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Curso de Direito
São Paulo
2011
RAFAEL GRANDULPHO BERTRAMELLO – R.A. 003200700066
São Paulo
2011
RAFAEL GRANDULPHO BERTRAMELLO
Banca Examinadora
_______________________________________
Prof.ª D.ra Eunice Aparecida de Jesus Prudente (Orientadora)
Universidade São Francisco
________________________________________
Prof.ª M.e Alessandro Rodrigo Urbano Sanchez (Examinador)
Universidade São Francisco
________________________________
Prof.ª M.ª Simone Guimaraes Lambert (Examinadora)
Universidade São Francisco
Para meus pais, Idario Bertramello e Eunice
Grandulpho Bertramello, por terem me
ensinado as coisas mais valiosas da vida.
AGRADECIMENTOS
Nada mais justo, portanto, agradecer a todos aqueles que de alguma maneira
contribuíram para minha formação. Nessa lista não escrita – mas presente em minha memória
– estão professores e alunos desta universidade – como o inesquecível Prof. Waldemar
Milanez – que despertou minha paixão pelo ser humano – e meu amigo Altair Oliveira – com
quem dividi, nos bons tempos, lousas que nos serviram de pergaminho para nossos poemas.
Ao maior poeta desta terra: Idario Bertramello, por ter me ensinado a respeitar e amar
todas as pessoas, sem distingui-las por sua classe social, etnia, orientação sexual ou religiosa.
Ele cuja vida é um próprio poema, escrito por Deus para servir-nos de exemplo.
À minha amada mãe, Eunice Grandulpho Bertramello, a quem devo cada pedacinho
do que sou. Pelo amor, carinho e dedicação nesses anos. Mamãe coruja, o Rafa te ama muito,
obrigado por tudo!
RESUMO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8
3.2 A Dignidade da Pessoa Humana e sua Conexão com os Direitos Fundamentais .............. 45
3.4 A Dignidade da Pessoa Humana como Norma na Constituição Federal de 1988 .............. 50
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 69
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 71
8
INTRODUÇÃO
A força da expressão serve para identificar a tão comum resistência à novidade por
parte de quaisquer sociedades ou grupos que são tomados pelo medo (motivado, muitas vezes,
pelo desconhecimento) e consequente rejeição de tudo que pareça ser novo ou revolucionário.
1
Cf., Neoconstitucionalismo, p. XXI.
9
encontra-se a ideia de abolir-se o mero caráter retórico das normas constitucionais. É tempo
de se exigir a concretização dos direitos fundamentais, como forma de respeito ao princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, a proposta encontra notáveis dificuldades. Primeiro porque, ao falar-se
em direitos fundamentais, tem-se em mente que o catálogo de direitos fundamentais regula de
forma extremamente aberta questões em grande parte muito controversas2.
O convite está posto. Essas e outras perguntas compõem o instigante tema que
percorre este trabalho. Durante a pesquisa, teremos a intenção de estudar uma definição
minimamente objetiva da dignidade da pessoa humana, procurando afastar qualquer visão
reducionista ou parcial que comprometam a universalização do conceito.
2
A observação é de Robert Alexy, in Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio A. Da Silva. 2ªed., 2011,
p. 26.
10
A filosofia possui uma indagação central, que interessa também aos estudiosos do
Direito. Ainda que um sem número de respostas sejam re (construídas) dia a dia, não há como
contentar-se com uma definição estática do que seja o homem (entendido no sentido amplo).
Ora, não foi o próprio homem quem adquiriu instrumentos hábeis a interferir no
processo generativo e de sobrevivência de todas as espécies vivas, inclusive a sua própria?
(COMPARATO, 2010, p. 18).
Era a máscara de cada personagem o que se podia ver. Tal exteriorização passou a ser
confundida com a essência da pessoa, levando Sócrates, no diálogo Alcibíades, a advertir que
a essência do ser humano não está no corpo, nem na união de corpo e alma, mas somente
nesta última:
“____ Ah! Estou vendo, era isto que, há pouco, dizíamos: que Sócrates,
servindo-se da palavra, fala com Alcibíades; que ele não se dirige ao teu
rosto (ou pros to son prósopon), mas ao próprio Alcibíades. Ora, tu és a tua
alma” (apud COMPARATO, 2010, pp. 27 e 28).
11
Não se podia correr esse risco. Se o homem é encarado de acordo com o papel que
exerce no meio social, e a partir daí discriminado de acordo com seu status, passível ou não
de consideração e respeito, o que aconteceria com a legião de trabalhadores no quadro do
avanço do liberalismo político e econômico, em se considerando que no capitalismo, a lógica
é a valorização dos bens numa proporção muito maior do que das pessoas?
Justamente por encontrar nos atributos intrínsecos de cada pessoa, a justificativa para a
existência de uma personalidade individual, cujos desdobramentos são tutelados pelo
ordenamento jurídico de alguns países, é que podemos afirmar que a personalidade não está
condicionada à existência de uma vontade efetiva do indivíduo (consciência,
autodeterminação).
3
Com base na doutrina do jurista italiano Giorgio Giampiccolo (apud TEPEDINO,
2004, pp. 24-25), o professor Gustavo Tepedino explica que o homem, como pessoa,
manifesta dois interesses fundamentais: “como indivíduo, deseja uma existência livre; como
ser social, deseja desenvolver-se na sociedade” e o direito, em verdade, busca tutelá-lo de
modo que esses dois anseios tornem-se possíveis.
Nesse sentido seria inviável um rol que buscasse limitar os direitos da personalidade,
ou exemplificá-los todos, porquanto eles são, por sua natureza, inerentes ao homem
(concepção jusnaturalista). Ademais, o “Estado não é o único definidor e identificador dos
direitos, há o costume, a jurisprudência e outras inúmeras formas” (BITTAR, 1989, p. 8).
3
Cf. “La tutela giuridica della persona umana e il c.d diritto Allá riservatezza”, in Riv. Trimestrale di diritto e
procedura civile, 1958, p. 458.
13
A maior parte dos escritores adota a separação dos direitos da personalidade daqueles
tidos por fundamentais. Entretanto, cabe-nos mencionar a posição dos professores José
Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco Ferreira Muniz que afirmam a necessidade de
vincular a noção de direitos de personalidade à noção de direitos humanos fundamentais
(SZANIAWSKI, 1993, p. 75).
Os professores sustentam, em síntese, que estes direitos estariam mais bem zelados se
fossem interpretados como da categoria de direitos humanos fundamentais, porquanto a
fragmentação, ou separação dos tais direitos em outra categoria só tende a fragilizá-los, já que
seu reconhecimento fica condicionado à aceitação e solidificação de uma nova categoria
jurídica.
Carlos Alberto Bittar (1989, p. 10), um dos autores nacionais que mais se aprofundou
na matéria, propôs que os direitos de personalidade fossem compreendidos como: a) os
próprios da pessoa em si; e b) os referentes às suas projeções para o mundo exterior. Para ele,
sob o aspecto físico estariam os direitos relativos à integridade corporal; sob o aspecto
psíquico estariam os relativos aos componentes intrínsecos da personalidade; e sob o moral os
relativos aos valores da pessoa na sociedade (BITTAR, 1989, p. 17).
Por tal motivo é que encontramos na legislação brasileira os princípios relativos aos
direitos da personalidade, sobretudo a dignidade da pessoa humana, em nossa Lei Maior,
assim como, em caráter complementar, alguns mais específicos, presentes no Código Civil
(VENOSA, 2009, p. 170).
Para Carlos Roberto Gonçalves (2007, pp. 157 e 158), além destas duas características,
os direitos de personalidade são: dotados de oponibilidade erga omnes, imprescritíveis,
impenhoráveis, não sujeitos à desapropriação, vitalícios, e não estão enclausurados em rol
definitivo.
A este respeito, comenta Nelson Nery Júnior (2005, p. 173) que tais garantias visam
afirmar que a dignidade da pessoa humana é fundamento dos direitos de personalidade, e por
isso tais direitos possuem como objeto tudo aquilo que disser respeito à natureza do ser
humano.
Salienta Caio Mário da Silva Pereira (2006, p. 249) que como ente, todo ser humano
tem direito essencial à vida, razão pela qual a ordem jurídica o assegura desde antes do
nascimento, protegendo os interesses do nascituro.
O jurista Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 162) explica que “a vida é bem
Supremo. Preexiste ao direito e deve ser respeitada por todos. É bem jurídico fundamental,
uma vez que se constitui na origem e suporte dos demais direitos”.
Por tal razão, a proteção jurídica da vida humana e a integridade física são direitos de
personalidade, porquanto visam permitir uma existência livre ao indivíduo, bem como seu
integral desenvolvimento na sociedade.
Sob o aspecto moral, para utilizar a classificação do jurista Carlos Bittar, o nome
também é um direito de personalidade. É elemento identificador dos indivíduos na sociedade.
De fato, há um interesse social inequívoco em sua existência. Por este aspecto, talvez se possa
pensar em uma obrigação ao nome, o que não é de todo infundado.
Entretanto, ainda que de forma sucinta, pretende-se com esta explicação relacionar a
importância de um direito ao nome, como exigência dos direitos de personalidade.
O direito ao nome esteve, por muito tempo, relacionado diretamente com o direito de
propriedade, como explica Serpa Lopes:
A evolução desta acepção está relacionada, como observa Silvio Rodrigues (2006, p.
72), ao reconhecimento de que o nome é um direito inerente à pessoa e, se o fosse direito de
propriedade, seria alienável, prescritível etc.
Nesse exato sentido, Washington de Barros Monteiro (2009, p. 109), ressalta que o
“nome é um dos mais importantes atributos da personalidade, justamente por ser o elemento
identificador por excelência das pessoas”, e estar eterna e indissoluvelmente ligado com o
homem.
E segundo Pontes de Miranda (1955, p. 140), o direito tinha de levar em conta esse
trato de tempo anterior à entrada da obra no direito das coisas. Para o jurista, o direito autoral
de personalidade tutela a ligação da obra feita à pessoa que a fez, por meio de um vínculo
psíquico, fático, indissolúvel.
Percebe-se, para finalizar este primeiro trecho de considerações, que nos direitos da
personalidade a pessoa é, a um só tempo, sujeito e objeto de direitos, remanescendo a
coletividade, em sua generalidade, somo sujeito passivo: daí, dizer-se que esses direitos são
oponíveis erga omnes. Todos devem observar os direitos de personalidade (BITTAR, 1989, p.
30).
18
José Afonso da Silva (2009, p. 175) explica que a ampliação e transformação dos
direitos fundamentais do homem são as grandes responsáveis pela dificuldade de obter-se um
conceito sintético e preciso a respeito desta espécie, até porque os direitos humanos
fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de
várias fontes, desde a conjugação de pensamentos filosófico-jurídicos até as idéias surgidas
com o cristianismo e com o direito natural (MORAES, 2007, p. 1).
Contudo, ainda que estas expressões não sejam adequadas para abarcar todas as
dimensões dos direitos objetos deste estudo, elas não se excluem e também não são
incompatíveis, apenas se distinguem por suas esferas de alcance, positivação e consequências
práticas (SARLET, 2009a, p. 34).
Não à toa, o legislador constituinte brasileiro optou por fixar o título “Dos Direitos e
Garantias Fundamentais” em nossa Lei Maior, utilizando, desta forma, a mais adequada
expressão no sentido de abranger as várias dimensões dos direitos aqui estudados.
De fato, os direitos humanos exprimem certa consciência ética universal, e por isso
estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado (COMPARATO, 2010, p. 74), sendo a
expressão preferida nos documentos internacionais (SILVA, 2009, p. 176).
José Joaquim Gomes Canotilho (1992, p. 529), que utiliza a expressão direitos do
homem em lugar da expressão direitos humanos, explica:
A teoria positivista considera essa indagação como despida de sentido, pois, parte da
premissa de que não há direito fora da organização política estatal, fora do direito posto,
escrito. Mas essa concepção, notavelmente, demonstra-se incompatível com o
reconhecimento da existência de direitos humanos, pois a característica de tais direitos
consiste, como proclamaram os revolucionários americanos e franceses no século XVIII, no
fato de valerem contra o Estado.
Seja como for, eventual conflito entre normas internacionais e internas, em matéria de
direitos humanos, invoca a aplicação da norma mais favorável ao ser humano, pois a proteção
da dignidade da pessoa é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico
(COMPARATO, 2010, p. 74).
No qualificativo fundamentais, como bem explica José Afonso da Silva (2009, p. 178),
acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se
realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive, interpretação perfeitamente
compatível com os direitos aqui estudados.
Ademais, como veremos adiante, o reconhecimento de tais direitos constitui uma das
principais (mas não a única) exigência da dignidade da pessoa humana (SARLET, 2009c, p.
23), decorrendo daí seu caráter fundamental, sua essencialidade, indisponibilidade,
irrenunciabilidade.
4
Magna Carta Libertatum Seu Concordiam Inter Regem Johannem Et Barones Pro Concessione Libertatum Ecclesiae Et
Regni Angliae ou Carta Magna das Liberdades entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da igreja e do reino
inglês.
22
Outro fato de relevo é o reconhecimento, em seu item 40, de que o monarca não é o
dono da justiça, sendo esta um assunto de eminente interesse público. Outrossim, merece
especial destaque o item 61 que estipula a responsabilidade do rei perante os seus súbitos, o
que demonstra o início do processo de derrocada do próprio regime monárquico
(COMPARATO, 2010, p. 95).
Para o Professor Alexandre de Moraes (2007, p.7), os principais avanços com a Magna
Carta podem ser sentidos, em especial, no tocante a liberdade da igreja, restrições tributárias,
proporcionalidade entre delito e sanção (item 20), previsão do devido processo legal (item 39)
e livre acesso à justiça (item 40), além da liberdade de locomoção e a livre entrada e saída do
país.
A lei corrigiu lacunas processuais e sua importância histórica consiste no fato de que
essa garantia judicial, criada para proteger a liberdade de locomoção, tornou-se o modelo para
outros remédios constitucionais que viriam depois, como o mandado de segurança, por
exemplo.
5
Item 16.
23
Vejamos um trecho do documento, traduzido por Fabio Konder Comparato (2010, pp.
102-103):
Observa o mesmo autor que, essa característica de a autoridade que detém o paciente o
apresentar incontinenti em juízo, não foi reproduzida em boa parte das legislações. Em
contrapartida, o instituto passou a ser utilizado não só em caso de prisão efetiva, mas também
em caso de ameaça e constrangimento à liberdade individual de ir e vir (2010, pp. 101 e 102).
Dez anos depois, temos a declaração de direitos denominada Bill Of Rights. Ela
surgiu em conturbado contexto histórico de grande intolerância religiosa. Três anos antes de
sua edição, Luís XIX revogou o edito de Nantes (escrito em 1598), ato que reconhecia aos
protestantes franceses a liberdade de consciência e uma limitada liberdade de culto, além da
igualdade civil com os católicos (COMPARATO, 2010, p. 107).
contexto de intolerância religiosa foi levado adiante com o documento, que negou a liberdade
e igualdade religiosa, como se lê de seu item IX:
a convicção de fundar um mundo novo, que não sucedia o antigo, mas a ele
se opunha radicalmente, levou aliás os revolucionários à destruição sem
remorsos de um número colossal de monumentos históricos e obras de arte,
em todo o território do reino. Para os líderes intelectuais da revolução, esses
bens não apresentavam nenhum valor cultural, mas eram, bem ao contrário,
contravalores (2010, p. 63).
Num artigo intitulado “A questão judaica”, Karl Marx observou que “a emancipação
política não implica emancipação humana” e que o “homem” contemplado nos estatutos da
Revolução Francesa não é o ser humano universalmente considerado, mas o “membro da
sociedade burguesa” (LOSURDO, 1996, p. 687).
Com efeito, a crítica de Marx tocou fundo ao denunciar o caráter “formal” das
liberdades reconhecidas nas declarações6. Ora, é fato que o exercício das liberdades
pressupunha condições econômicas para que os indivíduos usufruíssem das liberdades, o que
reafirma a advertência feita anteriormente.
6
Essa frase é utilizada pelo Jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
26
Eric J. Hobsbawm (1988, pp. 71-72) sustenta que a Revolução Francesa certamente
influenciou a política e ideologia no século XIX, irradiando consequências bastante
profundas:
A Revolução Francesa pode não ter sido um fenômeno isolado, mas foi
muito mais fundamental do que os outros fenômenos contemporâneos e suas
consequências foram portanto mais profundas. Em primeiro lugar, ela se deu
no mais populoso e poderoso Estado da Europa (não considerando a Rússia).
Em 1789, cerca de um em cada cinco europeus era Francês. Em segundo
lugar, ela foi, diferentemente de todas as revoluções que a precederam e a
seguiram, uma revolução social de massa, e incomensuravelmente mais
radical do que qualquer levante comparável.
Encontra-se na obra do jurista José Afonso da Silva (2009, p. 158), menção às três
principais características da Declaração de 1789 que foram apontadas por Jacques Robert7,
quais sejam: o intelectualismo, o mundialismo e o individualismo.
7
Cf. Libertés publiques, p. 44 e ss.
27
Intelectualismo porque a
doutrinadores que não coadunam com este entendimento, como é o caso do Prof. Manoel
Gonçalves (2009, p. 46):
Não há razão para isso, mesmo sem registrar que sua repercussão imediata,
mesmo na América Latina, foi mínima. Na verdade, o que essa carta
apresenta como novidade é o nacionalismo, a reforma agrária e a hostilidade
em relação ao poder econômico, e não propriamente o direito ao trabalho,
mas um elenco dos diretos do trabalhador. (...) Nem de longe, todavia,
espelha a nova versão dos direitos fundamentais.
Com muito custo, elaborou-se uma constituição que previa os direitos e deveres
fundamentais dos alemães, abrangendo-se o individuo, sua vida social, sua religião, bem
como a educação que lhe era devida para atingir a emancipação econômica.
Um novo espírito, que se pode dizer social, nasceu naquela constituição. Foi nela que
a propriedade se viu, talvez pela primeira vez, submetida à função social. Essa e outras
características fizeram dela um modelo, depois imitado pelo direito brasileiro, mas
especificamente a partir da Carta de 1934, que é a primeira das Constituições que enunciam
uma Ordem Econômica e Social.
Para Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 727), a primeira dimensão dos direitos
fundamentais contida no ordenamento brasileiro pode ser traduzida pelos direitos individuais,
ou seja, aqueles que se caracterizam pela autonomia e oponibilidade ao Estado, tendo por base
a liberdade – autonomia como atributo da pessoa, relativamente a suas faculdades pessoais e
seus bens. “São, em síntese, direitos de status negativo, pois o seu núcleo está na proibição de
interferência imediata imposta ao Estado” (CARVALHO, 2009, p. 727).
Pode-se dizer, por outro lado, que os direitos fundamentais de primeira dimensão,
também chamados Liberdades Públicas, são essencialmente direitos de defesa do indivíduo,
pois objetivam, em regra, o não-agir do Estado em benefício da liberdade do indivíduo
(MOTTA FILHO, 2007, p. 150).
Para Guilherme Peña de Moraes (2008, p. 504), os direitos individuais são “direitos
fundamentais próprios do homem-indivíduo, porque titularizados e exercidos por pessoas
individualmente consideradas em si, com a delimitação de uma esfera de ação pessoal”.
30
O jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 30) explica que não só o Estado,
mas todos os indivíduos estão obrigados a observar o direito individual de cada qual. Com tais
direitos, “visa-se tutelar uma conduta, um agir ou não agir, fazer ou não fazer. Ir, vir ou ficar”.
Em nosso país, o controle das liberdades públicas é feito por meio do regime
repressivo que, grosso modo, consiste em deixar o titular do direito livre e incondicionado
para exercê-lo, de sorte que, as violações e abusos aos limites pré-estabelecidos importam em
sanções.
O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, mas o conjunto dos
grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome a marginalização (COMPARATO,
2010, p. 66), porquanto a lógica do capitalismo consiste em atribuir aos bens de capital um
valor muito superior ao das pessoas.
Em contrapartida, aponta Manuel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 42) que “a classe
trabalhadora se viu numa situação de miséria (...) o trabalho era uma mercadoria qualquer,
sujeita à lei da oferta e da procura” A máquina reduziu a necessidade de mão-de-obra: eis o
surgimento da massa de desempregados. Sem contar as condições insalubres e perigosas a que
estavam sujeitos os trabalhadores, homens, mulheres e crianças. Isso redundou, obviamente,
na marginalização da classe trabalhadora, que passou a viver em condições subumanas,
invocando-se o surgimento da hostilidade com os ricos.
Era necessário mais, que o Estado abandonasse sua postura passiva, como
lhe foi exigido no momento histórico anterior, e passasse a atuar
positivamente perante a sociedade, a fim de propiciar as condições para que
a igualdade formal então obtida fosse transformada em uma igualdade
32
O movimento reformista ganhou forte apoio com a doutrina social da Igreja, a partir
da encíclica Rerum Novarum, de 1891 (Papa Leão XIII), que reascendeu a tese do bem
comum, do famoso filósofo São Tomás de Aquino.
A Constituição Federal de 1934, embora vigente por tão pouco tempo e em tão
conturbado contexto histórico, refletiu com bastante veemência as aspirações por um sistema
jurídico fincado nos direitos econômicos e sociais, sobretudo o direito ao trabalho.
suas potencialidades, sem as quais o seu titular não poderia alcançar e fruir
dos bens de que necessita (MORAES, 2008, p. 535).
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 50), os direitos sociais se igualam as
liberdades públicas no tocante à subjetividade, todavia, não são meros poderes de agir – como
o são as liberdades públicas -, mas sim poderes de exigir, chamados, também, de direitos de
crédito:
Há, sem dúvida, direitos sociais que são antes poderes de agir. É o caso do
direito ao lazer. Mas assim mesmo quando a eles se referem, as constituições
tendem a encará-los pelo prisma do dever do Estado, portanto, como poderes
de exigir prestação concreta por parte deste.
Em que pese a responsabilidade pela concretização destes direitos possa ser partilhada
com a família (no caso do direito à educação), é o Estado o responsável pelo atendimento dos
direitos fundamentais de segunda dimensão, ou seja, ele é o sujeito passivo (FERREIRA
FILHO, 2009, p. 50).
Salienta o jurista que existe a possibilidade desta prestação ser realizada indiretamente,
com uma compensação em dinheiro, por exemplo, na hipótese da contraprestação em forma
de prestação do serviço tornar-se impossível, como é o caso do Seguro-Desemprego,
tomando-se o exemplo do Direito ao trabalho.
Foi aliás a obrigação de atender a esses direitos que ditou a expansão dos
serviços públicos, dos anos vinte para frente. Isto gera pesados encargos
diretamente para o Estado e indiretamente para os contribuintes, o que
contemporaneamente suscita um repensar a propósito desses direitos. Impõe-
se a pergunte: até que ponto o Estado deve dar o atendimento a esses
direitos, até que ponto deve apenas amparar a busca do indivíduo pelo
atendimento desses direitos?
Pergunta o Prof. Manoel Gonçalves (2009, p. 52): “Se a proteção judicial dos direitos
sociais não sugere dúvida, quando encarada do ângulo de suas violações, o que se pode dizer
a partir do ângulo prestacional? Ela é, de fato, efetiva ou mesmo possível?”.
inconstitucionalidade por omissão, que tem por intuito forçar o poder público a efetivar uma
norma programática prevista na Constituição.
Entretanto,
Inobstante, a Constituição Federal dispôs no §2º, de seu Artigo 5º, que o rol de direitos
por ela declarados não é taxativo, admitindo-se a identificação de direitos fundamentais
implícitos, desde que decorrentes (critério material) dos princípios adotados pela Lei Maior
(dignidade da pessoa humana, em especial).
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, pp. 57-58), os direitos humanos
fundamentais de terceira dimensão calcam-se na solidariedade, tomando-se por completo o
lema proclamado na Revolução Francesa, embora não se possa afirmar com clareza quais
seriam os direitos inscritos neste rol, dada a amplitude do termo solidariedade:
Todavia, parece ser consenso, nas diversas classificações apontadas a respeito dos
direitos humanos fundamentais de terceira dimensão, que o direito à paz, ao desenvolvimento,
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao patrimônio comum da humanidade, sejam
direitos de terceira dimensão.
palavras: qual a base que sustenta a existência e indispensabilidade desses direitos? Existe um
pressuposto, universalmente válido, capaz de levar-nos a conclusão de que toda e qualquer
pessoa é titular de direitos humanos fundamentais?
Aliás, existe uma Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem, de origem
não-governamental, cuja introdução afirma ter o Islã dado à humanidade, há 14 séculos, um
código ideal dos direitos humanos.9
De certa forma, há uma semelhança entre a visão do islamismo sobre o ser humano e
as visões cristã e judaica. É verdade, no entanto, que a ausência de laicidade no sistema
islâmico não combina com a ideia de democracia, do contrário, assemelha-se muito mais a
uma concepção totalitária, que não separa religião de política (HERKENHOFF, 2002, p.30).
8
A respeito da terminologia por nós utilizada, conferir comentários de Mansour Challita, in O Alcorão. Editora
Associação Cultural Internacional Gibran. Rio de Janeiro. s.d.
9
Estudos Avançados – Universidade de São Paulo, 1997, Vol. 30, p. 23.
37
Após a criação do céu, terra e água, e também de todos os animais irracionais, Deus
criou um ser capaz de admirar sua criação de maneira racional, concedendo-lhe o privilégio
de governar sobre as demais criaturas.
Uma vez que todos, sem qualquer exceção, foram criados à imagem e semelhança
divinas, nenhum indivíduo pode afirmar-se superior aos demais, seja por critérios de gênero,
etnia, classe social, grupo religioso ou nação, de modo que, é essa igualdade de essência da
pessoa que forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos (COMPARATO, 2010,
pp. 13 e 32).
10
Gênesis, Capítulo 1, Versículo 26.
38
O Jurista João Baptista Herkenhoff (2002, p. 26) esclarece que o traço de união
indissociável entre Cristianismo e Direitos Humanos resulta de que o valor do homem diante
de Deus não está nem na cor de sua pele, nem no seu sexo, nem no seu estatuto social, nem
muito menos na sua riqueza, mas no fato de que em cristo ele é aceito como filho de um
mesmo Deus.
A partir desta constatação, o jurista Ingo Wolfgang Sarlet (2009b, p. 32) sustenta que a
criação do ser humano à imagem e semelhança divinas, foi um passo para que o valor próprio
intrínseco de cada pessoa constituísse o pressuposto pelo qual ninguém poderia ser
transformado em mero objeto ou instrumento, tese profundamente trabalhada por Immanuel
Kant.
Nesse sentido, a semente dos Direitos Humanos também pode ser sentida no
Budismo, que pregou a igualdade essencial de todos os homens e a prevalência dos atos de
virtude, visando a plena realização da natureza humana e a formulação de uma sociedade
perfeita e pacífica. 11
O Taoísmo, fundado por Lao-Tseu, que morreu cerca de 5 séculos antes de Jesus
Cristo, alicerça sua base na existência de um ser que é o princípio de todas as coisas, um Ser
inominado, designado como “Tao”, ou, “mãe de todas as coisas”, diferentemente de outras
religiões e filosofias, que designam o princípio ou Deus do gênero masculino
(HERKENHOFF, 2002, p. 34).
Em síntese, essa religião prega que o mundo é instável e está em permanente evolução,
e as pessoas devem seguir seu curso em liberdade, buscando afastar-se do tumulto,
aproximando-se do chamado ritmo universal, valorizando, sobretudo, o respeito às pessoas e
a liberdade de cada um (HERKENHOFF, 2002, p. 34).
Os povos africanos, por seu turno, conseguiram o milagre de manter até hoje sua
identidade, superando a violência e brutalidade de sua transposição forçada para o Continente
Americano, até hoje sentida, seja pelo racismo institucionalizado, seja pelo gradual genocídio,
11
Cf. Père Pierre Python. L´étique bouddhique. In: Lumiére e Vie. Lyon. Août 1989, tome XXXVIII, nº. 193.
39
pela mortandade dos jovens, vítimas, quase sempre, da intolerância e preconceito racial de
que padecem.
Uma das mais importantes declarações históricas sobre os direitos humanos, redigida
em 1948 e certamente influenciada por todos os documentos que a precederam, também
influenciados pelas raízes filosóficas e religiosas de tempos passados, tem início com a
assertiva de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos” (art.
1º), espírito absorvido pela Constituição Federal de 1988, que elegeu a dignidade da pessoa
humana com um dos fundamentos do Estado Brasileiro (art. 1º, inciso III).
Essa tal dignidade, que será estudada de maneira mais detalhada na próxima Seção,
consiste, em apertada síntese propositalmente incompleta13, na “qualidade intrínseca e
12
Na Seção 4 deste trabalho, subtítulo 4.1, ao tratar da corrente jusnaturalista, apresentou-se a diferenciação
entre a justiça temporal e a justiça divina. Para os jusnaturalistas, a justiça humana é transitória e sujeita ao poder
temporal, devendo sempre observar os critérios divinos de justiça. Os direitos humanos fundamentais comporiam
o planejamento de Deus para o Homem e encontrariam seu fundamento na essência divina.
13
Faremos a exposição detalhada a respeito da matéria ainda na próxima Seção. Por ora, é necessário identificar
que é a dignidade da pessoa humana o fundamento dos direitos humanos fundamentais.
40
distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade” (SARLET, 2009b, p. 67).
Vale dizer, em miúdas palavras, que é em razão de possuir dignidade que cada pessoa
é titular de direitos humanos fundamentais. Cada um de nós distingue-se do outro por sua
personalidade, mas todos os homens, sem exceção, são dotados de dignidade.
Tal razão axiológica consiste na capacidade que cada ser humano tem de valorar as
coisas, apreciando valores na esfera ética, estética, religiosa, o que foge, obviamente de uma
percepção puramente lógica, mas pelo contrário, é predominantemente emotiva
(COMPARATO, 1997, p. 17).
Isso permite que o homem valore as normas e julguem-nas segundo sua racionalidade.
É por este caminho que, tomando-se em conta a dignidade de cada ser humano e sua
necessária proteção, os direitos humanos fundamentais são identificados e defendidos.
nos leva muito longe. Fica difícil, sem um estudo aprofundado, manusear esse conceito na
esfera do direito e das realizações jurídicas.
Primordial, portanto, que passemos ao estudo, ainda que pontual, do que é a dignidade
da pessoa humana e qual sua importância na defesa dos direitos humanos fundamentais.
42
Nesse aspecto, é preciso fazer uma breve distinção para evitar conflitos no
entendimento da matéria. Não é que o homem não seja objeto, em certo sentido. Ele o é na
medida em que pode ser afetado pelos sentidos, mas não deve servir de meio, de instrumento
da vontade alheia. Assim explica Kant, in Metafísica dos Costumes:
A ideia de que a pessoa deva ser tratada como um fim em si mesmo implica não só o
dever negativo de não prejudicar ninguém, mas também o dever positivo de construir a
felicidade alheia, incumbência do Estado e dos particulares.
14
Cf., a respeito, o ensinamento de Ingo W. Sarlet, in Dimensões da Dignidade. São Paulo: Livraria do
Advogado, 2009, pp. 27 e ss.
43
A lei, tal como hoje concebida, nasceu justamente com esse intuito, ou seja, o de fixar
a expressão da vontade geral como meio de enfrentar os abusos de um governo
exclusivamente dirigido pelas paixões humanas15.
Veja que somente ele é capaz de construir suas próprias leis e ainda submeter-se a
elas. De certo modo e em certo sentido, ele mesmo planeja sua finalidade, ou seja, ele
caminha para onde estipulou16, utilizando-se, tão somente, do atributo que lhe é inerente:
capacidade de autodeterminação.
Immanuel Kant sustenta que “o Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional,
existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta
ou daquela vontade” (SARLET, 2009b, p. 36).
A imposição da vontade minoritária aos demais, seja pelo uso da força política ou
econômica é ilegítima, contrária à própria natureza racional do ser humano. E não é
15
Daí a importância de que representantes de todos os grupos sociais sejam eleitos para tratar das regras que hão
de submeter a todos.
16
A explicação tem caráter evidentemente teórico. O autor não desconhece que as escolhas de cada ator social
estão condicionadas a uma série de complexos fatores, que vão desde o contexto econômico social vigente até
limitações de aspecto religioso, científico etc.
44
necessário enumerar os sistemas políticos que estão mais propícios a este acontecimento,
sendo possível, tal como hoje se constata que isso aconteça em “terras democráticas”.
Na verdade, duvido que haja, para o ser pensante, minuto mais decisivo do
que aquele em que, caindo-lhe a venda dos olhos, descobre que não é um
elemento perdido nas oscilações cósmicas, masque uma universal vontade de
viver nele converge e se hominiza. O Homem, não cento estático do Mundo
– como ele se julgou durante muito tempo, mais eixo e flecha da evolução –
o que é muito mais belo.
Para Immanuel Kant (p. 32), no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma
dignidade. O preço é atribuível ao que está à disposição no comércio (relembre-se a
atrocidade da escravatura17), pois, admite sua avaliação bem como sua troca por equivalente.
O ser humano está acima de todo o preço. Nunca ele poderia ser posto em cálculo ou
confronto, com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ter sua santidade
ferida (KANT, p. 33).
A oposição ética entre pessoas e coisas, avalia Fabio Konder Comparato (2010, p. 34),
alarga e aprofunda a tradicional dicotomia, herdada do direito romano, entre personae e res.
Por isso que a escravidão foi algo extremamente ilegítimo, desumano, porquanto fez do
homem coisa, negando a dignidade daqueles que se viram escravizados, de suas famílias e do
próprio homem em sentido universal.
responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais”
(SARLET, 2009b, p. 50).
Segundo Miguel Reale (apud SOARES, 2010, p. 130), o fundamento último que o
Direito tem em comum com a Moral e com todas as ciências normativas deve ser procurado
na dignidade intrínseca da própria da vida humana.
Que a dignidade da pessoa humana representa um mínimo invulnerável que a lei deve
assegurar é fato, mas isso não significa, como espíritos mais afoitos haveriam de supor, que
todo e qualquer direito fundamental possa lhe ser considerado inerente.
Neste sentido, Vieira de Andrade (1987, pp. 101-102) sustenta que o grau de
vinculação dos diversos direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana poderá ser
diferenciado. Para ele, existem direitos que constituem explicitações em primeiro grau da
ideia de dignidade e outros que destes são decorrentes.
É nesse contexto que, cada vez mais, encontram-se decisões dos nossos Tribunais
valendo-se da dignidade da pessoa humana como critério hermenêutico. Entretanto, adverte
um dos maiores especialistas no assunto, o Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:
Não são poucas as decisões que apenas referem uma violação da dignidade
da pessoa, sem qualquer argumento adicional demonstrando qual a noção
subjacente de dignidade adotada e os motivos pelos quais determinada
conduta (seja qual for sua procedência ou natureza) foi considerada como
ofensiva à dignidade, o que, de certo modo, a despeito da nobreza das
intenções do órgão julgador, acaba por constituir fato que, por vezes, mais
desvaloriza do que valoriza a aplicação do princípio18.
É que, como dito antes, “em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou,
pelo menos, uma projeção da dignidade da pessoa humana” (SARLET, 2009b, p. 93). O não
reconhecimento de direitos fundamentais inerentes ao ser humano constitui uma afronta à
dignidade.
Com isso não queremos cair na afirmação de que ter dignidade equivale apenas a ter
direitos, o que seria um equívoco. Para Ingo Wolfgang Sarlet (2009b, p. 67), a dignidade é
18
Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7ª Ed. 2009, p. 89,
nota de rodapé nº. 206.
47
Além das conexões já expostas, merece especial destaque o liame entre dignidade e o
direito fundamental à proteção da identidade pessoal, ou seja, a tutela a privacidade,
intimidade, honra, e o próprio direito ao nome19. Aqui repousa aquela observação a respeito
dos direitos de personalidade, porquanto estão intimamente ligados com a dignidade da
pessoa humana e os direitos fundamentais.
19
Cf. a primeira Seção desta monografia.
20
Segundo o célebre pensamento de Hegel.
48
Por fim, para que o quadro das dimensões possa restar completo, temos que a
dignidade da pessoa humana possui elo com os direitos fundamentais de terceira dimensão,
porquanto, o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à paz, o direito a
autodeterminação dos povos, por exemplo, encontram-se amparados e são formados pela
consideração recíproca dos Estados, no sentido de que cada ser humano é dotado de dignidade
e merecem reconhecimento universal (tanto as presentes, quanto as futuras gerações).
21
Cf., a respeito das normas programáticas, a jurisprudência do STF: Agravo Regimental no Recurso
Extraordinário 393.175-0, RS. Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 12.12.2006: “O caráter
programático da regra inscrita no art. 196, da Carta Política – que tem por destinatário todos os entes políticos
que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converte-se em
promessas constitucionais inconsequentes, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele
depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por
um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado”
(grifos no original).
49
A Constituição Italiana, de 1947, estatui em seu artigo 3º que todos os cidadãos têm a
mesma dignidade social: “Tutti i cittadini hanno pari dignità sociale e sono eguali davanti
alla legge, senza distinzione di sesso, di razza, di lingua, di religione, di opinioni politiche, di
condizioni personali e sociali”. 22
Os Alemães, por seu turno, optaram por fixar logo em seu primeiro artigo que a
dignidade humana é inviolável: “Die Würde des Menschen ist unantastbar23”. O legislador
alemão não quis dizer que a dignidade não pode ser inviolável, mas que não deve ser violada.
22
No idioma de nosso país (tradução do autor deste trabalho): Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social
e são iguais perante a lei, sem discriminação de sexo, de raça, de língua, de religião, de opiniões políticas, de
condições pessoas e sociais. A segunda parte do artigo, também pelo autor traduzido, diz: Cabe à República
remover os obstáculos de ordem social e econômica que limitando de fato a liberdade e a igualdade dos
cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os
trabalhadores na organização política, econômica e social do País.
23
A tradução é: A dignidade da pessoa humana é inviolável.
51
Muito embora a previsão constitucional não tenha, por si só, o condão de assegurar o
devido respeito e proteção à dignidade, ela resume um compromisso do Estado brasileiro em
tomar por fundamento e, em certo sentido, por eixo axiológico na aplicação do Direito, tal
princípio.
O jurista alemão Peter Häberle (SARLET et al. 2009, pp. 49 e 54) ressalta que a
disciplina da dignidade humana no início de uma Constituição tem uma importância
pedagógica que não pode ser desprezada. Segundo ele, ao estabelecer o princípio como ponto
de partida constitucional, a Constituição lhe confere o status de “valor jurídico supremo”.
Isso não significa que ela não contenha um conteúdo jurídico. Como vimos os direitos
fundamentais, em regra, encontram seu fundamento na dignidade da pessoa humana. Além do
mais, isso não impede que outros direitos fundamentais sejam reconhecidos com base na
mesma dignidade, nos termos do §1º, do Art. 5º, da Constituição da República Federativa do
Brasil (o rol não é taxativo).
A dignidade, como qualidade intrínseca que é, não pode ser conferida pelo
ordenamento e sequer retirada, embora possa ser violada. Assim, “quando se fala em direito à
dignidade, se está, em verdade, a considerar o direito a reconhecimento, respeito, proteção e
até mesmo promoção e desenvolvimento” dela (SARLET, 2009b, p. 78).
Por isso não podemos classificar a dignidade da pessoa humana como sendo
exatamente um “direito” fundamental. É verdade que ela contém um aspecto moral e também
ético, formador de uma norma jurídico-positiva dotada em sua plenitude de status
constitucional formal e material e, como tal, carregada de eficácia.
Mas como a condição ontológica do ser humano é mutável, dinâmica e submetida aos
influxos históricos, o conceito de dignidade não poderia ser propriamente lógico-jurídico. A
delimitação do significado deve ser buscada em cada contexto histórico cultural, em cada
realidade.
52
Em resumo, o direito só vale caso seja justo. A validade do direito está subordinada à
legitimidade da ordem jurídica, que é apurada com base nos critérios do direito natural. O
cristianismo, mencionado em nosso capítulo sobre a evolução histórica dos direitos humanos
fundamentais, exerceu decisiva influência nesta corrente de pensamento. Inserindo uma
concepção religiosa de justiça, expandiu a ideia de que a justiça humana é transitória e sujeita
ao poder temporal, daí a razão para que sejam observados critérios divinos de justiça.
Não seria nessa justiça temporal que a verdade residiria24. Mas na lei divina, que age
de modo absoluto, eterno e imutável. Os homens deveriam observar a lei divina conforme o
esquema que preparamos a partir da leitura da tese de São Tomás de Aquino:
natureza25. O criador fez o homem sua imagem e semelhança, conferindo-lhe um atributo não
presente nos seres irracionais: a dignidade. Daí a ideia de que direitos tais como a vida, a
liberdade, e a própria igualdade, apenas para citar alguns exemplos, comporiam o
planejamento de Deus para o homem.
Ademais, a compreensão da justiça como um fator fora da produção social leva crer
que o justo é absoluto, o que contraria o fato de que o direito é um objeto cultural. O conceito
de justiça é relativo, não há como negar. Argumentar que uma norma jurídica somente vale se
for justa, compromete seriamente a exigência de uma ordem segura juridicamente, não
podendo tal evento se enquadrar numa concepção relativa de segurança jurídica, exposta em
um dos trechos a seguir26.
A expressão positivismo jurídico, por sua vez, deriva da locução direito positivo,
contraposta à expressão direito natural, ligada ao jusnaturalismo.
Antes do Estado moderno, o julgador podia obter a norma tanto de regras preexistentes
na sociedade quanto de princípios ligados à razão. Após, O Estado monopolizou a produção
jurídica, submetendo o Juiz a julgar conforme a lei.
A validade do direito, para esta teoria, observa Ricardo Mauricio Freire Soares (2010,
pp. 44-45), “se funda em critérios que concernem unicamente à sua estrutura formal,
25
Já assinalamos, a este respeito, o pensamento moderno de que o fundamento dos direitos humanos
fundamentais não deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelação religiosa.
26
Vide nossa crítica ao positivismo ainda neste tópico.
55
prescindindo do seu conteúdo ético”. Para a corrente positivista, a lei é a forma mais perfeita
de manifestação da normatividade jurídica.
Hans Kelsen (2003, p. 16), ícone desta teoria, salienta que a Ciência do Direito não
tem de perquirir o que é justo, buscando prescrever como se devem tratar os comportamentos
humanos; mas descrever aquilo que é valorado como justo, sem se identificar com algum
juízo de valor sobre a justiça. Para ele, nas questões valorativas, nenhuma objetividade é
possível.
Hans Kelsen (2001, p. 25) rebate com a explicação de que não há como chegar ao
consenso de justiça absoluta, e por isso devemos nos satisfazer com uma justiça relativa.
Ainda que bastante congruentes os argumentos de Kelsen, não há como se contentar com
proposta tão limitada e insatisfatória.
A ordem jurídica é formada por um conjunto de valores e não se pode atrelar a mera
legalidade (formal) ao valor-fim da justiça. O legislador não é divino. O direito não caminha
em velocidade compatível com os acontecimentos sociais. Um critério de justiça é possível,
sim, dentro da razoabilidade, o que não significa que a justiça será relativa.
Ademais, Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009, p. 54) aponta que a
decadência do positivismo está emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e
do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade.
4.2 O Neoconstitucionalismo
O termo foi criado para designar um modelo teórico composto por teses
compartilhadas entre alguns jusfilósofos e teóricos do direito contemporâneo, ainda que
nenhum deles se auto intitule propriamente um neoconstitucionalista: Dworkin, Robert Alexy,
Zagrebelsky e Carlos Santiago Nino, entre outros28.
Segundo Alexandre Garrido da Silva (in QUARESMA et al. 2009, p. 93), o vocábulo
tem sido utilizado “para destacar as relevantes transformações metodológicas, teóricas e
ideológicas ocorridas no âmbito do Direito Constitucional no período histórico posterior ao
término da segunda guerra”.
28
A observação é feita por Margarida Camargo e Rodrigo Tavares, professores da UGF (in QUARESMA et al.
2009, p. 356).
57
Até 1988, a exemplo do Brasil, a lei valia muito mais do que a Constituição no tráfico
jurídico, e, “no Direito Público, o decreto e a portaria ainda valiam mais do que a lei. O Poder
Judiciário não desempenhava um papel político tão importante, e não tinha o mesmo nível de
independência de que passou a gozar posteriormente” (QUARESMA et al. 2009, p. 279).
Essa interpretação jurídica tradicional é suficiente para resolver a maior parte das
questões jurídicas, mas “não são inteiramente ajustadas para a solução de conjunto de
problemas ligados à realização da vontade constitucional” (QUARESMA et al. 2009, p. 58).
Como explica Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009, pp. 58 e ss), a
interpretação tradicional está assentada em duas grandes premissas – o papel da norma – e – o
papel do juiz. A primeira deve oferecer, em relato abstrato e genérico, a solução para
29
Entre nós, a obra prima do jurista Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª edição. Rio
de Janeiro: Forense, 2010.
58
problemas jurídicos. O segundo deve identificar, no ordenamento, qual norma deverá ser
aplicada. É o tradicional método da subsunção.
A nova interpretação trabalha com novas situações normativas, tais como as cláusulas
gerais, princípios, colisões de normas constitucionais, ponderação e argumentação. Vejam-se
os seguintes exemplos: boa-fé, interesse social, ordem pública. Essas cláusulas gerais levam o
intérprete a fazer a valoração de fatores concretos na realidade fática, de modo a ter claro o
alcance da norma.
Outro aspecto de notável relevância, especialmente no que diz respeito com a proposta
deste trabalho, é o reconhecimento da normatividade aos princípios e sua distinção
qualificativa em relação às regras. Ensina Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009,
p. 59) que “os princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de
condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins
públicos a serem realizados por diferentes meios”.
Justamente por sua menor densidade jurídica, os princípios não conferem solução
completa das questões sobre as quais incidem, exigindo do intérprete a busca pela definição
concreta de seu sentido e alcance (QUARESMA et al. 2009, p. 60).
extenso rol de direitos que, em vezes, colidem. Como negar o choque entre o
desenvolvimento e a proteção ambiental, por exemplo? Quando duas normas de mesma
hierarquia colidem, é obvio que nenhuma delas trará a solução ao problema do conflito. O que
fazer? Daí a necessidade de aplicar-se a técnica da ponderação.
Aqui, chega-se a questão da argumentação. Ela nada mais é que a “razão prática, o
controle da racionalidade das decisões proferidas, mediante ponderação, nos casos difíceis,
que são aqueles que comportam mais de uma solução possível e razoável” (QUARESMA et
al. 2009, p. 61).
O jurista Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009, p. 61) aponta a
necessidade de que a decisão deve remeter-se, sempre, ao sistema jurídico. Ademais, deve
utilizar-se de um fundamento que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, afastando-se
da casuística. Por fim, deve levar em conta as consequências práticas que sua decisão
produzirá no mundo dos fatos.
Por isso que um novo paradigma de interpretação do direito precisou nascer: o pós-
positivismo. Ele busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito positivado. O
que ele faz é promover uma leitura moral do direito sem recorrer a categorias metafísicas,
não comportando voluntarismos ou personalismos ainda que seja inspirado em uma teoria da
justiça (QUARESMA et al. 2009, p. 54).
Conforme a observação do jurista Ralf Dreier (apud QUARESMA et al. 2009, p. 6),
temos que:
31
Classificação da Professora Hilda Helena Soares Bentes, in QUARESMA et al. 2009, p. 231.
61
Veja-se que um presidente foi destituído por impeachment, um trabalhador foi eleito
para ocupar o mais alto cargo do Executivo33, membros do Congresso Nacional estão sendo
investigados por corrupção, e tudo isso com base no respeito à legalidade constitucional.
Segundo Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009, p. 53), “o surgimento de
um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado”, e só foi possível
mediante as mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX, que levaram à
consideração de que a norma constitucional possui status de norma jurídica.
Decorridos vinte e três anos de sua promulgação, não como há como sustentar o já
conhecido argumento de que algumas normas possuem caráter programático e que alguns
direitos fundamentais são um compromisso do Estado, jamais realizado e sem data para sua
efetivação. Até mesmo as normas programáticas devem ser entendidas como diretamente
aplicáveis e imediatamente vinculantes, na medida pondera e no critério de ponderação34.
34
Cf., a respeito, a opinião do jurista Ricardo Maurício Freire Soares, in O princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, p. 114.
63
Nas palavras de Flávia Piovesan (in QUARESMA et al. 2009, p. 458), “o valor da
dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo ordenamento
jurídico, como critério e parâmetro de valoração à orientar a interpretação e compreensão do
sistema constitucional”.
35
Acreditamos ter demonstrado, em seção anterior, a íntima conexão entre a dignidade da pessoa humana e os
direitos humanos fundamentais.
36
Cf. o capítulo A contribuição de Immanuel Kant, na seção 3, deste trabalho.
65
Para Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p. 145), a dignidade da pessoa humana é
capaz de produzir efeitos jurídicos nas acepções: positiva, negativa e hermenêutica. A positiva
consiste em reconhecer ao titular do direito fundamental encarado como de eficácia limitada,
o direito de ver a norma produzir seus efeitos, caso seja ela indispensável para assegurar uma
existência digna.
37
A observação é de Ricardo Maurício Freire Soares, op. cit., p. 144.
66
Eis a razão pela qual a relevância do princípio da dignidade da pessoa humana vem
sendo afirmada pela jurisprudência nacional, porquanto confere coerência substancial a todo
sistema constitucional e ao mesmo tempo aponta para a realização de um direito justo,
exprimindo as estimativas e finalidades a serem alcançadas pelo Estado e pelo conjunto da
sociedade civil.
38
A privação de direitos sociais simboliza uma flagrante violação à ordem constitucional, que inclui tais direitos
entre as cláusulas pétreas. Esses direitos são intangíveis e irredutíveis, o que torna inconstitucional qualquer ato
que tenda a restringi-los (esse o entendimento de Flávia Piovesan, in Direitos Humanos e o direito constitucional
internacional. 4 ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 52).
67
autoriza o julgador, na presença de um caso concreto e por meio de uma hermenêutica criativa
e concretizante da essência valorativa de uma Constituição, materializar o direito justo.
Para Daniel Sarmento (in QUARESMA et al. 2009, p. 285), a renovação dos quadros
do STF39, agora composto, em sua maioria, por professores de Direito Constitucional de
grande reputação acadêmica, proporcionou o contato dos ministros com a produção
intelectual de ponta na área, permitindo a influência destas novas correntes de pensamento.
Observa Daniel Sarmento (in QUARESMA et al. 2009, p. 286) que atualmente o STF
tem se defrontado com novos temas fortemente “impregnados de conteúdo moral, como as
discussões sobre a validade de pesquisa em células-tronco embrionárias43, aborto de feto
anencéfalo44 e união entre pessoas do mesmo sexo45.
39
O jurista fala em renovação do STF, pois, em 1998, quando promulgada a Constituição Federal vigente,
permanecia, nos assentos do tribunal, ministros que não tinham sintonia política-ideológica nem boa vontade
com a nova ordem constitucional.
40
Petição 1.246 MS/SC, julgada em 31.01.1997 (obrigação do Estado de realizar transplante de células
mioblásticas para salva a vida de criança).
41
Recursos Extraordinários 158.215-4/RS, 161.243-6/DF, 201.819/RJ.
42
Mandado de Injunção nº. 670/ES – No caso, decidiu-se que enquanto não se regulasse a greve no serviço
público, tal direito poderia ser exercido nos limites da Lei 7.783/89, que trata da greve em serviço essencial no
setor privado.
43
ADIN 3.510/DF, Relator Ministro Carlos Ayres de Britto. A ação impugnava a autorização de pesquisas com
embriões humanos resultantes de fertilização in vitro que fossem inviáveis ou estivessem congelados há mais de
três anos. A ação foi julgada totalmente improcedente, por 6 votos a 5.
44
ADPF nº. 54, Relator Ministro Marco Aurélio.
68
Apenas para completar alguns poucos exemplos sobre as matérias enfrentadas pelo
excelso, cabe-nos mencionar o julgamento relativo à tortura, em que os ministros
consideraram ser ela a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete – enquanto prática
ilegítima, imoral e abusiva – a asfixia e a negação da dignidade, entendida como autonomia e
liberdade do indivíduo46.
Esses poucos exemplos servem para demonstrar o quão importante tem sido o poder
judiciário em tempos de neoconstitucionalismo. Pode-se verificar que o STF, no atual
contexto histórico-cultural de desenvolvimento da experiência jurídica, avança na
concretização de um direito justo, enfatizando o uso do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, tanto para justificar a tutela dos direitos fundamentais, como para
reconhecer a efetividade e aplicabilidade dos direitos de segunda dimensão, em favor, no
dizer de Ricardo Mauricio Freire Soares (2010, p. 205), “da promoção da existência digna do
ser humano”.
45
ADPF nº. 132 RJ, Relator Ministro Carlos Ayres de Britto. Em votação unânime, o Supremo declarou
constitucional a união de pessoas do mesmo sexo.
46
HC 70.389, relator para o Acórdão Ministro Celso de Mello, j. 23.06.1994, DJ. 10.08.2001.
47
HC 85.237, relator para o Acórdão Ministro Celso de Mello, j. 17.03.2005, DJ. 29.04.2005.
48
Ag.Reg. no RE 271.286, relator Ministro Celso de Mello, j. 12.09.2000, DJ. 24.11.2000.
69
CONCLUSÃO
Essa ação do judiciário corrobora a afirmação de Robert Alexy (2011, p. 29) de que a
abertura do sistema jurídico à moral, mediante a positivação dos direitos fundamentais que
vinculam todos os poderes estatais, é razoável e pode ser levada “a cabo por sistemas
racionais”.
O Brasil, ainda que tenha passado por diversas reformas neoliberais de enxugamento
do Estado, com privatizações em diversas áreas de serviços fundamentais, “remanesce com a
alma e com a espinha dorsal de um Estado Democrático de Direito, comprometido com os
valores substantivos de promoção de justiça social, igualdade e liberdade” (QUARESMA et
al. 2009, p. 745).
49
Nesse sentido Antonio Cavalcanti Maia, in QUARESMA et al. 2009, p. 24.
70
Mas frise-se: A atuação do judiciário não invade a área de atuação do poder executivo:
o princípio da separação de poderes, cláusula pétrea em nossa Constituição, permanece
intacto. O que é de sua competência é corrigir ilegalidades, abusos, desvios de poder,
inconstitucionalidades, ainda que oriundas da omissão legislativa.
71
Salienta Robert Alexy (2011, pp. 26-27): “mesmo que extremamente aberta, uma
normatização pode não suscitar grandes discussões caso haja um amplo consenso sobre a
matéria”. O autor refere-se ao catálogo de direitos fundamentais, especialmente em relação à
dignidade, à liberdade e à igualdade, exigências dos movimentos sociais dos séculos XIX, XX
e também do presente.
50
“É urgente uma nova social (...)”.
72
REFERÊNCIAS
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2009.
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Editores, 2006.
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1989.
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