrás. Por quê?

Seu marido fora um homem rico. Certamente deixara


para sua viúva uma herança para que vivesse
confortavelmente bem. Não podia estar em uma situação tão
precária, certo?

Bem, não era assunto dele. Assim que Letitia e ele


pudessem partir, se encarregaria de que houvesse a maior
distância possível entre ele e Sophia Morelle, e faria todo o
necessário para esquecer que a tinha visto novamente.

Embora quisesse esquecê-la, nesse momento, era quase


agradável estar ali com ela.

— Se o reparo de minha carruagem levar muito tempo,


poderia me emprestar uma das suas? — perguntou movendo
os dedos dos pés diante do fogo.

Suas meias três-quartos estavam quase secas.

— Temo que tenha que pedir na casa grande, Senhor.


— respondeu com doçura. — Aqui não temos estábulos.

O problema não eram os cavalos, ele os tinha.

— Só preciso de uma carruagem, Lady Aberley.


Parecia-lhe muito estranho chamá-la assim.

Como Sophia não respondeu imediatamente, Julian se


virou para ela. Tinha as mãos entrelaçadas sobre o colo e a
cabeça baixa.

— Lady Aberley? Tem uma carruagem ou não?

Ela levantou a cabeça e a profundidade do orgulho em


seus olhos insondáveis se chocou com força no peito de
Julian.

— Não.

Se lhe houvesse dito que queria se tornar freira, não


teria se surpreendido tanto. Julian não conhecia ninguém
que não tivesse ao menos um veículo.

— E posso perguntar por quê?

Tentou manter o timbre uniforme, porque temia que se


soasse tão incrédulo como se sentia, ela não responderia com
sinceridade.

— Meu cunhado pensou que era um gasto


desnecessário, porque já tem várias carruagens na casa
grande.

Supôs que não fosse tão estranho depois de tudo.

— E está de acordo com essa decisão?

Ela se virou para o fogo, o que ofereceu a Julian uma


vista perfeita da curva e linhas delicadas de seu perfil.

— Ele administra minhas finanças, Lorde Wolfram. Não


tenho escolha senão concordar com as decisões dele.
Uma suspeita revirou o estômago de Julian e logo se
propagou por todo seu ser.

— E seu cunhado considera que alguns móveis decentes


e alguns vestidos novos também são gastos desnecessários?
— perguntou com serenidade enquanto tentava captar sua
expressão.

Sophia fechou os olhos. Julian viu como inspirava


profundamente e logo exalava. Abriu os belos olhos. Logo,
depois de ter se tranquilizado, e voltou-se para observá-lo.

— Recentemente parece ter chegado a essa conclusão,


sim.

— Recentemente? Suponho que agora que acabou seu


período de luto quererá vê-la circulando entre a sociedade. A
não ser, claro, que queira ficar no campo.

A nostalgia em seu olhar quase o fez sorrir. Por um


segundo, pareceu a jovem que tinha conhecido, antes de
descobrir sua verdadeira natureza.

— Não. Eu adoraria frequentar a sociedade de novo um


pouco.

— E por que não o diz a ele?

Fechou os olhos, mas não antes que Julian visse neles o


que ela não queria que visse. Ela queria, mas seu cunhado
não o tinha permitido.

Por quê? O que tinha acontecido durante sua breve vida


em sociedade para que o novo Marquês quisesse que levasse
uma vida de reclusão no campo? O que ela tinha feito?
Como se sentisse que ele intuíra que tinha um segredo,
Sophia se levantou. Afastou o olhar e corou.

— Se me permite, Lorde Wolfram, direi à Senhora Ellis


que lhe prepare um pouco de chá para que se aqueça melhor.
Também lhe direi que prepare uma sopa para o Senhor e
seus empregados. Certamente o necessitam.

— Não é necessário — respondeu sentindo-se mal de


repente por tê-la desconcertado, embora fosse sua intenção a
princípio.

Parecia muito sincera, e mesmo assim sabia sem dúvida


de que Sophia estava lhe escondendo algo. Essa mulher
sempre estava escondendo algo. Acaso estava tentando fazer
seu cunhado parecer um vilão para encobrir seus próprios
pecados?

— Não. — disse encontrando seu olhar com um frágil


sorriso que ele tinha que admirar.

— Penso que é indispensável. Se me dá licença.

Abandonou a sala sem olhar para trás e Julian ficou


observando sua retirada da cadeira. Quando voltou a se
ajeitar confortavelmente, não pôde evitar se perguntar o que
Sophia queria esconder. E por que diabos se importava com
isso. Precisava tomar mais cuidado.
Sophia se deteve ao sair da sala, colocou a frente contra
o batente da porta frio e tentou se acalmar. Como podia ter
cometido o erro de confiar ao Conde do Wolfram os problemas
de sua vida? Não precisava ter mencionado o comportamento
de Charles. Agora ele desconfiaria que estava acontecendo
algo e se viesse a perguntar para Lady Wickford, o Conde
descobriria tudo.

Mas o que ele poderia fazer? Levantou a cabeça e


pensou por um momento. O que poderia ser pior ainda do
que já estava acontecendo em sua vida? Maldição, Wolfram
poderia pensar que ela merecia a perseguição de seu
cunhado e rir às suas custas. Mas por acaso isso afetaria
mais a sua vida? Já havia sofrido a pior humilhação graças a
Julian Rexley. Que espalhasse e risse de sua desgraça seria
uma vergonha minúscula em comparação.

Também lhe havia dito outras coisas, coisas que a


tinham preocupado e incomodado pela situação de controle
em que se encontrava. Havia-lhe dito que ele devia pensar por
que Letitia queria fugir dele. E ainda mais. Havia-lhe dito que
não o queria em sua casa! Não conseguira evitar. Edmund
certamente estaria se retorcendo em sua tumba ao saber que
ela falara com um homem como uma igual, sem mostrar
timidez ou modéstia, mas Edmund estava morto e não podia
ouvir nenhuma palavra do que havia dito.

Embora se sentisse bem falando com Julian de forma


tão sincera, sentia também um pouco de culpa, uma vozinha
lhe dizia que deveria se comportar de uma maneira mais
feminina e elegante.
Era a voz de Edmund. Ele não podia ouvi-la, mas ela
sim, podia ouvi-lo, mesmo da tumba.

Sophia ajeitou o xale sobre os ombros e se dirigiu a uma


porta que havia do outro lado da entrada e que levava a
cozinha. Tênues, embora quentes e apetitosos, o cheiro dessa
parte da casa a receberam quando fechou a porta. Charles
lhe negava quase tudo para que não pudesse voltar a
frequentar a sociedade, mas não lhe negava os prazeres da
comida. Certamente pensava que assim ela lhe agradeceria
como ele ansiava.

Charles a desejava. Tinha deixado bem claro, mas não


como esposa. Afinal, era a viúva de seu irmão, mas embora
nunca tivesse sido a esposa. Não, Charles tinha outra coisa
em mente. Tirava-lhe tudo o que podia para que ela se
rendesse e lhe entregasse o que queria com avidez crescente,
seu corpo.

Dava-lhe dinheiro suficiente para manter a casa; tinha


que fazê-lo. Charles administrava seus recursos, mas
também o faziam os antigos advogados de Edmund. Segundo
uma das muitas condições no testamento de Edmund,
Sophia tinha que receber uma renda suficiente para viver,
comodamente. Charles não podia tirar-lhe tudo sem que se
fosse contestar o testamento, mas podia dizer que, embora
Sophia fosse quase uma prisioneira em sua própria casa,
vivia "comodamente".

Havia outras condições no testamento que Charles tinha


tentado manipular a seu favor, mas como dependiam da
conduta pública de Sophia não serviam para nada. Nunca
saía em público, assim tinha poucas possibilidades de
infringi-las. Apesar disso, tinha muito cuidado com seu
cunhado. Ele tentava apanhá-la em uma situação dúbia para
assim transformá-la em sua amante ou para lhe extorquir
dinheiro, ou possivelmente as duas coisas. Não podia
permitir que ele se saísse bem com isso.

Nos últimos tempos, Sophia começara a pensar que


Charles estava ficando muito impaciente. Temia que se ele
acabasse por cansar de esperar, usasse a força para
conseguir o que queria, e por mais fiéis que fossem os criados
de Sophia, ainda, para todos os efeitos, trabalhavam para
Charles. Não podia contar com sua ajuda se ele a atacasse.

O que pensaria Lorde Wolfram disso? Pensaria que ela


merecia ser coagida e usada desse modo? Certamente. Mas
mesmo assim estava ali, se dirigindo à cozinha para que lhe
preparassem o chá. E lhe oferecera um assento em frente à
lareira para que se aquecesse.

―Ah, mas ela o queria fora de sua casa. Era simples. Se


adoecesse, teria que ficar, e tinha medo de fazer todo o
possível para aumentar o sofrimento de Julian. Isso não seria
certo. Provavelmente ela cuidaria dele pessoalmente. Como
era tola.‖

— Mas que cheiro delicioso. — declarou com falsa


alegria ao entrar na cozinha.

A cozinheira, ao lado do forno, lhe sorriu por cima do


ombro.
— Obrigado, Senhora. Este cordeiro é para o jantar.
Espero que não se importe. Tomei a liberdade de mudar o
menu, pois pelo que parece o Conde ficará.

— Como? — disse Sophia, tentando fazer a mulher não


notar o pânico em sua voz.

Olhou à senhora Ellis, que estava sentada à robusta


mesa da cozinha bebendo chá.

— A Senhora conversou com os criados do Conde?

A governanta de rosto redondo assentiu enquanto


deixava sua xícara vazia no pires.

— Sim, minha Lady. Roger foi buscar alguns homens na


casa grande para ajudar com a carruagem.

À casa grande? Não! Isso significava que Charles sabia


que Julian estava ali.

— E conseguiram levar a carruagem e os cavalos aos


estábulos. — continuou a Senhora Ellis. — Esperam
conseguir consertar a roda ou conseguir uma nova manhã
pela manhã.

Se não fosse pela presença das outras duas mulheres,


Sophia estaria em maus lençóis nesse mesmo instante.
Julian não podia ficar ou dormir ali! Já tinha usado todas as
suas forças para enfrentá-lo durante trinta minutos! Como
conseguiria passar a noite toda sob o mesmo teto que ele?
Não, não podia. Tinham que consertar a carruagem e partir o
mais rápido possível. E tinha que parar de chover. Não podia
ser de outra maneira.
— Bem — murmurou. — Prepare um aposento para o
Conde como precaução.

Suas palavras escaparam com amargura, mas se queria


que os criados não espalhassem boatos, teria de fingir que a
presença de Julian era totalmente normal e não algo que a
fizesse sair por toda a casa gritando.

Quando deu meia volta para sair do cômodo, sentindo-


se como uma marionete com os fios emaranhados, lembrou-
se do por que tinha ido à cozinha.

— Senhora Ellis, poderia preparar para Lorde Wolfram


um pouco de chá e sopa, por favor? Eu não gostaria que ele
adoecesse.

E que tivesse que ficar aqui mais de uma noite.

A governanta sorriu.

— É claro, Lady Aberley. Quer que prepare um pouco


para a senhora e sua convidada também?

Tomar chá com Julian? Antes preferiria estar cega a ver


seu rosto bonito. Esse homem era atraente demais, uma
grande ameaça a sua tranquilidade emocional. Quando não
estava enfurecido, parecia tão fácil conversar com ele. Sempre
fora assim, mas ele seria a última pessoa sobre a face da
terra a quem confiaria seus segredos, ou seus remorsos.

— Não, mas leve chá e bolo aos aposentos de Lady


Letitia. Tomarei um refresco com ela.

Sophia abandonou a cozinha e caminhou devagar para a


entrada. Seu encontro com Julian tinha roubado a pouca
energia que tinha, agora teria de enfrentar a sua dramática
irmã. Não era algo que quisesse fazer, mas Julian não
partiria sem a irmã, e Letitia não queria acompanhá-lo de
modo algum. Se Sophia quisesse os dois irmãos fora de sua
casa, teria que se empenhar para eliminar a diferença de
opinião que havia entre os dois. Era isso ou ficar com Lady
Wickford até que passasse a tormenta.

Ao cruzar os vários tapetes de cores brilhantes que


escondiam o chão manchado da entrada, um desastre,
Sophia finalmente permitiu que seus pensamentos se
concentrassem em Julian, não como uma ameaça, nem como
o Conde, nem sequer como o irmão de Letitia, mas sim como
homem. E em quanto se diferenciava do homem de hoje, não
do jovem que um dia ela preferiu aos outros.

Ele era o homem, a única pessoa, que tinha se atrevido


a lhe dizer não. Era claro que seu marido e o irmão não
tinham nenhum problema em lhe negar as coisas, mas Julian
tinha sido o primeiro, e sua negativa não tinha nada a ver
com um vestido novo ou um cachorrinho, só a oferta de tudo
o que tinha a dar.

A primeira vez que colocara os olhos em Julian Rexley


pensou que fosse Adônis na Terra, de tão extasiada ficou com
sua beleza. Estava no Almack's e a luz das lanternas
destacava o tom dourado de sua pele e realçava as ondas
espessas de seus cabelos. O coração de Sophia começou a
bater violentamente, de forma apaixonada. Sua amiga
Caroline lhe disse que o achava "muito magro", mas Sophia
ficou extasiada com sua figura.
Ele não tinha mudado tanto com os anos. Pequenas
rugas contornavam a delicada pele em torno dos olhos, entre
as sobrancelhas e ao redor da boca, uma boca muito sensual
para ser desperdiçada em um homem. Franzia o cenho
quando ria, como era de costume em pessoas de caráter tão
imprevisível e volátil quanto o tempo.

A idade tinha amenizado os traços de sua juventude, o


que se apreciava nos ossos extremamente marcados de sua
face e no resto de seu corpo. Julian Rexley tinha desenvolvido
seu corpo de uma forma espetacular. Movia-se com orgulho,
demonstrando sua extraordinária altura, e seus braços e
pernas que durante a juventude tinham sido um pouco
estranhas e desproporcionais, agora se moviam com a fluída
elegância de um homem que conhecia seu lugar no mundo,
que sabia onde pisava.

Quando jovem, tinha sido surpreendente, mas agora era


devastador. Um desses homens bonitos demais para seu
próprio bem. Pessoalmente, Sophia pensava que a beleza
encobria quem Julian realmente era. Podia parecer tentador,
mas como a serpente que atormentava Eva, tinha uma
mordida desagradável. Ela sabia disso em primeira mão, um
fato que deveria lembrar a si mesma quando sua beleza
ameaçasse desequilibrá-la.

Levantou a saia, subiu as escadas até o piso superior e


quando chegou ao patamar, inspirou fundo para falar com
Letitia. A conversa não seria agradável. A jovem acreditava
que tinha o irmão como um inimigo, e Sophia pensava que
possivelmente tivesse razão, mas também sabia que as
intenções de Julian não eram más. Só queria vê-la bem
casada e feliz, como os pais de Sophia desejavam, ou no
mínimo sua mãe. Seu pai só quisera se livrar dela.

E sinceramente, seus pais tinham escolhido tão mal o


futuro dela? Edmund era de boa família, tinha um título
respeitável e era incrivelmente rico. Tinha sido o candidato
perfeito. Infelizmente, não fora o marido perfeito.

Não, estava errada. Era ela quem nunca fora perfeita,


como Edmund costumava lhe lembrar.

Durante muito tempo, Sophia se perguntou o que havia


de tão ruim em seu caráter para que os homens se
afastassem dela ou quisessem mudá-la. Encontrou a
resposta um dia, quando presenciou o aborrecimento de
Edmund porque ela não era como ele queria. Os homens
gostam de controlar as coisas, inclusive as pessoas a sua
volta.

Passou-se algum tempo para que Edmund aprendesse


que armas usar contra ela para dobrá-la a sua vontade.
Recorria a sua dignidade, ao seu orgulho e ao seu sentimento
de culpa para moldá-la segundo seu ideal de esposa. Depois
de sua morte sentiu puro pânico diante da ideia de voltar à
sociedade sem sua orientação. Felizmente, tinha os limites da
viuvez para se esconder. Entretanto, agora desejava voltar a
fazer parte do mundo.

Charles tentava controlá-la. Mas ele não era seu irmão.


Ela encontrara uma força silenciosa em seu interior, um
orgulho que não sabia que tinha, e isso lhe dava mais
coragem de enfrentar qualquer homem.

De repente se deu conta de que estava diante da porta


de Letitia. Não tinha ideia de quanto tempo ficara ali. Tinha
estado muito concentrada no passado.

Bateu na porta e esperou que Letitia respondesse. Nada.


Voltou a chamar, desta vez mais forte.

Graças a Deus que Charles não sabia nada do que


acontecera antes. Se soubesse, faria realmente o que quisesse
com ela, ou quase. Estaria à sua mercê, mas nem sequer isso
a levaria a cama dele.

Letitia não respondia. Sophia franziu o cenho. Acaso


sua amiga estaria em outro lugar na casa?

— Letitia, querida, tudo bem?

Voltou a chamar. Começava a se preocupar quando


ouviu alguém arrastando os pés atrás da porta.

— Ele está com você?

Sophia sorriu ante o tom desafiante.

— Não. Não está.

Depois do som sutil da chave girando na fechadura, a


porta dos aposentos de Letitia se abriu devagar. Esta, com os
olhos avermelhados, olhou o entorno da porta.

— Onde ele está? — perguntou com uma voz rouca


pelas lágrimas que tinha derramado.

Claro que não precisava dizer de quem estava falando.


— Na sala — respondeu Sophia, entrando no cômodo.
— Está se aquecendo diante da lareira com uma xícara de
chá.

Fechou a porta e Letitia a olhou de forma acusadora.

— Você lhe ofereceu chá? Espero que lhe tenha posto


cicuta.

Sophia sorriu diante do tom mal-humorado.

— Devo confessar que não me ocorreu essa ideia.

Letitia jogou sobre a cama em meio às saias


desalinhadas.

— Não posso acreditar que você tenha sido hospitaleira


com ele.

— E o que deveria fazer? — perguntou Sophia enquanto


cruzava o aposento para sentar-se ao seu lado. — deixá-lo lá
fora sob a chuva?

A jovem fez beicinho.

— E por que não.

— Querida! — exclamou Sophia com firmeza enquanto


rodeava os ombros de sua amiga com o braço. — Uma jovem
como você não deveria se comportar desta maneira.

―Meu Deus! Pareço Edmund!‖

Um sabor amargo inundou a sua boca, apesar da


verdade em suas palavras.

Notou como os ombros que tinha sob seu braço se


moviam com um suspiro atormentado.
— Tem razão — respondeu Letitia enquanto levantava
seu olhar para encontrar o de Sophia. — Deveria enfrentar
meu irmão mal-humorado com tranquilidade e persistência,
em vez de sair correndo e deixar você a mercê dele. Ele a
tratou mal?

— Não. — respondeu.

Além de acusá-la de tudo, comportou-se muito


civilizadamente.

— Certamente está guardando o esbravejar e todas as


ameaças para mim. — observou Letitia tentando se animar,
apesar do medo que refletiam seus olhos. — Sophia, o que
acontecerá se ele me obrigar a casar antes que o Senhor
Wesley possa declarar suas intenções?

— Seu irmão não pode obrigá-la a se casar com


ninguém, querida. — respondeu Sophia, apertando os
ombros da jovem amiga. — Mesmo que a arraste até o altar,
não pode obrigá-la a pronunciar as palavras.

Ninguém podia obrigar Letitia a fazer algo que não


desejasse. Sophia tinha certeza disso. Fora muito fácil para
seu pai envergonhá-la e obrigá-la a se casar com Edmund.
Afinal, tinha desonrado o nome da família.

Depois de negar com a cabeça, Letitia soltou-se do


abraço e se levantou.

— Não conhece Julian como eu.

Isso era verdade, porém Sophia o conhecia mais do que


desejaria.
— Eu sei que ele lhe quer bem.

Letitia emitiu um som zombeteiro e começou a caminhar


pelo cômodo.

— Você acredita realmente nisso.

— O Conde não teria vindo aqui com um tempo destes a


sua procura se não a amasse, minha querida. Você não
acredita que ele a agrediria fisicamente, certo?

— Meu irmão não precisa agredir fisicamente para


dobrar alguém à sua vontade.

Pareceu humilhante, mas Sophia sentiu como se


subisse o calor do colo ao rosto. Sim, ela conhecia bem
algumas das armas mais sedutoras do arsenal de Julian
Rexley. Armas, cujo poder de destruição sua irmã nem
suspeitava.

— Ele acabará por me obrigar — continuou Letitia,


reduzindo o passo até parar em meio ao quarto. — Vai me
convencer dizendo que tem razão e eu não, que ele sabe o que
me convém. E no final acabarei obedecendo contente.

A desolação na expressão da amiga assustou Sophia.


Sabia o que era outra pessoa impor sua vontade sobre a dela.
Estava claro que Julian saberia exatamente como manipular
a irmã. O Conde era um manipulador por natureza, como
Edmund e até seu pai. Homens desse tipo podiam enxergar
todas as fraquezas de uma mulher e sempre as usavam a seu
favor sem sentir nenhuma culpa.
— Você também tem uma vontade férrea — lembrou à
sua amiga. — Certamente pode enfrentar o Conde e sua lista
de pretendentes, ainda mais quando tem o poder do amor ao
seu lado.

Os olhos de Letitia espelhavam desespero.

— O Senhor Wesley e eu nos vemos uma vez a cada


quinze dias. Se Julian me vigiar constantemente, será mais
difícil nos ver. — suspirou resignada e cabisbaixa. — Vai
acabar me esquecendo e meu irmão vencerá.

— Não acredito nisso. — respondeu Sophia com firmeza.


— Sei o quanto você é decidida, minha amiga. Não fale como
se já tivesse perdido.

Letitia esboçou um frágil sorriso. Aproximou-se de


Sophia, ajoelhou-se a seus pés e segurou suas mãos entre as
dela.

— Sophia, você é uma boa amiga. Por mais que eu seja


insensata ou melancólica sempre acredita que posso
conseguir o que quero e me indica o bom caminho. Oxalá eu
tivesse um ápice de sua força.

Força? Letitia pensava que ela era forte? Sophia teria se


posto a rir senão fosse pelo grande nó que tinha na garganta.

— Não sou forte. — sussurrou.

— Claro que é! — respondeu Letitia. — Vi como


enfrentou meu irmão, desafiando-o enquanto ele bancava o
Senhor Feudal na sua casa. Nunca vi ninguém o enfrentar
como você fez. Se estou decidida, é porque você está comigo.
Como Sophia podia lhe explicar que era precisamente
por se tratar do irmão de Letitia que obrigou a si mesma a
enfrentá-lo com orgulho e coragem? Poucas pessoas tinham o
poder de desarmá-la como Julian, e sempre procurava a
coragem em vez do bom senso quando sentia medo.

De repente, uma alegria estranha iluminou os olhos de


Letitia; uma luz que causou um arrepio pela espinha de
Sophia.

— Seja lá o que for que estiver planejando, pode


esquecer. — disse à amiga.

Letitia sorriu.

— Acabei de encontrar a maneira perfeita de desbaratar


os planos de meu irmão.

Sophia a observou com cautela. Embora fossem amigas


há certo tempo, estas flutuações extremas de humor sempre
a deixavam desconfortável.

— E como pensa fazê-lo? — perguntou.

Letitia sorriu de orelha a orelha.

— É fácil. Você irá a Londres comigo.


Capítulo 3
Os homens não são as únicas criaturas

enganadas por um belo par de olhos e um rostinho bonito.

A união desafortunada, de uma dama arrependida.

Preso!

Julian se sentia assim enquanto contemplava a chuva


caindo pela janela estreita. Embora sua carruagem não
necessitasse de uma roda nova, os caminhos que rodeavam a
casa de campo estavam cobertos de lama e os buracos
cobertos de água. Seus cavalos estariam cansados antes que
chegassem às cocheiras da Casa Grande.

Estava preso ali, na casa de Sophia, e à sua mercê.

Por enquanto, ela ainda não se aproveitara da situação.


De fato, quase não tinha visto a anfitriã. A Senhora Ellis
tinha lhe indicado onde o esperava um banho fumegante,
cortesia da Marquesa. A roupa de Julian secava diante de um
agradável fogo e ele entrou em uma banheira com água
divinamente quente.

Seco e tão quente quanto se podia estar em uma casa


com tantas correntes de ar frio, caminhou por um tapete
descolorido e tão gasto que em alguns pontos se viam as
pranchas do chão, e se perguntou uma vez mais por que o
cunhado de Sophia lhe permitia viver em tão más condições.
O que ela poderia ter feito para merecer isso?

E o que era mais importante, por que ela parecia tão


assustada quando ele mencionara seu cunhado?

Não, aquilo não lhe dizia respeito. Não lhe importava


que em sua casa houvesse correntes de ar. Não lhe importava
que sua roupa estivesse fora de moda e que parecesse
assustada. Aquela mulher era só uma pálida sombra da
criatura vibrante que tinha conhecido. Só quando o olhou
direto nos olhos e lhe disse que não o queria em sua casa viu
o deslumbre da garota que um dia havia...

A garota que havia... o que? Desejado? Admirado?


Amado?

Em frente à janela, com o calor do fogo nas suas costas


e contemplando a chuva que caia, Julian pensou na época
em que Sophia quase conseguira seu intento nupcial. Fazia
muito tempo que não pensava nisso, desde que tudo aquilo
tinha ocorrido, mas surgiu em sua mente com uma clareza
inesperada.

Ele se apaixonou por Sophia durante sua primeira


apresentação na sociedade. Entre um buque de delicadas
rosas inglesas, ela era como uma orquídea exótica. Sua
herança espanhola fazia com que se destacasse entre as
outras debutantes. Não pode afastar seu olhar dela. A pouca
confiança que tinha em si mesmo se dissipava ao se
aproximar dela e isso o irritava. Afastar-se o quanto pudesse
da presença dela se tornou habitual, embora invejasse os
homens que a convidavam para dançar.

Continuou evitando-a durante duas temporadas sociais.


E a fama de moça decidida e explosiva se consolidara. Julian
já tinha visto vários de seus amigos caírem em ridículo graças
a Sophia e não queria ser o próximo. O que mais podia fazer?
Era calado e mal-humorado. Escrevia poesia. Ela era vibrante
e alegre e parecia sofisticada demais para se impressionar
com seus versos.

Assim, quando ela se dirigiu a ele em um baile e lhe


perguntou descaradamente por que nunca a convidara para
dançar, ele gaguejou algo tolo, nem se lembrava o que.

Sophia o fitara com os olhos enormes, insondáveis e lhe


perguntou se queria dançar. Ele dissera que sim.

Dançaram duas vezes nessa noite. Ele pediu na segunda


vez. Embora soubesse bem onde poderia levar o pedido
inocente, sabia sem dúvida que o risco de tê-la entre seus
braços valeria a pena, pois quando estava em sua presença,
era a única coisa que podia fazer.

Ela fazia com que se sentisse um homem.

Uma batida na porta do aposento o devolveu ao


presente. Voltou-se, com pavor, mas também com vontade de
ver Sophia.

Era Letitia.

— Sim?
Sua retirada estratégica tinha durado menos do que ele
teria imaginado.

Fechou a porta. Sua irmã usava um vestido de seda


marrom escuro e estava muito elegante. Letitia era tão
parecida com sua mãe que às vezes Julian sentia um nó na
garganta. Também tinha muito da bondade de sua mãe,
ainda mais quando não era tão teimosa.

— Estive pensando — disse-lhe, enquanto levantava seu


olhar indeciso fitando-o.

Que plano teria urdido agora?

— Em que?

Apertou as mãos diante da saia.

— Sobre minha ida a Londres. Eu o acompanharei de


bom grado com uma condição.

Ah, ela o acompanharia e ponto. Se a morte de Miranda


lhe tinha ensinado algo era a ser firme com sua irmã caçula.

— E qual é? — perguntou com curiosidade, enquanto


apoiava o ombro contra o batente da janela.

— Quero que Sophia nos acompanhe.

Sua irmã não fazia ideia do que pedia.

— Não.

Letitia enfrentou a simples declaração levantando o


queixo de modo desafiante.

— Pois então, não irei.


Maldição! O que queria? Que ficasse violento? Julian
passou a mão pelos cabelos e contou em silencio até dez.

— Irá. — insistiu com os dentes apertados — Nem que


eu tenha que carregá-la até lá.

Sua irmã corou, mas não recuou.

— Também vai me obrigar a dançar nos bailes? Ou vai


me trancar no quarto para me impedir de conhecer outras
pessoas? Não pode me obrigar a fazer tudo o que quer,
Julian. Ninguém pode me obrigar a dizer "Sim, aceito". Nem
mesmo você.

Nisso ela tinha razão, e o sorriso de satisfação no rosto


de sua irmã refletia que sabia.

— Nunca a obrigaria a se casar com um homem que não


pudesse aprender a amar, Lettie, e você sabe disso.

Ao ouvir suas palavras, ela sorriu.

— Mas deixará esta casa assim que pudermos, e Lady


Aberley não nos acompanhará e ponto. — continuou Julian,
olhando-a fixamente.

O rosto de Letitia se tornou uma mistura de lágrimas e


fúria. Por um segundo, Julian pensou que Letitia romperia a
chorar ou a que ela lhe lançaria algum objeto próximo, mas
antes que pudesse fazer algo, bateram a porta.

— Entre. — disse.

A Senhora Ellis surgiu a porta.

— Perdoe, Milorde, mas a Marquesa quer que lhe diga e


a Lady Letitia que os espera na sala antes do jantar.
Sophia estaria querendo fazer as pazes com ele? Ah!
Estava claro que essa amostra de hospitalidade era por
Letitia.

— Obrigado, Senhora Ellis. — respondeu com um


sorriso. — Diga a Lady Aberley que minha irmã e eu
desceremos imediatamente.

— Não irei a lugar algum com você. — informou-lhe


Letitia depois que a governanta se retirou.

Julian se virou e a olhou compungido. Acaso pensava


que ele a privaria do que queria? Por mais de uma década
tinha sido mãe e pai para ela. Dera-lhe tudo o que estivera ao
seu alcance, por maior ou menor que fosse. Talvez esse fosse
o problema. Letitia estava acostumada a conseguir o que
queria, mas dessa vez ele não cederia.

— Muito bem. — disse. — Pois pedirei a Lady Aberley


que mande subir uma bandeja com o jantar no quarto das
crianças. Se quiser se comportar como uma menina
malcriada, a tratarei como tal.

Se fosse possível matar com um olhar, teria caído morto


naquele mesmo instante com o olhar furioso de sua irmã.

— Às vezes eu odeio você de verdade. — sussurrou.

Sabia que estava zangada com ele, e não era a primeira


vez que lhe dizia isso, mas doeu assim mesmo.

— Eu sei. — respondeu ligeiramente triste. — Me


acompanha até a sala de jantar?
Ela ignorou o braço que lhe oferecia na porta e passou
diante dele com a altivez de uma rainha que repudia
camponeses. Abafando um suspiro, Julian não insistiu e
deixou o quarto atrás dela.

Por que sempre o fazia parecer mal? Por que não podia
ver que ele só desejava o que era melhor para ela? Queria que
sua irmã fosse feliz, que tivesse um marido amoroso e lindos
filhos. Ou acaso ela tinha outros planos? Esse era o momento
certo para formar uma família.

Além disso, ele queria refazer sua própria vida, e


ultimamente Julian sentia um impulso ansioso por fazê-lo.
Nos últimos anos tinha sido testemunha do casamento de
seus dois melhores amigos. Invejava a felicidade de Brave e
Gabriel, ele também queria sentir tal felicidade, mas primeiro
tinha que cuidar da felicidade de Letitia. Não viveria para
sempre e tinha que estar seguro de que alguém cuidaria dela
se acontecesse algo a ele.

O lógico seria que Sophia incentivasse Letitia a se casar,


e a casar-se bem. Ela mesma caçara um marido rico e
acabara sendo Marquesa. Devia sentir-se satisfeita, por
Julian não lhe propor casamento, se o tivesse feito, só seria
Condessa.

Mesmo agora sendo uma viúva solitária em uma casa


caindo aos pedaços, será que valera a pena?

Na porta da sala, endireitou o casaco, que felizmente


agora estava seco, e passou os dedos pelos cabelos. Fez uma
careta de dor pois estava meio embaraçado. Maldição. Os fios
eram grossos e rebeldes, em sua opinião.

Ao entrar na sala, Sophia encontrou seu olhar com uma


expressão que parecia de pânico. O cérebro de Julian quase
não teve tempo de registrar esse detalhe nem o quão bonita
estava com seu vestido de noite escuro antes de dar-se conta
de que não era o único homem na sala.

Charles Morelle, o atual Marquês de Aberley, seguiu o


olhar de sua cunhada e lançou um sorriso a Julian que era
tão falso, quanto pouco acolhedor.

— Wolfram, — saudou-lhe o Marquês com


tranquilidade. — Alegro-me por vê-lo de novo.

— Digo o mesmo. — respondeu Julian com um ligeiro


sorriso.

Charles estava muito perto de sua cunhada e todos os


detalhes de sua postura e expressão deixavam perfeitamente
claro que considerava Sophia e todas suas suaves curvas
como sua propriedade.

Seria essa a razão que pela qual Sophia parecia tão


angustiada quando entrou na sala? Não queria que ele
descobrisse que acontecia algo entre ela e o irmão de seu
falecido marido? Morelle seria seu amante?

A ideia lhe deixou um gosto amargo na boca.

Com discrição, Sophia abriu espaço entre ela e Charles.

— Lorde Wolfram, alegra-me que tenham decidido jantar


conosco.
Julian arqueou uma sobrancelha, obrigando-se a fitar o
belo rosto e não a carne macia exposta pelo decote do vestido.
Acaso pensava que passaria a noite em sua casa?

— Obrigado pela hospitalidade, Lady Aberley. Espero


que a inconveniência de minha presença não cause
transtornos.

Era sua imaginação ou corou com essas palavras?

— Bem, — disse Sophia finalmente, depois de um breve


e incômodo silêncio. — Nos acompanha?

Aberley se adiantou, ficando ao lado de Sophia e lhe


oferecendo o braço. Julian notou a hesitação de Sophia em
aceitar. Parecia querer manter distância do Marquês. Ou
Sophia se tornara uma grande atriz ou não queria que o
cunhado a tocasse.

Julian apostava na última opção. Charles Morelle era


um homem atraente. Não era tão alto ou robusto quanto
Julian, mas o Marquês, alto e loiro tinha o físico de um
esportista, algo que muitas mulheres achavam atraente.
Certamente Sophia não era imune a ele.

Cada vez mais se antipatizava com o Marquês.

De fato, ao entrar no salão de jantar, pensou que Sophia


e Charles faziam um belo par, assim como tinham feito ela e
o falecido Marquês. Parecia que pertenciam um ao outro, e
estava claro que Charles se sentia atraído por Sophia. A fome
em seus olhos ao fitá-la era inequívoca.
Mas por que Sophia parecia estar em dificuldades
quando supostamente era amante de um homem rico?

Não! Não era assunto dele. No dia seguinte, quando ele e


Letitia estivessem a caminho de Londres, não pensaria em
Sophia nem em seu amante. Podiam até fazer amor na mesa
de jantar, se quisessem.

Mas quando Julian imaginou Sophia nua se retorcendo


e gemendo sobre a superfície de carvalho polido, não era
Charles Morelle a quem via preparado para devorá-la com
desespero.

Santo Deus! Que diabos tinha na cabeça? Como podia


imaginar em fazer amor com a mulher que mais desprezava
na face da Terra? Uma mulher que um dia acreditara amar.
Nunca culminou sua relação física com Sophia como tinha
desejado no passado. Possivelmente fosse por isso que agora
tinha esses pensamentos. É.... só podia ser isso.

Sophia se sentou em um extremo da mesa e Charles no


outro. Agora que tinham vários metros e a porcelana entre
eles parecia muito mais relaxada. Ela esperava poder
esconder ojeriza que lhe provocava a forma como Charles a
olhava? Teria que ser cego para não vê-lo.

O jantar era informal. Cada um se servia das baixelas e


terrinas que havia sobre a mesa e o aparador que tinha ao
lado. A comida era simples, mas deliciosa e Julian deu
Graças a isso, então não falaram muito.

— Amanhã pretende partir rumo a Londres, Wolfram?


— perguntou Charles com a boca cheia de pão.
Depois de pousar o garfo sobre o prato, Julian assentiu.

— Sim.

Não se incomodou em acrescentar que se precisasse,


roubaria uma carruagem.

O Marquês pareceu alegrar-se ao ouvir isso.

— Que pena, certamente Lady Aberley sentirá falta da


companhia de sua querida irmã.

Se era uma pena, por que parecia tão contente com a


partida deles?

— Convidei Lady Aberley a vir conosco, — respondeu


Letitia, cravando em Julian seu olhar rebelde. — Mas alegou
não ter meios de nos acompanhar.

Esse anúncio pareceu surpreender tanto Charles quanto


a Julian.

— Mas se quiser ir a Londres, basta pedir.

Havia uma ligeira insinuação no tom de Charles, um


toque de intimidade que insinuava o poder dado a Sophia de
conseguir tudo o que quisesse sempre que o pedisse
corretamente.

Com seu corpo.

Queria esmurrar o rosto do Marquês. Como ele se


atrevia a ser tão descarado diante de Letitia!

Mas Letitia não se deu conta. Estava muito ocupada


movendo a comida de um lado a outro no prato com o garfo.
Julian observou Sophia. Parecia que estava a ponto de
lançar algo pesado em seu cunhado. Julian esperava que o
fizesse. Queria que rebatesse a insinuação de que Charles a
conhecia mais intimamente do que deveria o irmão de um
marido.

Mas ela se limitou a segurar forte a faca e o garfo com as


mãos. Julian estava tão decepcionado que sentiu como se
uma adaga lhe cravasse no peito.

— Não quero ir a Londres. — respondeu amavelmente.

Só um breve brilho nos olhos delatava sua ira. Dirigiu-


se a Julian, com o rosto inexpressivo.

— Senhor, imploro a que não pense que queria um


convite para acompanhá-los.

Em outras palavras, não queria estar na mesma cidade


que ele, e muito menos na mesma casa. Não devia se
importar, mas lhe importava. Aquilo o fazia pensar que nunca
fora uma parte importante na vida dela, que só o quisera pelo
seu título e fortuna. Certamente pensava que ele não passava
de um tolo.

Julian esboçou um sorriso.

— É claro que não, — respondeu sentindo uma estranha


pressão no peito. — Jamais me passaria pela cabeça.

*******

Sophia precisava beber algo.


Depois de colocar a pesada escova prateada na
penteadeira, Sophia se levantou do tamborete acolchoado,
pegou o xale de seda aos pés de sua cama e o colocou sobre a
camisola. Não aqueceria muito, mas era tudo o que tinha.
Edmund não gostava de vê-la usando tecidos pesados e
quentes como o veludo. Escondiam muita carne, e ele queria
ver e tocar tudo que fosse possível.

A ideia de encontrar Julian usando essa roupa de


dormir era motivo suficiente para se esconder debaixo dos
lençóis, mas não permitiria que a presença de Julian em sua
casa interferisse com seus costumes habituais. Iria até a
saleta que usava como biblioteca e se sentaria junto à lareira
para desfrutar de uma taça de vinho e ler.

Não era provável Julian tropeçar com ela em seu


santuário e ainda mais que ficasse, se fosse o caso.
Certamente estaria em seu aposento escrevendo um desses
poemas mal-humorados ou dormindo, com os pés
pendurados fora da pequena cama.

Sophia sorriu diante do pensamento. Imaginou os pés


grandes, descalços e azuis de frio, para fora da cama, e ele
tremendo de frio a noite toda.

Infelizmente, também imaginou as pernas nuas que


seguiam os pés. E ao pensar nas pernas nuas, imaginou todo
o resto, também sem roupas.

— Estúpida! — resmungou agasalhando-se ao xale. Esse


homem tinha invadido sua casa, praticamente a tinha
acusado de tentar corromper a irmã, e como ela reagia?
Imaginando-o nu! E nem sequer podia imaginá-lo feio e
disforme. Tinha que imaginá-lo tão perfeito e bem
proporcionado como só Julian Rexley podia ser.

Era humilhante, degradante e simplesmente estúpido.


Devia haver alguma má índole em seu caráter que a fazia ter
pensamentos tão indecorosos quando se tratava de Julian.
Talvez uma parte de sua natureza tenha sido reprimida em
seu casamento. Edmund fora o único homem que a
conhecera tão intimamente, apesar de tudo o que tinha
tentado com Julian antes. Acreditou que satisfazendo o
desejo sexual de seu marido acabaria com esses
pensamentos, mas só parecia ter piorado. Sabia o que um
homem podia fazer com uma mulher, o prazer que podia lhe
dar, e só foi colocar os olhos em Julian bastou para desatar
sua imaginação sobre esse deleite.

Só de pensar nisso, sentia um formigamento em lugares


que há muito tempo não estremeciam.

Sophia abriu a porta de seus aposentos e caminhou nas


pontas dos pés pelo corredor escuro, evitando instintivamente
cada tábua ou degrau que rangiam no caminho à biblioteca,
onde a aguardava o fogo que a Senhora Ellis sempre lhe
preparava. Às vezes, a boa Senhora lhe deixava uma taça de
vinho quente temperado.

A porta da biblioteca chiou um pouco quando a abriu. A


luz e o calor do fogo lhe deram as boas-vindas ao entrar.
Estar nesse canto da casa era como estar em outro mundo,
pois era muito diferente do resto da residência. A biblioteca
com seus livros fazia as correntes de ar, o piso irregular e as
velhas lareiras, algo mais fácil de suportar. Esse pequeno
lugar lhe dava a força necessária para resistir caso Charles
lhe lançasse mais uma carga.

Depois de fechar a porta, Sophia se dirigiu a sua


cadeira e ficou gelada.

Julian Rexley estava sentado em sua cadeira favorita,


com um livro em uma mão e a sua taça de vinho temperado
na outra. O atrevido usava a camisa aberta no pescoço,
expondo sem parcimônia desavergonhadamente o peito
bronzeado e os pelos encaracolados que o cobria, as calças,
cujo tecido se colava a suas pernas musculosas, sendo que
uma delas descansava acintosamente sobre o braço da sua
cadeira preferida. Estava descalço e ao ver fugazmente a pele
peluda, Sophia lembrou-se do que estivera pensando em seu
quarto. Pensamentos que agora levaram seu olhar ao grande
vulto entre as pernas dele. Sua pulsação disparou e lhe faltou
o ar.

De alguma forma, conseguiu levantar o olhar e lhe fitar


o rosto antes de desabar completamente, observando-o como
se fosse uma mulher sedenta e ele a água. Julian a fitou em
espera, como se convencido de que ela estava ali só para
apanhá-lo como uma fruta madura.

Até onde eles podiam chegar!

— Saia daqui.

Embora as palavras ainda soassem em sua cabeça, não


podia acreditar que as tivesse pronunciado realmente.
Sophia gravou para sempre a expressão de Julian na
memória como uma das imagens mais gratificantes de sua
vida. Ele levantou as sobrancelhas espessas e escuras,
enrugando a fronte e arregalando os olhos, como se tivesse
levado uma chicotada.

— Como?

Parecia não saber se explodia irritado ou caia na


gargalhada.

Sophia sabia que se ela já tinha começado, assim não


podia recuar. Aprumou-se em toda sua altura e dignidade,
encontrou seu olhar escuro sem se alterar.

— Parece que não bastou ter entrando em minha casa


sem convite, Lorde Rexley, e obrigando-me a hospedá-lo em
meu lar, agora tenho que suportar sua presença zanzando
em lugares de minha casa sem minha autorização e ainda o
encontro se refestelando com o meu vinho.

— Não estou zanzando. — interrompeu-a com o rosto


risonho, sustentando o livro na mão. — Estou lendo, minha
Senhora.

Sophia sentiu como seu rosto arder. Acaso o Conde se


atreveria a tentar ridicularizá-la? Bem, não permitiria.

— Está sentado em minha saleta, em minha cadeira –


continuou irritada. — E está bebendo o vinho que foi
preparado para mim.

Deixando o livro de lado, Julian se levantou. Era tão


alto, esbelto e tão perturbador. A lembrança de um lobo que
tinha visto em uma exposição de animais exóticos. Alto e
esbelto, o animal parecia mais um cão de estirpe do que um
animal selvagem. Mesmo não tendo tocado na fera, Sophia
sabia que a mataria sem hesitar se a considerasse uma
ameaça.

O que poderia lhe fazer Julian Rexley se a considerasse


uma ameaça?

— Perdão, Senhora. — disse em um tom enganosamente


suave. — Não sabia. Há mais vinho e outra taça, se lhe
apetecer.

— O que quero é um pouco de paz e tranquilidade,


Senhor. — respondeu ela mal-humorada diante do
comportamento cavalheiresco dele. — Não pode pegar seu
livro, o vinho e sair de minha saleta?

Ele fez uma careta com os lábios que lhe deu um ar


infantil e ainda mais atraente. Certamente tinha ensaiado a
expressão muitas vezes diante do espelho.

— Aqui faz menos frio, minha Senhora.

Uma onda de culpa atingiu Sophia. O Conde tinha


razão. Seus aposentos eram na parte menos usada da casa, a
área mais fria.

Apesar do que tinha pensado antes, não queria que ele


congelasse até adoecer, e ter que suportar a presença dele
por mais tempo.

— Pois então fique. — Por Deus! Não tinha muita


escolha senão ceder. — Saio eu.
— A saleta não é tão pequena assim, minha Senhora. —
disse o Lorde abruptamente quando ela se dispunha a sair.
— Não podemos ao menos, tentar compartilhá-la?

Santo Deus! Esse homem conseguia mudar de lobo


para cordeiro num piscar de olhos. Era tão teimoso e resoluto
quanto uma mula. Por que a queria ali, estaria tramando
algo?

Sem mostrar receio e postura ameaçadora, observou-o.


Parecia indeciso ao encontrar seu olhar. Acaso queria que ela
lhe fizesse companhia? Não! Não, isso era impossível. Tinha
ódio e desprezo por ela, na verdade até mais do que ela sentia
por ele. Maldição!

Sophia levantou uma sobrancelha.

— Não posso me imaginar compartilhando algo com


você.

Espantosamente tinha escolhido mal as palavras, pois


estas evocavam todo tipo de imagens luxuriosas, as carícias e
segredos que um dia tinham compartilhado.

Julian inclinou a cabeça de lado, não parecia estar de


acordo com ela.

— Acredito que já tenhamos compartilhado algo.

— O que?

Isso mesmo, o que. Um passado? Uma sensação


incômoda e de alguma forma estranhamente atraente havia
quando um estava por perto do outro?
Julian abrandou a expressão, revelando um pouco de
vulnerabilidade.

— O afeto por minha irmã.

Ah! Não era o que tinha esperado.

— Então crê que sinto um afeto real por Letitia? Que


não a corromperia com minha perversidade?

Ao apertar os lábios, Sophia soube que a ideia tinha lhe


passado pela cabeça e que não a descartava de todo.

— Minha irmã é uma jovem complicada, Lady Aberley,


— respondeu. — Deve gostar dela, porque do contrário, uma
mulher de sua categoria não perderia tempo estando em sua
companhia.

Algo no coração de Sophia começou a doer. Que


canalha! Parecia sempre saber o que dizer para conseguir
dela, a reação que queria.

— Bem...

Incapaz de continuar olhando seus olhos brilhantes,


Sophia baixou o olhar e se concentrou no pescoço. Podia
distinguir os músculos e tendões ao se moverem, e o pomo de
adão desaparecia ligeiramente ao engolir. Lembrou-se da
sensação daquela pele quente e salgada em seus lábios, a
suave pressão da barba incipiente contra sua face...

Corada de vergonha, voltou a fitar-lhe o rosto


bruscamente. Julian a estava observando com uma
expressão de excitação comedida, como se soubesse
exatamente o que estava pensando e estivesse tentando deter
sua própria reação.

Por Deus! Ele também sentia o mesmo! Talvez se


estivesse ali outro homem, Sophia não o teria visto tão
claramente, mas ela e Julian nunca se incomodaram em
esconder o desejo que sentiam um pelo outro no passado, e
por isso nem ele e nem ela podiam esconder nesse momento.
Se ela podia ver com tanta clareza em seus olhos, sem dúvida
ele também podia ver nos dela.

Ah, não!

Aquilo não podia estar acontecendo. Era absurdo! Não


podiam sentir tanto ódio um pelo outro e se desejarem dessa
maneira! Era perverso.

— Tinha me esquecido de como fica bonita com os


cabelos soltos.

O Conde disse sussurrando, mas as palavras sacudiram


Sophia de cima abaixo. Ela odiava seu cabelo e ele sabia. Era
grosso e muito liso, e tão pesado que se lhe cresciam além da
cintura, o peso lhe dava dor de cabeça.

— A última vez que me viu com os cabelos soltos o


Senhor arruinou minha vida.

Foi a única coisa que lhe ocorreu dizer para aliviar a


tensão entre os dois. Desprezar Julian era mais seguro,
desejá-lo seria um erro colossal.
— Lembre-se de que nos pegaram com minhas calças
arriadas. — O ardor em seu olhar esfriou. — Você também
me arruinou.

Sophia supôs que se referia à reputação dele que não


tinha saído ilesa tampouco, mas havia algo mais profundo em
sua voz, como se quisesse dizer que também o tinha
arruinado porque não queria mais outras mulheres.

Encontrou seu olhar e a tensão no ventre de Sophia se


intensificou.

— Só queria ser sua esposa.

— É mesmo?

Disse-o de maneira tão acusadora que Sophia teria que


ser uma completa estúpida para não entender o significado
das palavras. Não era nenhum segredo que ele pensasse que
ela tentara apanhá-lo. O que lhe doía foi entender que ele não
queria que Sophia o apanhasse.

— Bem, pois graças a Deus não o consegui. —


respondeu com a voz pouco natural devido à emoção. —
Certamente acabaria arrependida por me unir a você.

Ele teve a audácia de sorrir diante dessas palavras, com


uma careta que zombava da sua dor.

— Talvez alguns aspectos nessa união tivessem se


tornado bem agradáveis. — continuou com um olhar que não
negava o desejo carnal sentido por ele no momento.

Um inferno desatou sob a pele de Sophia. A indignação


e a atração sexual se digladiavam e estavam a ponto de
explodir. Mas não sentia vergonha. Teria sido mais fácil odiá-
lo, ou odiar a si mesma, do que sentir um fiapo sequer de
vergonha.

Quando ela inspirou fundo, o peso do olhar de Julian se


deteve sobre seus seios.

— É um pouco tarde para os remorsos, não acha?

Os olhos cor mel claro o fitaram. Já não havia sorriso ou


algum traço de emoção.

— Não tenho nenhum remorso.

Acalorada, Sophia deu meia volta para se retirar. Que


esse imbecil ficasse com sua biblioteca. Pela manhã ele
partiria e lhe diria adeus.

A voz de Julian a deteve antes que pudesse dar um


passo.

— Você e Aberley são amantes?

Pasma, surpresa e irritada até a medula, Sophia só pôde


encará-lo boquiaberta.

— Pelo amor de Deus! O que o faz pensar que minha


vida particular é de sua alçada? — perguntou apertando os
punhos com força de ambos os lados do corpo.

Os olhos de Julian se iluminaram. À luz do abajur os


tornava claros e quentes, mas Sophia sabia que na verdade
eram quase tão ambarinos e perigosos como os de um lobo.
Ele avançou um passo, com os lábios tão sensuais esboçando
um sorriso cheio de confiança.
— A Senhora costumava ter um gosto mais apurado. —
disse com voz áspera.

Sophia o olhou fixamente, não sabia se ria ou gritava


diante de tanta presunção, arrogância e estupidez masculina.

Com o que esperou ser uma expressão altiva,


respondeu.

— De fato, mas meu gosto se aprimorou com o passar


do tempo.

O maldito homem pareceu se divertir mais do que se


sentir ofendido. Avançou mais um passo.

— De fato, Senhora?

Com os nervos a flor da pele e sinais de advertência


explodindo em sua mente, Sophia deu um passo atrás e se
chocou com uma cadeira. Sua ação não passou despercebida.
Julian sorriu de maneira ainda mais devoradora e deu um
passo mais a frente.

Envergonhada por deixá-lo ver o quanto a afetava,


Sophia levantou o queixo de modo desafiante.

— Sim. Já não sou tão estúpida como era na juventude.


Quero algo mais que um rosto bonito para me chamar a
atenção.

— É mesmo?

Ele estava tão perto que podia sentir seu cheiro


almiscarado de homem, o cheiro tão característico de Julian
e.... Lavanda? Claro, a Senhora Ellis lhe tinha preparado um
banho. E o único sabonete bom o bastante para um nobre
naquela casa era o de Sophia. Era inquietante e excitante
sentir sua própria fragrância misturada ao cheiro natural da
pele dele.

— É claro.

Continuou observando-o, apesar de estar perto o


bastante para tocá-lo se quisesse, tão perto, e queria que
estivesse mais perto ainda, embora seu cérebro lhe dissesse
que devia sair correndo.

— E você?

Julian inclinou a cabeça de novo.

— Creio que meu gosto também melhorou bastante.


Embora tema que de certo modo ainda sou tão estúpido
quanto antes.

Com o coração pulsando frenético contra as costelas,


Sophia só podia observá-lo enquanto aproximava a cabeça da
sua. Contra a própria vontade, Sophia fechou os olhos
quando o doce calor de seus lábios tocou os dela.

Era uma sensação tão agradável que quase doía. Não


tentou colocar a língua na boca dela como Charles forçou sua
entrada quando a agarrou de surpresa no salão. Parecia
satisfeito apenas tocando os lábios contra os seus,
capturando primeiro o lábio superior e depois o inferior entre
os seus, provocando-a com a quente doçura do vinho de seu
hálito, enquanto a levava mais e mais profundamente a dor
inexplicável que ameaçava envolvê-la. E ela se deixava
envolver com sofreguidão.
De repente, uma explosão de raiva explodiu no peito de
Sophia. Levantando as mãos, colocou as palmas contra a
solidez quente de seu peito. O coração dele pulsando
violentamente contra as costelas, tão forte e rapidamente
quanto o seu. Sentir o efeito que tinha sobre ele era mais
excitante que qualquer beijo.

Reuniu todas as suas forças para empurrá-lo.


Respirando ofegante, com o corpo quente e ardente sob a
camisola e o xale, Sophia o olhou fixamente e esperou não
desabar no chão e mostrar o que ela queria com avidez.

O olhar de enevoado não lhe ajudava muito levar a cabo


seu propósito, mas de algum modo conseguiu se desvencilhar
e manter certa distância. Ele passou a língua por todo o lábio
inferior, sem dizer uma palavra, seus olhos expressavam
exatamente o que estava fazendo.

Estava saboreando o gosto dos lábios de Sophia. Um


desejo escaldante lhe desceu para o ventre, produzindo calor
entre suas coxas, e essa parte de seu corpo sem se importar
com sua cabeça, gostando ou não de Julian, essa parte em
particular definitivamente gostava dele.

— Fui tola uma vez, Lorde Wolfram, mas não tenho


nenhuma intenção de repetir minha estupidez outra vez. —
sussurrou.

Ele era um lobo, mas ela não tinha nenhuma intenção


de ser o cordeiro.

O Conde não respondeu. Simplesmente a olhou com um


olhar indecifrável. De algum modo, ela conseguiu afastar seu
olhar. E enquanto saia da saleta não pôde evitar pensar,
embora não fosse um cordeiro, ainda se considerava uma
presa.
Capítulo 4
Quase sempre as melhores escolhas são as

que tomamos quando não temos tempo de reconsiderar a situação.

A união desafortunada, de uma dama arrependida.

Finalmente, Julian voltou aos seus aposentos depois de


passar uma longa e incômoda noite sem pregar o olho, na
cadeira favorita de Sophia. Embora não tenha passado toda a
noite na biblioteca esperando que Sophia voltasse, não
estaria mais confortável nessa cama estreita e fria.

De fato, enquanto ajeitava a gravata enrugada no


pescoço, pensava que provavelmente estaria ainda mais
desconfortável. Na verdade passara quase toda a noite
pensando no corpo de Sophia e em como o sentiria sob o seu,
sobre o seu, ao lado do dele.

Como Sophia conseguia ter esse efeito sobre ele?


Pensara que tinha apagado qualquer tipo de sentimento
estúpido há anos. Mas estava claro que não conseguira. A
noite anterior era prova disso. Acabara por revelar sua
atração por ela, e a própria desaprovação neste sentido, a
propósito. Quisera fazê-la sentir tão mal quanto ele. Tinha
funcionado, mas não como ele esperava. Deu-se conta de que
ela também o desejava e isso só tinha aguçado seu apetite.
E então, quando ela tentou sair, ele deveria ter
permitido que se fosse, mas não, ele não pôde, havia
perguntado se ela e Aberley eram amantes.

A expressão de surpresa e escândalo em seu rosto não


fora falsa, ele tinha certeza. Mas ela não tinha respondido à
pergunta, não é um sim definitivo ou não. Então ele a beijou.
Se realmente fosse a mulher que acreditava ser, teria
correspondido ao beijo e o teria convidado a prosseguir, mas
não aceitara o beijo e depois deteve a situação.

Sua recusa tinha doído. Não que fosse um dissoluto de


primeira ordem, mas quando decidia beijar uma mulher
sempre acabava na cama com ela. Só com Sophia não havia
chegado tão longe.

Depois de se vestir, Julian desceu as escadas tão


silenciosamente quanto permitiram as tábuas rangentes do
piso. A Senhora Ellis já estava de pé começando sua jornada
de trabalho quando entrou no pequeno vestíbulo. Entregou-
lhe sua capa, o chapéu e indicou que caminho devia tomar
para chegar à casa grande e verificar como estava sua
carruagem.

— Sua irmã trouxe muita alegria a esta pequena casa de


campo, Senhor. — disse a Senhora Ellis com entusiasmo
enquanto entregava seu chapéu. — Alegra-nos muito que
Lady Wickford a tenha apresentado a Lady Aberley.

Julian forçou um sorriso. Então Lady Wickford era a


responsável por esta derrota?
Julian se despediu e saiu. A manhã estava cinzenta,
mas decidiu que perguntaria a sua velha amiga como tinha
acontecido tudo.

O caminho para a casa grande era um breve passeio


pelo bosque. Limpo e aplainado, era óbvio que a pequena
trilha era usada frequentemente. Aberley costumava
esconder-se ali à noite para ter melhor acesso aos aposentos
de Sophia? Ou Sophia percorreria com descaramento o
caminho durante o dia para um encontro com o amante?

Antes que pudesse vir outra imagem desagradável à


cabeça, um servo o saudou quando entrou nos estábulos.

— John acabou de ir ao povoado a procura de uma roda


nova, Milorde. — disse o homem. — Sua carruagem estará
pronta ainda nesta manhã.

— Excelente.

Alegrou-se ao ouvir as palavras. Sentiu também uma


pequena decepção, mas certamente era porque não podia se
afastar de Sophia neste mesmo instante.

O passeio até a casa de Lady Wickford era agradável. A


terra estava macia pela chuva do dia anterior, mas não
estava enlameado. A terra tivera a noite toda para secar e,
além disso, o sol começava a despontar no horizonte. Com
algumas horas de sol a mais, o caminho estaria
completamente seco em breve. Ele e Letitia estariam em
Londres para o jantar.

Quando entrou na sala de café da manhã de Lady


Wickford, Julian teve certeza de que a pequena briga entre
Letitia e ele facilmente se solucionaria. Quando estivessem
em Londres, sua irmã entraria na sucessão interminável dos
eventos sociais e esqueceria Sophia Morelle e Julian poderia
se concentrar em tornar a irmã uma mulher casada e feliz.

— Wolfram, querido! O que traz você por aqui à esta


hora tão inoportuna? — Phillippa Markham-Pryce, a
Condessa de Wickford, estava sentada em frente a uma
pequena mesa, bebendo chá. Tinha cerca de sessenta anos e
era de constituição robusta e com seios avantajados. Seus
olhos de um azul pálido brilhavam com bom humor e alegria
pela vida, o que lhe parecia estranho de ver em alguém com
mais de trinta anos. Tinha um conhecimento do mundo que
às vezes era surpreendente, sobretudo quando falava de
coisas que nenhuma senhora respeitável deveria saber.

— Já sabe por que estou aqui, não? — advertiu-lhe com


uma severidade fingida enquanto se inclinava para beijar sua
face suave e pálida.

Lady Wickford fora uma boa amiga de sua avó por parte
de mãe e estava presente em todas as lembranças de Julian.

Deixando-se cair na cadeira mais próxima à dela, Julian


se serviu de uma fatia generosa de presunto e a mordeu
enquanto esticava as pernas.

— Ontem descobri que minha irmã está na casa de Lady


Aberley. E hoje descubro que se conheceram graças à
senhora.

O rosto redondo de Lady Wickford não mostrou


preocupação nem arrependimento.
— Pensei que se dariam bem. — respondeu limpando os
lábios delicadamente com um guardanapo. — E tinha razão.

Se aprumando na cadeira, Julian apoiou os cotovelos


sobre a mesa e passou a mão pelo rosto.

— Sophia Morelle é falsa e de pouca confiança, é uma


má influência para qualquer menina.

Lady Wickford arqueou sua sobrancelha fina.

— Letitia já não é uma menina, Julian.

Brincava com a borda da xícara de chá e os anéis que


usava brilhavam com a luz.

— Além disso, sua opinião sobre Sophia foi adulterada


por um lamentável incidente.

Julian começou a rir incrédulo com descaramento.

— Vi com meus próprios olhos o efeito de sua influência


sobre minha irmã. Letitia não quer ir a Londres comigo sem
ela!

A expressão da anciã se iluminou enquanto lhe servia


uma xícara de café.

— Londres! Será maravilhoso que Sophia os acompanhe!

Julian piscou. Acaso Lady Wickford estava perdendo a


cabeça?

— Não vou permitir que essa mulher seja minha


hóspede.
— E por que não? — perguntou Lady Wickford
aproximando a xícara de seus lábios. — O que Sophia poderia
fazer de errado se os acompanhasse à cidade?

Julian não podia acreditar que estivessem tendo essa


conversa!

— O que poderia fazer de errado? Meu Deus! Por acaso


esqueceu o escândalo em que ela me implicou?

Lady Wickford moveu sua mão enorme no ar.

— Por favor. Ninguém mais se lembra desse estúpido


incidente. Sophia seria sua hóspede e companheira de Letitia,
não teria nada a ver com você. Ou acaso ainda existe atração
entre vocês?

A astúcia de seu olhar fez Julian corar dos pés a cabeça.

— É claro que não!

A condessa se inclinou, como se estivesse a ponto de


revelar um segredo de grande sabedoria.

— É melhor ter seus inimigos por perto, querido. Que


melhor maneira de conhecer as reais intenções de Sophia, se
é que há alguma. Meu querido, se a tiver por perto, mais fácil
será controlá-la, não acha? E pensa em quão feliz e grata sua
irmã ficará se lhe conceder o capricho de ter a amiga ao seu
lado. E quem sabe? Talvez ainda possa tornar Sophia uma
aliada de seus propósitos matrimoniais. Como você mesmo
afirmou, Sophia exerce grande influência sobre Letitia.

Santo Deus! Por que não tinha pensado nisso antes?


Porque tinha estado muito ocupado pensando nos problemas
que Sophia podia lhe causar se os acompanhasse nessa
viagem, mais que nas vantagens. Se realmente era amiga de
Letitia, haveria de querer o melhor para ela, e se ainda fosse
tão mercenária quanto recordava, incentivaria a jovem amiga
a se casar bem. Com algumas indiretas oportunas, podia
ajudá-lo a levar Letitia ao altar.

E se passassem mais tempo juntos, poderia superar


essa atração detestável que sentia por ela, reconciliar o
presente com o passado e mostrar a si mesmo, de uma vez
por todas, que tivera uma imensa sorte de escapar de suas
garras.

— Talvez a Senhora tenha razão. — admitiu. — Talvez


eu não tenha analisado muito bem os prós e contras dessa
amizade.

Lady Wickford sorriu pacientemente. De fato, Julian


imaginou que quase lhe daria alguns tapinhas na cabeça
como sinal de felicitação por finalmente ter entendido seu
ponto de vista.

Letitia ainda estava deitada quando voltou para a casa


de campo. Assim como Sophia, conforme lhe informou a
Senhora Ellis. Por que? Julian não estava seguro.
Subiu as escadas velozmente, inconsciente do ruído que
faziam suas botas sobre as tábuas velhas do piso. Não lhe
importava acordar a dona da casa. De fato, queria fazê-lo,
para deixar de pensar nela estendida sensualmente entre os
lençóis e com as pernas nuas à vista.

Entrou no quarto da irmã sem nem sequer bater na


porta. Ainda mal-humorada e com sono, ela se recostou sobre
os travesseiros.

Julian notou que seu aposento era muito mais quente


que o destinado a ele.

— O que quer? — perguntou Letitia.

— Que se levante, preguiçosa. — ordenou alegremente


lhe lançando o robe. — Vamos a Londres dentro de poucas
horas.

Com o cenho franzido, Letitia permaneceu recostada nos


travesseiros enquanto o robe caia em seu colo.

— Eu não vou.

— É mesmo? Pois isso complica as coisas — respondeu


com austeridade fingida enquanto abria o armário e
começava a esvaziá-lo. — Não sei o que pensarão nossos
criados se Lady Aberley e eu estivermos sozinhos em Londres
e você aqui.

— Como? Julian!

Letitia saltou da cama e se lançou a ele, com os braços


abertos e a camisola esvoaçando.
Julian conseguiu largar os vestidos que tinha nos
braços antes que Letitia o alcançasse. Abraçando-o com
intensidade.

— Oh, obrigada! — disse lhe cobrindo o rosto de beijos.


— Amo você, meu irmãozinho!

Rindo, Julian lhe devolveu o abraço. Todos os receios


que Julian tivera sobre levar Sophia a Londres se
desvaneceram vendo o rosto repleto de felicidade de sua irmã.
Certamente poderia sobreviver algumas semanas sob o
mesmo teto com Sophia, se isso implicasse voltar a ter a irmã
em Londres. De fato, seria improvável ficar a sós com ela, e
estariam tão ocupados com suas vidas sociais que se veriam
muito pouco. O que podia acontecer?

— Ele concordou!

Sobressaltada porque a porta de seu quarto foi aberta


de repente, Sophia quase derramou o café quente sobre sua
camisola. De fato, líquido escaldante lhe salpicou os dedos ao
evitar que a xícara e o pires caíssem sobre o tapete.

Com muita dor, deixou o café na bandeja e limpou os


dedos doloridos com um guardanapo.

— Quem concordou com o que? — perguntou enquanto


Letitia fechava a porta.
Sophia não gostava das manhãs, e nesta se sentia ainda
menos sociável que de costume.

É claro, seu mau-humor nada tinha a ver com o que se


passara na noite anterior, ficara quase a noite toda acordada
pensando em Julian Rexley e sentindo-se excitada e
frustrada. Claro que não.

— Julian! — gritou Letitia inconsciente do mau-humor


de Sophia. — Ele me disse que você virá a Londres conosco!

O coração de Sophia parou literalmente.

— Como é?

Letitia estava quase dançando sobre a cama.

— Não é maravilhoso? É claro que tive de prometer que


seria educada com os cavalheiros de sua lista de candidatos,
mas isso não importa. Não roubarão meu coração, porque ele
é do Senhor Wesley. Mas, qual é o problema? Pensei que se
alegraria.

Sophia a fitou fixamente.

— Que me alegraria? O que a fez pensar que me


alegraria em passar semanas na mesma casa que seu irmão?

Não podia ir a Londres, não com Julian. Em pouco


tempo, as pessoas voltariam a pensar no escândalo. E se
surgissem mais rumores? Se o escândalo manchasse o nome
da família, daria a Charles a oportunidade de forçá-la a
tornar-se sua amante. Letitia ficou gelada.

— Mas, Sophia. Por favor! Como vou poder lutar contra


Julian se não estiver comigo?
Sophia se pôs a rir.

— Querida, seu irmão tem mais possibilidades de


convencer o sol de não se por do que convencer você a fazer o
que não deseja.

O lábio inferior da jovem começou a tremer.

— Precisa vir conosco! Ficarei muito só sem você. É a


única amiga de verdade que tenho!

Desta vez, Sophia sabia que sua amiga não estava


exagerando. Acreditava sinceramente no que dizia e não pôde
deixar de se comover. Mas se de fato sua amiga tivesse razão
sobre Julian? E se o Conde obrigasse Letitia a se casar do
mesmo modo que seu pai tinha lhe obrigado? Não se
perdoaria jamais se isso acontecesse e não ter tido feito nada
para evitar. Letitia era persistente.

— Se vier a Londres, terei alguém do meu lado quando o


Senhor Wesley conversar com meu irmão.

E ela poderia frequentar as festas e os bailes, e Lorde


Aberley não poderá impedi-la!

Fugir de Charles e de seus crescentes cuidados era


atraente, muito atraente. Quando se apresentou para jantar
na noite anterior, tinha deixado muito claro que esperava ela
ceder a seus desejos. E fazia tanto tempo que não tinha ido a
Londres ou a um baile...

— Não tenho vestidos para ir à cidade. — protestou


impondo seu orgulho sobre sua covardia.
Letitia desprezou sua queixa movendo a mão e pondo os
olhos em branco.

— Eu me encarregarei disso. Será um presente por ser


tão boa amiga.

— Nem pensar! — disse Sophia lhe agarrando a mão. —


Não quero ser o objeto de suas obras beneficentes, querida!

Em vez de se sentir ofendida, Letitia riu.

— Sophia! É tão tola! Acaso não gostaria que meu irmão


cubra seus gastos, pois acho muito justo que ele sofra esse
castigo, afinal ele se comportou muito mal enquanto esteve
sob seu teto.

Isso era tentador, por mais tortuoso que fosse. Sophia


moveu a cabeça negando.

— Eu...

— Por favor, pense em mim. — insistiu Letitia


interrompendo-a. — Por favor.

Sophia continuou a negar, sua resposta seria a mesma


uma hora mais tarde. Não se deixaria controlar por Julian
nem por sua querida hóspede. Por que ele tinha cedido a sua
irmã? Certamente havia um motivo oculto que ia além da
felicidade da irmã, tinha certeza.

Notou como o calor subiu sua face quando lhe ocorreu


uma ideia. Ele não pensaria que...? Não! Nem mesmo ele se
atreveria a.... Por mais dissoluto e cruel, Julian não se
atreveria a esperar que ela se tornasse sua amante debaixo
do nariz da irmã?
Mas que outro motivo teria para convidá-la? Eles se
odiavam, não?

―Bem, então melhor perguntar!‖

Assim que Letitia saiu para se vestir para o café da


manhã, Sophia pulou da cama, se lavou e vestiu a toda
pressa. Prendeu os cabelos enquanto descia as escadas
correndo. Usava o vestido mais bonito que tinha. Era
modesto, tinha o decote quadrado e em tom arroxeado. Era
seu vestido favorito e ainda estava mais ou menos na moda,
pois o tinha comprado antes que Charles começasse a
controlar seu dinheiro. Sentia-se bonita e segura quando o
usava, e nesse momento precisava de toda a confiança para
inquirir Julian.

Já no último degrau concluiu o coque nos cabelos e se


dirigiu a parte posterior da casa. Por alguma razão, sabia
onde ele estava.

E lá estava ele, na sua biblioteca, sentado em sua


cadeira favorita, bebendo uma xícara de café.

Olhou-a quando entrou e se levantou imediatamente.


Vestia-se de modo um pouco mais formal que a noite
anterior, mas o casaco estava um pouco enrugado e notou a
barba por fazer. Parecia um poeta, com o cabelo despenteado
e os olhos refletindo cansaço. Parece que ele tampouco tinha
dormido bem. Perfeito.

— A Senhora demorou. — disse e a fitou do mesmo


modo que ela o tinha feito.

Ela franziu o cenho.


— Como?

Ele moveu a cabeça.

— Não importa. Suponho que minha irmã já tenha lhe


informado sobre minha decisão.

— Sim — disse enquanto também assentia com a


cabeça. — Jul... Lorde Wolfram, eu...

— Sente-se. — ele a interrompeu enquanto lhe oferecia


a cadeira da qual acabava de se levantar. — Por favor. Não
deveríamos estar de pé quando temos tanto para conversar.

O fato de lhe ceder a sua cadeira favorita a excitou de


uma maneira encantadora e irritante. Apesar disso, aceitou a
oferta e inclusive lhe serviu uma xícara de café do bule sobre
a mesinha central.

— Gostaria de saber por que o Senhor mudou de


opinião e me convidou a acompanhá-los. — expôs de pronto
sua pergunta assim que se sentaram.

Julian bebeu um pouco do café e sorriu.

— Pensei que me perguntaria isso. Bem, mudei de


opinião porque Letitia me tornará a vida um inferno se não a
convidar.

Sophia podia dizer por sua expressão e tom seco que


dizia a verdade, mas havia algo mais.

— E? — insistiu.

Julian suspirou.
— Bem, espero que a Senhora me ajude a casar minha
irmã antes do final da temporada social em Londres.

— Embora eu tenha alguma influência sobre sua irmã, o


Senhor não fará uso dela para seus propósitos.

Julian fez uma careta com os lábios e sorriu arqueando


uma sobrancelha.

— Ainda mais se lhe pedisse sua ajuda, não é?

Sophia sentiu o calor dominar sua face, mas não


respondeu.

— Nem sempre temos que estar em frentes opostas,


Sophia.

Ele pronunciou seu nome como se fosse uma carícia e


seu corpo reagiu de imediato, corando de forma vergonhosa,
mas deliciosa.

Deixando a xícara de lado, o Conde se inclinou para


frente, colocando os antebraços sobre os joelhos enquanto a
olhava.

— Conte-me a verdadeira razão de suas reservas. Seria


pelo que houve ontem à noite?

— Sim, um pouco. — sussurrou ela.

De repente, sua expressão adotou um tom de seriedade.

— Meu comportamento foi abominável e peço perdão.


Bebi um pouco além da conta, faz muito frio em sua casa,
Senhora.
Ah, que conveniente para ele, então a tinha beijado
porque fora afetado pela bebida e pelo frio.

— Aprecio sua intenção de acalmar minha frágil


suscetibilidade feminina. — ouviu-se dizer. — Entretanto, nós
dois sabemos que me beijou porque queria e que eu o permiti
pela mesma razão.

Mãe de Deus! O que estava fazendo? Seus olhos claros


obscureceram.

— Senhora?

Engolindo em seco, Sophia moveu a cabeça.

— Não afirmo entender o que sentimos, e creio que nem


você entende, só há uma certeza, o Senhor não gosta e
tampouco eu, mas não posso negar que me sinto atraída pelo
Senhor, como a mariposa pelas chamas.

Não podia acreditar que estivesse dizendo essas coisas.


Pelo visto, Julian tampouco, porque a olhava fixamente com
os olhos surpresos. Entretanto, não tentou negar que sentia o
mesmo.

— E por que você crê que isto nos acontece?

Sophia sorriu. Era um sorriso amargo e retorcido.

— Suponho que porque, como a mariposa, sei muito


bem o que me acontecerá se me aproximar muito da chama.

Ele moveu os lábios nervoso, embora Sophia não


soubesse se era em sinal de humor ou pesar.
— Suponho que saiba o que se refere a conhecer as
consequências, mas minha chama a impedirá de ir a
Londres?

O Conde zombava dela, mas não lhe doeu tanto quanto


esperava. Não se importava em lidar com as consequências,
apenas queria evitá-las.

— Se aceitar seu convite, teremos que prometer que não


se repetirá o que houve ontem à noite, nem mesmo um
comportamento similar.

A mera ideia de "comportamento similar" bastou para


Sophia sentir seus joelhos tremerem.

Ao menos ele teve a coragem de parecer ofendido.

— A Senhora realmente acredita que me aproveitaria de


uma convidada em minha casa?

Seu tom ferido despertou algo que se encontrava


entranhado no íntimo de Sophia, algo velho e com cheiro do
passado. A sensação a encheu de frio, paralisando-a dos pés
a cabeça. Levantou-se e o olhou com dureza.

— O Senhor estava disposto a me roubar a virgindade e


partir sem olhar para trás. Eu acredito que é capaz de tudo.

Seu rosto avermelhou e ele também se levantou.

— Senhora, lhe dou minha palavra de que não se


repetirá o ocorrido de ontem à noite e nem nada similar.

Sua frieza não deveria ter doído, afinal ela também fora
fria com ele, mas doeu, no entanto ela era quem tinha saído
prejudicada no passado. Fora a sua vida que se modificara
para sempre, e ele parecia não se importar em absoluto por
ter sido a causa.

— Bem. — respondeu. — Agora, queira me perdoar, o


café da manhã me espera.

Julian assentiu.

— Verificarei como está a carruagem. De repente, tenho


muita vontade de me por a caminho.

E com isso passou diante dela, o que a deixou sozinha


na saleta e privada da satisfação de ter a última palavra.

Duas horas mais tarde, Sophia estava em frente à janela


do salão olhando a carruagem de Julian se aproximar pela
entrada. A roda nova já estava colocada e só restava carregar
a bagagem de Letitia. Ainda não se decidira a ir com eles ou
não.

— Esperava encontrá-la sozinha. — ouviu uma voz junto


a seu ouvido.

Sophia se sobressaltou. Charles. Estivera tão absorta


em seus pensamentos que não o tinha ouvido chegar.

O atrevido deslizou as mãos por sua cintura antes que


ela pudesse se afastar. Sentiu a pressão de todo o corpo de
Charles as suas costas. Era puro músculo, duro como um
tijolo. Sentia sua respiração quente no pescoço, pois se
aproximara da carne sensível.

— Tire suas mãos de mim, Charles.

Maldição, sua voz tremia!

— Jamais. — sussurrou, deslizando uma mão sobre o


seio direito.

Era curioso como reagia diante daquela carícia. Sophia,


quando estivera apaixonada por Julian, apreciava e ansiava
por suas carícias. Quanto a Charles, a quem desprezava,
parecia como se mil vermes se arrastassem sobre a sua pele.

— Por favor. — disse vendo Julian lançar um olhar a


sua janela da carruagem.

Deus! Não deixe que ele veja isto!

— Solte-me.

A resposta de Charles foi cravar a pélvis contra suas


nádegas. Sophia notou a força de sua ereção através das
saias e soube nesse momento e ali mesmo que Charles a
estupraria, ela reagindo ou não.

Agarrou-se ao batente da janela com uma mão para não


perder o equilíbrio e bater a cabeça contra o vidro quando ele
a empurrou com os quadris. Com a outra mão, Sophia
tentava afastar os dedos que Charles tinha sobre seu seio.

Não funcionou. De fato, só pareceu recrudescer seu


desejo. Charles moveu a mão do seio para cima, agarrando o
decote de seu vestido. O som do tecido se rasgando não foi
tão terrível ou dilacerador, só podia pensar que o miserável
estava rasgando seu vestido favorito.

— Pare! — gritou. — Solte-me, canalha!

Os dentes de Charles se arrastaram sobre seu pescoço.

— Grite o quanto quiser. Ninguém virá em seu socorro.


Wolfram está partindo e vou levantar suas saias e possuí-la
como a puta que sempre foi.

Afastou-a bruscamente da janela e a empurrou de


barriga para baixo sobre a mesa. Sentia a madeira encerada
atingir seu rosto enquanto Charles a imobilizava por detrás.
Lágrimas de dor e fúria brotaram dos olhos de Sophia
enquanto tentava se libertar de suas garras.

Foi nesse momento, quando as lágrimas ameaçavam


nublar sua visão, que Sophia olhou para cima e viu Julian na
entrada, com a expressão mais enfurecida que já tinha visto
antes.

— Tire suas mãos imundas dela.

Falou em voz baixa. Uma voz tão fria que Sophia sentiu
um calafrio.

— Wolfram! — disse Charles jovialmente enquanto


retirava seu peso das costas de Sophia. — Pensei que já tinha
partido.

Com os braços trêmulos, Sophia se agarrou à mesa para


sustentar seu corpo, suas pernas não respondiam.

— E vou. — respondeu Julian.

Não fitou Sophia.


— Vim perguntar a Lady Aberley se tinha mudado de
opinião e nos acompanha a Londres.

Os dois homens não deixavam de se encarar, mas


Sophia notava como Julian a observava.

Charles sorriu.

— Não mudou de opinião.

— Lorde Wolfram, se fizer a gentileza de esperar 20


minutos para que eu arrume a bagagem, ficarei honrada de
aceitar seu convite. — disse Sophia com um fio de voz.

Os dois homens a olharam. Ainda presa entre a mesa e


Charles, Sophia o empurrou para que se afastasse dela.
Assustada lançou um olhar a Julian com o coração pulsando
acelerado, e temerosa de que Charles tentasse detê-la, mas
este não o fez. Certamente porque sabia que voltaria para
Hertford depois da temporada social em Londres.

O olhar feroz de Julian pousou sobre Charles


brevemente para voltar a ela. Parte da frieza em seus olhos se
dissipou quando lhe estendeu a mão. Sophia a agarrou, com
cautela.

— Milady, esperaremos alegremente que arrume sua


bagagem. — disse lhe apertando os dedos.

Sophia não lhe devolveu o aperto.


Estaria cometendo um erro levando-a a Londres.

Só de observar o rosto alegre de Sophia enquanto a


carruagem entrava em Londres, bastou-lhe para saber que
acabaria enfrentando à maior provação de sua vida se
precisasse resistir continuamente a seu encanto. Mas não
podia deixá-la em Hertford sozinha, não com o canalha do
Aberley.

Não podia esquecer sua expressão assustada. Poderia


ter matado Aberley sem pensar duas vezes, não só por fazer
mal a uma mulher, mas principalmente por fazer mal a
Sophia. Julian nem queria pensar no que essa fúria
possessiva e assassina implicava.

— Temos que comprar um vestido de baile de seda lilás


— dizia Letitia levando a conversa ao terreno da moda
novamente. — Com uma pluma para o cabelo na mesma cor.

Sophia sorriu pacientemente, lançando um breve olhar


a Julian.

— Eu não gosto de plumas. Não exagere, Letitia. Não


quero abusar da amabilidade de Lorde Wolfram.

Talvez tivesse sido um pouco fraco ao aceitar comprar


um guarda-roupa novo para Sophia, mas tinha visto sua
expressão de frustração ao ver o rasgo que Aberley tinha feito
no vestido. Ou era o seu favorito ou era o melhor que tinha, e
embora fosse bonito, não era nada comparado aos
ornamentos que se esperavam de uma marquesa em Londres.

Queria agradá-la, e de certa maneira, isso lhe pareceu


mais perturbador que o ataque de Aberley. Embora Sophia
sentisse comiseração da situação, e lamentava ter pensado
que ela e Aberley fossem amantes, não podia esquecer que
assim que baixasse a guarda ela poderia se aproveitar.

Julian ouvia a conversa pela metade enquanto a


carruagem abria caminho no tráfico de Londres. O som dos
cascos e as rodas sobre os paralelepípedos era uma cacofonia
agradável, familiar e reconfortante. Adorava Londres. Era seu
lar. De todas as casas que tinha, a casa de Londres era a que
trazia as lembranças mais agradáveis. A outra propriedade
que o fazia se sentir bem era Heatherington Park, em
Yorkshire, mas não a visitava frequentemente. Miranda tirara
a própria vida ali e embora essa casa o fizesse se sentir perto
dela, continuava sendo muito doloroso para ele suportar ficar
lá por muito tempo, mesmo estando na companhia de Brave e
Rachel. Brave e Rachel! Minha mãe! O que diriam quando
soubessem que havia trazido Sophia a sua casa em Londres?
E qual seria a reação de Gabriel e Lilith? Lilith certamente
não seria uma aliada voluntariosa, tendo em vista que
conhecia bem Sophia.

Voltou-se e abriu a boca para sugerir a Letitia que


podiam organizar um pequeno jantar para reintroduzir
Sophia na sociedade, mas as palavras não saíram de sua
garganta quando seu olhar caiu sobre ela.

Tinha o olhar preso à janela, e seus olhos negros e


arregalados observavam tudo o que acontecia. Estavam
entrando em Mayfair, um bairro tão opulento como a alta
sociedade que o habitava. Era óbvio que fazia muito tempo
que Sophia não o via.
— Certamente gostaria de convidar seus pais para um
chá assim que chegarmos. — disse sorrindo, pois sua alegria
era contagiosa.

Ela se afastou da janela e a expressão de alegria


desapareceu de seu rosto. O sorriso de Julian também se
dissipou.

— Não. — respondeu olhando-o fixamente. — Não,


talvez daqui a alguns dias.

Como podia ser tão estúpido? Claro que não tinha


nenhuma vontade de rever seus pais e lhes comunicar que
era a convidada do homem que se recusara a pedi-la em
casamento depois daquele escândalo infeliz.

Tinha que espalhar a noticia de que Sophia e Letitia


eram amigas de longa data, que sua irmã queria ajudar a
amiga a voltar ao convívio da sociedade, e tinha que fazer isso
rápido. Julian teria que tratar Sophia em público como às
demais mulheres.

Entretanto, o que lhe preocupava mais era como tratá-la


em particular.

Felizmente, o sacudir da carruagem e o burburinho ao


redor interrompeu seus pensamentos antes que se dirigissem
a um território mais perigoso. Tinham chegado a Wolfram
House.

A carruagem parou. A porta se abriu, baixaram as


escadas e Julian desceu primeiro para ajudar às mulheres a
descer da carruagem.
Letitia ainda estava conversando ao descer da
carruagem. O sol já se punha. Sua criada a seguiu até a casa
enquanto afirmava com a cabeça como resposta a todas as
sugestões de Letitia.

Julian deixou de dar atenção às palavras de Letitia


quando observou Sophia admirando Wolfram House. Aqui, a
luz do sol poente, seus olhos não eram tão escuros, tinham o
tom castanho escuro aveludado e profundo. Ela esboçou um
sorriso com seus lábios rosados.

— É tão bonita como me lembrava. — disse enquanto ele


a ajudava a descer da carruagem.

— Obrigado. — respondeu Julian orgulhoso. A fachada


construída com as pedras de Bath dava ao exterior de
Wolfram House um aspecto dourado. As janelas altas e largas
embelezavam a fachada. Degraus baixos levavam a porta
principal, uma enorme porta dupla de carvalho adornadas
com aldabras de latão, polidas e brilhantes.

Julian a seguiu e entraram na casa, onde os olhos de


Sophia se arregalaram ainda mais.

— Julian! É linda!

Seguindo seu olhar, contemplou o grande salão, vendo-o


através de seus olhos. Toda a casa havia sido decorada
seguindo o estilo de Roubem Adam antes de sua mãe morrer
e Julian não quisera mudar nada. Do chão de mármore
dourado, azul e pêssego, com seu chamativo desenho central,
até as paredes claras, com seus relevos delicados, e o teto
alto com desenhos dourado, azul e branco que
complementava o chão no mais puro estilo Adam, o salão era
um exemplo surpreendente de beleza e serenidade.

— Sim. — disse repousando o olhar sobre sua face


transbordante de expectativas. — É verdadeiramente bonita.

O tempo parecia parar quando Julian olhava Sophia nos


olhos. Nas últimas horas tinha sentido dezenas de emoções
que ela evocava: desejo, raiva, aversão, desejo de protegê-la,
compreensão, diversão e agora isto. E o que era isto? Seria
esperança ou apenas alegria de chegar em casa?

Sim, era isso. Estava em casa. Aqui. Com ela.

— Sophia!

Julian jamais se alegrou tanto ao ouvir a voz de sua


irmã.

―Feitiço quebrado e bem a tempo!‖

— Venha! — gritou Letitia de uma porta que estava do


outro lado do salão. — Quero lhe mostrar seus aposentos!

Sophia murmurou algo antes de partir. Julian supôs


que se desculpava, mas ele jurava ter ouvido.

―Querida, seria melhor me mostrar onde passa o


Tamisa.‖

Observou-a cruzar o salão para se unir a Letitia, a


Julian só restou apreciar o generoso fluxo de seus quadris
balançando a cada passo.

Tantas colinas e vales encantadores ocultos sob várias


camadas de tecido levariam qualquer mortal a um jardim
sonhado mais doce que o Éden.
O eco das palavras em sua cabeça despertou Julian de
seu devaneio. Em vez de se dirigir a seus aposentos e pedir
que lhe preparassem um banho como tinha planejado, foi ao
seu gabinete. A sala estava exatamente como tinha deixado,
em desordem. Haviam papéis espalhados por toda parte. Os
livros estavam no chão, sobre a mesa e sobre várias estantes.
De vez em quando, deixava as criadas limparem seu recanto
masculino, mas só quando estava ali, para fiscalizar onde
colocavam cada coisa. Não gostava que invadissem sua
privacidade quando estava trabalhando, assim a criadagem
não entrava na sala a menos que ele pedisse.

Agarrou sua caderneta de "ideias", puxou a tampa


dourada de seu tinteiro e molhou a pluma nele. Escreveu o
verso sobre Sophia e fechou o tinteiro. Mais tarde continuaria
trabalhando sobre esse tema.

Olhou a parede de livros que tinha atrás de si. Sem


pensar, dirigiu-se à estante que estava mais afastada, subiu
a escada e tirou um pequeno livro azul entre os outros livros
da prateleira mais alta. Após descer, abriu-o.

A união desafortunada, de uma dama arrependida.


Sem dúvida, fora uma dama arrependida, mas não se
arrependera nem metade do que ele. Viu a dedicatória escrita
à mão, logo abaixo.

A Julian.

Espero que Lorde Foxton não lhe pareça um personagem


pouco lisonjeiro. A descrição é sincera, para não dizer generosa.
Cordialmente,

Sophia.
Quando abriu o livro pela primeira vez
há quase sete anos, sentira-se ultrajado ao
ler essas palavras. Agora o faziam sorrir. Ou
quase. Nunca lera o livro. Talvez agora lesse.

Mas não nesse momento. No momento só queria um


banho, barbear-se e trocar de roupa. Mas levaria o livro para
lê-lo na banheira, não podia se arriscar que os criados o
vissem, se Deus quisesse, tentaria lê-lo mais tarde, e então,
quando o tivesse lido de cabo a rabo, ele e Sophia sentariam e
teriam uma pequena conversa. E, ou lhe diria que era uma
mentirosa descarada, ou teria que corrigir a situação. De
qualquer forma, tinha a sensação de que por mais ofendida
que se sentisse Sophia, não teria que fazer o segundo.

Capítulo 5
Era o tipo de cavalheiro que as mães não gostavam,

temerosas por suas filhas, pois ele era perigosamente atraente.

A união desafortunada, de uma dama arrependida.


Sophia e Letitia passaram os dois primeiros dias fazendo
compras, comendo e conversando, antes que Letitia
surpreendesse Sophia em seu aposento, no início da tarde,
para informar que Julian finalmente as levaria para um
passeio.

— Espero que não seja ao Almack's. — brincou Sophia


enquanto deixava o livro de lado. — Prometi não voltar a
ultrapassar aquelas portas.

— Embora seus vestidos novos tenham sido entregues,


não me passou pela cabeça submetê-la a Sally Jersey tão
cedo. — respondeu Letitia enquanto sentava-se em uma
cadeira próxima. — Não. Ele vai nos levar ao Hyde Park!

Embora a ideia de passear no parque lhe agradasse, não


justificava o brilho que Letitia tinha nos olhos.

— E?

Letitia soltou um grande sorriso com seus generosos


lábios.

— Mandei um bilhete ao Senhor Wesley para lhe


comunicar que estaremos no Hyde Park. Estou certa de que
poderei vê-lo esta tarde!

Era difícil compartilhar o entusiasmo de sua amiga.

— Acha que é uma boa ideia? E se seu irmão notar a


sua atenção nesse cavalheiro? Pensei que queria manter seus
sentimentos em segredo até que o Senhor Wesley viesse falar
com ele.

Como sempre, Letitia ignorou suas preocupações.


— Julian nunca vai perceber. Além disso, o que quero
saber é se virá ao Hyde Park conosco.

Sophia sorriu apesar de seus receios. Esperava que


quando Julian conhecesse o Senhor Wesley e notasse o
quanto ele amava Letitia, e o respeito que dedicava a sua
irmã, isso o convenceria a aceitar esse casamento. Queria
que Julian fosse um homem diferente de seu pai, embora
pensar mal dele a ajudasse a sentir aversão e raiva dele.

Em todo caso, sua amiga não fizera nada temerário,


Sophia manteria seu segredo e faria o possível para evitar um
desfecho matrimonial como o seu.

— É claro que aceito.

— Excelente! — disse Letitia batendo as mãos de


contentamento. — Partiremos em meia hora.

Saltando da cadeira, parou e olhou Sophia com


solenidade.

— E o que vai usar?

Rindo diante da falta de tato da amiga, Sophia também


se levantou.

— Estou acostumada a montar, sabia? Embora não


esteja na última moda, estou certa que meu traje será
apropriado para nosso passeio de hoje.

O cenho franzido de Letitia desapareceu e cedeu ao


sorriso alegre iluminando sua face, o que vinha acontecendo
quase constantemente desde sua chegada a Londres.
— Aonde vai? — perguntou Sophia enquanto Letitia se
dirigia a uma porta que estava em um canto do aposento.

— Informar Julian sua decisão. — respondeu Letitia


como se Sophia fosse boba. — Ele está vestindo as roupas de
montaria em seus aposentos.

Uma mão invisível apertou o pescoço de Sophia.

— Ju... Os aposentos de seu irmão se comunicam com


este?

Letitia assentiu.

— Sim, mas há uma pequena saleta separando-os, não


se preocupe. Ele nunca a usa. Não pensa que eu acomodaria
minha melhor amiga em um aposento que estivesse abaixo de
sua categoria, certo? Este era o aposento de minha mãe.

E com isso, Letitia abriu a porta e saiu silenciosamente.


Assim que fechou a porta e Sophia caiu em um silêncio
aterrador.

Os aposentos da Condessa! Como Letitia pudera ser tão


ingênua e imprevisível para acomodá-la justamente no
aposento contíguo ao de Julian? Não importava que houvesse
pouca possibilidade de que alguém mais soubesse; Sophia o
sabia, e isso já bastava.

Respirando fundo, tentou se acalmar. Não podia pedir


para Letitia que a mudasse de cômodo sem levantar as
suspeitas dos criados, além disso, se o fizesse, poderia ferir
seus sentimentos. Ser acomodada nos aposentos de sua mãe
era uma grande honra, pois Sophia sabia muito bem o
quanto Letitia honrava a memória da mãe.

Preferia ter Julian por perto a ferir os sentimentos de


Letitia. Além disso, ter Julian a poucos metros de distância
não implicava que Sophia corresse o risco de agir
impulsionada pela insensata atração que sentia por ele do
que se estivessem os dois no salão de baixo.

Eram adultos, capazes de se controlar e, se por acaso


um dos dois não resistisse, certamente a porta ficaria
trancada.

E se isso não os convencesse, o escândalo que resultaria


da aventura amorosa com Julian, o faria. Nesse caso,
perderia os poucos ganhos que tinha, graças a seu falecido
marido e ao cretino de seu irmão. Certamente Charles
exultaria vendo-a sem um centavo na bolsa e totalmente a
sua mercê. Só a ideia devia bastar para impedi-la de perder a
cabeça com Julian.

Quanto a Julian, não sabia o que pensar, mas dada sua


experiência limitada, e sabendo que o sexo oposto era capaz
de lhe roubar o que quisesse, se asseguraria de manter a
porta permanentemente trancada.

E a partir deste instante.

Depois de testar a tranca, Sophia chamou à criada que


Letitia tinha insistido em lhe colocar a serviço. Precisava
trocar-se para o passeio.

Vinte e cinco minutos mais tarde, estava vestida com


seu traje de montar, velho, mas apresentável. Prendera os
cabelos escuros sob um belo chapéu. Desceu as escadas até o
salão principal para se unir a Julian e Letitia. Por sorte, só
estava Letitia ali.

— Julian foi escolher os cavalos. — sussurrou sua


amiga em um tom conspirador. — Está um pouco irritado
porque o surpreendi usando a porta do seu quarto.

Sophia apostava que a irritação de Julian não era devido


a invasão de seu quarto, e sim porque tinha descoberto onde
Sophia dormia.

Julian chegou pouco depois. Estava lindo com calças de


montaria, suas pernas longas e fortes delineadas no tecido
claro, um casaco verde escuro e chapéu completavam o traje.
Era uma pena cobrir todo aquele cabelo grosso com um
chapéu, mas não seria decente sair em público sem chapéu.

Ele lançou um breve olhar a Sophia, e para quebrar o


silencio constrangedor Disse:

— Vamos?

Lá fora, os aguardavam pacientemente três cavalos com


dois cavalariços. Julian foi direto ao cavalo capão castanho e
se sentou na sela. Letitia se dirigiu a uma pequena égua
cinzenta, deixando o cavalo preto para Sophia. Fazia tempo
que não montava um cavalo, mas não estava nada nervosa
quando o jovem cavalariço ajudou-a a subir na sela. A égua
se manteve imóvel enquanto Sophia se ajeitava e arrumava a
saia. Sentia-se muito a vontade sentada sobre o cavalo
enquanto percorriam a avenida movimentada.
Wolfram House estava localizada na Upper Brook Street,
perto de Grosvenor Square, assim o Hyde Park ficava
próximo. Entretanto, Sophia teve a oportunidade de ver o
bairro e sentir a emoção de apreciar o movimento de Londres.
Era como se lhe tivessem aberto uma porta, uma porta de um
novo e radiante mundo no qual podia tirar o manto que
cobria sua vida anterior e ser ela mesma novamente.

Talvez realmente pudesse. Enquanto Charles não


estivesse ali para vigiá-la, poderia fazer o que quisesse, ir
onde quisesse. Enquanto não causasse um escândalo seria
livre. Julian logo atrás, permitindo que Letitia e ela
cavalgassem juntas. Sophia não sabia se o fazia para o seu
próprio bem ou pelo que julgaria a sociedade. Todas
precauções eram poucas quando o assunto era evitar fofocas.
De fato, tinha conseguido fugir de sua presença durante
quase dois dias.

Na verdade, não podia se queixar de sua falta de


atenção. Sophia não sabia se era pelo incidente com Charles,
pelas possíveis fofocas ou porque verdadeiramente queria
evitá-la, não, não deveria se importar, mas doía em seu
orgulho e vaidade pensar que ele podia esquecer tão
facilmente o beijo da biblioteca e fingir que não havia
acontecido nada entre eles.

— Como se sente, Sophia? — perguntou Letitia com um


sorriso calmo. — Gostou da sua égua?

Ela devolveu o sorriso, Sophia passou a mão enluvada


pelo brilhante pescoço da égua.
— É linda. Como se chama?

— Amante. — respondeu Letitia enquanto o coração de


Sophia estacava de repente. — Julian lhe pôs esse nome. Não
sei de onde o tirou.

— É uma palavra espanhola. — explicou Sophia em voz


rouca com um nó na garganta. — Significa "que se ama a
alguém".

— Bem! — disse Letitia sorrindo alegremente e olhando


o irmão de soslaio. — Que bonito!

Sophia não se atreveu a se virar e ver a reação de


Julian. E tampouco queria que ele visse a sua, pois então ele
saberia que ela se lembrava e teria que lhe perguntar por que
tinha posto esse nome no belo animal, uma das poucas
palavras que lhe tinha ensinado em espanhol.

Cinco da tarde era a hora ideal para ser visto em Hyde


Park, e esse dia não era uma exceção. O cheiro de cavalos,
grama úmida, o som dos cascos e de conversas alegres.
Expor-se a tanta gente e a tanto barulho de repente pareceu
entristecedor para Sophia. De algum modo, quis se esconder
dos outros.

É claro, esconder-se seria impossível. Dirigiram-se a


Rodem Row, que estava cheia de cavalos, e enquanto se
esquivava com destreza dos excrementos de cavalo pelo
caminho, dúzias de pessoas tiravam o chapéu e os
saudavam. Parecia que todos conheciam Letitia e mais ainda
ao irmão dela.
Um grupo de quatro cavalheiros e três senhoras
pararam para conversar. Sophia reconheceu um dos
cavalheiros porque era amigo do seu pai. Agora certamente
seus pais saberiam que estava na cidade.

Letitia se encarregou das apresentações. Sophia quase


sufocou quando Letitia se dirigiu ao quarto cavalheiro. Esse
senhor se chamava "Wesley". Embora não tivesse ouvido seu
nome, soube quem era pela rápida, embora ardente troca de
olhar.

Felizmente, Julian estava muito ocupado falando com


Lorde Penderthal, o amigo de seu pai, para notar que a irmã
trocava olhares apaixonados com o Senhor Wesley.

A conversa foi breve. Sophia fez o possível para que


Letitia não parecesse muito triste ao despedir-se do amado, o
que faria Julian suspeitar imediatamente. Letitia não era
uma boa atriz. Poderia ser boa o suficiente para enganar seu
irmão, mas não a outra mulher.

— Mas que maldição! Esqueci de perguntar a Millicent


se gostaria de jantar conosco na sexta-feira. Julian importa-
se que eu volte e lhe pergunte? — disse Letitia quando não
fazia nem um minuto que se separaram do grupo.

Millicent era uma das senhoras do grupo do Senhor


Wesley. Sem dúvida, tratava-se de alguma estratégia para
voltar a vê-lo ou possivelmente ter um momento de
privacidade.

Julian assentiu. Não parecia muito contente de ficar


sozinho com Sophia.
— Certo, mas não demore.

Letitia estava radiante.

— Voltarei logo. Prometo.

Então, piscando um dos olhos a Sophia rapidamente, foi


trotando ao encontro do Senhor Wesley e seu grupo.

Continuaram pelo caminho em um silêncio tenso. Aquilo


era ridículo.

— Não sabia que Letitia tinha me acomodado nos


aposentos de sua mãe, Lorde Wolfram. Se estiver
incomodado, diga e passarei a outro cômodo.

Levantou o olhar, mas não a encarou.

— E se minha irmã exigir saber o por que, o que lhe


diremos? Que a ideia de estarmos tão perto é perigosa? Que
apesar da nossa aversão e desconfiança mútuas, ainda
parece que sentimos uma atração inexplicável? Não. Não
creio que seja uma boa ideia. Prefiro sofrer em silêncio do que
reconhecer algo assim em voz alta.

Sophia o observava por baixo do véu do chapéu. Julian


olhava para a frente, com expressão neutra, como se
falassem do tempo.

— Acabou de fazê-lo.

Ele se virou para ela. Era a primeira vez que a olhava


em plena luz do dia, o castanho pálido dos seus olhos tinha
um tom de mel brilhante.

— Você sente o mesmo. E isso importa?


Corada, Sophia afastou o olhar. Não sabia muito bem
como responder, assim limitou-se a acariciar o pescoço de
Amante novamente.

— É um belo cavalo.

— Pensei em você quando coloque seu nome.

De novo, o coração de Sophia bateu forte.

— Por que?

Julian sorriu, com uma careta que era divertida e


amarga ao mesmo tempo.

— Quando a comprei, era teimosa e selvagem. Todos me


diziam que não conseguiria domá-la.

―Como você.‖ Não tinha que pronunciar as palavras


para que Sophia as ouvisse. Sentiu uma estranha sensação
no ventre. Era vergonha.

— Mas a domou.

Cuspiu as palavras antes de poder detê-las. E embora se


sentisse humilhada pela insinuação das palavras, em parte
gostava do fato de que naquela época, ele a considerasse
selvagem, porque agora estava mais que domesticada.

Olhou-a com uma expressão que beirava a presunção,


mas seus olhos continham uma promessa, mas ela não tinha
certeza do que.

— Só eu podia me aproximar dela e finalmente...

— Amansou-a? — acrescentou Sophia sentindo como se


uma onda de gelo invadisse seu corpo.
Acaso não foi isso que Edmund fez com ela? Se
apropriara de uma garota selvagem e teimosa e a tinha
transformado no que ele pensava que tinha de ser, uma Lady
perfeita.

A cabeça de Julian se inclinou enquanto a fitava.

— Ganhei sua confiança.

— Oh!

Sentiu formigamento nas pernas e braços, uma dança


de espetadas na carne que fazia seus músculos se
retorcerem. O que ele estaria insinuando? Que também
queria que ela confiasse nele? Julian a repudiara quando se
ofereceu a ele. Por que a queria agora?

Abriu a boca para dizer algo, alguma coisa que aliviasse


a tensão entre os dois, mas as palavras ficaram bloqueadas
quando viu um homem que lhe parecia muito familiar falando
com um grupo de cavalheiros muito perto de onde estavam.

— Meu Deus.

Seria esse som patético e entrecortado realmente sua


voz?

Julian a olhou. Certamente viu o horror em sua face,


pois seu rosto se encheu de preocupação na hora.

— Sophia, o que há?

— É Charles. — sussurrou incapaz de afastar o olhar do


perfil de seu cunhado por mais que quisesse. — Não pode nos
ver aqui sozinhos.
— Sophia, não há nada a temer enquanto estiver
conosco aqui em Londres. — Julian disse com uma
inesperada convicção. — Não permitirei que lhe faça mal de
modo algum.

Que Deus a ajudasse, porque acreditava. Pior, confiava


nele, ao menos para protegê-la de Charles. Mas, o que
aconteceria quando voltasse a Hertford? Julian não poderia
protegê-la então. Teria que proteger a si mesma, e isso
significava começar a tomar as medidas certas a partir desse
momento. Tinha que procurar os advogados de Edmund
durante sua estadia na cidade, mas até então teria que tomar
cuidado.

Negando com a cabeça, Sophia puxou as rédeas de


Amante para olhar em outra direção.

— Não, Julian. Não pode nos ver aqui, sozinhos. Temos


que sair daqui. Por favor.

— Se é sua vontade. — respondeu Julian, franzindo o


cenho. — Vamos à procura de Letitia e voltaremos para casa.

Não perguntou nada mais, e Sophia agradeceu.

— Obrigada.

Voltaram para grupo de Lorde Penderthal em silêncio.


Sophia esperava que Letitia e o Senhor Wesley já tivessem
trocado todas as olhadas e mensagens necessárias, porque
não se arruinaria para que sua amiga pudesse namorar.

Não se arriscaria por nada e nem por ninguém.


— Importa-se que eu o acompanhe?

Sobressaltado, Julian levantou o olhar das páginas de


―Uma União Desafortunada‖ para encontrar sua autora na
porta do seu gabinete. Olhou o relógio para confirmar que era
muito tarde. Se Sophia estivesse usando outro vestido, em
vez do mesmo vestido violeta que tinha usado no jantar, teria
suspeitado (e esperado) que quisesse seduzi-lo.

— É claro que não. — respondeu marcando a página e


deixando o livro de lado. — Gostaria de tomar algo?

A porta se fechou com um baque suave.

— Sim, por favor. Um Burdeaux.

Enquanto Sophia se dirigia à cadeira que se encontrava


em frente à sua escrivaninha, Julian se levantou para ir a
uma pequena mesa que estava a um canto da sala. Serviu o
vinho em duas taças e lhe deu uma antes de se sentar de
novo.

Inclinando-se na cadeira, Julian observou Sophia beber


um bom gole do generoso vinho tinto.

— Quero lhe agradecer. — disse. — Sei que tem seus


próprios motivos por ter me convidado a Londres, mas
agradeço tudo o que tem feito por mim.

Julian sabia que se referia à situação com Aberley e não


sabia se sentia divertido ou ofendido, mas como tinha seus
próprios motivos para convidar Sophia a Londres, decidiu que
seria hipócrita de sua parte fingir estar ofendido.

— De nada.

Julian tomou um gole de vinho.

— Por que? — perguntou Sophia de repente olhando-o


com curiosidade.

Enquanto bebia o vinho, Julian arqueou as


sobrancelhas.

— Por que o quê?

— Por que está fazendo tudo isto? Por que me ajudou?


Por que faz algo por mim quando é tão óbvio que sente
antipatia por mim?

Antipatia? Não confiava nela, mas como poderia ter


atração por ela se não gostasse ao menos um pouco dela, isso
sem mencionar seus evidentes encantos físicos? Tinha que
reconhecer que durante os últimos dias desenvolveu uma
admiração por sua maneira sincera de falar. E seu evidente
afeto por Letitia, sem dúvida era um ponto a seu favor.

— Não posso afirmar que gosto — respondeu. —


Tampouco estou certo de que desgoste da sua pessoa.

Olhou-o com surpresa.

— O que acaba de dizer não faz sentido.

Julian riu e se viu obrigado a lhe dar razão.

— Certo. Mas é a verdade.


Sophia sorriu e Julian ficou surpreso de quão bonita
realmente era. Quando debutante, fora uma jovem exótica e
misteriosa, mas os anos tinham amadurecido. Havia algo
encantador em seus olhos e em sua boca, o poeta que havia
em Julian a considerava extremamente atraente.

Queria saber o que acontecera para mudá-la tanto.


Havia algo que a modificava quando estava com outras
pessoas. Era como se tentasse com todas suas forças ser
outra pessoa, a matrona calma e solícita, mas só com ele
mostrava algum indício de quem realmente era. Esse era só
outro aspecto intrigante que o impulsionara a beijá-la, queria
provocá-la até que se libertasse dessa casca, mas depois do
que tinha sofrido nas mãos do cunhado, Julian sentia
vergonha só de pensar em fazer essas coisas.

— Oh!

A suave exclamação de surpresa fez sua atenção voltar a


Sophia. Julian segurava um livro em suas mãos e ela o
olhava fixamente com consternação, branca como papel.

Nem precisou perguntar de que livro se tratava.

— Por que está lendo isto? — exigiu com um olhar


acusador. — Acaso está planejando como se vingar agora que
estou sob seu poder?

Vingança? Sob seu poder? Esta mulher lia novelas


góticas demais.

— Não seja tola. — advertiu sem se incomodar em


esconder seu aborrecimento. — Não o tinha lido ainda e
fiquei curioso. Pensei que seria uma boa ideia, dadas as
circunstâncias.

Sophia franziu o cenho.

— Mandei-lhe este exemplar há muito tempo. Não leu


até agora?

Uma sensação confusa invadiu Julian. Não podia lhe


dizer que não se importara com o que ela tivesse a dizer a seu
respeito nem como tinha decidido se defender.

— Não... Não me pareceu adequado na ocasião.

Sophia franziu ainda mais o cenho.

— Quer dizer que nunca se incomodou em saber o que


eu pensava na ocasião! Não posso acreditar que seja tão
arrogante! Eu fui obrigada a ouvir todas as coisas horríveis
que você dizia de mim a todos que encontrou no caminho,
mas você não teve a consideração nem colhões para ao
menos ler a minha represália.

Julian abriu os olhos diante da intensidade de seu tom.


Onde uma mulher de sua classe tinha aprendido a palavra
"colhões"?

— Não me importava o que a Senhora tinha a dizer. —


disse tranquilamente. — naquela época, não tinha nenhuma
responsabilidade do ocorrido.

O colo e a face de Sophia estavam avermelhados pela


raiva.

— É claro que não. Para que? Só queria roubar minha


inocência e me jogar aos leões!
— Só tomaria o que a Senhora estava oferecendo
alegremente! — respondeu Julian, sentindo de repente como
sua fúria aumentava a uma velocidade alarmante.

— O Senhor arruinou minha vida! — gritou ela,


deixando de repente a taça sobre a mesa e levantando-se. —
Sabe quantos homens se acharam no direito de tentar me
violar ou dizer coisas horríveis só porque pensaram que o
Senhor tinha me possuído e não me achou digna de seu
nome?

Julian não queria sentir-se culpado. Lembrou-se de


quão atrevida ela fora. Certamente ele não tinha sido o
primeiro homem com quem ela tinha brincado.

— Pois a Senhora realmente me pediu isso. Felizmente


nos interromperam antes que eu pudesse tomar o que me
oferecia.

Sophia reagiu como se lhe tivesse dado uma bofetada e


a dor que viu em seus olhos atravessou o coração de Julian
como uma adaga.

— Só fiz porque pensei que me amava.

Acaso ela acreditava que ele fosse tão tolo? Sophia não o
amava. Se o tivesse amado, não teria se casado com o
Marquês tão rápido.

— Eu acaso lhe disse que a amava? — Ele perguntou


também ficando em pé, porque a força de sua ira era muito
volátil para contê-la sentado. — Porque tenho certeza de que
a Senhora nunca disse que me amava! — continuou Julian.
Sophia tinha a expressão dura e ofendida.

— Não precisava lhe dizer. Senhor, eu lhe ofereci o que


era realmente meu, a única coisa que podia lhe dar.

Julian fez uma careta de desprezo.

— Seu hímen? Não parece ter sido um presente que lhe


era muito estimado já que o deu ao Marquês logo depois.

O rubor na face de Sophia desapareceu rapidamente e


nesse momento Julian soube o que realmente era odiar a si
mesmo.

— Minha confiança, seu idiota! — gritou a somente


alguns centímetros de seu rosto. — Minha confiança!

Agora foi ele quem retrocedeu, como se Sophia o tivesse


a atingido.

Mas Sophia não ainda havia dito tudo. Olhou-o com os


olhos reluzentes como opalas negras.

— Queria que você me fizesse sua porque pensei que


podia confiar que não me faria mal. Pensei que me amava.
Maldito seja, Julian! Talvez nunca tenha pronunciado as
palavras, mas o queria tanto quanto uma jovem estúpida
podia amar um canalha desumano que a usou e depois
abandonou como um par de meias velhas e inúteis!

Ela pegou o livro e o atirou com toda força que a raiva


lhe conferia, ele conseguiu apanhar o livro antes que se
chocasse contra seu peito. Depois, Sophia saiu correndo da
sala antes que ele tivesse tempo de reagir.
Segurando o livro contra o peito, Julian afundou em sua
poltrona, com uma estranha sensação de confusão e
atordoamento. Será que realmente o tinha amado? Não era
possível. Não podia ter se enganado tanto. Não, ele sabia
exatamente o que tinha acontecido. E não se passara nem
um mês e Sophia se casara com o Marquês...

Mas, e se Sophia não quis desposar Aberley? E se


Sophia realmente amara a ele? E se tivesse errado em suas
suposições?

Depois de passar uma das noites mais longas de sua


vida, Julian estava novamente em seu gabinete às primeiras
horas da manhã. Tinha passado grande parte da noite
refletindo sobre o que Sophia lhe disse, e em parte se
dedicara a ler "A união desafortunada." Infelizmente também
se dera conta de que Sophia o havia descrito de uma forma
muito pouco caridosa. Não se tratava de um retrato
completamente fiel dele, mas estava disposto a reconhecer.

O retrato que ela fizera de si mesma era totalmente


diferente da garota que tinha conhecido. Sophia se esqueceu
de mencionar suas numerosas atitudes manhosas, ou que
tinha que ser constantemente o centro da atenção de todos.
Ela o fizera parecer um sujeito asqueroso e interesseiro, o que
estava distante da realidade.

Mas, ele não podia negar que ao menos tinha que se


responsabilizar, no mínimo, a metade do acontecido, e estava
disposto a fazê-lo. Não podia fazer muito mais. Além disso,
talvez, Sophia não tenha vivido uma vida tão horrível... Pelo
menos foi o que tinha visto e ouvido, o Marquês a tratava
bem. E a reputação de Sophia se restaurou mais rápido do
que a sua. Passaram-se anos antes de as mães deixassem
suas filhas se aproximarem dele. Certamente, agora estaria
casado se não fosse por Sophia.

Bem, na verdade, poderia estar casado com Sophia. O


pensamento lhe chegou de maneira inesperada. No passado,
não fariam um bom par, mas agora...

Era loucura pensar nisso. Que homem em seu juízo


perfeito haveria de querer uma mulher em que não confiava?
Ou que não confiava nele?

Não, afinal ela não lhe tinha explicado por que se casou
com Aberley tão rápido. Teria sido para salvar sua reputação
ou não estava enganado com sua teoria de que ela estaria em
busca de fortuna? Não lhe explicara porque passara a viver
do esplendor abastado a uma quase pobreza absoluta, e sem
dúvida não lhe tinha contado que tipo de controle Charles
Morelle tinha sobre ela. Tudo isto era motivo suficiente para
não lhe depositar sua confiança tão apressadamente.

Uma batida na porta o tirou do seu devaneio.

— Entre.

Seu mordomo, Fielding, colocou a cabeça pela porta.

— Perdoe, Milorde, mas está aqui um cavalheiro que


quer vê-lo.

— Quem é, Fielding?

— O Marquês de Aberley, senhor.


A mandíbula e o peito de Julian se tencionaram. Aberley
tinha que ter muita coragem para vir a sua casa depois de ter
sido flagrado se comportando de maneira tão acintosa com
Sophia.

— Peça que entre.

Minutos mais tarde, um presunçoso Charles Morelle


entrou na sala, com o chapéu e as luvas sob o braço. Julian
não se incomodou em ficar de pé.

— Bom dia, Wolfram.

Julian de maneira nada cordial foi direto ao assunto.

— O que quer, Aberley?

O Marquês se fez de surpreso e com cortesia fingida


respondeu:

— Bem, vim visitar minha querida cunhada e perguntar


por sua saúde e bem-estar.

Acaso Aberley o considerava tão tolo para acreditar


nisso?

— Sophia não deseja vê-lo.

— Acaso ela disse isso? — perguntou o Marquês,


perdendo parte da agradável compostura. — Deve estar
havendo um mal entendido.

Julian assentiu em silêncio.

De algum modo, Aberley conseguiu adotar uma


expressão de inocência ferida.

— Olhe, Wolfram. Não sei o que Sophia contou, mas...


— Ela não me contou nada. — respondeu Julian com
um tom abrupto que não tolerava discussão alguma. — Eu vi
com meus próprios olhos.

Aberley nem sequer fez o esforço de parecer


arrependido. Limitou-se a dar de ombros.

— O que viu foi uma pequena briga entre amantes, nada


mais. — Sorriu. — Você bem sabe como são as mulheres.

Julian sentiu o sangue gelar. Uma briga entre amantes?

— Você costuma agredir suas amantes até fazê-las


chorar e pedir socorro?

Aberley voltou a dar de ombros. Já não lhe dava


atenção. Estava olhando os papéis e livros que Julian tinha
sobre a mesa.

— Sophia vinha me provocando há tempos e se zangou


quando me neguei a continuar com seus jogos.

Olhou Julian nos olhos.

— Usou você para me provocar ciúme, Wolfram, e


continuará usando até que se canse e volte para casa,
comigo.

Essas palavras chegaram à parte de Julian que ainda


não confiava em Sophia. Entretanto, tinha certeza de ter visto
o medo em seu semblante quando ela o vira no parque.
Aquele não era o olhar de uma mulher que queria atormentar
seu amante.

Empurrando a cadeira para trás, Julian ficou de pé e se


colocou diante da escrivaninha.
— Por hora ela não deseja voltar para casa, Aberley. E
quando Lady Sophia mudar de opinião, respeitarei sua
vontade. Bem, se não há nada mais que queira discutir
comigo, terá que me desculpar. Tenho um assunto
importante a resolver. Não se ofenda por não acompanhá-lo
até a porta.

Sem esperar a reposta do Marquês, Julian deu meia


volta e saiu. Se em dois minutos Aberley ainda não tivesse
deixado sua casa, ele o expulsaria pessoalmente.

Sentia-se um pouco covarde por bater em retirada em


vez de ordenar ao Marquês que partisse, mas foi a única
coisa que lhe ocorreu nesse momento para fugir das palavras
de Aberley. Não queria acreditar que Sophia fosse capaz de
enfrentar a situação. De fato, não confiava nela, mas confiava
ainda menos em Aberley, tomaria seu partido contra o
Marquês, se fosse esse o caso.

Dirigiu-se ao salão vermelho e ficou diante das janelas


para ver a entrada da casa que ficava de frente da avenida.
Minutos mais tarde, a carruagem de Aberley passou.
Satisfeito, Julian abandonou o salão e se dirigiu ao corredor,
onde encontrou Fielding.

— Fielding. — disse aproximando-se do homem com


algumas passadas. — Se o Marquês de Aberley voltar a esta
casa, quero que lhe diga que não estamos em casa, sobretudo
se perguntar sobre a Marquesa. Não lhe dirá nenhuma
palavra, fui claro?
Se Fielding ficou surpreso pelo tom firme, não
aparentou.

— Sim, Milorde. Transmitirei suas ordens para toda


criadagem.

Assentindo, Julian deu meia volta para sair. Viu


movimentos acima, nas escadas, e viu Sophia, que o olhava
com uma expressão que não pôde decifrar. Mas pensou que
fosse de confiança e desejou que assim fosse.
Capítulo 6
Dançava divinamente, como a maioria

dos bons vivants3.

A união desafortunada, de uma dama arrependida.

— Estou gorda.

Diante do espelho em seu quarto, Sophia girava de um


lado a outro, franzindo o cenho criticamente diante da
imagem refletida.

O vestido que a Senhora Vüleneuve trabalhara


arduamente para que estivesse pronto para essa noite era
uma criação primorosa em seda vermelha, decote baixo e
anáguas douradas. Deveria estar se sentindo bonita, mas se
sentia uma mulher acabada.

Letitia riu e cruzou o quarto para se aproximar dela.


Podia rir tranquilamente, porque estava linda em seu vestido
de cetim rosa.

— Mas o que é isso! — zombou sua amiga. — Está


maravilhosa!

3
Que ou aquele que aprecia os prazeres da vida, que ou aquele que gosta de se divertir acima de tudo. Boêmio, estróina, folgazão,
playboy
Sophia não sabia se estava ou não maravilhosa, mas
talvez não estivesse tão bonita quanto gostaria de estar.
Jenny, sua criada, fizera um penteado muito elaborado e até
frisara algumas mechas de seus cabelos para adornar seu
rosto e colo. Inclusive fizera uso de alguns cosméticos na face
e nos lábios, não muito. Não queria parecer uma mulher
leviana.

— Agora pegue seu xale e vamos. Chegaremos tarde.

Sophia se dirigiu à cama para pegar o xale, sentia-se


ridícula.

— Muito bem. — disse Sophia, recolhendo suas coisas e


suspirando profundamente. — Estou pronta.

Depois de ser agarrada pelo braço, saíram do quarto e


desceram as escadas até chegar ao salão, onde Julian as
esperava.

Ao vê-lo, Sophia quase ficou sem respiração. Segurava


sua cartola na mão enluvada, o que deixava as mechas
espessas de seu cabelo à vista de seu olhar faminto. Vestia-se
de preto e branco. Casaca e capa pretas, calças largas, como
ditava a moda atual, também preta, camisa e lenço brancos,
com um colete marfim.

Ele a observou tão abertamente quanto ela o tinha


observado, mas Sophia não saberia dizer se Julian gostara do
que viu.

— Senhoras, — disse com uma reverência. — Devo dizer


que estão encantadoras esta noite.
— Só encantadoras? — perguntou Letitia rindo. —
Julian! Certamente pode pensar em algo que nos descreva
por completo! Veja Sophia. Não é a mais bela criatura que já
viu?

— Lettie. — Sophia a repreendeu em voz baixa,


ruborizada.

— Sim. — disse Julian, e o olhar surpreso de Sophia


encontrou o de Julian. — Certamente é.

Sophia sentiu como se uma onda de calor atingisse seu


corpo com o peso do seu olhar faminto.

— Obrigada. Você também está muito bonito.

— Meu irmão já sabe o quão atraente é, Sophia! — disse


Letitia rindo de novo. — Não é verdade, Julian?

Julian fitou sua irmã como se quisesse estrangulá-la,


mas não disse nada. Simplesmente aproximou-se das duas e
ajudou Letitia a colocar o xale e logo ofereceu sua ajuda a
Sophia.

— Não. — protestou. — Não necessito que me ajude...

Mas não pôde acabar a frase, porque ele pegou o xale de


suas mãos e o colocou sobre seus ombros. Não a tocou, e
mesmo assim havia algo incrivelmente íntimo no ato.

Molhando os lábios com a língua, ela o fitou. Ele a


observava tão insistentemente como o tinha feito momentos
atrás.

— Obrigada.
Julian sorriu ligeiramente como resposta. Era possível
que lamentasse tanto quanto ela a discussão que tinham tido
na noite anterior? Teria sido por isso que ordenara a seu
mordomo que não deixasse Charles entrar na casa? Era por
isso que estava tão solícito com ela?

Ela disse que o tinha amado. Como deveria se


comportar com ele? Uma voz baixinha, a de Edmund, lhe
sussurrava que uma senhora educada tinha que se
comportar como se nada tivesse acontecido, mas temia há
muito tempo não ser uma senhora educada, apesar dos
esforços de seu falecido marido.

— Me pergunto se posso tirá-la para dançar esta noite,


Lady Aberley.

Julian estava sorrindo, sorrindo como se ela nunca


tivesse gritado, como se ela nunca o tivesse acusado de não
ter.... Colhões.

— Claro. — respondeu com voz rouca. — Qual?

— A primeira.

Seu sorriso desapareceu e de repente parecia muito


jovem e inseguro.

— E a última.

Sophia não sabia muito bem por que, mas o fato de que
queria começar e terminar a noite com ela nos braços fez seu
coração bater com força.

— Vamos, crianças! — disse Letitia da porta antes que


Sophia pudesse responder. — Assim chegaremos tarde!
O afã de Letitia por chegar cedo ao baile não tinha nada
a ver com o fato de chegarem tarde, e sim com o fato de que o
Senhor Wesley estaria lá. Sophia esperava que a amiga se
comportasse de forma inteligente. Com música, alegria e
champanhe além da conta, uma jovem poderia acabar sobre
a escrivaninha de uma biblioteca escura pedindo a seu
acompanhante que a fizesse mulher.

Chegaram ao Éden pouco depois das sete. Era o único


clube desse tipo em Londres. Havia uma área para os
cavalheiros e uma para as senhoras, mas também havia uma
grande sala de jantar, seletos salões de jogos e dança para
que senhoras e cavalheiros usufruíssem sem problema.
Ninguém podia apostar mais do que podia pagar, e se a
direção considerasse que um cliente bebera além da conta e
não se comportasse de forma respeitável, era expulso, não
importando sua classe social ou o peso de sua carteira.

Embora as regras vigentes nesse tipo de estabelecimento


pudessem quebrar o clube, o Éden, desde sua inauguração
há dois meses, parecia ir bem nos negócios. Como era quinta-
feira, os salões estavam abertos e cheios de pessoas da alta
sociedade. O Éden rapidamente ganhava a reputação de ser o
lugar ideal para ser visto pela alta sociedade, posto que já
competia inclusive com o Almack'S.

Sophia quisera se poupar das apresentações públicas.


Mas quando seu nome foi anunciado, ouvi-se o burburinho
entre a multidão, e pareceu aumentar quando Julian logo
atrás se fez anunciar.
Julian, maldição, tinha a tranquilidade estampada no
rosto. E com toda dignidade trazia Sophia apoiada em um
braço e Letitia no outro, atravessou o salão como se fosse
algo totalmente normal.

Sophia tentou ignorar os olhares curiosos que os


seguiam e se pôs a apreciar a bela decoração do salão. Havia
uma dúzia de arandelas muito bonitas iluminando todo o
ambiente. Cortinas de gaze branca e azul cobriam as paredes
até o teto, o que criava um efeito grandioso. De qualquer
ângulo, Sophia podia ver vários vasos de palmeiras e
coloridos arbustos bem dispostos, o que conferia à sala um
aspecto exótico e perfume agradável. Letitia se separou deles
para conversar com alguns amigos. Sophia estava certa de
que o Senhor Wesley era um deles. Sozinhos, ela e Julian se
dirigiram a um pequeno grupo que se encontrava em um
extremo do salão de baile.

Uma mulher ruiva do grupo se virou quando se


aproximaram. Era Lilith.

— Sophia!

Rindo, as duas mulheres se abraçaram. Sophia não via


Lilith Mallory desde que os pais dela a tinham expulsado de
casa por haver se entregado a um canalha. Era óbvio que
tinha sobrevivido ao escândalo e que as coisas não a
atingiram irremediavelmente.

Talvez a situação em que se encontrava ainda tivesse


alguma esperança.
Lilith apresentou seu marido, Gabriel Warren, Conde de
Angelwood. Sophia tentou dissimular a surpresa que pudesse
refletir em seu rosto ao estender a mão ao Conde. Sophia fora
convidada para o seu casamento, mas como ainda estava em
período de luto... Céus, acaso não era o mesmo homem que
tinha arruinado Lilith há anos atrás? E este também não era
um velho amigo de Julian? Será que esses dois tinham por
costume acabar com a castidade de mocinhas ou seria uma
mera coincidência?

O outro amigo de Julian, Balthazar Wycherley, Conde de


Braven, estava acompanhado pela esposa, Rachel. Um casal
encantador. Era evidente que estavam apaixonados. Sophia
se perguntou se também teriam passado por algum
escândalo.

Do outro lado da sala, viu Letitia dançando com o Phillip


Singleton, herdeiro do Conde de Wroth, e um dos jovens na
lista de Julian para possíveis maridos ideais. Era um jovem
agradável, bonito, rico e amável, mas Sophia duvidava que
tivesse força suficientes para dobrar Letitia quando ela queria
algo.

Será que o Senhor Wesley poderia controlar Letitia. Seus


pensamentos foram interrompidos por Julian, convidando-a
para dançar.

Horas mais tarde, quando os pés de Sophia começavam


a doer de tanto dançar. Seu estômago também sentiu os
efeitos da dança, exigindo alimento com um ruído
embaraçosamente alto.
— Lady Aberley, — disse uma voz conhecida por trás. —
Concede-me a honra de acompanhá-la no jantar?

Sophia quis perguntar a Julian por que não


acompanhava para jantar uma das diversas moças com quem
dançara, mas conseguiu conter a língua. A última coisa que
ela queria é que soubesse o quanto a incomodara vê-lo
dançar com outras mulheres.

O salão de jantar do Éden era enorme, decorado com


bom gosto e tinha um variado Buffet 4 junto à parede de
fundo, e várias mesas menores dispostas por todo o salão
para que os convidados se sentassem, comessem e
conversassem longe do ruído e do calor dos outros salões.

— Não vejo seu cunhado aqui. — Julian assinalou,


colocando algumas fatias de tomate no prato de Sophia.

— Não. — respondeu servindo um ovo cozido para cada


um deles. — Charles não gosta deste tipo de divertimento.

Julian não disse nada e continuou colocando comida em


seus pratos.

— Perdoe-me. Ainda não tive a ocasião de lhe agradecer


por manter meu cunhado longe de mim.

4
Julian a observou brevemente, antes de servir
embutidos aos dois.

— Não o fiz para ganhar sua gratidão.

Será?

— Então, por que o fez?

Julian encolheu os ombros e suspirou profundamente.

— Tem que perguntar sobre tudo? Fiz porque quis. —


disse em voz baixa.

Estava claro que teria só essa resposta, e se deu por


satisfeita. Preferia mil vezes que Julian fizesse algo por ela
porque quisesse a vê-lo fazer algo que a colocasse em dívida
com ele.

Colocou uma conserva no prato de Julian.

— Bem, de qualquer maneira, obrigada.

Ele soltou uma gargalhada, o que fez várias pessoas da


sala se virarem para olhá-los.

Sentaram-se com Lilith, Gabriel, Brave e Rachel, uma


companhia surpreendentemente agradável. Sophia conhecia
bem Lilith para conversar com ela e Rachel era tão simpática,
que para Sophia foi muito fácil conversar com ela.

— Hoje chegou tarde como sempre, Julian. — Brave


zombou enquanto cortava um tomate.

Julian sorriu para seu amigo e Sophia sentiu inveja da


naturalidade com que se tratavam.
— Certamente você já estava há horas aqui quando
chegamos.

— Meia hora.

Seu amigo devolveu um sorriso.

— Saímos tão pouco que quando fazemos queremos


aproveitar ao máximo.

Julian se dirigiu a Sophia.

— Brave e Rachel são as únicas pessoas no mundo que


tiveram um filho. A responsabilidade os aflige de vez em
quando, como vê.

Sophia não sabia como reagir a brincadeira, mas se


juntou aos risos dos outros.

— Um dia o descobrirá por si mesmo, meu caro. —


informou-o Brave com uma seriedade simulada. — Então
seremos nós a rirmos às suas custas.

Negando com a cabeça, Julian manteve sua expressão


simpática.

— Não tenho pressa, meu amigo. Já eduquei


parcialmente duas meninas e não tenho pressa em repetir a
experiência.

Isso era verdade? Sophia nunca tinha conhecido um


homem que não quisesse ter um filho para continuar sua
linhagem. Mesmo Edmund, que provavelmente, teria sido um
pai indiferente, mostrou-se ressentido diante de sua
incapacidade de lhe conceder um herdeiro.
— Estou certo de que não dirá o mesmo quando o filho
for verdadeiramente seu, Julian. — afirmou Gabriel.

Com os olhos cerrados, Julian olhou para seu amigo.


Sophia observou como lhe iluminou o olhar ao entender o
significado.

— Por Deus. Vai ser pai? — deixou escapar.

Quando uma Lilith radiante assentiu, todos celebraram


e os felicitaram. Gabriel parecia que estava no céu.

Todos expressaram sua alegria diante da notícia e


Sophia supôs que esse bebê fosse algo que Gabriel e Lilith
estavam esperando desde que se casaram. Alegrava-se por
eles, mas como ela não era mãe, não podia se identificar com
a felicidade absoluta que refletia na face de Lilith.

— Está com inveja? — perguntou uma doce voz.

Sophia sorriu diante do enternecimento de Julian.

— Sinto-me estranha, só isso. — respondeu com


sinceridade. — Não é algo com o que eu possa imaginar.

Assentiu, olhando vagamente a volta das quatro pessoas


que falavam animadamente.

— Você não quis ter filhos?

Ela o olhou novamente.

— Quando me casei com Aberley era tão jovem e egoísta


que não me importava com isso.

Mas isso foi antes que seu marido morresse e Julian


sabia disso.
— E agora?

Encolheu os ombros.

— Agora que sou uma viúva de vinte e sete anos já me


acostumei com a ideia de que nunca os terei.

Julian disse o que sentia em relação à maternidade.

— Você ainda é jovem.

Sorriu.

— Não sou casada, Julian, e a não ser que acabe me


apaixonando desesperadamente por alguém, não tenho a
intenção de voltar a me casar.

Julian abriu a boca para falar.

— E não me diga que acha que eu seria uma boa mãe. É


um argumento tão convincente quanto me dizer que seria um
bom cabide. Tenho tanta possibilidade de ser uma coisa como
a outra. — disse levantando a mão quando ele se dispunha a
responder.

Julian riu.

— Acho que sei exatamente como se sente.

— Talvez devêssemos falar de outra coisa que não


fossem filhos. — sugeriu Rachel em um tom suave, embora
firme. — Certamente esse assunto não é muito divertido para
Lady Aberley e Julian.

Sophia se sentiu corar quando todos os olhares


recaíram sobre ela e Julian. De certo modo, surpreendeu-se
com a astúcia de Lady Braven, mas também fez com que não
se sentisse integrada ao feliz grupo. Acaso Julian se sentia do
mesmo modo?

— Não — replicou Julian com um falso entusiasmo


evidente. — Parece que estou em alto mar em plena calmaria.
Já compus meio soneto sobre o tema em minha cabeça.

Todos riram com bom humor. A conversa mudou e os


amigos de Julian passaram a lhe contar histórias divertidas
sobre Julian na adolescência. Ela gostou da mudança, mas
Julian não achou o mesmo. Desculpou-se pouco depois para
ir a procurar algo mais forte do que o champanhe do clube.
Sophia o observou disfarçadamente, admirando o delicado
balanço de seus ombros e como brilhavam as mechas de seu
cabelo.

— Sophia.

Arrastada de repente de volta ao mundo, Sophia


levantou o olhar e encontrou Letitia. A jovem estava
ruborizada e parecia muito feliz.

— Como estão as coisas!

O bom humor da jovem era contagioso.

— Estou me divertindo e você?

Letitia assentiu.

— Preciso que me ajude. — sussurrou.

Franzindo o cenho diante do fato de Letitia não parava


de puxá-la pelo braço, Sophia se levantou e permitiu que a
jovem a afastasse discretamente dos amigos de Julian.

Letitia a olhou com um olhar determinado.


— Logo começará a última valsa da noite. Preciso que
você mantenha Julian ocupado para que eu possa dançar
com o Senhor Wesley. Por favor?

— Tudo bem.

Tinha prometido mesmo a Julian a última valsa, assim


não seria nenhum inconveniente.

Letitia sorriu.

— Obrigada! E quando a última valsa acabar, gostaria


que lhe dissesse que vou me despedir de alguns amigos.
Encontro-me com vocês no vestíbulo.

Sophia franziu o cenho.

— Letitia, o que está aprontando? Prometa-me que não


sairá do clube com o Senhor Wesley, nem por um minuto.

O olhar de Letitia era suplicante.

— Só queremos nos despedir. Por favor, Sophia.

Apesar da preocupação, Sophia se rendeu. Letitia era


muito persistente. Certamente alguns minutos roubados não
causaria nenhum mal.

— De acordo, mas se não estiver no vestíbulo dez


minutos depois do término da última valsa, contarei tudo a
seu irmão.

Letitia franziu o lábio inferior amuada.

— Bem, como não tenho nenhuma outra maneira de


poder ir ao baile de Eversham.
Sophia a olhou surpresa. Era a primeira vez que ouvia
Letitia dizer que iria a outra festa essa noite.

— Acaso não vai nos acompanhar a Wolfram House?

Depois de negar com a cabeça, Letitia se dirigiu a porta


para ouvir os primeiros compassos da valsa.

— Não. Tenho outro compromisso. Mas não se


preocupe. Eversham é bem próxima a nossa residência. E
você tampouco terá que suportar a companhia de meu irmão
por mais tempo.

Dito isso, a jovem retornou ao salão de baile. Sophia a


observou. Tinha prometido a última valsa da noite a Julian.
Na valsa estariam muito próximos um do outro, se tocariam,
e depois ficariam sozinhos em uma carruagem onde ninguém
poderia vê-los ou ouvi-los.

Letitia não sabia o que significava "suportar".

— E então, se divertiu ou os meus amigos conseguiram


fazê-la se arrepender de ter vindo a Londres?

Sorrindo, Sophia se recostou contra as almofadas


macias da carruagem e suspirou. O cocheiro acendera a
lanterna interna 5 da carruagem e a chama dava aos traços
delicados de Sophia matizes de luz e sombras. Era um anjo
sombrio mandado à Terra para pôr em prova a força de
vontade de Julian. Seu entusiasmo crescente por ela
mostrava o quão perigosa poderia ser.

— Foi divertido, apesar de não estar acostumada a ver


tantas pessoas interessadas no que tenho a dizer. — O
sorriso de Sophia desapareceu. — Tem muita sorte de ter
amigos que se preocupam tanto com você.

Ele fez uma careta.

— Perdoe se o interesse deles a ofendeu.

— Não. Não me ofenderam absolutamente.

Julian estava contente. O tato não era a especialidade


de Brave nem, de Gabriel e parecia que Rachel e Lilith
tampouco as agradava também. Seus amigos se
concentraram em arrancar deles o que Sophia sentia por ele,
e o que ele sentia por ela.

A suspeita se confirmou após zombarem da adolescência


e juventude de Julian com anedotas do passado. Assim que
Brave pediu a Sophia que mencionasse alguma das que ela se

5
lembrava, Julian soube de imediato que a tinham aceitado
em seu pequeno círculo.

— Meus amigos gostaram muito de você — disse. —


Todos a elogiaram.

Sophia o olhou com um leve sorriso.

— Aposto que pensam que serei uma boa Condessa e


que lhe darei todos os filhos que deseja, embora não queira
admitir que os deseja.

Julian arregalou os olhos.

— Como sabia?

Ela riu.

— Como não saberia? Toda a conversa desta noite foi


dirigida a saber se eu seria ou não boa o suficientemente
para ser sua esposa. Acreditam que estamos juntos.

— E estamos?

Não pôde evitar de repetir a pergunta para si mesma,


embora não estivesse certa de querer ouvir a resposta.

— Juntos? Não acredito.

Julian se moveu no assento, tentando mostrar-se


indiferente à conversa. Tinha um braço colocado na parte
superior do encosto do assento. Agora havia o mesmo espaço
entre eles que antes, mas parecia que a carruagem encolheu
e os tivesse aproximado muito.

Não podia deixar as coisas desse modo.

— Então, o que acha que somos?


Olhou-o confusa.

— Eu... Não sei.

Ele fez uma careta.

— Eu também não.

Isso pareceu surpreender Sophia.

— Suponho...

Sophia se deteve.

— Acredito que independentemente do que sejamos,


estamos no caminho para sermos bons amigos.

— Amigos.

Seu riso suave soou pela carruagem enquanto repetia a


palavra. Sophia realmente pensava que eram amigos?
Gostava demais dela para permitir que fossem algo tão
insípido.

— Não acredito que possamos ser.

— Pois então, parece que estamos justamente onde


começamos. — comentou Sophia com falsa alegria evidente.

Julian sorriu.

— Não acredito.

Sophia o fitou como o coelho observa à raposa.

— Como?

Ele se aprumou e se inclinou para ela, colocando os


antebraços sobre os joelhos. Suas mãos juntas estavam a
poucos centímetros das pernas de Sophia. Julian podia
separá-las e tocá-la, se assim o desejasse.

Era evidente que ela pensou o mesmo, pois sua mão se


dirigiu à face de Julian, mas não completou o movimento.
Afastou-se de forma brusca.

Julian a observou em silêncio. Não tinha nada a dizer.


Todas as respostas que precisava estavam estampadas nas
feições de Sophia, coradas, e em seus olhos ardentes.

“O calor se espalhando sob suas roupas, o ar aquecido e


o perfume de Sophia no interior da carruagem... Precisava se
acalmar, ou...”

— Estive lendo seu livro.

Sophia se surpreendeu com a mudança de assunto.

— É mesmo?

Seus olhares se encontraram.

— Seu livro tem feito com que eu pense no que


aconteceu entre nós, embora sua explanação dos fatos não
seja muito fiel à realidade.

— É muito fiel!

Ela fechou os lábios indignada.

Ele estava se divertindo. Era perverso gostar do seu


ressentimento.

— Nas páginas em que descreve a noite que nos


conhecemos, diz que eu a convidei para valsar. E isso torna
Lorde Foxton, um homem espantoso por certo, parece ainda
mais meloso, mas você sabe tão bem quanto eu que foi você
quem se aproximou de mim.

Sophia encolheu os ombros e olhou pela janela.

— É um detalhe sem importância.

Era sua imaginação, ou ela corava ainda mais?

— E escreveu que eu a forcei na primeira vez que nos


beijamos.

A diversão se transformou em outra coisa, algo que fazia


seu sangue ferver nas veias. Lembrou-se do primeiro beijo
com uma clareza surpreendente e excitante.

— Senhor, isso aconteceu há sete anos — respondeu


mal humorada. — Não pode esperar que me lembre de tudo o
que escrevi.

Sorrindo, Julian estendeu sua mão esquerda e agarrou


a mão direita. Ao saírem do clube, ele não se incomodara em
vestir as luvas e pôde sentir o calor dos dedos de Sophia
através do tecido fino das luvas dela.

— Aposto que se lembra da primeira vez em que nos


beijamos tão bem quanto eu.

Sophia engoliu em seco (ele viu como tentava respirar


com esforço), mas não tentou afastar sua mão, mesmo
enquanto Julian puxava suas luvas pelos dedos, descobrindo
cada vez mais seu braço.

— Se relatei algo a mais do que realmente foi, peço


desculpas.

Levantou o queixo na defensiva.


— Mas não foi sugestão minha irmos à biblioteca do
meu pai. Não fui eu quem deixou uma garota enfrentar o pai
sozinha com o vestido desabotoado e a saia acima das ligas.

— Não — respondeu. — Não foi você.

Mas ela havia feito e dito muitas outras coisas, coisas


das quais Julian não queria falar. Havia um milhão de coisas
que queria fazer com Sophia nesse momento e discutir sobre
o passado não poderia modificar o que já se passara.

— Agora a pouco você levantou a mão, — disse


enquanto lhe tirava a luva por completo. — Queria me
acariciar?

— Não, claro que não.

— Pois o que queria fazer então?

Ele levantou a mão de Sophia. Com a palma para baixo


e os dedos para ele, a mão dela tremeu ligeiramente quando a
segurou.

— O que ia fazer?

Ele deixou cair sua mão, o que deixou a de Sophia entre


os dois. Teria de pedir que lhe devolvesse a luva ou cair na
tentação de tocá-lo, como ele sabia instintivamente que ela
desejava fazer?

— Queria tocar seus cabelos. — confessou, levantando


os dedos trêmulos até sua têmpora.

— Você sempre gostou mais deles do que eu, —


murmurou quase sem se atrever a respirar quando as pontas
dos dedos dela roçaram sua pele.
Ela se inclinou para ele.

— É tão bonito. Nunca entendi por que você não gosta.

Ele ficou imóvel, quase sem respirar. Não tentou detê-la.


Limitou-se a observá-la fixamente e esperou. Ela hesitou só
um segundo.

Julian fechou os olhos frente ao prazer sensual


enquanto sentia os dedos de Sophia se perderem entre os fios
de seus cabelos.

Movia a cabeça contra sua mão e se esfregava como um


gato que procura afeto. Seu cabelo parecia um desastre, mas
não se importava. Adorava sentir seu toque, tanto que lhe
doía o coração. Os dedos deslizavam em seus cabelos e as
pontas esfregavam o couro cabeludo. Tocou-o como se tivesse
um temor reverencial. Como Julian podia resistir a isso?

Abriu os olhos perguntando-se em silêncio o que


acontecera, porque ela parara de tocar os cabelos. Olhava-o
tão fixamente, com tanta paixão, que seu membro endureceu
quase instantaneamente.

— Entretanto, esta é a parte que eu mais gosto. —


murmurou, arrastando a ponta do dedo até chegar a seu
lábio superior.

Usou todo o dedo para lhe tocar o lábio inferior.

— Pensava que uma boca como essa era um total


desperdício em um homem, mas assim que me beijou percebi
estar redondamente enganada.
Julian conteve a respiração. Acaso ela notara?
Certamente, porque seus dedos se congelaram na carícia e os
retirou de seus lábios. Parecia horrorizada.

— O que vai pensar de mim?

O sussurro atormentado o aliviou ao entender que


Sophia agira impulsivamente. Julian respirou fundo.

— Sei que é a mulher mais perigosa que conheço. —


respondeu em voz sussurrante, que lhe pareceu irregular. —
O que quero saber é o que pensa da minha boca agora? —
continuou enquanto seu olhar dúbio se encontrava com o
dele.

Lentamente, Sophia se inclinou a frente, tão perto que


ele podia sentir sua respiração no rosto. Sophia fechou as
pálpebras e seus lábios se encontraram...

Algo se fez em pedacinhos no peito de Julian. Parecia


que algo preso em seu interior libertou-se de seus grilhões
com júbilo, espalhando-se por cada fibra de seu ser. De tudo
o que já tinha experimentado na vida, beijar Sophia sempre
superava tudo.

E deixou que ela o beijasse. Não usou as mãos para


agarrá-la, nem tentou controlar o beijo aumentando a
pressão de seus lábios contra os dela. Deixou que ela
controlasse tudo. Sophia saberia que com isso Julian estava
lhe oferecendo sua confiança?

Sophia gozou daquela sensação incrível. Saboreou


Julian, contornou seus lábios com a língua e ofegou de prazer
cada vez que ele abria a boca para deixá-la entrar.
Embora permitindo que ela controlasse o beijo, que ela
unisse sua língua a dele, e marcasse o ritmo, Julian queria
possuí-la. Ela sabia disso com a mesma certeza de que o sol
nasceria pela manhã. O corpo de Julian fervia com a tensão.
Queria controlar a situação. Queria sentir todo seu corpo,
queria tocá-la, queria fazer amor.

Mas Sophia ainda não estava preparada para isso. Não


podia se deixar levar tanto. Não podia se arriscar a um novo
escândalo, nem tampouco daria seu coração pela segunda vez
sem total garantia. Ele sabia disso. Estava lhe pedindo que
confiasse nele, e ao lhe deixar controlar o beijo mostrava que
podia confiar nele.

A carruagem parou de repente, interrompendo o beijo


antes que Sophia pudesse fazê-lo. Abriu os olhos de repente.
Julian a estava observando.

— Chegamos em casa.

Julian tinha a voz rouca da excitação evidente.

— Sim.

Foi tudo que Sophia pode em dizer.

Nervosa, afastou seu olhar de Julian e começou a


recolher seus pertences. Julian lhe devolveu a luva e ela a
vestiu com rapidez, enquanto a porta da carruagem se abria e
um lacaio baixava as escadas.

Entraram juntos na casa. Julian segurava o chapéu e as


luvas diante dele e Sophia soube sem dúvida por que o fazia.
O beijo o excitara tanto quanto a ela, embora seu desejo era
uma dor baixa e palpitante em seu interior e a de Julian era
fisicamente evidente.

Era tarde. Quase toda a criadagem, inclusive Fielding,


estava na cama, assim não havia ninguém para recolher os
chapéus e casacos, felizmente. Sophia teria morrido de
vergonha se algum dos criados descobrisse o que ela e Julian
estiveram fazendo na carruagem.

Subiram as escadas, um ao lado do outro, cada um com


o olhar fixo à frente, sem dizer uma palavra, embora a tensão
entre eles estivesse carregada de promessas e confissões que
era melhor nem falar.

O corredor estava às escuras. Só um candelabro de


parede iluminava a distância entre seus aposentos e os de
Julian. Ninguém saberia se Sophia o convidasse a entrar.
Ninguém saberia se quisessem passar a noite juntos.
Ninguém, exceto ela e Julian.

— Boa noite — ele disse com olhos de lobo.

Sorrindo temerosa, Sophia não sabia se o beijava, ou se


chorava. Ele estava tomando a decisão por ela.

— Boa noite, Julian.

Girou a maçaneta e entrou em seu refúgio iluminado


suavemente. Ele continuou observando-a enquanto fechava a
porta.
Capítulo 7
— Não quero que me beije.

Lorde Foxton sorriu.

— Querida, se não quer, por que está aqui comigo, sozinha e

na escuridão?

A união desafortunada, de uma dama arrependida.

Só um cadáver poderia dormir depois de um beijo como


aquele.

Julian precisou reunir todas as suas forças para se


afastar da porta do quarto de Sophia, pois o desejo de unir
seu corpo ao dela era superior à necessidade de respirar.

Assim que a porta se fechou e os separou, Julian se deu


conta de quão sozinho estava. A casa parecia silenciosa,
maior e mais tenebrosa. A luz do corredor parecia mais tênue
e menos acolhedora, pois Sophia não estava ali com ele. De
repente, entendeu por que se sentira como um estranho entre
seus amigos e porque invejava suas uniões felizes.

Estava só. E tinha que ser Sophia, a mulher que não


tinha direito algum de afetá-lo como o fazia, quem lhe
mostrou o quão vazia era sua vida. O desejo que sentia por
seu corpo não era nada comparado com o quanto precisava
de sua companhia.

Talvez ela risse se soubesse? Enquanto descia as


escadas até o salão escuro se perguntou se Sophia saberia o
efeito que tinha sobre ele.

E principalmente, ele realmente sabia o que sentia por


ela?

Talvez ele se sentisse assim por qualquer mulher que


lhe desse atenção. Mas outra parte dele insistia que Sophia
preenchia um vazio em sua vida, pois ela sabia melhor que
ninguém como fazer com que se sentisse especial.

Mas também o fizera se sentir como um tolo patético.


Não podia se esquecer disso, por mais doce que fosse seu
toque ou por mais que a boca de Sophia o saciasse.

Haviam dois castiçais6 acesos no grande salão, um na


cristaleira entre as escadas e a porta do vestíbulo e outro em
uma pequena mesa que iluminava o corredor. Apanhou o
castiçal da mesa e o usou para iluminar o caminho até seu
gabinete.

Não se incomodou em fechar a porta. Era tão tarde que


ninguém o incomodaria, e se o fizessem também, não se

6
importaria. Nesse momento, aceitaria qualquer coisa que
afastasse seus pensamentos sobre Sophia.

A união desafortunada estava sobre sua escrivaninha,


com a capa o encarando em tom acusador. Quase acabara de
lê-lo, estava a ponto de chegar à cena em que ele, Lorde
Foxton, condenara a heroína, e não conseguira continuar
com a leitura.

Em nenhum trecho do livro mencionava que ela o


quisesse apanhar. A heroína, Jocelyn, estava cegamente
apaixonada pelo vaidoso, arrogante e muito empertigado,
Lorde Foxton, e estava convencida de que o que ela sentia por
ele fosse recíproco.

Sophia o vira desse modo? Tão arrogante e vaidoso? Por


Deus! Nessa época nada teria estado mais longe da verdade.
Talvez tivesse sido um pouco arrogante, como a maioria dos
homens de sua classe, mas vaidoso? Não. A beleza de Julian
tinha sido o veneno de sua existência. A única coisa que o
deixava um pouco vaidoso era a sua capacidade de escrever
e, em retrospectiva, não era para tanto assim.

A forma como Sophia descrevia a si mesma, contrastava


com a imagem da pessoa que tinha sido. Descrevia-se como
uma jovem insegura, e se perguntava se alguém realmente a
via tal como era verdadeiramente. Jocelyn era uma garota
mimada, tratada como uma boneca por seus pais, mas que
só desejava alguém que a amasse pelo que era.

Julian acreditou que tinha libertado essa garota, mas


automaticamente pensou o pior dela quando o pai os flagrou
naquela situação. Estava seguro de que ela só quisera
apanhá-lo.

Não. Um momento... Não tinha pensado isso até que se


anunciou o compromisso dela com Aberley uma semana mais
tarde.

Na verdade, ele tinha acreditado que controlava a


situação. Pensara que poderiam continuar dessa maneira e
que depois ele decidiria quando se casariam. Céus, depois
que o pai de Sophia os pegou na biblioteca, Julian notou
como lhe arrebataram o pouco controle que tinha sobre sua
vida. O pai de Sophia tentou obrigá-lo a se casar com ela, do
mesmo modo que o destino o tinha deixado sem os pais e
tivera de assumir todas as obrigações de seu título, posição e
principalmente desempenhar o papel de pai para as irmãs, e
quando perdera Miranda... Deus, naquele momento estava
cansado de ter sua vida controlada por outras forças... Então,
infelizmente, tinha insistido em manter o controle da
situação.

Ao saber do casamento de Sophia, encobriu sua dor


dizendo aos quatro ventos que ela só se casara porque tinha
interesse no título e fortuna de Aberley. Bem, talvez ele
estivesse certo, mas isso não mudava seu comportamento
deplorável. Tampouco alterava o fato de tê-la humilhado
publicamente por se recusar a casar com ela. Apesar do
comportamento voluntarioso dela, ele era um homem feito,
deveria ter assumido suas responsabilidades. Tinha a
obrigação de ter um comportamento irrepreensível.
Céus, era mais semelhante ao Lorde Foxton do que
imaginava, tinha que reconhecer.

— Julian? Você está bem? — perguntou a voz suave de


Letitia que provinha da entrada.

Julian a olhou e se obrigou a sorrir para tranquilizar a


irmã.

— Estou bem. Não acha que chegou muito tarde em


casa, mocinha?

Letitia entrou na sala. Aparentava menos de vinte e


quatro anos. Julian lembrou-se de ter visto essa mesma
expressão feliz muitas vezes na feição de Miranda. Mas isso
fora antes, antes de ter engravidado de um de seus criados do
estábulo, antes de tirar a própria vida quando o desgraçado
não quis se casar com ela.

Com Miranda, ele tinha cometido muitos erros. Não faria


o mesmo com Letitia. Queria vê-la feliz e bem casada, nem
que tivesse de mover céus e terras para que isso acontecesse.

— Dancei com lorde Regley e logo Vitória Melbourne


sentiu-se mal quando Sir Walter Trundel apareceu com Lady
Jane Sedgway.

Movendo a cabeça, Julian franziu o cenho. Do que sua


irmã estava falando? Ah sim! Da festa dessa noite.

— A senhorita Melbourne estava doente?

Letitia pôs os olhos em branco.

— Não. Julian, acaso não dá a devida atenção às


fofocas?
— Não, se posso evitar.

Sabia por experiência própria que, quando se dá


atenção às fofocas acabava ouvindo algo sobre si mesmo.

Sua irmã parecia encantada em explicar a situação.

— Há meses Victoria Melbourne persegue Sir Walter.


Todo mundo sabe que é louca por ele, embora ele não tenha
feito nada que a incentivasse.

— Não que você saiba. — Julian aparteou.

Letitia franziu o cenho.

— Bem, só uma tola persegue um homem que não


deixou claras as suas intenções.

Julian não pôde deter as palavras que saíram de sua


boca.

— Sua amiga Lady Aberley me perseguiu. Vai julgá-la


com tanta dureza?

Sua irmã corou a tênue luz das velas.

— Não é a mesma coisa.

Julian encolheu ombros. Não podia acreditar que


estivesse discutindo isso com sua jovem irmã!

— Você não sabe o que sir Walter pode ter prometido à


senhorita Melbourne em um momento de paixão.

Letitia abriu os olhos e a boca surpresa. Depois de um


momento de silêncio, Julian prosseguiu em voz calma.

— Bom. Conheceu algum cavalheiro interessante?

Letitia sorriu delicadamente.


— Dancei duas vezes com o Senhor Wesley.

Arqueando uma sobrancelha, Julian procurou em sua


memória as feições associadas ao nome.

— O herdeiro de Penderthal?

Letitia assentiu, com uma expressão carregada de


esperança na face.

Julian negou com a cabeça. Wesley era um agradável


jovem herdeiro de um bom título, mas não gostou da ideia.

— Lettie, melhor não se animar com as intenções desse


rapaz. O pai era um jogador e um libertino muito conhecido.
Talvez o Senhor Wesley acabe sendo assim também.

Letitia empalideceu e Julian se arrependeu no ato.


Certamente a conversa sobre vícios tinha ofendido sua
sensibilidade. Às vezes Julian se esquecia de que era mais
delicada do que sugeria sua idade.

— De qualquer forma, alegro-me de que tenha se


divertido. — disse enquanto se levantava. — Já é tarde, por
que não vamos dormir? Amanhã um dia duro nos espera.

Sua irmã se dirigiu à porta e, com o castiçal na mão,


Julian a seguiu. Não falaram enquanto subiam as escadas. A
mente de Julian se encontrou novamente invadida com
pensamentos sobre Sophia. Não se perguntou por que Letitia
ficara tão calada de repente.

Na semana seguinte, Julian passou mais tempo com


Sophia do que tinha planejado a princípio. Acompanhou
Sophia e Letitia a vários eventos sociais, incluindo uma tarde
no teatro, e se o tempo permitisse, ele e Sophia se sentavam
para conversar de vez em quando. Evitavam falar do passado
e de qualquer assunto que pudesse feri-los.

Quanto mais convivia com ela, mais gostava. Era fácil


falar com ela e parecia que se interessava de verdade pelo que
Julian tinha a dizer. Sophia perguntava, dava sua opinião
com franqueza e ria de suas brincadeiras, o que lhe agradava
muito.

De fato, ele estava adorando Sophia. Era franca, sincera


e não maliciosa, ao menos, não com ele, porque não tinha
paciência alguma para aguentar pessoas de má índole, ou
estúpidas, e se assegurava de deixar o que pensava bem
claro.

Também era muito boa e paciente com Letitia. O


comportamento de sua irmã mudara radicalmente assim que
Sophia se fez presente. Julian não sabia se a mudança se
devia totalmente à presença de Sophia, mas de qualquer
maneira, estava contente com a presença dela. Tinha falado
com Sophia sobre o que queria para o futuro de Letitia, e ela
lhe dera sua sincera opinião a respeito.

— Se Letitia vier a se casar só para agradá-lo, pode


acabar sendo muito infeliz. — avisou.

Julian prometeu seguir seu conselho. Começava a


perceber que Sophia não aconselhava levianamente e quando
opinava, sempre parecia razoável.

Ele também sabia que Sophia escondia algumas coisas


sobre ela e ele fazia o mesmo. A convivência dos dois se
mostrava agradável, mas nenhum deles estava disposto a
confiar no outro plenamente. Julian começava a notar que
Sophia tinha parte daquela jovem atrevida ainda escondida e
reprimida em seu interior, a mulher em que se tornou era
muito, muito mais misteriosa e perigosa que a jovem do
passado.

Por mais que tentasse, não podia esquecer o beijo que


tinham partilhado outra noite na carruagem. O fato
acontecera há menos de quinze dias, mas parecia ter
acontecido há poucas horas, já que ocupava grande parte dos
seus pensamentos.

Não ajudava muito o fato de Sophia estar presente cada


vez que levantava a cabeça. Precisava se distanciar dela,
tinha que fugir antes de mandar tudo para o inferno e bater
na porta do seu quarto.

Incapaz de suportar a ansiedade por mais tempo,


decidiu sair de casa e ir ao White’s.

Os homens olharam para Julian assim que entrou no


clube. Julian ouvia sussurros e risadas enquanto se dirigia à
mesa em que estavam seus dois amigos. Era curioso. O que
tinham para mexericar sobre ele?

Gabriel e Brave estavam entretidos conversando quando


Julian se aproximou. A conversa parou de repente, quando se
deram conta da sua presença. Os dois tinham as expressões
carregadas de culpa.

Que seus amigos estivessem falando dele, não era de se


surpreender. Não havia segredos entre eles e suas vidas
sempre foi assunto de conversa. O estranho era que Brave e
Gabe parecessem tão incomodados.

— O que houve? — perguntou Julian quando se sentou


com eles.

Gabriel sorriu. Parecia um sorriso forçado.

— Olá, Julian. Como vai?

Olhando primeiro um e logo ao outro, Julian franziu o


cenho.

— Como sempre bem, mas parece que hoje sou o tópico


mais interessante nas conversas.

Gabriel e Brave se olharam.

Colocando o braço na mesa, Julian se inclinou a frente.


Olhou primeiro Brave em seguida Gabriel.

— Muito bem, o que estão espalhando sobre mim?

Antes que um dos dois pudesse responder, Julian notou


alguém colocar a mão em seu ombro.

— Cuidado, Wolfram, não há maior perigo que uma


mulher despeitada.

Carrancudo, Julian levantou o olhar e encontrou Lorde


Pennington, uma das pessoas que menos gostava em toda a
Inglaterra, o infeliz sorria. Por sua aparência, parecia ter
bebido em excesso e nem eram quatro da tarde.

— Não tenho ideia a que se refere, Pennington. —


respondeu com sangue frio.

O homem, com o rosto avermelhado, moveu a cabeça.


— Como confiar em uma mulher que lhe acaricia com
uma mão e o apunhala pelas costas com a outra?

Julian sentiu uma sensação fria na nuca. Não tinha


nem ideia do que o homem estava dizendo, mas começava a
desconfiar a quem se referia.

— Bem, as que fingem estar acima das recriminações


são tão putas quanto as demais, na verdade, são piores. Ao
menos qualquer meretriz diz seu preço em alto e bom som.

Pennington riu as gargalhadas da própria brincadeira e


golpeou Julian nas costas.

— Rapaz, gosto das morenas, assim que se cansar dela,


mande-a para mim, bem sei como tratar esse tipo de mulher.

Julian observou Pennington sair cambaleando.


Normalmente não teria permitido que alguém falasse assim
de uma mulher, mas tinha uma sensação de ansiedade na
boca do estômago, uma sensação que lhe dizia que não era
com Pennington que deveria se enfurecer. Com a mandíbula
tensa e os punhos fechados, olhou os amigos.

— É melhor dizer o que está acontecendo, antes que eu


tenha que lhes arrancar isso a pancadas.

Brave e Gabriel se olharam. Os olhos castanhos e


preocupados de um se encontraram com os cinzentos do
outro.

— Estão espalhando esse livreto por toda Londres. —


disse Gabriel.
Brave hesitou por um segundo, olhando inquieto para
Julian antes de tirar um pequeno volume debaixo de sua
cadeira. Parecia novo e o entregou a Julian.

Sabia do que se tratava antes mesmo de tocá-lo. A


sensação de ansiedade na boca do estômago piorou ao sentir
o peso em sua mão.

Leu o título:

Uma união desafortunada: a verdadeira história sobre o


escândalo da jovem seduzida.

Sophia Morelle, Marquesa de Aberley.

Com a garganta seca, Julian engoliu em seco e passou à


página seguinte, com a espantosa intuição de que havia mais.

A Julian.

Espero que lorde Foxton não lhe pareça um personagem muito


pouco lisonjeiro. A descrição é sincera, para não dizer generosa.

Cordialmente, Sophia.

Cadela.

Uma voz em seu íntimo lhe implorava para que não


tirasse conclusões precipitadas. Talvez Sophia não fosse
culpada, mas quem mais poderia ser? Era um velho
escândalo e ninguém mais conhecia essa dedicatória, a não
ser que a tivessem visto ou lido. Sophia a tinha escrito a mão
no exemplar que lhe dera e este estivera no mesmo lugar
desde que o guardou há quase sete anos. Só podia ser coisa
dela.

Mas não fazia sentido. Por que faria algo assim? Na


outra noite, quando o tinha beijado, parecia que o desejo que
sentia por ele era sincero. Julian achou que começava a
confiar nela. Maldição! Confiou nela.

Só havia uma explicação. Ela lhe preparara uma


armadilha. Um plano escuso com o intuito de se vingar dele.
Sophia pensou em usá-lo e depois arruiná-lo do mesmo modo
que ele a tratara.

Deveria tê-la deixado em Hertford a mercê de Charles


Morelle.

Tranquilamente, fechou o livro e se levantou. Parecia


que todos os olhares se concentravam nele, esperando sua
reação. Mas não lhes daria a satisfação de vê-lo perder a
cabeça.

— Cavalheiros, tenham um bom dia. — disse


calmamente, fazendo Gabriel e Brave trocarem olhares
preocupados.

Se dissessem uma palavra, começaria a soltar


impropérios.

— Creio ter deixado alguns assuntos pendentes.


Com o livro sob o braço, levantou-se e, sem pressa,
dirigiu-se a saída. Manteve a cabeça erguida enquanto
recolhia seu chapéu e as luvas. Consciente de que era
observado pela janela do clube. Já do lado de fora, manteve
sua aparência de tranquilidade, e subiu em sua carruagem
como um homem sem preocupações na vida.

Estava guardando sua fúria. Guardando-a para Sophia


Morelle, e que ela começasse a correr assim que o visse.

— Diga-me, por que Julian a avisou para que não


incentivasse as atenções do Senhor Wesley.

Levando a xícara aos lábios, Sophia observou Letitia por


cima da delicada borda dourada. Estavam no salão vermelho,
uma sala luminosa e acolhedora que agora recebia os raios
de sol da tarde.

Letitia parecia triste há mais de uma semana. Embora


não lhe fosse estranha suas mudanças de humor, o que
deixava receosa era que não estava dramatizando a situação.

Letitia desviou o olhar das chamas que crepitavam na


lareira e de olhos baixos se dirigiu a Sophia.

— Julian afirmou que o pai do Senhor Wesley era um


libertino e um jogador... Mas eu sei que Marcus não será
como o pai!
Sophia não disse nada. Pensou que Julian só estava
preocupado com a felicidade de sua irmã e isso era
admirável.

Há uma semana ela pensaria que Julian, como sempre,


estaria sendo cruel e ignorante com a irmã.

— Letitia, converse com seu irmão. Quando ele souber


sobre os seus sentimentos, estou certa de que dará uma
oportunidade ao Senhor Wesley.

Letitia não respondeu.

— Você gostaria que eu conversasse com ele primeiro?


— Sophia acrescentou enquanto Letitia se mantinha em
silêncio.

— Não!

Deixando a xícara no pires ruidosamente, Letitia


levantou o rosto com os olhos suplicantes.

— Se Julian suspeitar de que você e eu escondemos algo


dele, ficará ainda mais decidido a não me dar razão. Prometa-
me que não lhe dirá nada sobre Marcus!

Sophia a olhou com surpresa, segurando a xícara no ar.

— Letitia, creio que está agindo de maneira exagerada.

— Prometa-me que não dirá nenhuma palavra, Sophia.


Nem se Julian a ameaçar.

Os olhos arregalados de Letitia se destacavam no rosto


pálido.

— Por favor, Sophia. Prometa!


— Não concordo, mas prometo.

Sophia prometeu manter silêncio para que a jovem


amiga se acalmasse. Era óbvio que Letitia estava convencida
de que o irmão acabaria com todas as suas esperanças de se
casar com seu escolhido. Orou para que Julian não lhe
fizesse uma pergunta nesse sentido, pois não queria mentir,
ainda mais agora que a confiança entre eles era tão frágil.

Então, como que convocado por seus pensamentos,


Julian entrou como um furacão na sala.

A doce sensação de prazer que sentiu ao vê-lo congelou


rapidamente ao ver o olhar feroz dirigido para ela.

— Inferno, mulher. Por que fez isso? — perguntou.

Sophia calmamente pousou a xícara no pires e se


levantou, surpresa ante o ataque repentino.

— Fiz o que?

Seus olhos escureceram.

— Sabe muito bem, mulher.

Letitia se levantou, olhando angustiada do irmão para


sua amiga.

— Talvez seja melhor deixá-los a sós.

— Não! — disse Julian. — Quero que fique. Quero que


saiba o que sua suposta amiga andou tramando nas nossas
costas.

Tentando manter a calma, Sophia contemplou a ira


refletida nos olhos de Julian.
— Eu também quero saber o que andei tramando.

— Não se faça de inocente, Sophia. Sabe muito bem que


me refiro a isto.

De súbito, lançou-lhe algo que caiu ao chão a poucos


centímetros das saias de Sophia. Era um livro.

Sophia o pegou e leu o título na capa.

Oh, Santo Deus. Sentiu o mundo dar voltas ao seu


redor. Abriu o livro com os dedos trêmulos e descobriu a
dedicatória.

Queria vomitar. Estava arruinada, completamente


arruinada.

— Onde encontrou isto? — disse com um sussurro


patético ao olhar para Julian.

— Brave e Gabe me disseram que foi distribuído por


toda a Londres — respondeu. — Conversei com o editor,
embora se trate de uma reedição, o sujeito pensa que será
um tremendo sucesso, pois a autora é a Marquesa de
Aberley. — Julian apertou os lábios. — Mas você já sabia
disso, não é?

Era como se a mente e o corpo de Sophia não


conseguisse reagir à mesma velocidade. Seus pensamentos
giravam entre as possibilidades catastróficas rapidamente,
seu corpo estava paralisado.

— Você está pensando...?

Sophia se deteve. Claro. Ele a culpava. Dar-se conta de


que ele não confiava nela lhe doeu, mas não tanto quanto
teria imaginado. Claro que a culpava. Não sabia nada sobre a
maldita cláusula do testamento de Edmund. Não sabia nem a
metade das coisas que Charles fazia para tentar arruiná-la
completamente. Se estivesse em seu lugar, ela certamente
também o culparia.

Altiva, lançou à lareira.

— Sei que não acredita em mim. — disse mantendo


a postura erguida. — Mas não tenho nada a ver com isto.

Julian riu. Foi um som ferido e duro que machucou o


coração de Sophia.

— Está dizendo que o responsável por isto é outra


pessoa? O que essa pessoa ganharia com isso, Sophia? Quem
mais conhecia essa dedicatória? Quem mais sabia que tinha
escrito essas palavras malditas?

Sophia não tinha uma resposta. Apenas suspeitas.

Letitia, que de algum modo tinha conseguido se manter


calada durante a discussão, escolheu esse momento de
silêncio tenso para falar.

— Julian, deve haver algum engano. Sophia nunca...

Se o olhar que Sophia lançou a amiga não conseguiu


fazê-la se calar, o grunhido zangado do irmão o fez.

— Fique fora disto, Letitia! — a advertiu.

Letitia franziu o cenho. Ela o conhecia muito bem para


temer seu mau humor.

— Você ordenou que eu ficasse.


Julian se virou para fitá-la, com o músculo da
mandíbula tão tenso que lhe doía.

— Sim, para ouvir. Se for para dar sua opinião, retire-


se.

Sophia se irritou e encontrou forças para revidar.

— Deixe-a em paz, Julian.

Julian esboçou um sorriso malévolo.

— Esta é minha casa, Lady Aberley, — a lembrou


acintosamente. — Aqui eu mando e desmando.

Julian lhe lançou as palavras que ela dissera na casa de


campo com amarga facilidade.

— Pois bem, Senhora. Já conseguiu o que queria. —


continuou quando ela decidiu não responder a afronta. —
Agora saia desta casa e se afaste de minha irmã.

— Não! — gritou Letitia.

Tanto Julian quanto Sophia a ignoraram.

Sophia assentiu orgulhosa. Seria perda de tempo


discutir. De qualquer maneira Julian não a ouviria.

— Partirei dentro de uma hora.

Julian pareceu surpreso por não se defender nem por


implorar perdão, mas o que ela poderia dizer para se
defender?

Letitia saiu correndo atrás de Sophia, as lágrimas


escorriam em profusão pelo seu rosto.

— Sophia, não vá!


Sorrindo com esforço, Sophia se virou e pegou a mão da
garota, apertando-a na sua.

— Venha, ajude-me a fazer as malas, — disse inflexível


fitando Julian nos olhos. — Isso, se seu irmão não tiver nada
contra.

Julian assentiu. A expressão tão inexpressiva quanto o


granito.

— Se for para que saia desta casa o quanto antes,


ajude-a Letitia.

O coração de Sophia estava em frangalhos. Nunca


imaginara que o final da relação com Julian voltasse a se
repetir. Embora desta vez tivesse a pequena satisfação de ser
ela a abandoná-lo.

Mas, para onde diabos iria?

O escritório de Finch, Barrow e Abercrombie se


localizava na Gray's Inn, onde exerciam o ofício há várias
gerações. Por ser mulher, Sophia nunca tivera um motivo
muito forte para entrar no edifício antes, mas agora, com seu
futuro pendendo por um fio, não tinha escolha.

Entrou pela porta acanhada, subiu o lance de escadas


estreitas, e sem estar acompanhada sequer por uma criada
entrou no escritório e se dirigiu ao empregado sentado atrás
da grande escrivaninha de carvalho.

— Posso ajudá-la? — perguntou olhando-a de forma


insolente.

— Sou a Marquesa de Aberley. — informou com o tom


mais altivo que tinha. — Diga a seu patrão que eu gostaria de
conversar com ele, por favor.

— S... Sim, Senhora.

O empregado imediatamente se pôs de pé.

— Um momento, por favor.

Sophia observou como saiu correndo com uma sensação


de satisfação indefinida. Depois daquele dia, duvidava que
alguém voltasse a cumprir suas ordens.

Talvez sua situação não fosse tão péssima. Talvez assim


que conversasse com os senhores Finch, Barrow e
Abercrombie, algo que já deveria ter feito há tempos, e lhes
contasse sobre as maquinações de Charles, eles pudessem
ajudá-la. Quem sabe houvesse outra maneira de interpretar o
testamento de Edmund. Afinal, escrevera o livro há anos
atrás, não poderia ser responsabilizada pelo escândalo que
pudesse causar agora.

Com esse fino fio de esperança firmemente aninhado ao


peito, sentou-se em uma das cadeiras duras de carvalho na
recepção e esperou que o empregado voltasse.

Usava um vestido azul modesto, um manto de pele cinza


e uma boina combinando. Esperava que sua aparência
convencesse os advogados de que era inocente. Mesmo Julian
tendo pagado essa roupa, o que já lhe era embaraçoso.

O que aconteceria se Charles já tivesse entrado em


contato com eles? E se não acreditassem nela? Para onde
iria? Preferiria morrer a ser obrigada a voltar para a casa de
seus pais. Os únicos amigos que tinha na cidade além de
Letitia eram Lilith e Lady Wickford. Letitia não podia ajudá-la
e tinha dúvidas se Lilith ou Lady Wickford se prontificariam,
pois tinham uma estreita relação com Julian.

O empregado voltou.

— Irão atendê-la agora, Lady Aberley.

Levantando-se com toda a dignidade, Sophia agarrou a


coragem e permitiu que o jovem lhe indicasse o caminho pelo
corredor.

O interior da sala era quase todo de madeira de carvalho


e estava decorado em tons de cores fortes. Era um escritório
tipicamente masculino, criado para impressionar outros
homens e intimidar às mulheres, como ela.

Entretanto, não foi a sala o que a intimidou. Quando viu


todos os homens do escritório sentados e olhando-a com
expressões irrefutáveis, Sophia soube que não tinha mais
esperanças.

Maldição. Um deles era Charles.

Todos se levantaram. Finch, Barrow e Abercrombie não


sorriram. Charles o fez com toda desfaçatez.
— Lady Aberley, — disse um dos advogados. —
Estávamos a sua espera. Sente-se, por favor.

Charles lhe segurou a cadeira, sempre sorridente. Era


um sorriso presunçoso. Sophia queria lhe dar murros até que
ele ou seu punho começassem a sangrar. Mas se limitou a
aceitar a cadeira que lhe oferecia. Os outros homens não
veriam com bons olhos que ela recusasse a gentileza.

Ao cabo de poucos minutos, o homem mais robusto que


estava atrás da longa mesa e seus dois companheiros um
pouco menos corpulentos lhe informaram que estava falida.
O atual Marquês já lhes tinha explanado sobre o "incidente
desafortunado", o que sem dúvida era o motivo pelo qual ela
estava ali.

— Sim. — afirmou Sophia lançando um olhar rancoroso


a Charles — Tenho certeza de que meu cunhado explicou
muito bem a situação.

Charles tinha maquinado tudo! Mas como? Não a


procurara desde sua chegada a Londres.

Não, ele se encontrara com Julian, que tinha ordenado a


seus criados que barrassem qualquer tipo de aproximação do
Marquês. Mas como ele conseguira o livro?

Deus! Acaso o miserável tinha contado a Julian seu


plano para arruiná-la e o tinha convencido a ajudá-lo?

Não. Era pouco provável. Nenhum homem se


submeteria a tanta humilhação pública por vingança. Ainda
mais um homem tão orgulhoso quanto Julian.
O advogado estava falando de novo. Estava-lhe
recordando, embora não precisasse que a lembrassem da
existência de uma cláusula em especial no testamento de seu
marido. Era a cláusula que estabelecia que teria todas as
necessidades satisfeitas para o resto da vida desde que não
se visse envolvida em nenhum escândalo que afetasse a ela
ou à família. Se desonrasse seu nome ou o da família do
marido falecido, ficaria sem um vintém e se veria obrigada a
abandonar as comodidades que tinha como viúva.

Fora a única condição de Edmund ao casar-se com ela.


Queria ter uma mulher bonita, um troféu. Por algum motivo a
escolheu. Ao se casar com ela e salvar o bom nome da família
de Sophia, ele em troca pedira a ela obediência total aos bons
costumes.

O pai dela a fizera concordar de imediato.

Levantou-se antes que o advogado tivesse terminado.

— Obrigado, senhor... Mas conheço muito bem os


últimos desejos de meu marido. Tenham um bom dia.

Assim que os tinha visto, soubera que aqueles homens


não a ajudariam, assim, nem sequer valeria a pena tentar
contar quais eram as verdadeiras intenções de Charles. Além
disso, vestida com as roupas que Julian pagara, seria muito
difícil convencê-los de que Charles lhe tinha negado todo o
possível para que ela se rendesse a ele.

Os homens, inclusive Charles, a observaram


boquiabertos enquanto saia da sala. A suas costas, Sophia
ouviu uma cadeira se arrastar contra o chão e em seguida
passos. Charles não perderia tempo.

Sentia uma necessidade louca de sair correndo, mas


manteve sua elegância ao caminhar. Não fugiria do covarde.

— Sophia.

Ela se deteve no corredor estreito e se virou.

―Por favor, meu Deus não deixe que ele veja o quão
assustada estou.‖

Dirigiu-se a ela, com as costas rígidas, arrogância,


presunção e confiança.

— Sabe que a culpa é sua! — disse-lhe. — Você mesma


provocou sua queda.

Em silêncio, Sophia o fitou altiva. Ficou claro, Charles


estava irritado por ela não ter caído na armadilha. Sua
expressão não deixava dúvidas.

— Não sabe o quanto me alegrei ao ter visto o livro no


escritório de Wolfram. Você deveria ter sido mais inteligente e
não escrever algo tão pessoal como dedicatória, Sophia. Com
um pouco de investigação da minha parte, logo descobri que
você era a autora de um texto tão encantador.

— Terei isso em conta na próxima vez que escrever um


livro. — respondeu com um tom surpreendentemente
despreocupado.

Ele franziu o cenho.

— Da próxima vez?
Sophia assentiu.

— Claro, terei que ganhar a vida de algum modo. Pensei


em escrever um livro sobre minha vida com seu irmão. Ou
talvez decida revelar a toda Inglaterra como foi conviver com o
Senhor me ameaçando e ofegando atrás de mim como um cão
no cio.

Que satisfação ver Charles vermelho e com os olhos


esbugalhados. Estava quase azul agora!

— Você não se atreveria.

Sophia arqueou uma sobrancelha como resposta.

Charles saltou sobre ela. Sophia fez todo o possível para


não gritar de medo quando se encontrou entre a parede e o
corpo duro exalando violência.

— Não precisa viver de modo precário, minha cara. —


murmurou deixando seu hálito quente tocar a pele dela. —
Basta voltar para casa comigo.

Desafiante, Sophia levantou o olhar.

— E viver o resto de minha vida como sua puta? Prefiro


vender meu corpo em Covent Garden a ser obrigada a passar
um minuto que seja na sua presença desprezível.

Ele se afastou com uma expressão de fúria contida.

— Bem, — grunhiu — Então está por sua conta. Logo


vai voltar para mim se arrastando e suplicando para se
tornar minha amante.

Sophia desenhou lentamente um sorriso de segurança.


— Continue sonhando, Charles, se o faz se sentir
melhor. Mas eu prefiro o inferno a ter de lhe suplicar por
algo.

Sophia aprumou o corpo, alisou as saias do vestido e o


deixou ali, olhando-a com uma mistura de raiva e
incredulidade. Ela caminhou alegremente até a recepção.
Sorriu ao empregado que a fitava embevecido e saiu do
escritório, fechando a porta com firmeza.

Era uma tarde quente e acolhedora, embora o sol


começasse a se por no horizonte. Tinha dinheiro suficiente na
bolsa para pedir uma carruagem, embora não tivesse ideia de
para onde ir.

Seu futuro era incerto, mas ao subir à carruagem,


Sophia tinha certeza de uma coisa. Sua vida estava em suas
mãos. Agora sabia o que era se sentir livre.
Capítulo 8
Como invejo os homens com seus clubes e

seus passatempos. Talvez se nossas vidas não fossem tão vazias,

nós, mulheres, poderíamos esquecer os homens tão facilmente

quanto eles nos esquecem.

A união desafortunada, de uma dama arrependida.

— Você é sem sombra de dúvidas, o sujeito mais


mesquinho da face da Terra.

Julian levantou o olhar dos papéis que tinha sobre a


mesa e olhou a jovem zangada que estava na porta de seu
escritório.

— Concordo! — respondeu prontamente. — Passei a


vida abusando de sua boa vontade. Neguei-lhe até o mais
ínfimo prazer. Sou um tirano.

Letitia franziu o cenho. Sua expressão era sombria e


contrastava totalmente com o alegre vestido amarelo que
usava.

Julian não gostava de amarelo. Era uma cor odiosa. Mas


em Letitia, caía bem. Parecia um narciso na fria tarde.

— Não me referia a isso e sabe muito bem.


Sim, sabia, mas não tinha nenhuma intenção de
permitir que o tornasse o vilão.

— Onde esteve? — disse com uma suavidade enganosa.

Por dentro, estava cheio de ira, pois ele sabia muito bem
com quem Letitia tinha estado nas últimas horas. Mas queria
ouvir dos lábios dela, para que pudesse libertar a emoção que
tinha em seu interior.

Sua irmã nem sequer tentou se desculpar.

— Estive com Sophia na casa de Lady Wickford.

Sophia. Só de ouvir seu nome, o coração começava a


pulsar com força pela traição. Nos últimos três dias, desde
que tinha descoberto seus planos, ele só tinha ouvido falar
dela.

As risadas, é obvio, pareciam segui-lo por toda parte. As


pessoas se divertiam em citar alguns trechos pouco elogiosos
do livro enquanto lhe davam tapinhas nas costas com falso
companheirismo.

E ainda havia os que queriam mostrar que estavam do


seu lado fazendo comentários mordazes e insultos sobre o
personagem de Sophia. Julian não respondia a nenhum dos
comentários, mas em seu intimo estava furioso. Queria odiá-
la, mas não conseguia, apesar de tudo.

— Pensei ter lhe dito que não queria você na companhia


dela.

A expressão de Letitia era de pura rebeldia.


— Sim, você me ordenou. E eu lhe respondi que não me
importam suas ordens. É minha amiga.

Suspirando, Julian passou a mão pelo rosto. Estava


cansado de brigar com Letitia. Só queria o melhor para ela,
mas sua irmã não conseguia ver isso.

— Bem — disse recostando-se na cadeira. — Faça o que


quiser. Só me prometa uma coisa. Quando estiver à beira da
ruína, procure-me antes de se afogar.

Letitia parecia estar angustiada.

— Pensei que já tinha superado isso, você não teve


nenhuma culpa na morte de Miranda.

— Fácil falar — respondeu passando a mão pelos


cabelos. — mas intimamente continuo a me culpar pela
morte dela.

Letitia fechou a porta e caminhou pela sala até se sentar


na beirada da escrivaninha ao lado dele.

— Julian, mamãe e papai fizeram todo o possível para


que eu e Miranda ficássemos bem. Ninguém pode criticá-lo
como irmão nem como pai.

Julian a olhou depois do doce elogio.

— Não? Se sou tão bom irmão, por que Miranda acabou


sendo vítima de um homem como aquele? E por que você
parece pensar que sou uma espécie de monstro quando
apenas quero vê-la feliz e protegida.

Letitia sorriu e inclinou a cabeça de lado, faceira.


— Julian, o seu conceito de felicidade e proteção pode
não ser igual ao meu, precisa confiar em mim e nas minhas
decisões, por mais errôneas e confusas, Miranda fez suas
escolhas.

Julian a olhou surpreso, e sentiu uma pressão no peito.

— Não quero falhar com você, Lettie. É tudo o que me


resta.

Letitia estendeu a mão e Julian a segurou,


apertando os dedos delicados.

— Não falhará. Pode me irritar no processo, mas não


falhará. Entretanto, existe uma pessoa com quem você está
falhando desastrosamente.

Julian esboçou um sorriso zombeteiro.

— Sophia?

— Não. Consigo mesmo.

Suas palavras o abalaram.

— Comigo mesmo?

Letitia assentiu, com paciente diversão.

— Eu noto sua expressão quando você a olha, Julian.


Sophia o faz feliz. Mais feliz do que jamais o vi.

— Está louca!

Retirou sua mão da de Letitia e se aprumou na cadeira.

— Não, não estou. — respondeu Letitia com o mesmo


tom suave que tanto o fazia lembrar de sua mãe. — Você
sente falta dela e ela de você. Precisam conversar, meu irmão.
Julian se levantou. Rodeando a mesa, angustiado,
deslizou as mãos pelos cabelos enquanto se dirigia à janela
mais próxima.

— E o que eu vou dizer? Que não me importo com suas


mentiras ou que já esqueci ter sido humilhado por ela uma
segunda vez? Sinto muito, Lettie. Mas não posso perdoar.

— Se está sentindo-se tão humilhado, Julian, é por suas


próprias ações. Tudo bem! Sophia queria se casar com você
sim, e desiludida escreveu o livro, mas eu tenho feito
perguntas, Julian. E descobri que seu comportamento não foi
muito melhor que o dela.

Julian olhava pela janela. Não queria pensar em seu


próprio comportamento. Podia imaginar o que Sophia teria
contado a Letitia.

Letitia desceu da escrivaninha e se dirigiu a ele.

— Julian, Sophia não mandou que reeditassem seu


livro.

— Então, quem foi?

Não havia ninguém mais que soubesse dessa


dedicatória. Do contrário, acreditaria na inocência de Sophia,
mas tendo em conta as provas.

— Talvez o cunhado de Sophia, o Marques de Aberley.


Sabia que ele a deixou a mercê da caridade alheia, meu
irmão.

Julian não podia acreditar. Aberley? Mas como? E ainda


mais importante, por quê? Parecia lógico que Sophia jogasse
a culpa no Marquês. Julian sabia que Aberley era um homem
com poucos escrúpulos, mas daí a arruinar completamente à
viúva do irmão?

Letitia continuou seu relato.

— Julian você a acusa devido a dedicatória no livro,


certo? Mas Sophia me garantiu ter escrito aquelas palavras
só em seu exemplar. Julian tem certeza de que no dia em que
Aberley esteve aqui, e ele esteve nesta sala, não poderia ter
visto o livro?

— Claro que não...

Mas Julian se deteve. Aberley estivera em seu gabinete


nesse dia. O livro de Sophia estava em cima de sua
escrivaninha, e tinha deixado Charles sozinho em seu
gabinete quando saiu da sala.

Deus! Não podia ter sido tão estúpido. Aberley poderia


ter encontrado o livro, aberto e visto a dedicatória, seria
possível?

Por mais tolo que fosse, Julian queria acreditar. Queria


que Sophia estivesse isenta de culpa, mas era impossível.
Seria muita coincidência pensar que nos poucos minutos em
que Aberley esteve em seu gabinete, tenha encontrado o livro
de Sophia e memorizado a dedicatória.

Embora fosse fácil se Aberley também tivesse visto as


notas de Julian em várias páginas. E não precisasse
memorizar a dedicatória; era suficientemente curta para
escrevê-la.
— Por que ele faria algo assim? — perguntou à sua
irmã. — O que conseguiria arruinando a viúva do irmão
dessa maneira?

— Há uma cláusula no testamento do falecido marido de


Sophia. — explicou Letitia. — Se houvesse um escândalo
Sophia ficaria sem um vintém.

Julian não se incomodou em esconder a surpresa.

— Letitia, conte-me tudo o que descobriu. Comece desde


o começo.

A história que lhe contou era surpreendente. Letitia lhe


contou que a Sophia não fora legado muitos bens, além do
fato de que Edmund Morelle esperava que sua mulher fosse
um modelo de viúva, tanto que tinha deixado no testamento
que se Sophia algum dia fosse envolvida em um escândalo
seria deixada na miséria. O marido de Sophia entregara sua
sorte aos advogados de confiança da família Aberley e do
irmão Charles.

— Certamente Charles não precisa de dinheiro. —


refletiu Julian em voz alta. — Por que quereria arruinar
Sophia?

Letitia corou, o que respondeu a sua pergunta sem


palavras. Julian sentiu um calafrio percorrer seu corpo
quando entendeu.

— Queria que ela estivesse a sua mercê. — sussurrou


Julian lembrando-se do comportamento aviltante do Marques
na casa de campo.
Lembrou-se de Charles subjugando Sophia sobre a
mesa, e do desespero dela enquanto tentava resistir.

Esse desgraçado estava tentando privá-la de todo


conforto para que ela se submetesse a ele, e como seus
planos não tinham funcionado tinha recorrido à força física.

E logo ele tinha lhe proporcionado a arma perfeita para


fazer Sophia se ajoelhar a seus pés.

— Maldição, por que não me disse nada?

Não podia parar de pensar que tudo isto poderia ter sido
evitado se Sophia tivesse confiado nele.

Letitia arregalou os olhos.

— Julian! Francamente, estou há três dias tentando lhe


contar o que descobri sobre o Marques e você...

Julian negou com a cabeça.

— Você não, Letitia. Por que Sophia não me contou?

Com os braços cruzados sob os seios, sua irmã o olhou


com aborrecimento.

— Além do assunto não ser da sua conta, se ela lhe


contasse, você teria acreditado?

Certamente não.

Letitia tinha razão. Era um imbecil. Certamente o maior


idiota de toda a Inglaterra. Agora o que poderia fazer?

— Aonde vai? — perguntou Letitia enquanto Julian se


dirigia à porta.
— Falar com Murray. — Julian a informou, detendo-se
na soleira. — Não é só o editor de Sophia. Também é o meu.
E se quiser que lhe mande mais poemas, terá que me dizer
quem mandou editar esse maldito livro.

John Murray era um homem de aparência sagaz e de


pouco cabelo, com um nariz achatado e largo e olhos que
viam mais coisas do que deveriam. Geralmente Julian não se
importava que o olhassem de maneira indiscreta, mas esse
dia era uma exceção.

— O que o faz pensar que alguém me ordenou reeditar


esse livro? — perguntou Murray. — E se o fiz por conta
própria?

Julian arqueou uma sobrancelha. Murray podia ser um


bom editor, Deus sabia que tinha feito Julian ganhar uma
pequena fortuna, mas mentia muito mal.

— Você também inventou a nova dedicatória no livro?

Murray sorriu afável.

— Não, embora acredite que já saiba que quem escreveu


o livro também escreveu a dedicatória.

A paciência de Julian estava se esgotando.

— Você entendeu muito bem o que eu quis dizer. Diga


logo, quem lhe ordenou que editasse o livro. Lady Aberley?
Julian observou Murray enquanto o editor tentava ler
sua alma. Finalmente, Murray assentiu.

— Sim, foi Lady Aberley quem ordenou que editasse o


livro com seu nome e a dedicatória.

Julian ficou gelado, lutando para respirar enquanto


sentia o gelo pressionar seu coração e os pulmões. Uma parte
dele sabia, até esperava, que suas suspeitas fossem
verdadeiras, mas mesmo assim doía. Doía muito mais do que
teria imaginado.

— É claro que desta vez não tratei diretamente com ela.


— continuou Murray.

Julian levantou a cabeça, quase sem poder acreditar em


seus ouvidos.

— Foi por intermediário do Marquês de Aberley. Ele se


encarregou do trato, e foi tudo legítimo, já que a Marquesa é
sua cunhada.

A pressão que Julian sentia no coração desapareceu tão


rápido que seu coração pulsou de repente com muita força,
quase contra as costelas. Murray não tinha tratado nada com
Sophia. Aberley o fizera.

Agradecendo a Murray pela informação, Julian saiu. Ao


subir em sua carruagem, ordenou ao condutor que se
dirigisse ao Gray's Inn e aos escritórios de Finch, Barrow e
Abercrombie, os advogados de Aberley. Conhecia bem a
empresa porque tinha feito negócios com eles no passado.
Esse contato prévio, e as cem libras que Julian tinha em seu
poder, fariam com que o Senhor Barrow viesse a ser muito
prestativo. Afinal, o testamento do falecido Marquês de
Aberley já não era um segredo, certo?

Barrow lhe contou ainda mais do que queria saber sobre


o testamento de Edmund Morelle. Sophia não mentira a
Letitia. Havia uma cláusula que exigia que se comportasse
absoluta decência e nos limites dos bons costumes, pois do
contrário ficaria sem nem um vintém, uma cláusula que o
atual Marquês fizera questão de usar, é obvio.

Julian saiu do escritório com um sabor amargo na boca.

Que tipo de marido faria algo assim com a esposa? Se


estipulava tais regras depois de morto, o que Sophia tivera de
se submetida enquanto o marido estava vivo? Certamente o
marido tinha acabado com a confiança de Sophia, com sua
alegria, com a audácia temerária que tanto o tinha atraído e
excitado no passado, ele a tornara uma pálida sombra de si
mesma.

Mas Julian sabia que a verdadeira Sophia ainda estava


ali, em algum lugar. Quando não havia ninguém mais ao
redor, ela havia lhe mostrado como era. Sophia confiara o
suficiente nele para ser ela mesma de novo.

Ele se zangou consigo mesmo ao ver como tinha


correspondido. Devia-lhe desculpas. Não! Devia-lhe bem mais
que isso.
Um toque com sua bengala no teto da carruagem foi o
sinal para que seu cocheiro colocasse os cavalos em marcha,
Julian se recostou nas almofadas com um nó na garganta:
era seu orgulho.

E lhe custaria muito engoli-lo.

Quando entrou no vestíbulo da casa de Grosvenor


Square, Sophia se surpreendeu ao se dar conta de que muito
pouca coisa mudou, e outras que nunca o mudariam. A casa
de seus pais era uma delas.

— Por Deus! — Jenkins, o mordomo, sorriu de orelha a


orelha — Olhe quem está aqui.

Sophia lhe devolveu o sorriso, embora as mariposas


voando dentro do seu estômago ameaçassem devorá-la viva.

— Bom dia, Jenkins. — saudou enquanto tirava as


luvas. — Como vai Margaret?

Os bondosos olhos negros do mordomo brilharam.

— Muito bem, Senhora. Batizamos no mês passado seu


segundo filho.

Sophia sempre gostara de Jenkins e não se importou em


adiar um pouco sua missão para conversar com ele. Não, a
ideia de enfrentar a seus pais, não a empolgava. Mas não era
uma covarde, não de todo, assim depois de ouvir as
novidades de Jenkins sobre os netos, deixou-o e se dirigiu ao
solário de sua mãe. Queria poupar Jenkins da ostentação de
anunciar sua chegada. Sem dúvida alguma, sua mãe já
esperava essa visita há muito tempo.

Caminhou pelo corredor estreito, os joelhos tremiam a


cada passo. Os olhares de desaprovação nos retratos de seus
antepassados a observavam com severidade. Só um rosto
parecia sorrir, o da quinta Viscondessa de Haverington. O pai
de Sophia lhe contara que esta se envolvera em um escândalo
pavoroso. Seu pai tinha comparado seu comportamento ao da
Viscondessa antes de obrigá-la a se casar com Edmund.

Sophia supôs que poderia ter feito comparações ainda


piores. Ao menos a Viscondessa parecia feliz.

Bateu suavemente à porta do solário.

— Entre.

Respirando profundamente, Sophia girou a maçaneta e


abriu a porta. Lady Wickford tinha lhe aconselhado a pedir
ajuda aos pais. Sophia preferia ter evitado a humilhação, mas
não tinha muita escolha. Se seus pais não a ajudassem, teria
que procurar trabalho. Lady Wickford oferecera hospitalidade
a Sophia indefinidamente, mas ela não queria depender da
boa amiga. Tampouco queria depender de seu pai.

A porta aberta revelou o conhecido interior azul e


branco. A primeira vista, parecia que não tinha mudado
muito. Possivelmente houvessem poucas peças de porcelana
nova sobre o beiral da lareira, um tapete novo e um par de
cadeiras novas, mas a sala aconchegante estava quase como
se lembrava.
Maria Everston levantou o olhar quando Sophia fechou
a porta. Além do fato de que sua mãe era uma mulher de pele
dourada e cabelos negros, devido a sua herança espanhola,
era como se olhar em um espelho envelhecido. Olhos negros
surpresos a fitaram e sua boca aberta emitiu um grito
abafado.

— Sophia.

Avançando Sophia lhe segurou as mãos, apertando os


dedos até que os nódulos ficaram brancos.

— Olá, mamãe.

Se Edmund não tivesse falecido prematuramente,


Sophia teria se tornado uma cópia da mãe. Filha de um
aristocrata espanhol, a jovem espontânea e alegre ao
conhecer e se casar com o Visconde de Haverington, fora
levada a Inglaterra e seu marido ali começou a tarefa de
transformá-la na perfeita Viscondessa Inglesa.

Seu pai tinha conseguido, Edmund não. Mas de vez em


quando, Sophia via traços da menina quando sua mãe
baixava a rígida guarda. Aquela era uma dessas ocasiões.

— Querida!

Sophia não sentia os braços de sua mãe rodeando-a


desde a morte de Edmund e agora necessitava do calor e da
força de seu abraço muito mais do que tinha precisado em
toda sua vida.

Lutando contra a dor que sentia na garganta, Sophia


abraçou a sua mãe antes de se afastar dela.
O olhar de Maria a avaliava, sem julgá-la.

— Disseram-me que estava em Londres. Esperava sua


visita antes, antes que acontecesse... Essa situação
desagradável

Sophia assentiu. O que podia dizer? Que a mãe não a


veria realmente se "a situação desagradável" não tivesse
acontecido?

— Pensei em vir antes, mamãe. Perdoe-me.

— Agora está aqui. Isso é o que importa.

Parece que sua mãe entendia que ela pedia perdão por
algo mais que por não ter vindo antes. A mãe segurou uma
das mãos de Sophia entre as suas e a conduziu para um
pequeno sofá azul que se encontrava perto das janelas
enormes.

Não haveria nem chá ou bolos para preencher o


incômodo silêncio enquanto Sophia lutava para reunir
coragem e pedir ajuda a sua mãe. Maria odiava chá, mesmo
vivendo há tantos anos na Inglaterra. Gostava de café forte,
mas só pela manhã.

— Ouvi rumores, Sophia. — disse sua mãe com voz


profunda e musical.

A Viscondessa continuava a ter um forte sotaque, o


mesmo que Sophia tinha quando criança.

— É verdade que Aberley a deixou sem nada?

Sophia assentiu, entrelaçando as mãos sobre o colo.

— Sim.
— E também é o responsável por esta... — Maria movia
os dedos no ar como tentado encontrar a palavra correta. —
Desta novela da qual ouvi falar?

Fitar sua mãe no rosto nesse momento foi uma das


coisas mais difíceis que Sophia já tinha feito na vida.

— Sim, ele é o responsável pela nova edição, mas eu sou


culpada da existência do livro.

Maria estalou com a língua e moveu a cabeça. Tinha


mechas brancas entre os cabelos cor de ébano, mais rugas ao
redor dos olhos e boca. Parecia muito cansada.

— Sophia... — foi tudo o que disse.

Reunindo toda a sua coragem, Sophia aproveitou a


oportunidade para apelar a mãe.

— Preciso de sua ajuda, mamãe.

Sua mãe levantou a cabeça. Seus olhos e boca eram


tristes, mas assentiu em consentimento.

— Do que precisa?

O coração de Sophia pulsava com força. Graças a Deus


sua mãe não lhe negaria ajuda. Era como se lhe tivessem
tirado um tremendo peso do peito.

— Preciso de um lugar no qual possa ficar, aqui com a


Senhora e papai ou na casa de Brighton, até que passe o
escândalo. Ou um empréstimo para que possa ir ao
continente ou a América para começar do zero. Não sei.
Não tinha ideia do que lhe proporcionaria o futuro, mas
por hora, fugir para o mais longe possível da Inglaterra lhe
parecia boa ideia.

Sua mãe assentiu.

— Seja o qual for sua escolha, eu a ajudarei.

A euforia de Sophia se fez em pedacinhos ao ouvir a voz


que provinha do lado oposto da sala.

— De modo algum terá nossa ajuda.

Uma sensação de humilhação, dor e decepção, como


quando era menina, invadiu o corpo de Sophia. Lentamente e
a contra gosto, virou-se para ver seu pai entrando na sala.

Era tão imponente quanto se lembrava, mas os anos


não foram benevolente com Henry Everston. Estava ficando
calvo, o que revelava seu couro cabeludo rosa, e estava muito
mais magro do que Sophia lembrava. Parecia cansado, como
se não pudesse dormir bem. Não era preciso ser muito
inteligente para saber o que lhe impedia de dormir a noite. O
olhar frio de seus olhos dizia tudo.

— Olá, papai.

Foi um sussurro patético e rouco, mas ao menos o


olhou nos olhos quando o disse.

Ele entrecerrou seus olhos azuis.

— Não posso acreditar que tenha a audácia de vir aqui


pedir ajuda a sua pobre mãe depois de toda a vergonha que
trouxe a esta família.
Ele odiava que ela o olhasse nos olhos. Em tom
desafiante, embora soubesse que não ajudaria a fechar a
brecha que existia entre eles, Sophia se levantou e enfrentou
altiva.

— São meus pais. — respondeu com uma voz mais forte


que antes — Aonde acha que eu deveria pedir ajuda?

A expressão de Lorde Haverington era tão fria como uma


estátua.

— Procure seu amante. Acaso não apreciou abrigá-la na


própria casa?

— Julian Rexley não é e nunca foi meu amante.

Não sabia por que persistia em explicar. Seu pai nunca


acreditaria.

— Não aprendeu nada? — seu pai perguntou mostrando


mais emoção do que Sophia tinha visto em muito tempo. —
Acaso não sente vergonha nem respeito por ninguém além de
si mesma? Antes, foi somente um bom casamento que
protegeu sua reputação. Desta vez não terá tanta sorte.

Sophia o olhou com atenção.

— O Senhor nunca soube ou quis saber nada do meu


casamento. Nem tampouco tem direito a decidir se tive sorte
ou não com ele. Nunca se importou com o que eu sentia ou
pensava, só se preocupou em aliviar a vergonha de ter uma
filha como eu. Só se preocupa consigo mesmo.

As narinas de Lorde Haverington se alargaram como se


estivesse respirando profundamente.
— Menina ingrata! Teve sorte de que alguém quisesse
carregar um fardo como você, e mais sorte ainda tendo sido
um Marquês!

A briga a estava consumindo, mas Sophia moveu a


cabeça.

— Não, pai. Você foi quem teve a sorte de que eu fosse


escolhida por um Marquês. Creio que tenha conseguido uma
boa soma com meu casamento.

Os olhos do Visconde se entrecerraram de novo.

— Quanto você quer?

Sophia ficou sem respirar.

— Como?

— Não brinque e nem se faça de tola comigo. Acabou de


falar em dinheiro. Qual é o seu preço? Darei o que quiser
para que não tenha o desprazer de vê-la outra vez.

Deus! Não podia acreditar no que ouvia! Pensava que ela


queria dinheiro? Mas ver um pai pagando a sua filha para
não voltar a vê-la era ainda mais perturbador. Acaso pensava
que poderia controlá-la tão facilmente? Era quase tão
tentador quanto insultante. Ela passou a vida passando do
controle de um homem ao de outro. Não concederia ao pai
mais poder sobre ela.

— Não quero seu dinheiro. Vim em busca de algo que


não pode me dar.

A expressão de seu pai era de altiva incredulidade.

— E o que é?
— Amor. — respondeu Sophia. — E apoio. Agora vejo
que não estou no lugar certo. Não é capaz de me dar uma
coisa nem outra.

— Acaso não a eduquei? Não lhe dei um teto? Acaso não


a alimentei? Não a deixei bem casada? — balbuciou seu pai.

Bem casada? Era assim que ele via as coisas? Só


porque Edmund tinha um título e uma fortuna, seu pai
presumia que deveria ser um bom marido? Vagamente,
pensou se Julian veria por esse ângulo os candidatos a mão
de Letitia. Esperava que estivesse enganada.

— O Senhor me vendeu a um homem que me via como


um objeto para mostrar a seus amigos. Um homem que me
humilhava e zombava de mim toda vez que podia. Não, pai,
eu lhe asseguro de que não me deixou bem casada.

Nem sequer parou para apreciar o olhar estupefato de


seu pai. Sophia se dirigiu a mãe, beijou-a e a abraçou
apressada. Maria tentou retê-la e lhe sussurrou que não se
fosse, mas Sophia negou com a cabeça. Não ficaria nem mais
um momento na casa desse homem.

Estava quase na porta quando ouviu seu pai gritar.

— Se quer meu dinheiro, é melhor que receba agora,


porque não permitirei que volte a pôr os pés nesta casa.

Sophia se virou e viu como sua mãe tentava falar, mas


seu pai a silenciou com um olhar.

— Estou com Lady Wickford, mamãe, eu adoraria voltar


a vê-la.
Haverington se avermelhou ante seu desafio descarado.

— Falo sério. Não quero que volte aqui. Não é minha


filha.

Sophia sorriu friamente.

— Obrigada, Senhor. Alegra-me saber que já não terei


que reconhecê-lo como pai.

Deixando-o boquiaberto, Sophia deu meia volta e saiu


da sala com toda a dignidade que lhe permitiram seus joelhos
trêmulos. Era a segunda vez em sua vida que deixava a casa
de seu pai e daquela vez não tinha intenção alguma de voltar.

— Há algo mais que eu ou Gabriel possamos fazer?

De pé, em um canto do salão de baile de lady


Penderthal, Sophia moveu a cabeça, sorrindo ante a
preocupação de Lilith.

— Trabalhar em seu clube seria maravilhoso, mas não


posso permitir que você e Lorde Angelwood sejam implicados
nesse escândalo; não quando são tão bons amigos de Julian.

Não estava tão despreocupada quanto parecia. Não


poderia sobreviver sem um salário. Mesmo uma pequena
renumeração já bastaria. Estava acostumada a economizar.
Mas ninguém a contrataria. Tinha um escândalo nas
costas. Ninguém haveria de querê-la como mestra por medo
do que pudesse ensinar às meninas. Ninguém a quereria
como governanta porque era "muito atraente". E não tinha
habilidades para fazer nada mais. Era terrível costurando e
sua capacidade musical, inexistente. Se não fosse por seu
orgulho, estaria tentada a procurar novamente seu pai e lhe
suplicar que lhe desse o dinheiro que tinha oferecido a ela há
dois dias. Mas não queria pedir nada nem a ele nem a Julian.

— Viu Julian? — perguntou cedendo a sua curiosidade


mórbida.

— Não. — respondeu Lilith. — Sei que Gabriel o viu


várias vezes, mas ele não se atreveu a me procurar, e talvez
seja melhor assim. Estou muito tentada a lhe dizer boas
verdades e Gabe acabaria por se aborrecer por eu estar
aborrecida. E você?

— Tampouco.

Entretanto, tinha visto Letitia várias vezes.

— Não o vejo desde o dia em que me pediu para sair de


sua casa.

A expressão de Lilith era sombria.

— Não posso acreditar que Julian tenha se comportado


assim sem lhe dar uma oportunidade para que se explicar!

Encolhendo os ombros, Sophia bebeu um gole de seu


champanhe. Estar envolvida em um escândalo de viúva era
algo inusitado na sociedade inglesa. Nem todos a tinham
excluído de sua lista de convidados. De fato, anfitriãs como
Lady Penderthal consideravam emocionante ter Sophia em
suas recepções. Assim as pessoas teriam algo do que falar
além das toaletes das senhoras.

— Bem, ele acredita que o humilhei publicamente. —


Girou a taça e observou como as borbulhas explodiam com o
movimento. — Oxalá o tivesse feito. Então estaríamos quites.

— Assim, como represália, espera que se exibindo em


público consiga afundar a adaga um pouco mais fundo, não
é?

Acaso ela seria tão transparente? Sentiu o rosto corar ao


pensar como Lilith podia desvendar seu íntimo tão
facilmente. Sim, uma parte dela queria que Julian soubesse
que não estava trancada no quarto da casa de Lady Wickford
chorando sua perda. Queria que ele soubesse que não
deixaria de frequentar qualquer reunião social a qual fosse
convidada, não iria demonstrar nenhum tipo de desconforto.

No entanto, tinha muitos problemas. Não podia ficar


indefinidamente na casa de Lady Wickford, mas se a situação
não lhe desse escolha, teria de se tornar uma cortesã.
Começava a se desesperar, até tinha considerado em se
oferecer ao lorde Phillip como amante. Era um homem
atraente e parecia gentil. Certamente seria um bom protetor,
mas então passaria a ser uma propriedade e para ela era
inaceitável.
— Ou talvez eu esteja procurando um marido. — Sophia
assinalou com expressão fingida. — Isso certamente acabaria
com meus problemas.

Lilith revirou seus olhos verdes acinzentados em branco.

— Ou mais novos problemas. Isso é sério, Sophie, o que


pretende fazer?

— Francamente. Não sei.

Era a verdade aterradora. Era um pesadelo de ser uma


mulher bem educada. Não ter dinheiro ou um homem.

— Se tivesse nascido em uma classe social mais baixa,


poderia encontrar trabalho em algum lugar.

Sorriu como que desprezando a si mesma.

— Sempre pode montar seu próprio negócio. — sugeriu


Lilith. — Eu posso lhe ajudar.

O apoio da amiga a comoveu. Estendeu a mão, segurou


e deu um leve apertão na mão enluvada de Lilith.

— Obrigado. Você é uma grande amiga, mas seria um


péssimo investimento. Não posso fazer nada.

Uma sobrancelha de Lilith se levantou.

— Poderia escrever outro livro.

Depois de quase se engasgar com o champanhe que


tinha na boca, Sophia tossiu e aceitou o lenço que Lilith lhe
ofereceu para limpar os olhos.

— Mas foi um maldito livro que me colocou nesta


confusão! — exclamou enquanto ainda tossia.
Lilith encolheu os ombros
delicadamente.

— Mais uma razão para pensar que


outro livro poderia salvá-la, não?

Com outro gole de sua bebida, Sophia


limpou a garganta.

— Seria uma escritora tão ruim quanto uma amante. De


fato, prefiro ser amante. Ao menos não me pediriam para
pensar.

Lilith riu ante seu tom mordaz.

— E a quem pensa em escolher como protetor?

— Eis a questão! — disse uma voz profunda e


inconfundível que lhe fez sentir um calafrio da cabeça aos
pés. — Quem?

Capítulo 9
— Algumas senhoritas se esforçam tanto em ir às compras

como em encontrar um marido.

Lady Eloise sorriu.


— Acaso os homens não fazem o mesmo? Um chapéu novo.

Um novo marido.

— Minha querida Jocelyn, qual é a diferença?

— Ora não se pode jogar um marido quando a aba começa a

cair.

— Não, mas você pode dá-lo à outra moça.

A união desafortunada, da Marquesa de Aberley.

Por um segundo, Julian considerou a possibilidade de


fugir. Era temerário de sua parte aproximar-se dela em um
lugar público como aquele, mas sabia que Sophia se
recusaria a recebê-lo se a procurasse na casa de Lady
Wickford. Aqui, Sophia não poderia sair correndo sem causar
um novo escândalo.

E além disso, queria saber realmente quem ela


escolheria para amante. Bastava a ideia de outro homem
tocando-a para provocar seu pior lado. Uma parte dele a
reclamava há muito tempo e não estava disposto a se dar por
vencido.

Os olhos de Sophia pareciam brasas ardentes sob as


arandelas bem iluminadas. A luz reluzia e cintilava nas
profundezas de ébano, de tal maneira que o brilho parecia vir
dela e não das luzes no teto. Vestida de seda rosa com
pequenas flores nas mangas e na saia, com a pele
naturalmente bronzeada sob a luz brilhante, parecia tão
jovem e fresca como uma manhã de primavera. Uma profusão
de analogias florais e eróticas inundou a mente de Julian.
Pensamentos como pétalas resplandecentes se abrindo para
ele, o toque em seus lábios e dedos. Eram tolices poéticas,
mesmo para ele, mas o seu membro não parecia se importar,
e acordou nas calças, o que o incomodou.

Sophia notou sua excitação rapidamente.

— Bem, Lorde Wolfram, seja qual for o escolhido para


meu protetor, isso não é assunto seu.

Se as palavras fossem lanças, Sophia o teria atravessado


contra a parede com a aspereza de seu tom. Até Lilith, a
quem considerava uma amiga, fulminou-o com seu olhar
turbulento. Não lhe tinha ocorrido que outros pudessem
tomar partido no assunto, mas por hora, Sophia estava sendo
muito mais eficaz: tinha Lilith, Lady Wickford e Letitia ao seu
lado. Eram três mulheres que tinham um papel importante
na vida de Julian e que além disso, não tinham nenhum
problema em lhe dizer o quanto podia ser idiota. Perfeito.

— Tem razão. — reconheceu baixando as armas, não


queria Sophia na defensiva.

Julian lançou um olhar à outra mulher.

— Boa tarde, Lilith.

Com o queixo erguido, Lilith lhe fez uma reverência fria.

— Julian.
— Você poderia nos dar licença? Lady Aberley e eu
precisamos conversar.

Sophia abriu a boca, mas Lilith se adiantou.

— Não creio que...

— Aí está, querida!

Julian sorriu ao ver Gabriel se dirigir a sua esposa, com


um grande sorriso no rosto. Lilith podia apoiar Sophia, mas
Gabe ainda estava do seu lado. Se Lilith não desse a Julian
uma oportunidade de falar com Sophia a sós, Gabriel a
convenceria.

— Venha dançar comigo antes de voltarmos para casa.


— disse Gabriel agarrando a mão da esposa e lhe depositando
um beijo terno na fronte.

Era óbvio que Lilith ficou contente. A carne pálida carne


exposta pelo decote de seu vestido verde mostrava certo
rubor.

— Gabriel, já lhe disse que não precisamos voltar tão


cedo.

— E eu lhe respondi que não quero que se esforce


muito.

O olhar cinzento de Gabriel transbordava de tanto amor


ao olhar a esposa que Julian quase sentiu vergonha de vê-lo.
Além disso, sentiu uma pontada de inveja que o fez se sentir
ainda mais incômodo. Invejava a felicidade e o amor na vida
do amigo. Queria ter alguém com quem trocar olhares e
palavras ternas.
Observou Sophia lhe lançando olhares carregados de
raiva. Se quisesse consertar as coisas, teria de agir agora,
antes que atraíssem ainda mais atenção do que já tinham
despertado ao serem vistos ali conversando.

— Por favor, Sophia.

As narinas de Sophia se dilataram ligeiramente quando


levantou o queixo.

— Não tenho nada a tratar com o ―Senhor‖.

Julian fez uma careta.

— Mas eu tenho assuntos pendentes a tratar com a


―Senhora‖.

— Não duvido. — respondeu com um tom tão quente


quanto as águas do Tamisa em Janeiro. — Mas não estou
interessada. Boa noite, Lorde Wolfram.

Julian viu sua impotente retirada, incapaz de detê-la


sem alimentar mais falatórios. Altiva e impetuosa. Essa era
sua Sophia. Partiu sem ouvir o que ele tinha a dizer, embora
certamente já soubesse que ele conhecia a verdade sobre o
livro. Sophia queria ignorá-lo e Julian não podia fazer nada
mais que admirá-la precisamente por isso.

Entretanto, o fato não significava que permitiria a


Sophia ganhar o ponto. Essa noite viera até ali para se
desculpar e o faria, embora só fosse para apaziguar sua
consciência. Não se importava com a ideia de se rebaixar, não
se fosse para iluminar os olhos de Sophia com a surpresa.
Virou-se para Gabriel e Lilith esperando se desculpar,
mas os dois já tinham se afastado. Ao repassar brevemente a
pista de dança, os viu entre os outros casais com movimentos
lânguidos no compasso da valsa. Lilith ainda parecia
ligeiramente inquieta com seu marido e Gabriel parecia
gostar. Não havia nada mais estimulante para um homem do
que fazer um jogo de vontades com uma mulher. Era uma
versão civilizada e moderna da caça.

Com a extremidade do olho, Julian viu sua presa


abandonar o salão. Serpenteando entre a multidão para não
atrair nenhuma atenção indesejada, seguiu Sophia. Ela podia
torná-lo um vilão se assim desejasse, mas não facilitaria as
coisas para ela. Julian lhe devia desculpas e ela as ouviria.
Também queria ajudá-la. Se ela recusasse sua ajuda, seria
problema dela, não de Julian. O que lhe acontecesse depois
disso não seria assunto dele. Seria assunto do cavalheiro que
Sophia escolhesse como protetor. Mas Julian mataria quem
se atrevesse a tocá-la.

Saiu do salão e chegou ao corredor. Uma dúzia de


candelabros iluminavam o lugar, o que lhe permitia ver
ambos os lados. Fixou-se em um ponto rosa que desapareceu
em uma entrada à esquerda. Logo ouviu alguém fechar a
porta sigilosamente. Era Sophia, tinha certeza.

Esperando que ela não tivesse entrado na sala de


descanso das senhoras, Julian se moveu rapidamente pelo
corredor.
Olhando por cima do ombro para se assegurar de que
não havia ninguém no redor, colocou os dedos sobre a
maçaneta e a girou.

Quando a porta se abriu, não viu nenhuma sala de


descanso, a não ser uma pequena biblioteca. Com a tênue
luz, Julian pôde ver que as paredes estavam cheias de livros e
mapas. Havia um grande globo terrestre em um canto e o ar
cheirava ligeiramente a livros e a tabaco.

Sophia estava de pé, olhando por uma das janelas que


havia atrás da escrivaninha no outro lado da sala. O único
candelabro no cômodo estava ao seu lado e Julian pôde ver
sua expressão de surpresa como se estivessem sob a luz do
dia.

— O que está fazendo aqui? — perguntou.

Julian se aproximou.

— A segui.

Sophia o encarou com os olhos escuros e lhe lançou um


olhar de falcão sobre um camundongo.

— Não quero você perto de mim.

Julian merecia sua ira, mas lhe doeu igualmente. Fez


um gesto para a porta que tinha atrás de si.

— Pois saia então.

— Eu cheguei aqui primeiro. Você é quem tem de sair.


Como que tivesse percebido o quão infantil soou, encolheu os
ombros com indiferença.

— O Senhor está diante da porta e não me deixa sair.


Julian sorriu.

— Parece que cada vez fica mais difícil se livrar de mim,


não?

A julgar pela tensão em sua face, Sophia não


compartilhava seu bom humor.

— Minha reputação já está suficientemente prejudicada,


Lorde Wolfram. Não preciso que me vejam sozinha com o
Senhor.

— Não desejo prejudicar ainda mais nossas reputações.

— Então, por que está aqui?

— Já lhe disse. Quero falar com você.

Sophia cruzou os braços por baixo dos seios. Se


soubesse o quanto esse gesto acentuava o profundo vale de
seu decote, não o teria feito.

— Bem, eu creio que já me disse tudo o queria em sua


casa.

Julian continuava olhando-a fixamente.

— É sobre isso que quero lhe falar.

— Não há mais nada a dizer.

— Sophia, por favor, ao menos ouça-me.

Curiosamente, Sophia se calou.

— Quero me desculpar.

Julian se aproximou mais dela e notou como levantava


as sobrancelhas, surpresa.
— Não reagi bem quando descobri a dedicatória no livro.
Não pensei que pudesse haver outro culpado além de você.
Quando Letitia me contou sobre a cláusula do testamento de
seu marido e o.... Interesse que Aberley tem por você, o erro
que tinha cometido. Sou consciente de sua situação atual e
quero que saiba que lhe oferecerei toda a ajuda que estiver ao
meu alcance.

Bom. Conseguira. Estava feito.

Sophia o olhou altiva.

— Obrigada, mas não sou sua responsabilidade.


Tampouco me deve uma desculpa por seu engano. Era uma
conclusão lógica, eu teria feito o mesmo se estivesse em seu
lugar.

Julian meneou a cabeça. Não podia acreditar no que


ouvia.

— Não me culpa?

Sophia moveu os lábios e esboçou um leve sorriso


amargo.

— Não por ter reagido desse modo.

Algo em seu tom fez Julian voltasse a intervir.

— Mas me culpa de algo. Do que?

Sophia cruzou os braços em atitude protetora e apoiou o


quadril sobre a escrivaninha. O tecido do vestido se esticou
ao fazê-lo, o que perfilou suas generosas curvas.

— Culpo-o por me fazer acreditar que as coisas tinham


mudado entre nós, que sentia por mim certa estima. Pensei
que embora não confiasse plenamente em mim, ao menos
poderia me respeitar. Mas me enganei.

Suas palavras o rasgaram no ato, inclusive antes de as


rebater.

— Por que acha que reagi dessa maneira, Sophia?


Porque eu também pensei que as coisas tinham mudado
entre nós. Respeitava e ainda respeito você. Não tinha
nenhum motivo para suspeitar que Aberley estivesse por trás
desta armadilha. Se no livro não estivesse contida essa
dedicatória, não teria tirado essas conclusões.

Sophia não respondeu. As vísceras de Julian ardiam de


frustração. Acaso Sophia não podia crer que suas palavras
eram sinceras? Acaso não podia entendê-lo como ele a
entendia? Julian lhe causara muitos danos, mas Sophia não
podia ver que ele também estava profundamente ferido?

Finalmente, Sophia assentiu. O gesto exprimia uma


dolorosa derrota e partiu o coração de Julian.

— Me senti tão tola. — sussurrou. — Pensei que...

Julian a prendeu entre os braços e a beijou antes que


pudesse acabar a frase. Não queria saber o que ela pensava.
Não queria ouvir nada mais sobre como decepcionou, ou
sobre as expectativas que tinha abrigado para com ele. Toda
sua vida se apoiava em expectativas e em tentar cumpri-las, e
até agora não lhe dera nenhuma satisfação. Assim era
importante ver Letitia bem casada, então estaria sossegado.
Mas não queria ouvir mais nada sobre como tinha
decepcionado Sophia. Não poderia suportar.
Os lábios de Sophia se separaram sob os seus. Sentiu o
hálito doce de Sophia quando a tocou com os dentes,
deslizando sua língua entre a doçura do champanhe na boca
de Sophia. Os braços dela envolveram o pescoço de Julian.
Todo o corpo dela estava colado ao dele, tentando-o e
excitando com a promessa do que oferecia.

Julian deslizou a mão por suas costas, e sentiu a seda


do vestido, macia e quente. Deslizou a mão por sua coluna,
pela leve ondulação situada antes dos glúteos, para poder
rodear a carne generosa de seu corpo com as mãos. Queria
sentir essa parte de seu corpo nua em suas mãos, e apertar e
massagear as curvas amadurecidas. Queria tudo de Sophia.
Queria lhe separar as pernas e se afogar em seu calor. Queria
sua boca, suas mãos, seu ventre sedutor. Queria tudo nesse
mesmo instante e não se importava com as sutilezas. Não
queria fazer amor, mas tampouco queria uma cópula
mecânica. Queria algo mais. Algo que o assustava. Queria ser
parte de Sophia Morelle e que ela fosse parte dele.

Ela estava sobre a mesa, com uma mão lhe tocando o


seio, procurando a dureza do mamilo sob o tecido do vestido,
e a outra mão lhe arregaçando a saia para tentar descobrir o
que escondia, quando o som da porta se abrindo soou como
um disparo em sua cabeça ofuscada de desejo.

Sophia também ouviu. O doce berço de suas coxas o


apertou como um torno ao redor dos dele.

— Outra vez não!


Não foi mais que um sussurro angustiado e
entrecortado contra seus lábios, mas Julian ouviu claro como
se tivesse gritado. Quase riu com a ironia, realmente o teria
feito se não houvesse sentido a profunda frustração que
vibrava entre suas pernas. Ele e Sophia estavam a ponto de
serem descobertos em circunstâncias muito
comprometedoras pela segunda vez em suas vidas.

No mínimo, agora não haveria ninguém que lhe exigisse


que se casasse com ela.

Sophia o apartou enquanto a porta se abria.

— Eu... Não... Peço perdão.

Julian fechou os olhos, irritado. Seu intruso era Leander


Fitzroy, Lorde Patterson, um dos muitos jovens que
competiam pela mão de Letitia.

Sophia saiu correndo da sala com um grito abafado.


Patterson se afastou do caminho para que ela pudesse
passar. Os homens observaram sua fuga.

A situação tinha esfriado o ardor de Julian. Nem sequer


se deu o trabalho de esconder o membro enrijecido ao se
dirigir ao jovem Visconde.

— Creio que posso confiar de que não haverá


comentários sobre este incidente, concorda?

Patterson o olhou com frieza. Tinha vinte e tantos anos,


um rosto agradável e os cabelos castanhos. Também tinha
um ar de moralidade que Julian não se precaveu com
antecedência.
— De certo, Senhor — respondeu.

— Bem.

Não precisava dizer nada mais. Julian queria sair da


sala e da casa tão rápido quanto fosse possível.

— Lorde Wolfram. — disse Patterson antes que Julian


pudesse se retirar.

Julian olhou para o jovem por cima do ombro.

— Sim?

Patterson engoliu em seco.

— Não tenho o direito de julgar...

— Exatamente. — Julian resmungou de repente muito


mal humorado.

Patterson permaneceu impassível.

— Mas não posso tolerar o modo como o Senhor trata


Lady Aberley. Não conheço os detalhes de sua relação, mas
ouvi rumores. E agora vi com meus próprios olhos como você
e a própria marquesa parecem mostrar pouco cuidado com a
reputação e o status social de Lady Aberley.

— O que está dizendo exatamente, Patterson? —


perguntou Julian franzindo o cenho.

O visconde levantou o queixo de forma imperiosa.

— Um verdadeiro cavalheiro se casaria com ela, Senhor,


e deixaria de brincar com o que lhe restou do bom nome.

Julian riu com dureza. Como se esse adolescente


pudesse entender sua relação com Sophia! Patterson
provavelmente não tinha ideia do que era perder a razão por
uma mulher.

— Não me conhece o suficientemente bem para me dizer


o que deveria ou não fazer, Patterson.

— É verdade, Senhor. Mas vi o suficiente para entender


que não gostaria de formar laços familiares com um homem
que se comporta de maneira tão inconsequente. Retiro minha
pretensão a mão de Lady Letitia.

Julian não podia acreditar no que ouvia.

— Como?

Estufando o peito, Patterson o olhou com frieza.

— Embora sua irmã seja encantadora, não posso evitar


de me perguntar se este tipo de comportamento seja comum
na sua família. Isso me faz pensar no escândalo referente à
sua outra irmã...

— Não. Não admito isso.

Maldição. Esse idiota teria sorte se Julian não lhe


arrebentasse a cara! Sem dúvida, Patterson se deu conta do
quão perto estava de sofrer alguma lesão corporal, porque
escolheu esse momento para se dirigir a porta, mas antes
virou-se e lançou o último ataque.

— Não só estou me questionando sobre os riscos de


fazer parte de sua família, Lorde Wolfram. Talvez o Senhor
não acredite que suas ações não possam vir a afetar sua
irmã. Mas se tiver alguma consideração por seu futuro, terá
que dar um exemplo melhor.
Julian observou o Visconde sair com uma mistura de
raiva e descrença. Pela segunda vez na vida, alguém lhe dizia
que seu dever era desposar Sophia.

E dessa vez, tinha razão.

— Olhar pela janela não o fará vir mais rápido.

Sorrindo, Sophia se girou. Lady Wickford entrou tão


silenciosamente no salão como uma fragata no porto, uma
fragata com um turbante cheio de plumas, pérolas e um
vestido de seda cinza.

— E quem diz que estou esperando alguém?

Lady Wickford se sentou em uma delicada poltrona e lhe


sorriu.

— Embora eu possa alardear por toda Londres que meu


jardim é o mais bonito da Inglaterra, não acredito que lhe
seja assim tão interessante para que fique ai em pé na janela
a manhã toda.

Não, sua amiga estava certa. Afastando-se da janela,


Sophia cruzou o belo tapete Axminster e se sentou em uma
cadeira perto da amiga. Graças a Deus que Lady Wickford era
tão amável. A senhora não tinha hesitado nem um segundo
quando Sophia chegou à porta de sua casa e lhe pediu
abrigo. Não tinha ideia do que teria feito se Lady Wickford
não a tivesse ajudado. Era muito fácil ficar aqui, envolvida na
terna hospitalidade de Lady Wickford, mas Sophia não era
uma mendiga. Sairia dessa confusão. De uma maneira, ou de
outra.

— Tenha paciência, querida. — disse a anciã, brincando


com um dos muitos colares de pérolas que usava. — Ele virá.

Em algum momento ao longo dos últimos dias, Julian


tinha deixado de ter nome. Era simplesmente "ele". Não sabia
como Lady Wickford descobrira quem era ―ele‖, e não se
incomodou em perguntar à amiga. A senhora tinha razão.
Depois de beijar Julian no baile de Penderthal, não
conseguira pensar em nada além do estúpido desejo de voltar
a vê-lo, embora soubesse que seria melhor para os dois se
manterem tão afastados quanto fosse possível.

O que aconteceria se o cavalheiro que os tinha flagrado


falasse do que tinha visto? Passaria a ser considerada a
mulher mais fácil de toda a Inglaterra. Teria que sair do país
se quisesse fazer uma nova vida.

— Não me importa se ele vier ou não. — respondeu


Sophia, alisando o punho de seu vestido verde esmeralda.

— Aposto as pérolas de minha mãe que ele estará aqui


antes da hora do chá. — anunciou Lady Wickford.

Sophia levantou as sobrancelhas.

— Todas?

A mãe de Lady Wickford fora louca por pérolas. A


mulher corpulenta riu de boa vontade.

— Sim! Todas!
Sorrindo, Sophia se perguntou se realmente queria
perder ou ganhar. Se Julian viesse, como uma parte dela
tanto queria, o que faria então? Sua recente liberdade
acabaria, por mais aterradora que fosse, gostou de viver sua
vida exatamente como queria e sem se submeter às normas
de outra pessoa.

Alguém bateu na porta. O mordomo de Lady Wickford


entrou.

— Desculpem, Senhoras, mas chegou uma carta para a


Marquesa.

— Obrigado. — Sophia disse, pegando a carta da


pequena bandeja de prata que lhe oferecia o mordomo.

Seria de Julian? Não, certamente não podia ser dele.


Julian podia ser muitas coisas (destruidor, era a primeira
palavra que lhe ocorria), mas não era absolutamente covarde.

— Quer que a deixe sozinha? — perguntou Lady


Wickford quando o mordomo se retirou. Sophia sorriu
agradecida enquanto quebrava o selo de cera estranho que
fechava a missiva.

— Claro que não. Não tenho nada a lhe esconder.


Abrindo a folha dobrada, Sophia olhou a letra rebuscada que
continha. Seu coração acelerou ao vê-la, mas não de emoção,
muito menos de felicidade.

Era de Charles. Certamente usou de propósito outro


selo para que Sophia abrisse a carta.
Minha querida Sophia:

Chegaram-me informações sobre seu comportamento em alguns


compromissos sociais a que compareceu recentemente. Creio que pouco a
pouco vem demonstrando que meu irmão tinha plena razão ao afirmar que a
Senhora precisa de uma mão firme para guiá-la. Por quanto tempo Lady
Wickford continuará a apoiá-la se insistir em se pôr ainda mais em
evidência? Para onde irá então? Minha paciência está no fim. Volte para
casa e me assegurarei de que tenha todas as comodidades que deseja. Negue-
se a mim e estará negando conforto a si mesma. Pronuncie a palavra e
poderá ter a vida que é digna de ter.

Teu,

Charles.

Sophia tremeu de fúria.

— Que arrogante!

Lady Wickford a fitou surpresa.

— Wolfram?

Normalmente, o comentário irônico de sua amiga a teria


feito rir, mas não nesse momento.

— É de Charles. Pensa que ainda tenho tempo para me


tornar sua amante.

Lady Wickford perdeu todo seu bom humor habitual.


— Desejo que este maldito homem acabe no Inferno, que
é seu lugar, e a deixe em paz.

Encolhendo os ombros, Sophia lançou a carta ao fogo


que crepitava na lareira.

— Algum dia acabará percebendo que jamais serei dele.


Por mais desanimador que venha a ser o meu futuro, nunca
me daria por vencida. Nunca.

— Alguns homens jamais desistem, minha querida.

A voz de Lady Wickford abrigava a profunda certeza de


alguém que sabia de primeira mão. Sophia sorriu à amiga.

— Posso resistir ao Marquês de Aberley por toda a vida,


se for necessário.

— E o que me diz de Wolfram? — perguntou a anciã


com um sorriso malicioso. — Também pode resistir a ele?

— Este ponto é discutível. É difícil resistir a algo que


não está ao nosso alcance.

Mas na noite anterior! Julian Rexley fora a tentação


personificada.

Nesse preciso momento, bateram na porta de novo e o


mordomo entrou outra vez.

— O Conde de Wolfram está aqui, Lady Wickford.

Surpresa, Sophia observou Lady Wickford. A anciã fitou


Sophia triunfante.

— Mande-o entrar.
— A Senhora sabia que ele viria? — Sophia acusou
quando ficaram sozinhas.

Lady Wickford se fez de inocente.

— Querida, conhece-me muito bem. Realmente


incentivei Wolfram a trazê-la a Londres, mas nunca me
ocorreu interferir em assuntos do coração. — A senhora
sorriu ainda mais. — Não. Wolfram está aqui por vontade
própria.

Com o coração pulsando dolorosamente rápido, Sophia


fechou os punhos. Cravando as unhas nas palmas das mãos
enquanto tentava controlar a respiração para que não fosse
tão superficial e irregular. Julian estava ali. Viera. Quase não
teve tempo de se acostumar à ideia, e ele já estava no salão.
Ali, rodeado dos móveis delicados no salão de Lady Wickford
parecia tão masculino e de forma inegável, o homem mais
charmoso que Sophia já conhecera.

Usava calças ajustadas, que abraçavam suas longas


pernas atléticas, botas e colote pretos, um casaco marrom
escuro que se encaixava com perfeição em suas costas largas.
Com essa luz, seus cabelos castanhos tinham um ligeiro
toque avermelhado, e os olhos de cor xerez a observavam com
interesse, como se tentassem ler sua alma.

— Wolfram! — exclamou Lady Wickford se levantando.


— É um prazer voltar a vê-lo!

Julian disse algo como ―o prazer era dele‖ enquanto


Lady Wickford o abraçava efusivamente.
Sophia também se levantou, apesar de seus joelhos
ameaçarem deixá-la no chão a qualquer minuto.

Julian não tinha direito de afeta-la desse jeito. Nenhum


direito absolutamente. As borboletas que sentia no estômago
não eram nada comparadas com a absoluta alegria que
dominava seu peito. E nenhuma das duas sensações era
provocada pelo medo, mas sim por esse estranho apego que
sentia por ele.

Será que Julian passou a noite revivendo o beijo como


ela fez? Teria pensado até o amanhecer o que era essa
atração entre eles? Essa atração irresistível e perigosa. Que a
fazia esquecer todo o resto, como se Julian Rexley merecesse
sua confiança tanto quanto uma serpente. Esse homem que
queria o mundo submisso às suas normas.

Seus olhares se encontraram e Sophia espiou Lady


Wickford pela extremidade do olho. Ela os observava com
grande interesse.

— Bem — disse a senhora depois de um momento


carregado de silêncio. — Suponho que vocês dois têm
assuntos pendentes a tratar, fiquem a vontade.

Sophia olhou a amiga se retirar, viu que ela fechava a


porta silenciosamente, deixando-os sozinhos no salão.
Sozinhos.

Lentamente, Sophia se virou para olhá-lo, e encontrou


um olhar de sofrimento.

— Irei direto ao ponto. — ele disse rapidamente. — Vim


lhe pedir que se case comigo.
Se Julian lhe dissesse que estava morrendo, não teria se
surpreendido tanto. Às cegas, Sophia procurou algo com a
mão a que se agarrar enquanto sentia o chão se abrir sob
seus pés. Infelizmente, Julian estava mais próximo. Seus
dedos agarraram a lapela do seu casaco.

— Por quê? — perguntou enquanto tentava acalmar os


batimentos violentos de seu coração.

Julian a olhou como se a resposta fosse óbvia.

— Desta maneira, melhoraria sua situação atual, não?

Ou a colocaria em outra pior, segundo o noivo. Mas


Julian não abordara o assunto de modo geral. Tinha se
oferecido como marido, por que? Sophia franziu o cenho.

— O casamento pode "melhorar" minha situação, como


você diz, mas, por que você me pede em casamento?

Julian pensou um momento.

— Porque assim continuará vivendo o tipo de vida a que


está acostumada.

Nada de lareiras obstruídas, nem pisos que rangiam por


falta de manutenção, embora tenha se acostumado. Já não
precisava nem de opulência, nem de riqueza. Além disso,
Julian não abriria mão da própria liberdade para fazer algum
tipo de caridade.

— Não me convence. Dê-me uma razão, Julian. Uma


verdadeira.

Olhou-a de forma estranha, e por um segundo Sophia


temeu que Julian pudesse ver sua alma e saber que não
queria ouvir por que devia se casar com ele. Sophia queria
saber é por que Julian pretendia se casar com ela.

— Esta é uma razão suficientemente boa? — Julian


perguntou baixando a cabeça.

Fechando os olhos, Sophia suspirou quando os lábios de


Julian tocaram os seus. Macios e quentes, embora firmes e
inflexíveis, a boca de Julian a reclamava. Sophia o segurou
pela lapela, aproximando-o mais dela, enquanto sua outra
mão subia pela sólida parede de seu peito e ainda mais
acima, até se misturar as grosas mechas de seus cabelos.

Sophia abriu a boca enquanto os braços de Julian a


circundavam, aproximando-a de seu corpo, a obrigando a se
colocar nas pontas dos pés. A língua dele deslizou em sua
boca, saboreando-a como o tinha saboreado. Julian tinha
sabor de calor e sal, com um ligeiro toque de brandy.

Seu torso, quente e firme, estava preso à suavidade dos


seios dela. Julian empurrava a pélvis contra o ventre de
Sophia, o que tornava cada vez mais evidente sua excitação
sexual à medida que se prolongava o beijo.

Gemendo em voz baixa, Sophia estremeceu e se agarrou


ainda mais a ele, trançando sua língua a de Julian. Nem
sequer Edmund, que tinha conhecido seu corpo mais
intimamente que ela mesma, tinha podido suscitar este tipo
de resposta febril nela. Seu corpo vibrava de sensualidade.
Sua carne implorava para ser tocada, tanto que sentia a
roupa mais e mais a lhe abrasar a pele. Estava em chamas
como um vulcão de desejo a ponto de explodir em suas
profundezas. Sim, este era um bom motivo para que se
casassem. Mas duraria? E qual seria o preço a pagar por
isso?

Abrindo a mão que agarrava sua jaqueta, Sophia


colocou a palma da mão contra seu peito e o empurrou,
afastando-se enquanto recobrava o juízo. O beijo teve fim,
embora Julian não a soltasse imediatamente.

— Esta sensação é muito boa. — disse-lhe com uma voz


rouca de desejo. — Mas mesmo isso não é suficiente para que
eu me case contigo. Diga a verdade, Julian. Por favor.

Inclinando a cabeça de lado, com seu olhar ele


examinou a miríade de expressões no rosto de Sophia, os
lábios úmidos e inchados até o colo ofegante, para acabar
finalmente recaindo em seus olhos.

— Porque esta situação já não implica somente a nós


dois. Há alguém que pode sair prejudicada com minhas ações
e já está mais do que na hora de assumir minhas
responsabilidades.

— Letitia — disse Sophia em voz baixa, sabendo que a


irmã era a única pessoa pela qual ele faria um sacrifício
assim.

A verdade doeu.

— O cavalheiro que nos encontrou ontem a noite era um


dos jovens interessados em se casar com Letitia. Graças ao
nosso comportamento inconveniente, ontem mesmo o jovem
me informou de que não teria mais interesse em se associar a
minha família.
Sophia abriu os olhos surpresa.

— Nosso comportamento?

Sophia pensava que a consideravam uma mulher sem


moralidade, mas Julian...

— Não é a única com uma reputação manchada,


Sophia. — ele afirmou com um leve sorriso. — Quando neguei
a me casar com você, também me prejudiquei. Patterson
considerou que nossa... indiscrição de ontem era um exemplo
do pouco respeito que tenho por sua reputação. E de certo
modo, ele tinha razão.

Era muito brusco para que Sophia absorvesse tudo.

— Ti... Tinha razão?

Julian passou os lábios pela fronte de Sophia, até a


têmpora. Era uma carícia tão suave, tão leve, que Sophia
deteve a respiração. Era como se Julian não pudesse evitar
de tocá-la.

— Mal consigo me controlar quando estou em sua


presença, Sophia. — sussurrou enquanto ela notava sua
respiração ofegante sobre sua face. — Só posso pensar em
você e no quanto quero estar com você.

Com o coração martelando e as coxas trêmulas, Sophia


levantou o olhar para encontrar-se com o dele. Sabia
exatamente a que se referia. Talvez não fosse uma base muito
sólida para se manter um casamento, mas tinha razão
quanto a prejudicar Letitia com suas ações. Morreria antes de
ferir a jovem que se tornara quase uma irmã para ela. Letitia
provavelmente gostaria da ideia de não ter pretendentes que
a cortejassem mas, o que aconteceria se o Senhor Wesley ou
sua família decidissem que era melhor que se casasse com
outra jovem? O que aconteceria se sua reputação começasse
a manchar a de Letitia? Não, não se perdoaria jamais.

— Meu marido tentou me moldar segundo sua ideia de


esposa perfeita. — Contar a Julian coisas de seu casamento
com Edmund era humilhante. — Não quero passar por isso
novamente, compreende isso?

Julian afastou uma das mãos que tinha nas costas de


Sophia para lhe acariciar a face. Passou o polegar pelo se
queixo e lábios.

— Quero você pelo que você é, não pelo que deveria ser.

O ventre de Sophia se apertou. Queria estar com ela? E


não só sexualmente, mas também como pessoa? Como
mulher?

— Nenhum dos dois é perfeito. — continuou. — Mas se


nos casarmos, podemos fazer com que dê certo. Serei um
bom marido para você. Prometo respeitá-la e lhe dar a
confiança que merece. Só lhe peço que você me ofereça o
mesmo.

O silêncio impregnou o salão enquanto se olhavam.

— Por favor, Sophia. Nunca se esquecerão do nosso


passado se não o fizermos. Por favor, não faça com que
minha irmã pague por meus erros.
Esse "por favor" foi sua perdição. Essa súplica
sussurrada foi o que ajudou Sophia a encontrar a voz.
Provinha de seu coração e alma. Era a voz da menina que viu
Julian Rexley pela primeira vez. Nesse momento, entendeu
que aquele homem era seu destino.

— Sim, aceito.
Capítulo 10
— Não quer se casar com ele!

Jocelyn não era uma jovem de meias verdades e promessas

vazias.

— Sem dúvida alguma. Serei dele se me pedir.

Mas terá que me implorar.

A união desafortunada, da marquesa de Aberley.

— Lorde Wolfram está no salão de baile, Lady Aberley.


— informou Fielding quando entrou no vestíbulo. — Quer que
anuncie sua chegada?

Sophia sorriu.

— Não será necessário, Fielding, obrigado.

Julian estava sozinho na salão de baile? Acaso estaria


fazendo planos para o casamento?

Fielding devolveu o sorriso. Havia um brilho em seus


olhos que desconcertou Sophia. Era como se ele soubesse de
alguma brincadeira que só ela desconhecesse.
— Como queira, Senhora. — respondeu fazendo uma
reverência. — Permita-me dizer, Senhora que estamos
encantados em tê-la novamente em Wolfram House.

Sophia não sabia se o mordomo estava sendo sincero ou


simplesmente educado, mas em qualquer caso agradeceu o
comentário.

Agradeceu a Fielding e entrou no grande salão cruzando


o reluzente piso ladrilhado até chegar ao corredor que levava
a parte posterior da casa, secou as mãos úmidas no vestido
enquanto caminhava. Ainda não acreditava que Julian
tivesse lhe proposto casamento, nem que ela tivesse aceitado.
Parte dela queria recusá-lo, mas como o faria correndo o risco
de ferir Letitia? Além disso, tinha de reconhecer, nem que
fosse para si mesma, que queria se casar com ele.

Entretanto, perguntava-se com frequência se havia


tomado a decisão certa, pois sempre que decidia algo a
respeito de Julian fazia a escolha errada. Então chegara uma
hora antes para o jantar, e por isso usava um vestido novo de
seda azul escuro que abrigava sua pele e realçava sua figura.
Devia se encontrar com Julian. Tinha que ver com seus
próprios olhos se ele mudara de ideia.

E precisava conversar com Letitia. Não via sua amiga


desde que Julian tinha proposto o casamento, isso foi há dois
dias. Tinha recebido uma linda carta de felicitações, mas não
sua visita, e isso lhe doeu mais do que estava disposta a
reconhecer. Acaso não lhe agradara a escolha de seu irmão?
Uma das portas que levavam ao salão de baile estava
parcialmente aberta. Vozes ligeiramente entrecortadas
soavam à deriva pelo corredor. Sophia reconheceu uma delas:
era a de Julian. Não reconheceu a segunda voz. Ouviu um
forte grunhido e logo como se algo tivesse sido golpeado.

Com os olhos arregalados, Sophia abriu pouco a pouco


a porta e olhou no interior.

Em meio ao salão havia um quadrilátero grande cercado


com cordas. Parecia muito chamativo e destoante entre a
cerâmica do piso e do mármore italiano nas colunas e teto.

A luz do pôr-do-sol entrava pelas muitas janelas que


cobriam as paredes e banhava o cômodo e os dois homens
que se encontravam no meio do quadrilátero. Os homens
estavam nus de cintura para acima, com a pele brilhante de
suor, e se moviam em círculos com os punhos levantados.

Um dos homens tinha estatura mediana e era de


compleição forte, com o peito largo, os braços musculosos.
Tinha a cabeça lisa e bem calva, mas seu peito, costas e
braços tinham tanto pelo que quase parecia usar um casaco
de peles.

Olhou o outro homem. Julian. Santo Deus!

Não era de compleição tão forte quanto seu adversário


(nem tão peludo), mas Julian Rexley a deixou sem ar nos
pulmões. Seus braços musculosos desferiam golpes violentos
e com muita precisão a grande velocidade. Os músculos se
moviam sob a pele dourada de suas costas enquanto se
esquivava dos punhos roliços de seu adversário.
Quando entrou no salão, Sophia se aproximou um
pouco mais, sem parar de observar o peito de Julian e os
pelos castanhos avermelhados que desciam por seu ventre
liso e desaparecia por debaixo da cintura dentro das calças.

Tinha esperado sete anos para vê-lo despido, e embora


usasse calças, Sophia soube que o resto de seu corpo seria
igualmente irresistível e bonito quanto a perfeição alta e
atlética que tinha exposta diante dela nesse instante.

Por um momento, todos os receios que tinha sobre


aquele casamento desapareceram, e mesmo assim sua
preocupação pareceu se multiplicar por dez. Como seria esse
corpo junto a sua própria nudez? Como seria sentir esses
músculos se movendo sob suas mãos?

A beleza do corpo de Julian fez Sophia ainda mais


consciente de quão imperfeito era o seu corpo. Era uma
mulher de baixa estatura, e já não tinha tudo tão... atraente
quanto fora no passado. Julian a acharia sem atrativos ou
gostaria do que veria?

Seu adversário moveu o braço esquerdo e o punho se


dirigiu a Julian em uma velocidade aterradora. Parecia que se
chocaria contra seu rosto. No último segundo, Julian se
esquivou do golpe, e investiu por sua vez no abdômen do
homem mais baixo, enquanto se ouvia o grito de Sophia,
assustada, pois seu prometido quase fora nocauteado.

Deveria ter se mantido em silêncio. Seu grito chamou a


atenção de Julian. Que como um tolo, virou para fitá-la, com
uma expressão de tanta surpresa como a que certamente
Sophia refletia. A falta de atenção nessa fração de segundo foi
sua perdição. O punho de seu adversário acertou em cheio a
mandíbula de Julian, que saiu voando e acabou do outro lado
do ringue, agarrado às cordas para não cair.

Cobrindo o rosto com as mãos, Sophia gritou


horrorizada. Deus! Julian estava ferido e a culpa era dela!

Correu em direção de onde ele estava. O adversário dele


já estava o ajudando a se equilibrar, enquanto se desfazia em
desculpas. Julian moveu a cabeça.

— Não é culpa sua, Harper. — respondeu colocando


uma mão sobre um lado da boca.

— Não. — acrescentou Sophia, que estava ao pé do


tablado debaixo deles. Olhou para Julian, esperando que
pudesse ver o quanto sentia. — É minha culpa. Perdoe-me,
Julian.

— Tampouco é culpa sua também. — Estava um pouco


rouco. — A culpa é totalmente minha por ter perdido a
concentração.

Julian tocou ligeiramente o canto da boca com uma


pequena toalha que acabou ensanguentada. Sophia se
encolheu ao ver a cena.

— Isso é tudo por hoje. Obrigado, Harper.

— A mesma hora na semana que vem, senhor?

— Não. — disse Julian olhando brevemente, embora de


modo ardente, a Sophia. — Na semana que vem, me caso. O
avisarei quando voltaremos a treinar.
Harper assentiu depois de felicitar a Julian por seu
enlace próximo, recolheu seus pertences e saiu, Sophia ficou
sozinha com seu prometido meio nu.

Julian não se incomodou em vestir a camisa para descer


por entre as cordas e chegar a Sophia. Ela sentiu seu calor,
tinha seu odor habitual. Suor, sabonete e o cheiro doce,
sedutor e picante tão próprio dele, invadiram seus sentidos,
que quase a fez perder a cabeça.

— Sinto muito. — disse olhando a toalha manchada de


sangue na mão dele.

Julian voltou a colocá-la sobre sua boca e a olhou


novamente ao retirá-la dali. A ferida quase se fechara.

— Como disse, perdi a concentração. — Julian a


observou por um momento, com uma expressão tão
cautelosa, que Sophia não podia adivinhar o que estaria
pensando. — Algum problema?

Poderia inventar algo ou ser sincera, contar-lhe as


tolices que tinham invadido sua mente desde a sua visita na
casa de Lady Wickford?

Optou pela sinceridade. Não porque fosse uma boa


maneira de ganhar sua confiança, mas sim porque não podia
aguentar nem mais um minuto.

— Queria lhe dar a chance de mudar de opinião antes


de anunciar nosso casamento. Se quiser, não imporei
nenhum empecilho.
Sophia conteve a respiração enquanto Julian a fitava,
com o rosto e o olhar totalmente inexpressivos. Acaso estava
procurando as palavras para lhe dizer que não queria mais
casar com ela depois? De um lado, seria um alívio. Do outro,
ficaria arrasada.

— É o que quer? — perguntou-lhe finalmente dando um


passo a frente. — Vai fugir?

Sophia levantou uma mão entre eles. Não sabia se o


fazia para tocá-lo ou se proteger dele.

— Eu...

Hesitou quando Julian avançou um passo a mais, e ela


tocou o calor peludo de seu peito com a palma da mão.
Sophia pôde sentir seus batimentos cardíacos sob a mão e o
calor de seu corpo nos dedos. Julian colocou sua mão sobre a
dela e a manteve no mesmo lugar.

— Não. — sussurrou penosa e sinceramente. — Não


quero fugir.

Tampouco queria olhar para outro lado. Seu olhar se


concentrou na mão forte e nos nódulos vermelhos que
seguravam sua mão, na pele dourada que fazia a sua parecer
branca e insípida.

— Você gosta do que vê? — perguntou-lhe com um


suave sussurro.

“Eu adoro.”

As palavras, inoportunas e espontâneas, subiram a boca


de Sophia com tanta rapidez que lhe custou não as
pronunciar. Era tudo o que estava disposta a reconhecer
nesse momento.

Levantou seu olhar até o de Julian e se perdeu nas


profundezas dos olhos dourados, esquecida de encontrar a
arrogância que pudesse responder a essa pergunta. Mas não
achou nenhuma.

Como não confiava na própria boca e não queria se


humilhar ainda mais, Sophia simplesmente assentiu. Sim,
gostava e muito.

Julian deu um passo a mais.

— O suficiente para se deitar ao lado de meu corpo


durante os próximos quarenta anos ou mais?

Para sempre.

Uma vez mais assentiu.

Sophia sabia que Julian a beijaria antes que ele


baixasse a cabeça. Ficando nas pontas dos pés, Sophia
deixou cair suas luvas no chão e colocou a outra mão sobre o
peito dele, acariciando a pele macia. Sophia levantou o rosto,
e suspirou quando sua boca encontrou a dele com uma
insistência terna, embora firme.

Julian ainda lhe prendia a mão. Com o outro braço


rodeou Sophia pela cintura, segurando-a com força, como se
tivesse medo de que ela o afastasse bruscamente, embora não
houvesse nenhuma possibilidade de que isso ocorresse.

Era só um beijo, mas a mente de Sophia nadava nele. Só


podia pensar no calor e na umidade de seus lábios, em sua
língua dançando com a de Julian, no coração dele pulsando
sob sua mão.

Seu coração pulsava violentamente contra as costelas


enquanto se perdia nas maravilhosas sensações que a
inundavam. Um beijo tinha que ser assim. Os beijos de
Edmund tinham sido agradáveis, as vezes até excitantes, mas
não como este. Seu marido nunca a tinha feito sentir como se
fosse um barril de pólvora prestes a explodir. Nunca a tinha
feito sentir se como se mil mariposas estivessem
encarceradas em seu peito. Só Julian despertava esta
sensação.

Aproximou-se o mais que pôde de Julian. Seu corpo era


uma parede sólida de calor que transpassava suas roupas, a
pele dela, chegando aos ossos. A boca de Sophia se lançava
com avidez na de Julian, e recebia cada beijo com uma
vontade desenfreada de receber mais e mais. Seus lábios se
entregavam a ele, a fragrância de Julian enchia seu olfato, e
mesmo assim não era o suficiente. Queria sentir o sal de
Julian em sua língua, queria inspirar em seus pulmões e não
exalar jamais. Era como se houvesse um grande vazio em seu
interior, como se faltasse uma parte dela, e Julian fosse o
único que podia fazê-la se sentir completa de novo.

Certamente Julian sentiu Sophia perdendo o controle,


pois interrompeu o beijo nesse momento. Quente e faminta,
Sophia o fitou com as pálpebras pesadas, tal como as dele.

Sem soltar sua mão do peito, Julian levantou a outra


para lhe acariciar a face com os dedos.
— Tenho que me preparar para o jantar. — disse com
voz rouca.

E então a soltou e saiu. Sophia observou em silêncio e


surpresa Julian apanhar a camisa em um canto do ringue.
Deteve-se um momento para vesti-la e logo se dirigiu a porta.

— Encontre-se comigo no salão vermelho dentro de meia


hora. — pediu sem se virar. E se foi.

Sophia não sabia quanto tempo ficou ali, só e com o


corpo em chamas. Assim que suas pernas trêmulas puderam
se mover, agachou-se e pegou as luvas do chão.
Vagarosamente, saiu do salão para se dirigir ao corredor e
subir as escadas. Ainda precisava conversar com Letitia.

Mas enquanto subia as escadas e colocava as luvas, não


era sua jovem amiga que ocupava seus pensamentos. Era
Julian. Por que a tinha abandonado no salão como se o
mundo fosse acabar naquele momento. Havia dito que queria
se casar com ela, então por que fugir se ela estava a sua
mercê?

Na verdade ele não dissera que tinha mudado de ideia,


exatamente. Julian tinha contornado a situação e perguntara
a o que ela queria fazer e logo a beijou. Entretanto, Sophia
lhe deu a chance e ele nada tinha feito.

Acaso Sophia teria se enganado sobre os sentimentos


dele por ela? Talvez seu desejo por ela não fosse como o que
sentia por ele. Talvez ele interrompera o beijo por isso. Talvez
lhe repugnasse a fome que Sophia evidentemente sentia por
ele, embora isso lhe parecesse improvável.
"Talvez — sussurrou-lhe uma vozinha em sua cabeça. —
não quisesse fazê-la dele ali mesmo, no salão de baile." Deus
sua mente estava dando mais voltas do que o necessário. Não
era a primeira vez que deixava sua imaginação correr solta.
Esperaria para ver como a trataria pelo resto da noite, e se
ainda tivesse dúvidas, perguntaria.

Afinal, não foi ele quem pediu total sinceridade entre os


dois? Queria que Sophia confiasse nele, não? Pois bem,
começaria confiando que responderia com a verdade. Embora
a possível resposta pudesse assustá-la um pouco.

Depois de afastar Julian tão longe de seus pensamentos


quanto pôde, Sophia se dirigiu ao corredor no final da
escadaria e bateu na porta de Letitia.

— Entre.

Sophia entrou no quarto decorado na cor pêssego e


branco com um tímido sorriso.

— Olá, Letitia.

— Sophia!

A jovem saltou da penteadeira, o que provocou um susto


em sua criada de quarto, e correu para Sophia com os braços
abertos.

— Que alegria em vê-la! Não posso acreditar que tenha


demorado tanto a vir me ver!

Depois de se soltar do abraço da amiga, Sophia sorriu.


Todas as suas preocupações sobre o que pensaria Letitia a
respeito de seu compromisso com Julian, desapareceram.
— Eu é quem estava esperando uma visita sua!

Com os olhos brilhantes, Letitia sorriu.

— Isso é tudo, Dulcie. — Letitia dispensou a criada.

Quando a jovem saiu, Letitia pegou Sophia pela mão e a


arrastou para a cama, com uma euforia infantil mal
dissimulada.

— Quero ouvir tudo. O que Julian disse ao lhe propor


casamento? Foi um cavalheiro ou conseguiu meter os pés
pelas mãos novamente?

— Foi um perfeito cavalheiro. — respondeu Sophia


enquanto se sentava sobre a cama a seu lado.

Bem! Um perfeito cavalheiro talvez não tivesse lhe dado


um beijo que faria perder o bom senso, mas quem diabos se
casaria com um perfeito cavalheiro?

— Não posso acreditar que tenha aceitado. —


reconheceu Letitia com um sorriso. — Pensei que o mandaria
ao Inferno!

Sophia sorriu.

— Pensei em fazê-lo, mas ele foi tão gentil e sincero ao


me dizer que queria corrigir a situação. Foi a decisão certa,
tendo em conta minhas situações.

Empinando o nariz delicado, Letitia moveu a cabeça.

— Isso não me parece muito romântico.

— E não é.
Sophia riu. Havia coisas que jamais contaria a Letitia e o
que Julian nela despertava era uma delas.

— Espero que isto não modifique a nossa relação. —


disse Sophia com um tom carregado de esperança na voz.
Letitia lhe deu um tapinha no joelho.

— Claro que não! Não poderia ter uma cunhada melhor.


Embora eu provavelmente acabe estrangulando meu irmão.

Sophia a olhou surpresa.

— O que aconteceu?

Letitia se surpreendeu com essa informação.

— Por causa da eminência de seu casamento está mais


persistente em me ver casada também.

— Não! — disse Sophia com uma careta. — Ele continua


insistindo em escolher seu pretendente?

Sua amiga assentiu com uma expressão irônica.

— Sim. Agora reduziu minha escolha a dois e não pára


de elogiá-los quando estamos juntos. Já lhe disse que não me
casarei com nenhum dos dois, mas meu irmão não quer me
ouvir.

Sophia sentiu pena de Letitia e também de Julian. Ele


só queria o melhor para a irmã, mas seu amor o impedia de
ouvir e respeitar os desejos de Letitia.

— Você tentou lhe falar sobre o Senhor Wesley?

Letitia desviou o olhar.


— Tentei duas vezes, na primeira Julian me disse para
me esquecer dele. Depois mencionei que o tinha visto em
uma festa e Julian ordenou que eu me afastasse dele.

Voltou o olhar zangado a Sophia.

— Ele não se importa com minha felicidade!

Sophia tentou acalmar sua amiga lhe falando com


suavidade.

— Querida, claro que Julian se importa com sua


felicidade! Ele apenas acredita que sabe o que a fará mais
feliz.

Sorriu.

Com o cenho franzido, Letitia se levantou.

— Se meu irmão ignora minha opinião, eu conseguirei


sua atenção.

— Como? — perguntou Sophia enquanto um calafrio de


pavor lhe percorria as costas.

Letitia encolheu os ombros, como que desanimada.

— O que posso fazer? — perguntou desviando olhar. —


Só posso me recusar a casar com o pretendente escolhido por
Julian. Isso ou esperar que o querido Lorde Penderthal morra
logo para que o Senhor Wesley herde o título.

Era terrível Letitia desejar a morte de alguém, mas


Sophia não podia condená-la.

— Quer que eu tente conversar a respeito com seu


irmão?
— Não! — Letitia disse com sinceridade. — Prometa-me
que não lhe dirá nada sobre o Senhor Wesley e eu. Não sei
qual seria sua reação.

— Se soubesse que estão apaixonados, talvez mudasse


de opinião.

A jovem moveu a cabeça em negativa.

— Não, isso só serviria para deixá-lo mais inflexível e me


afastaria definitivamente do Senhor Wesley. Prometa-me,
Sophia, que não dirá nada.

Contra seu bom senso, Sophia assentiu. Embora


quisesse acreditar que Julian poderia mudar de opinião em
relação ao casamento da irmã, não tinha certeza se Julian
acabaria agindo como seu pai. Enquanto Letitia pensasse que
podia obrigá-lo a aceitar sua escolha ou Julian continuasse a
se comportar de maneira tão severa, ela deveria ser cautelosa
com os irmãos. Não queria ver Letitia casada à força, mas
também não queria vê-la depositando todas as suas
esperanças em um mesmo jovem. O que seria de Letitia se o
Senhor Wesley não a pedisse em casamento?

Tampouco desejava ver Letitia ressentida com Julian,


como ela se ressentia do próprio pai.

— Deixemos esta conversa triste. — sugeriu enquanto se


levantava. — Quando menos esperar as coisas se ajeitarão.
Acompanhe-me até o salão e tomaremos uma taça de xerez
antes que os convidados cheguem.

Letitia sorriu e respondeu que era uma boa ideia. Ao


deixar os aposentos, a jovem começou a falar do casamento
de Sophia. Queria saber se Sophia preferia rosas brancas ou
vermelhas? E se não seria melhor uma grande recepção ao
invés de uma cerimônia simples e singela, como Sophia
preferia.

Sophia respondeu suas perguntas, distraída enquanto


desciam pelas escadas. Sophia não estava concentrada em
cerimônias, e sim em seu futuro marido e se poderia ou não
ganhar sua confiança.

E ainda manter a confiança de Letitia.

— Queridos amigos, gostaria de lhes anunciar uma


decisão que é muito importante para mim.

Julian esperou que todos o olhassem antes de


continuar. Fitou a irmã, à sua esquerda, e depois seus olhos
percorreram toda a mesa, Gabriel, Lilith, Brave, Rachel e
finalmente Sophia. Não afastou seu olhar de Sophia enquanto
falava. Ela corou, mas não desviou o olhar.

— Sophia e eu vamos nos casar.

Ouviu-se os murmúrios surpresos dos outros casais na


mesa. Julian não pôde conter o riso. Bem podia imaginar o
que se passaria na cabeça de Brave e Gabe nesse instante. E
pela de Lilith também. Esta tinha deixado muito clara sua
desaprovação por seu comportamento, e se ela soubesse o
que quase acontecera horas antes no salão de baile,
certamente haveria de querer sua cabeça em uma baixela.

Mas realmente queria saber o que Sophia estaria


pensando. Ela havia chegado antes para lhe oferecer a
chance de desistir do compromisso. Acreditava tão pouco nele
e em sua palavra que haveria tal possibilidade? Bem, se
assim pensava, o beijo no salão tinha sido para convencê-la
do contrário.

Deus! Aquele beijo o deixara trêmulo. O afetara tanto


que foi preciso fugir do salão, pois do contrário teria se
colocado de joelhos e lhe suplicado que fizessem amor ali
mesmo, no piso do salão!

Sua preocupação por Letitia era cada vez mais evidente,


esta era só mais uma razão pela qual se decidira a casar com
Sophia. O desejo que sentia por ela suplantava todo o resto.
Queria tê-la em sua cama e em sua vida, e não podia se
imaginar cansado dela algum dia.

Sua mandíbula ainda doía devido ao beijo voluptuoso e


ao golpe de Harper, mas ao lembrar de como Sophia
respondera ao beijo, pensou que a dor era um preço ínfimo a
pagar.

Sophia demonstrara ter gostado de seu corpo. Gostava


de seus braços longos, de seu peito e costas largas, ainda que
ele considerasse essa parte de seu corpo estreita se
comparadas a Brave e ainda mais com Gabriel. Nenhuma
mulher o tinha apreciado tão abertamente quanto Sophia.
Nenhuma mulher o fizera se sentir tão homem e tão desejado.
E nesse momento a queria em seus braços e em sua cama.

Graças a Deus que estariam casados em uma semana e


logo ela viveria sob seu teto e na sua cama, que era onde já
deveria estar. Acostumara-se a rir das pessoas que se diziam
morrer se não pudessem estar com a pessoa amada, mas
essa tarde lhe custara horrores afastar-se de Sophia.

E agora ali estava, tão bonita que doía vê-la, em seu


vestido azul escuro que realçava sua pele clara e seus seios
deliciosos, e Diabos, ele não podia tocá-la. Só sob a mesa,
onde seu joelho estava em contato com a perna dela, podia
sentir seu calor. Aquilo era uma tortura, mas por hora teria
de se conformar.

— Saúde!

Julian voltou a si de repente. Quanto tempo estivera ali


sentado, olhando Sophia como um idiota? Brave tinha a taça
levantada. Os outros o imitaram.

— A Julian e Sophia. — disse. — Que sejam felizes por


muitos anos.

Julian levantou sua taça e logo se ouviu um murmúrio


generalizado de seus amigos. Bebeu grandes goles, com a
esperança de que o vinho abrandasse sua paixão por Sophia.
Era como se voltasse a ser um rapazinho de novo, só que em
vez de desejar algo a qualquer preço, estava concentrado em
uma única mulher. Então Sophia se levantou. Julian a
seguiu.

— Aonde vai?
As senhoras riram do seu tom possessivo, mas Sophia
se limitou a sorrir.

— Pensei que eu e as senhoras pudéssemos nos retirar


à outra sala e deixar os senhores com seu porto e charutos.

Olhou com o mesmo sorriso a Brave e Gabriel.

— Estou certa que seus amigos lhe farão muitas


perguntas. Se nos der licença, cavalheiros. Senhoras.

Brave e Gabriel também se levantaram enquanto as


senhoras se retiravam. Sophia tinha razão. Sem dúvida seus
amigos teriam muitas perguntas e haveriam de querer as
respostas.

— Ficou louco? — perguntou-lhe Brave quando os três


homens ficaram sozinhos. Julian arqueou uma sobrancelha.

— Por que pergunta?

Seu amigo o olhou como se fosse óbvio.

— Porque vai se casar com a mulher que escreveu um


livro sobre você. E devo lhe dizer que ela não foi muito
delicada ao descrever você!

Sorrindo, Julian enfrentou o olhar preocupado de Brave


com tranquilidade.

— Você se casou com Rachel para expiar seu passado.

— Não é a mesma situação. — Brave se recostou na


cadeira onde voltara a sentar-se. — Além disso, lembro-me
muito bem que você questionou meus motivos e minha
prudência naquele momento.
Julian inclinou a cabeça concordando.

— Também confiei no que havia em seu coração.

Olhou em direção a Gabriel.

— Isso também se aplica a você. Não podem fazer o


mesmo comigo?

Os olhos cinzentos de Gabriel expressavam sinceridade


quando fitaram Julian.

— Então poderia nos dizer o que há em seu coração,


Jules.

Boa pergunta. O que havia em seu coração? Em sua


cabeça flutuavam tantas ideias relacionadas a Sophia que
não podia discerni-las com clareza.

— Não sei exatamente. — respondeu sincero depois de


ser submetido ao seu escrutínio por vários segundos.

Brave se inclinou para frente e colocou os antebraços


sobre a superfície encerada da mesa.

— Então por que se casar com ela?

Desta vez Julian não precisou nem pensar.

— Porque é o que eu deveria ter feito há sete anos atrás.


Porque não quero que minhas ações afetem negativamente
minha irmã. Porque... Porque quero.

Olhou primeiro para Gabriel e logo depois para Brave,


desafiando-os a fazerem mais perguntas.

Podia dar a eles qualquer explicação sobre sua decisão,


mas na verdade queria realmente casar-se com Sophia e
ponto. Queria saber seus segredos e partilhar os seus com
ela. Queria confiar nela.

Gabriel assentiu.

— Bem, me parece uma boa razão.

Virou o olhar para Brave, e este sorriu.

— Também me parece. Só queremos que seja feliz,


Jules, e se pensa que Sophia será a mulher ideal para isso,
eu desejo a vocês toda a felicidade do mundo.

Julian os observou, sem estar muito certo de estarem


sendo sinceros ou se simplesmente estavam tentando agradá-
lo.

— Humm... — limpou a garganta por cautela. — Agora


que esclarecemos o assunto, não seria melhor nos reunir às
senhoras? Ou preferem ficar aqui me fazendo perguntas?

— Eu voto a favor de nos reunirmos com as senhoras. —


respondeu Gabriel enquanto se levantava. — É muito mais
agradável a visão delas do que ver dois marmanjos.

Julian pegou sua taça de vinho.

— Sophia diria o mesmo. Pensa que sou vaidoso.

— Dos três, você é o que tem melhor pedigree. —


apontou Brave, que apanhou também sua taça.

Gabriel se dirigiu à porta lançando um sorriso simpático


olhando por cima do ombro.

— E é com certeza dez vezes mais bonito que Brave ou


eu.
Corando com as brincadeiras, Julian riu. Conhecia seus
amigos há muito tempo, suas brincadeiras não o ofendiam.

— Não é difícil ser mais atraente que vocês dois. —


informou-os com um grande sorriso. — Felizmente se
casaram com mulheres bonitas, assim seus descendentes
terão mais sorte.

Os três homens continuaram com as brincadeiras


enquanto se dirigiam ao salão vermelho. Quando entraram,
encontraram as quatro senhoras rindo, um riso que parou
subitamente quando viram que já não estavam sozinhas.

Julian observou o rosto corado de Sophia expressando


uma mistura de emoções. A curiosidade o atingiu por saber
do que riam tanto para deixá-la corada daquela maneira.

E lhe perguntou quando a acompanhou até sua casa


mais tarde. Estavam na carruagem, e finalmente a sós.

— Não é o centro do universo, sabia? — respondeu com


evasivas. — O que lhe faz pensar que estávamos falando de
você?

Julian sorriu quando Sophia baixou seu olhar.

— A senhora estava muito corada. E raramente fica,


pelo menos não tanto. Se não era a meu respeito, então quero
saber o nome do canalha.
Sob o tênue brilho da lanterna na carruagem ele pode
apreciar a índole belicosa na expressão de Sophia.

— Julian, sei que nosso casamento não foi resultado do


respeito e afeto como o de outros casais, mas precisa confiar
em mim, eu nunca o trairei. E espero o mesmo de você.

O sorriso de Julian desapareceu. Nunca tinha passado


pela sua cabeça ser infiel. O pai sempre fora fiel a sua mãe e
ele desejava agir do mesmo modo com sua esposa.

— Desde que não me afaste, só você receberá meus


cuidados.

Não o disse exatamente como queria, mas podia


reformular se precisasse ser mais explícito. Sophia o olhou
um segundo.

— Pois lhe prometo o mesmo. Serei sincera desde que


não me afaste.

Julian queria lhe dizer que devia ser sincera com ele
pois do contrário pagaria as consequências, mas não o fez.
Compreendeu suas palavras. Ela confiaria nele se ele
confiasse nela.

— Não posso imaginar nenhum homem afastando-a de


si, Sophia.

Soava muito melhor que exigir sua fidelidade.

— Você o fez. — respondeu ela docemente.

Sério?

— Quando?
Sophia não o olhou nos olhos.

— Esta tarde. No salão.

Julian arregalou os olhos surpreso e a olhou fixamente.


Sentira-se magoada por ele se controlar antes de possuí-la
com fome voraz?

— Acaso gostaria que a possuísse ali mesmo, no chão,


sem casamento e a empesteando com meu fedor?

Deus! Será que ela não tinha notado seu cheiro? Tinha
suado bastante ao lutar com Harper.

— Não.

Sophia ficou em silêncio um momento.

— Mas você queria fazer?

A doce vulnerabilidade da pergunta, misturada ao ligeiro


sotaque espanhol, foi suficiente para seu membro endurecer
incomodamente.

— Quis e sempre desejo fazer quando ponho os olhos


em você.

Em vez de se assustar com sua sinceridade, Sophia


parecia surpresa.

— Sério? Gostaria de fazê-lo agora?

Acaso não era evidente? Possivelmente não, pois


estavam quase às escuras, mas Julian era muito consciente
do que tinha nas calças.

— Meu Deus, Sophia. Não me tente.

Sophia fechou a distância que havia entre eles.


— Mas eu quero, Julian. Quero tentá-lo como você me
tenta.

Julian não soube muito bem como acontecera, mas de


repente Sophia passara de estar sentada a seu lado a estar
sobre seu colo, e foi ele quem a tinha colocado ali.

— Percebe agora? — perguntou-lhe, lhe roçando os


lábios e levantando os quadris de encontro a seu traseiro
para que Sophia notasse sua excitação através da fina seda
da saia. — Sinta o efeito que tem sobre mim.

Sophia, de tentadora a torturadora, sorriu.

— Gostaria de saber o efeito que você tem sobre mim?

Julian emitiu uma espécie de grunhido. Deus Santo.


Claro que sim!

— Diga?

Os lábios de Sophia roçavam os de Julian enquanto


falava.

— Julian, você me excita. Retorce o meu interior. Me


desperta uma sensação abaixo do ventre, quente e úmida.

Um calafrio de desejo percorreu as costas de Julian.

— Meu Deus. Onde aprendeu a falar assim?

Foi como se Julian tivesse lhe jogado um balde de água


fria no corpo. Ficou rígida e se afastou.

— Você não gostou?

Rodeando sua cabeça com a mão, puxou-a para si.

— Eu adorei.
Beijou-a lentamente, provocando-a com a língua
enquanto sua outra mão subia pelas costelas até alcançar o
seio esquerdo. Encontrou o mamilo duro e o esfregou com a
ponta do polegar.

O gemido de Sophia soou em sua boca. Sophia se


agarrava a seus cabelos com uma mão e com a outra se
agarrava à lapela de seu casaco. Esfregava o seio contra a
mão de Julian e se retorcia sobre o membro duro no seu colo.

Julian precisava parar. Se não o fizesse, acabaria lhe


levantando as saias ali mesmo na carruagem e faltava muito
pouco para chegarem na casa de Lady Wickford.

Com relutância, deixou o seio de Sophia e separou os


lábios. Os olhos negros dela, de pálpebras pesadas pela
paixão, observaram-no desconcertada.

— Por que parou?

Julian se aprumou e acariciou seu rosto.

— Esperei sete anos para fazermos amor. Quando isso


finalmente acontecer, não quero que seja em uma carruagem,
uma coisa rápida e de maneira torpe. Será em minha cama,
será quando eu tiver todo o tempo do mundo para fazer o que
quiser.

Sophia se moveu sobre seu colo, pressionando todas as


curvas de seus glúteos sobre sua ereção dolorida.

— E o que pensa fazer?


Quase a beira do desespero, Julian estava a ponto de
mandar tudo ao Inferno e lhe mostrar, mas assim que a ideia
passou pela cabeça a carruagem chegou a seu destino.

Tinham chegado à casa de Lady Wickford.

— Creia-me, será uma surpresa. — sussurrou Julian,


beijando-a docemente nos lábios.

Entretanto, tinha a sensação de que Sophia não se


surpreenderia tanto com ele quanto ele se surpreenderia com
ela.
Capítulo 11
Jocelyn estava certa de que Lorde Foxton

lhe proporia casamento pois, sabia sem dúvida alguma, no fundo

de seu coração, que pertenciam um ao outro.

A união desafortunada, da Marquesa de Aberley.

O dia do casamento se amanheceu luminoso,


ensolarado e para o deleite absoluto de Julian, sete dias
depois.

— Pelo amor de Deus, Jules! Pare de andar de um lado


para outro, rapaz! Está me deixando nervoso.

Rindo, Brave colocou uma bebida na mão fria de Julian.

— Deixe-o em paz, Gabe. Hoje ele porá a corda no


pescoço.

— Eu não andei de um lado para outro no dia do meu


casamento. — Gabriel alardeou.

Julian parou de andar para olhar o amigo.

— De fato, mas creio que vocês já tinham começado a


lua de mel antes de decidir dizer "sim, aceito".
— Ou seja, seu nervosismo tem uma causa mais
urgente, não? — Gabriel zombou.

Julian o olhou com cara de poucos amigos.

— Veremos quem ficará nervoso após o nascimento do


filho e a abstenção do seu leito conjugal por várias semanas.

Julian bebeu um gole de conhaque.

Gabriel fechou a cara.

— Como é?

Brave sorriu a seu amigo de cabelo castanho.

— Tem razão. Terá de se abster do leito conjugal por um


tempo após o nascimento de seu filho. Lilith precisará de
algum tempo para se recuperar, Gabe. É melhor que
aproveite bem o tempo que lhe resta.

Julian ouvia apenas metade do que falavam os amigos


dos percalços da paternidade. Só conseguia pensar no
casamento, e na noite de núpcias. Embora só faltassem
alguns minutos para que Sophia fosse sua esposa, ainda
faltavam horas para que pudesse fazê-la sua. Por que tinha
aceitado quebrar a tradição e celebrar o casamento à tarde? A
cerimônia para os parentes e amigos íntimos seria às seis, e
logo haveria o coquetel e o jantar às oito. Quando todos
partissem, ele e Sophia teriam o tempo apenas de se
preparem para a festa oferecida por Gabriel e Lilith no Éden.
Não haveria tempo para a intimidade que desejava até depois
da festa.
— Faltam dez minutos para apertar o nó. — anunciou
Brave olhando o relógio. — Vamos?

Julian sentiu o coração acelerar. Tinha chegado o


momento. Respirando fundo, assentiu.

— Sim vamos.

Endireitou o traje azul escuro de lã e puxou os punhos.

— Que tal estou? — perguntou.

Brave lhe lançou uma olhada.

— Nem mesmo Brummell poderia criticar.

Gabriel foi um pouco mais crítico.

— Parece um pavão apaixonado.

Desenhando um falso sorriso no rosto, Julian indicou a


seu amigo onde podia meter sua analogia.

Saíram do gabinete de Julian e caminharam até o salão


azul juntos. Era o cômodo preferido de sua mãe, e Letitia
havia dito que era o lugar mais adequado na casa para um
casamento. Havia uma grande pintura de seus pais na
parede lateral e outra pintura de Miranda na parede oposta.
Casar-se nessa sala seria quase como ter a bênção de toda a
família.

Os convidados já estavam ali quando entraram. Além de


Gabriel, Lilith, Brave, Rachel, estavam só Letitia, Lady
Wickford e a mãe de Sophia. O pai não quisera assistir a
cerimônia. Julian não se incomodou com a ausência de Lorde
Haverington. Nunca gostara do idiota.
Não tinham convidado o Marquês de Aberley, é obvio.
Julian estava certo de que Aberley estaria ciente das notícias
do casamento (de fato, toda Londres só falava disso). Gostaria
de presenciar a reação do Marquês ante as notícias.

Julian se colocou em seu lugar, diante da sala com o


pastor, e juntou suas mãos tremulas diante dele. Sentada
diante do piano sua irmã lhe lançou um sorriso, ela parecia
muito feliz com o casamento, e Julian ficara aliviado. Não lhe
contara que Patterson retirara seu pedido. Ela estivera de
mau humor ultimamente e esperava que o casamento dele
amenizasse a tensão entre os dois.

Queria vê-la casada também. Sabia que um bom


casamento não livraria Letitia de ter alguns problemas, mas
no mínimo lhe daria mais liberdade e proteção do que tinha
agora como jovem solteira e rica. Quando estivesse casada, sã
e salva, poderia parar de se preocupar com ela.

Pararia de pensar que algo horrível poderia separá-los,


como tinha acontecido com Miranda.

Todos os pensamentos sobre a irmã sumiram quando


Julian viu Sophia entrar segurando o braço da mãe. Julian
novamente se surpreendia do quanto se pareciam mãe e filha.
Maria Everston era uma versão mais madura e morena de
sua filha, embora os anos casada com o Visconde também lhe
conferiram um aspecto mais severo.

Sophia estava imponente com seu vestido azul claro


de cetim, as luvas combinadas e um par de brincos delicados.
Usava o cabelo trançado em forma de diadema, com flores
brancas colocadas entre os fios de ébano. Sorriu meio
escondida atrás de um recatado ramalhete. Julian devolveu o
sorriso. Ela seria finalmente sua.

Quando Sophia chegou ao seu lado, Julian lhe estendeu


a mão. Depois de deixar o braço da mãe, Sophia segurou em
sua mão. Julian não estava certo, mas acreditou ouvir a
viscondessa murmurar algo em espanhol. Palavras que
Julian não entendeu, embora o tom fosse amável. Com as
mãos unidas durante toda a cerimônia, enquanto os pais de
Julian sorriam sobre eles na parede em frente. Quando
Sophia pronunciou seus votos de modo emocionado, Julian
lhe apertou os dedos de modo confortador. E assim que foram
declarados marido e mulher, Sophia apertou os seus.

Depois da cerimônia, se dirigiram ao salão vermelho


para o coquetel antes de passar para outro salão para o
jantar nupcial. Tradicionalmente seria organizado um
almoço, posto que as cerimônias geralmente se celebravam
pela manhã, mas Sophia tinha afirmado que já tinham
quebrado todas as tradições em seu caminho para o altar,
assim quebrar uma tradição a mais não faria diferença.

Seus convidados começaram a partir pouco depois do


jantar. Lady Wickford foi a primeira, e como presente de
casamento lhes deu um par de taças de prata que tinha
pertencido aos seus pais.

— Quero que as aceite. — disse-lhes com os olhos


úmidos. — Porque os quero tão bem como se fossem meus
filhos.
Com a garganta seca, Julian abraçou a senhora após
Sophia ter feito a mesma coisa.

— Obrigado. — sussurrou-lhe ao ouvido.

Brave e Rachel foram os seguintes a partir, inquietos


para chegar em casa e ver seu filho, Alexander. Gabriel e
Lilith se foram pouco depois.

Quando a mãe de Sophia partiu, era hora de começar a


se prepararem para a noite. Pouco antes de partir, Maria deu
a Sophia um colar de rubis belíssimos que pertencia às
mulheres de sua família há muitas gerações. As duas
mulheres falaram com doçura em espanhol. Julian não tinha
ideia do que conversavam, mas o diálogo acabou com um
abraço e com as duas chorando.

— O que conversaram? — perguntou a Sophia enquanto


subiam as escadas para os aposentos.

Infelizmente, ele se dirigiria aos seus e não aos de


Sophia para se preparar para a noite.

— Disse que estava orgulhosa de mim. — respondeu


Sophia, tocando ligeiramente os olhos com o lenço de Julian
e colocando a caixa com a jóia de encontro aos seios. — Que
me desejava felicidade e me achou a noiva mais bonita que já
tinha visto.

Julian sorriu.

— Pois estou de acordo com ela.

Julian se inclinou para lhe sussurrar ao ouvido:

— Mal posso esperar que esta noite chegue.


Sophia corou dos pés a cabeça.

— Nem eu.

Chegaram ao piso superior.

— Mas você disse que queria ter mais tempo,


infelizmente não temos muito.

— Temos algum. — Julian a corrigiu, seguindo-a pelo


corredor e abrindo a porta de seus aposentos.

— Deixe-nos a sós. — disse Julian à criada de quarto.

A jovem sorriu timidamente e fez uma reverência antes


de sair correndo do quarto. Sophia se virou para Julian com
os olhos negros expectantes.

— Por que fez isso? Agora quem me ajudará a trocar


e me refrescar?

— Eu mesmo.

Julian tirou o casaco e o deixou sobre a cama.

Com as mãos sobre os quadris, Sophia levantou as


sobrancelhas.

— Então você vai me ajudar a despir e me banhar...

De repente, emudeceu. Quando se deu conta das


intenções de Julian.

— Exatamente. — Julian subiu as mangas da camisa.


— Vire-se.

Colocando as mãos na cintura de Sophia, Julian a


empurrou para o banheiro. No centro, havia uma grande
banheira de cobre com água fumegante.
— Não sei se isto é uma boa ideia. — Sophia protestou
enquanto Julian começava a soltar os inúmeros botões da
parte de trás do seu vestido.

— Por que?

Malditos botões! Por que tinham que ser tão pequenos?

— Bem... Provavelmente ao me ver nua queira me tocar.

Julian não cessava a luta contra os botões.

— É claro que quero tocá-la.

Sophia se voltou e o olhou, com a gola do vestido


folgada.

— Se me tocar, não vou querer que pare.

Julian sorriu ante o rubor em sua face e o ângulo


defensivo de seu queixo.

— Mas é precisamente disso que se trata.

Nem sequer esboçou um sorriso, mas seus olhos


brilhavam.

— Caro Senhor, há uma festa na qual temos que


comparecer, esqueceu?

Ainda sorrindo, Julian desatou seu lenço e arrancou o


tecido engomado que lhe rodeava o pescoço.

— Não esqueci. Porém podemos chegar um pouco mais


tarde.

Sophia riu. Ainda segurava o corpete contra os seios.

— Sabe tão bem quanto eu que não haverá volta se


consumarmos o casamento.
Deus santo, e como sabia. Entretanto, ouvi-la dizer era
outra história. O tom prosaico dela (como se o desejo que
sentiam fosse uma força que pudesse ser medida) excitava-o
mais que qualquer palavra ou carícia explícita. Tinha o
membro duro como uma pedra.

— Concordo em gênero, número e grau. — grunhiu


cedendo finalmente. — Você venceu.

Então estendeu a mão e a colocou sobre o braço de


Julian. Que ficou imóvel, embora só pudesse pensar em
rodeá-la com seus braços.

— Obrigada.

Seu olhar era tão doce e tão cheio de confiança que


Julian quase pensou que compensava a frustração que ardia
em suas veias.

— Não me agradeça. — respondeu mais bruscamente do


que queria — Se fosse por mim, nós estaríamos na banheira
agora mesmo, e não seriam minhas costas o que estaria
ensaboando.

Sophia corou de novo, não sem antes soltar uma


risadinha. Era estranho que esse som viesse dela. Julian
nunca a imaginara rindo dessa maneira. Era possível que
estivesse nervosa porque faria amor com ele? O que poderia
temer além da força de seu desejo mútuo?

Fosse qual fosse o motivo que estivesse deixando Sophia


nervosa, Julian tinha certeza absoluta de que ela queria estar
com ele tanto quanto ele com ela. E a respeitava o bastante
para não pressioná-la.
Com um beijo rápido e casto, Julian a deixou com seu
vestido aberto e se dirigiu a seus aposentos. Ali, o esperava
uma banheira em seu próprio quarto de banho. Tirou seu
traje de noivo, deixou-o sobre uma cadeira próxima para que
o valete se encarregasse dele mais tarde e entrou na banheira
quente.

Ficou ali até que a água esfriou, esperando que esfriasse


também seu sangue. Mas não funcionou, só conseguia
pensar em Sophia dentro da banheira.

— Quero levá-la para casa agora.

Sob as arandelas que iluminavam o salão do Éden, no


abraço quente de seu marido, Sophia tremia enquanto a
respiração quente de Julian tocava sua orelha.

— Concordo com você. — respondeu com doçura, sem


poder fitá-lo.

Queria satisfazê-lo e a si mesma também, mas estava


assustada. Assustada não só por decepcioná-lo, mas também
pela paixão que havia entre eles. Era como um fogo
esperando para consumi-los. Acaso a consumiria em sua
totalidade? Perderia a parte dela mesma que tanto lutara
para encontrar depois da morte de Edmund? Não queria
voltar a ser controlada por um homem de novo, e isso incluía
Julian.

E tinha um pouco de medo de ser vista nua. Sabia que


não era feia, mas seu corpo não era o mesmo de sete anos
atrás (tanto ela quanto Julian tinham encorpado com os
anos). Edmund tinha controlado seu peso como um falcão e
lhe impunha uma dieta cada vez que engordava, mesmo que
fosse só um pouco.

Desde sua morte, tinha engordado ao menos seis quilos.

Sophia ignorou os olhares brincalhões dos amigos de


Julian ao se despedirem. Era bastante embaraçoso, pois
todos sabiam que eles saíram para consumar o casamento.

A viagem de volta na carruagem parecia interminável,


embora Sophia tentasse procurar um assunto para
conversar. Logo Julian se sentou a seu lado e a beijou até
deixá-la sem ar e de repente tinham chegado em casa.

Sua criada, Jenny, estava esperando-a quando entrou


no quarto. Meia dúzia de velas iluminavam o cômodo com luz
suave.

Deixou que Jenny desabotoasse seu vestido e a


dispensou. Despiu a si mesma depois de que a criada se foi e
deslizou pelo corpo a camisola delicada que Lilith e Rachel
tinham ajudado a escolher.

A peça em si era pouco mais que uma gaze com tiras


finas e um decote muito baixo. Cobrindo seus seios e quadris.
Sophia estava certa de que quase nada escondia. Ao olhar
para baixo, viu o contorno escuro das aureolas de seus
mamilos eretos através do tecido transparente. Era como se
já estivesse nua. Depressa, vestiu o robe.

Com dedos trêmulos, sentou-se diante da penteadeira e


começou a tirar as presilhas dos cabelos, que começou a cair
sobre os ombros, negro e muito liso apesar de ter estado
trançado. Começou a escová-lo até sua respiração voltar à
normalidade e se sentiu mais ou menos relaxada. Foi então
que a porta do outro extremo do cômodo se abriu e Julian
entrou.

Ficou ali na entrada e só usava a camisa e as calças.


Inclusive estava descalço. Sophia sentiu a garganta secar ao
vê-lo. Havia algo incrivelmente sensual em sua aparência,
embora ainda encoberta.

Segurava uma garrafa de vinho em uma mão e duas


taças na outra. Era claro que o vinho era para ela, algo para
acalmá-la um pouco.

Ela se levantou enquanto Julian se aproximava dela. Ele


não tentou sequer dissimular sua sincera apreciação sobre
seu traje.

— Muito bonito. — murmurou.

— Lilith foi quem escolheu. — respondeu apressada.

Julian esboçou um sorriso.

— Ela escolheu bem. Gostaria de um pouco de vinho?

Sophia assentiu e ele colocou as taças sobre a mesinha


do café da manhã, para servir uma quantidade generosa em
cada taça. Julian lhe ofereceu uma.
Os dedos da Sophia tremeram ao pegá-la, levando aos
lábios e tomou dois longos goles para acalmar seus nervos.
Sorrindo, Julian encheu a taça novamente e deixou a garrafa
sobre a superfície de sua penteadeira.

Sophia observou como ele tomava um longo gole de


vinho. Viu o pomo de Adão da garganta de Julian mudar de
posição no longo e bonito pescoço enquanto bebia. O viu
passar a língua pelos lábios de uma maneira que certamente
não queria ser sedutora, mas que lhe causou esse efeito.

Julian notou que ela o observava e lhe devolveu o


mesmo olhar, um olhar cheio de ternura. Aproximou-se e se
inclinou para roçar seus lábios com os dela, lentamente,
explorando lentamente com a língua.

— Vamos para a cama? — sugeriu enquanto lhe tomava


a taça e a colocava sobre a penteadeira.

Diante da ideia, Sophia sentiu um calafrio enquanto ele


a encurralava contra a cama.

— Apago as velas?

— Não, deixe-as acesas. Quero vê-la.

As panturrilhas de Sophia se chocaram contra os pés da


cama. Sophia abriu os olhos e sentiu o ventre tremer.

— Bem...

Julian riu, mas sem malícia.

— Acaso não quer me ver também?

Não tinha pensado nisso. Sem as velas, não poderia


admirar sua nudez, não poderia ver seu corpo e saciar sua
curiosidade de uma vez por todas. A ideia de ser submetida a
um escrutínio tão íntimo era uma lição de humildade. Sophia
queria com todas as forças que Julian aprovasse seu corpo,
que lhe parecesse desejável como lhe parecia o corpo dele.
Não tinha nada a ver com Edmund e seu casamento anterior.
Este era Julian, o primeiro homem a quem tinha amado, e
embora tivesse sido há anos, ainda havia algo especial nele.

Obviamente, Julian viu a indecisão em sua expressão.


Ou isso, ou podia ler sua mente.

— Está nervosa porque vou vê-la nua?

Sophia assentiu e corou um pouco.

— Sim, um pouco.

Inclinando a cabeça, Julian se aproximou dela. Sophia


sentiu seu odor masculino, uma doçura quente e picante que
fez suas coxas se apertarem e lhe tremer os joelhos.

— Vamos fazer isso juntos. — sugeriu. — Primeiro eu


tirarei a camisa e você tirará algo.

Sophia assentiu; tinha a boca seca e a cabeça lhe dava


voltas pelo vinho.

Julian começou a soltar as tiras da camisa 7 e depois a


passou pela cabeça. O linho deslizou sobre seus quadris e

7
deixou descoberta a extensão de seu abdômen e a dura
amplitude peluda de seu peito. Deixou-a no chão e a olhou
com nada mais que as calças.

Sophia olhava extasiada a tênue luz das velas dançando


em seu corpo. Seus olhos devoravam todos os detalhes (a
forma musculosa dos ombros, as duras planícies e vales do
peito e abdômen, a ligeira fenda do umbigo), inclusive os
pelos finos que cobriam os antebraços. Tinha a pele dourada
e quente, não era pálido como a maioria dos cavalheiros de
sua classe. A luz das velas só acentuava o tom e Sophia não
podia evitar imaginá-lo como uma estátua de bronze. Mas
não era de bronze. Era de carne e ossos e era dela.

— Toque-me.

Não precisou pedir duas vezes. Faminta, Sophia


espalmou as mãos contra as curvas duras do peito. Deslizou
as palmas sobre a suavidade acetinada dos ombros,
acariciando as protuberâncias fascinantes e todo o percurso
do firme músculo que unia os ombros com o pescoço. Ao
passar a ponta do polegar pela base da garganta, Sophia
sentiu o pulso agitado de Julian, que delatava sua excitação.

Julian a observava em silêncio enquanto o tocava,


enquanto suas mãos ansiosas o devoravam da cintura para
acima. Julian não tentou tocá-la. Sophia entendia que não
era por não querer. Dar-se conta disso era uma lição de
humildade e isso a excitava mais.

— Agora é sua vez.


Continuou sem tocá-la. Algo em seu olhar lhe dizia que
ele queria e a obrigava a fazê-lo.

Com os dedos trêmulos, Sophia desfez o laço que


fechava o penhoar. O coração batia agitado no peito enquanto
deixava cair o tecido leve que lhe cobria os ombros. O
material deslizou pelos braços e acabou no chão, aos seus
pés. Sabia o quanto se expunha diante dele através da
camisola quase transparente e podia imaginar como estaria
seu corpo delineado contra a luz das velas atrás de si.
Timidamente, levantou o olhar para Julian.

Sua expressão só revelava excitação e gratidão. Sophia


não precisou convidá-lo para que a tocasse.

— Eu gostei muito — murmurou, colocando seus dedos


ao redor das tiras da camisola. — Mas não é justo. Eu estou
nu da cintura acima e você continua se escondendo do meu
olhar.

E antes que Sophia pudesse reagir, deslizou as tiras de


seus ombros. Sem elas, toda a parte superior da camisola
caiu sobre os quadris, o que deixou seus seios e torso nus.

Instintivamente, levantou os braços para se cobrir,


enquanto sentia todo o corpo tremer com força. Julian a
surpreendera, mas não fora essa a causa dessa vibração
profunda abaixo da cintura. Sua ação atrevida a tinha
excitado. Julian lhe agarrou os pulsos.

— Não se esconda de mim.

Não estava zangado, mas foi igualmente uma ordem.


Sophia tremeu ante a advertência e sentiu um formigamento
na pele e como lhe endureciam os mamilos. Julian lhe soltou
os braços e seu olhar concentrou-se na carne exposta. Sophia
não queria ver como seu olhar faminto avaliava sua nudez,
mas também não podia afastar o olhar. Estaria pensando que
seus seios eram muito grandes? Perceberia que um deles era
pouco maior que o outro? Seus dedos tocaram a parte
superior dos ombros e delinearam a ligeira silhueta da
clavícula. O calor de suas mãos contrastava
surpreendentemente com o frio da angústia na pele de
Sophia. Esta esticou mais o corpo, o qual acentuou ainda
mais a ânsia que sentia na parte inferior do abdômen e se
estendia para o interior das coxas tremulas.

O olhar de Julian, escuro pela pouca luz que havia no


aposento, cruzou com o de Sophia enquanto deslizava as
mãos pela silhueta da cintura e as costelas.

— Linda. — sussurrou. — Tudo em você me agrada. Seu


cabelo, sua pele, seus seios, tudo.

Sophia acreditava nele. Julian não mentia tão bem, mas


mesmo assim não pôde deixar de rebater.

— Meus seios são muito grandes. Estão caídos.

Julian lançou sua atenção as grandes esferas. Sophia


conteve a respiração. Uma parte dela queria que Julian não a
considerasse atraente. Possivelmente assim deixaria de sentir
como se toda sua vida a tivesse levado a esse momento
preciso.

Sorrindo quase timidamente, Julian segurou os seios


com as mãos grandes e quentes, e os levantou.
— Agora já não estão. — respondeu, tocando a ponta
dura e sensível dos mamilos com os polegares.

Sophia ofegou ao sentir a necessidade sensual repentina


de seus seios e que queria ter também aquelas mãos entre as
pernas. Ao olhar os dedos morenos que envolviam sua carne,
soube vertiginosamente que Julian tinha razão. Nas mãos
dele, a única coisa que pediam seus seios era o tato de
Julian.

Sem deixar de acariciar as pontas túrgidas, Julian se


aproximou para beijá-la e invadiu sua boca com sua língua
úmida e quente. Sophia agarrou a seus ombros para se
manter em pé, enquanto os lábios e mãos de Julian
lentamente tornavam seus ossos em gelatina.

Mordiscava com os dentes, beliscava com os dedos,


sempre com suavidade, provocando a respiração ofegante de
Sophia. Os lábios do Julian abandonaram sua boca e
desenharam um caminho excitante por seu queixo, garganta
até chegar aos seios. E quando ele levou um dos seios à boca,
a respiração ofegante de Sophia se tornou um gemido.

Agarrando-se as curvas fortes dos bíceps, Sophia


arqueou as costas, para que ele pudesse acessar todo seu
corpo facilmente. Ver a boca de Julian sobre seu seio era
terrivelmente excitante. Sophia não podia deixar de olhar,
mesmo quando a pressão da boca tentava fazê-la fechar as
pálpebras e soltar um preguiçoso suspiro de prazer. Cada
movimento da língua a envolvia em um feitiço mais e mais
arrebatador. Julian sabia quanta pressão exercer para que
ela sentisse prazer e não dor, e quando Sophia pensava que
já não podia desfrutar mais, Julian passava a se concentrar
no outro seio.

Quase gritando, Sophia deixou seus ombros, embora os


joelhos lhe fraquejassem, enredou seus dedos na massa
espessa dos cabelos de Julian, para se aproximar ainda mais
enquanto lhe mordiscava suavemente o mamilo. A carne
trêmula e palpitante abaixo da sua cintura se contorcia, em
uma intensidade quase dolorosa. Estava queimando por
dentro e quase todo calor estava concentrado entre suas
coxas.

Julian levantou a cabeça de seus seios. Os olhos


brilhavam de desejo e sua boca sensual estava úmida.

— Poderia tirar as minhas calças agora? — perguntou


com voz áspera.

Encorajada pelo vinho e a atração que sentia por ele,


Sophia alcançou o tecido que tinha diante dela.

— Permita-me.

Ele permaneceu em silêncio e imóvel, com uma


expressão de expectativa faminta no rosto enquanto lhe
desabotoava as calças e baixava o tecido pelas pernas.

Ajoelhada diante dele, tirou-lhe a roupa e a deixou de


lado. Julian estava nu, magnífico e sem vergonha alguma.
Tão bonito quanto ela havia sonhado.

Sophia começou pelos pés. Eram grandes, subiu a mão


pelo seu corpo, e sentiu claramente os ossos dos tornozelos
sob as palmas da mão. Subiu pela curva firme e peluda das
panturrilhas e joelhos, até chegar as coxas fortes,
musculosas, no quadril esquerdo. E logo, com prazer,
deslizou as mãos para trás, para segurar as curvas tensas
das nádegas, apertando-as.

— Fui aprovado?

O olhar de Sophia se concentrou na parte de sua


anatomia que ainda não tinha inspecionado. Sobressaindo da
massa de cachos que se encontravam na base de seu
abdômen e parecia crescer cada vez mais sob o peso de seu
olhar assombrado.

— Sim! — sussurrou, passando os dedos acima da área


acetinada.

Julian ofegou quando Sophia fechou a mão ao redor da


carne dura e quente. Movendo os dedos com cuidado, olhou-o
com descaramento.

— Você gostaria que o beijasse?

Um som entrecortado pareceu explodir em sua garganta.

— Sim — disse com voz áspera. — Eu gostaria, e muito.

Fechando os olhos, Sophia umedeceu os lábios e


envolveu a ereção dura de Julian com a boca. Ele gemeu.
Sophia nunca gostara de agradar Edmund dessa maneira,
mas agora se excitava com cada gemido e suspiro de Julian.
Ele agarrou a sua nuca, e a aproximou cada vez mais,
deslizando entre seus lábios enquanto esperava ela mover a
língua sobre o membro perfeito.
De repente, Julian lhe segurou os cabelos, afastando-a e
saindo de sua boca.

Sophia o olhou preocupada.

— O que houve? Machuquei, não gostou?

Julian riu com voz rouca enquanto a levantava.

— Meu Deus, não. Não machucou.

— Então por que me fez parar?

Os brilhantes olhos de predador a fitaram com tal


intensidade que por um momento Sophia pensou que Julian
a lançaria sobre a cama e penetraria de imediato.

— Porque a primeira vez que terei prazer não será em


sua boca grunhiu. — Agora é a minha vez.

Com apenas um movimento de mão, fez sua camisola


cair ao chão, para ficar amontoada ao redor de seus pés.
Levantou-a em seus braços a levou a cama deitando-a sobre
a colcha com tanta delicadeza que mais perecia uma espécie
de tesouro exótico.

— É a mulher mais bonita que já vi. — murmurou


deitando-se sobre ela. — Pensei isso no primeiro dia em que
concentrei meus olhos em você.

Sophia o observou fixamente, e sentiu um nó na


garganta.

— Verdade?

O olhar que encontrou era extremamente terno.

— Por Deus, Sophia. Como pode duvidar?


Não podia pensar em uma resposta.

Os dedos de Julian tocaram o interior de sua coxa e


Sophia contraiu-se, mas só por um segundo, porque depois
disso notou que os lábios do seu sexo estavam quentes e
inchados e sentiu que um vulcão estava prestes a explodir em
seu interior.

— Seu corpo sabe o quanto a quero — disse Julian


assim que introduziu um dedo lentamente em seu interior.

Sophia ofegou, tanto por suas palavras quanto pela


invasão divina em seu lugar mais íntimo.

— Seu corpo sabe quão desejável é — continuou,


movendo o dedo para dentro e para fora, fazendo Sophia se
retorcer de frustração e prazer debaixo dele. — Assim....

Sophia gritou quando Julian acariciou o ponto doce e


duro que se encontrava na parte superior do sulco úmido de
seus genitais.

— Sabe o quão bela é para mim, pois cada vez que a


toco, uma expressão de intenso prazer inunda sua face.
―Suas suaves colinas e vales ocultos formam um jardim mais
doce que o Éden."

Sophia quis lhe perguntar de onde vinha esse verso,


mas as palavras abandonaram sua mente quando Julian
começou a penetrar em sua carne ardente. Não se importava
de estar nua diante dele. Nem de estar fazendo sons
impróprios de uma dama, não se importava se ele via ou não
seus quadris se movendo e seguindo o ritmo de suas carícias.
A única coisa que lhe importava era o prazer que Julian
estava lhe dando.

— Oh, Julian! Estou...

Faltava tão pouco, só um pouquinho. Quase não


suportava a pressão em seu corpo.

— Quer gozar, Sophia? — perguntou-lhe sem piedade


acariciando-a com o polegar.

— Sim!

Ela gozaria. Um pouco de carícias a mais e.... Julian


retirou. Frustrada e palpitante, Sophia abriu os olhos e o
olhou. Ele esta sorrindo. Um sorriso sensual e brincalhão que
Sophia gostaria bater nele.

— Então agora é sua vez.

Julian tombou sobre o seu lado. O membro grosso e


ereto sobressaindo da virilha, com a ponta reluzente de
excitação.

Como? Teria ouvido bem? Ela a vez dela?

— Não... Não sei bem como fazer. — sussurrou com a


face corada enquanto seu corpo pedia alívio a gritos.
Agarrando-lhe a mão, Julian trouxe para si.

— Coloque-se sobre mim. Coloque-me em seu interior.

Com indecisão Sophia fez o que lhe pediu. Nunca tinha


feito amor dessa maneira antes, mas sabia que os homens e
as mulheres podiam fazer sexo de muitas formas. Esta seria
diferente, uma posição que lhe daria o controle, Julian o
cedia a ela.
Uma onda de calor a inundou entre as pernas ao dar-se
conta de que Julian a deixava controlar a situação. Ele queria
que ela controlasse a situação.

Sophia esticou a mão entre seus corpos para alcançar


seu membro e guiar a ponta redonda até a abertura de seu
corpo. Ele afundou, ofegando enquanto o corpo de Sophia se
esticava para se adaptar a ele. O instinto lhe exigia que
introduzisse todo o membro de uma vez, mas o prazer lhe
ordenava que saboreasse cada centímetro da ereção enquanto
introduzia Julian cada vez mais em seu interior.

Pouco a pouco, embora seu corpo fervesse com


impaciência, Sophia baixou para descansar sobre os quadris
dele, estendendo as pernas sobre os flancos de Julian, até
que seu púbis se pressionou contra a linha forte da pélvis.
Ela não desviou o olhar enquanto o introduzia em seu corpo.
Julian fechou completamente os olhos, até que a linha escura
de suas pestanas descansou sobre as bochechas. Os lábios se
separando para ofegar docemente enquanto Sophia se abria
mais para ele.

Estava totalmente dentro dela. Um suspiro percorreu o


corpo dela. Eram um único ser. O homem que tinha tentado
durante anos, esquecer e desprezar com todas as suas forças
agora era parte dela. Seu corpo reclamava uma parte do dele.

Sophia ficou quieta um segundo, permitindo que seu


corpo se ajustasse ao membro, e logo começou a se mover.
Depois de agarrar com as mãos suas costelas para se apoiar,
usou os músculos de suas coxas para mover-se acima e
abaixo sobre o delicioso intruso que deslizava facilmente
dentro e fora dela. Com cada impulso, sentia o orgasmo se
aproximar, sentia os músculos tensos de Julian debaixo dela.
Nenhum dos dois aguentaria muito mais. Tinham o resto de
suas vidas para se amarem com calma.

Sophia acelerou o ritmo, empalando-se cada vez mais


rápido, à medida que se aproximava mais e mais do orgasmo.
Queria que a sensação deliciosa entre suas pernas durasse
para sempre, embora mal pudesse esperar que chegasse a
inevitável conclusão.

Embaixo dela, Julian ofegava excitado. Arqueava os


quadris contra os de Sophia e a penetrava tão profundamente
quanto podia. Agarrou seus quadris com as mãos,
segurando-a com força contra ele e tentando estabelecer o
ritmo.

— Meu Deus, Sophia. — gemeu enquanto acariciava


seus mamilos com as mãos. — Não pare.

Ofegando enquanto Julian apertava seus mamilos entre


os dedos, Sophia sentiu se desfazer o frágil controle.
Inclinando-se adiante, descansou quase todo seu peso contra
suas mãos e costelas, cavalgando freneticamente sobre ele,
enquanto o prazer em seu interior explodia em uma corrente
que não podia se comparar a nada do que havia sentido
antes. Ondas de êxtase sem sentido que a exauriram quando
ouviu Julian gritar ao perder o controle também. Ele a
penetrou com força, cravando sua pélvis contra a dela e
lançando réplicas ondulantes de prazer intenso que se
expandiam em seu interior.

Com o corpo ainda lançando faíscas com o gozo, Sophia


desabou sobre o peito de Julian, e seus cabelos escondeu os
dois na escuridão. Segundos mais tarde, as mãos de Julian
retiravam as mechas da face de Sophia, para fitá-la.

Julian sorria.

— Você está bem?

Tinha que perguntar? Mãe Santíssima! Se estivesse


melhor, precisaria de atenção médica.

— Mais do que nunca. — respondeu. — E você?

Julian assentiu.

Ficaram em silêncio. Ao se colocar ao lado dele, Sophia


era consciente de que Julian a observava. Quando voltou a
fitá-lo de novo, sentiu-se humilde com a ternura que viu em
seus olhos. Sophia o agradara e Julian não precisara lhe
dizer como fazê-lo, como Edmund sempre fizera. Não lhe
ordenara como devia tocá-lo ou beijá-lo e, no entanto Julian
despertou um vulcão em seu interior com as carícias mais
simples. Como ele conseguira? E ainda mais, como ela
conseguira?

Sophia acabaria se apaixonando por ele. Viu com


clareza, seu coração fora apanhado em um círculo vicioso.
Amar Julian seria maravilhoso se ele correspondesse, do
contrário sua vida seria ainda mais miserável com ele do que
sem ele.
— Valeu a pena esperar sete anos? — Sophia
perguntou, pois queria deixar de lado esses pensamentos.

Rindo, Julian a rodeou com os braços.

— Sim. Só espero que não esteja planejando me fazer


esperar outros sete anos para que voltemos a fazer o mesmo.

Sophia riu e o beijou.

— Meu querido Lorde Wolfram. Espero que esteja com


essa fome daqui há sete minutos.

Julian a olhou com expressão de horror zombeteiro.

— Não acredito que seja possível.

Mas seis minutos e meio mais tarde, uma Sophia muito


contente e um Julian muito surpreso descobriram que de fato
estavam com fome.
Capítulo 12
A coisa mais difícil para um homem

entender é quando uma mulher não cai a seus pés.

A união desafortunada, da marquesa de Aberley.

— Fale de seu casamento com Aberley.

Sophia o olhou por cima do ombro ensaboado.

— O que quer saber?

Era tarde e estava no quarto de Julian, na grande


banheira de cobre em frente à lareira. Sophia estava entre as
pernas de Julian e ele estava recostado na banheira,
ensaboando lentamente a pele de suas costas. A luz dançava
sobre sua pele molhada e transformava seu corpo em
sombras de perfeição dourada.

Estavam há dois dias casados e Julian ainda estava


impressionado com ela.

Julian espremeu o pano sobre suas costas, para


espalhar mais espuma sobre a pele.

— Por que se casou com ele?

Sophia respondeu encolhendo os ombros ligeiramente,


como se evadindo.
— Porque precisei fazê-lo.

Julian guardou silêncio enquanto colocava a mão sobre


as costas dela. A água gotejava de seu cotovelo.

— Porque precisou fazê-lo?

— Meus pais tentaram abafar o escândalo. Mas parece


que ninguém queria se casar comigo.

Julian fez uma careta. Isso era culpa dele.

— Então quando Aberley pediu minha mão, meu pai


ficou encantado, e deixou bem claro que se não aceitasse me
casar com Aberley seria expulsa de casa ao amanhecer.

Sophia usou um tom trivial, tão desprovido de


amargura, que Julian não soube como interpretar suas
palavras. Com a esponja encharcada d’água retirou o resto da
espuma que tinha nas costas.

— Aberley era um homem de índole muito arraigada aos


bons costumes da sociedade. Porque queria se casar com
uma jovem que era...?

Julian não pôde acabar a pergunta.

— Uma mulher supostamente maculada e imoral? —


sua esposa acrescentou em voz baixa.

Havia um pouco de amargura em sua voz, mas o


instinto de Julian lhe assegurou que o sentimento não se
dirigia a ele.

— Ele me desejava, mas acima de tudo queria fazer de


mim um exemplo. Queria me transformar em uma senhora
de reputação ilibada, queria exibir a toda boa sociedade sua
criação, provar a todos que tinha me domesticado.

Sophia afastou o olhar de Julian.

— Aberley não tinha uma moral tão elevada entre quatro


paredes.

Julian apertou a esponja.

— Ele a machucava?

Sophia moveu a cabeça.

— Não, fisicamente, mas sabia como me atingir. Acabou


me tornando irreconhecível para mim mesma.

Julian a puxou para trás, para que sua costa


descansasse sobre seu peito e a rodeou com os braços.

— Agora pode ser quem realmente é.

Sophia colocou suas mãos sobre as de Julian.

— Obrigada.

— Sinto muito.

Como foi difícil pronunciar essas palavras!

Voltando a cabeça para fitá-lo, Sophia lhe sorriu


amavelmente.

— Isso aconteceu há muito tempo e agora somos


diferentes.

Deus! O que tinha feito para merecer sua compreensão?

— Se eu tivesse feito o que devia, você não teria se


casado com Aberley.
Sophia se encolheu, aparentemente inconsciente de seu
remorso.

— Ao menos não precisei viver com ele por muito tempo.

Nesse instante, Julian desejou que Edmund Morelle


estivesse queimando no inferno.

— Foi tão terrível assim?

Não queria saber. Não queria saber realmente, mas uma


parte dele queria ouvir desesperadamente que Aberley fora
pior que ele.

Sophia pareceu pensar por um segundo.

— Não. Nunca foi cruel, só... persistente demais.

Não devia ter perguntado.

— Você ficou triste por ele não ter lhe dado um filho?

Sophia pareceu surpresa diante da pergunta.

— Quando me casei com ele já sabia que não me daria


nenhum. Além disso, eu ainda era uma menina, em muitos
sentidos. Não tinha nenhuma vontade de carregar um
pirralho em minhas entranhas.

Julian assentiu. Ainda estava pensando no que Sophia


havia dito sobre as razões que levaram Aberley a se casar
com ela. O pequeno experimento de Aberley alardeado diante
da alta sociedade. Olhem como o Marquês de Aberley
conseguiu transformar à criatura dissoluta e imoral em uma
senhora correta e formal.

Sophia se voltou observando-o com atenção.


— Por que o interesse repentino nesse assunto? Acaso
está se comparando a Edmund?

Seria assim tão transparente?

— Talvez.

Sophia se voltou para ele e a água respingou contra


as paredes da banheira quando se moveu entre as pernas de
Julian. À luz do fogo, seus olhos eram tão negros que não
havia diferença alguma entre a íris e a pupila. Sophia lhe
rodeou o pescoço com os braços, pressionando os seios
quentes e molhados contra seu peito.

— Esqueça Edmund, Julian. Ele faz parte do passado e


nós dois já temos problemas suficientes sem ele.

Rodeando-lhe a cintura com os braços, Julian


aproximou-se mais de Sophia para que todo seu corpo
descansasse sobre o seu.

— Farei tudo o que puder para lhe oferecer o futuro que


merece.

Sophia não disse nada. Simplesmente o fitou com os


olhos de ébano impenetráveis, e por um momento, Julian se
perguntou se tinha falado.

— Como faz isso? — perguntou Sophia depois do


que pareceu uma eternidade. — Como sabe exatamente o que
dizer para me fazer sentir a mulher mais incrível de toda a
Inglaterra?

O coração de Julian inchou com uma emoção que não


se atrevia a nomear.
— Porque é assim.

De fato era assim quando havia amor, mas esse não era
o momento para reconhecê-lo.

— É como um mito: natureza e fantasia em um. O


jardim mais doce que o Éden.

— Disse a mesma coisa em nossa noite de núpcias —


lembrou de todas as coisas prazerosas que fizeram naquela
noite. — De onde tirou esse pensamento?

Deveria lhe dizer, e se ela risse? E se passasse a


suspeitar da magnitude do que sentia por ela? Nem mesmo
ele conhecia a magnitude desse sentimento.

— É de um poema que estou escrevendo.

Não precisava dizer a quem dedicava os versos.

Silenciosamente Sophia o beijou, e quando seus lábios


se tocaram, Julian entendeu tudo o que Sophia não tinha
expressado em palavras.

O beijo pareceu eterno. Até o menor detalhe ficou


gravado em sua mente com uma clareza assustadora; o
movimento suave e flexível de seus lábios, o ligeiro toque dos
mamilos contra seu peito e a delicada carícia do sexo dela
sobre sua ereção crescente.

— Leve-me para nossa cama. — Sophia sussurrou-lhe


na boca.

Julian obedeceu de pronto. Depois de sair da banheira,


inclinou-se e trouxe as curvas macias e úmidas de Sophia de
encontro ao seu corpo. Deixaram um rastro de espuma no
chão da banheira até a cama.

Julian a deitou sobre a cama e os membros


escorregadios de Sophia se entrelaçaram a suas costas
quando ele se deslizou entre as coxas voluptuosas. Beijou-a
na boca, nos seios, no ventre e no sulco quente e salgado
entre suas pernas. Sophia se retorcia embaixo dele e com
cada sussurro atiçava as chamas do desejo em Julian.

— Diga-me o que quer. — disse Julian enquanto


deitava-se sobre ela.

Queria satisfazê-la, queria lhe dar tudo o que pudesse.

— Você — Seus olhos escuros e sonolentos brilharam ao


fita-lo. — Só você.

Julian se entregou. Penetrando-a lentamente, gemendo


ao deslizar cada vez mais fundo em sua prisão sensual. O
tempo pareceu parar quando suas pernas fortes se
seguravam em seus quadris. Os músculos dos braços dele
tremiam de tensão enquanto tentava fazer desse momento
algo duradouro.

Acabou muito antes do que teria gostado. Os gritos dela


ao chegar ao orgasmo fizeram Julian dirigir vertiginosamente
o gozo também.

Desabou sobre Sophia com o corpo ainda estremecendo


enquanto os espasmos o sacudiam. Fazer amor nunca o
afetara tanto antes. Era como se sua alma tivesse se
fragmentado em puro êxtase.
Quando recuperou os sentidos e a luz desapareceu em
seus olhos, Julian saiu da maciez quente de Sophia a contra
gosto e tombou de lado.

Ficaram em silêncio, olhando-se nos olhos e sorrindo.


Quem teria imaginado que chegariam a gozar de tanta
cumplicidade entre eles? Nunca em um milhão de anos
imaginou que se sentiria tão bem ao ter Sophia em sua vida.
Era como se tivesse escancarado uma porta trancada há
muito tempo, e finalmente entrava ar fresco e a luz do sol no
que tinha sido um lugar escuro e solitário.

— Prometo que nunca voltarei a lhe dar as costas.

Sophia suavizou a expressão no rosto.

— Esperemos que nunca tenha um motivo para pôr a


prova essa promessa.

— Se não houver segredos entre nós, não vejo como


poderíamos correr esse risco.

Algo cintilou nos olhos escuros de Sophia, algo que


assustou Julian e o fez querer perguntar o que estava
escondendo, mas confiar em alguém não implicava
exatamente isso, e estava decidido a confiar em Sophia.

— Vamos. — ordenou enquanto se levantava. — Vamos


nos lavar e vestir algo, depois iremos ao meu gabinete beber
uma taça de vinho. Se você for boazinha comigo, lerei algo
bem interessante.

— E se for malvada?
Sorrindo de maneira sedutora, Sophia também se
sentou e deixou que ele a ajudasse a levantar-se.

Julian lhe devolveu o sorriso. Minha mãe! Ele a fazia se


sentir tão jovem e despreocupada!

— Se for malvada, você terá que me ler algo.

Sophia fez uma careta.

— Isso não parece muito tentador.

Aproximando-se por trás, Julian colocou as mãos sobre


seus quadris e se inclinou para lhe sussurrar ao ouvido.

— Bem, você não tem ideia do que quero fazer enquanto


estiver lendo.

Sophia estremeceu sob suas mãos e ele riu.

A água da banheira começava a esfriar, assim se


lavaram rapidamente e se vestiram. Como duas crianças
travessas, caminharam silenciosamente pelo corredor e
desceram as escadas. Quando chegaram ao gabinete, Julian
trancou a porta e avivou o fogo na lareira. Em poucos
minutos, as chamas aqueciam e iluminavam a sala
acolhedora.

Depois de tirar os sapatos, Julian caminhou descalço


pelo tapete felpudo até o armário de bebidas e tirou duas
taças, e de costas para ela encheu as taças generosamente
com vinho tinto.

— Bem, que livro gostaria de ler? — perguntou-lhe com


as taças na mão.

Quando se virou, ficou fascinado e excitado.


Sua esposa, sua mulher travessa, estava recostada em
uma almofada, completamente nua, a pele pálida
contrastando com o veludo azul escuro. Os cabelos soltos
caiam como uma cortina negra e pesada sobre seus ombros.

— Lerei o que meu Senhor desejar.

Sorrindo, Julian se aproximou.

— O que eu desejar?

Ofereceu-lhe uma taça de vinho.

— Sim.

Sophia sorriu de modo sedutor.

— Só lhe peço uma coisa.

— O que quiser?

Sophia sorriu ainda mais.

— Escolha uma história longa. Quero que leia durante


um bom tempo.

Na tarde do dia seguinte, acompanhada de Lilith em


uma carruagem vermelha com o brasão Angelwood na porta,
Sophia notou que ainda não tinha dado ao marido um
presente de casamento. Queria lhe dar algo que se
comparasse a tudo o que tinha lhe obsequiado, mas o que
poderia se igualar a um poema?
— Primeiro compraremos algo para nós — Lilith
demandou com um sorriso enquanto a carruagem começava
a se mover. — Depois encontraremos algo adequado para
Julian.

Conversaram enquanto a carruagem as levava para a


City pela Bond Street. A criada de Lilith, Luisa, estava com
elas e embora não falasse inglês fluentemente, seu nível de
compreensão parecia ser muito avançado, assim não podiam
falar de assuntos particulares diante dela.

Quando mais tarde entraram em uma modista famosa,


Lilith não perdeu tempo em se distanciar da criada.

— Então? — perguntou, agarrando Sophia pelo braço. —


Quando seu marido vai levá-la para uma lua de mel?

Sophia sorriu enquanto caminhavam por um corredor


flanqueado por tecidos variados.

— No final da temporada social, quando estiver


tranquilo com o futuro da irmã.

Lilith sorriu.

Julian ansiava cada vez mais ver a irmã casada, e Letitia


estava cada vez mais reservada e arisca. Sophia temia que
sua amiga cometesse alguma loucura, mas sua promessa de
manter silêncio a impedia de confidenciar suas dúvidas a
Julian. Não queria ter segredos com ele, principalmente
depois do que havia lhe dito sobre a sinceridade entre eles.
Em seu íntimo, lutavam a preocupação de que Letitia poderia
ter razão sobre o irmão obrigá-la a se casar. (Santo Deus!
Odiava pensar que Julian pudesse ser como seu pai!) e a
promessa que tinha feito a Julian. Esperava que o Senhor
Wesley provasse que valia a pena tantos segredos.

— Excelente.

A voz de Lilith interrompeu seus pensamentos.

— E como vão as coisas entre você e seu marido?

O tom de voz insinuante e esperançoso da amiga fez


Sophia corar.

— Muito bem.

A ruiva deslumbrante lhe apertou o braço.

— Maravilhoso! Sophie, fico muito feliz por você.

— Eu também.

E estava realmente feliz. Os últimos dias como esposa


de Julian foram os mais felizes de sua vida.

— Sabia que se acertariam.

Lilith sorriu presunçosa.

— Eu disse a Gabriel e a Brave que tudo daria certo.

Levantando a sobrancelha, Sophia parou para admirar


um rolo de veludo granada. Não podia culpar os amigos de
Julian por se preocuparem. Os três eram muito unidos, como
uma família, ou melhor dizendo, como deveria ser uma
família. Sophia não podia lembrar da última vez que alguém a
tratara desse modo. Só Julian quando ordenou a seus
criados para que não deixassem Charles entrar na casa.

— Poderia fazer um vestido fantástico com este.


A voz de Lilith fez Sophia abandonar seus pensamentos.
Olhou o veludo vermelho escuro na sua mão. Era uma cor
bonita. Julian gostaria.

— Tem razão.

Que sensação maravilhosa gostar de um tecido e saber


que poderia comprá-lo. Desde a morte de Edmund, não tivera
essa liberdade.

Lilith sorriu.

— Em meu estado tenho que aproveitar qualquer


artifício enquanto puder. Logo nada me ficará bem.

Pela alegria na expressão da amiga era óbvio que não se


queixava.

— Pois então mandarei fazer dois modelos, um para


mim e outro para você. Há muito tempo não compro um
vestido, nada melhor do que satisfazer nosso capricho.

Passaram duas horas na modista, escolhendo tecidos e


desenhos para vestidos, peles e lingerie.

— Quer ir a outro lugar? — perguntou Lilith enquanto


saíam da modista. — A chapeleira? Ou ao sapateiro?

Um novo chapéu seria divino. Sophia mal podia


acreditar o quanto estava apreciando comprar um novo
vestuário. Julian pagara, por insistência de Letitia alguns
vestidos e acessórios assim que chegaram a Londres, mas ela
não se sentira bem em gastar o dinheiro dele. Agora que
sabia que Julian gostava de vê-la bem vestida, e que queria
estar bonita para ele, passava a ser muito difícil controlar o
impulso de gastar uma fortuna em roupas.

Queria agradá-lo, mas não como tinha de agradar a


Edmund. Ela sempre procurara a aprovação e a aceitação de
Edmund, mas Julian só queria seu sorriso e.... seu coração.

— Deixemos isso para outro dia — sugeriu. — Agora eu


gostaria de encontrar um presente para Julian. Conhece uma
loja especializada em artigos masculinos?

— Há uma nesta rua. Acompanhe-me.

Dirigindo-se a criada, Lilith disse algo rápido em


italiano. Quando acabou, a criada correu para cumprir a
ordem.

— A carruagem nos seguirá. — explicou Lilith, abrindo


sua sombrinha. — Vamos?

Sophia abriu a sua também para que o delicado verde


de sua sombrinha lhe protegesse o rosto do sol da tarde.
Apesar da pele clara, o sangue de sua mãe corria por suas
veias e, por pouco que se expusesse ao sol, sua cútis acabava
adotando um tom dourado. Desde muito jovem, insistiam que
não devia permitir que o sol tocasse sua pele, e desde então,
assim fizera.

A loja que Lilith escolhera era extraordinária. Havia


caixas com rapé e alfinetes para lenços, anéis, relógios e
centenas de outros pequenos artigos pessoais para
cavalheiros de muito bom gosto, mas nenhum objeto chamou
sua atenção. Havia muitas coisas que podiam agradar Julian,
mas nenhuma que lhe chamasse a atenção em especial.
No final, escolheu um alfinete de rubi para lenços e um
relógio de bolso prateado, que faria gravar. Por hora, isso
bastava enquanto procurava algo mais pessoal.

— Olá, Sophia.

Sophia ficou gelada diante da bandeja de relógios, com o


relógio que tinha escolhido na mão. Levantou o queixo em
desafio e se voltou para enfrentar seu antigo cunhado.

— Charles.

Se a temperatura estivesse mais baixa, suas palavras


teriam ficado cobertas de gelo.

O Marquês de Aberley sorriu, mas não com os olhos.


Eram tão frios como sempre. Percorreram Sophia dos pés a
cabeça, parando sobre os seios insolentemente antes de
enfrentar seus olhos novamente.

Seu tom era ainda mais ofensivo que seu olhar.

— O que traz a condessa de Wolfram a uma loja de


cavalheiros?

Dominando seu asco e transformando-o em uma espécie


de máscara fria, Sophia respondeu.

— Acaso não é claro? Estou comprando um presente


para meu marido, o Conde.

Os traços bonitos de Charles ficaram tensos. Não se


importava de fazê-lo lembrar que provinha de uma classe
social mais baixa (algo que a ela nem importava), mas não
gostou de o fazerem lembrar que Sophia tinha preferido
casar-se com Julian a ser sua amante.
— Ah, sim. — disse com o tom insultante de novo. — E
onde está Wolfram? Não me diga que confia em você quando
não a tem à vista.

Sophia se voltou para o atendente curioso que estava a


poucos centímetros observando-os.

— Poderia embalar para presente, por favor? Levarei


agora.

Quando o atendente a liberou de suas compras, Sophia


voltou a se dirigir a Charles.

— Uma das muitas coisas que adoro em meu marido,


Charles, é que não me trata como uma posse. Mas duvido
que você entenda isso.

As feições de Charles se avermelharam.

— Surpreende-me que tenha demorado tanto em abrir


as pernas para ele.

— Cuidado, Charles. — avisou Sophia, agradecendo não


haver alguém para testemunhar o insulto. — Não quer armar
um escândalo, não é? Não quer que algo o humilhe ou
manche sua reputação, certo?

O olhar do Marquês foi glacial.

— Não passa de uma puta qualquer. Meu irmão sabia,


eu sei e algum dia seu querido Wolfram saberá.

Sophia sentiu o sangue gelar, embora corasse a tez de


raiva.

— Se é assim, Charles, foi seu irmão quem me


transformou em uma puta no dia que comprou minha
inocência de meus pais. Talvez eu tenha sido a puta dele. E
talvez seja a puta de Julian também, mas jamais serei sua
puta, Charles.

A maldade cobriu a expressão de Charles e retorceu


seus traços até transformá-lo em uma máscara sinistra. E de
repente, Sophia entendeu tudo.

— Sou a única coisa que não conseguiu roubar de seu


irmão, não é? Sou a única coisa que não conseguiu arrancar
de Edmund. — Sophia negou com a cabeça. — Você é
patético, Charles, verdadeiramente patético.

Charles não respondeu. Ficou ali, com o peito arfante e


o rosto dominado pela raiva. Sophia estava certa de que se
estivessem sozinhos, já estaria morta.

— Algumas vezes, desprezei seu irmão. — continuou


alfinetando um pouco mais a ferida apesar das advertências
que lhe mandava o cérebro. — Mas nunca senti pena dele
como sinto de você, Charles.

Charles levantou sua mão no ar, mas não concluiu o


ato, não só porque de repente lembrou-se de onde estavam,
mas também porque Lilith se aproximava e parecia disposta a
ser outro problema para Charles.

— Lilith — disse Sophia sem deixar de olhar o Marquês.


— Já podemos ir.

Nesse instante, o atendente voltou com os pacotes.


Inquieta para sair da loja, Sophia lhe pediu que abrisse uma
conta e colocou os pequenos pacotes na bolsa.
Charles obstruiu seu caminho quando Sophia se dispôs
a partir, cravando os dedos nos ossos de seu pulso. Sophia
deu um grito abafado. Não pôde evitar. Doía tanto que lhe
saltaram lágrimas nos olhos.

— Pagará por isso. — Charles sussurrou com dureza ao


seu ouvido, sorrindo para não alarmar os outros clientes. —
Prometo que se arrependerá amargamente por ter me
desprezado.

Sophia o olhou com serenidade já que não desejava que


ele visse o quanto a assustava.

— Não pode fazer nada contra mim, Charles, e sabe


disso. Agora me solte antes que eu comece a gritar e dê o que
falar a toda esta gente.

Como não a soltou imediatamente, Sophia continuou:

— Você nunca se importou com minha reputação,


Charles. Então tenha em mente que não será denegrido só o
meu nome, mas o seu também.

Ele hesitou por um instante antes de soltá-la.

— Isso não acabou.

Sophia sorriu friamente.

— Meu caro Lorde Aberley, você e eu nem sequer


começamos.

Com essa despedida, Sophia olhou Lilith, e tomando o


braço que sua amiga lhe oferecia de boa vontade, deixou a
loja com tanta altivez quanto suas pernas trêmulas lhe
permitiram.
Capítulo 13
Há certas verdades, minha querida

Jocelyn, que seria melhor não revelar.

A união desafortunada, da marquesa de Aberley.

Julian ordenou que não o incomodassem essa tarde


quando entrou em seu gabinete, de modo que quando sua
irmã entrou vinte minutos depois, sentiu-se irritado até ver a
expressão da irmã.

— O que houve, querida?

Letitia fechou a porta.

— Gostaria de conversar com você se não estiver muito


ocupado.

Julian deixou de lado a correspondência do


administrador de Yorkshire e se apoiou no encosto da
cadeira.

— Nunca estou muito ocupado para você querida.

Depois de alisar a saia do vestido verde claro, Letitia


sentou-se em uma das poltronas, colocando as mãos juntas
sobre o colo.

— Do que se trata?
Por um momento Letitia permaneceu em silêncio, como
se estivesse escolhendo as palavras. Finalmente, levantou a
cabeça.

— Não me casarei com nenhum dos cavalheiros


escolhidos por você.

Julian teria se surpreendido mais se sua complicada


irmã tivesse anunciado que se casaria.

— Como sabe? Nem ao menos os conhece.

Não, claro que não se importava. Nem tampouco gostava


de nenhum dos jovens que Julian tinha escolhido.

— Lettie, quando aceitei trazer Sophia para Londres


você me prometeu que daria uma chance aos jovens de
minha escolha.

— E dei chances. — respondeu sua mal-humorada irmã.


— São aborrecidos.

Julian suspirou.

— Não lhes dedicou uma hora de conversa.

Com expressão séria, Letitia encolheu os ombros.

— Foi mais do que suficiente para saber que morreria de


tédio antes que acabasse a lua de mel.

Julian levantou as sobrancelhas diante do comentário,


perguntando-se o quanto Letitia saberia sobre o que
acontecia entre um homem e uma mulher. Ele bem que
tentara explicar uma vez, mas quando expunha esse tipo de
conhecimento às suas irmãs, sempre ficara com a sensação
de não tê-lo feito bem.
Ou talvez no caso de Miranda o tivesse feito bem
demais.

— Então prefere se casar com alguém que lhe traga


emoções imprevisíveis, não é verdade?

Pelo olhar de Letitia, Julian soube que era exatamente


isso o que ela queria. Julian sentiu algo parecido a pânico em
seu íntimo.

— Não deixarei que a enganem como fizeram com


Miranda.

Os olhos de Letitia brilharam com indignação.

— Eu não sou Miranda.

Julian arregalou os olhos surpreso diante da veemência.

— Sei, mas você é uma jovem inocente. Não faz ideia do


que alguns jovens podem fazer para por as mãos em um dote
como o seu.

Letitia franziu o cenho.

— Fala como se fosse impossível que um cavalheiro


possa me amar pelo que sou.

— Está deturpando minhas palavras. — disse Julian


zangado. — O jovem que se apaixonar por você será muito
feliz. Simplesmente tente se apaixonar pela pessoa certa.

Agora Letitia realmente se irritou.

— E quem de nós pode decidir quem é a pessoa certa?

Letitia já sabia a resposta a sua pergunta. Julian


também.
— Eu.

— Isso não é justo! — Letitia gritou, saltando da cadeira


e desferindo um golpe com a mão aberta sobre a
escrivaninha. — É minha vida e o meu futuro. A escolha deve
ser minha!

— Não. — Julian retrucou em voz baixa. — Como seu


tutor, é minha a escolha.

Letitia abriu a boca, mas não pôde pronunciar nenhuma


palavra. Embora o remorso estivesse lhe corroendo o
estômago, Julian não parou de olhá-la fixamente, sem
mostrar absolutamente seu mal-estar. Queria vê-la feliz, mas
sabia como seria fácil a um jovem buscar uma mocinha
romântica, enérgica, mas inocente como Letitia. Ele mesmo
agira de maneira inconsequente na juventude.

As lágrimas brotaram nos olhos de Letitia, o que torceu


ainda mais seu coração.

— Disse que não me obrigaria a casar com quem não


amasse.

— Não a obrigaria a se casar, embora saiba que eu


poderia.

Letitia se endireitou e recuperou parte da confiança em


si mesma.

— Bem, pois então estamos de acordo.

— Não de tudo. — respondeu quando Letitia se


dispunha a se retirar a meio caminho, girou sobre os
calcanhares para encará-lo.
— O que quer dizer?

Juntando as mãos, Julian a olhou com frieza. Sua irmã


esperava que ele sempre cedesse às suas exigências. De
menina o tinha permitido, mas agora como adulta a situação
era totalmente diferente.

— Não a obrigarei a se casar, mas me assegurarei de


que cumpra o que me prometeu e passe um tempo com os
jovens que eu selecionei.

— Não pode fazer isso. — desafiou-o em tom zombeteiro.


— Não pode me obrigar a fazer o que não é de minha vontade.

O remorso de Julian se convertia rapidamente em


aborrecimento. O que tinha feito de errado? Todas as jovens
eram assim tão complicadas ou tinha cometido um terrível
engano ao educar sua irmã?

— E se eu cortar sua mesada, e os novos vestidos,


chapéus e os demais itens que tanto a agradam?

Letitia se acalmou um pouco, mas o olhou como uma


rainha olha a seu servo.

— Já tenho vestidos suficientes para toda a temporada


social.

— Certo. — respondeu Julian. — Mas do que lhe


servirão quando não puder ir a lugar algum?

Isso a fez reagir. Parecia totalmente surpresa.

— Vai me proibir de sair?

Julian baixou as mãos.


— Eu recebo todos os convites que chegam a esta casa.
Eu lhe permito abrir a correspondência porque é minha irmã,
mas se não fizer o que lhe peço, vou me assegurar de que não
verá nenhum convite e me desculparei diante da anfitriã.

Letitia ficou pálida.

— Não posso acreditar nisso.

Julian não recuou.

— Eu o farei sem hesitar... Bem, vai se comportar como


adulta e permitirá que alguns desses jovens a cortejem ou,
vai querer complicar as coisas?

Letitia o olhou com fúria, sua silhueta esbelta quase


tremia de raiva.

— Manterei minha promessa.

Julian sentiu como se tivesse conseguido um pequeno


triunfo.

— Bem. Lorde Rutherford mandou estas flores esta


manhã com uma mensagem.

Tirou a missiva ainda fechada da escrivaninha e a


entregou.

— Talvez queira começar por ele.

Sua irmã se aproximou o suficiente para lhe arrebatar o


papel das mãos.

— Nunca o desprezei tanto como neste momento.

Julian fez uma careta. Acaso pensava que tinha um


coração de pedra?
— Entendo, mas um dia espero vê-la tão feliz, que toda
esta ira terá valido a pena.

Letitia não pareceu gostar da resposta. De fato, bufou


indignada, deu meia volta e partiu pisando pesado.

Sua retirada teria sido mais espetacular se quase não


houvesse atropelado Sophia ao sair.

Sua esposa olhou com expressão perplexa.

— O que aconteceu?

Depois de se levantar, Julian se afastou da mesa e se


aproximou do sofá, onde ela se sentou.

— Minha irmã se propõe a me odiar ao menos uma vez


na semana. Hoje foi o dia escolhido.

Sophia sorriu diante de seu senso de humor, mas seu


olhar era sério.

— As coisas estão bem entre vocês?

Com um suspiro, Julian lhe segurou as mãos.

— Tudo acabará bem. Letitia estava tentando não


cumprir sua promessa de passar um tempo com os
cavalheiros que escolhi.

Sophia levantou a sobrancelha.

— Julian, acaso vai obrigá-la?

— A casar? Não!

Quando Sophia assentiu, Julian não se incomodou em


acrescentar que faria de tudo para que Letitia ao menos
conhecesse alguns dos bons partidos.
— Mas quero que se case bem.

Sophia franziu ainda mais o cenho.

— E quanto ao amor? Você quer que sua irmã encontre


isso também, não?

Apertando uma de suas mãos, Julian a levou a seus


lábios.

— É possível casar-se sem amor e mesmo assim se


sentir satisfeito, não?

Riu quando Sophia corou um pouco.

— Nosso casamento é diferente. Somos pessoas lógicas e


práticas. Letitia é uma romântica.

— Você também foi romântica como ela. — lembrou-a.


— E eu acredito que ainda o sou, em meu coração.

Sophia corou ainda mais.

— Você sabe ao que me refiro.

— Não, temo que não.

Talvez o entendesse até certo ponto, mas Julian não


queria passar o resto de sua vida vivendo junto com ela só
como bons amigos que se sentiam bem na cama.

Santo Deus! Como acabaria isso?

Sophia não respondeu e Julian sentiu sua consternação


evidente, assim prosseguiu.

— Acha que poderá me amar algum dia, Sophia?

Sophia ficou em silencio assim como um cervo tomava


consciência que o caçador estava por perto.
— Não sei.

Bem, essa resposta era melhor que um não.

— E se lhe disser que farei todo o possível para que um


dia me ame?

E se já o amasse.

O corpo inteiro de Sophia estremeceu. Sua reação


emocional foi tão forte quanto a ideia de ser amada por ele.
Julian lhe apertou a mão para que fisicamente não se
afastasse dele também.

Não era essa reação que Julian esperava, mas tampouco


o surpreendeu. Provavelmente não deveria ter sido tão claro
sobre suas intenções, mas seus pais o tinham educado deste
modo: amavam-se e, desde seu casamento com Sophia,
Julian tinha decidido que essa união também seria assim. No
momento não se importava que Sophia não o amasse. Mas
algum dia, eles alcançariam tal ventura.

— Não estou certa de saber como é amar.

Julian fez uma careta.

— Que tolice!

O olhar de Sophia escureceu ao se encontrar com o de


Julian.

— E tampouco acredito que eu seja o tipo de mulher que


se apaixona.

Sua voz, tão baixa e hesitante, perfurou o coração de


Julian com tanta vulnerabilidade.
— Por que diz isso?

Sophia baixou o olhar. Seguindo seu olhar, Julian viu


que estava movendo os dedos dentro das sapatilhas
elegantes.

— Porque nunca ouvi alguém dizer que me amava. Nem


meus pais (embora agora acredite que minha mãe me ama),
nem Edmund, muito menos Charles.

Sophia o olhou com acusação e dor nos olhos.

— E nem você.

Como um disparo certeiro, seu comentário o acertou no


peito, o que lhe cortou a respiração.

— Isso foi antes. — murmurou com certa dificuldade


para falar. — Agora quero mais que sexo.

Sophia o olhou como que procurando em sua expressão


algum sinal de falsidade.

— E eu também.

Julian não se dera conta de que estivera prendendo a


respiração até que a soltou toda de repente. Não sabia o que
dizer; e não sabia se havia necessidade de dizer algo.

Permaneceram em silencio durante o que lhe pareceu


uma eternidade. Era como se ainda houvessem muitas coisas
a serem ditas e como se nenhum dos dois soubesse como as
dizer.

Trouxe-lhe algo, — disse Sophia finalmente colocando a


outra mão no bolso da saia e tirou uma caixinha. Sophia
tinha lhe comprado um presente. Quando foi a última vez que
alguém lhe comprara um presente?

— Obrigado.

Julian pegou a caixinha.

— O que estamos comemorando?

Sophia encolheu os ombros.

— Nada. Só pensei que você gostaria.

Sentindo-se como um garoto, Julian lhe soltou a mão


para desfazer o laço que envolvia caixa, esta ao ser aberta
revelou um alfinete de lenço dourado com um rubi e um
relógio de bolso.

Era a primeira vez que alguém lhe dava de presente uma


joia. Eram objetos muito pessoais, o presente que uma
esposa daria a seu marido.

— São de muito bom gosto. — Julian a beijou. —


Obrigado.

— Fez tanto por mim que queria compensá-lo de algum


modo.

Julian perdeu o bom humor.

— Não quero que me presenteie por se sentir em dívida


comigo.

Ela envolveu seu rosto com as mãos para que Julian


não lhe virasse o rosto.

— Julian. — Os olhos de Sophia brilhavam com alegria.


— Não devia chegar a conclusões tão rápidas. Comprei os
presentes não como retribuição, mas me dá prazer presentear
você.

Sophia o soltou e Julian assentiu. Às vezes era um


idiota.

— Perdoe-me.

Sophia sorriu.

— Mas preciso lhe contar algo. — disse depois de um


momento silencioso. — Aconteceu uma coisa enquanto estive
fora com Lilith.

Sophia hesitava, como se tivesse medo de sua reação


diante do que lhe revelaria. Isto o desagradou e o preocupou.
Era evidente que Sophia estava angustiada, mas apreciou
sua atitude, já que demonstrava confiar nele o
suficientemente para compartilhar seu receio.

— O que aconteceu? — perguntou Julian tentando


manter um tom neutro.

Sophia o olhou nos olhos, apesar de evidentemente


sentir-se incômoda.

— Encontrei Charles.

A mera menção do nome foi o suficiente para despertar


sua ira. Julian não se importava que o homem fosse um
Marquês. Se o miserável se atrevesse a respirar perto de
Sophia, Julian o faria pagar.

— O que lhe disse?

Sentiu fúria ferver em seu interior enquanto Sophia lhe


contava os detalhes do encontro com seu ex-cunhado. Julian
suspeitou que Sophia guardasse alguns detalhes para evitar
que se zangasse e fosse às vias de fato com o imbecil. Mas
não importava. Julian já desejava a morte de Aberley há
muito tempo.

— Por favor, Julian não dê atenção a esse infeliz, não


vale a pena. — Sophia pediu preocupada.

— Está pedindo muito. Não posso deixá-lo impune.

— Julian.

Sophia o agarrou pelo braço quando ele quis se levantar,


zangado Julian se deixou conduzir e voltou a sentar-se ao
lado da esposa.

— Não podemos provocar outro escândalo. Pense em


Letitia se quer que sua irmã tenha uma boa proposta de
casamento.

Sophia tinha razão, é claro. Julian começava a ver que


frequentemente Sophia tinha razão. O falatório sobre o
casamento repentino deles não fora grande, mas ainda
tinham que ficar atentos. As pessoas ainda sussurravam
coisas sobre eles nas festas e faziam comentários maliciosos
sobre A União Desafortunada. A maior parte da sociedade o
considerava uma brincadeira ou como uma história
encantadora de amantes finalmente unidos para sempre no
melhor dos casos. Mas se começasse a haver comentários de
que Julian estava querendo acertar contas com o Marquês de
Aberley e de que era por culpa de Sophia...
— Tudo bem, desta vez... — protestou. — Mas se esse
cretino se aproximar de você novamente, ele há de se
lamentar dolorosamente.

Um sorriso coquete surgiu nos lábios de Sophia.

— Meu feroz defensor.

Ao detectar sua mudança de humor e a mudança sutil


da linguagem corporal, Julian sorriu.

— Você gostou? — perguntou se aproximando mais para


prendê-la entre seu corpo e o sofá.

Sophia se ajeitou para que Julian estreitasse os corpos.

— Muitíssimo.

Tocou um seio com as mãos.

— Ficou excitada?

Sophia assentiu ofegante enquanto o polegar de Julian


acariciava a cúpula endurecida de seu seio por cima do
vestido. Seu corpo reagia maravilhosamente bem a seu tato.

— A porta está fechada? — Sophia perguntou


envolvendo seu pescoço com os braços.

Julian se afastou ligeiramente. Quase não tinham se


tocado e sua ereção já era evidente.

— Não, mas tem algo em mente?

Sorrindo suavemente, Sophia passou a língua pelos


lábios.

— Bem... Acabei de pensar em uma maneira muito


interessante de me agradecer pelo presente.
Julian riu ao se levantar. Rápido, dirigiu-se à porta e
deu meia volta à chave. Então caminhou até sua bela esposa,
que já tinha começado a se despir.

Ah, sim. Era um homem que adorava agradecer.

Sophia abriu os olhos quando o relógio da entrada bateu


três horas. A seu lado, Julian roncava baixinho com os traços
do rosto banhados pela luz da lua vinda das janelas enormes
do quarto. Sophia sorriu. Por se tratar de um homem que
afirmava categoricamente não roncar, seria engraçado
confrontá-lo, mas não a incomodava, realmente.

Os roncos de Julian não eram a causa de sua


inquietação. Era a conversa que tinham tido antes.

Que tolice era aquela de querer amar e ser amado por


ela? Acaso falava a sério? Amor era a última coisa que
esperaria dele.

Quando lhe dissera querer seu amor, sua única


resposta foi não ter dito nada.

Já caíra dolorosamente, ou ao menos tropeçara, em sua


armadilha de amor.

Não fazia ideia de como ou quando tinha acontecido.


Nem se passara tempo suficiente, mas sabia com segurança
aterradora que ele falava sério.
Mas não podia, não se entregaria até ter absoluta
certeza do que ele sentia por ela. Sophia não lhe daria tal
poder sobre ela. Sabia que seu casamento não deveria ter
nada a ver com poder, mas não importava o quanto tinham
mudado com o passar dos anos. Quando jovem, dissera a
Julian que o amava e o sentimento não fora correspondido.
Da próxima vez, teria de ter certeza dos sentimentos de
Julian, primeiro.

Depois de encontrar Charles, só quisera voltar para


casa, para os braços de Julian que tanta segurança lhe
transmitiam. Quando lhe pediu para que ignorasse Charles,
não foi só pela reputação de Letitia, mas principalmente por
não suportar a ideia de que algo ruim acontecesse a Julian
por culpa dela. Deixou muitas coisas de lado e tinha alterado
bastante a versão do que Charles havia dito. Julian teria se
zangado ainda mais se tivesse dito toda a verdade.

Havia lhe mentido três vezes em uma mesma tarde.


Como ganharia sua confiança se nem sequer tentava?

―Quem sabe não é tão ruim mentir se for para proteger


alguém. Oh seja sincera, para proteger a si mesma. Sabia que
era mesquinho de sua parte, mas não podia evitá-lo.‖

Mas esses pensamentos inúteis não eram a única razão


pela qual não conseguia dormir. Haviam outras questões que
a atormentavam:

―Deveria trair ou não a confiança de Letitia e contar a


seu irmão o afeto que sentia por Marcus Wesley. Letitia
nunca a perdoaria se o fizesse, mas Julian poderia não
perdoá-la se não o fizesse. O que seria pior?‖

―Deus não estava casada com Letitia. Não havia caído


na armadilha de amor de Letitia, mas tampouco estava
disposta a desmascarar sua amiga dessa maneira. Teria que
falar com Letitia para lhe explicar que estava em uma
situação complicada e lhe suplicaria para que confiasse em
seu irmão.‖

Enquanto isso, Sophia não podia ficar deitada se


preocupando com tudo isso. Silenciosamente, saiu da cama e
vestiu um penhoar de veludo azul.

Uma taça de vinho a tranquilizaria.

Julian nem se mexeu quando Sophia saiu do quarto.


Depois de fechar a porta com cuidado, caminhou nas pontas
dos pés pelo corredor, desceu as escadas e continuou seu
caminho em meio a escuridão.

Não viu a pessoa que estava aos pés das escadas até
que foi muito tarde. A desconhecida emitiu um gemido e
Sophia abafou um grito.

— Sophia?

Era Letitia. Embora Sophia não tenha reconhecido sua


voz, agora que seus olhos se acostumavam a luz tênue da
entrada, distinguiu a silhueta da cunhada. E podia ver que
usava um vestido de noite.

— Saiu, onde estava?


Não podia ter saído. Acaso não tinha alegado estar com
dor de cabeça depois do jantar para se retirar aos aposentos?
Tinha informado a Julian que descansaria e que se veriam
pela manhã.

O silêncio carregado de sentimento de culpa que seguiu


sua pergunta disse tudo.

Pegando a jovem pelo braço, Sophia a afastou das


escadas, para que outra pessoa não tropeçasse com ela ou,
pior ainda, pudesse saber que tinha saído. Levou Letitia a
grande entrada, para poder ver melhor sua expressão.

— Onde esteve? — perguntou-lhe, tentando manter um


tom de voz baixo.

Letitia parecia zangada.

— Por que? Para que possa contar a Julian?

Por Deus, você bem que o merecia. Sinceramente,


Letitia, este não é o comportamento próprio de uma mulher
adulta.

Letitia corou indignada.

— Não acredito que seja a pessoa apropriada para falar


de decência, Sophia.

Esse comentário deveria ter doído, ainda mais por ter


sido lançado com tanto veneno, mas só fez Sophia se zangar
mais.

— Ao contrário. Sou a pessoa perfeita para lhe falar


sobre decência, pois conheço bem as consequências de se
comportar impulsivamente e ser uma idiota. Acaso quer
acabar como eu?

Letitia prosseguiu zangada.

— Não parece se importar em ter casado com meu


irmão.

Sophia sentiu queimar seu sangue.

— De certo que não, mas por ser inconsequente me vi


casada com um homem que permiti me tratar mal porque
temia ser abandonada. E tudo porque me deixei levar de
maneira pouco adequada. Acaso é isso o que quer para si?

Letitia ficou de boca aberta e por um segundo sua mal-


humorada expressão desapareceu, mas um momento depois
ressurgiu.

— Isso nunca acontecerá comigo. Marcus nunca me


trataria mal. Vai se casar comigo.

Sophia arqueou uma sobrancelha.

— Ele lhe propôs casamento?

Letitia franziu o cenho.

— Oficialmente não, mas falamos disso.

— De casamento?

Letitia levantou o queixo desafiante.

— Do nosso futuro.

— Melhor seria se assegurar disso com uma proposta


oficial, não? Um jovem cavalheiro pode fazê-la pensar em
casamento até conseguir o que realmente quer. E você se
entregará por acreditar que ele se casará.

Letitia bufou. Sabia que Sophia falava por experiência.

— Custa-me imaginar meu irmão se comportando dessa


forma.

Sorrindo tranquilamente, Sophia passou ao ataque final.

— Pois então tente imaginar o que faria um homem


menos poderoso, um homem com menos a perder.

Toda a altivez desapareceu do rosto de Letitia, para


deixar espaço à ira e ao ressentimento.

— Marcus não é um homem menos poderoso.

— Então, por que não conversa com seu irmão, de


homem para homem? Por que só quer encontrá-la às
escondidas?

Letitia cruzou os braços.

— Porque sabe que Julian não gosta dele e está


esperando ter mais informação sobre alguns investimentos
para poder ser mais apropriado financeiramente aos olhos de
Julian.

Sophia esperava sinceramente que isso fosse verdade e


que o Senhor Wesley não estivesse enganando sua amiga.

— E enquanto isso você sai às escondidas para vê-lo,


arriscando sua reputação.

Se Letitia continuasse a levantar o queixo, Sophia não


poderia ver nada mais que suas narinas.
— Vale a pena correr o risco só para estar com ele.

Sophia tentou ignorar os sinais de advertência tinindo


em sua cabeça.

— Letitia, prometa-me que não fará nada insensato, ao


menos até que o Senhor Wesley lhe diga quais são suas
intenções.

Letitia a olhou fixamente, e embora estivessem no


escuro, Sophia sabia que havia algo errado.

— No passado, não teria me pedido algo assim. —


respondeu sua cunhada. — Você confiava em mim.

Sophia lhe respondeu da única maneira que pôde.

O amor pode fazer as pessoas agirem de modo errado.

— É por causa disso que está tão preocupada? Ou é


porque está sendo influenciada por meu irmão?

Sophia ficou estupefata.

— Influenciada?

Letitia jogou seu peso sobre uma perna e a mão no


quadril de modo beligerante.

— Sim. Está falando como ele, tratando-me como se


fosse uma criança incapaz de distinguir se alguém está
mentindo.

Sem dúvidas, não era o momento apropriado para


informá-la de que se a tratavam como uma criança era
porque se comportava como uma.

— Não disse isso. Só quero que tenha cuidado.


— Ou seja, não quer que eu seja feliz.

Isso começava a ser ridículo!

— Exatamente, Letitia. Quero que seja infeliz. Quem


sabe eu devesse acordar seu irmão e lhe contar por que você
é tão reticente em passar mais tempo com os pretendentes
que ele escolheu. Por que não pensei nisso antes?

Letitia lhe agarrou o braço quando Sophia saia.

— Não, Sophia, por favor!

Agora era a vez de Sophia ser beligerante. Olhou Letitia


de forma desafiante.

Dê-me uma boa razão para não fazê-lo.

Letitia pareceu pensar sem dúvida procurando uma


razão boa o suficientemente na mente desconcertante.

— Não falarei mais com você se fizer isso.

Sophia permaneceu impassível.

— Bem, isso parece mais uma ameaça do que um favor,


Letitia.

Letitia pareceu chateada. Por um instante, Sophia


temeu que começasse a chorar. Não queria que isso
acontecesse, mas prosseguiu.

— Acusa-me de não confiar em você, mas tem que me


dar uma boa razão para que confie. Esconde as coisas, anda
por aí como se fosse uma criminosa e agora tenta me
ameaçar. Agir desse modo não é amigável, Letitia. Isso não
me ajuda a confiar em você.
Letitia tremeu o queixo e Sophia se preparou para a
tormenta que se aproximava. Mas que nunca chegou.

— Tem razão. — disse a jovem com voz tremula. — Não


estou sendo uma boa amiga ultimamente. De fato, não fui
sua amiga por completo, fui mesquinha e invejosa.

— Invejosa?

Isso era novo. Com evidente hesitação, Letitia a olhou.

— Sim. Vejo como você e Julian estão felizes e me dá


raiva. Quero que volte a odiá-lo como antes, pois quem sabe
assim você voltaria a estar do meu lado e tenho inveja porque
quero um marido como o seu.

Embora estivesse muito zangada, a franqueza de sua


amiga comoveu Sophia. Entendia muito bem essa sensação.

— E um dia terá. Prometo-lhe isso. Só tente não se


colocar em confusões por ter tanta pressa, querida. —
respondeu Sophia.

Letitia assentiu.

— Oh Sophia, me perdoe.

Sorrindo, Sophia tocou o braço de Letitia.

— Já está perdoada, mas precisa me prometer que não


sairá mais a noite às escondidas. Não deve se expor a um
escândalo.

Letitia voltou a assentir.

— Prometo.
Fez a promessa rápido demais, mas Sophia se deu por
satisfeita no momento.

— Bem... É melhor ir para seu quarto. É tarde.

Letitia a abraçou e lhe desejou boa noite. Sophia ficou


ao pé das escadas e observou a jovem se dirigir a escuridão.
Momentos depois, ouviu uma porta se abrir e fechar
silenciosamente.

Enfrentar Letitia a deixou mais cansada do que se


tivesse bebido vinho ou lido um livro. Não queria fazer nada
mais do que se meter na cama ao lado do Julian e esquentar
os pés frios entre suas pernas vigorosas e quentes.

Assim que o fez, tirando o penhoar antes de se meter


sob os lençóis quentes. Julian acordou ao sentir seus pés
gelados sobre seus joelhos dobrados.

— Minha nossa! Como você está fria! — disse com voz


rouca, aproximando-se dela. — Onde esteve?

— Em seu escritório. — respondeu. — Pensei que uma


taça de vinho me ajudaria a dormir. Puxando-a para si,
embora resmungasse sobre estar gelada, Julian pôs seu nariz
perto da boca de Sophia e cheirou.

— Não tem cheiro de vinho.

— Bem, não cheguei a beber. Encontrei Letitia e


conversamos um pouco.

Ao menos isso era verdade.

Evidentemente, não lhe pareceu estranho Letitia


também estar acordada a essa hora. Assentiu, colocando seu
rosto sobre o travesseiro de Sophia. Ele era
encantador quando estava meio
adormecido.

— E Letitia?

Acariciando seus cabelos, Sophia o


beijou na fronte.

— Ela esta inconformada, mas bem.

— Eu não gosto que minha irmã sofra tanto por minha


culpa.

Aconchegando-se a ele, Sophia fechou os olhos e não


respondeu. Julian não gostaria de saber a verdade.

A verdade que tinha prometido não revelar.

Capítulo 14
Há poucas coisas que doam tanto quanto um amor não

correspondido.

A união desafortunada, da Marquesa de Aberley.


Julian viu o punho um segundo antes de lhe esmagar a
mandíbula.

— Santo Deus! Jules. Pensei que tinha visto o


movimento. Você está bem?

Sacudindo a cabeça para dissipar as estrelas que


revoavam na mente, Julian abriu e fechou a mandíbula.
Parecia que ainda podia fazê-lo, embora estivesse doendo
muito.

Estava em um canto do clube de pugilismo Gentleman


Jackson. Ao redor, os cavalheiros da aristocracia de
diferentes níveis e habilidades tentavam se esmurrar
seguindo algum tipo de hierarquia bárbara. Ele era um deles.

A poucos metros de distância, ouviu Gabriel rindo.

— Cuidado com seu rosto bonito, Brave.

Julian franziu o cenho a seu amigo antes de voltar a se


concentrar em seu sparring.

— Tudo bem. A culpa foi minha. Devia ficar mais atento.

Estivera pensando em Sophia e em quanto ela parecia


preocupada nos últimos dias. Parecia ter algo na cabeça, algo
que não queria partilhar com ele. Não acreditava que ela
estivesse descontente com o casamento, mas era claro que
algo a preocupava.

Tinha perguntado o que a estava incomodando. De fato


o fizera várias vezes. Mas ela simplesmente sorria e respondia
que não era nada, que só andava distraída.
Talvez fosse o confronto com Aberley que a deixara tão
mal-humorada. Julian sabia perfeitamente que Sophia tinha
omitido detalhes do encontro quando o relatou, notara no
tom de sua voz. Por que não lhe contava a verdade? Era por
vergonha ou por estar preocupada se houvesse um confronto
entre ele e o Marquês? Sophia devia saber que, para Julian,
ter se atrevido a se aproximar dela era motivo suficiente para
bater em Aberley até que perdesse os sentidos.

— Aposto que sei o que está deixando-o tão desatento.

Gabriel lançou um sorriso dissoluto enquanto ajudava


Brave a tirar as luvas que lhe cobriam as mãos. Por norma,
utilizavam as luvas para treinar, mas os nódulos eram a
arma preferível no ring.

— E o que seria?

Julian não saiu para que lhe tirassem as luvas. Ainda


transbordava de energia. Ainda queria fazer bater em alguém.
Gabriel começava a ser o candidato perfeito.

— Ora. É um recém-casado. — respondeu o homem de


tez morena, segurando as luvas de Brave. — Só pensa em sua
mulher, e é como deveria ser.

— É um sujeito muito ardiloso, sabia?

Julian assinalou com o queixo, ainda exibindo as luvas


como provocação.

— Então venha lutar comigo, Gabe. Não se importará de


me dar uns bons golpes como Brave.

Gabriel franziu o nariz ao olhar as luvas.


— Estão molhadas.

— E?

Seu amigo o olhou, ainda com cara de aversão.

— Cheiram mal.

Rindo, Julian se deu por vencido.

— Tudo bem, delicado. Terei que encontrar outro


sparring.

— Eu ficaria encantado, Wolfram.

Julian ficou gelado e fechou o sorriso de repente. Sabia


antes de se virar (pelas expressões de Gabe e Brave) quem o
desafiava.

— Quanta gentileza, Aberley — respondeu com cortesia


glacial. — Entretanto, devo recusar a oferta.

Aberley sorriu para os dois homens que o flanqueavam.

— Não está com medo de mim, não é, Wolfram?

O Marques fez a pergunta infantil e a mais eficaz.


Nenhum homem foge de uma afronta a sua coragem,
principalmente quando se passou a infância em um colégio
provando que ser esbelto não significava se sair bem em um
apuro. Mas tinha feito uma promessa a Sophia... Não. Tinha
prometido que não enfrentaria Aberley. Lembrava-se
perfeitamente bem que também havia dito que não poderia
manter a promessa se Aberley se aproximasse dela. E no
clube, onde homens como ele lutavam entre si todos os dias,
qualquer sinal de violência entre eles provocaria muito menos
falatório que um duelo entre eles.
— Não. — ouviu a si mesmo responder. — Não tenho
medo absolutamente. Pegue um par de luvas, Aberley.
Lutarei com você.

Com um sorriso menos presunçoso, o Marquês


assentiu. Não tinha direito a parecer tão satisfeito. Julian
soube só de olhar que Aberley tinha planejado tudo e queria
ganha; não só ganhar, mas também humilhá-lo em público.

— Sabe o que está fazendo? — perguntou Gabriel,


aproximando-se dele enquanto o Marquês e seus amigos
foram procurar as luvas.

Olhando por cima do ombro, Julian assentiu.

— Sim, sei.

— Já vi Aberley lutar, — acrescentou Brave. — É muito


bom.

Julian seguiu com o olhar o Marquês enquanto este se


afastava.

— E eu também.

Insatisfeitos com sua resposta, seus amigos se


plantaram diante dele, lhe observando a expressão.

— Vai lutar com esse homem só porque o desafiou? —


perguntou Gabriel, franzindo o cenho. — Por certo, isso
parece um desafio? — acrescentou.

— Suponho que tenha algo relacionado à Sophia. —


Julian respondeu de forma imprecisa.
Julian pensava que não era adequado explicar a seus
amigos a agressão física que Sophia sofrera. Ela não gostaria
que soubessem.

Julian já havia explicado a eles o vil tratamento do


Marques em relação à Sophia, como a obrigada a viver em
más condições e é obvio que sabiam quem era o culpado pela
reedição do livro, mas não tinham ideia de que Aberley ficara
irritado por tê-lo impedido de estuprar Sophia. E agora o
detestava ainda mais por Julian estar casado com ela.

O que Aberley não sabia era que Julian o odiava ainda


mais.

Seus amigos voltaram a se retirar, sem dúvida para falar


dele a suas costas. Julian não se importava. Sabia que Brave
e Gabriel só se preocupavam com ele e sua integridade.
Embora Aberley pudesse vencê-lo, Julian faria o possível para
causar ainda mais danos ao Marquês, mesmo que para isso
se machucasse muito mais.

Aberley voltou em poucos minutos. Nu, acima da


cintura, parecia mais corpulento que antes, os ombros e
braços musculosos destacavam as luvas grandes. Julian
tinha decidido que se moveria rápido no ring. Se Aberley o
acerta-se em cheio, a luta acabaria.

Balançando o pescoço e ombros para alongar os


músculos, Julian esperou a investida de Aberley.

— É muito bom que você e Brave estejam aqui,


Angelwood — Aberley sorriu. — Quando acabar com ele terão
que carregar Wolfram para casa.
Julian olhou fixo e serenamente seu adversário.

— Vai ficar aí grunhindo o dia todo, Aberley, ou vamos


lutar?

O sorriso desapareceu do rosto do marquês e seus


traços se transformaram em uma máscara gélida de
desprezo.

— Eu estou preparado se você estiver, Wolfram.

Julian assentiu. Devagar, levantou os punhos e adotou


uma postura defensiva. Como tinha planejado, Aberley foi o
primeiro a atacar, caindo sobre ele com tanta velocidade e
ferocidade que Julian esquivou o golpe no último segundo. Ao
recuar, acertou Aberley no torso, lhe golpeando as costelas
com força. Aberley grunhiu e reagiu no ato, golpeando Julian
na mandíbula com tanta força que Julian pensou que lhe
quebraria o pescoço com o impacto. Não se enganara, teria de
ser mais rápido e certeiro se quisesse sair dali sem muitos
ferimentos.

Balançou a cabeça afastando as luzes coloridas que


brilhavam diante dos seus olhos, Julian conseguiu se
recuperar bem a tempo do Marquês voltar à carga. Desta vez
conseguiu desferir em Aberley um murro forte na têmpora.
Não pôde evitar sorrir quando o homem se moveu trôpego
para trás, obviamente tonto.

Julian não sabia quanto mais aguentaria. Doía-lhe a


mandíbula, sangrava pela boca e sentia como se tivessem
revirado suas tripas, mas não podia parar. Não podia.
Aberley tinha melhor aspecto, embora Julian soubesse
que tinha acertado golpes potentes no Marquês, o bastante
para que estivesse sofrendo. Mas não era o suficiente.

Por mais estranho que parecesse, foi o próprio Aberley


quem inclinou a balança para sua vitória. Era evidente que
tinha decidido maltratar fisicamente Julian e que também
queria insultá-lo.

— Pensa realmente que vale a pena sofrer por ela,


Wolfram?

Julian não respondeu. Seguia o olhar brilhante de


Aberley enquanto girava ao redor dele.

— Espero que não tenha cometido o engano de pensar


que ela se importa com você, meu rapaz. O único interesse
dela é o dinheiro.

Julian não modificou sua expressão.

— Se o dinheiro fosse seu único interesse, Aberley, por


que ela não escolheu você?

Esse golpe fora mais eficaz que um gancho bem dado.


Os olhos de Aberley perderam parte da malícia.

— Eu não cometi o erro de pedi-la em casamento.

— De fato, não lhe ofereceu muito. — Julian respondeu.


— Só você mesmo.

Isso bastou para mudar a situação. Quando o Marquês


grunhiu para responder, já não havia nenhuma calma ou
aparente cortesia. Atacou Julian como um touro
enlouquecido.
Julian estava preparado.

Tudo aconteceu em poucos segundos, mas Julian viu


com tal clareza que o tempo parecia avançar a passo de
tartaruga. Jogou-se contra Aberley e seu punho lhe acertou o
queixo, o que lhe mandou a cabeça para trás.

O sujeito musculoso se movia trôpego para trás, mas em


vez de esperar que se recuperasse, Julian investiu e o atacou
no estômago. E quando Aberley se dobrou pela força do golpe,
Julian lhe desferiu outro soco no rosto de novo. Com cada
golpe, Aberley recuava e Julian avançava.

Os outros sócios do Clube notaram a disputa que estava


tendo lugar no canto da sala. Era quase impossível não
perceber, ainda mais porque o Conde de Wolfram estava
levando o Marquês de Aberley ao chão com uma série de
golpes que fizeram o próprio Jackson estremecer.

Mas o Marquês se recuperou. Seu punho grande


golpeou Julian de novo na mandíbula, o que fez um jorro de
sangue sair da boca de Julian. Felizmente, não lhe tinha
quebrado a mandíbula, mas tinha o interior da boca ferido.

— Ainda acha que ela vale a pena, Wolfram? — Aberley


perguntou enquanto Julian se esquivava de outro ataque. —
Pensa que ela se importa com você? Agora mesmo deve estar
rindo as suas custas, felicitando-se por dar gato por lebre e
ter feito você acreditar que ela merece sua dor.

Julian acertou Aberley na parte superior do rosto.

— Ah, mas você também se esforçou para tê-la.


Aberley esboçou um meio sorriso apesar do rosto refletir
dor.

— Não precisei me esforçar. O que se sentiria, Wolfram,


ao saber que a sua mulher já foi de outro homem?

Por um instante, Julian se deteve. Esfriou a fúria que


fervia em seu interior com uma força de vontade que não
sabia possuir.

— E o que sente ao saber que foi de seu irmão e não


sua? — respondeu desferindo outro golpe no rosto do
adversário. — O que sente ao saber que sou eu quem partilha
a cama com ela agora?

Julian o atingiu com outro golpe. Aberley sacudiu a


cabeça para clarear a mente.

A fúria corria por suas veias e Julian deixou que a febre


o dominasse. Deixou a emoção guiar seus braços e sentiu sua
força em cada murro.

— O que se sente ao saber que... — atingiu a marquês


na boca, — Jamais... — lançou um murro com a esquerda no
estômago, — Será sua?

Terminou com um murro rápido como um raio que


acertou o nariz de Aberley, que o fez se ajoelhar gritando de
dor.

Julian teria continuado se não fosse por Gabriel e Brave.


Teria destruído o rosto de Aberley queria torná-lo
irreconhecível até para sua mãe, se seus amigos não o
tivessem agarrado pelos braços e o tivessem afastado.
— Chega. — murmurou Gabriel com dureza ao seu
ouvido. — Ganhou o duelo. Acabemos com isto antes que o
escândalo seja ainda maior.

Um escândalo. Maldição. Tinha prometido a Sophia que


não provocaria nenhum.

— Céus! — gritou Brave com jovialidade, dando uma


palmada nas costas de Julian. — Não acha que exagerou,
Wolfram?

Foi então que Julian conseguiu levantar seu olhar cheio


de ódio do corpo dobrado de Aberley e notou a multidão de
espectadores. Eram olhares de todo tipo, de curiosidade à
desaprovação. Entretanto, ninguém partiu em socorro ao
Marquês.

Obrigou-se a desenhar o que esperava ser um sorriso de


desculpas, mas não se arrependia absolutamente de ter
quebrado o nariz de Aberley.

— Não sei o que me deu. — Libertando-se de Brave, que


o segurava pelo braço, ofereceu a mão enluvada ao Marquês.
— Peço desculpas, Aberley.

Com o nariz sangrando, Aberley o olhou e lhe apartou a


mão.

— Vá para o inferno, Wolfram.

Então Julian riu, olhando os espectadores com


expressão envergonhada, e encolheu os ombros.

— E com razão, o Marquês não está de bom humor para


aceitar minhas desculpas.
Alguns homens também riram. Alguém do fundo gritou
que Aberley deveria ser mais amável.

O ambiente alegre do clube fez Aberley parecer ainda


mais antipático. Seus dois amigos se colocaram ao lado dele.
Alguém tentou ajudá-lo a se levantar, mas, resmungando, o
Marques o afastou para se levantar sozinho.

Segurava um lenço no nariz.

— Isso não acabou, Wolfram.

Olhando-o fixamente, Julian sorriu.

— Sim, de fato, da próxima vez quebrarei algo mais que


seu nariz.

E então, só para aumentar a raiva de Aberley, Julian se


dirigiu ao público.

— Lorde Aberley me perdoou por me deixar levar. Já


resolvemos tudo.

Esta última frase ia dirigida só ao Marquês.

— Que diabo aconteceu ali dentro? — perguntou Gabriel


mais tarde quando estavam na carruagem à caminho de
casa. — Você foi para cima de Aberley como um louco.

Julian secou o sangue do lábio com o lenço antes de


responder.

— O que vou lhes dizer não poder sair desta carruagem.


Seus amigos assentiram.

— Aberley tentou abusar fisicamente de Sophia. Esse foi


o principal motivo para que eu a trouxesse a Londres.

— Não é de se admirar. — comentou Gabriel. — O que


me surpreende é que não o tenha matado.

— Queria fazê-lo. — respondeu Julian.

Brave não se preocupou com Aberley.

— O que dirá a Sophia?

Deus! Sophia! Não tinha pensado que teria de lhe dizer


alguma coisa. Embora tenha convencido os homens no clube
de que fora um acidente a surra em Aberley, não convenceria
Sophia. Ela entenderia que havia quebrado a promessa.

— Não tenho ideia. — respondeu com sinceridade. —


Mas é melhor pensar em algo rápido.

Quando Julian entrou no salão dourado essa tarde,


Sophia observou seu rosto horrorizada.

Ao sair em companhia de Brave e Gabriel, Sophia


esperava sua volta para casa e conversariam sobre Letitia.
Embora tivesse prometido a amiga que não contaria nada a
Julian sobre seu namoro com o Senhor Wesley, isso não
significava que não poderia deixar pistas nesse sentido.
Sophia queria que Julian lhe assegurasse que a única coisa
que lhe importava era a felicidade da irmã. Queria ele que
fosse diferente de seu pai.
Deixando de lado o convite que estivera lendo, levantou-
se e se dirigiu a Julian, abrindo a boca ao ver os ferimentos
no rosto dele.

— O que fez?

Julian sorriu timidamente e fez uma careta de dor.

— Eu não fiz isso. Outra pessoa o fez.

Não quis se apoiar nela, mas lhe permitiu que lhe


segurasse o braço e o conduzisse ao sofá de brocado dourado.

— Não posso acreditar que Gabriel ou Brave fizeram tal


barbaridade.

Mas o que saberia ela dos homens e seus esportes


bárbaros? Às vezes pareciam gostar de serem agredidos ou
agredirem alguém.

— Tampouco são culpados — respondeu. — Bem, Brave


cuidou das preliminares com um bom golpe.

Afundou no sofá, fazendo caretas de dor. Sophia se


sentou ao lado, com uma persistente sensação ruim a lhe
subir pela coluna. Quem se atreveria a agredir Julian, ele não
tinha inimigos... A não ser....

— Com quem brigou, Julian?

Julian parecia reticente em encontrar seu olhar.

— Com Aberley.

Sophia sentiu um calafrio. Não lhe pedira na outra noite


que ignorasse Charles? Julian tinha prometido. Também
havia dito que não enfrentaria Charles se o provocasse.
— Ele o desafiou?

Julian assentiu.

— Sim.

Sophia suspirou.

— E não pôde ignorá-lo.

Julian a fitou sério.

— Não.

— Por que não?

Sophia queria que Julian explicasse porque valia a pena


ser agredido desta forma só por orgulho ferido, ou por ela.

— Aberley a insultou.

— Não me importa o que digam a meu respeito, Julian.

— Mas a mim importa muito.

— E acha que sua atitude poderá mudar o que pensam


de mim? Não! Nada mudará pode trocar sua forma de pensar.
Ser agredido barbaramente só servirá para que tenham algo a
mais para comentar às nossas costas.

Julian a olhou com uma expressão peculiar, em parte


indignado e incrédulo.

— Pensa que perdi.

Sophia piscou ante o triunfo ferido em seu tom. É claro


que Sophia pensava que tinha perdido! Que outro resultado
podia esperar? Tinha um aspecto terrível e Charles pesava
uns vinte e quatro quilos a mais que ele.
— Não importa quem ganhou ou perdeu — respondeu
escolhendo o tom com cuidado. — Estou certa de que vocês
dois estão igualmente machucados e cobertos de hematomas.

Julian estava indubitavelmente ofendido quando se


levantou fazendo caretas e colocando a mão a altura das
costelas ao fazê-lo.

— Pois saiba que não perdi.

Disse franzindo o cenho.

— Talvez esteja com uma aparência um tanto


estropiada, mas quebrei o nariz de Aberley e o deixei
chorando como uma menininha.

Sophia o olhou fixamente, com o estômago se revirando


incomodamente.

— Por Deus, Julian — sussurrou. — O que fez?

Certamente Julian notou a angústia que havia em sua


voz, pois logo se sentou a seu lado, gemendo.

— Por Deus! — admoestou-o. — Acaso não pode ficar


sentado? Dói-me só de vê-lo assim!

Moveu os lábios nervosamente e arqueou uma


sobrancelha.

— Perdoe-me. Tentarei guardar a dor para mim.

Sophia franziu o cenho diante do tom divertido de


Julian.
— Realmente, você merece sentir um pouco de dor!
Como acha que me sinto quando sei que quebrou o nariz de
alguém?

Julian também franziu o cenho.

— Céus... Parecia muito satisfeita quando pensou que


eu havia perdido a disputa. Por que tanta preocupação com
Aberley?

Sophia o olhou com descrença.

— Porque esperava este tipo de violência vinda de


Charles, não de você.

Bem, não fora a maneira mais diplomática de expressar


suas preocupações, mas sem dúvida era a maneira mais
direta e sincera. A ideia de que Julian fosse capaz de tanta
brutalidade, de tanta violência (e que estivesse orgulhoso
disso!) deixava-a decepcionada. E mesmo assim....

Mesmo assim, precisava reconhecer que a horrorizara


ainda mais sentir o prazer florescer em seu âmago quando
Julian lhe dissera ter vencido. Como mulher, não tinha o luxo
de ser forte fisicamente tal como um homem. Poderia ferir
Charles com palavras, mas nunca poderia fazer o que Julian
tinha feito!

Julian estava pálido, apesar dos hematomas nos lugares


que tinham sido atingidos por Charles

— Por Deus, prefere que eu permita que aquele


miserável continue a ameaçá-la impunemente, que finja não
saber que a insulta?
Sophia notou a fúria em sua voz. Estava frustrado,
dolorido e indignado. Não permitiria que lhe dissesse quando
poderia ou não brigar, nem quais armas usaria para se
defender.

Como homem, certamente pareceria mais difícil afastar-


se de um confronto. Certamente Julian não gostaria que lhe
dissessem o que tinha de fazer, e também não aceitaria que
Charles a constrangesse ou perseguisse. Então só restava a
Julian usar a força.

— Acredita que o que aconteceu hoje impedira Charles


de me incomodar?

Por seu olhar, Sophia entendeu que era exatamente esse


o objetivo de Julian.

— Você o humilhou em público ele jamais o perdoará


por isso.

Julian voltou a se levantar. Desta vez, Sophia também


fez uma careta de dor.

— O que fiz hoje lhe mostrou que não tolerarei mais


insultos a você nem a mim.

— Se tivesse lhe dado às costas, teria conseguido o


mesmo.

Olhou-a tão espantado como se ela não soubesse o que


estava falando.

— E seria tachado de covarde.

Ah, orgulho masculino. Obrigava os homens a fazerem


as coisas mais desatinadas, a sofrer a dor mais insuportável e
frequentemente a perder seus entes queridos só porque não
podiam se obrigar a fazer algo que os fizesse parecer fracos
aos olhos de outro homem.

— Então, está me dizendo que não lutou com Charles


porque me tratou mal, mas sim porque tinha medo do que os
outros diriam de você.

A expressão de Julian se fechou.

— E se não tivesse lutado com ele, Sophia? Como se


sentiria na próxima vez que estivéssemos em um salão e
alguém me chamasse de covarde diante de você? Ficaria
orgulhosa de ser a esposa de um homem ridicularizado por
toda a sociedade?

— Tenho orgulho de ser sua esposa, não me importa o


que os outros pensam, Julian. Sei que tipo de homem você é.
Não preciso que outros me expliquem isso.

Por um instante, Julian ficou imóvel, olhando-a, com


uma expressão impenetrável no rosto.

— Você é minha esposa. Não admito que seja


maltratada.

Sophia se arrepiou com o tom possessivo de sua voz.


Havia dito como se lhe pertencesse, embora Sophia não
pudesse evitar sentir que Julian queria dizer muito mais que
isso.

— Não precisa lutar por mim — informou-lhe. — Somos


marido e mulher e já sou sua. Por que tem essa necessidade
de provar a si mesmo isso?
Julian a olhou como se preferisse ter de enfrentar
Charles novamente a ter de responder essa pergunta.

Passou a mão pelos cabelos despenteados e lhe deu as


costas.

— Passei quase toda a vida fazendo o que me diziam que


tinha de fazer. Não permitirei que ninguém volte a me
controlar.

— E isso me inclui.

Era uma afirmação não uma pergunta.

Julian se voltou, com uma expressão que reunia tanto


resolução quanto arrependimento.

— Sim.

Não lhe doeu ouvi-lo dizer isso. Sophia nunca quisera


controlá-lo. Não respeitaria um homem que se deixasse
controlar por ela. Que mulher o faria?

— Eu tampouco lhe permitirei que me controle.

Prendendo a respiração, Sophia esperou a reação.


Edmund teria rido, porque sabia, tanto quanto ela, que não
estava em condições de exigir isso.

Mas Julian não o fez.

— Não quero fazê-lo.

O suspiro de alívio de Sophia foi quase audível.

— Mas quero possuí-la, Sophia. De corpo, coração e


alma. Não duvide.
Uma onda de calor lhe atravessou o corpo e ardeu nos
esconderijos mais escuros de seu corpo. Se outro homem
dissesse isso, Sophia estaria aterrada, zangada e na
defensiva. Mas com Julian, não. Queria ser dele.

— Pode me oferecer uma troca equivalente, Julian? —


perguntou docemente. — Pode me dar seu corpo, coração e
alma?

Ele respondeu impávido.

— Só precisa querê-los.

Algo que tinha o sabor do medo subiu pela garganta de


Sophia. Não podia ser possível. Era muito bom para ser
verdade.

E mesmo assim não era o suficiente.

Com os braços cruzados, Sophia levantou-se e se dirigiu


a ele, medindo cuidadosamente os passos.

— E quanto a sua confiança? Consegue confiar em


mim?

Seus olhos castanhos brilharam diante dela:

— Confiaria minha vida.

Se tivesse batido nela como tinha batido em Charles,


não estaria menos surpreendida.

Julian se aproximou dela. Sophia não podia afastar o


olhar do rosto machucado. Mesmo com os hematomas que
começavam a arroxear e o inchado continuava a ser o rosto
mais bonito que já tinha visto na vida.
— Confia em mim, Sophia? Poria sua vida em minhas
mãos?

Acaso já não o tinha feito várias vezes?

Sophia pôs as mãos atrás das costas.

— Prometeu-me que não brigaria com Charles. E eu


acreditei.

Não era um sim, mas tampouco um não.

Julian deu um passo adiante. Agora se tocavam. O peito


de Julian roçava seus seios. Sophia poderia se afastar se
assim o quisesse. Um empurrão, e teria o espaço que
precisava para respirar sem sentir seu cheiro masculino e
sua presença marcante, o que fazia Sophia querer dizer
coisas que era mais seguro não dizer.

— Mentiu para mim, Sophia.

Julian desenhou um percurso com a ponta do dedo pela


face dela.

— É claro que não — respondeu com tanta altivez


quanto pôde.

Julian insistiu.

— Mas você o fez.

O dedo de Julian deslizou e acariciou a pele sensível do


pescoço antes de chegar ao decote do vestido.

— Afirmou que pensava não ser capaz de amar.


Estava brincando com ela. Sophia podia ver em seus
olhos. Não sabia por que, mas não gostava desse lado de
Julian. Fazia-a se sentir insegura e inquieta.

— Julian, isto é ridículo...

— Você me ama.

A declaração pronunciada em voz baixa soou na mente


de Sophia, que começou a nadar como um peixe entre
juncos. Sentia frio e calor ao mesmo tempo.

Como ele sabia? Sim, ela o amava. Amava-o, mas não


podia lhe dizer, não até que soubesse o que ele pensava dela.
Não se atreveria.

— Parece muito seguro de si mesmo — pigarreou


Sophia, esperando parecer mais calma do que se sentia.

— Oxalá estivesse — respondeu Julian que parecia estar


olhando em seu intimo. — Quem sabe então poderia
determinar como conseguir ganhar seu coração para ganhar
tudo, mas acredito que você sabe melhor que eu.

Sophia se afastou dele.

— Não sei do que está falando.

Julian poderia notar o pânico em sua voz?

— É impossível. Não se ama com tanta rapidez, ainda


mais pessoas como você e eu, Julian.

Julian a seguiu.
— Poderia discutir esse ponto, mas creio que é só um
estratagema inteligente para não ter de dizer que me ama
outra vez.

Sophia ficou onde estava. Não fugiria dele.

— De fato, já fiz isso uma vez, e não penso em fazê-lo


novamente.

Movendo a cabeça, Julian fez uma pequena careta de


presunção com os lábios.

— Não precisa dizer. Só uma mulher apaixonada ficaria


tão furiosa por seu homem não cumprir uma promessa
insignificante. Só uma mulher apaixonada poderia ficar
diante de um homem e negar seu amor sem negá-lo
explicitamente.

Sophia teria rebatido a ideia se tivesse tido palavras


para fazê-lo. E se Julian não tivesse razão.

— Diga que me ama, Sophia — Julian sussurrou


aproximando-se dela. — Diga Sophia...

Movendo o corpo, Sophia evitou seu abraço.

— Não posso.

Não sabia por que, mas não podia. Não diria só para ter
um silêncio como resposta. Ou ainda pior, para que ele a
beijasse como se a amasse realmente, não sem que ele
pronunciasse as palavras. Não voltaria a repetir o erro. Não
podia se permitir tal insensatez agora, não quando temia que
o que sentiu por ele há sete anos atrás não fora mais que
teimosia comparado ao que sentia por ele agora.
Julian se aproximou novamente, com a sobrancelha
arqueada com preocupação.

— Sophia...

— Preciso ficar sozinha — respondeu escapando para a


porta. — Por favor, deixe-me pensar.

E ele fez isso.


Capítulo 15
É mais oferecer que ganhar a confiança

de alguém.

A união desafortunada, da Marquesa do Aberley.

— Estou fazendo direito?

A única resposta de Julian foi um suave grunhido. Não


se atreveria a dizer nada, não quando Sophia tinha uma
navalha em sua garganta.

Tinha parecido a maneira perfeita de mostrar que


confiava nela, mas agora, com a cabeça para trás e a mercê
da mão inexperiente de sua esposa, Julian se perguntava se
não poderia ter encontrado uma maneira melhor de expressar
confiança.

— Mova a mão levemente. — murmurou esperando que


não fossem suas últimas palavras. — Isso. Agora passe de
baixo para cima.

Estavam no quarto de Julian, os dois ainda com roupas


de dormir. Julian estava sentado perto da lareira, ouvindo a
chuva batendo nas janelas e como o fogo crepitava quando
uma gota ocasional conseguia chegar às chamas, e sentindo
o fio da navalha enquanto Sophia tirava sua barba do dia
anterior.

— Não posso imaginar o que é ter que fazer isto todos os


dias. — disse Sophia, limpando a navalha na bacia de água
quente que estava à altura de seu cotovelo.

— Às vezes me dá preguiça e meu valete faz esse serviço.

Inclinou a cabeça para que Sophia pudesse passar a


navalha por sua bochecha. Sua mão já não o incomodava
tanto ao passar por cima dos machucados que Aberley lhe
deixara.

Outra passada. Cada vez fazia melhor.

— Parece bem desconfortável.

Julian encolheu os ombros enquanto Sophia limpava a


navalha novamente.

— Prefiro ter que me barbear todos os dias a sangrar


cinco dias no mês.

De repente, a mão de Sophia parou. Estava tão


vermelha que Julian ficou tentado a fechar os olhos diante de
tanta vergonha. Esperou que ela afastasse a navalha antes de
falar.

— Qual o problema? Pensou que eu não sabia nada


destas coisas?

Sophia encolheu os ombros, ainda com a face


ruborizada.

Julian moveu a cabeça.


— Sophia, você me intriga. Não se importa de expressar
absolutamente tudo que lhe passa pela cabeça, mas quando
falo de uma função natural que acontece no corpo feminino
se torna misteriosa. Por quê?

— Não sei — respondeu passando a navalha por cima de


seu lábio superior e pelo queixo. — Suponho que seja pelo
fato de Edmund ser muito direto sobre querer usar o meu
corpo, mas só quando estivesse limpo, e frequentemente na
escuridão.

Depois de limpar o resto de espuma do rosto de Julian


com uma toalha, ele a olhou com curiosidade enquanto
lavava a navalha pela última vez.

— Limpo. — disse Julian. — Parece-me uma maneira


muito peculiar de se expressar.

Sophia se voltou para ele, ainda bastante corada.

— Bem, apenas estou repetindo as palavras de Edmund.

Sujeitinho mesquinho e ignorante. Julian esperava


sinceramente que estivesse ardendo no inferno nesse
instante. Deixando a toalha de lado, Julian se levantou da
cadeira.

— Pois ele estava errado. Quando será seu período


menstrual?

Embora parecesse impossível, Sophia se ruborizou


ainda mais.
— Ainda faltam alguns dias. Não tenho um ciclo normal,
ao menos, não é normal comparado ao das outras mulheres
que conheci.

Julian esperou que se explicasse melhor. Por não fazê-


lo, prosseguiu com as perguntas.

— Como assim?

Sophia deixou a navalha de lado e juntou as mãos.

— Vem a cada dois meses.

Sophia fazia com que parecesse terrível. Julian sorriu.

— Creio que a maior parte das mulheres a


considerariam sortuda.

Sophia entrecerrou os olhos com receio.

— O médico me disse que por causa disso será muito


difícil conceber filhos.

Inclinando a cabeça, Julian encolheu os ombros.

Não tenho pressa para me tornar pai.

— Edmund dizia que se ele tivesse sabido, eu não


teria nada mais que minha beleza para me recomendar como
esposa, então...

Sophia tremia ligeiramente o queixo ao falar.

— Edmund está morto — disse Julian com a mandíbula


tensa. — Graças a Deus, o maldito está bem morto.

Contornando a cadeira, Julian colocou as mãos sobre os


ombros da esposa.

— Sophia...
Julian esperou até que ela levantou o olhar para
prosseguir.

— Já criei duas irmãs e não creio ter feito um serviço


muito bom. Se Deus decidir nos dar filhos, agradeceremos, se
não, agradeceremos também.

— Não é um homem comum. — sussurrou aturdida.

Julian riu.

— Talvez eu não seja. Mas quando a conheci, há sete


anos atrás já sabia que a queria para mim pelo que me fazia
sentir, não pelos herdeiros que pudesse me dar.

Julian soube antes que ela arregalasse os olhos que


tinha contado demais, maldição.

— Se me queria, por que não se casou comigo?

Sabia que não podia mais ocultar a verdade. Sabia que


um dia teria que dizer o quanto lhe importava daquele
momento até hoje, e o quanto fora covarde.

Julian a soltou e se virou. Não queria ver seus olhos ao


dizer a verdade.

— Pensei que podia fazer o que quisesse, viver minha


vida como bem entendesse, sem que houvesse consequências
— respondeu. — Pensei em lhe propor casamento, mas
quando seu pai nos encontrou de forma tão inoportuna, você
não me pareceu surpresa ao nos encontrar naquela situação,
acreditei ser um golpe.
Houve silêncio depois da declaração. Incapaz de
suportar por mais tempo, virou-se para ela. Sophia o olhava
com expressão cautelosa.

Julian continuou.

— Por favor, entenda. Até aquele momento eu havia


passado a vida fazendo o que outros me diziam que devia
fazer. E quando seu pai me disse que teria que me casar com
você, eu... Bem, me senti ludibriado, e quando soube de seu
súbito casamento com Aberley, foi mais fácil esconder minha
dor me felicitando por ter escapado das garras de uma
caçadora de fortuna. Convenci a mim mesmo de que nunca a
amei. Agora sei que precisava me enganar. Eu sinto muito.

Pronto. Explicara tudo de forma resumida, fazia menos


sentido agora do que fizera há sete anos atrás. Julian esperou
sua reação diante da confissão. Ele poderia ter evitado seu
casamento com Edmund Morelle. Poderia ter poupado todo o
sofrimento represado dentro dela, e não a fez feliz por ter se
comportado como um moleque birrento.

— Obrigada.

A palavra, dita em voz tão baixa e de maneira tão


sentida não era o que Julian esperava.

— Eu também tenho que confessar algo.

Algo na voz de Sophia fez Julian entrecerrar os olhos


quando seus olhos colidiram. Sophia parecia um pouco
insegura, como se estivesse sentida com sua declaração.

— Sim, eu tentei fazê-lo cair em uma armadilha.


Julian ficou boquiaberto e sentiu um vazio no estômago.

— Como?

Com os dedos entrelaçados, Sophia deu um passo


hesitante para ele.

— Queria que meu pai nos encontrasse, não exatamente


naquele estado de nudez, mas esperava que nos descobrisse e
o obrigasse a se casar comigo. Foi sujo de minha parte, sei
disso, e sinto muito, principalmente por nada ter saído como
planejei. Queria me casar com você, mas não era por sua
fortuna ou seu título, como acabou acreditando.

Julian não podia acreditar. Essa confissão deveria


satisfazê-lo por saber que tinha tido razão. Devia estar
zangado por Sophia ter planejado apanhá-lo, mas a confissão
o confundiu. Por que Sophia se arriscaria tanto para se casar
com ele?

Também lhe doeu. Notou uma dor surda no peito, muito


perto do coração, pois embora soubesse que os dois erraram,
Sophia poderia ter sido sua esposa nos últimos sete anos se
fossem mais sinceros e acreditassem um pouco um no outro.

— Por que? — pediu quando finalmente recuperou a


voz. — Que diabos fiz para que não medisse esforços para se
casar comigo?

Sophia sorriu um pouco com pesar.

— Você me fazia sentir como uma pessoa de valor


inestimável.

Suas palavras aprofundaram a dor em seu peito.


— Você me fazia sentir como um homem na acepção da
palavra.

Os dois ficaram ali de pé um instante, olhando-se. A


sensação no peito de Julian era aguda. Custava-lhe respirar,
de tanto remorso, de tão triste que eram seus sentimentos.
Por que precisaram de tanto tempo para chegar a isto? Por
que sentia que sua alma dependia do perdão de Sophia, que
ela se entregasse e permitisse mostrar o quanto a amava?

Sondava a profundeza infinita nos olhos de Sophia


quando de repente esta se lançou em seus braços, com a
boca quente, úmida e aberta sob a sua.

Julian lhe rodeou a cintura com os braços, levantou-a e


a levou para a cama, assegurando-se de não interromper o
beijo. Apoiando um braço e um joelho no colchão, deitou-a
sobre a cama com cuidado.

Levantando a cabeça, observou a expressão dela


enquanto brigava com os cordões da camisola com a mão
esquerda, deixando o corpo de Sophia exposto.

Era linda de se olhar. Sophia sempre dizia os defeitos de


seu corpo, mas Julian não podia vê-los. Se ela achava seus
seios grandes e pesados, ele os achava deliciosamente
maduros para seu deleite. Se ela dizia que seu ventre era
saliente, ele respondia que era macio e perfeito para
aconchegar sua cabeça depois do amor. Embora tenha por
certo conhecido outras mulheres que eram mais perfeitas,
esteticamente falando, nunca vira um corpo tão atraente
como o de Sophia.
Levantando o dorso acima dela, tirou o robe, lançando-o
ao chão. Uma onda de prazer o invadia quando viu Sophia
percorrer com o olhar ávido seu corpo nu. Em seus olhos,
Julian via a mesma fome e o desejo que havia sentido quando
ele a tinha despido.

Beijou-a no pescoço e no vão quente de sua garganta,


onde sentiu o pulsar acelerado de suas veias. Saboreou-a
nesse ponto, onde cheirava ligeiramente a sabonete de
lavanda e pele limpa, e mais abaixo, na pele macia entre os
seios.

Rodeou seus seios com as mãos, acariciando com os


polegares as cúpulas enrugadas. Um calafrio o percorreu
quando o corpo dela ofegou de prazer. Seus mamilos eram
muito sensíveis, incrivelmente receptivos à mínima carícia de
Julian. Os casulos rosados que tinha sob os dedos estavam
erguidos e sua cor escurecia à medida que lhes dava mais
atenção.

Julian colocou a boca sobre um deles lambendo-o entre


os lábios e saboreando-o com a língua.

Adorava tê-la assim na boca. Adorava seu sabor, sua


textura e como gritava quando lhe mordiscava levemente com
os dentes. Lambeu sua carne até que os dedos de Sophia se
enredaram em seus cabelos e então deu atenção ao outro
seio. Enquanto Sophia não parava de se retorcer, Julian
sabia que era o momento de dar o passo seguinte. Continuou
mais abaixo, plantando beijos sobre a carne macia das
costelas, mergulhou a língua na profundidade de seu umbigo,
acariciando seu ventre e esfregando o queixo recém barbeado
sobre a pálida curva do corpo.

Ajoelhando-se entre suas pernas, colocou as mãos de


ambos os lados do quadril generoso, e, com o coração
pulsando violentamente, Julian alcançou o recanto de cachos
de ébano entre as coxas de Sophia.

Quanto duraria essa fascinação por seu corpo? Quantos


anos se passariam antes que deixasse de adorar cada
centímetro dela? Julian tinha pensado que quando se
deitasse com ela algumas vezes seu interesse minguaria, mas
não foi assim. Ao contrário, sua fascinação só aumentara.
Não só queria tê-la, precisava dela. Não só de seu corpo, mas
também dela, de Sophia.

Julian deslizou os lábios contra os cachos e sentiu sua


umidade.

— Quer que a saboreie? — perguntou em voz baixa,


olhando a impressionante extensão de seu corpo.

Sophia o olhou com seus olhos negros de pálpebras


pesadas e brilhantes de paixão.

— Sim.

Julian emitiu um gemido quando baixou a cabeça no


vale úmido diante dele. A única coisa que importava era
agradá-la. Queria ouvir seus gemidos de prazer, queria senti-
la estremecer enquanto se aproximava do clímax. Queria ter
certeza de que era o único homem capaz de fazê-la se sentir
dessa maneira.
Julian fez Sophia delirar com sua língua, concentrando-
se na pequena protuberância que finalmente a levaria ao
clímax. Deteve-se justamente antes que seus gritos de prazer
chegassem a esse ponto delicioso. Em outras ocasiões,
entusiasmara-se por tê-la levado ao abismo do prazer desse
jeito, mas dessa vez tinha outra coisa em mente.

Sophia o olhou, com os olhos frágeis de emoção e


confusão.

— Deite-se de barriga para baixo. — pediu com voz


baixa e rouca. Sophia não parecia muito segura, mas Julian
sabia que nesse ponto, seu corpo faria qualquer coisa para
que acabasse o que tinham começado.

Sophia ficou de quatro, o que revelou as costas


delicadas e as curvas arredondadas das nádegas diante do
olhar guloso de Julian. Sem hesitar ele percorreu a suave
linha de sua coluna com as mãos e rodeou suas nádegas
firmes.

Afastando suas pernas com o joelho, Julian se colocou


entre suas coxas.

— Levante os quadris.

Sophia levantou a cabeça, olhando-o por cima do


ombro.

— Como?

Julian deslizou as mãos por baixo de sua pélvis e a


levantou guiando seus quadris. Sophia estava indecisa, mas
não tentou detê-lo. De fato, apoiou-se nos antebraços.
— O que está fazendo? — perguntou-lhe com um grito
abafado enquanto ele tentava penetrar a abertura de seu
corpo com sua ereção latente.

Julian deslizou a ponta em seu interior. Fechou as


pálpebras suspirando de êxtase.

— Já fez amor desta maneira, Sophia?

— N.... não.

Sua voz refletia incerteza e desejo enquanto Julian a


penetrava mais.

— Você gosta?

— Eu...

Fosse lá o que ia dizer, foi abafado pelo gemido


entusiasmado de Julian quando se enterrou no interior dela.

— Você vai gostar — prometeu-lhe. — Só precisa confiar


em mim.

Segurando-a com força, Julian começou a se mover. O


ângulo dos quadris de Sophia fazia cada movimento mais
intenso que o anterior. O doce contato entre seus corpos, os
sussurros, gemidos e respirações ofegantes deslizando
aumentaram a urgência em se satisfazerem plenamente.

Com a mão, Julian alcançou os cachos sedosos entre as


coxas dela e os afastou para encontrar a pequena
protuberância que sua língua tinha saboreado pouco antes.
Acariciando, fez com que a mulher debaixo dele ofegasse.

O ritmo de seu corpo e o de seus dedos ocupados ao


mesmo tempo. Penetrando-a quando seus dedos se moviam
para cima, Sophia movia seus quadris contra ele, separando
as coxas e arqueando as costas.

— Confia em mim, Sophia? — perguntou-lhe


aumentando o ritmo da penetração e do movimento dos
dedos.

Julian sentia o corpo dela ficar mais tenso, podia sentir


como tremiam os braços e as coxas a medida que se
aproximava do clímax. Estava muito perto. Muito, muito
perto.

— Sim — gemeu enquanto Julian a penetrava com


força, mergulhando nela. — Sim, Julian. Confio em você.

Inclinado sobre ela, Julian não teve piedade lhe


acariciando com seu corpo e seus dedos.

— Você me ama?

A única resposta que obteve foi o grito libertado da


garganta de Sophia quando seu corpo se esticou e
estremeceu. O clímax de sua esposa desatou o dele, que
conseguiu segurar-se a uma das colunas da cama para não
cair quando os joelhos falharam. E por um momento, parecia
que só existia esse atordoamento mental.

Aos poucos, já deitados, Julian moveu a cabeça para


fitá-la. Sophia tinha uma expressão de satisfação e respiração
sonolenta.

Suspirando, Julian puxou a colcha para cobri-los. Em


pouco tempo, ele também se deixou levar pelo sono,
pensando que embora Sophia não tenha pronunciado uma
palavra, dera uma resposta bem satisfatória a sua pergunta.

Quando Sophia acordou pela segunda vez essa manhã,


encontrou-se sozinha na cama de Julian. Depois de se
levantar, olhou atordoada pelo cômodo enorme e masculino.
Seu marido não estava.

Que malandro, pensou Sophia com um sorriso. Como se


atrevia a não ficar todo o dia deitado com ela. Certamente
tinha algum compromisso com Brave ou Gabriel, desafiando
qualquer um que se atrevesse a pôr em dúvida a honra da
esposa. Que homem mais insensato e maravilhoso.

Ela quase lhe havia dito que o amava. Só o prazer que o


corpo de Julian tinha proporcionado a impedira de falar e
isso ainda ajudara a não dizê-lo.

Por que era tão importante para ele ouvir essas palavras
de sua boca? Ele nada tinha declarado. Como esperava que
ela o fizesse tornando-a tão vulnerável diante ele. Não, não o
faria uma segunda vez, por mais que estivesse tentada.

Edmund muitas vezes lhe pediu para dizer que o amava,


e ela havia dito não porque amasse Edmund realmente, mas
ele era seu marido. Com Julian era diferente. Queria sentir a
emoção e isso a assustava mais que qualquer ordem de
Edmund. O amor não era algo que alguém pudesse negar
quando se dava, e Sophia queria estar certa de que quando
comprometesse seu coração a um homem, este lhe ofereceria
o mesmo.
Quem sabe na próxima vez que fizessem amor e ela
estivesse mais controlada perguntaria a Julian se a amava
para saber o que responderia. Possivelmente dissesse as
palavras que Sophia desejava ouvir. Não, teria que ser
corajosa e perguntaria quando Julian pudesse pensar em
outra coisa além de um orgasmo espetacular. Sophia não
queria que Julian dissesse que a amava só porque seu corpo
gostava do que Sophia o fazia sentir.

Afastou a colcha, agarrou a camisola e se levantou da


cama. Dirigiu ao lavatório para limpar os rastros de amor que
tinha entre as coxas.

Quando acabou, Sophia vestiu o penhoar e chamou a


sua criada. Meia hora mais tarde, com um vestido de
musselina verde e o cabelo preso de forma singela para trás,
ela entrou na sala do café da manhã. Eram quase onze horas.
Julian já tinha saído, mas Letitia, que tinha um horário
socialmente mais aceitável, estava sentada tomando o café da
manhã.

Sophia quase não vira sua cunhada desde aquela noite


em que a tinha apanhado voltando para casa às escondidas.
Alegrou-a em vê-la essa manhã já que a jovem parecia mais à
Letitia que tinha conhecido tempos atrás. Com um vestido
amarelo claro, Letitia parecia um duende sentada na mesa
redonda de carvalho.

Esta sorriu quando viu Sophia entrar na sala, um bom


sinal de que tudo ia bem entre elas.

— Levantou tarde esta manhã.


Sophia não pôde evitar que o calor subisse às
bochechas.

— Acordei as primeiras horas da manhã, mas como era


muito cedo acabei adormecendo novamente. Posso
acompanhá-la?

— Claro.

Letitia fez um gesto para o aparador atrás dela. Estava


repleto de pratos cheios.

— O cozinheiro sempre prepara muita comida para mim.

Pegando um prato da parte inferior do móvel, Sophia o


encheu com ovos, presunto, salsichas e torradas. Estava
faminta. Não há nada como comer um bom café da manhã
para se ter um dia excelente.

Letitia arqueou uma sobrancelha quando viu a


quantidade de comida que havia no prato de Sophia.

— Vejo que dormir novamente lhe abriu o apetite.

Sophia a olhou com altivez zombeteira.

— Meu sono é agitado. Sempre me levanto faminta.

— Tudo bem. Agora sei por que tantas mulheres


engordam depois de se casar — disse Letitia com um sorriso.
— Muito... Sono.

Sophia não pôde evitar de rir, embora ficasse vermelha


como um tomate.

— Seria impertinente de minha parte pedir detalhes,


como faria qualquer amiga curiosa — continuou a jovem, —
Como isto implicaria descobrir coisas de meu querido irmão
tirano, acho que vou me abster de tal conhecimento.

Apesar do tom jovial na voz de sua amiga, Sophia fechou


o sorriso.

— Já conversou com ele?

Letitia negou com a cabeça enquanto passava geléia na


torrada com uma colher.

— Não falo com ele desde que brigamos.

— E quanto tempo vai durar este silêncio?

Letitia deu uma mordida na torrada, o que obrigou


Sophia a esperar pela resposta até que mastigasse e
engolisse.

— Suponho que não muito.

Letitia desenhou lentamente um sorriso.

— Marcus falará com Julian hoje ou amanhã.

Incapaz de conter o grito de alegria, Sophia o abafou


com a mão.

— Oh, Lettie! Que maravilha!

Sorrindo como uma tola, Letitia assentiu.

— Quando Marcus me disse isso quase não pude


acreditar. Ele calcula que seus investimentos logo terão
retorno e de que poderá provar a Julian que poderá nos
manter dignamente até que herde o título.

Sem dúvida pareciam ter planejado tudo, e Sophia não


estava certa de começar a fazer perguntas que pudessem
explodir a bolha de felicidade da amiga. Estava feliz por
Letitia. Só esperava que Julian partilhasse a alegria e não a
esmagasse por querer se comportar como um irmão super
protetor.

Julian via a irmã como uma criança. Esperava que ela


aceitasse alegremente suas decisões quanto ao seu futuro, e
estava convencido de estar absolutamente correto. Era até
um pouco irônico vindo de um homem que tinha se recusado
a casar porque não queria aceitar imposições alheias.

Afastando os pensamentos sobre Julian, Sophia se


concentrou na felicidade da jovem cunhada. Enquanto
tomavam o café da manhã, falaram de moda e da sociedade, e
ficaram em dia com as fofocas.

Letitia lhe contou que Lorde e Lady Carnover esperavam


seu segundo filho. Conforme parecia, o Conde gostaria que
fosse uma menina desta vez. E uma jovem rejeitada por seu
amante tentara se afogar no Serpentine8 como tinha feito a
mulher do poeta Shelley há mais de dois anos, mas no final
mudara de opinião quando descobriu o quão fria a água
estava.

— Nunca entendi como alguém pode querer tirar a vida


se afogando — Letitia comentou com um pequeno estremecer.
— Não parece uma maneira muito agradável de morrer.

Sophia olhou a amiga consternada. Não era muito boa


com este tipo de situação. Nunca sabia o que dizer. Se fosse

8
Um lago artificial no centro de Londres, criado em 1730 Caroline, esposa de George II.
outra pessoa, ignoraria o comentário, mas a irmã de Letitia
tinha se suicidado dessa maneira e evidentemente a ferida
que tinha deixado sua morte ainda estava aberta.

— Talvez devamos culpar Shakespeare. — respondeu


com uma suavidade forçada. — Ofélia fez parecer um
desfecho romântico apesar de ser muito trágico em Hamlet.

Para grande surpresa de Sophia, Letitia sorriu. Foi um


sorriso triste, mas um sorriso.

— Miranda teria gostado de ser comparada a Ofélia.


Tudo era trágico e romântico em sua opinião.

Acaso os Rexley podiam pensar de outra maneira?

Felizmente, um toque na porta interrompeu a conversa


melancólica. A senhorita Yorke entrou na sala, com seu
semblante sorridente e agradável.

— Desculpe-me, Senhora. — disse dirigindo-se a Sophia.


— Acaba de chegar isto.

Entregou a Sophia uma missiva fechada, que ela aceitou


agradecendo. A governanta gordinha sorriu ainda mais e fez
uma reverência rápida antes de se virar e sair.

— De quem é? — Letitia perguntou mordendo uma fatia


de presunto.

Girando a carta na mão, Sophia encolheu os ombros


enquanto observava a letra no papel.

— Não tenho ideia.

— Pois então abra-a!


Rindo ante o tom impaciente da cunhada, Sophia
rompeu o lacre e abriu a missiva. Havia uma nota de crédito
no interior.

— Mas o que é isso?

Pegando a nota, olhou-a com olhos arregalados.

— Céus!

— O que foi? — perguntou Letitia.

Sophia então pegou a carta e rapidamente leu as poucas


linhas.

— É do Senhor Murray, o editor de A união


desafortunada. Diz que esta nota de crédito é minha, que é o
dinheiro referente às vendas do livro. Diz que desde que me
declarei autora do livro as vendas foram arrasadoras. E me
pergunta se poderia... Escrever outro livro.

Sophia olhou Letitia estarrecida.

— Esse maldito livro foi terrível para mim e agora me


pede outro!

Gargalhando, Letitia agitava os braços no ar.

— Tome isso, Lorde Aberley!

Sophia não pôde evitar de rir com ela. Charles teria um


ataque se soubesse que sua tentativa de arruiná-la não só
ajudou a casá-la com Julian, mas também lhe proporcionou
êxito financeiro.

Deixando o guardanapo sobre a mesa, Sophia pegou a


nota e se levantou da mesa.
— Venha, Letitia. Vamos às compras por cortesia do
Marquês de Aberley.

Letitia se levantou imediatamente.

— Sabe que nunca recuso uma oportunidade de ir às


compras.

— E lhe comprarei algo bem especial. — disse Sophia


sorrindo.

— E para mim? — perguntou uma voz familiar da


entrada. — Comprará algo também especial?

Sentindo o calor na face, Sophia se virou e viu seu


marido aproximar-se dela.

— E o Senhor meu marido acha que merece um


presente?

O brilho malicioso em seus olhos dourados lhe fez corar


da cabeça aos pés.

— A Senhora minha esposa ainda tem dúvidas?

Era claro que com esse tom baixo e áspero se referia a


essa manhã e ao prazer que tinha lhe dado.

Sophia sorriu de forma maliciosa.

— Pensarei com cuidado sobre isso.

— Vai nos acompanhar, Julian? — perguntou Letitia


não só surpreendendo o irmão, mas também Sophia.

Era evidente que Letitia tinha emocionado seu irmão


com a pergunta. Sophia observou os irmãos com carinho.
Isso era uma família. Era amar tanto alguém que nem a raiva
ou desentendimentos podiam acabar com o sentimento. Isso
era amor incondicional. Santo Deus! Quanto os invejava.

— Não obrigado, Lettie. — respondeu emocionado. —


Tenho alguns compromissos. Acabo de receber uma
mensagem de um jovem que quer conversar esta tarde. Diz
que tem algo muito importante a discutir comigo.

Sophia esqueceu de respirar quando Julian sorriu. Era


um sorriso doce e cheio de esperança, um sorriso que nunca
tinha visto nele. Acaso teria mudado de opinião respeito do
Senhor Wesley?

O sorriso de Letitia em resposta quase a emocionou


mais do que de Julian, por todas as expectativas implícitas.

Letitia saiu primeiro da sala. Sophia aproveitou esse


momento em que estavam a sós para beijar Julian.

— Não seja duro com esse jovem. — disse Sophia. —


Ouça-o antes de tomar uma decisão, tudo bem?

Julian a olhou surpreso.

— É claro que ouvirei. Não sou um ogro, sabia? Além


disso, já sei que darei minha permissão.

Sophia lhe rodeou a cintura com os braços.

— Ah, Julian. Isso é maravilhoso! Letitia ficará tão feliz.


Eu estou muito feliz...

— Então mereço um presente, certo? — disse sorrindo.

Sophia se afastou de seus braços reticente.


— Meu querido Lorde Wolfram, creio
que merece mais de um. – Sophia baixou a
voz de modo sedutor. — E se for bonzinho,
também lhe comprarei algo.

E dito isso, saiu da sala, ansiosa para


dizer a Letitia que seus sonhos estavam
prestes a se realizar, e pensando que na próxima vez que
estivesse a sós com Julian, certamente também lhe diria que
o amava.

Capítulo 16
Todos cometemos enganos, só que alguns são mais fáceis de

ocultar que outros.

A união desafortunada, da Marquesa de Aberley.


— Espero que em breve possa tê-lo como cunhado,
Lorde Wolfram.

Julian sorriu ao jovem quando estreitaram as mãos.


Além de ser um cavalheiro respeitável e refinado que queria
desposar sua irmã, Julian sabia que ela também gostava
dele. Julian sabia que Letitia apareceria a qualquer momento.

— Eu também espero, Rutherford — respondeu com


sinceridade, enquanto Fielding lhe abria a porta. — Assim
que tiver uma oportunidade de conversar com Letitia o
chamarei para combinarmos os pormenores.

Sorrindo como um tolo, Rutherford fez uma reverência


com sua cabeleira loira e partiu. Julian o observou com olhar
risonho. O jovem Conde quase caiu pelas escadas ao se
dirigir à carruagem que o esperava.

Julian se dirigiu novamente ao seu gabinete quase


dando pulos. Já não precisava se preocupar com o futuro de
Letitia. Agora podia se concentrar no seu e de Sophia.

Acabava de sentar-se para continuar o poema que


estava escrevendo (uma tarefa à qual se dedicava mais tempo
do que o normal) quando Fielding bateu a porta.

— Um jovem Senhor deseja lhe ver, Milorde.

— Quem é, Fielding?

— Diz se chamar Wesley.

Marcus Wesley, o herdeiro de Penderthal? O que


quereria? Julian quase não o conhecia.
Mas Letitia sim. Mencionando seu nome várias vezes
desde o início da temporada. Julian sentiu um mal-estar
quando lembrou o sorriso da irmã pela manhã quando lhe
havia dito que um jovem viria lhe ver.

Maldição. Esperava que esse sorriso não estivesse


relacionado a Wesley.

Não podia ser. Letitia sabia o que ele pensava sobre


Wesley. Bem, ele podia parecer um bom homem, mas ainda
não tinha um título, pouco dinheiro e provinha de uma
família deplorável.

— Diga-lhe que o receberei, Fielding.

Talvez o jovem estivesse ali para falar de outra coisa.


Julian esperava que fosse isso, não considerava Wesley
apropriado para se casar com sua irmã.

— Sim, senhor.

O mordomo fez uma reverência na porta. Minutos mais


tarde, apareceu Marcus Wesley.

Wesley era um jovem de aparência inteligente, cabelos


escuros e olhos brilhantes. Era atraente, amável e desenvolto
com as senhoras. Lembrava-lhe Gabriel quando jovem. Essa
postura e seu caráter aberto o impediram de olhá-lo com
maus olhos, mas o fato de ser inadequado para Letitia o
ajudou a ver as coisas claras.

— Boa tarde, Lorde Wolfram — disse o jovem em voz


baixa e tranquila. — Espero não estar interrompendo nada
importante.
— Não, absolutamente. Entre.

O poema para Sophia era sem dúvida importante, mas


não era razão suficiente para mandar Wesley para casa.
Julian se apoiou contra o encosto da cadeira. Não prolongaria
o desconforto do jovem exibindo desdém. Seria cruel.

— O que posso fazer por você, Wesley?

Wesley lhe sorriu, com entusiasmo juvenil. Talvez só


cinco ou seis anos os separassem, mas Julian sentia esses
anos lhe pesarem como mais de vinte.

— Quero pedir permissão para tomar a mão de sua irmã


em casamento.

Julian tinha de reconhecer, o rapaz era direto. Sem


palavras bonitas, nem reverências; lançara um pedido direto
e ponto.

Julian respondeu com a mesma moeda.

— Não.

O Senhor Wesley não pareceu surpreso, como se


esperasse aquela resposta.

— Posso perguntar a razão de sua negativa? —


prosseguiu o jovem.

Parte do brilho em seus olhos tinha desaparecido. Uma


pontada de culpa perfurou a consciência de Julian. Ignorou a
sensação, colocou o cotovelo sobre o braço da cadeira e
descansou o queixo sobre a mão.

— Bebe, Senhor Wesley?


O jovem franziu o cenho.

— Às vezes sim.

— Como seu pai?

Wesley levantou o queixo.

— Não. Não desse modo. Tampouco jogo nem procuro


prostitutas como ele fazia, se por acaso pensa em perguntar.

Julian acreditou.

— E o que me diz de seus rendimentos?

Wesley baixou o olhar por um instante.

— Tenho vários investimentos que logo darão retorno. E


como sabe, herdarei o título do meu tio.

Julian encolheu os ombros.

— Seu tio tem cerca de cinquenta anos. Ainda pode


viver muitos mais.

O jovem entrecerrou os olhos.

— Jamais desejarei a morte de meu tio só para


assegurar minha própria felicidade, Lorde Wolfram. Desejo
que ele viva muitos anos ainda.

Julian estava certo de que Wesley era sincero. Embora


desejasse o melhor para o jovem no futuro, não estava
disposto a conceder a mão de sua irmã a um homem sem
terras, título ou fortuna.

— Não posso conceder a mão de minha irmã, Wesley. Já


dei permissão a outro jovem.
O rapaz empalideceu. Julian quase podia ouvir o
coração de Wesley se quebrar em pedacinhos.

— A outra pessoa? Letitia sabe?

Se mentisse, acabaria com a pretensão de Wesley por


sua irmã, ou possivelmente diminuiria de algum jeito a dor
do jovem, mas não podia mentir.

— Não, creio que não sabe. Penso que ela esperava que
fosse você.

Wesley o encarou fixamente, com os olhos tristes no


rosto pálido. A culpa desta vez o apunhalou mais forte.

— E se ela não aceitar esse homem?

— Você ainda não terá a minha permissão.

O músculo da mandíbula de Wesley se moveu. A fúria


dominou sua expressão.

— É por culpa de meu pai?

Aprumando-se. Julian negou com a cabeça. Não se


sentia muito orgulhoso de si mesmo nesse momento.

— É por sua situação financeira.

Algo em sua voz certamente o delatou, pois os lábios do


jovem desenharam um sorriso zombeteiro quando respondeu.

— Pensa que quero o dote dela, Senhor?

Julian não respondeu. Limitou-se a levantar uma


sobrancelha e desafiou Wesley negando.

A vermelhidão floresceu no rosto de Wesley.


— Não o mando para o inferno porque é o irmão de
Letitia, Lorde Wolfram, e eu a amo demais. — afirmou Wesley
com veemência. — Uma emoção que, com o devido respeito,
suspeito que desconhece, Senhor.

Isso doeu, mas Julian conteve seu gênio.

— É precisamente por amar minha irmã que me


preocupo tanto com seu futuro, Senhor Wesley. O amor é
muito bonito, mas o que poderá lhe dar? O quanto a amará
assim que chegarem as faturas da modista ou do joalheiro
sem que tenha meios para pagá-las?

O rosto do jovem Wesley estava como pedra.

— Teremos que economizar.

Julian se levantou colocando as mãos sobre a


escrivaninha enquanto olhava o jovem nos olhos.

— Letitia nem sequer conhece o conceito desta palavra!


Como poderá lhe pedir que o faça? Seu amor por ela
suportará quando começarem a discutir constantemente
sobre gastos?

Wesley estava rígido, indignado e cheio de fúria.

— Parece que tem um conceito muito ruim tanto de mim


quanto de Letitia, Lorde Wolfram, se acredita que deixaríamos
uma frivolidade se interpor entre nós.

Suspirando, Julian passou a mão pelos cabelos.

— Frivolidade, Senhor Wesley! Os gastos de Letitia


fazem parte de seu estilo de vida. Nunca lhe neguei nada.
Tenho que assumir parte da responsabilidade nesse sentido,
bem sei, mas ela vive desta maneira desde que nasceu.
Espera realmente que ela abra mão de tudo só para ser sua
esposa? E o que o Senhor está disposto a lhe dar?

Wesley não se moveu.

— Tudo o que tenho é de Letitia.

Julian desenhou um sorriso compreensivo.

— Tudo o que tem não pagaria os vestidos de minha


irmã por um ano. Sinto muito, Wesley, mas minha resposta
continua sendo não.

Com a expressão escurecida pela frustração e ira,


Marcus Wesley o olhou fixamente.

— Não, o Senhor não sente nada e tampouco é


consciente das reais necessidades e desejos de Letitia, Lorde
Wolfram, mas suponho que terá de descobri-lo por conta
própria.

Julian franziu o cenho diante do tom crítico da


afirmação do jovem. E foi esse momento que Letitia escolheu
para irrompê-los.

— Marcus! — gritou contente ao entrar na sala.

Sua alegria desapareceu rápido quando observou seu


amado e o irmão.

Wesley não tentou dissimular seus sentimentos quando


se voltou para vê-la. O amor em sua expressão foi quase
suficiente para fazer Julian mudar de opinião. Quase.

— Ele negou, não é? — disse Letitia em voz baixa.


Wesley se dirigiu a ela. Era como se os dois tivessem
esquecido Julian ali, como se estivessem a sós no mundo.
Julian conhecia essa sensação. Sentia-se assim
frequentemente quando estava com Sophia. Observou como
sua irmã tocava o braço de seu amado e lhe falava
docemente. A expressão de Wesley estava cheia de dor, mas
assentiu e lhe cobriu a mão com a sua antes de abandonar a
sala.

Quando fechou a porta, Letitia encarou Julian. Parecia


que este acabava de lhe cravar uma espada no peito.

— Como pôde? — perguntou-lhe — Como pôde me dar


tantas esperanças esta manhã só para esmagá-las desta
maneira? Você me odeia tanto assim?

— Não a odeio — respondeu Julian com mais dureza do


que pretendia. — Acaso não pensa que faço isto porque lhe
quero bem?

Letitia estava incrédula.

— Me quer bem? Como pode ficar aqui e me dizer que


me quer bem quando acaba de me negar o homem que amo?

Inspirando profundamente, Julian contou mentalmente


até dez e exalou.

— Como viveriam, Lettie? Os ganhos do Senhor Wesley


permitem manter só a ele, são insuficientes para manter seu
estilo de vida.

Letitia franziu o cenho.


— Não me importo com meu estilo de vida, Julian. —
informou-o imitando o tom do Senhor Wesley. — Sou uma
mulher inteligente e somos perfeitamente capazes de viver
com nossos rendimentos, Marcus fez cálculos e diz que as
coisas irão bem se formos com cuidado.

E o que dizia Marcus, era sacrossanto. Julian suspirou.

— "Com cuidado" significa ir uma vez por ano à modista


e não quatro ou mais, Letitia. Significa não poder comprar
um chapéu novo só porque gostou do modelo. Significa que
não haverá quinquilharias nem bagatelas a não ser que
sejam justificadas.

Letitia levantou o queixo em tom desafiante.

— Não me importo.

Julian perdeu o controle.

— Por Deus, ouça o que está dizendo! Engana a si


mesma, Lettie! Não posso permitir que se case com ele.
Mesmo com seu dote, não poderá levar o estilo de vida ao
qual está acostumada por tanto tempo, ao menos até que ele
herde o título. O que farão então?

— Daremos um jeito! — gritou batendo o pé no chão.

Julian passou a mão no rosto enquanto pensava em


uma resposta objetiva. Estava perdendo o controle da
situação. Tinha que voltar a tomar as rédeas.

— Não creio que você suporte tal situação.

Letitia riu amargamente.

— Sua fé em mim é incrível!


Julian se dirigiu a ela. Pôs as mãos sobre seus ombros,
mas ela se afastou dele.

— Não se trata de fé. Trata-se de vê-la feliz. Wesley é um


bom homem, mas não vou permitir que se case com ele.

Cravando-lhe um olhar frio, Letitia prosseguiu.

— Se nosso pai estivesse vivo, estaria mais preocupado


com a minha felicidade do que com o dinheiro.

Com essa acusação flutuando entre eles, Letitia deu


meia volta e abriu a porta. Julian viu o senhor Wesley
esperando-a no corredor antes que Letitia fechasse a pesada
porta de carvalho.

Cabisbaixo, Julian se dirigiu À sua mesa e desabou na


cadeira, pesaroso.

―Sim, se nosso pai estivesse vivo, seria ele a decidir.‖

O que estava fazendo de errado? Acaso lhe escapara


algo? Pois embora pudesse entender a fúria de Letitia, não
entendia por que sua irmã não conseguia ver as coisas tão
claras quanto ele. Acaso estava tão apaixonada por Wesley
que esse sentimento tinha afetado seu julgamento? Tinha que
saber tão bem quanto ele que nesse momento Wesley não era
um bom candidato. Letitia o amava tanto que não queria ver
a verdade. Em outras circunstâncias, estaria orgulhoso dela
por ser tão decidida, mas ela estava se enganando.

Quem era ele para tomar essa decisão? Uma vozinha na


cabeça lhe fazia essa pergunta. Quem sabe Letitia e Wesley
conseguissem viver bem. Talvez sua irmã pudesse aprender a
economizar por amor.

Não. Apesar do que os poetas costumavam dizer (e isso


incluía o próprio Julian), era impossível viver só de amor. A
falta de dinheiro e o esbanjamento inerente de Letitia seriam
um problema para os dois apaixonados, por maior que fosse
esse amor. Compreender não aliviou seu sentimento de
culpa.

O que teria acontecido se o impedissem de se casar com


Sophia? O que teria acontecido se alguém não lhe desse a
chance de ganhar seu amor? Sentir-se-ia feliz, completo...

E se Wesley fosse o único homem que poderia fazer


Letitia feliz? Acaso ele tinha o direito de negar isso? Mas se
fosse o contrário, Wesley a fizesse infeliz? Como ele poderia
determinar a diferença? Sophia e ele precisaram de sete anos
para viver juntos. Em sete anos, Letitia teria trinta e um
anos. Não podia esperar tanto.

Depois de apoiar a cabeça na cadeira, Julian fechou os


olhos e desejou que Sophia estivesse ali. Ela poderia lhe dizer
se estava ou não enganado.

Julian sabia que Sophia sempre era sincera.

Após chegar em casa com Letitia, Sophia tinha subido


ao quarto para organizar as compras. Teria preferido
acompanhar Letitia ao gabinete de Julian para partilhar a
felicidade de sua amiga, mas pensou que os irmãos poderiam
de querer certa privacidade.

Assim esperou vinte minutos antes de entrar no


gabinete. Encontrou seu marido olhando pela janela,
contemplando o jardim, com um copo de uísque na mão.

— Viu algo interessante? — perguntou-lhe com


suavidade.

Julian se virou e lhe sorriu. Era um sorriso


estranhamente triste.

— Não até que você apareceu.

Julian estendeu a mão para ela.

Corada pelo elogio, Sophia se dirigiu a ele, agarrou sua


mão forte e seu marido a puxou para si.

— Letitia e Marcus Wesley estão lá fora?

Sophia levantou as sobrancelhas e sorriu. Não seria


justo fingir estar surpresa, mas tampouco queria revelar tudo
o que sabia.

— Marcus Wesley? Não. Suponho que gostariam de uma


celebração particular.

— Celebração? — perguntou Julian franzindo o cenho


quando tomou um gole de sua bebida. — Para se consolarem,
você quer dizer.

Sophia não pôde ocultar sua confusão.


— Mas esta manhã, quando disse que um jovem viria
aqui, parecia que seria uma visita agradável.

Julian deixou seu copo vazio sobre a mesa que estava


perto da janela.

— O jovem Lorde Rutherford esteve aqui. Não tinha ideia


de que Wesley também viria.

Sophia o observou com uma sensação de nó no


estômago. A luz fraca do sol que entrava pela janela
descansava sobre a face de Julian, o que acentuava a tensão
da boca e as pequenas rugas ao redor dos olhos. De repente,
parecia mais velho e muito mais cansado do que deveria ser
um homem de sua idade.

Ela o levou até o sofá verde escuro do centro da sala.


Julian colocou a cabeça sobre seu colo quando se deitou.

Sophia sorriu e começou a lhe massagear o couro


cabeludo com os dedos.

— O que aconteceu? — perguntou quando ele deixou de


franzir o cenho.

— Estraguei tudo, Sophia — respondeu sem abrir os


olhos. — Parece que ultimamente só sei fazer isso.

Sua esposa lhe acariciou a fronte.

— Conte tudo.

Contou-lhe que tinha gostado do entusiasmo de Letitia


nesta manhã, que pensou que sua irmã se referia a
Rutherford. Afinal, Letitia tinha concordado em passar mais
tempo com o jovem e parecia gostar de sua companhia. Que
outra coisa Julian podia imaginar?

Sim, Sophia assentia em silêncio. Que outra coisa


pensaria se nem sua irmã ou sua esposa haviam contado a
verdade?

Estivera tão satisfeito quando Rutherford se retirou,


tinha certeza de ter assegurado a felicidade de sua irmã, mas
logo descobriu que não era como pensara. E agora se sentia
encurralado entre o que Letitia queria e o que ele achava que
era melhor para ela.

Sophia não estava muito segura do que dizer. Se tivesse


traído a confiança de Letitia e houvesse dito a Julian a
verdade, talvez pudesse ter evitado essa situação. Se Julian
soubesse o quanto amava sua irmã amava Marcus, então
teria tentado encontrar uma maneira para que o jovem casal
pudesse se casar. Sem dúvida, não teria aceitado o pedido de
Rutherford se soubesse que o coração da irmã já estava
comprometido.

— Letitia não tentou falar com você do Senhor Wesley?


— perguntou Sophia.

Letitia havia dito a ela que frequentemente tinha tentado


falar com Julian sobre seu amado, mas Sophia se perguntava
o quão sincera teria sido sua cunhada.

— Mencionou-o algumas vezes. Sei que ele a agradava,


mas eu lhe disse que o rapaz era pouco adequado, foi o fim
da história. Se soubesse que o amava...
— Teria mudado as coisas? — perguntou Sophia quando
deixou a frase no ar.

Não estava certa de querer saber a resposta.

Julian encolheu os ombros.

— Certamente que não, mas ao menos poderia ter


conduzido a situação mais adequadamente. Tal como as
coisas estão agora, não ficarei surpreso se Letitia me ignorar
durante uma semana.

Suas palavras acalmaram e alarmaram Sophia. Julian


tinha aplacado sua sensação de culpa dizendo que na
verdade não teria mudado as coisas, mas o que Julian
pensava sobre reação da irmã lhe preocupava muito. E se
Letitia não se limitasse a ignorar seu irmão?

— Acaso pensa que ela poderia cometer alguma


insensatez? — perguntou sem poder evitar partilhar seu
temor.

Letitia era uma garota impulsiva, muito dada a


mudanças de humor e cenas melodramáticas. Sophia não se
surpreenderia se este último evento revelasse a natureza
teatral da jovem e a levasse a representar algo que valesse a
pena assistir no palco do Drury Lane.

— Bem, receia que Letitia faça algo mais que se trancar


no quarto desmanchando-se em lágrimas e ameaçando fazer
jejum até que eu mude de ideia? — perguntou seu marido
com um tom zombeteiro. — Duvido. Letitia gosta muito de
gastar meu dinheiro pela cidade para se arriscar a perder a
boa vida.
Sophia tinha suas dúvidas. Letitia era muito teimosa e
impulsiva, graças a indulgência de Julian.

Ela não podia imaginar Julian dando as costas a Letitia.


Certamente Letitia tinha em mente que Julian continuaria a
pagar todas as suas despesas e que cuidaria dela embora
estivesse casada com Wesley, e era natural que pensasse
assim. Julian nunca a repudiaria, não importando o que
fizesse. Até fugir com seu amado.

Sophia se levantou.

— Julian, vou ao quarto dela para ver se está bem.

O peso de Julian sobre suas pernas A impediu de se


levantar. Abrindo os olhos, Julian a olhou com uma
expressão que fez seu coração estremecer. Era uma
expressão de prazer terno. Foi essa ternura que lhe apertou o
coração.

— Não precisa, Sophia. Letitia quer exatamente isso;


quer alguém que se compadeça dela enquanto desfia um
rosário de lamentações contra seu irmão cruel.

O que podia fazer? Acaso poderia lhe dizer que talvez


estivesse enganado, que temia chegar aos aposentos de
Letitia e ver que estava se preparando para fugir?

— Querido, é óbvio que eles já se conhecem há algum


tempo, — disse Sophia, medindo as palavras. — Letitia me
pediu ajuda por pensar que você a obrigaria a casar. Nesse
momento, sua irmã está assustada e sabe que você está
furioso. O que Letitia fará agora que pensa que você já
escolheu um marido para ela?
Os homens, às vezes, eram exasperantes! Julian nem
parecia preocupado!

— Letitia sabe que eu nunca a obrigaria a se casar


contra sua vontade.

Quase perdendo a paciência, Sophia se levantou e a


cabeça do marido caiu sobre as almofadas do sofá.

— Por Deus, você está subestimando sua irmã. —


afirmou resoluta. — E vou agora mesmo ver minha cunhada.

Julian se sentou, com um sorriso cheio de confiança


apesar da aparência cansada.

— Pois vá, mas me reservo o direito de rir quando Letitia


dizer em público: "Meu irmão é um déspota".

Sophia desejava poder partilhar sua tranquilidade. Mas


seu marido era totalmente ingênuo quando se tratava de
Letitia.

— Espero que tenha um motivo para rir, Julian. Espero


sinceramente.

Deixou-o sentado no sofá, negando com a cabeça


enquanto uma Sophia exasperada saía do gabinete.

Ela subiu as escadas às pressas, quando chegou em


cima estava sem ar, mas continuou apressada até chegar à
porta dos aposentos da cunhada.

Bateu.

— Letitia?
Não obteve resposta. Tampouco ouviu choro no interior.
Com o coração pulsando violentamente, Sophia girou a
maçaneta, abriu a porta e olhou no interior.

O cômodo tinha a aparência de sempre. A colcha marfim


estava esticada sobre a cama grande de quatro colunas.
Almofadas brancas e amarelas estavam engenhosamente
dispostas sobre a parte superior.

Sophia entrou e procurou com o olhar o resto do


aposento, nada fora do lugar. As gavetas do closet estavam
fechadas e embora a parte superior direita parecesse um
pouco vazia, Sophia não podia dizer se faltava algo.

A outra porta estava ligeiramente aberta, Sophia não


sabia por que sentia tanta necessidade de ver o interior, abriu
e o resto das coisas pareciam estar em ordem, mas se dirigiu
ao armário na parede lateral do closet.

O armário estivera cheio de vestidos recentemente


confeccionados, e alguns tinham desaparecido.

Logo abaixo dos vestidos, desaparecera também uma


fileira completa de calçados.

Com o coração acelerado, Sophia deixou a porta do


armário aberta e foi correndo a penteadeira. Havia espaços
vazios onde antes houvera alguns objetos, e quando Sophia
abriu a caixa de jóias de sua cunhada, seus piores temores se
confirmaram.

Sumiram.
Voltou a descer as escadas correndo, tão rápido quanto
seus pés permitiram. Quase caiu a meio caminho, mas
conseguiu recuperar o equilíbrio bem a tempo. Chocou-se
com Fielding aos pés da escada.

— Ah, Lady Wolfram — disse com um tom tão quente


quanto seu sorriso. — Acaso se dirige ao gabinete do Lord?

— Sim — respondeu Sophia ofegante. — Mas...

— Então, poderia lhe entregar o bilhete de Lady Letitia?

Sophia ficou gelada quando o velho mordomo ofereceu


uma folha de papel dobrada e sem selo. Pegou-a com os
dedos trêmulos. Letitia tinha deixado um bilhete. E bilhetes
em uma situação como essa não pressagiava nada de bom.

— Foi uma sorte que o Senhor Wesley se oferecesse para


acompanhá-la a casa de Lady Wickford. — continuou
Fielding. — Eu não gosto de ver nossa jovem Lady andando
sozinha, embora seja para ir à casa da esquina.

Sophia o olhou fixamente. Pobre Fielding. Letitia já


estava muito longe da casa da esquina, e como nenhum
empregado de Julian a acompanhava, não haveria maneira
de saber para onde se dirigia. Mas seu destino não era com
certeza a casa de Lady Wickford.

— Obrigado, Fielding — ouviu-se dizer. — Levarei o


bilhete para Lorde Wolfram agora mesmo.

Assim que o mordomo fez a reverência e saiu, Sophia


correu ao gabinete, com o bilhete de Letitia na mão.
Julian a fitou surpreso quando ela irrompeu na sala
afogueada, primeiro com prazer espectador e logo, ao
observá-la bem, com verdadeiro temor.

— Julian, ela partiu. — disse e lhe entregando o bilhete


enquanto tropeçava esbaforida. — Letitia fugiu com o Senhor
Wesley.
Capítulo 17
Dizer o que sente é como ver um

fantasma.

Não significa nada se a pessoa a quem o diz não crê.

A união desafortunada, da Marquesa de Aberley.

Mudo, Julian abriu o papel que Sophia lhe dera.

Fugir. Letitia não podia ter fugido. Ela não faria algo tão
estúpido quanto fugir com Marcus Wesley, certo?

As palavras do bilhete confirmaram seus temores.


Quase não podia respirar enquanto a lia.

Julian, quando ler isto, já terei partido. Oxalá pudesse te


dizer que sinto ter chegado a este extremo, mas não posso dizê-lo.
Jamais me arrependerei de me casar com o homem que amo.

Não tente nos seguir, é tarde demais.

Isso era o que ela pensava. Julian não ficaria de braços


cruzados e deixaria Letitia cometer o pior erro de sua vida.
Ele a encontraria. E começaria nesse instante, uma vez que
não tinha deixado nenhuma pista de para onde se dirigiam.
Gretna Green, sem dúvida, para se casar em uma capelinha
da Escócia.

Diga a Sophia que sinto muito. Tentei fazer o que me


aconselhou, mas não funcionou, e agora tenho que fazer as coisas a
minha maneira. Espero que vocês possam me perdoar.

Deixando o bilhete de lado, Julian olhou sua esposa,


que estava junto a ele, observando-lhe com expressão
inquieta, movendo as mãos de forma nervosa.

— Você sabia.

Disse em tom baixo e acusador, embora por dentro


estivesse rugindo.

Sophia não tentou negar.

— Sabia que ela o amava, sim — respondeu igualmente


em tom baixo. — Implorei para que lhe dissesse a verdade.

Julian sentiu arder os pulmões até chegar às costelas,


como se o peito fosse explodir com a força da emoção.

— Você é minha esposa. — Poderia conter sua ira, mas


não podia conter a dor. — Tinha a obrigação de me dizer o
que estava acontecendo.

Sophia estava pálida. Já não movia as mãos; tinha-as


cruzadas à altura dos quadris.

— Dei minha palavra a Letitia de que não diria.


Julian sentia uma pressão enorme no peito. Ou talvez
fosse seu coração.

— Fez um juramento diante de Deus. — disparou.

Acaso seu casamento não significava nada? Sophia


mentiu para ele, mesmo depois de tudo o que haviam dito e
tinham prometido um ao outro. Quantas mentiras mais teria
contado?

Ao menos tinha a cortesia de parecer envergonhada.

— Eu prometi a Letitia antes de nos casar.

Então ela soubera desde o começo. Sophia tinha vindo a


Londres sabendo o que estava acontecendo com sua irmã.
Tinha prometido confiar nele, sabendo que não o faria.

Julian nunca sentira tanta dor na vida. Nem a morte de


Miranda ou a morte de seus pais tinha deixado dentro dele
um vazio tão grande. Daria o que fosse para voltar a se sentir
completo de novo. Qualquer coisa seria melhor que a dor que
tinha no peito. Sentia a pontada da traição em suas
entranhas.

O tempo todo Sophia zombara de seus sentimentos e o


tratara como um tolo. Ele só quisera o melhor para Letitia e
agora a tinha perdido por causa da mentira de Sophia.

Não! Precisava ser justo. Se tinha perdido Letitia, era


por sua própria loucura. Tinha subestimado a irmã, agira
como um idiota, e a sua esposa... Por Deus! Ele deveria ter
visto os sinais. Se não estivesse tão ansioso em assegurar o
futuro de Letitia, teria se dado conta de que esta já tinha um
em mente.

Julian.

A voz de Sophia o trouxe à realidade. Olhava-o com uma


expressão suplicante e com a mão tentou alcançá-lo. Julian a
fitou. Sabia o que era, mas não estava certo do que Sophia
esperava que fizesse com ela. Entretanto, não queria seu
toque. Se a tocasse poderia perdoá-la para que parte da sua
dor cessasse.

— Sinto muito.

Julian riu. Parecia que estava se afogando.

— É um pouco tarde para isso, não lhe parece?

— Se não foi tarde para nos perdoarmos após tantos


anos de rancor, não é tarde para me perdoar por estar
descontrolado.

— Descontrolado?

A descrença alterou seu tom e o fez franzir o cenho.

— Minha irmã fugiu e você diz que estou


"descontrolado".

A súplica abandonou sua expressão e Julian agradeceu.


Era muito difícil permanecer zangado com ela quando parecia
tão arrependida.

— Letitia fugiu por sua culpa.

Se as palavras fossem punhaladas, teriam chegado ao


osso.
— Ah, e sua também — continuou com um tom menos
duro. — Vocês dois já tinham problemas muito antes que eu
voltasse a fazer parte de sua vida.

Ela tinha razão, mas isso não dissipava a dor. A


discussão nada tinha a ver com a relação dos irmãos, e
Julian sabia. Os dois sabiam.

Julian a olhou fixamente. O que viu não foi somente


uma bela mulher. Ela tinha um espírito forte, teimosa e tinha
resistido a um homem que durante anos não tinha apreciado
seu verdadeiro valor. O próprio Julian a tinha depreciado,
pois do contrário não a teria ignorado todos esses anos.
Quem sabe, não dizer a verdade sobre Letitia fosse uma
pequena vingança de sua parte.

E por que não? Ele tinha destruído sua reputação e lhe


dado as costas. As poucas vezes que a vira em público depois
disso, simplesmente a ignorava e sorrira enquanto os outros
sussurravam descaradamente quando ela se afastava,
embora Julian não tivesse sentido alegria ao sorrir.

E ela fingira que não se importava. Por mais que ele a


observasse de longe, ela nunca se voltou para ele. Tinha-o
tratado como algo irrelevante, embora ele ansiasse por algum
indício de que se importava.

Depois de ter recebido o maldito livro ele se julgara um


tolo idiota, mas depois de tê-lo lido sabia o quanto a tinha
ferido. Como tinha sido insensato em pensar que extirparia
sua culpa tão facilmente? Sério! Pensou que se casando com
ela e lhe oferecendo o coração que não se incomodou em lhe
dar há sete anos atrás poderia compensá-la de tudo?

Sim! Pensou que a compensaria por querer acreditar


que sua atitude compensaria a dor, a tristeza e a solidão.

Se soubesse o quão arrasadora sua vingança foi... Talvez


fosse sincero e a deixasse em paz.

Por um instante, Julian pensou ter visto


arrependimento em seus olhos escuros.

— Eu amo você. — sussurrou confessando o que só


agora sabia ser verdade.

Só que era muito tarde.

Sophia observou Julian e inspirou fundo enquanto sua


mente aturdida tentava dar sentido a suas palavras.

Amava-a? Era surpreendente acreditar enquanto


pensava que acabara com qualquer possibilidade de ouvi-lo
pronunciar tais palavras. Antes que ela pudesse dizer que o
amava também, Julian prosseguiu.

— Ou melhor dizendo, amava quem desejava que fosse.


Foi um erro e sinto muito.

Era como se alguém lhe tivesse arrancado o coração.


Não poderia tê-la ferido mais.

— Não menti para você, Julian. — declarou. — Não lhe


contei a relação de Letitia com o Senhor Wesley, mas fui
sincera em nossa relação.

Julian olhava para ela como se quisesse acreditar e isso


doeu ainda mais do que quando lhe disse que a amava.
— Sua vingança acabou, Sophia. Já não precisa fingir
mais.

Vingança? Fingir? Julian pensava que tinha guardado o


segredo de Letitia para se vingar dele?

— Não existe nenhuma vingança, Julian. Fiz uma


promessa a sua irmã, isso é tudo. Tentei fazê-lo ver o que
acontecia, mas não me deu atenção. Não quis me ouvir.

— Não — murmurou olhando-a com os olhos cor de mel.


— Não vi nada, pois não pensei que tivesse algo a procurar.
Não em você.

Deus! Ele sabia o que dizer para feri-la. Sabia


exatamente como fazer a mulher mais forte que conhecia se
dobrar de dor, e se desprezou por isso, diferente de Edmund
e suas manipulações, Julian só queria que ela visse quanto o
tinha ferido.

— Eu amo você. — soltou Sophia.

Ela sabia que era tolice dizer isso para ele, mas foi a
única coisa que pensou em dizer.

O rosto de Julian se fechou.

— Não, não me ama — respondeu-lhe. — Tem que


confiar em alguém para amar. Você não confia em mim.

Sua acusação avivou o fogo que Sophia sentia em seu


interior.

— Mas você acredita que tentei me vingar. Está claro


que tampouco confia em mim, Julian. Talvez sequer tenha
me amado um dia.
A boca de Julian esboçou uma careta amarga.

— Sim eu a amava. Sua traição não teria doído tanto se


não a amasse.

Traição! A crueldade das palavras não era tão cortante.

— Eu não o traí.

— Omitiu a verdade de propósito.

Sophia notou que Julian tentava se controlar, mas ela


queria levá-lo ao limite de seu gênio volátil. Talvez se o fizesse
gritar, colocar para fora sua fúria ainda tivessem alguma
esperança.

— Sim — respondeu com calma.

Julian estava atordoado com sua confissão. Sophia


podia ver isso em seus olhos.

— Escondi a verdade, porque você não teria aceito.


Embora a verdade estivesse a sua frente. Quantas vezes lhe
expus meu receio de que Letitia fizesse alguma tolice? Cada
vez que abordava o assunto, você me ignorava, pois em sua
arrogância pensava mais no que lhe convinha, não na
felicidade de Letitia.

Julian trincou os dentes, mas não disse nada.

Sophia continuou, cada vez mais irada.

— Está tão acostumado a decidir o que todos devem


fazer que nunca pensou na possibilidade de Letitia querer
controlar a própria vida. Está fazendo com ela exatamente o
que julgou terem feito com você um dia. Mas Letitia não
fugiu, Julian. Ela não é mais uma menina. É uma mulher
que está amando e lutando por esse amor. E escolheu a
única forma que conhece para lhe provar isso.

Acaso ele estaria ouvindo? Ou entendendo? Sua


expressão não revelava nada. Só a cor em sua face podia
indicar que estava perdendo a calma.

— Sim. — disse com frieza. — Obrigado por me


esclarecer as coisas. Agora se me perdoa, tenho que
encontrar minha irmã.

Sophia suspirou. Ele a tinha ouvido e, como sempre,


ignorava o que não queria ouvir.

Sophia tentou detê-lo quando passou ao lado dela.

— Por favor, Julian. Precisamos conversar.

Nem sequer a olhou.

— Tenho coisas mais importantes a fazer do que ouvi-la


dizer que estou errado, como sempre errei, conforme parece.
Mas não deixarei minha irmã cometer um grande erro.

— Você não tem esse direito! — gritou-lhe Sophia. —


Não quero cometer outro erro!

Não, o casamento de Letitia não era um erro, mas


Sophia sabia que se deixasse Julian cruzar a porta sem
esclarecer as coisas, seria o maior erro de todos.

— Julian.

Sophia odiou o tom de súplica em sua voz.

— Não me deixe assim.


Na porta, Julian finalmente se virou para olhá-la.
Observou-a como se fosse uma desconhecida, não como a
mulher cujo coração estava em suas mãos, não como se a
amasse.

— Minha cara Sophia, não creio que tenhamos nada em


comum, assim posso partir quando quiser.

As palavras de Julian soaram na cabeça de Sophia


muito depois de ter partido, enquanto estava sozinha no
gabinete. Ficou ali, em silêncio, contemplando a porta,
esperando que Julian voltasse para conversarem. Soavam
ainda vinte minutos depois, quando, convencida de que não
voltaria, decidiu que tinha de fazer alguma coisa. E a
perseguiam, uma hora mais tarde, enquanto sentada no
salão de Lady Wickford, tentando engolir um pedaço de bolo
que cheirava divinamente e que tinha entalado na garganta,
sem ao menos sentir o sabor.

— Então a menina finalmente fugiu — disse Lady


Wickford, fazendo um estalo com a língua e movendo sua
cabeça grisalha de modo resignado. — Devo dizer que não me
surpreende. Todos os Rexley que conheci se deixavam
conduzir mais por impulsos do que pela razão.

Sophia esboçou um sorriso.

— Tem razão. Letitia não teria dado alguma pista de


para onde iriam?

— Não, em minha opinião, só podem ter ido a um lugar


— comentou a senhora, servindo-se de uma colher generosa
de açúcar no chá, concluiu. — Letitia sempre achou
encantadoras as histórias de casamentos em Gretna Green.
Achava romântico um jovem casal fugir da família para se
casar em alguma hospedaria suja na Escócia.

— Acha que o Senhor Wesley se casará realmente com


Letitia? — perguntou Sophia, segurando outro pedaço de
bolo embora seu estômago revirasse. Quem sabe se comesse
muito acabaria por encher o vazio em seu íntimo.

Lady Wickford pareceu se surpreender diante da


pergunta.

— Ah, não se preocupe com isso, minha querida. A


história não se repetira. Wesley não é um canalha. Conheço
bem a família, é um bom rapaz.

Sophia observou a senhora com ar pensativo. Era sua


própria experiência com a perdição que a fazia se preocupar
com Letitia, ou era que ninguém mais queria pensar nas
consequências se o Senhor Wesley fosse menos perfeito do
que todos esperavam?

— Mas mesmo sendo um bom rapaz, será um escândalo


quando souberem que Letitia fugiu com ele — acrescentou
Lady Wickford como se fosse um pensamento tardio. —
Espero que se casem e voltem logo, antes que as fofocas
possam manchar a reputação dos dois.

— Sim — assentiu Sophia em voz baixa.

Sabia em primeira mão o que era ser o centro das


fofocas e sussurros. Sophia não gostaria que acontecesse o
mesmo a Letitia, embora a jovem tivesse de fugir para se
casar.
— Suponho que Wolfram tampouco está muito contente
com a notícia, não é?

Levando o pedaço de bolo a boca, Sophia se obrigou a


mastigar e engolir antes de responder. Estava sendo uma
situação tão difícil de suportar, o que aumentou ainda mais
ao ouvir o nome dele.

— Nada satisfeito, devo dizer.

O olhar da senhora era agudo e perspicaz, como o de


um falcão.

— E como ele reagiu quando soube de sua implicação


na história?

Sophia serviu-se de mais chá na xícara. Como Lady


Wickford sabia que estava implicada no caso? Era a primeira
vez que mencionava o segredo de Letitia.

A senhora sorriu diante de sua expressão surpresa.

— Querida, ninguém demonstra tanto arrependimento,


culpa e desconforto sem motivo algum.

Por um instante, Sophia contemplou a possibilidade de


se lançar nos braços de Lady Wickford e lhe confessar tudo.
Queria sentir os braços de alguém confortando-a, que alguém
lhe desse um tapinha na cabeça e lhe dissesse que tudo
acabaria bem, mas nunca tivera uma pessoa que o fizesse
antes e não pediria isso agora.

— É compreensível que se zangue — respondeu


finalmente, com cuidado.
Lady Wickford sorriu. Era um sorriso mais compassivo e
ardiloso do que Sophia desejaria ver.

— E por que está aqui comigo devorando bolos, quando


deveria estar em casa tentando explicar a seu marido por que
agiu desse modo?

Deixando a xícara e o pires na bandeja da mesa que


estava diante dela, Sophia hesitou um momento antes de
responder. Não estava acostumada a falar de seus problemas
e não estava muito certa de saber quando deveria parar.

— Não quis me entender — disse simplesmente. — Foi


atrás da irmã.

De novo, sentiu o peso do olhar de Lady Wickford.

— E pela segunda vez na vida, Julian Rexley a deixou


plantada e você o permitiu.

Graças a Deus tinha deixado a xícara de lado, porque do


contrário a teria deixado cair.

— Permitir? Eu não tive escolha.

Lady Wickford arqueou a sobrancelha grisalha e


enrugou a frente.

— Acaso tinha os pés pregados no chão e não podia


segui-lo?

Sophia franziu o cenho.

— O que conseguiria se o seguisse?

A senhora acabou de beber o chá.


— É difícil deixar que alguém se vá se não o permitir.
Por que permitiu? Não é por ser uma mulher fraca. Sei como
lutava contra Aberley, aquele porco. Não lhe deu nenhuma
oportunidade. Por que deixa as pessoas que lhe são mais
próximas maltratem o seu coração?

— Não sei — respondeu Sophia com veemência.

— Querida, você acha mais fácil decepcionar às pessoas


que ama do que tentar estar à altura de suas expectativas —
a boa senhora disparou altiva. — Está tão convencida de que
vai decepcionar que nem tenta lutar.

— Isso é ridículo!

Sophia não queria saber quem fora Lady Wickford ou o


quanto fora boa amiga no passado, não ficaria ali sentada
ouvindo alguém dizer que tipo de pessoa ela era!

Abriu a boca para dizer à senhora exatamente isso, mas


esta a cortou.

— Ou será que ninguém nunca esteve à altura de suas


expectativas e sempre deixa que os outros a decepcionem?

Tudo o que Sophia tinha pensado em lhe dizer não saiu


de sua boca. Seria isso? Estaria tão acostumada a se
decepcionar com as pessoas que não esperava outra coisa
dela mesma? Sem dúvida, aliviava a dor quando isso
acontecia.

Na verdade, por mais que tenha desejado, nunca


esperou que as coisas entre Julian e ela funcionassem bem.
Agora via claramente. Talvez por isso concordasse manter o
relacionamento de Letitia em segredo. Não por lealdade a sua
amiga, e sim para ter alguém a quem culpar quando
finalmente Julian lhe desse as costas. Novamente.

— Creio que agora tem um compromisso inadiável,


minha querida — disse Lady Wickford.

Não havia rancor nem decepção em sua voz, só


paciência e gentileza.

— Pense em minhas palavras e decida o que realmente


quer de sua vida e de seu casamento. Vai se sentir muito
melhor quando perceber o que precisa realmente fazer.

Sophia assentiu como uma boba e se levantou com Lady


Wickford. Sua amiga a segurou pelo braço e a acompanhou
pessoalmente ao vestíbulo, onde o mordomo foi procurar sua
capa.

Lady Wickford lhe deu um forte abraço e lhe beijou o


rosto.

— Depois me diga como foi tudo — murmurou antes de


praticamente empurrá-la para a porta. Fora, Sophia ficou no
degrau durante o que pareceu uma eternidade, ouvindo como
gorjeavam os pássaros e sentindo o sol na face. Sua vida
acabava de mudar drasticamente, embora não soubesse com
precisão o que exatamente Lady Wickford havia dito para
conseguir esse resultado.

Julian lhe dissera que Sophia nunca fora realmente dele


e que podia partir quando quisesse, agora o entendia. Sophia
não se entregou totalmente a Julian e ele sabia. Sophia
temera decepcioná-lo, e tivera receio de que a decepcionasse
novamente. Tivera tanto medo que não se permitiu confiar
nele completamente, nem lhe tinha dado razão alguma para
que ele confiasse nela.

Já em Wolfram House, Fielding a informou que Julian


ainda não voltara. Sophia desanimou-se, mas logo decidiu
que esperaria Julian em seu gabinete até que voltasse. Talvez
mandasse uma mensagem a Lilith para lhe pedir ajuda. No
dia que encontraram Charles na loja, Lilith lhe dissera que
conhecia um homem que investigaria discretamente os
assuntos particulares de Charles se Sophia assim quisesse.
Quem sabe este homem pudesse descobrir o paradeiro de
Letitia e do Senhor Wesley.

Com toda certeza, Julian já teria pensado nisso, devido


a sua relação com Gabriel, mas valia a pena tentar.

Sentada na escrivaninha de Julian, Sophia escreveu a


mensagem e ordenou a um lacaio que a entregasse. Então
esperou. Pediu a Senhora Yorke lhe preparasse uma bandeja,
já que jantaria sozinha, preferia comer ali mesmo em vez da
grande mesa do salão. Ainda esperava quando Fielding
entrou e lhe perguntou se queria algo mais antes que os
criados se retirassem. Respondeu-lhe que não.

Mesmo enquanto cochilava na poltrona em frente ao


fogo, Sophia esperava que Julian voltasse para ela.

Mas isso não aconteceu.


Julian saíra da casa de Lorde Penderthal na mesma
tarde sem obter mais informações sobre o paradeiro de Letitia
e Marcus Wesley do que quando se inteirou da fuga.

Penderthal estava tão surpreso quanto Julian ao saber


da situação. Seu sobrinho tinha mandado uma mensagem
dizendo que o tinham chamado para fazer um trabalho fora
da cidade e que voltaria em poucos dias. Pela cabeça do
Conde não tinha passado que seu herdeiro estivesse
mentindo.

Mas prometeu a Julian que o informaria assim que


soubesse de algo mais.

Foi ao clube que Wesley frequentava e fez algumas


perguntas discretas. Ninguém parecia saber nada. Então foi à
casa de Sir William Lewis para interrogar sua filha. A
senhorita Lewis tinha ajudado Letitia em outras ocasiões, e
pensou que talvez a garota estivesse ajudando-a novamente,
ajudando ou não, desta vez não houve nada que pudesse
convencê-la a lhe dizer o que sabia. Entretanto, prometeu
manter o segredo da fuga de Letitia. Julian sabia que logo a
fuga se espalharia.

Quando não pensou em nada mais que pudesse fazer,


começava a escurecer. Sua próxima e última parada antes de
voltar seria a casa de Gabriel. Sabia que Lilith tinha contatos
de natureza duvidosa, pois era proprietária de um clube de
jogos. Lilith era sua última esperança de encontrar Letitia
antes que estivessem muito distantes de Londres. Mesmo
com uma carruagem veloz, teriam que parar para trocar os
cavalos e provavelmente passariam a noite em alguma
estalagem. Apesar desses obstáculos, logo estariam longe
demais para que Julian pudesse apanhá-los a tempo de
impedir o casamento.

Tentou com todas as forças não pensar em Sophia


enquanto esteve fora de casa. Estava triste e irritado, e queria
que Sophia fizesse algo a respeito, embora não tivesse ideia
do que poderia fazer.

Havia mentido. E logo teve o desplante de dizer que o


amava. Acaso devia acreditar agora? Julian tentara, durante
dias, fazer Sophia lhe dizer que o amava e ela nada disse.
Pareceu-lhe muito oportuno que o dissesse quando estava tão
irritado com ela.

Apesar disso, gostara de ouvir as palavras, fosse verdade


ou não. Uma parte dele esperava que não fosse verdade, pois
sua traição seria ―a traição‖ mais dolorosa. Seria mais do que
lhe esconder algo, embora não pudesse expressar exatamente
o que era. Sentia uma decepção profunda.

Na mansão Angelwood, Julian ouviu gargalhadas do


grande vestíbulo com piso de mármore, onde se dirigiu
procurando pelos muitos salões da casa. Seus dois amigos e
suas esposas estavam no centro do salão principal, bebendo
e rindo como se nada os preocupasse no mundo.

Que sorte a sua!

— Jules! — gritou Gabriel quando o viu entrar no salão.


— Já nos perguntávamos se viriam.

Julian o olhou fixamente.


— Aonde? — perguntou como um bobo. — Acaso
estavam nos esperando?

Gabriel se aproximou dele e lhe deu uma palmada nas


costas.

— Lilith mandou o convite há algumas horas. Sabemos


que não a enviamos com muita antecipação, mas imaginamos
que não se importariam. Onde está Sophia?

— Está em casa — respondeu enquanto Gabriel olhava


por cima de seu ombro para a porta. — Ou ao menos,
acredito que está em casa... Bem, não recebi nenhum convite.
Não estive em casa a tarde toda.

O sorriso de Gabriel sumiu quando o olhou fixamente


nos olhos. Certamente se deu conta de que algo não ia bem.

— O que aconteceu? — perguntou a Julian.

Julian olhou os outros, que ainda estavam rindo e


falando, sem se dar conta de que sua vida estava
desmoronando.

— Preciso de sua ajuda. Letitia fugiu.

Não pensou que tivesse dito em voz muito alta, mas a


conversa subitamente cessou. Brave, Rachel e Lilith se
voltaram para observá-lo refletindo surpresa e pavor em seus
rostos.

— Fugiu? — perguntou Rachel — Como assim ―fugiu‖?

Depois de sentar-se na cadeira mais próxima, Julian


explicou tudo. Inclusive contou sobre a carta de Letitia e a
implicação de Sophia na trama toda. Não deixou nem um
detalhe de fora, exceto o quanto se sentia ferido por dentro.

Quando acabou, todos pareciam surpresos para falar, à


exceção de Lilith.

— Então foi por isso Sophia me mandou aquela


mensagem.

Ouvir seu nome nos lábios de outra pessoa bastava para


torcer seu coração.

— Que mensagem? E quando a mandou?

Ao franzir o cenho, Lilith enrugou a pele macia de sua


fronte.

— Recebi uma carta de Sophia no começo da tarde.


Pediu-me para lhe mandar alguém que pudesse encontrar
uma pessoa que não desejava ser encontrada. Bem... Pensei
em chamar um conhecido meu, diga-se de passagem, muito
eficiente nesse tipo de assunto, amanhã de manhã. Se
soubesse que era tão urgente, não teria esperado.

Olhou Julian com intensidade.

— Suponho que veio pessoalmente pedir o mesmo, não?

Julian assentiu.

— Sim. Tenho que descobrir se Letitia e Wesley estão a


caminho de Gretna Green. Seria o mais lógico, mas Wesley
não é estúpido. Talvez tenha em mente outro destino que seja
mais difícil de descobrir.

Lilith se levantou fazendo frufru com a saia de cetim


avermelhada.
— Vou chamar o Senhor Francis imediatamente. Se
alguém pode encontrá-los, esse alguém é ele.

Agradecendo, Julian a observou se dirigir ao pequeno


escritório na esquina da casa. Ali, escreveu um bilhete
apressado e o deu a Robinson, o mordomo truculento de
Gabriel.

— Não se preocupe, Julian — disse com uma voz muito


mais tranquilizadora que seu habitual tom cortante. — O
Senhor Francis é o melhor. Não demorará a responder meu
chamado.

E Lilith tinha razão. Apenas uma hora mais tarde, que


Julian tentou se comportar normalmente, Robinson anunciou
a chegada do Senhor Francis. Tratava-se de um homem de
meia estatura e forte. Tinha a cabeça mais prateada que
Julian já vira. Também possuía, segundo Lilith havia dito,
uma habilidade incomum de descobrir coisas.

Julian foi diretamente ao ponto e lhe explicou a


situação. Deu ao Senhor Francis as descrições de Letitia e
Marcus Wesley, as roupas que usavam, a carruagem de
Wesley e tudo o que lhe ocorreu poder ser útil.

— Todos deixam pistas, Lorde Wolfram — o Senhor


Francis informou com segurança. — Sua irmã e o Senhor
Wesley não serão exceção.

Julian lhe agradeceu por cuidar do assunto com


prioridade absoluta e também por lhe prometer discrição.
Ninguém precisava dizer o que aconteceria à reputação de
Letitia se soubessem da fuga.
E jamais a casaria com o primeiro cretino que se
oferecesse, como tinha feito o pai de Sophia com ela.

Sophia. O que faria com Sophia? Mas estava tão


cansado que não queria pensar em mais nada.

Ficou para jantar com seus amigos. Comeu muito pouco


e bebeu muito. Quando quis partir, já muito tarde da noite,
estava tão bêbado que enxergava tudo em dobro.

Os criados estavam todos na cama quando chegou em


casa. Foi cambaleando pelo corredor até chegar a seu
gabinete. Não sabia por que se dirigia ali tão tarde de noite,
mas tinha o estranho desejo de ver se Sophia o esperava lá.

Sim estava. Encontrou-a na poltrona diante do fogo que


se extinguia, com uma manta sobre os ombros e a boca semi
aberta pelo torpor. Podia acordá-la, mas então teria que falar
com ela, e embora soubesse o que lhe dizer, não seria capaz
de fazê-lo com sentido. Não no estado em que se encontrava.

Assim, deixou-a ali, diante do fogo, e caminhou


lentamente escada acima, entrando na escuridão de seu
quarto, onde o esperava sua grande cama vazia.

A última coisa em que Julian pensou antes de se perder


em sonhos foi em Sophia, adormecida na poltrona de seu
gabinete. Ela o tinha esperado como desejara que o fizesse.
Saber disso deveria alegrá-lo, mas não alegrou.
Capítulo 18
A caça é muito mais interessante quando se está certo de

que a presa quer ser apanhada.

A união desafortunada, da Marquesa de Aberley.

Julian se sentia mal.

A luz dourada da manhã de primavera entrava pelas


janelas do seu quarto. Na noite anterior estivera tão bêbado
que se esqueceu de fechar as cortinas e nesse momento
pagava por isso.

Ficando de barriga para cima, obrigou-se a manter os


olhos abertos, apesar da aguda dor de cabeça. Merecia
qualquer desconforto que sentisse esta manhã. Sabia que
isso aconteceria já que na noite anterior, bebeu um copo
atrás do outro do forte brandy de Gabriel. Tinha procurado o
estupor provocado pelo álcool, a dor de cabeça terrível e a
agitação no estômago serviram para não pensar em Sophia.
De fato, o impediam de pensar em qualquer coisa.
Mas mesmo assim, a dor de cabeça não era nada
comparada a dor que sentia por dentro. Daria qualquer coisa
para mudar a situação, qualquer coisa, menos Sophia.

Amava-a. Essa era a realidade crua. Sete anos atrás,


quando podia ter tido seu amor, Julian lhe dera as costas.
Agora que ele queria seu amor com todas as forças, era
Sophia quem lhe dava as costas.

Resmungando, sentou-se. A dor nos olhos era quase


insuportável. Seu estômago protestou quando se levantou
lentamente. Nem sequer tinha tirado as botas na noite
anterior. Tirou-as agora. Seus pés suavam nas meias. Estava
asqueroso. Cheirava mal. Sentia-se sujo. Precisava com
urgência de um banho, fazer a barba e uma boa xícara de
café forte.

Vinte minutos mais tarde, estava dentro da banheira de


água quente com fragrância de limão. O aroma forte de
limpeza pareceu ajudá-lo a limpar os sentidos. Só por estar
limpo já se sentia muito melhor.

Recostou-se na banheira, recém-barbeado e bebendo


uma xícara de café tão forte que poderia lustrar as botas com
o líquido. Sim, agora estava muito melhor. Agora poderia
enfrentar o dia que tinha pela frente. Podia enfrentar
qualquer coisa. Inclusive sua esposa.

Queria perdoá-la. O coração e a cabeça lhe diziam que


seria o mais certo, mas seu orgulho não estava tão
convencido.
Mais tarde, Julian saiu de seus aposentos sentindo-se
muito melhor por ter se banhado e vestir roupas limpas.
Usava um casaco verde escuro. Seu valete tinha jurado que
lhe ficava muito bem, que dissimulava suas olheiras. Julian
não se importava com as olheiras.

Sophia não estava na saleta do café da manhã quando


ele entrou e se obrigou a comer algo.

— Lady Wolfram ainda não desceu, meu Senhor —


informou-lhe Fielding enquanto servia o café de Julian. —
Quer que mande alguém ver se está bem?

Julian negou com a cabeça.

— Deixe que descanse.

Não queria que o visse dessa maneira.

Depois de tomar o café da manhã, foi ao seu gabinete.


Apesar de tudo o que tinha a fazer, limitou-se a contemplar a
poltrona onde ela tinha dormido.

Era ridículo. Tinha que parar de se fantasiar com ela,


como se fosse um adolescente perdidamente apaixonado.
Certamente ela não sentia o mesmo.

Acabava de se sentar atrás de sua escrivaninha quando


uma batida seca a porta o obrigou a fazer uma careta de dor.
Já não tinha tanta dor de cabeça, mas ainda se sentia como
se Jackson em pessoa o tivesse nocauteado.

— Senhor, um Senhor chamado Francis gostaria de vê-


lo — informou-o Fielding.
Julian sentiu em seu coração uma esperança. Acaso
Francis teria conseguido notícias sobre a irmã?

— Por favor, faça-o entrar, Fielding.

Um instante mais tarde, Francis entrou no gabinete com


o aspecto de um comerciante próspero, nada semelhante a
um homem que ganhava a vida bisbilhotando os assuntos
dos outros. Para Julian não importava como se parecia (podia
até se vestir de senhora, se quisesse) contanto que tenha
descoberto onde diabos estava Letitia.

— Senhor Francis — disse Julian se levantando.

Estendeu-lhe a mão.

— Espero que tenha alguma notícia.

— Lorde Wolfram. — disse o homem corpulento


enquanto lhe apertava a mão. — Sim, trago notícias.

Indicando-lhe uma cadeira que havia diante da mesa,


Julian voltou a sentar e esperou que o senhor Francis
entrasse no assunto.

Não precisou esperar muito.

— Sem dúvida, parece que sua irmã e seu companheiro


de viagem estão a caminho de Gretna Green, Lorde Wolfram.

Julian não se surpreendeu com a informação, mas sim


com a rapidez da descoberta de Francis. Letitia e Wesley não
podiam ter chegado à Escócia.

Como se tivesse ouvido a pergunta não exposta, o


senhor Francis prosseguiu.
— Encontrei seu rastro em uma hospedaria ao norte de
Bedford ontem à noite. Um de seus cavalos tinha perdido
uma ferradura e se viram obrigados a parar. Conforme
parece, estão viajando como irmãos, e pedem quartos
separados.

Julian se tranquilizou muito com esse detalhe.

— Às seis da manhã, ainda não tinham saído da


hospedaria — informou-lhe o investigador. — Pode alcançá-
los esta noite mesmo, ou amanhã pela manhã, se sair à
cavalo agora.

Julian o faria. Assim que o Senhor Francis se foi,


escreveu uma breve mensagem a Gabriel e outra a Brave,
pedindo-lhes que fossem vê-lo imediatamente. As entregou a
um lacaio para que as entregasse e correndo escadas acima
foi preparar uma pequena bolsa que usaria na viagem. Uma
camisa limpa e roupas íntimas eram tudo o que precisava.

Antes que acabasse o dia, impediria sua irmã de


cometer o maior erro de sua vida. Só esperava que o
perdoasse.

— O que podemos fazer para ajudá-lo?

Isso foi a primeira coisa que Brave disse quando Julian


lhes contou, o que o senhor Francis tinha descoberto sobre
Letitia e Wesley. Gabriel queria saber os detalhes, mas Brave
só queria saber o que devia fazer. Possivelmente fosse porque
se considerava responsável pela morte de Miranda.

— Gostaria que se assegurassem de que ninguém


estranhe minha saída repentina da cidade — disse-lhes
enquanto colocava alguns papéis nas gavetas da escrivaninha
e os trancava XOM chave.

— Não será muito difícil — respondeu Gabriel. —


Diremos que foi ao norte para tratar de um assunto urgente
relacionado aos seus imóveis em Yorkshire.

Yorkshire. Julian ficou gelado. E se Letitia e Wesley não


tivessem ido a Gretna Green como o Senhor Francis
suspeitava? Às vezes até podia questionar a inteligência de
Letitia, mas sua irmã não era estúpida. Tinha que admitir,
ela se preparara. Sabia que Julian os perseguiria. Conhecia-o
muito bem para pensar o contrário. E também sabia que
Gretna Green seria sua primeira hipótese.

Mas, e se não estivessem se dirigindo a Escócia?

Tudo fazia sentido. Letitia tinha saído de casa com


Wesley pouco depois de falar com ele. Como conseguira fazer
as malas tão rápido? E mais, como se decidiram a fugir,
escrever uma carta desaforada e pegar alguns pertences de
Letitia e de Wesley também antes da fugirem? Esse tipo de
coisa não se faz às pressas, e Fielding havia dito que
pareciam tranquilos quando partiram, que não pareciam
absolutamente nervosos ou apressados.

Diabos! Tinham planejado tudo. Essa era a única


explicação. A única coisa que Letitia tinha a fazer Letitia era
subir aos seus aposentos, pegar sua mala já preparada, tirar
a carta que já tinha escrito, provavelmente na noite anterior,
descer as escadas e encontrar-se com Wesley, cujos pertences
já estariam na carruagem que os esperava lá fora.

Certamente teriam uma licença especial para se


casarem.

— Maldição — murmurou Julian.

Gabriel entrecerrou os olhos.

— O que houve?

Julian olhou Gabriel e logo a Brave.

— Não se dirigem a Gretna.

Os olhos escuros de Brave se iluminaram ao entender


seus pensamentos.

— Acha que estão a caminho de Heatherington.

Julian assentiu. Heatherington Park era uma de suas


mansões em Yorkshire, o lugar em que Miranda havia se
suicidado. Letitia não colocara o pé ali há muitos anos. Seria
o último lugar no mundo em que Julian poderia pensar em
procurar Letitia, e ela sabia disso.

Dirigiu-se a estante e escondeu a chave de sua


escrivaninha debaixo de um volume de Rochester. Só ele o
lia.

— Também quero lhes pedir que cuidem da Sophia


enquanto estiver fora.
As expressões de Gabriel e Brave se suavizaram e a
incerteza apertou o coração de Julian. Não queria a
compaixão dos amigos, e sem dúvida não queria que eles
questionassem suas ações.

— Ao menos conversou com ela? — perguntou-lhe


Brave.

Julian negou com a cabeça.

— Não. Farei isso quando voltar.

Gabriel cruzou os braços sobre o peito.

— Melhor fazê-lo antes de partir.

— Não tenho tempo — respondeu bruscamente. —


Preciso encontrar Letitia. Ela é tudo o que tenho.

Gabriel corrigiu.

— Também tem Sophia.

Isso foi uma indireta bem lançada, uma indireta que


Julian sentiu em algum lugar entre as costelas, perto do
coração.

— Sim — suspirou desgostoso. — Uma esposa que não


confia em mim. Isso é o que chamam ―as delicias do
casamento‖?

Brave encolheu os ombros.

— O meu casamento no começo também foi assim.


Sabem que eu tinha minhas próprias razões para me casar
com Rachel. Mas você ama Sophia. Sempre amou.

Julian não se incomodou em ocultar seus sentimentos.


— E do que me serve esse amor, se ela esconde coisas?

— Não sei — respondeu Gabriel com um sorriso


presunçoso. — Lilith e eu a princípio tínhamos nossos
segredos e nos amávamos. E, no entanto isso serviu para nos
unir ainda mais.

Olhando os amigos, Julian os odiou por um momento,


mas não reconheceria a derrota.

— Preciso fazer isto. Cuidarão de minha esposa


enquanto estiver longe, sim ou não?

Gabriel e Brave trocaram olhares. Julian não entendeu o


significado. Obviamente era algum tipo de código secreto que
só homens casados e felizes podiam decifrar.

Tolos.

— Não tenho tempo de discutir isto com vocês —


anunciou zangado, agarrando de repente a mala que estava
no sofá. — Tenho que sair agora se quiser alcançá-los antes
que cheguem a Heatherington.

Estava na porta, com a mão na maçaneta, quando ouviu


a voz de Gabriel por trás.

— Sim. Cuidaremos de Sophia enquanto estiver longe.

Custou-lhe não expressar alívio. Olhando-os por cima


do ombro, Julian sorriu brevemente a seus amigos.

— Obrigado.

Consultou a hora enquanto caminhava pelo corredor.


Era tarde. Tinha que aproveitar o tempo ao máximo se
quisesse alcançá-los. Felizmente, conhecia atalhos para
chegar a cavalo em Yorkshire, contando que Wesley, ou seu
condutor não conhecessem muito bem o caminho também.

— Julian.

Os pés ficaram como pregados ao chão. Contra a


vontade, virou-se para olhá-la. Foi um erro.

Sophia estava nas escadas com um vestido de


musselina azul pálido. Geralmente, essa cor lhe ficava bem,
mas nessa manhã só acentuava a palidez de suas feições e as
olheiras no olhar austero de seus olhos grandes. Parecia
cansada e muito triste.

Julian nada falou. Não podia. Simplesmente a olhou


fixamente durante o que pareceu uma eternidade.
Finalmente, prosseguiu seu caminho, mas não antes de ver a
dor em seus olhos. Sophia pensava que a estava castigando.
O que não entendia, o que não podia saber de modo algum, é
que não era a ela que tentava castigar.

Julian estava castigando a si mesmo.

Não disse adeus.

De fato, nem sequer havia dito olá.

De onde estava na escadaria, Sophia podia ver o


vestíbulo e através das janelas que ladeavam a porta
principal. Pelos vitrais imaculados, observou Julian subir em
seu cavalo. Falar com alguém que estava a seu lado,
certamente Fielding, e logo olhar para cima.

Seus olhos se encontraram através dos vidros por um


instante, longo o suficientemente para que doesse, e logo
partir, com os cascos do cavalo batendo nas pedras enquanto
galopava pelo caminho de cascalho, inclinado sobre seu
pescoço.

Em poucos segundos, Julian tinha desaparecido e


Sophia estava sozinha, com o vazio da casa ressoando ao seu
redor.

Onde estava indo? Quando voltaria? Teria descoberto


onde Letitia e o Senhor Wesley estavam? Gretna Green era a
resposta mais óbvia, mas talvez Julian tivesse descoberto
algo mais, ou não.

Se não fosse pela missiva que recebeu de Lilith muito


tarde na noite anterior, nem sequer saberia que Julian
colocara alguém procurando sua irmã, embora certamente
teria imaginado. Julian não era o tipo de homem que deixaria
alguém fugir dele. Nem era o tipo de homem que saía fugindo,
exceto quando se tratava dela.

A mensagem de Lilith era breve e explicava que Julian


os procurara também pedindo ajuda, e então lhe dera o nome
de um homem que poderia ajudá-los. E lhe perguntou como
estava e lhe oferecia sua ajuda e amizade. Isso comovera
Sophia.

Também estava triste e desgostosa.

Julian precisava saber que também tinha pedido ajuda


a Lilith e não havia lhe dito nada. Certamente devia saber
que ela se sentia muito mal por tudo e ele tinha permanecido
em silêncio. Sophia odiava o silêncio. Tinha suportado anos
de silêncio estando casada com Edmund. Edmund
costumava passar dias e dias sem lhe dirigir a palavra,
ignorando-a até que ela humildemente se aproximava dele,
depois de ter pensado o que podia ter feito para desgostá-lo.
E na maioria das vezes não tinha feito nada. Edmund
simplesmente gostava de fazê-la pensar que fizera algo errado
porque então estaria muito receptiva quando ele se decidia
lhe dar atenção de novo. Bem, já não era a mocinha estúpida,
e Julian, com todos os seus defeitos, era um homem muito
melhor que Edmund. Seu marido estava zangado com ela,
podia entender, mas se estava pensando que ela aceitaria ser
ignorada novamente, teria uma surpresa bem desagradável.

Mantendo a cabeça alta, embora não houvesse ninguém


a observar sua valentia, cruzou a entrada para se dirigir ao
salão onde ela e Julian sempre tomavam o café da manhã.
Uma torrada, ligeiramente amanteigada, era tudo o que seu
estômago podia suportar, e a mordiscou enquanto
abandonava o salão, com uma xícara de chá na outra mão.
Se Julian tinha deixado algum indicio de para onde se dirigia,
ou se tinha descoberto o paradeiro Letitia, certamente estaria
em seu gabinete. Se não encontrava nada, teria que recorrer
a interrogar os criados, embora preferisse que não corresse
falatórios de como andava seu casamento. Quem sabe Julian
estivesse a caminho para encontrar Letitia esta manhã.
Levara bagagem? Sophia não conseguia lembrar. Seu olhar
não tinha ido além do rosto e do sentimento de traição que
expressavam nos olhos dele.

A porta do gabinete estava aberta. Era estranho.


Geralmente Julian a mantinha fechada, a não ser que
permitisse uma limpeza ocasional. Esse era seu pequeno
refúgio, seu santuário. Não gostaria que ela bisbilhotasse as
coisas ali.

Uma coisa mais a acrescentar em sua lista de pecados,


pensou com ironia. Ele a perdoaria por isso também, se acaso
voltasse a lhe dirigir a palavra.

Gabriel e Brave estavam no meio do gabinete tendo o


que parecia ser uma conversa muito séria, dada à gravidade
das expressões e a os sussurros.

— Cavalheiros — disse Sophia em voz alta da porta. —


Por que não estou surpresa por vê-los aqui logo pela manhã?

Saltaram como se fossem garotos a quem tivesse pego


fazendo alguma travessura e os dois a olharam com a mesma
expressão de desgosto.

— Sophia.

Gabriel foi quem pôde falar primeiro.

— Bom dia — disse-lhe inclinando-se.

Brave fez o mesmo.

— Poderiam dar-me uma razão para que seja bom? —


disse suavizando o comentário com um sorriso enquanto se
dirigia a eles.

— O sol brilha — respondeu Brave quando Gabriel o


olhou desesperado em busca de ajuda.

Sophia teve que aceitar.


— Acaso poderiam me dizer para onde meu marido ia
tão apressado essa manhã?

O olhar de Brave para a figura de Gabriel e em seguida


para Sophia.

— Não estou certo de que...

— Yorkshire — disse Gabriel de primeira. — Foi a


Heatherington Park.

Brave franzia tanto o cenho que tinha um aspecto quase


ridículo.

— Gabe!

O homem de cabelo escuro encolheu os ombros.

— Julian interferiria se tratasse de nossos interesses


matrimoniais e você sabe muito bem disso.

A Sophia não importava um pepino quem intervinha no


casamento de quem.

— Por que foi a Yorkshire?

Santo Deus! Acaso teria se zangado tanto que pensava


em deixá-la? Normalmente era a mulher quem era relegada
ao campo, não o homem.

— Julian acha que Letitia e Wesley estão a caminho de


lá — respondeu Gabriel.

Sophia franziu o cenho. Mas em sua carta Letitia dizia


que ela e Marcus fugiam.

— Não foram para Gretna Green?

Gabriel negou com a cabeça.


— Julian acha que estavam tentando enganá-lo. Pensa
que planejaram se casar em Yorkshire com uma licença
especial.

Sophia seguia com o cenho franzido, embora se sentisse


aliviada. Ao menos Letitia não tinha perdido completamente o
juízo. Bem, ao menos ela conhecia as verdadeiras intenções
de Wesley antes de fugir.

— De onde o Senhor Wesley poderia tirar o dinheiro


para uma licença especial?

As licenças eram caras, muito caras para um homem


com os rendimentos de Marcus Wesley.

— Suponho que terá conseguido recursos. Pode ter


pedido emprestado ou se não queria que ninguém se
inteirasse desse assunto, tenha comercializado de modo
escuso, como uma obra de arte, prata ou jóias.

Jóias. Sophia levantou a cabeça repentinamente.

— A caixa de jóias de Letitia estava vazia quando a vi


ontem. Pensei que tivesse levado todas, mas podem ter sido
"comercializadas", como diz você, para pagar a licença.

— Não me surpreenderia — respondeu Brave


evidentemente pensando que passara muito tempo em
silêncio.

— Wesley não tem muito dinheiro, mas como herdeiro


de Penderthal com certeza tem muitos amigos que saberão
onde empenhar discretamente alguns objetos.
Indo de um lado ao outro, Sophia passou a mão pela
nuca. Tinha os ombros tensos.

Letitia tinha enganado a todos, e a ela, muito mais.


Tinha acreditado quando a jovem lhe disse, não, prometeu,
que não faria nada estúpido. Na verdade usara a promessa
para ganhar tempo, conseguir a licença e poder executar seus
planos.

Sophia não tinha visto. Na verdade Letitia se parecia


com ela, na juventude, mais do que queria admitir. Ela
deveria ter reconhecido os indícios. Letitia estivera muito
reservada. Muito comedida e silenciosa, falara de sua
situação amorosa com muita tranquilidade. Sophia teria
notado isso, se não estivesse tão ensimesmada em sua
própria vida. Não era saudável pensar tanto em Julian.

E agora ele saiu correndo atrás da irmã que não queria


ser apanhada, tentando proteger sua menininha quando
evidentemente Letitia queria ser uma mulher. E Sophia tinha
permitido aquilo. Lady Wickford tinha razão. Sempre
esperava a decepção, não era de se surpreender que as
pessoas que a amavam lhe dessem as costas aborrecidas.

Bem, agora chegava o momento de mudar e agir.

— Vou atrás dele — anunciou desafiando os homens a


tentar detê-la. — Se Julian acredita que pode me evitar
fugindo novamente, está muito enganado. Não pode me dar
às costas e se esquecer de mim. Sou sua esposa, e o seguirei
até o dia de sua morte.
Dito isto, calou-se. Os homens a olharam como se
duvidassem da sua sanidade, mas Sophia não se importou.
Ela tinha razão. Julian era seu marido, e por lei seu senhor,
mas ela também tinha seus deveres e direitos, não o deixaria
escapar só porque Julian estava com o orgulho ferido.

Ao menos, Sophia esperava que fosse somente seu


orgulho ferido, pois sabia o que era ter o coração machucado
e não quisera ferir Julian. Não lhe importava que Julian a
tivesse machucado. O objetivo principal de sua decisão era se
assegurar de que o passado não se repetisse, o que
certamente ocorreria se permitisse Julian partir novamente.

— Antes de correr atrás dele, gostaria que você visse


uma coisa — Gabriel lhe pediu assim que se recuperou da
surpresa.

Brave ficou em silêncio enquanto Gabriel se dirigiu à


estante. Tirou uma chave embaixo de um livro e a usou para
abrir uma gaveta na escrivaninha de Julian.

— Julian guarda todos os seus poemas aqui — Gabriel


lhe explicou, pegando um maço de papéis na gaveta e os
manuseando até achar o que queria. — Ah, aqui está. Leia-o.

Sophia não entendia como Gabriel podia saber onde


estavam guardados e ler os poemas de Julian, e não estava
certa de querer ler uma das obras inacabadas de Julian. Ele
certamente não gostaria dessa invasão, mas...

Agarrou a folha e baixou o olhar. O que leu lhe encheu


os olhos de lágrimas e um aperto na garganta.
"Para Sophia", dizia. Embora não houvesse dito
claramente que era para ela, saberia depois de ler um verso
ou dois, quando leu as palavras sobre o jardim do Éden que
Julian frequentemente recitava. Sophia quase sentiu
vergonha em lê-lo. Era tão pessoal. Era como devassar o
coração de Julian.

Mas o que leu a deixou tão feliz que estava quase


explodindo de felicidade. Ele a amava. Havia dito e esse
poema era prova disso. Não era algo que pudesse se perder
por uma mentira, certo? Sophia se encarregaria de que não
fosse assim.

— Bem. – Depois de se recuperar da emoção, secou as


lágrimas com uma mão. — Qual dos dois me levará a
Yorkshire?

Brave e Gabriel trocaram olhares, como se algo já


estivesse combinado, mas foi Brave a assentir com a cabeça.

Gabriel a fitou, em seus olhos claros se refletia


determinação e resignação.

— Eu levo você.
Capítulo 19
Não importa o quão rápido corra,

querida.

O passado sempre nos alcança.

A união desafortunada, da Marquesa de Aberley.

Perseguir Letitia a caminho de Heatherington tinha


pouco de poético. Julian não ignorava a ironia enquanto
cavalgava pelo campo no lombo de outro cavalo. Miranda
tinha cometido um erro terrível em Heatherington. Não
permitiria que Letitia cometesse mais um.

Passou o dia e grande parte da noite cavalgando com a


Lua iluminando maravilhosamente o caminho, levando cada
cavalo ao limite antes de parar e trocar por outro. Além disso,
só se detinha quando a natureza o obrigava.

Há poucas horas o sol se levantara e pouco a pouco o


calor vencia o frescor da manhã. Graças a Deus que o tempo
se mantinha estável durante a viagem. A chuva teria reduzido
sua velocidade e Julian teria feito a viagem em vão. Agora
estava perto de Heatherington.

Não tinha ideia de quantas horas Letitia e Wesley


tinham de vantagem, mas tinham viajado quase um dia
inteiro antes que Julian pudesse descobrir para onde iam e
segui-los. Provavelmente já teriam chegado em Heatherington
se sua carruagem fosse rápida.

Mas... E se estivesse enganado? E se Yorkshire não


fosse seu destino? E se realmente tivessem se dirigido a
Gretna Green? A ideia de que não pudesse impedir esse
casamento...

Por Deus! Seria assim tão horrível?

Por Deus! Não podia acreditar que estivesse


considerando a ideia. Letitia estaria casada com um homem
inferior a ela, um homem que não poderia mantê-la como
estava habituada, mas teria seu dote, e Julian não a deixaria
morrer de fome. Quem sabe não lhe causaria mais bem do
que mal se sua irmã não tivesse tudo o queria assim que o
pedia.

E se Letitia estivesse realmente casada!

Ele poderia dar meia volta e retornar para Londres, para


se acertar com Sophia.

A lembrança de seu olhar quando a deixou o


acompanhara por toda a viagem. Não devia ter se afastado
dela, não com as coisas como estavam entre eles. Perseguir
Letitia era só um dos motivos de sua partida. O verdadeiro
motivo: queria fugir, era um covarde. Temia que sua
declaração de amor fosse outra mentira.

E não podia enfrentar a ideia, pois uma parte dele


queria acreditar que a amava e, no entanto não se sentia
digno desse amor, não depois de todos os seus erros e
desencontros. Sophia se enganou quando o acusou de não
confiar nela. Sempre confiara, ou ao menos quisera confiar
nela, mas sua traição o tinha ferido profundamente. Que
outra coisa poderia pensar além de uma vingança da parte
dela? É o que teria ele certamente teria feito.

Não! Não podia pensar nisso agora. Era muito doloroso,


e tinha assuntos mais urgentes que requeriam sua atenção.

Haveria algo mais urgente que salvar seu casamento?


Por que simplesmente não poderia deixar Letitia na confusão
que tinha armado? Julian conhecia muito bem a resposta a
essa pergunta.

Não podia suportar perder Letitia, era exatamente isso o


que estava acontecendo. Estava perdendo seu único elo com
a família.

Gabriel o lembrara de que tinha Sophia, mas não era a


mesma coisa. Letitia era tudo o que restava de seus pais, de
Miranda. Era uma lembrança viva dos tempos felizes, do
amor, do carinho e da segurança. Letitia dependera dele
durante mais de uma década. Ele tinha sido tudo para ela.
Tinha a responsabilidade de protegê-la.

Quem o olharia como se pudesse mover o sol e a lua se


ela assim desejasse? Quem o faria sentir como se pudesse
fazer qualquer coisa? Quem confiaria nele cegamente?
Haveria um lugar em sua vida que estaria vazio sem ela, um
lugar que não saberia como preencher. Durante anos se
preocupou com as irmãs, e depois só lhe restara Letitia. A
vida dela se tornou o centro da sua. Não sabia como
conseguiria viver sem isso.

Durante anos, pensara em tomar as rédeas da própria


vida. Quando jovem, rebelou-se contra os que tinham tentado
lhe dizer o que tinha obrigação de fazer. Tinha dado as costas
à Sophia por esse motivo. E agora, enfrentado à possibilidade
de não ter mais responsabilidade além da própria vida, sentia
como se o mundo estivesse desmoronando.

Não gostava de mudanças. Mudanças para ele


geralmente implicavam em perdas. Tinha perdido os pais e
Miranda para a morte. Tinha perdido Gabe e Brave por terem
iniciado uma nova fase em suas vidas, e agora estava
perdendo Letitia.

Mas tinha Sophia. Só esperava que não a tivesse perdido


ainda.

Seu cavalo o levava velozmente pela colina. A luz do Sol


lhe bateu no rosto.

E ali, naquele pedaço fértil da natureza, rodeado de


árvores exuberantes estava Heatherington Park.

Uma mansão Isabelina de influência gótica, a casa


parecia ter sido tirada das novelas da Senhora Radcliffe.
Talvez por isso Miranda decidisse tirar a própria vida ali. Sua
morte ali o desgostara profundamente da casa. Tinha
passado grande parte de sua juventude ali com a família, com
Gabe e Brave. Fora um lugar feliz. Agora parecia uma casa
triste e velha. Uma casa triste e velha que continuava a pagar
criados para cuidar.
A Senhora Berry, a governanta, confirmou sua suspeita
de que este era o destino de Letitia.

— Lorde Wolfram! — gritou quando ele cruzou a soleira


para o vestíbulo. — Não o esperávamos, meu Senhor

Em Heatherington não haviam muitos criados, só a


Senhora Berry e poucas pessoas mais, o suficiente para que
cuidassem da casa e dos poucos cômodos que estavam em
uso. Parecia insensato ter todo o pessoal em uma casa que
quase não era usada.

Sorriu calorosamente à roliça Senhora.

— Espero que minha chegada não a transtorne, Senhora


Berry.

Ela agarrou o casaco e suas luvas, estalando a língua


ante suas palavras brincalhonas.

— Certamente que não, meu Senhor. Só que em sua


mensagem, Lady Letitia não mencionava sua vinda também.

Julian continuou com um tom despreocupado.

— É uma surpresa. Minha irmã já chegou?

A Senhora Berry dobrou seu casaco sobre o braço e


sorriu. Precisou inclinar bem a cabeça para trás ao fazê-lo,
porque lhe chegava ao peito.

— Ainda não, mas a esperamos para o almoço. Gostaria


de tomar o café da manhã, meu Senhor?

Nesse preciso momento, ouviu-se o estômago de Julian


que respondia afirmativamente. Não tinha comido nada
decente desde o café da manhã no dia anterior.
A governanta riu.

— Considerarei isso como um sim! O salão de refeições


já está preparado, meu Senhor. Seu café da manhã será
servido em minutos.

Sorrindo, Julian a obedeceu. Como podia ter se


esquecido da boa Senhora Berry? Lembrava-se de como o
chateava quando o assunto eram as garotas, e lhes dava
pastéis e outras guloseimas quando Renfrew, o mordomo,
não estava por perto.

O velho Renfrew estava morto. A casa não tinha um


mordomo há anos. Não se importara, a casa estava fechada.
A Senhora Berry era perfeitamente capaz de administrar as
coisas por ali.

Julian cruzou a entrada de mármore, e passou diante


da escada, que tinha quatro metros de largura, e pelo
corredor até chegar ao salão. Tudo estava exatamente igual.
Os móveis brilhavam, a casa transbordava de luz e o ar
cheirava a cera de abelha e campo. A Senhora Berry tinha
limpado e arejado a casa para Letitia e Wesley, como o fazia
quando sabia que Julian viria.

Seria muito difícil para seus velhos criados viverem ali?


Vendo todos os dias o lago no qual Miranda se afogou,
cuidando diariamente de uma casa que a família havia
esquecido?

A grande mesa de mogno brilhava com a luz matinal


quando Julian entrou no salão. Sentou-se na cabeceira da
mesa e esperou, olhando os quadros pendurados nas
paredes. Havia um de uma caça a raposa na parede diante
dele que o fez sorrir. Sua mãe odiava o quadro, mas seu pai
adorava, assim, o pendurou de maneira que ficasse as costas
dela para que não o visse, mas que ele pudesse admirá-lo nas
refeições.

Essa casa estivera cheia de risos e lágrimas também.

A Senhora Berry trouxe o café (um bule inteiro) pouco


depois, e mais tarde um café da manhã completo. Havia um
pequeno prato com pães frescos, manteiga, um pote de geléia
de morango, um prato com ovos, salsichas, presunto e
arenque defumado.

E, é claro que devorou tudo, embora tivesse dito a ela


que não poderia comer tanto. Saiu do salão de refeições e se
dirigiu a saleta azul, Sentou-se em uma cadeira azul de
encosto alto, colocou os pés no batente da janela e observou o
caminho que levava à casa, esperaria por sua irmã ali.

A carruagem chegou duas horas mais tarde. Julian os


esperava no vestíbulo quando Letitia e Marcus Wesley
passaram pela entrada, rindo como se nada no mundo os
preocupasse.

— Bom dia — disparou certeiro.

Letitia pulou e deixou cair a bolsa no chão. Caiu sobre


os ladrilhos de mármore com um forte som metálico.
Certamente havia muitas moedas na bolsa. Julian não pôde
evitar se perguntar de onde as tirou.

Os apaixonados o olharam fixamente, como se


estivessem vendo um fantasma, um fantasma resmungão
cheio de pústulas.

Agora que os tinha pego, Julian não sabia o que dizer.


Humm! Nada parecia apropriado, mas vociferar tampouco.
Estava exausto e só queria se sentar e ver se aqueles dois
poderiam ser sinceros para variar.

— O que está fazendo aqui? — perguntou Letitia,


enquanto corava intensamente. — Não pode nos impedir,
Julian. Não importa o que faça.

— Ah, Lettie! Cale-se! — Julian a interrompeu.

Letitia abriu a boca para responder, mas Wesley a


deteve colocando-lhe uma mão no ombro. Sorriu para ela de
modo tranquilizador e se virou para Julian.

— Talvez pudéssemos conversar em um lugar menos...


público, Wolfram?

Sim. A privacidade seria oportuna. Não queria que os


criados ouvissem ele e Letitia discutirem como crianças, e
não queria que soubessem os detalhes da fuga.

— Por aqui — disse sem deixar de olhar por cima do


ombro para se assegurar de que o seguiam.

Uma vez mais, no salão azul, Julian fitou a irmã.


— Imagino que tenha ficado surpresa por me encontrar
aqui. — Julian conseguiu sorrir um pouco. — Então imagine
a minha surpresa quando descobri que fugiu.

Letitia subiu o queixo. Era um gesto que estava


começando a odiar.

— O que você esperava que eu fizesse? Aceitar


humildemente suas ordens e me casar com um homem que
não amo?

— Sim — Julian respondeu sinceramente. — Imagino


que era exatamente isso o que eu esperava. Dito desta
maneira, entendo por que a ideia lhe desagradava.

Letitia olhou para ele boquiaberta.

— Também esperava sinceridade e franqueza. Assim,


não quero que se case com um homem que não pode amar,
Lettie.

Deixou olhar vagar de sua irmã a Wesley.

— Mas tampouco vou deixar que se case com alguém


que não é apropriado só porque você pensa que realmente o
ama.

Wesley não se alterou. Julian cada vez mais o admirava.

— Essa decisão não cabe a você tomar, Julian —


informou-lhe Letitia tranquilamente.

Julian não levantou a voz.

— A lei afirma que a decisão é minha.


— Por quê? — gritou ela em uma explosão repentina de
paixão que o estremeceu. — Por quê? Amo Marcus e ele me
ama. Não me importa que seja rico ou não. Por que você
deveria se importar?

— É minha responsabilidade.

— Sou sua irmã!

Juntando as mãos e as apertando contra o peito, o olhar


de Letitia era suplicante.

— É minha vida! Minha! Por que não me deixa tomar as


rédeas de meu destino?

Julian franziu o cenho.

— É isso o que pensa. Que apenas quero controlá-la?

Letitia o olhou como se a resposta fosse óbvia.

— Desde que mamãe e papai morreram não me deixa


tomar nenhuma decisão além da cor de um vestido ou
chapéu que eu queira comprar. É como se me visse como
uma menina. Não entende, não sou uma menina. Sou uma
mulher. Uma mulher.

Suas palavras lhe despertaram uma emoção profunda


em seu interior. Pensava que a estava protegendo do mundo,
a salvo, desde que fracassara com Miranda. Então percebeu,
diante da tremenda sensação que se tem quando se entende
as ações com clareza, que não estivera protegendo Letitia.
Estivera se protegendo, mantendo-a perto para não perder a
família que lhe restava.
Tinha a idade de Letitia quando o pai de Sophia tentou
obrigá-lo a se casar com ela. Reagiu recusando e dando as
costas a Sophia e ao que era correto. Não queria que Letitia
lhe desse as costas. E ela o faria.

— Não quero que a machuquem — afirmou com voz


áspera, voltando a fitá-la.

— Com o devido respeito, Lorde Wolfram — disse Wesley


aproximando-se e ficando ao lado de Letitia. — Quero amar e
cuidar de sua irmã o resto de minha vida, não feri-la.

Letitia e Wesley se olharam e sorriram. Eram sorrisos de


apaixonados. Amavam-se. Era dolorosamente evidente. Como
Julian poderia negar a sua irmã a alegria de amar e ser
amada? Não! Não podia. Não quando a invejava tanto por
sentir essa emoção.

Tinha chegado o momento de outra confissão.

— Não quero perdê-la.

Letitia fechou os olhos, que lhe encheram de lágrimas


ante a confissão.

— Julian, você é meu irmão. Sempre estarei com você,


mas também preciso estar com Marcus.

Julian sentia uma opressão forte no peito. Letitia tinha


razão. Quando desaparecera a menina? Agora era uma
mulher e se não lhe permitisse viver a própria vida e cometer
os próprios erros ela nunca o perdoaria e então realmente a
perderia.

Sophia tinha razão.


— Ao menos deixe que a leve até o altar, sim? — disse
com uma voz tão rouca que quase não a reconheceu.

Com um grito abafado, Letitia se afastou de Wesley e se


lançou nos braços do irmão. Julian a abraçou e a beijou na
têmpora. Letitia passou os braços ao redor de seu pescoço e
ficou nas pontas dos pés para poder lhe beijar o rosto. Julian
a estreitou ainda mais forte, como se quisesse transmitir o
quanto a amava com a força de seu abraço. E fez o que
precisava fazer.

Deixou que partissem.

Santo Deus, Yorkshire era realmente tão longe?

Amanhecera o dia. Tinham viajado dia e noite. Embora


Letitia e o Senhor Wesley sem dúvida não viajariam a essa
velocidade, pois não esperavam ser alcançados. Gabriel não
queria perder tempo. Só paravam para comprar comida e
satisfazer as necessidades da natureza, embora Sophia
tampouco quisesse prolongar a viagem. Queria encontrar
Julian, e teria cavalgado em uma sela, dia e noite, se fosse
necessário!

— Quanto tempo mais? — perguntou esticando as


pernas.

Gabriel olhou pela janela.


— Uma ou duas horas. — Sorriu. — Acaso começa a
ficar irritada estando tanto tempo em minha companhia?

Sophia sorriu.

— De fato. Não quero viajar nunca mais com você, ao


menos não de uma ponta a outra do país.

Gabriel riu e Sophia também. Gabriel lhe agradava. Era


um homem divertido e se sentia mais a vontade na
companhia dele. Já Brave era mais sério e a olhava como se
quisesse ver sua alma. Isso a incomodava. Pessoas caladas
sempre a faziam sentir coibida. Preferia pessoas expansivas,
pessoas que falassem mais que ela, para não se ver obrigada
a revelar coisas de si mesma.

E havia Julian, a quem de fato queria revelar coisas de


sua pessoa. Sabia mais sobre seu casamento com Edmund
que qualquer outra pessoa, à exceção da própria Sophia.
Havia algumas coisas que jamais lhe contaria. Ele não
precisava conhecer todos os detalhes desagradáveis. Já não
importavam.

— Acha que Julian os alcançou? — perguntou Sophia.

Embora quisesse ver Julian, esperava que Letitia tivesse


conseguido fugir com Marcus Wesley. Desse modo, Julian
seria obrigado a reconhecer que sua irmã já era uma mulher
adulta e que devia viver a própria vida.

Gabriel encolheu os ombros.

— Se realmente foram a Yorkshire, acredito que sim,


provavelmente os tenha alcançado. Mas se o destino era
Gretna Green, agora estão casados e Julian estará com as
mãos atadas.

Casados. Sophia esboçou outro sorriso. Letitia nunca se


daria por satisfeita sendo só esposa. Não perderia sua
identidade, como Sophia quando se casou com Edmund.

Pobre Senhor Wesley. Sabia o que o futuro lhe


reservava?

E ela, sabia? Perseguira Julian por todo o país. Não


estaria muito disposto a enfrentá-la quando ela chegasse a
Heatherington Park.

Todas as colinas suaves e vales ocultos formavam o


jardim mais doce que o Éden.

Sophia tinha outros versos em mente, mas este se


destacava especialmente, pois era evidente que o tinha escrito
antes do casamento, o que implicava em já estar apaixonado
por ela.

— Quantos poemas mais ele escreveu sobre mim?

Gabriel se surpreendeu com a pergunta. Talvez


devesse ter elaborado melhor a pergunta.

— Não sei com exatidão — respondeu encolhendo os


ombros.

Gabriel era um homem grande e robusto e parecia maior


ainda com a capa de seu grande casaco. Deus, era enorme.
Como Lilith se arranjaria com ele?

Como não lhe ofereceu mais informação, Sophia franziu


o cenho.
— Bom, você sabe quando ele começou a fazer esses
poemas?

Deveria estar envergonhada da própria insistência, mas


Gabriel já sabia tanto de seu relacionamento com Julian que
já não se importava de quão indiscreto seria, desde que
conseguisse saber o que lhe interessava. Não lhe perguntava
por vaidade, embora toda mulher gostaria de ouvir esse tipo
de coisas.

Sophia queria, precisava saber porque... Céus! Precisava


saber se Julian também passou todos esses anos pensando
nela.

— O poema que o lançou à fama era dedicado a você.

Sophia levantou as sobrancelhas surpresa. Lembrava-se


de ter lido o poema. Se fato, tinha lido quase tudo o que
Julian havia publicado. Nunca imaginou que ele escrevera
algo pensando nela, mas deveria ter imaginado. Os versos
contavam a história de um homem açoitado pela lembrança
da mulher que tinha amado e o tinha traído. Os versos não
eram gentis. O homem do poema queria esquecer a mulher.

Segui cegamente sua canção de sereia,

Encontrei a escuridão,

A tentação,

E nunca mais pude me libertar.


Era isso?

— Sophia?

A voz de Gabriel a trouxe ao presente, à carruagem que


se movia e que parecia avançar como uma tartaruga pelo
campo. Sophia o olhou.

— Mas você sabia, não?

— Se soubesse, Gabriel, você e eu não estaríamos nesta


carruagem agora — respondeu com um nó na garganta. — A
situação seria outra, asseguro-lhe.

Sim, outra. Teria enlouquecido procurando referências a


sua pessoa nas obras de Julian.

Quando se encontrassem, teriam que conversar e....


mas primeiramente diria que o amava e se asseguraria de que
acreditasse.

— Tudo bem?

Sophia sorriu diante da preocupação de Gabriel.

— Estou bem, obrigada.

Houve um silêncio.

— Você sabe que Julian a ama, não é?

O nó na garganta dela Sophia cresceu. Os olhos


ameaçavam se encher de lágrimas e olhou pela janela.

— Eu sei.

— Julian é meu amigo. Eu não gosto de vê-lo sofrendo.

Quando Sophia voltou a olhar para Gabriel, seus olhos


estavam secos e sérios.
— Eu amo Julian. Também não gosto de vê-lo sofrer. E
gosto ainda menos por saber que eu sou o motivo do seu
sofrimento.

Olharam-se nos olhos durante o que pareceu uma


eternidade. Evidentemente, Gabriel viu o que desejava nos
olhos de Sophia, pois sorriu amável antes de voltar a olhar a
paisagem.

Passaram o resto da viagem quase em silêncio. De vez


em quando, Gabriel contava coisas sobre Yorkshire e do
tempo da infância que passou ali com Julian e Brave, ou
Sophia fazia alguma pergunta sobre uma coisa ou outra, mas
se perguntava intimamente se Julian ficaria feliz por vê-la ali.

— Chegamos — Gabriel disse finalmente quando a


carruagem pegou um caminho arborizado. — Em uns quinze
minutos estaremos na casa.

Sophia sentia o coração bater nas costelas, mas se


endireitou e fixou o olhar na janela da carruagem. Só havia
árvores, mas cada árvore que passava aproximava-a mais de
Julian.

Pareceu-lhe uma eternidade, mas finalmente avistou a


casa. Era maior do que tinha esperado, e as pedras rosadas
lhe pareceram mais acolhedoras do que teria imaginado,
tendo em conta a tragédia que ali tinha acontecido.

Não queria imaginar a jovem insensata e dramática que


provavelmente sentia-se como uma Ofélia a procurar e
encontrar a morte. E tampouco queria imaginar a angústia
no coração de Julian. Conhecia-o bem o suficiente para saber
que atrás da expressão estóica e corajosa para os presentes, e
ao mesmo tempo chorando intimamente como um menino.
Ou como um pai.

— Os pais de Julian e sua irmã estão enterrados atrás


daquele bosque — Gabriel informou-a, assinalando um ponto
além da casa pela janela, no lado oposto do lago, onde um
caminho de rosas cortava o bosque.

— Ali há uma pequena capela — continuou enquanto a


carruagem chegava a casa. — A família costumava celebrar
missas, mas foi usada pela última no funeral de Miranda.

— Você estava com Julian?

Gabriel a olhou com olhos cinzentos carregados de


tristeza.

— Ajudei a levar o caixão de Miranda. Também


carreguei o da mãe de Julian.

Sophia não precisou perguntar se Brave também teria


estado ali, ajudando a enterrar Miranda, imaginou a dor do
jovem que tinha acreditado amar.

— Obrigada por estar com ele.

Gabriel a olhou surpreso com as palavras, mas antes


que pudesse responder, a porta da carruagem se abriu e um
lacaio baixou os degraus.

— Vai entrar? — Sophia lhe perguntou enquanto suas


pernas doloridas a levaram a tocar o chão firme.

— Creio que caminharei um pouco antes de entrar —


respondeu Gabriel alongando-se.
Sorriu.

— Julian precisa mais conversar com você do que ver


minha cara feia neste momento.

Sophia observou o grande homem de cabelos escuros se


dirigir ao bosque. Sabia exatamente para onde ia.

Depois de colocar o xale sobre os ombros, Sophia


agarrou seu chapéu e subiu os degraus para entrar na casa.
Uma mulher robusta de olhos claros e cabelos acinzentados a
olhando com surpresa, abriu a porta.

— Bom dia, minha Senhora. Em que posso ajudá-la?

Sophia sorriu timidamente. Será que Julian a receberia?

— Sou Lady Wolfram — respondeu. — Meu marido está


aqui?

A mulher ficou boquiaberta e Sophia pensou que velha


senhora se acabaria debulhando em lágrimas.

— Oh... Céus, minha querida Senhora! — gritou. — Por


Deus! Entre, por favor! Sou a Senhora Berry, a governanta.
Não sabe o quanto me alegro em conhecê-la!

Sophia se encontrou de repente entre os braços


carinhosos da mulher. Surpresa, não pôde fazer nada mais
do que esperar que a senhora se acalmasse. Nunca fora
abraçada tão efusivamente por uma governanta.

— O Lorde está no salão azul — observou a Senhora


Berry, esfregando os olhos com as mãos fortes enquanto
soltava Sophia e agarrava seus pertences. — É nesse
corredor, segunda porta à direita.
Sophia olhou ao redor enquanto se dirigia com cautela
na direção que a governanta tinha indicado. A entrada era
revestida com mármore branco e toques de cinza, móveis de
madeira escura e pesada compunham o ambiente, poderia
ser sufocante se não fosse pelas janelas do teto ao chão na
parte frontal da casa.

A casa cheirava a cera de abelhas e ar fresco e havia um


toque de algo quente e picante, algo que possivelmente
estivesse cozinhando. Sophia não sabia muito bem por que,
mas Heatherington parecia esperar ser um lar novamente.

Caminhou pelo corredor, o coração cada vez pulsando


com mais força, tanto, que pensou ser capaz de lhe
abandonar o corpo. Parou diante da segunda porta, respirou
fundo e levantou a mão trêmula para bater a porta.

A voz de Julian respondeu, abafada pela porta de


madeira pesada.

— Entre.

Sophia apertou a maçaneta e a porta se abriu de


repente, deixando-a ver o belo cômodo de pé alto, móveis
claros e bem iluminado, mas sua atenção se concentrou no
homem que estava sentado de costas diante de uma das
janelas mais afastadas.

Julian se voltou, o sol tocava seus cabelos produzindo


tons avermelhados. O sorriso em sua face desapareceu em
uma expressão de surpresa ao vê-la.

— Sophia — disse com voz rouca. — O que está fazendo


aqui?
Unindo toda sua coragem, Sophia
sorriu.

— Olá, Julian. Por acaso pensou que


eu deixaria você me abandonar outra vez?

Capítulo 20
A verdadeira felicidade sempre se revela diante dos que

sofreram o suficiente para reconhecê-la.

A união desafortunada, da Marquesa de Aberley.

Julian mal podia acreditar que ela estivesse ali.

— Você me seguiu. — Pouco preparado, Wolfram


contou até dez.

Sophia assentiu. Seus olhos negros brilhavam com


determinação enquanto se aproximava tranquilamente. Ao se
dirigir a ele, os quadris balançavam debaixo da saia, uma
exibição natural de sua sensualidade. Julian não sabia se
ficava zangado com ela por ter vindo ou se a prendia nos
braços para beijá-la até perder os sentidos.
Sentia muito sua falta. Parecia ter passado anos desde
que a tinha abraçado pela última vez, desde que ouvira seu
riso e sua voz. Odiou-a por fazê-lo se sentir tão carente e
fraco, por lhe fazer querer suplicar seu perdão em vez de
concedê-lo a ela, e no entanto, só de vê-la o enchia uma tal
alegria que precisaria de uma vida inteira para encontrar as
palavras certas para descrever tal emoção.

Sophia se deteve a poucos centímetros dele. Seus olhos


negros o enfeitiçavam. Não poderia evitar seu olhar nem se
quisesse fazê-lo. E não queria.

— Caro Senhor meu marido, você tem o costume


irritante de se afastar de mim — murmurou fazendo cócegas
no queixo com sua respiração.

— Não me afastei...

— Não. Saiu correndo.

Julian ficou indignado.

— Para alcançar Letitia, não para me afastar de você.

Sophia levantou uma de suas sobrancelhas negras e


finas.

— Sério?

Julian imitou seu gesto, sem poder reprimir um sorriso


quando o fez.

— Certamente, minha cara esposa.

Sophia não o tocou. Não se aproximou mais, mas Julian


podia lhe sentir o calor do corpo como se estivesse colado ao
seu.
— Meu caro marido, nem sequer me disse um adeus.
Senhor, isso me pareceu uma fuga. Deve haver algo na sua
família. O Senhor e Letitia têm uma inclinação incomum para
as fugas.

Julian teria rido das palavras se não fosse pela dor que
havia em seus olhos. Ele e sua irmã tinham chegado a um
acordo e acabaram por resolver a desavença entre eles. Agora
tinha que fazer o mesmo com sua esposa.

— Talvez a Senhora tenha razão — respondeu


levantando a mão para acariciar sua face. — Mas eu estava
voltando para Londres amanhã, Sophia.

Sophia pestanejou quando a acariciou. Saber que a


carícia mais leve tinha esse efeito a atingiu no fundo da alma.

O olhar dela se suavizou.

— Eu não poderia esperar tanto, meu Senhor.

Julian esboçou um sorriso quente.

— Sentiu tanto minha falta, cara Senhora?

— Sim, meu Senhor.

Essa simples confissão acabou com o que restava de seu


coração machucado. Julian baixou a mão envolvendo a
silhueta delgada.

— Sinto muito, doce Senhora.

Julian tinha pensado que se desculpar seria difícil, mas


lhe foi surpreendentemente fácil dizer que o sentia.

Sophia se expressou sem disfarces.


— Eu é quem peço perdão, pois fui eu a única a mentir.

O sorriso de Julian se quebrou.

— E de que adiantaria ter me contado a verdade. Você


mesma disse que eu não acreditaria.

Sophia o olhou com uma leve curiosidade, mas Julian


percebeu sua preocupação, sua dor e o afeto que sentia por
ele do mesmo modo que ele sentia por ela.

— E o que lhe fez mudar de opinião?

— Você — respondeu sinceramente. — E Letitia. Tive


toda uma noite para observar a situação com outra
perspectiva.

Agora restava a ela sorrir.

— E qual foi sua conclusão?

— Que você tinha razão. Que eu estava controlando a


vida de Letitia. Entendi que deveria deixá-la tomar suas
próprias decisões para não perdê-la definitivamente.

— E como se sente?

Essa simples pergunta e tudo o que se subentendia foi


sua perdição. Julian se aproximou dela.

— Melhor do que estaria se tivesse perdido você.

— Nunca me perderá — disse Sophia em voz baixa e


rouca. — Eu o perseguirei até o fim do mundo se preciso for.

Julian sorriu. Suas palavras o assustavam, porque


sabia que eram verdadeiras. A vida não era tudo branco ou
preto, e Julian sabia muito bem que o destino poderia ser
cruel e lhe arrebatar Sophia do mesmo modo que lhe tinha
arrebatado seus pais. O garoto assustado que escondia em
seu íntimo não queria voltar a enfrentar uma perda dessa
magnitude novamente, mas sabia que o presente lhe dera
uma segunda chance para uni-los. Sophia enchia o vazio que
sentia e preferia se arriscar a perdê-la algum dia do que não
tê-la absolutamente.

A morte era a única coisa que poderia separá-los e seria


apenas temporal.

— Não irei a lugar algum — Julian lhe acariciando a


nuca.

Sophia estava tão perto que podia ver a imperceptível


mudança de tom entre a íris e a pupila de seus olhos.

— Não somos perfeitos. — Sophia tremia ligeiramente o


queixo ao falar. — Haverá alguns segredos, para poupar ou
amenizar. Às vezes não teremos opções, por mais que
tentemos.

Não era necessário dizer essas coisas. Julian sabia. E de


certo modo, agora concordava.

— Sophia...

— Mas sempre o perdoarei. Julian.

Sophia o agarrou pelas lapelas do casaco.

— Pode me perdoar?

— Sempre.

E Julian dizia isso a sério.


Sophia tinha os olhos tristes.

— Não fui muito hábil em lhe dizer o que sinto por...

— Não precisa dizer. Você está aqui. Esta é a única


declaração da qual necessito.

Julian baixou a cabeça para beijá-la, mas Sophia o


deteve lhe empurrando com suavidade.

— Não. A primeira vez foi antes que meu pai nos


encontrasse. A segunda vez foi depois que descobriu minha
mentira. Eu quero lhe dizer isso agora, para que não haja
nenhuma dúvida.

Julian não tinha nenhuma dúvida. Tinha sido sua


própria estupidez que o fizera duvidar e se esforçaria para
não voltar a comportar-se desta maneira tão tola de novo.

— Pois então diga — respirou fundo, desejando ouvir as


palavras para que ele pudesse lhe mostrar o que sentia por
ela.

— Eu o am....

Sophia não pôde continuar a frase, pois Julian


puxou-a para si e capturou seus lábios em um beijo
arrebatador. Naquele beijo Julian queria expressar toda a
emoção contida em seu interior, todas as palavras que não
podia encontrar para se expressar manifestaram com seus
lábios sobre os dela, com um gemido que dizia tudo.

Sophia abriu os lábios em busca de sua língua afoita.


Tinha o sabor da força e da doçura inerente dela. Julian
deslizou a língua pela sua, por seus dentes, lambendo seus
lábios, como se pudesse saciar a fome que sentia saboreando-
a.

Não era suficiente. Tinha que devorá-la.

Sophia o empurrou para trás e Julian a soltou, mas não


podia renunciar à sua boca. Não foi até ter tocado a beirada
de um sofá com as panturrilhas que compreendeu a intenção
de Sophia, mas então era muito tarde. Sophia já o tinha
desequilibrado.

Julian caiu sobre o sofá e Sophia o seguiu.

Sophia montou sobre ele, a saia subiu em suas pernas


parecendo uma nuvem azul e macia. Sophia colocou os
joelhos de ambos os lados dos quadris de Julian e este podia
sentir seu calor através da roupa que os separava. Seu desejo
por Sophia despertara assim que ela atravessara a porta.
Agora seu membro estava duro como pedra e suspirando por
conseguir o alívio que só ela podia dar. Queria levá-la para
cima, ao seu quarto e fazer amor como só ela merecia. Não
importava o tempo que necessitasse para fazê-lo ou a
frustração que tivesse de suportar, não descansaria até
Sophia estar completamente satisfeita.

Os olhos dela estavam quentes e negros como carvão. As


mãos se agarraram com tanta força a seu casaco, agora
deslizavam por seu peito, o abdômen e mais abaixo, entre
seus corpos e sobre sua calça.

— Desejo você — Sophia sussurrou, tocando


distraidamente seu membro duro e ardente.
Julian se sobressaltou quando seus dedos agarraram a
carne sensível. Mal podia respirar enquanto Sophia o
acariciava.

— Gosta? — Sophia sussurrou-lhe sensualmente ao


ouvido.

— Sabe muito bem que adoro — resmungou.

Rindo baixinho, Sophia continuou a lhe acariciar com


uma mão enquanto afastava as camadas de saias com a
outra. Em poucos momentos, Julian pôde sentir a dureza de
seu membro penetrando na umidade quente e macia de
Sophia. Fechou os olhos quando ela orientou a ponta para
seu interior. Agarrou-se às almofadas que faziam conjunto
com o sofá quando Sophia o fez penetrá-la. Mordeu o lábio
quando Sophia o fez penetrar ainda mais fundo.

E quando todo o peso de Sophia descansou sobre seu


colo e seu membro estava totalmente dentro dela, Julian
perdeu o pouco controle que lhe restava. Arqueando o
quadril, empurrou contra sua doce suavidade, rodeou-lhe a
cintura com os braços e rezou para que esse momento
durasse para sempre.

Debaixo das saias, Julian lhe agarrou as nádegas.


Queria controlar seus movimentos e marcar o ritmo de seus
quadris. Lutou com força para consegui-lo, mas de alguma
forma Sophia venceu a batalha. Julian sentiu tremerem as
coxas dela pelo esforço. Ela controlava a situação
completamente.
Julian nunca tinha suplicado que deixassem de fazer
algo assim em sua vida. Sua vaidade masculina o tinha
levado a exigir o mesmo tipo de súplicas de suas amantes no
passado, mas ninguém antes o tinha levado a tortura tão
deliciosa para fazer algo que lhe pedissem só para continuar
degustando o prazer que lhe ofereciam.

— Sophia, por favor.

Sophia se deteve e se colocou de tal forma que a ponta


de seu sexo ficou roçando a entrada úmida de seu incrível e
exuberante corpo. Sua expressão era puro desejo.

— Diga que me ama.

Céus! Julian teria se posto a rir se Sophia não


escolhesse esse momento para fazer com que ele a penetrasse
um pouquinho mais.

— Amo você... — reconheceu ofegando enquanto a


penetrava ainda mais. — Sempre a amei e sempre a amarei.

Suas palavras certamente a levaram a beira da loucura,


pois depois disso Julian só viu Sophia movendo o corpo sobre
o seu como uma possessa. Segurando-a pelos quadris, Julian
arqueou o corpo levantando-o do sofá e cravando os
calcanhares sobre o tapete até que suas pernas tremeram
pela pressão.

Podia sentir o corpo dela ficar cada vez mais tenso com
cada investida. O corpo de Julian se deleitava e também se
tencionava em resposta.
Sophia foi primeira a chegar ao clímax, arqueando a
coluna enquanto estremecia sobre ele. Com a cabeça
inclinada para trás, gritou. Foi o som de maior satisfação que
Julian tinha ouvido. Foi tão incrível que provocou seu
orgasmo imediato, o que lhe deixou sem ar nos pulmões, a
vista turva enquanto uma explosão de prazer indizível o
alcançava. O mundo deixou de existir.

Passou-se uma eternidade.

Aos poucos, recuperaram a razão, quando Sophia


levantou a cabeça de seu ombro. Não tentou retirar seu
membro, embora Julian não o tivesse permitido.

Sorriu prazerosamente.

— Indescritível.

Julian não pôde evitar de rir. Parecia um gato que


acabava de lamber um pote de leite inteiro. "Indescritível" a
palavra descrevia bem o que acontecera.

— E não é mesmo? — respondeu em um tom


zombeteiro.

O sorriso da Sophia desapareceu.

— Amo você.

Segurando-a com força, beijou-a forte e rapidamente.

— Eu também a amo.

Ficaram sentados em silêncio durante um momento,


degustando. A Julian parecia muito estranho terem brigado
por Letitia, e terem passado tantas horas separados e que
agora estivessem abraçados e satisfeitos depois de ter feito
amor. Fora muito fácil resolverem as coisas entre eles.

— Não me disse o que aconteceu a Letitia.

Julian sorriu satisfeito.

— Não me deixou.

Sophia se moveu sobre seu colo, o que lhe provocou


uma onda de prazer à virilha.

— Diga-me agora, então.

— Ela e Marcus Wesley se casarão aqui no final desta


semana.

Julian desejou poder captar a expressão maravilhosa


que iluminou suas feições.

— Isso é maravilhoso! — disse franzindo o cenho. —


Mas, por que vão esperar tanto tempo?

O calor inundou sua face pelo peso do olhar de Julian.

— Pensei que seria o tempo que você necessitaria para


chegar aqui.

Julian não sabia se Sophia ia se pôr a rir ou a chorar.

— Estou aqui.

Julian esfregou sua face contra os cabelos de Sophia.

— Letitia ficará muito contente por não ter de lhe


esperar. Agora só temos que decidir onde fazer a cerimônia.

Depois de levantar a cabeça, Sophia o olhou surpresa.

— Conheço o lugar ideal.


Letitia e Marcus se casaram na capela da família dois
dias mais tarde.

Era o lugar perfeito para celebrar um casamento íntimo.


Letitia ficou eufórica quando Julian lhe disse que mandaria
limpar a capela para ela e Marcus. Sophia não teve que
insistir muito para convencer Julian de que a capela seria o
lugar ideal. Seria uma ocasião feliz para apagar as
lembranças tristes de muitos funerais, e ao estar tão perto do
cemitério da família, seria como se os pais de Julian e
Miranda estivessem pressentes.

Era uma linda manhã primaveril. A brisa suave e os


pássaros que cantavam nas árvores. A pequena capela de
pedra parecia tirada de um conto, abrigada entre as sombras
de carvalhos altos, e Letitia parecia uma princesa.

Julian olhou a irmã com uma estranha expressão.

— Certamente esse será o último vestido pago por mim.

Sophia teria rido se não fosse a expressão melancólica


de Julian. Estava resistindo bem a situação, mas Sophia
sabia o quanto era difícil para ele. Estava deixando Letitia
seguir o caminho que escolhera, deixando-a cometer erros e a
solucionar os próprios problemas. Não podia dizer que
gostava da situação, mas sabia que tinha que fazê-lo.
A cerimônia foi breve, uma vez que estavam só eles
quatro e o padre (Gabriel tinha voltado a Londres no dia
anterior). Depois saíram e se despediram do padre, pois não
podia tomar o café da manhã com eles, pois tinha outro
compromisso. Letitia, a mais radiante de todas as noivas,
sussurrou algo ao marido e logo agarrou seu irmão pelo
braço.

— Venha comigo — disse, levando-o ao jardim das


lápides e monumentos circundado uma pequena parede de
pedra.

Ficaram ali, diante das três lapides mais novas, de


costas para Sophia e Marcus. Sophia se perguntou o que se
estariam dizendo.

Sentindo-se uma intrusa, afastou o olhar de seu marido


para focar Marcus, que observava Letitia com tanto amor que
Sophia não soube o que a incomodava mais, se olhar a cena
íntima nas tumbas ou isso.

O marido de Letitia era um homem encantador. Bonito e


forte, mas também amável e carinhoso. Mas não permitia que
Letitia o controlasse. Seria um bom homem para Letitia,
ideal. Faziam um casal bonito.

E Sophia estava certa de que não teriam que se


preocupar jamais com dinheiro. Julian nunca permitiria que
sua irmã sofresse, e Sophia esperava que o orgulho do
Senhor Wesley tampouco o impedisse.

Letitia retornou a eles em poucos minutos, mas Julian


permaneceu diante das tumbas. Minutos depois, Letitia e
Marcus se dirigiram para casa. Sophia receava se intrometer
em um momento tão íntimo, com o coração na garganta,
Sophia o observou endireitar as flores que Letitia colocara
sobre uma das tumbas.

Quando finalmente ele virou, tinha os olhos vermelhos e


úmidos, mas sorriu quando Sophia o encarou preocupada.

— Obrigado — disse, passando o braço em seus ombros


enquanto resolveram retornar à casa.

— Pelo que?

Sophia não tinha feito nada, em sua opinião.

— Por tudo.

Sophia esperou que Julian fosse especifico, mas não foi.

— Bem-vinda.

Letitia e Marcus voltaram para Londres nessa tarde.


Todos estavam de acordo com a ideia de que seria melhor
voltarem como marido e mulher o quanto antes para evitar as
fofocas.

Além disso, poderiam passar sua lua de mel a sós, sem


o irmão mais velho excessivamente protetor da noiva na
mesma casa.

Depois dos recém-casados partirem, Sophia subiu para


um banho e depois um descanso. Esperava que Julian se
juntasse a ela, mas não foi assim. Quando desceu, horas
mais tarde, perguntou à senhora Berry se tinha visto seu
marido.
— Esteve na biblioteca, minha Senhora — respondeu a
governanta. — Esteve revisando os documentos do Lorde seu
pai, mas há meia hora saiu. Não sei para onde foi.

Mas Sophia sabia. Durante os últimos dias, vira Julian


enfrentar o passado em várias ocasiões. Essa casa, que antes
era associada a muitas tragédias em sua vida, de repente
voltará a ser um lugar feliz. Ele e Sophia se reconciliaram ali.
Letitia se casara ali. Já não parecia doer tanto estar na casa,
mas havia um lugar que ainda não tinha visitado (não com
ela) e Sophia sabia onde estaria.

Não se incomodou em colocar chapéu e luvas, mas se


abrigou com um xale e saiu para encontrá-lo. Embora o sol
estivesse se pondo no oeste, era um dia inusitadamente
quente. Na verdade, nem precisaria do xale, mas o pegou.

Ouviu o rangido das pedras sob suas sapatilhas e


vestido ao contornar a casa e se dirigir ao lago, e lá, abrigado
como uma pedra preciosa sobre um leito de veludo verde,
cercado por árvores frondosas estava o lago, o pôr-do-sol
parecia dar chamas à água, e o céu dançava com as chamas.
Não o viu de pé a margem, como esperava. O que encontrou
foram roupas ali jogadas. Julian estava na água, com seus
braços reluzindo ao sol poente enquanto atravessavam a
água com braçadas fortes.

Sophia sentiu um baque no coração quando o viu ali.


Quando Julian decidia enfrentar seus fantasmas, não o fazia
pela metade. Apostaria que não entrara naquelas águas
desde a morte de Miranda e ali estava ele agora.
Mas não o deixaria sozinho. Olhando sobre o ombro
para se assegurar de que ninguém poderia vê-los da casa,
Sophia desabotoou com dificuldade a parte de atrás do
vestido. Despiu-se e deixou suas roupas sobre as dele para
que não sujarem. E apenas com as presilhas prendendo seus
cabelos, nua como veio ao mundo, entrou na água fria.
Julian estava no lago e ela se juntaria a ele.

— Perguntei-me quando tempo levaria a me encontrar,


minha Senhora — disse Julian com um sorriso quando
chegou em frente a ele com a água acariciando seus ombros.

De repente, Sophia pensou ter cometido um engano.

— Sinto muito. Gostaria de ficar sozinho?

Julian sorriu ainda mais, como se fosse um rapaz.


Parecia... feliz.

— Não creio que me deixaria sozinho, doce Senhora.

— Sou sua esposa, não sua babá — respondeu um


pouco mais à defensiva do que gostaria. — Pode ficar sozinho
o quanto queira, meu Senhor.

Julian se aproximou, tanto que seus corpos quase se


tocavam.

— Esteja a Senhora onde estiver, ali estará meu


coração. Minha doce e deliciosa Senhora.

Se tivesse sido qualquer outro homem, Sophia teria


virado os olhos, mas sabia que Julian falava a sério. Sophia
se emocionou e notou seu coração bater com força.

Julian inclinou a cabeça de lado.


— Diga por que me ama.

Parecia um menino perguntando por que o céu era azul.

— Só sei que em meu coração, meu marido é tudo o que


quero e necessito. É o que faltava em minha vida.

A Sophia pareceu bobo e sem sentido. Julian fazia suas


declarações de modo tão poético, parecia simples e real, e
ela...

Julian não parecia estar de acordo. De fato, pareceu


muito contente com suas palavras.

— Nade comigo — disse-lhe. — Faça com que este lago


se torne um lugar feliz de novo como tem feito com o resto da
casa.

Sophia o olhou enquanto se movia sob a água sem


esforço. Pensava que ela havia devolvido a alegria a
Heatherington? Provavelmente tivesse contribuído, mas ele e
Letitia...

Ah! Se ele queria atribuir esse mérito a ela, porque não


aceitá-lo. Já era hora de parar de duvidar de si mesma e do
quanto valia. Julian a amava. Sophia podia fazer tudo o que
queria.

Rindo como se um peso enorme tivesse saído de cima,


Sophia nadou atrás dele e se colocou sobre suas costas
quando finalmente o apanhou. Nadaram até que quase
desapareceram os últimos raios de sol antes de subir à
plataforma de madeira para se secarem.
Abrigada e protegida pelos braços de Julian, Sophia
sorriu com satisfação.

— Oxalá pudéssemos ficar aqui para sempre.

Sophia suspirou, apoiando os ombros contra o peito de


Julian. Estava sentada entre suas pernas e ele cruzava as
pernas sobre a plataforma. Os pelos de sua coxa esquerda
faziam-lhe cócegas na parte de trás das panturrilhas.

Julian lhe beijou o ombro, deslizando uma mão para


rodear seu seio.

— Se quiser, podemos.

Sophia ficou sem respirar quando o polegar de Julian


roçou a pele tensa de seu mamilo.

— Não podemos e você sabe.

Julian lhe mordiscou o pescoço e ela estremeceu.

— Por que não?

Voltando-se entre seus braços, moveu-se sobre seu colo


até se sentar com as pernas abraçadas a sua cintura e com
os seios contra a parede quentes do peito de Julian.

A evidente excitação de Julian começou a empurrar


contra os cachos entre suas coxas.

Será que sempre a desejaria desse modo? Ela estaria


sempre tão disposta a recebê-lo? Santo Deus, esperava que
sim.

— Quando voltará a fazer poemas, seus leitores devem


estar ansiosos? — disse-lhe brincando, e lhe passando a
língua pelo lóbulo aveludado. — Seu editor quer novos
poemas, meu amor.

Tocando de novo seus seios, Julian murmurou o que


pensava que seu editor podia fazer com os poemas.

Uma sensação conhecida começou a vibrar na parte


inferior do ventre de Sophia quando os dedos longos e
habilidosos de Julian começaram a fazer seu trabalho.

Céus, como o amava.

— Prometa que nunca voltará a me deixar — exigiu


quando ele tentou penetrar em seu interior.

Julian levantou os quadris.

— Prometo.

Sophia se moveu e ele grunhiu frustrado.

— Prometa que acabará o poema que esteve escrevendo


sobre mim.

Julian abriu os olhos surpreso. Não tinha lhe contado


isso.

— Todos foram sobre você.

Sophia se moveu novamente para evitar sua insistente


ereção uma vez mais.

— Sabe a qual me refiro. Quero que o termine.

— Esse poema é uma obra na qual estou trabalhando


sempre. — informou-a com surpresa. — Minha doce Senhora,
cada vez que descubro algo novo sobre você, escrevo. Espero
poder trabalhar nele os próximos quarenta ou cinquenta anos
no mínimo.

Sabia exatamente o que dizer para fazê-la suspirar.


Também sabia exatamente como distraí-la para poder
adentrar totalmente em seu interior com um único
movimento hábil.

Ofegando, Sophia lhe rodeou o pescoço com os braços.


Seu corpo quase não se ajustou a sua deliciosa intrusão
quando ele começou a se mover.

— Mas um dia o acabará, não?

Agarrou-a pelos quadris.

— Sim, minha Senhora.

— Ohhh! Eu... Promete?

Rindo, Julian a agarrou pela nuca e a atraiu para sua


boca.

— Minha querida esposa, confie em mim — sussurrou-


lhe contra os lábios.

E Sophia o fez.
Epílogo
Todos somos autores de nossa própria

história.

O final depende de nós.

Obra sem título, em desenvolvimento, de Sophia Rexley,

Condessa Wolfram.

Quatorze meses mais tarde.

Era um dia perfeito para se fazer uma festa.

O sol era quente, a brisa agradável e suave. Alexander


Wycherley, o futuro Conde de Braven, estava sentado no colo
de seu pai, com o rosto, os cabelos loiros e as calças do pai
cobertos de migalhas de bolo. O Conde não parecia se
importar.

A condessa de Braven observava seu marido e o filho


com um sorriso no rosto. Tinha o brilho sereno de uma
mulher grávida, estava de poucos meses, ainda podia se
sentar confortavelmente à sombra, para não ser incomodada
com calor, sua mão descansava de forma protetora sobre o
ligeiro volume de sua barriga.

A seu lado, a Condessa de Angelwood passava a filha


adormecida ao pai. Tinha os cabelos ruivos e os olhos
turbulentos da mãe e o temperamento do pai, algo do que
este se orgulhava muito em público.

— Você a teve só para si durante nove meses — disse


Lorde Angelwood quando pegou à pequena Imogen nos
braços. — Agora é minha vez.

Lady Angelwood pôs os olhos em branco.

— Pois se fizer questão pode carregar os nove meses da


próxima gravidez.

O Senhor e a Senhora Wesley se aproximaram de Lorde


Angelwood para admirar à pequena em seus braços. Deus
ainda não lhes tinha dado um filho, embora não por falta de
tentativas, brincou o Senhor Wesley, o que fez sua mulher
corar fortemente.

A Senhora Wesley usava um vestido simples de


musselina amarelo, mas absolutamente moderno. Não
parecia se importar. Emanava maturidade e satisfação que
nunca tivera antes de estar casada. Estava totalmente
apaixonada pelo marido e era evidente que ele sentia o
mesmo. Viviam comodamente graças ao dote de Letitia e aos
investimentos de Marcus, dos quais esperava um grande
retorno em breve.

O Conde de Wolfram os observava com uma sensação


esmagadora de felicidade e satisfação. Eram seus amigos, sua
família. Gostava de tê-los reunidos no terraço de
Heatherington. A única pessoa que faltava era sua esposa.

Que nesse momento preciso, apareceu ao seu lado,


segurando-o pelo braço com um alegre sorriso. Julian
respondeu com outro sorriso, consciente de que todo o amor
que sentia por ela era expresso em seu olhar. Não lhe
importava quem o visse. Não se envergonhava de amá-la
tanto.

Essa manhã Sophia havia lhe dito que suspeitava estar


grávida. Julian havia sentido uma pontada no peito ante a
notícia. Pela primeira vez, pensou que talvez estivesse
preparado para ser pai. Bem, acontecesse o que acontecesse,
com filhos ou não, sentia-se grato pelo que tinha.

Uma família e amigos que o amavam. E pensar que


antes eram só três. Ele, Brave e Gabe, a enfrentar o mundo.

Julian sorriu aos dois amigos, Brave, que tinha jurado


não voltar a amar e encontrou um amor tão forte que o
tornou incapaz de resistir a Rachel, e Gabe, que tinha dado
uma segunda oportunidade à felicidade com Lilith, seu
primeiro e único amor.

E ele mesmo. Se lhe perguntassem, teria que admitir


que era o mais feliz de todos. Apesar de tudo, tinha tudo o
que necessitava, tudo o que sempre quisera ter, quando o
destino novamente colocou Sophia em sua vida.

— Amo você — murmurou ao ouvido dela.

Sophia lhe sorriu, o que provocou uma imensa alegria


no coração de Julian.

— Eu também te amo.

Julian a beijou, ignorando os outros, e riu quando Brave


e Gabe começaram a imitá-los.
Eram homens muito de muita sorte.
Resenha bibliográfica
Kathryn Smith é uma autora relativamente nova
no mercado anglo-saxão – publicou sua primeira
novela, Elusive Passion, em 200-, apesar disso tem
uma extensa bibliografia – que abrange o gênero
histórico e, recentemente, o paranormal, suas novelas
ganharam alguns dos prêmios mais prestigiados do
gênero (vários de seus heróis receberam o K.I.S.S.).
Desde 2007, graças ao Grupo Planeta, à Essência e à
Romântica Booket, podemos conhecer mais a fundo seu
trabalho.
Começou a escrever quando ainda era uma menina
e depois se dedicou de corpo e alma a inventar novas
histórias. Descobriu as novelas românticas enquanto
cursava jornalismo, e decidiu querer escrever como Lisa
Kleypas. Finalmente conseguiu que publicassem suas
novelas românticas e se entregou a sua profissão.

Cair na tentação.
Segundo a autora: Para esta novela me inspirei na
história do Caroline Lamb e lorde Byron. Sua aventura
foi muito mais escandalosa que a de Julian e Sophia,
mas quis escrever sobre um casal de amantes que se
unem sob a névoa do escândalo que eles mesmo
provocaram.

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