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Aproveitamento de

oportunidade por empreendedor


segundo o modelo de Hills
e Shrader: um estudo de caso
Harnessing entrepreneurial opportunity according to the
model of Hills and Shrader: a case study
Rubens CukierI

Resumo O objetivo deste estudo é ilustrar como um empreendedor que atua no ramo têxtil
buscou subsídios para alavancar seus negócios, por meio da percepção de oportunidade, pro-
curando independência da matéria-prima importada e a substituindo por material originado da
reciclagem de outro negócio. A pesquisa foi conduzida por metodologia qualitativa, explorató-
ria, por intermédio de entrevista, cujo roteiro é semiestruturado. Os resultados estão de acordo
com Hills e Shrader (1998), que argumentam que empreendedores de sucesso concordam que
novas oportunidades de negócios surgem fortemente relacionadas: a uma solução para um
problema específico; às mudanças do mercado e hábitos de consumo dos clientes; à escuta
dos clientes, sobre o que eles desejam e não desejam. Os resultados ilustram que efetivamente
ocorreu o que se pode designar por percepção e aproveitamento da oportunidade.
Palavras-chave: Empreendedorismo; Modelo; Caso; Oportunidade; Percepção.

Abstract The objective of this study is to illustrate how an entrepreneur who acts in the
textile branch sought to leverage their businesses, through the perception of opportunity,
seeking independence from imported raw material and replacing it with material originated
from the recycling of other business. The survey was conducted for exploratory, qualitative
methodology by means of interview whose script is semi-structured. The results are in line
with Hills and Shrader (1998), who argue that successful entrepreneurs agree that new busi-
ness opportunities appear strongly related: a solution to a specific problem; to market changes
and customer consumption habits; listening to the customers, what they want and don’t want.
The results illustrate that effectively took place what can designate for perception and utiliza-
tion of the opportunity.
Key-words: Entrepreneurship; Model; Case; Opportunity; Perception.

I
Faculdade de Paulínia (FACP), Paulínia/SP - Brasil

Revista de Ciência & Tecnologia • v. 19, n. 37, p. 69-81 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252 69
Introdução

O Empreendedorismo é uma manifestação da capacidade humana que tem conquistado


a dedicação de estudiosos e pesquisadores da Administração pelo seu impacto social e por sua
importância econômica. O Brasil vem se destacando como um dos países de maior nível de
Empreendedorismo no mundo, enquanto cresce a percepção de que a atividade empreendedora
pode ser um dos fatores decisivos para o desenvolvimento econômico do país. Estudiosos no
tema em outros países sugerem que o ponto inicial e principal do processo do Empreendedo-
rismo é a atividade de buscar oportunidades continuamente e de forma criativa (ALVES, 2005,
p. 6). É sobre esse ponto vital do processo de empreendedorismo que este trabalho se debruça.
Segundo Kirzner (1973), a descoberta da oportunidade é o ponto principal do proces-
so de empreendedorismo. Sob essa perspectiva de que os empreendimentos motivados por
oportunidades apresentam-se como os mais fundamentados e qualificados para alcançarem o
sucesso, torna-se relevante analisar as diferentes fontes de oportunidades que são exploradas
pelos empreendedores ou que estão disponíveis para eles.
O objetivo deste artigo é apontar os fatores preponderantes em que um empreendedor
visualizou a oportunidade na reciclagem do plástico de garrafas PET e a viabilizou economi-
camente, com ganhos para os seus stakeholder, em especial para a empresa matriz, que sofria
com a importação da matéria-prima (fio de poliéster), cujos preços e custos internos elevados
quase que inviabilizaram o seu negócio.
Esta pesquisa procurou evidenciar a visão de oportunidade do empreendedor do ramo
têxtil, as barreiras encontradas num setor pouco conhecido por ele, como foram superadas e
extraídas evidências sobre os fatores críticos de sucesso para a viabilização do negócio.
A literatura pesquisada sobre oportunidade relacionada com empreendedorismo é recor-
rente. Entretanto, por se tratar de um assunto relativamente novo, os exemplos são poucos explo-
rados de maneira científica e, muito se perde de experiências que trouxeram resultados positivos.
É interessante notar que quase não há no Brasil, de acordo com Alves (2005, p. 20),
estudos focados na identificação e reconhecimento de oportunidades e motivação dos empre-
endedores.
O processo de identificação, ou reconhecimento, de oportunidades envolve três ativida-
des principais: percepção, descoberta e criação. A percepção estaria relacionada com o ato de
sentir as demandas do mercado ou perceber a subutilização de recursos. A segunda atividade
seria a descoberta do “encaixe” (fit) entre uma necessidade particular do mercado e recursos
específicos. E esse processo terminaria com a criação de um novo “encaixe” entre essas ne-
cessidades e recursos, até então separados, em um conceito de negócio bem definido (HILLS
e SHRADE, 1998).
De acordo com Alves (2005, p. 38), Lumpkin e Hillst (2001) sugerem uma abordagem na
qual aproxima o processo de identificação de oportunidades com o processo criativo, alegando
que se trata de um aspecto inerente do mesmo (ver Figura 1). Essa abordagem sugere a existência
de cinco fases no processo criativo que teriam sua equivalência no processo empreendedor de
identificação de oportunidades: preparação, incubação, lampejo (insight), avaliação e elaboração.

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Figura 1: Processo de Identificação de Oportunidades de Lumpkin e Hillst (2001)

É neste contexto que esta pesquisa se insere: desvelar uma experiência de um empre-
endedor que, num primeiro momento, sentiu a necessidade da sobrevivência do seu negócio,
levando-o a buscar alternativas em diferentes ambientes de atuação, por meio de tecnologias
conhecidas e estabelecesse um plano de viabilidade econômica.

Oportunidades versus empreendedores


O tema em discussão, reciclagem de materiais plásticos, é de grande relevância para a
sociedade, considerando alertas dados por especialistas do meio ambiente e que têm levantado
questões fundamentais de preservação do planeta.
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Na área de ciências sociais e aplicadas, quando se relaciona com questões empreendedoras,
o foco se volta para ações, comportamentos, estratégias, entre outras variáveis e que podem
somar aos estudos de outros especialistas. Nesse sentido, os estudos nessa área são incipientes.
De acordo com Shane (2005), as oportunidades para os empreendedores são situações
nas quais há chance de introduzir um produto que gera mais receitas do que seu custo de
produção. Esse autor apresenta ainda que essas situações existem quando as necessidades dos
clientes não estão sendo satisfeitas, ou quando for possível satisfazê-las de uma maneira me-
lhor do que a atual. Alega que identificar uma oportunidade valiosa é perceber a mudança que
torna a oportunidade possível.
Oportunidade surgida de uma ideia, conforme Schumpeter (1988) trata-se de um pro-
cesso de destruição criativa em que há uma procura constante para criar algo novo, que simul-
taneamente, destrói regras antigas e estabelece as novas, todas direcionadas à busca de novas
fontes de lucros.
As oportunidades surgem para os empreendedores como forma de melhorar a situação
atual, de acordo com Shane (2005). Esse autor diz que as oportunidades para os empreende-
dores são situações nas quais têm chance de introduzir um produto que gera mais receitas do
que seu custo de produção.
Baron e Shane (2007) compreendem a oportunidade originada quando uma ou mais pes-
soas reconhecem e transformam a ideia em algo novo ou o que já existe de forma melhorada.
Desse modo, uma inovação por transformação é vista como “novos produtos ou serviços,
novos mercados, novos processos de produção, novas matérias-primas, novas formas de orga-
nizar as tecnologias existentes, dentre outros” (p. 12).
Sarasvathy e Dew apud Machado (2009) tratam o assunto oportunidades como um pro-
cesso de transformação contínua para atingirmos o sucesso da organização e satisfação dos
seus respectivos clientes.
Shane (2005) comenta que as oportunidades surgem para os empreendedores como for-
ma de melhorar a situação atual, gerar mais receitas e atender mais plenamente às necessidades
dos clientes, nesse caso a oportunidade decorre da necessidade de uma das empresas do Gru-
po Majoritário.
Assim, com base nessas reflexões, fica claro que a organização que busca por opor-
tunidade e inovação precisa ir além de ferramentas, tecnologia, recursos. Necessita pensar
estrategicamente, ter equipe que auxilie na construção da ideia e do negócio e, sobretudo, ter
à frente um empreendedor com visão de negócio, comprometido e experiente em suas ações
no contexto em que atua.

O empreendedor

As várias concepções hoje existentes sobre o empreendedor demonstram o caráter rico e


multifacetado desse ator: pessoa que assume riscos em condições de incerteza, fornecedor de
capital financeiro, decisor, líder industrial, gestor ou executivo, dono de empresa, contratante,
árbitro no mercado, entre outros. Essas distintas acepções geraram, muitas vezes, diferentes
desdobramentos teóricos e abordagens empíricas (NAIR, PANDEY, 2006).
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O empresário é um criador de atividades. “Combine alguns, ou todos, os fatores de pro-
dução, lance mão de fatores de produção próprios ou alheios, imite ou inove, funde pequenas
ou grandes empresas, o fato é que, onde um empresário entra em atividade, sempre surge uma
nova unidade de produção” (GALVES, 1981:122).
O empresário tem iniciativa e gosta do risco; possui conhecimentos técnicos que lhe permi-
tem descobrir oportunidades; possui uma capacidade administrativa que lhe possibilita construir
a Organização e geri-la de forma a obter o máximo rendimento dos fatores nela colocados; tem
a capacidade de liderança que lhe autoriza conduzir os demais para determinados fins.
Chagas e Freitas (2001) listam alguns conceitos de empreendedor, com base em Gon-
çalves (1997), Farrel (1993), Drucker (1987) e Bernhoeft (1996). Gonçalves (1997:12) diz que
a empresa que não se adaptar ao novo modelo empresarial, em que a competição tende a ser
cada vez maior, está com sua sobrevivência ameaçada. Embora não exista um conceito exato
para o termo “empreendedorismo”, pode-se antever nessa afirmação que o empreendedo-
rismo é uma estratégia chave para o sucesso de uma empresa, e que envolve a capacidade de
mudar e inovar rapidamente. A empresa empreendedora é aquela que consegue olhar além
do usual, possuindo habilidade de assumir a direção dos processos de transformação e o re-
direcionamento de seus recursos. Gonçalves (1997:16) observa que “mesmo com o foco num
negócio principal, a empresa deve desenvolver a capacidade de buscar novos nichos e ampliar
horizontes”. Isso é o que se pode entender por empreendedorismo –– a capacidade de desen-
volver uma arquitetura estratégica, onde direção, descoberta e destino transformam a intenção
estratégica em realidade (HAMEL E PRAHALAD, 1997:157).
Drucker (1987) utiliza a expressão “entrepreneurship” como “espírito empreendedor”,
relacionando a essa categoria conceitual o termo “inovação”, apresentando-o como uma práti-
ca e uma disciplina. Farrell (1993:14) dá tratamento similar ao termo “entrepreneurship”. Para
ele a mensagem é clara: “não são as modernas técnicas praticadas por profissionais da admi-
nistração que levam as empresas ao sucesso e ao crescimento. É o espírito empreendedor”.
Entende o autor que as posturas do empreendedor diferem totalmente do administrador da
grande empresa. “O empreendedor o impulso fundamental que ocasiona e mantêm em mar-
cha o motor capitalista, constantemente criando novos produtos, novos métodos de produção,
novos mercados e, implacavelmente, sobrepondo-se aos antigos métodos menos eficientes e
mais caros” (DEGEN, 1989:1).
Um conceito mais exato de empreendedor é dado por Drucker (1987:36), quando escla-
rece que “o empreendedor vê a mudança como norma e como sendo sadia. Geralmente, ele
não provoca a mudança por si mesmo. Mas, e isto define o empreendedor e o empreendimen-
to, o empreendedor sempre está buscando a mudança, reage a ela, e a explora como sendo
uma oportunidade”.
Segundo Bernhoeft (1996:23), o espírito empreendedor seria uma característica de um indi-
víduo ou de uma instituição, não um traço de personalidade, pois indivíduos que precisam contar
com a certeza é de todo impossível que sejam bons empreendedores. Assim, o empreendedor é
um indivíduo que vive o risco e a incerteza, e, como assinala Bernhoeft (1996:50), é aquele que
faz do seu negócio uma arte própria, consegue automotivar-se nos momentos de dificuldade e

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encontra motivação e sucesso no próprio trabalho. Existem algumas motivações que levam o
indivíduo a querer fazer algo diferente, que podem apresentar-se de distintas formas. Esse autor
diz ainda que há pessoas que apresentam características empreendedoras desde muito cedo. Ini-
cialmente dentro do contexto familiar, depois na escola ou na comunidade, vão assim desenvol-
vendo essa habilidade por meio de uma liderança que envolve e motiva os outros.
As motivações e características são sintetizadas por Santana (1993:14) em dez qualidades-
-chave, para que o empreendedor seja um empresário de sucesso: assumir riscos, aproveitar
oportunidades, conhecer o ramo, saber organizar; tomar decisões; ser líder; ter talento, ser
independente, manter o otimismo e ter tino empresarial.
Para Chagas & Freitas (2001), para ser um empreendedor não basta identificar opor-
tunidades de negócio. É preciso realizá-las. Longenecker et al. (1997:9) resumem as várias
qualidades apresentadas em três predisposições: uma enorme necessidade de realização, uma
disposição para assumir riscos moderados e uma forte autoconfiança.
O empreendedorismo caracteriza-se por uma capacidade de identificar oportunidades
e criar algo inovador sob condições de incerteza, assumindo riscos. Para Dolabela (2002), o
empreendedor é uma força positiva na economia e um agente de mudanças.

O Brasil apresenta um índice elevado de desigualdade social, que, embora tenha melhorado
nos últimos anos, ainda é uma das mais acentuadas do mundo. Após o choque abrupto em
2001 sobre a economia mundial, inclusive a brasileira, cresceu acentuadamente a atividade
empreendedora por necessidade em proporção à atividade empreendedora total. A partir
de 2003, o empreendedorismo por oportunidade retoma o crescimento, até atingir em 2007
o valor de 57% da população de empreendedores iniciais no Brasil (GLOBAL, 2008).

Empreendedorismo por oportunidade ocorre quando o indivíduo identifica uma opor-


tunidade de negócio, ou seja, escolhe o empreendimento entre as diversas e possíveis opções
existentes no mercado. Segundo Greco et al. (2009), “o empreendedorismo por oportunida-
de, em geral é caracterizado pela criação de empresas de maior complexidade organizacional,
maior nível de tecnologia e maior conhecimento de mercado por parte do empreendedor”.
Ao longo da História, muitos pesquisadores têm estudado o papel do empreendedor.
Uma revisão das contribuições mais importantes dentro dessa literatura é apresentada neste
artigo. Não existe a intenção de fornecer uma descrição detalhada de cada definição de empre-
endedorismo, mas tentar destilar os principais elementos das contribuições mais importantes.
Say (1983) viu o empreendedor como o principal agente de produção na economia, e que
move recursos econômicos de uma área de baixa para uma área de maior produtividade e retorno.
Em “Princípios da Economia”, o economista neoclássico Marshall (1988) também de-
dicou atenção ao Empreendedor. Ele reformulou muitos conceitos da Economia Clássica
criando novas terminologias como organização empresarial, firma representativa, entre outras.
Mas, dentro do escopo desta pesquisa, são Baron e Shane (2007) que apresentam o Em-
preendedorismo como atividade que envolve as ações chaves que permitem identificar uma
oportunidade que seja valiosa em termos de negócio.

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As características dos Empreendedores de sucesso passam por diversos aspectos; primei-
ramente a identificação da oportunidade depende exclusivamente da sua capacidade cognitiva
aliada à sua experiência de vida, à sua criatividade e a uma visão analítica e realista do negócio.
Procurar os meios certos e buscar as informações necessárias e precisas para a abertura de um
novo empreendimento é essencial para o êxito inicial do seu negócio. Baron e Shane (2007)
Hisrich et al. (2009) definem que geralmente a ação empreendedora é proposital. Os empre-
endedores intencionam buscar as oportunidades, entrar em mercados novos e oferecer novos
produtos. Essas intenções são mais fortes na forma de agir quando a ação é percebida como
viável e desejável.
Embora haja uma infinidade de conceitos que procuram entender esse ator social, Julien
(2009) defende que Davidsson (2001) e Steyaert e Hjorth (2003) lembram com razão que nem
sempre há concordância sobre a definição de Empreendedorismo.
Por sua vez, Vankataraman (1997) apud Julien (2009) viu o Empreendedorismo como
uma nova produção de bens ou serviços, aproveitando-se uma oportunidade com todas as suas
consequências e, à sua frente, o empreendedor.
Cantillon (1755) apud Oliveira et al. (2008) viu o empresário como responsável por todas
as trocas e a circulação na economia. Ao contrário de trabalhadores assalariados e proprietários
de terra que ambos recebem certo valor em renda fixa ou renda, o empresário ganha um lucro
incerto a partir da diferença entre preço de compra de um conhecido e um preço de venda
incerto, assumindo, por conseguinte o risco dessa operação.
A partir de Schumpeter (1988) a figura do empresário inovador torna-se fundamental
para o desenvolvimento da economia, aparecendo assim, a figura do empreendedor.

Metodologia de pesquisa

Esta pesquisa é de natureza descritiva e qualitativa. Trata-se de um caso único, com ri-
queza de informações. A escolha deste caso deveu-se ao fato de ele ilustrar um exemplo de
percepção e aproveitamento de oportunidade.
A pesquisa fez uso do processo de identificação de oportunidades de Lumpkin e Hillst
(2001) basicamente centrado em cinco passos, como mostra a Figura 1 e entrevistou um dos
gestores de uma empresa criada para suprir as necessidades de outra já existente no mercado
do ramo têxtil, como fornecedora de matéria-prima. Esse participante da pesquisa abordou o
histórico de três empresas integradas e que são partes dessa experiência. Não foi autorizada
a identificação das empresas e, visando preservá-las, doravante as mesmas receberão nomes
fictícios e, ainda, alguns dados foram alterados para não correr o risco de identificação.
O gestor que participou da entrevista tem 15 anos de desempenho no Grupo. Atua como
um dos gestores de decisão, gerenciando atualmente a unidade industrial da Alvapet. Sua for-
mação é em Administração de Empresas e tem especializações em diferentes áreas.
Cresswell (2007) descreve a discussão do plano de análise de dados numa pesquisa nar-
rativa como a recriação das histórias dos participantes usando mecanismos estruturais como
plano, cenário, atividade, clímax e desenlace.

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Os resultados foram tratados por meio de narrativas de um caso de sucesso que Miles e Hu-
berman (1984) apud Creswell (2007) apontam como sendo propícios para pesquisas qualitativas.

Resultados

Os resultados da presente pesquisa estão estruturados em três partes. Inicialmente, é


descrito o negócio no qual se insere a atividade do empreendedor; em seguida, é descrita a
empresa onde o processo foi desenvolvido e, por fim, a descrição do processo identificação de
oportunidades do empreendedor com base em Lumpkin e Hillst (2001).

O Negócio
A origem da palavra plástico vem do grego plastikós, que significa adequado à moldagem.
Plásticos são materiais formados pela união de grandes cadeias moleculares chamadas po-
límeros que, por sua vez, são formadas por moléculas menores denominadas monômeros.
Os polímeros se dividem em: Termoplásticos e Termofixos. Os Termoplásticos são plásticos
que não sofrem alterações na sua estrutura química durante o aquecimento e, que podem ser
novamente aquecidos e, portanto, ser reciclados em novos produtos (PLASTIVIDA, 2009).
Além disso, as fibras de poliéster são empregadas na fabricação de brinquedos para o
enchimento de bichos de pelúcia e bonecas, e na produção de travesseiros, acolchoados e
edredons, também como enchimento.
No Brasil, o plástico reciclável é codificado por meio da norma NBR 13.230 da ABNT
(2008) e são classificados como: – PET (Polietileno Tereftalato); PEAD (Polietileno de Alta
Densidade); PEBD (Polietileno de Baixa Densidade); PP (Polipropileno); PVC (Cloreto de
Polivinil); e PS (Poliestireno).
Em relação à reciclagem do plástico, a fim de garantir a sustentação econômica deve-se
levar em consideração (PLASTIVIDA, 2009): – Custo da separação, coleta, transporte, arma-
zenagem e preparação do resíduo antes do processamento; – Quantidade de material dispo-
nível em todo o país; – Fontes geradoras de matéria-prima próximas ao local da reciclagem;
– Conhecimento tecnológico; – Demanda de mercado para o material reciclado.
A reciclagem tem-se mostrado excelente oportunidade de alavancagem de novos empreen-
dimentos, traduzindo-se em geração de emprego e renda para diversos níveis da pirâmide social.
Um aspecto que merece destaque é o fato de o mercado de materiais recicláveis estar ao
alcance de pequenas e microempresas. Com um pequeno investimento, é possível iniciar-se um
negócio no mercado de PET recicláveis, como garrafas de refrigerantes e que se tem mostrado
promissor (CEMPRE, 2009).
O aumento no volume de reciclagem de PET, no Brasil, pode ser observado pelos se-
guintes dados da ABIPET (2009): 167 Ktons/ano em 2004 para 231 ktons/ano em 2007, o
que significa um incremento de 38,32%.

A Empresa
Na caracterização da empresa, os dados reais foram alterados para preservar a identidade
da mesma. A AlvaPet começou suas atividades no final do ano de 1995, tendo início a produ-
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ção de PET reciclado em flocos (estágio intermediário à produção de fibras). No ano seguinte,
o projeto tornou-se efetivamente realidade, com o início da produção da linha de extrusão, que
tem como produto final a fibra de poliéster (PES).
A indústria está instalada numa cidade do interior do Estado de São Paulo, local estraté-
gico, e de fácil acesso à cidade de São Paulo. Na época, era um polo industrial em construção,
mas atualmente está bem definido e estruturado. Outro motivo foi estar no mesmo polo in-
dustrial de uma das mais importantes fábricas de refrigerantes e que utilizam garrafas PET em
seu processo e, portanto, fornecedor de matéria-prima para a reciclagem.
AlvaPet é uma empresa pertencente ao Grupo Majoritário, que compreende empresas
atuantes nos setores de agronegócio, indústria têxtil (Tecnoliner) e de serviços, com projeção e
reconhecimento em âmbito nacional, tradicional por seus investimentos em novas tecnologias
industriais, procurando sempre contribuir para o desenvolvimento do país.
Essa indústria tem atualmente como seus principais clientes empresas do próprio Grupo
(Tecnoliner) e outras que fabricam tapetes e carpetes para os setores automobilísticos e domés-
ticos, e que fabricam não-tecidos (produtos utilizados pelos setores de calçados, construção
civil, higiene e limpeza e de móveis).

O processo de identificação de oportunidades


Foi utilizado o processo identificação de oportunidades de Lumpkin e Hillst (2001) para
o estudo do presente caso.
A identificação da oportunidade da reciclagem de garrafas PET originou-se de uma das
empresas do Grupo Majoritário, chamada de Tecnoliner, que produz tecido e edredons, uti-
lizando fibras de poliéster (PES) a qual, em 1993, iniciou experiências com fibras recicladas
importadas, obtendo resultados satisfatórios. Após os primeiros contatos para consultoria
tecnológica do processo inovador, preparou-se o plano de viabilidade do investimento em
uma unidade recicladora de PET (AlvaPet). Em uma das entrevistas houve o seguinte relato:

A Tecnoliner em 1993 estava passando por sérias dificuldades, a nossa matéria-prima


(poliéster) era importada e devido à taxa de câmbio do dólar e aos impostos o nosso
custo de produção estava inviabilizando o nosso negócio, o preço de venda estava fora
da realidade de mercado e com isso perdemos vendas e a empresa poderia fechar, tí-
nhamos que tomar alguma ação imediata. Um dos executivos da Tecnoliner, por meio
de pesquisas e informações, tomou conhecimento de locais no exterior nos quais apre-
sentavam perspectivas de superação do problema vivenciado – matéria-prima reciclada
do PET. Essa inovação tecnológica identificada possibilitou uma nova alavancagem nos
negócios, suprindo desta forma a necessidade de ter o insumo com custo competitivo.

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Figura 2: identificação de oportunidades via Lumpkin e Hillst (2001)

Fonte: Autores

E o entrevistado continua:

Começamos então a importar este tipo de material, e os resultados foram extremamente


produtivos, fabricamos produtos com excelente qualidade e boa aceitação de mercado,
os custos tiveram uma redução significativa, porém a nossa margem de contribuição
ainda não era interessante. A partir de então decidimos direcionar nossos investimentos
na implantação de uma unidade produtiva para obtenção do poliéster (PES), a partir da
reciclagem do PET, assim nasceu a AlvaPet em 1995. Com o fornecimento de matéria-
-prima garantido a preços baixos, através da AlvaPet, a Tecnoliner expandiu seus negó-
cios e se tornou líder de mercado. Na AlvaPet inicialmente começamos com a produção
totalmente voltada, para suprir as necessidades da Tecnoliner, com nosso aumento de
produtividade alem de atender a esta empresa identificamos novos nichos de mercado
principalmente na indústria automobilística. Atualmente 40% da nossa produção são vol-

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tadas para o Grupo e 60% para o mercado, desta forma este empreendimento se tornou
autossuficiente e responde por boa parcela do faturamento do Grupo Majoritário.

O presente processo pode ser descrito utilizando-se, portanto, o modelo que descreve o
processo identificação de oportunidades de acordo com Lumpkin e Hillst (2001), ilustrado na
Figura 2. Há uma aderência perfeita do caso aqui relatado às etapas propostas por esses autores.

Conclusões

Este estudo se propôs a identificar como a visão do empreendedor nas oportunidades, ori-
ginada na necessidade, e na inovação por transformação, gera resultados positivos para o negócio.
Os resultados estão de acordo com Hills e Shrader (1998), que argumentam que empre-
endedores de sucesso entrevistados nos Estados Unidos concordam que novas oportunidades
de negócios surgem fortemente relacionadas: a uma solução para um problema específico; às
mudanças do mercado e hábitos de consumo dos clientes; à escuta dos clientes, sobre o que
eles desejam e não desejam.
Ainda, foi possível compreender a visão estratégica e o comprometimento da alta admi-
nistração, estrutura de logística reversa adequada e estrutura de negócio que garante resultados
econômicos e sua adequada distribuição.
A inovação tecnológica identificada pelo empreendedor na oportunidade da reciclagem
do plástico, além da visão e da crença do seu empreendimento em valor econômico, possibilita
a criação de empregos indiretos e uma cadeia de logística, o assunto tem revelado preocupa-
ções não apenas nos órgãos governamentais, mas, também, nos centros de estudos e de pes-
quisas. Pensar questões ambientais, possibilidade de degradações, mau uso do solo, ausência
da educação de cidadãos em diferentes níveis da pirâmide social, tem se mostrado recorrente
em estudos de diferentes áreas especialmente no campo do Empreendedorismo Sustentável.
Neste estudo, ficou demonstrado que os Empreendedores que identificaram a oportu-
nidade na inovação veem seus empreendimentos baseados no princípio de atender aos inte-
resses de seus stakeholders. Mais pesquisas poderão sinalizar como outros empreendedores
têm se comportado frente ao assunto abordado visando trazer contribuições que possam
ampliar esse conhecimento.

Referências

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br Acessado em: 16/11/2009.
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Submetido em: 14-9-2016


Aceito em:1-12-2016

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