Você está na página 1de 16

TELEVISORES NO AR

Os efeitos da globalização sobre a subjetividade, a identidade e a memória dos


telespectadores

Natalício Batista Jr.


Jornalista e Prof. da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP

Resumo:
A globalização não mudou apenas o perfil da economia, mas principalmente, a da cultura e
do modo como os telespectadores se relacionam com a televisão. Numa sociedade
mundializada, com estilos de vida e referências culturais diversas, a TV amplia sua dimensão
estética para atingir o político. Na medida de que cada acontecimento ou personagem é
transformado em imagem, com voz, gesto e expressão, as diferenças entre grupos sociais
são cada vez mais particularizadas, pois são tomadas como miniaturas, relíquias, aptas a
formar identidades na memória dos telespectadores.

Quando a primeira televisão brasileira (a PRF 3 TV Tupi) foi inaugurada em setembro de


1950, em São Paulo pelo jornalista paraibano Francisco de Assis Chateaubriand, o Chatô,
todos pensavam que a Tv se tornaria a companheira das elites do Brasil, principalmente as
paulistanas e cariocas. O fim da II Guerra Mundial e a franca expansão industrial dos EUA
facilitavam no país, a importação de tecnologia. Chatô comprava equipamentos para
incorporar de vez uma a televisão a suas empresas, um conjunto de jornais e emissoras de
rádio. Neste ano, o Brasil se torna a quarta nação mundial a possuir transmissões televisivas,
perdendo apenas para a Inglaterra, França e os Estados Unidos, onde a Tv já existia
regularmente desde 1941. No dia da estréia, a programação foi assistida apenas pelos 200
proprietários de aparelhos contrabandeados por Chateaubriand e por curiosos distribuídos
entre os 22 monitores de vitrines do centro da cidade de São Paulo.

A TV ainda era produto de luxo, mas depois de um ano, os cálculos mostravam que o Brasil
já tinha comprado cerca de 7 mil aparelhos de televisão. Com 48 anos de vida, a Tv
brasileira acompanhou vários momentos da vida nacional. Ela herdou os profissionais,
cantores e artistas do rádio, adaptou clássicos da literatura nos teleteatros para a satisfação
da elite ilustrada, apresentou programas de música erudita, criou gêneros consagrados
mundialmente, como as telenovelas. Além disso, associou o nome de patrocinadores aos
programas, como o Repórter Esso, Cartilha Musical Pirani e Sabatinas Maizena. Desde o
início, o sonho de ser um veículo popular não a deixou em paz. Dos programas de
variedades da década de 50, como O Céu é o Limite (perguntas e respostas), Esta é a sua
Vida (relato da vida de um personalidade a partir do depoimento de amigos), Gincana Kibon
(brincadeiras e competições) às sessões de porradas, baixarias, denúncias e desabafos que
hoje invade as telas do Brasil, como Ratinho Show (Rercord), Márcia (SBT), Madalena
Manchete Verdade (Rede Manchete), Fantasia (SBT) e Silvia Popovic não levantam apenas
a discussão sobre a qualidade da programação, mas também as transformações sociais,
políticas e culturais sofridas pela sociedade nestes quase 50 anos. Portanto, não foi só a Tv
que mudou. A globalização teve efeitos diretos na vida dos espectadores. Ela começou com
a crise do petróleo em 1973 e o conseqüente investimento dos países nas telecomunicações.
As distâncias geográficas encurtaram e a produção industrial transnacionalizou-se. Além
disso, as novas mídias se incubiram de exportar e pulverizar os bens culturais de seus países.

No Brasil, a televisão que no início procurava reunir o que havia de entretenimento e


popular para a classe média alta, dar hoje voz aos segmentos menos “ilustrados”.
Diariamente, classes menos assistidas pelo Estado encontram espaço em programas de
auditório, onde o drama pessoal, familiar ou o do bairro são discutidos, avaliados e até
julgados pelos apresentadores e a platéia. No ar, os problemas cotidianos recebem uma forte
dose de emoção e sensacionalismo. Vale gritar, xingar e as agressões físicas são justificadas
como um desabafo. Antes de pensar no o compromisso ético desses programas, é como se
pela televisão, os depoimentos dos anônimos e dos suburbanos adquirissem o estatuto de
histórias de cidadãos, já que pelas vias legais dos Estado, a cidadania não é respeitada,
sequer reconhecida. Trata-se da alternativa da TV aberta contra o crescimento das tevês
pagas ! Ou seria a resposta da TV ao insucesso das políticas econômicas, que sem garantir
saúde, educação e justiça públicas consolidam a televisão como uma arena de discussão,
com direito a juízes e soluções a qualquer tipo de problema, individual ou familiar !

De modo geral, a televisão transforma-se num espaço pública, em que a voz e a imagem de
quem aparece na tela ganham dimensão política. Há quem diga, como o Diretor do
Programa de Cultura e Tecnologia da Universidade de Toronto, e atualmente herdeiro
intelectual de Marshal Macluhan, Derrick Kerckhove, que a televisão recupera a oralidade e
a tatilidade de tudo o que se apresenta na tela, particulamente na sua relação com a
linguagem e com a forma sob a qual validamos a realidade sensorial. Segundo ele, no
momento colocamos de lado toda a proeminência dada a cultura letrada para voltar a cultura
oral. Kerckhove vai mais além ao apontar que no mundo oral-cibernético a ignorância será
uma comodidade valiosa, pois

“...os indivíduos não “programados” terão a vantagem funcional sobre os “programados”.


Os ignorantes são mais flexíveis porque não têm de lutar contra velhos condicionamentos e
estruturas mentais para aprender novas tecnologias” (Kerckove, 1997: 26)

Neste ponto, o autor considera a experiência da televisão e dos demais audiovisuais, cada
vez mais aliados ao computador, uma ponte direta entre as culturas ocidentais letradas e os
meios de comunicação oral e audiovisual, sem requerer a individualização da apropriação e
transmissão dos conhecimentos potencializados pela escrita. Sem a universalidade do livro,
os espectadores podem selecionar, reconstruir e fortalecer decisões e manifestações
políticas, como culturais que eles desejam preservar para as futuras gerações. No corre-
corre da publicidade, da informação e da concorrência pela maior audiência ganha a
televisão que está mais próxima do cidadão, não em geografia mas em sedução, fascinação e
dramatização dos acontecimentos. Daí uma das razões do sucesso de vários programas
populares na história da tevê brasileira e mundial. Num trabalho sobre a participação da
televisão no Estado francês, o sociólogo Régis Debray (1994) ao mesmo tempo que salienta
a desacralização da imagem dos políticos e fatos na tela, admite a potência iminente do
toque , do emotivo, que exclui todo teor cerimonioso. De acordo com Debray, a
telepresença de um presidente ou de uma personalidade pública faz confundir o símbolo
jurídico com sua encarnação. Para ele,

“... um Presidente da República não é um francês eminente que habitava na frança, mas um
francês como qualquer outro que a França habita: neste caso, o único em 55 milhões de
cidadãos(...) Reputar a autoridade de um Presidente da República é ver duplicado quando se
olha para ele. Ver através do corpo sexuado, datado, contigente, atingido pela facticidade
(digno de compaixão como você e eu, como tudo o que é essencialmente
acidental)”(Debray, 1994: 25)

O que Debray retoma é sem dúvida, o sentido de aura de Walter Benjamin, na medida que a
duplicação e o uso irrestrito das imagens públicas pela televisão, além de acentuarem a
natureza da exposição, reivindicam também, a dimensão política do acontecimento e da
cena. Se segundo Benjamin, a obra de arte perdia sua aura pela reprodução de cópias, por
não ser algo único, mas uma mercadoria sujeita as variações financeiras e simbólicas do
mercado, a aura do Príncipe , como mostra Régis Debray, passa na era da reprodutibilidade
técnica pelas mesmas vicissitudes da obra de arte. O fato quer ter um corpo, as minorias
querem ter voz, representação, com também um strory board, que atualizem na memória
dos telespectadores a trajetória de suas reivindicações através dos telejornais e programas. .

Isso significa que a televisão junto as imposições da globalização exigiram a transferência da


mediação simbólica para a mimética ( os acontecimentos precisam ser visualizados ), do
escrito para o transcrito ( o relato e o depoimento, aptos a emocionar os espectadores), da
informação para a comunicação, do Estado para a sociedade civil, da economia produção
para a de serviços. Há o salto de uma cultura de conhecimentos para uma de diversão, sem
falar que o princípio de realidade foi substituído pelo o de prazer. Não é a toa, que a
audiência do programas mais populares é justificada pela crítica como exemplos de
descompromisso ético, em sociedades que não sabem mais o que fazer com tantos valores
morais, resultantes da diversidade de grupos étnicos, regionais, políticos, nacionais e etc. A
sociedade cresceu e o estado, baseado em modelos racionais de organização e centralização,
não consegue deter a explosão de interesses e estilos de vida. A tela é deste modo, um
palco, onde a sedução pela imagem é requisito da performance, que é requisito do
espetáculo, fonte de credibilidade.

Qualquer consideração feita sobre a televisão não pode estar separada da relação tradicional
entre a tecnologia e a experiência vivida. Principalmente nos tempos atuais, quando os
audiovisuais transformam o dia-a-dia e as concepções sobre a imagem em si. Nos últimos
dez anos, os efeitos da globalização são excessivamente debatidos nas universidades, nos
jornais e no marketing político. A literatura apresentou perfis de cidades globalizadas, onde
a tecnologia interfere em todos os níveis do cotidiano. Nestas sociedades, a economia de
serviços altera as relações de trabalho e emprego, além das representações políticas como o
sindicato, o partido e o Estado perderem poder de centralização. Se de um lado, o modelo
das sociedades tradicionais, baseadas no controle ideológico das instituições é revisto, a
cultura mundializada, ou globalizada, com seu efeitos irreversíveis de sedução política pela
imagem, não significa uma forma feita a se copiar ou substituir, nem mesmo um destino a
que todas as cidades serão submetidas.

Devagar que o santo é de barro. A experiência política, econômica e cultural dos últimos
tempos parece confirmar uma coisa: quando se trata de sociedade e globalização, cada
comunidade, cidade, país e cultura tem seus próprios ritmos. Claro, que todas são integradas
pelo satélite, pela tv a cabo e pelo computador, mas é na brecha entre as informações
mundializadas e o repertório mais particular, mais interiorano da regiões, que podemos
definir traços e diferenças de nossa contemporaneidade. Não me interessa pensar a partir do
surgimento das culturas globalizadas, nem do desaparecimento do Estado e da economia
moderna, mas de como os audiovisuais são responsáveis pela reposição e troca continua de
identidades, diferenças, representações políticas e memória nas sociedade atuais.

A fugacidade da produção audiovisual contrasta-se diretamente com o ideal moderno de


racionalidade, que pretendia criar formas perenes, universalmente legítimas e consensuais.
Neste impasse, a estética não é a manifestação do belo, nem os meios de comunicação um
processo unilateral de transmissão de mensagens. A mercantilização dos produtos culturais
disseminada pela “reprodutibilidade técnica” não teria sentido dentro de sociedades, onde a
experiência artística e política fossem desmistificadas ou autônomas. Para o sucesso da
mercadoria, era preciso além dos investimentos financeiros, os simbólicos. (Berman, 1996).
São eles que aproximam o leitor do folhetim, os espectadores das fotografias e filmes, a
dona de casa da novela, as adolescentes do novo vídeo-clip do Jon Bom Jovi. Ao aproximar,
cria-se uma realização individual. Através de sua linguagem, cada tecnologia passa ser uma
performance, que acompanha a aparência dos corpos e dos objetos, como os mais pequenos
gestos da vida cotidiana.

Foi a distância geográfica e o suposto isolamento das culturas exóticas provocados pelo
evolucionismo e depois funcionalismo dos conquistadores ocidentais, que até recentemente
sustentavam a dificuldade do homem lidar com a alteridade. No entanto, o encurtamento
dos países pela aceleração da comunicação e dos transportes, como pela migração constante
de pessoas em direção aos grandes centros e metrópoles, preocupou os que temiam a
aculturação. Para surpresa dos herdeiros do eurocentrismo, o fenômeno da globalização e da
expansão audiovisual neste século, não foi responsável isoladamente pelo desaparecimento
de culturas e comunidades. Ele acabou por gerar resistências e mesmo renovação das
diferenças culturais em regiões de grande interação social. É como se a aglomeração
populacional nas cidades e as formas de interfaces entre as mídias audiovisuais recriassem a
cada esquina, bairro, ou exibição um repertório, um patrimônio e portanto, a memória das
sociedades.

Identidade, Subjetividade e Globalização

Num mundo global, facilmente nos vemos em contato com símbolos e ícones de outras
civilizações. Mas, o rompimento da linha vermelha que separava a cultura de grupos e
nações não é recente, nem mesmo um dos efeitos da globalização. No Brasil do século XIX,
o escritor Euclides da Cunha já descrevia com certa amargura o país como “ uma cultura de
empréstimos” , formada por cidadãos iludidos, cegos copistas de tudo o que de melhor
existia em outras nações. Crítica exagerada, se visitarmos as artes e os costumes de séculos
passados. No século 18, os modelos culturais franceses eram tanto imitados quanto
rechaçados pela Europa. Como o pintor inglês Willian Hogarth, que defendia a unhas e
dentes a pintura inglesa, acrescentando que ninguém precisava de estudos no exterior. Já no
Renascimento (sec. 16), a cultura italiana era difundida por todo o Velho Mundo. Da
Escócia à Espanha, a difusão incluía a poesia de Petrarca, as pinturas de Rafael, o Príncipe
de Maquiavel, os estilos da arquitetura clássica, a dança, a montaria a cavalo e a esgrima. O
tempo dividia a Europa entre os italianólilos e italianófobas. Tal qual hoje, reagimos a
cultura norte-americana, o repertório simbólico da Itália coexistia e se interagia nos
indivíduos. Até Shaskespeare, no Ricardo 2º, através do personagem Duque de York
apresenta o desdém pelos estrangeiros e por sua própria cultura quando fala da “orgulhosa
Itália” , a qual sua nação “segue aos tropeços em vil imitação” .

Na Espanha medieval, por exemplo, as culturas cristãs, mulçumanas e judaicas combinavam


elementos de suas tradições. Algumas igrejas católicas foram construídas em estilo
mulçumano, com arcos, azulejos e decoração geométrica nas portas e tetos. Existam até os
bilíngües: eles escreviam o espanhol em caracteres romanos. Se os japoneses são hoje
admirados e invejados por sua economia e tecnologia, não se pode esquecer que ao longo da
história, tomaram de empréstimo hábitos e verdades chinesas: a burocracia, o sistema de
exames escolares, os ideogramas, a caligrafia, a cerimônia do chá e o budismo.

A idéia de uma pureza como parecia defender Euclides da Cunha, por si só não se esclarece.
Parece que somos todos “emprestadores” , como os italianos, os franceses e os japoneses.
Não é estranho neste contexto, a reivindicação da identidade pessoal e coletiva, que as
humanidades defendem há séculos. Ao contrário da modernidade que procurava a todo
custo referências geográficas e nacionais para os indivíduos, a globalização da economia, a
comunicação eletrônica e satelizada colocam o cidadão num mercado de ofertas, onde a
qualquer momento, cada um pode produzir uma singularidade.

A mídia eletrônica cria uma variedade de ambientes, aproximando uma imensa diversidade
de corpos, não só humanos. Daí, aparecer uma brecha: como a televisão pode a todo
instante, recriar subjetividades ! Novas pressões são impostas, não apenas pelo trabalho,
pelo sindicato, partido, ou mesmo pelo sentimento de nacionalidade. Diferente de uma
modernidade, em que o Estado era um senhor de decisões, onde a doutrinação e educação
dos cidadãos eram requisitos básicos para a estabilidade e controle do território, a televisão
parece furar este esquema. Para ela, somos todos espectadores e portanto, queremos ser
seduzidos. Em Reinventando a Cultura (1996), Muniz Sodré estabelece um traço sobre esta
nova experiência democrática, não mais baseada no policiamento estatal. Para ele,

“... as antigas estratégias de imposição ideológica deram lugar ao controle das populações
pela exposição de um universo imagético sedutor. O poder não se esconde ,
panopticamente, para vigiar. Ao contrário, expõe-se, mostra-se, multiplicando até a
metástase os seus dispositivos de simulação do mundo, muito provavelmente para que este
coincida no real-histórico com as operações socializantes do mercado de consumo” (Sodré,
1996: 91).

Estaríamos ingressando num mundo em que a criação individual e coletiva se encontram


em alta, pois há muitos estados de corpo que pedem novas projeções e identidades,
mantidas cada vez mais pelos recursos da televisão, como a novela, o programa de
variedades, o telejornal e a publicidade. Outro exemplo são infovias: a impressão de
estarmos participando de uma comunidade humana que produz e compartilha seus
conhecimentos e decisões a viva voz. Como se cada membro, pudesse virtualmente, livrar-
se de uma identidade pré-fabricada a partir do lugar que ocupa no mercado, sem correr o
risco de transformar-se num nada, num homem sem origem geográfica, passado ou
memória.

O que é oferecido pela Tv aberta e multiplicado pelos canais a cabo acaba pulverizando o
mundo com identidades prêt-à-porter, figuras glamurizadas, ora imunes, ora ameaçadas
pelos estremecimentos da sociedade. São espécies de próteses de identidade, de rápido
efeito, pois os clones que elas produzem, com seus selfs esteriotipados, são suscetíveis as
mudanças no mercado. Assim, o indivíduo e a mídia são gêmeos, viciados na mitificação e
consumo do que se apresenta como imagem sedutora. É a garantia de que se possa
assegurar um reconhecimento em algum lugar. O elenco de ofertas varia das drogas
farmacêuticas, produtos do narcotráfico, aptas a produzir miragens de onipotência frente as
exigências do dia-a-dia e da competição, às literaturas de auto-ajuda das livrarias
(esotéricas, evangélicas, neuro-linguísitca), que prometem eliminar o mal-estar psíquico.
Sem falar, as várias fórmulas de purificação orgânica e de modelagem corporal vendidas
pela TV. Desejamos ter um corpo de Top model, o sorriso e a pele da Avon, na medida que
a indústria do cosmético cria e recria suas imagens.

O que pode se levantar é a oportunidade de cada um produzir uma singularidade em


processo, resultado da combinação das forças de um coletivo anônimo. Mas, onde podemos
parar ! Ao mesmo tempo, que se dissemina e mistura identidades, a globalização tem
também um avesso: a homogeneização de certas identidades e subjetividades próprias a cada
segmento de mercado. Estas são descartáveis, flexíveis, prontas para a compra e venda e
substituição. Na briga por uma imagem de si, dois pontos são importantes: a pulverização
de representações pela tecnologia como é a TV e a resistência dos separatismos nacionais,
étnicos, raciais, sexuais, as chamadas minorias, espécies de contra-ataque a globalização da
identidade.

Para não embolar o meio de campo, é importante lembrar-mos que o xenofobismo étnico e
racial do ocidente é resultado de uma postura funcionalista sobre a cultura. No século XIX,
no contato com as sociedades africanas, ficava cada vez mais claro a dificuldade do nativo
“civilizar-se”. Nasce portanto, a revalorização da diferença frente aos universalismos da
antropologia vitoriana e evolucionista. A civilização não era mais um destino errefutável das
sociedades, mas um processo autônomo, no qual as culturas poderiam aceitar ou recusar. A
distância geográfica e cultural em relação a Europa não gerava a oposição primitivo x
civilizado. Longe da metrópole, cada sociedade possuia especificidades. Sem dúvida, a
maior preocupação dos funcionalistas, ao introduzirem a pesquisa de campo, foi a formação
de grupos étnicos, discretos e homogêneos. Esses tinham língua, hábitos, valores e
psicologia próprios.

Soterrado o modelo ilusório de sociedades primitivas, o funcionalismo produzia outro


problema teórico e político: as identidades étnicas. Se tomarmos a noção de identidade
como uma forma de representação coletiva, que designa pertencimentos, ela logo se
transforma numa maneira de nomear, ordenar e nivelar as diferenças pelos traços
particulares de uma cultura. Ora, nas sociedades industrializadas, o crescimento das
migrações por motivos econômicos ou turísticos, das periferias aos centros urbanos, coloca
o que há de “diferente” no coração da sociedade. Onde o Estado parecia ter unificado os
contrastes, aparece a reivindicação política das minorias. As identidades nacionais são aqui
um exemplo, pois são produzidas com o objetivo de domesticar as diferenças culturais,
étnicas e religiosas dentro do próprio território nacional.

Se o destino das cidades contemporâneas é o convívio com uma pluralidade de etnias,


costumes e modos de vida, o modelo de crítica cultural baseado em princípios de sangue e
territorialidade, tão bem ajustados as noções de raça e nacionalidade, já não são mais vistos
como equivalentes e homólogos. Deste modo, a identidade mais de que um termo
explicativo da cultura é em si mesmo uma performance simbólica. Identidade cultural não é
aceitar um ponto numa escala de evolução civilizatória, não é estar consciente das
particularidades étnicas e lingüísticas, que também reforçam o isolamento. Claude Lévi-
Strauss (1976), de antemão levanta a hipótese de uma experiência cultural não
substantivada, ou essencialista, mas como um foco virtual, um esforço de construção
indispensável.

“Muitos costumes nasceram, não de alguma necessidade interna ou acidente favorável, mas
apenas da vontade de não permanecer atrasado em relação a um grupo vizinho, que
submetia a normas precisas um domínio de pensamento ou de atividade, cujas regras ainda
não se havia pensado em editar. Por conseguinte, a diversidade das culturas humanas não
nos deve levar a uma observação fragmentadora ou fragmentada. Ela é menos função do
isolamento dos grupos que das relaçãos que os une.” (Lévi, 1993: 333)

A compreensão sobre a cultura se estabelece no espaço entre o modelo de identidade


(teórico) e a experiência vivida da diferença. Para Lévi-Strauss, o patrimônio simbólico de
uma comunidade ou sociedade é acima de tudo relacional, ou seja um modo como as
pessoas se auto-atribuem identificações.
As Identidades e a cena político-midiática

A classificação pela língua, religião, ou filiação sugeria a existência de portadores naturais e


espontâneos de heranças culturais, que se distinguiam empiricamente. Lembrando Lévi-
Strauss e o texto de Fredik Barth (1969), Etnic groups and bounderies. The social
organization of culture difference, a cultura não é uma conseqüência direta do fato de se
pertencer naturalmente a um grupo, mas de um processo simbólico de autodesignação de
traços culturais, mesmos aqueles que podem ser fisicamente oferecidos como ausentes.
Neste ponto, reforçar identidades na mídia passa ser um jogo de interesses, ora político, ora
de pertencimento. A definição de caracteres reconhecíveis como comidas, músicas e roupas
típicas cria uma imagem convincente sobre a realidade do grupo, produzindo lealdades
afetivas e personalizadas. Prevalece a idéia de que a fidelidade étnica garante a autenticidade
e a originalidade do grupo, que deseja a qualquer custo reconhecimento na mídia. Criam
pelo discurso e pela imagem maneiras renovadas de apresentar os traços culturais
etnicamente distintos, ou seja, armam estratégias interlocutórias entre o sujeito a televisão.
Aparecem na espetacularização da guerra, esteve nos conflitos entre Bósnia e a Iugoslávia,
na diáspora de palestinos, curdos e sikhs pela defesa de um território como fonte de um
imaginário nacional. Como também na reprodução dos estilos urbanos: os funkeiros não
podem ser confundidos com rapistas; skeitistas não se assemelham aos patinadores; grunges
não se simpatizam metaleiros e assim por diante. Neste mesmo esquema, se adaptam os
programs como o ratinho, Márcia e Madalena Manchete verdade. Por alguns minutos, as
minorias que diariamente não exercem a cidadania podem ilusoriamente sentirem-se
reconhecidos, pois são na TV, personagens e protagonistas. O que parece ingênuo, é para os
mais atentos o desejo de ser verossímil. Algo que a antropóloga Paula Montero (1997)
chama de uma politização da diferença. É por ela que grupos podem competir na telinha por
direitos e espaço social. O que interessa é o poder de exposição da imagem reproduzida. A
dimensão política da cena, defendida por W. Benjamin no ensaio “A obra de arte na época
de sua reprodutibilidade técnica”
Tudo o que foi tratado até agora expõe a fragilidade do conceito de aculturação e cidadania.
Por um lado, não podemos pensar o debate sobre cultura a partir de termos como
americanização. Isso seria reduzir ou confundir cultura com consumo. Nem entretanto,
pensá-la como a exportação do modelo de Estado Nacional democrático, já que este não é
em nenhum momento compatível com a polifônia de identidades na própria nação. Mas por
outro lado, a televisão se tornou um espaço político, que já não se pode mais negar.

A audiência da televisão é também o traço de uma demanda. Entretanto, a opinião pública


sobre a qualidade da TV como o modo dos grupos da sociedade civil se representarem é de
maneira geral, a estatística daquilo que é veiculado, jamais o que o público gostaria de ver.
Portanto, antes de qualquer reação apocalíptica, as massas expostas ao fluxo tecnocultural
não são “amorfas”. Diferente dos frankfurtianos, as imagens criadas pela mídia não são
resultados de um zona como a “indústria” , nem por um público dito “massa” . Nem muito
menos, a comunicação ser uma forma linearizada, como determinava um modelo de
comunicação representacional, de influência cartesiana: um emissor manda uma mensagem
para um receptor através de um canal. Aqui, a realidade não fazia parte do sujeito e virce-
versa. Na cultura contemporânea que falamos, o trabalho e as forças produtivas competem
diretamente com sua expressão simbólica. As trocas sociais estão sob o égide sob signo, e
portanto, o poder e o controle são discursivamente sutis. È uma espécie de retomada dos
valores aristotélicos de retórica nos discursos de “ massa” . Cada nova mídia, deve
acrescentar a palavra ao fascínio das imagens. Ela não deve dispensar novíssimas
tecnologias, que a moda sofistica para produz ilusionismos, através do espetáculo da vida
social.

Memória audiovisual: a miniaturização dos objetos e acontecimentos

Na passagem do século XIX ao XX, W. Benjamim retrata o homem da metrópole como um


duelista da multidão, acostumado as estocadas e aos choques. Ele tinha para Benjamim,
mais cosnciência que memória, porque as surpresas e a onipresença das situações cotidianas
alteravam significativamente a usa sensibilidade. É que no meio do tráfego urbano e da
reposição continua de objetos pela técnica, os indivíduos desenvolveram, mais a capacidade
de percepção do que lembra-se. Pois, na descontinuidade da vivência, o fortalecimento da
percepção através de próteses tecnológicas como os audiovisuais, era imprescindível para
interceptar as surpresas da cidade. Mas, se o mundo concentrav-se na consciência do
imediato, a memória, base da experiência, perdia todo o contato com a tradição e com isso,
transformava os indivíduos em vítimas de uma “ amnese” (Rouanet, 1992)

Ser cidadão era conviver com a fugacidade dos contatos sociais e principalmente, com a
reposição contúnua de imagens nas ruas, vitrines, jornais e revistas. Viver era também
adaptar-se a congestão de nossas retinas, ao prazer escópico provocado pelas imagens, pelo
poder de vê-las e tocá-las em suas reproduções como hoje é na televisão. Agora, a tradição
cultural (a oralidade a escrita) imerge numa civilização entregue a suas alegorias, as teias do
próprio imaginário. (Le Goff, 1994). Se na oralidade o ato de contar perpetuava a memória
da comunidade e na escrita, a linearidade histórica do texto servia de interpretações para as
gerações futuras, o imaginário das sociedades globalizadas é composto de fotografias, filmes
e imagens eletrônicas. A atividade mnemônica está associada ao fluxo irrestrito do
inconsciente, a maneira afetiva como cada imagem nos toca.

Além do problema da identificação criado pelos audiovisuais, a noção de sujeito-espectador,


roubada do cinema, exige agora um campo mais vasto de questões, sobretudo de ordem
política, relativas ao papel da televisão na mutação do ambiente urbano. Pela utilização da
imagem em movimento, o cinema contribuío para um conjunto de atividades de troca na
cidade moderna. Todas, orientadas pela lógica da produção-consumo. De fato, uma forma
diferente de sociabilidade: uma imagem mediática, que mune as ações de um caráter
“estético” . No caso da câmera cinematográfica, o início de uma pertubação histórica
através da reprodução de uma irrealidade: a vida dos indivíduos das sociedades
industrializadas.

Mas, antes de tudo, a relevância inicial dos audiovisuais - a fotografia, o cinema e a televisão
- foi tornar os acontecimentos, cenas pessoas e lugares, objetos portáteis. A câmera ao
enquadrar, acabava miniaturizando. A miniatura estava ao alcance dos olhos e das mãos. Era
um estratégia particular de uma cultura, em que a maioria é nômade ou refugiada, que
contra o tempo lutam para não esquecer ou serem esquecidos. Aqui, a televisão é
diretamente responsável pela formação de uma experiência cultural, pois cumpre de uma
maneira ou de outra, o papel de memória. Ela não é a simples conservação do passado, nem
um registro mimético e passivo dos acontecimentos da vida, mas a operadora do
esquecimento dos fatos cotidianos mais fugidios, daquilo que está destinado a retornar
enquanto reminiscência. (Sontag, 1986).

O caminho não é tão simples assim. Ao mesmo tempo que a televisão miniaturiza em nome
da lembrança, algo é ocultado pelas regras e exigências da própria linguagem, o que vale
também para a fotografia e o cinema. Frente a câmera, o referente é reduzido de tal maneira,
que não pode em nenhum momento ser confundido, ou trocado pelo objeto. (Dubois, 1994).
Uma relação do duplo - o signo - com seu objeto: estar no lugar de outro, que não ele
próprio. Como resultado, a miniatura feita pela televisão conduz muitas vezes ao espírito de
uma contemplação desinteressada: um retrato de tudo que nos rodeia. Contudo, a corrida
pela miniatura, verdadeira febre do século XX , significou também, a experiência da
melancolia sobre as coisas, que se deterioram com o tempo. O telespectador tem muito do
melancólico. Ele sabe da grande quantidade de informações que precisa conhecer, mas
admite a incapacidade de registrar todas eles. Para o telespectador melancólico, a vida é
mais rápida do que a consciência, pois os fatos passam e vão embora. A televisão oferece
aos melancólicos, ameaçados pela substituição e a desvalorização das mercadorias, nada
mais do que relíquias. Daí, o prazer pela documentação e pela reportagem do doméstico, da
exposição e espetacularização da realidade, que na hipótese de registrar a duração do real e
da vivência, não deixou de fabricar sonhos, heróis e identidades.

Como o melancólico de W. Benjamim, que sabia que a verdadeira compreensão do mundo


estava na proporção exata entre a morte e a deteriorização dos objetos, a televisão também
tem como um dos seus propósitos, a experiência da vida, dos fatos, acontecimentos e
personagens através de consolidações de miniaturas de imagens, eufemisticamente filtradas
pelas lentes da câmera. Como se o entendimento da história se desse na fetichização das
cenas capturadas. O passado e a fugacidade dos acontecimentos diários, que o mundo do
trabalho da época moderna excluíam em nome do progresso, procuram resistir na TV. Eles
não desistem fácil. A televisão aparece portanto, entre a memória e a iminência do
esquecimento, no choque da possibilidade da lembrança, do desejo de prosseguir e a
amnese, provocada pela congestão de imagens.

Referências Bibliográficas
Benjamin, Walter (1985)
A obra de Arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Walter Benjamin - Magia e
Técnica, arte e política. Obras Escolhidas, São Paulo: Brasiliense.
______________ (1975)
A modernidade e os modernos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro
Berman, Marshall (1996)
Tudo que é sólido desmancha no ar. Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Cia das
Letras.
Dirlik, Arif (1997)
Notas para uma geografia pós-nacional. In: Revista Novos Rumos (CEBRAP), n. 49,
São Paulo, pp. 33-46
Dubois, Philippe (1994)
O Ato fotografico. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Papirus editora.
Fredrik, Barth (1969)
Etnic groups and bounderies. The social organization of culture difference, Boston:
Little, Brown and Company.
Goff, Jacques Le (1994)
História e Memória. Trad. Irene Ferreira. Campinas (SP): editora Unicamp.
Kerckhove, Derrick (1997)
A Pele da Cultura – Uma investigação sobre a nova realidade eletrônica. Trad. Luís
Soares e Catarina Carvalho.Lisboa: Relógio D’água.
Laswell, H. D (1987)
A estrutura e a função da comunicação na sociedade. In: Comunicação e Indústria
Cultural. Org. Gabriel Cohn. 5 edição. São Paulo: T. A. Queiroz, Editor
Montero, Paula (1997)
Globalização, identidade e diferença. In: Revista Novos Estudos (CEBRAP), n. 49, São
Paulo, pp. 47-64
Rouanet, Sérgio Paulo(1992)
Por que o moderno envelhece! In: Folha de São Paulo, São Paulo, caderno Mais, 12 de
julho, p.6.
Sodré, Muniz (1997)
Reinventando a Cultura – a comunicação e seus produtos. Petrópolis (RJ): Vozes.
Sontag, Sunsan (1986)
Sob o signo de saturno. Trad. Ana Maria Capovillla. São Paulo|: L&PM editores.
Strauss, Claude Lévi (1993)
Antropologia estrutural dois. Trad. Maria do Carmo Pandolfo. Rio de Janeiro: ed
Tempo Brasileiro.
Weaver, W. (1987)
A teoria matemática da comunicação. IN: Comunicação e Indústria Cultural. Org.
Gabriel Cohn. 5ª ed, São Paulo: T.ª Queiroz, editor.

Você também pode gostar