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CCEJ – CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS

AS FESTAS BÍBLICAS

Apostila do curso de Cultura Judaico-


Cristã, História e Teologia. Disciplina:
O ciclo das Festas Bíblicas.
Professor: Pe. Ms. Manoel Ferreira de
Miranda Neto, NDS.

São Paulo – 2017


1
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 5

CAPÍTULO I .............................................................................................................................. 6
1 O SENTIDO DE FESTEJAR .................................................................................................. 6
1.2 O Nome festa e seu significado ............................................................................................ 6
1.2.1 HAG ................................................................................................................................... 6
1.2.2 MOED ................................................................................................................................ 7
1.2.3 MIQRAH KODESH ........................................................................................................... 7
1.3 Identificação e divisão das festas bíblicas ............................................................................ 7
1.3.1 Festas mosaicas.................................................................................................................. 8
1.3.2 Festa rabínicas ................................................................................................................... 8
1.3.3 Divisão das festas de instituição mosaica. ......................................................................... 8
1.4 Calendário Judaico ............................................................................................................... 8
1.4.1 Quando as festas passaram a ser celebradas? .................................................................... 9

CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 11
2 A FESTA DA PÁSCOA........................................................................................................ 11
2.1 Nome e origem da festa ...................................................................................................... 11
2.1.1 O nome da festa ............................................................................................................... 11
2.2 A origem da festa ................................................................................................................ 11
2.3 A festa da Páscoa como História de Israel segundo Êxodo 12,1-13 .................................. 12
2.4 As Características da festa da Páscoa segundo Dt 16,1-8; Lv 23,5-7 nacionalização e
sacralização da festa de páscoa ................................................................................................. 13
2.5 Festa da páscoa no Período do Segundo Templo ............................................................... 14
2.6 A Significação teológica da festa para os judeus ............................................................... 15
2.6.1 Renovação ....................................................................................................................... 15
2.6.2 Passagem ......................................................................................................................... 16
2.6.3 Libertação ........................................................................................................................ 16
2.7 A Páscoa como Memorial do Êxodo. ................................................................................. 17
2.8 A Páscoa judaica e o Novo Testamento. ............................................................................ 18
2.8.1 Efésios 2,11-14 ................................................................................................................ 19
2.8.2 1Cor 5,1-8 ........................................................................................................................ 20

2
2.9 Memória pascal e Eucaristia ............................................................................................... 20

CAPÍTULO III ......................................................................................................................... 22


3 A FESTA DE PENTECOSTES ............................................................................................ 22
3.1 Nome .................................................................................................................................. 22
3.1.1 Hag hakatsir ..................................................................................................................... 22
3.1.2 Hag habikurim ................................................................................................................. 22
3.1.3 Hag Atseret ...................................................................................................................... 22
3.1.4 Hag hashavuot ................................................................................................................. 23
3.2 Origem da festa de Pentecoste ............................................................................................ 23
3.3 A festa de pentecostes como festa da Aliança .................................................................... 25
3.4 A festa de Pentecostes como dom da Torah ....................................................................... 26
3.5 O sentido teológico da festa................................................................................................ 27
3.6 O Texto do Pentecoste Cristão à luz da tradição judaica. .................................................. 28
3.6.1 O Momento (At 2,1.15) ................................................................................................... 28
3.6.2 Lugar (At 2,5) .................................................................................................................. 29
3.6.3 Barulho (At 2,2) ............................................................................................................... 29
3.6.4 A aglomeração de povo (At 2,5) ..................................................................................... 29
3.6.5 O falar em línguas (At 2,4) .............................................................................................. 30
3.6.6 As línguas de fogos (At 2,3) ............................................................................................ 30
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 31

CAPÍTULO IV ......................................................................................................................... 32
4 A FESTA DE YOM KIPPUR ............................................................................................... 32
4.1 O nome da Festa ................................................................................................................. 32
4.2 A festa de Kipur segundo os Textos Bíblicos ( localização ) ............................................. 32
4.2.1 Definição ......................................................................................................................... 33
4.2.2 Que Tipo de pecado o dia de kipur apaga ou deixa de apagar ?...................................... 33
4.3 A celebração de kipur no período do Templo .................................................................... 33
4.4 A Celebração Hoje.............................................................................................................. 36
4.4.1 Lista de confissões de pecado .......................................................................................... 37
4.4.2 Sentido Teológico ............................................................................................................ 38
4.5 A festa de kipur e o Novo Testamento ............................................................................... 39
4.5.1 A grande Novidade da Carta aos hebreus ........................................................................ 39
3
4.5.2 Justificação do título de sacerdócio ................................................................................. 40
4.5.3 Quem é Melquisedec ? .................................................................................................... 40
4.5.4 Qual é a missão do Sacerdote nas Escrituras ? ................................................................ 40
CONCLUSÃO :........................................................................................................................ 42

CAPÍTULO V........................................................................................................................... 44
5 A FESTA DAS TENDAS ..................................................................................................... 44
5.1 O nome da festa .................................................................................................................. 44
5.2 A festa de Sukot segundo as Escrituras. ............................................................................ 45
5.3 A celebração da festa no período do Templo ..................................................................... 45
5.4 A celebração de sukkot Hoje .............................................................................................. 46
5.5 A teologia da festa .............................................................................................................. 47
5.6 A Festa de Sukkot e o Novo Testamento ........................................................................... 49

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 51

4
INTRODUÇÃO

Geralmente nós, os cristãos, conhecemos mal a vida litúrgica de Israel. No entanto, as


manifestações religiosas israelitas influenciaram de maneira direta a tradição cultual da Igreja
primitiva. Se quisermos um exemplo claro basta evocar o fato de que nós, os cristãos,
celebramos páscoa e pentecostes.
Nessas duas festas encontramos fortes resquícios da vida litúrgica de Israel. Essa
influência ocorre pelo fato de que as festas judaicas foram celebradas também por Jesus e seus
discípulos; eles praticaram alguns de seus ritos, rezaram algumas de suas bênçãos. Como eles,
a primeira Igreja celebrou também várias festas judaicas mencionadas nas Escrituras.
Portanto, é necessário que nós saibamos como os homens das Escrituras, os homens
do tempo de Jesus, o próprio Jesus e seus discípulos e a primeira Igreja viveram os
grandes momentos litúrgicos que os reuniam regularmente a Jerusalém para honrar a Deus e
confessar sua esperança.
O objetivo deste curso é justamente apresentar de modo breve algumas festas judaicas e
ao mesmo tempo mostrar seus resquícios no Novo Testamento e sua ligação na vida litúrgica
cristã.

Por que fazer festas para o Senhor?


Se olharmos o texto de Levítico 23 a Primeira festa a ser citada é o Shabat. Embora
sendo uma festa de natureza diferente, ele é considerado como a maior celebração judaica. Ele
explica, assim, o sentido das outras festas, porque ele intercala as semanas, fazendo com que
entre um espaço curto de Tempo o homem faça o sagrado entrar no seu tempo, na sua história.
O Shabat é, pois, um instrumento através do qual Deus entra no Tempo do homem e o
santifica. O Shabatt antecipa, assim, o mundo futuro, onde o tempo será sempre sagrado
porque o homem viverá sempre na intimidade com Deus. Se o Shabat intercala as
semanas fazendo a irrupção do Sagrado no tempo, as festas santas intercalam as estações do
ano fazendo com que entre um espaço maior de tempo o Sagrado se manifeste no tempo do
homem. Em cada estação há sempre uma festa religiosa e Deus se faz presente no tempo do
homem religioso.

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CAPÍTULO I

1 O SENTIDO DE FESTEJAR

A festa celebra a irrupção do Sagrado no tempo, fazendo isto, ela o santifica. O tempo
deixa de ser fatal, ameaçador e soberano para homem, algo que a qualquer momento vencerá
o homem. O tempo passa a ser um trampolim para elevar o ser humano para um além sem
fim, para um tempo eterno. Além disso, âmbito prático, ela imortaliza um fato, congrega, cria
unidade, reforça uma identidade e permite uma tomada de consciência coletiva. Quando
Esdras volta do exílio da Babilônia, uma de suas mediadas para unir o povo foi retomar as
celebrações festivas fazendo os fiéis conchearem as festas bíblicas.
A festa bíblica não se limita a evocar uma mera lembrança de um fato do passado. Ela
manifesta sempre o dom de Deus que é anterior ao fato. Assim na Páscoa o fiel não se limita
a lembrar meramente um fato a saída, mas, se celebra o dom de Deus, sua intervenção
libertadora na história do homem. Assim, a celebração da Páscoa possibilita a
intervenção de Deus no momento em que o fiel a celebra. A festa é, portanto, um meio
de se beneficiar de uma graça fundamental e vital dispensada em um determinado período da
história, mas que tem um efeito contínuo.

1.2 O Nome festa e seu significado

No Pentateuco a palavra festa é dita de três formas: HAG, MOED e MIQRAH HA


KODESH. Cada uma dessas palavras traz consigo um ensinamento próprio sobre o sentido da
festa.

1.2.1 HAG

A palavra hag lembra a ideia de círculo. Esse termo é aplicado as três festas de
peregrinação que se inscrevem no ritmo cíclico da natureza (Lv 23, 34). Celebrando a páscoa,
pentecoste e a festa das tendas, o homem assume lucidamente o ritmo da natureza para
afirmar a sua ordem. A festa em cada período do Tempo diz a forma do homem dominar o
tempo fazendo o sagrado entrar no mesmo e ordená-lo.

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1.2.2 MOED

Significa encontro, convocação (Lv 23,1). As festas são encontros fixados por Deus,
isso prova que esse encontro foi desejado pelo próprio Deus. Segundo essa designação as
festas devem ser celebradas num período determinado, pois este é um período privilegiado:
Que os filhos de Israel celebrem a páscoa na data determinada (Nm 9,2-3). Esse encontro se
passa no tempo e em um lugar. Deus encontra seu povo no tempo que ele mesmo fixou e no
templo em Jerusalém. A irrupção da divindade num tempo fixo e num lugar nos diz que
todo tempo e todo lugar são destinados a ser invadidos pela presença de Deus. Essa
universalização deve passar primeiramente por um particularismo, de um tempo, um
lugar e povo determinados para depois se estender a todos os tempos, todos lugares e
para todos povos.

1.2.3 MIQRAH KODESH

O termo é formado pela a raiz verbal qarah + qodesh. Qarah significa convocar, chamar
e Kodesh significa Santo. Miqrah kodesh significa então santa convocação, ou santa
assembleia. O termo exprime a santidade da convocação. A convocação é santa porque ela
vem de Deus, o Santo, e por que ela é um tempo colocado a parte por Deus e para Deus, um
tempo diferente dos dias ordinários.

1.3 Identificação e divisão das festas bíblicas

Nós podemos localizar as festas bíblicas no calendário litúrgico bíblico que é Lv 23.
Leitura da Bíblia identificando as festas.
Existem dois grupos de festas com valores diferentes. As festas principais são as festas
de instituição mosaica, as festas citadas pela Torah, portanto obrigatórias. Estas festas são
instituídas por Moises a pedido do próprio Deus. O segundo grupo de festas são as festas
menores, instituídas pelos sábios para celebrar algum fato histórico e importante para o povo
judeu. Elas são conhecidas como festas de instituição rabínica. Elas, geralmente, não proíbem
o trabalho e são manifestação do povo e das famílias.

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1.3.1 Festas mosaicas

As festas de instituição mosaica são cinco: a Páscoa, Pentecostes, Rosh hashanah, e


expiação, yom kippur e Tendas Sokot.

1.3.2 Festa rabínicas

As festas de instituição rabínica, chamadas festas menores são três: a festa da


dedicação do Templo, hanukkah, Purim, e a lembrança da destruição do templo, 9 av.
Nós fixaremos maior atenção aqui nas festas de instituição mosaica.

1.3.3 Divisão das festas de instituição mosaica.

As festas de instituição mosaica são divididas em dois grupos:


a) festas de peregrinação
Páscoa, Pentecostes e Tendas. Essas festas eram celebradas principalmente no Templo
em Jerusalém. Os fiéis subiam três vezes no ano a Jerusalém para se colocarem diante
da presença de Deus no Templo ( Ex 23, 17).
b) Festas fixas
Rosh há shanah (ano novo) e yom ha kippur (expiação). Essas festas podiam ser
celebradas, onde os fiéis se encontravam.

1.4 Calendário Judaico

O dia para os judeus, como para a maior parte dos nômades, começa com o pôr do sol, o
que faz com que um dia possa começar às 6 h, 5h ou até às 4h dependendo da estação do ano.
Uma vez que o sol desaparece um dia já passou e um outro começa. A durabilidade do dia é
mediada pelo o sol. Os meses, hodesh, são as vezes doze ou treze eles são compostos de 30 ou
29 dias. Os anos são contados, de acordo com a tradição judaica, a partir da criação de Adão
que ocorreu no ano 3761 Ac. Portanto para se saber qual é o ano judaico basta acrescentar ao
ano corrente 3760 no caso tendo como referência 2017, os judeus estão no ano 5777.
Para criar o seu calendário anual Israel se inspira na experiência dos seus Vizinhos,
Egito e a Mesopotâmia. Eles contam o dia baseado no movimento da lua. Eles adotam, pois,
um calendário lunar. O ano lunar compreende doze meses de trinta dias ou vinte nove dias

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cada um o que faz um total de 354 dias no lugar de 365. Mais tarde pelo século nono, graça ao
progresso astronômico se acrescentou um outro mês ao calendário judaico para que ano
judaico possa corresponder ao ano solar em quantidade de dias. Hoje eles tem ano composto
de doze meses lunares com um mês suplementar de 29 dias a cada dois ou três anos. O
acréscimo do mês se dá pela repetição do mês de Adar que corresponde a janeiro o fevereiro.
Então a cada dois ou três anos se tem Adar I (30 dias) e Adar II (29 dias).

Eis aqui o calendário israelita:

MÊS DURAÇÃO ANO SOLAR FESTAS


1- Nissan 30 dias Março/Abril Páscoa
2- Iyar 29 dias Abril/Maio
3- Sivan 30 dias Maio/Junho Pentecostes
4- Tammuz 29 dias Junho/Julho
5- Av 30 dias Julho/Agosto Destruição do
Templo
6- Elul 29 dias Agosto/Setembro
7- Tishrei 30 dias Setembro/Outubro Rosh há Shanah/
Kippur
8- Heshvan 29/30 dias Outubro/Novembro
9- Kislev 29/30 dias Novembro/Dezembro Hanukáh
10- Tevet 29 dias Dezembro/Janeiro
11- Shevat 30 dias Janeiro/Fevereiro
12- Adar I/II 29/30 dias Fevereiro/Março Purim

1.4.1 Quando as festas passaram a ser celebradas?

Não se sabe precisamente, quando essas festas passaram a ser celebradas. A Bíblia
apresenta simplesmente indicio de celebração da Páscoa fora do templo de Jerusalém. O que
pode indicar que algumas festas tenham sido celebradas, antes mesmo da construção do
Templo e fora de Jerusalém ( Js 5, 10 ). Entretanto fica evidente que elas têm o seu apogeu
após a construção do Templo em Jerusalém por volta de 950 a. C. Elas tinham dupla
finalidade: religiosa pela qual se unifica o culto ao Deus único e se purifica o judaísmo; e
política, pela qual se vincula todos territórios à Capital do reino. Se conseguia, assim, unificar
a religião e o reino. E é claro, com o decorrer dos tempos elas ganham também uma
importância financeira, pois, elas movimentavam a economia local.

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No século VII a.C. o rei Josias percebe tal importância das festas. Ele as organiza e
exige que as festas de peregrinação sejam celebradas somente no Templo de Jerusalém.
Depois do exílio da Babilônia, quando o povo volta a Israel, Esdras tem a mesma
preocupação. Ele tenta unir o povo através da religião, lendo e traduzindo a torah. Logo em
seguida ele reorganiza as festas religiosas, ensinando também ao povo como celebrá-las. As
tribos de Israel estavam ligadas entre si pelo vínculo religioso, ele assegura, assim, o político,
uma vez que a forma de governo é teocrática.

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CAPÍTULO II

2 A FESTA DA PÁSCOA

A páscoa abre o calendário litúrgico de Israel, ela é a primeira festa da primavera. A


festa mais citada pelas Escrituras e segundo alguns especialistas, ela era considerada entre os
judeus do tempo de Jesus como a festa mais importante do ano. Dentre as solenidades citadas
nas Escrituras a páscoa é a festa mais conhecida na tradição cristã, por causa do papel que ela
tem nos testemunhos neo-testamentários e pelo próprio fato dela continuar no calendário
litúrgico cristão.

2.1 Nome e origem da festa

2.1.1 O nome da festa

Em hebraico ela é chamada de pessah da raiz verbal Passah a etimologia desse verbo é
bastante desconhecida. Na Bíblia ela tem o significado de coxear, saltar . A raiz Passah dá
origem ao substantivo Pessah que é traduzido em português como Páscoa. O sentido está a
associado à saída do Egito, neste dia o Senhor decidiu ferir o Egito mas ele saltou sobre a
casa, cujo o bantente estava ungido com o sangue do cordeiro Ex 12, 13. Mais tarde a palavra
toma um significado de movimento indicado a passagem de uma situação para outra. Hoje, de
modo popular se designa páscoa como passagem. Ela é uma festa mosaica, ou seja, ela é uma
festa prescrita pela lei, instituída por Deus mesmo. Ela é citada em Ex12, Lv23, 5-8, Dt16,1-8.
É Deus mesmo que pede ao povo para celebrar esta festa como memória de uma ação que ele
fez em favor do próprio povo.

2.2 A origem da festa

A origem da festa é pagã, ela precede a instalação do povo de Israel na terra de Canaã,
ela está ligada a vida nômade de pastores de rebanhos de cabra e de ovelhas que são obrigados
a mudar-se (transumância) constantemente à procura de pasto para o rebanho. Cada mudança
constitui para estes pastores uma verdadeira aventura, pois, eles são obrigados a se aventurar
por terrenos desconhecidos que oferecem para eles e para o rebanho todo tipo de perigo. Os

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pastores tentam, então, se proteger destes perigos através de rituais de sacrifícios antes de
partir para um novo lugar pastagem.
Para os nômades a celebração começa ao cair da tarde, no período de lua cheia, a
véspera da próxima mudança de lugar. Eles imolam um cordeiro ou um cabrito que os
participantes assam sem quebrar nenhum osso e depois comem com pão sem fermento e com
ervas amargas. O pão sem fermento seria a comida dos beduínos, as ervas amargas serviriam
como um tipo de tempero que dá gosto a comida. Eles comiam tudo sem deixar nenhum resto.
Durante a refeição eles estavam prontos para partir com os rins cingidos e com as sandálias
nos pés, pois, era assim que eles conduziam os rebanhos. Com o sangue da vítima eles
ungiam as entradas das cabanas como um sinal de proteção contra as forças destruidoras. O
Sangue protegeria assim os animais, sobre tudo, os mais jovens nascido na primavera, dos
futuros perigos. Ele era aspergido no batente das portas das tendas como sinal de proteção
contra o demônio destruidor, o mashit (exterminador) que aparece em Ex 12, 23.
Mais tarde esse costume é assumido pelos os antigos pastores de Israel, ainda quando
estes eram semi-nômades. Para estes, o ritual era feito na primavera e na lua cheia. Eles
faziam o mesmo ritual dos nômades desta vez com o objetivo de proteger suas casas e seus
hóspedes dos possíveis males. Resumindo vários escritores concordam então que a páscoa
judaica é originada do mundo semi-nômade de Israel que por sua vez tem suas raízes no
mundo nômade pagão.
No decorrer da história de Israel a Páscoa passa por várias modificações, primeiro ela
passa a fazer parte da história de Israel com o livro do Êxodo (Ex 12 ). Esse livro apresenta a
Páscoa como um evento através do qual Deus intervém na história do seu povo para salvá-lo.
Depois ela é nacionalizada através do livro de Deuteronômio que ordena a todo judeu a
celebração da Páscoa, ela lembra uma data cívica (Dt 16,1s). Enfim, o livro de Levítico a
sacraliza chamando a de santa assembleia que faz a memória da ação libertadora de Deus. Lv
23, 7. Em outras palavras esses textos bíblicos fazem da Páscoa uma festa histórica, nacional
e sagrada para o povo de Israel. Assim ela deixa de ser uma festa nômade pagã e passa ser
uma festa religiosa.

2.3 A festa da Páscoa como História de Israel segundo Êxodo 12,1-13

O texto bíblico que nos mostra a Páscoa como História do povo de Israel é Ex 12.
Segundo o livro do Êxodo, a Páscoa é consequência da intervenção de Deus que orienta
Moisés, líder do povo, para libertar os Israelitas do Egito. O povo prepara sua saída com uma
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ceia ritualizada cujo o centro é o cordeiro. Tudo se passa em torno do cordeiro. Ele deve ser
macho e prefeito. A carne do cordeiro serve para alimentar o povo, preparando-os para a
caminhada. O Sangue do cordeiro terá uma função primordial, ele deve ser colocado nos
marcos e nas travessas das portas como sinal de proteção para o povo. Vendo o sangue, Deus
ou o seu anjo exterminador passará e ferirá apenas os egípcios deixando assim o povo livre
para passar da terra da escravidão para a terra da Liberdade. O cordeiro tem uma função
central no processo de libertação do povo. Sua carne alimenta e fortalece o povo, seu sangue
preserva o povo da punição de Deus contra os egípcios. Através do cordeiro Deus passa no
meio do povo, julga, aplica sua justiça e faz o povo passar da escravidão para a liberdade.
Todo o ritual da refeição indica um estado de movimento e de instabilidade local: A
carne deve ser assada no fogo, os pães devem ser sem fermento, nada deve sobrar para o
amanhã. Tudo isso indica o caráter provisório da estada de Israel no Egito. Não há mais
tempo para cozinhar, fermentar, não há mais o amanhã para Israel no Egito, é preciso sair
rápido. Deve se comer às pressas, com os rins cingidos, sandálias nos pés e vara na mão. Algo
deve acontecer: A Páscoa do Senhor, esta Páscoa é o evento que gera a libertação de um povo.
Essa festa deve ser pois celebrada como o memorial da libertação do povo da terra do Egito .

2.4 As Características da festa da Páscoa segundo Dt 16,1-8; Lv 23,5-7 nacionalização e


sacralização da festa de páscoa

O texto de Dt 16, 1-8 apresenta a Páscoa como o evento nacional, ordenado por Deus,
isso porque Deus livrou povo numa noite de páscoa. O texto acrescenta ainda algumas
informações a mais: ele cita os sacrifícios de bois e ovelhas e a festa deve ser celebrada no
Templo, frisa bem a proibição de fermento e o horário, a tarde ao pôr do sol.
Em Levitico 23,58. Algumas precisões são dadas sobre a festa da Páscoa: ela é
celebrada no dia 15 do primeiro mês, dura 7 dias, não se come pão com fermento, no primeiro
dia se tem assembléia ou seja celebrações, não se trabalha, também no sétimo dia não se
trabalha. Mas o mais interessante é que o texto diz que a festa é uma santa convocação. Ai
está o caráter sagrado da festa. Ele é santa porque ela é uma convocação feita por Deus. Deus
mesmo convoca seu povo para a celebração da páscoa. O objetivo desta convocação é fazer o
povo lembrar do dia de sua libertação, e por esse meio, fazer com Deus liberte novamente
Israel, no momento em que ele celebra a Páscoa.

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2.5 Festa da páscoa no Período do Segundo Templo

A tradição sacerdotal forneceu um quadro firme para a celebração da Páscoa de modo


que no período do segundo templo no primeiro século antes de Jesus, a Páscoa reunia uma
multidão de gente de todo o país em Jerusalém para celebrar a festa no Templo. Sua liturgia
se enriquece ainda de alguns elementos e ela não cessa de suscitar novos comentários e
interpretação a seu respeito.
Esta celebração nos é ainda hoje conhecida graça ao tratado da Mishnah consagrada a
Páscoa: Pesahim, mas também através de Flavio José que pode nos dizer algo sobre o
primeiro século antes de Jesus. O tratado fala sobre a preparação da festa, sobre o sacríficio e
a ceia de Páscoa.
A Páscoa era celebrada no dia 14 de Nisan, mas o movimento já começava no dia 13
com a preparação para dia seguinte. As famílias passavam o dia preparando a casa,
procurando produtos fermentados. Nada contendo fermento poderia ficar na casa.
O sacrifício era oferecido no Templo no começo da tarde como indica Dt 16, 1s. Por
causa do grande número de gente, os fiéis eram divididos em grupos para oferecerem os seus
sacrifícios. O sacrifício era feito pelo o pai de família, mas o sangue do animal era recolhido
imediatamente pelo o sacerdote que dava ao seu companheiro para aspergi-lo no altar.
A ceia se passava fora do espaço sagrado do templo, ou em casas de famílias. De cada
ceia participavam no mínimo dez pessoas, menos não. O que indica que a páscoa conservou o
seu aspecto familial e fraterno. Cada um deve comer do alimento tradicional: o pão sem
fermento, as ervas amargas, o cordeiro pascal. Todos deviam beber dos 4 copos de vinhos.
Cada um dos copos de vinho é acompanhado pelos os cantos, canta se os salmos de halell (Sl
113 e 136). Durante a cerimônia as crianças devem perguntar o que distingue esta noite das
outras noites. Os pais respondem por comentários que pode se estender até a meia noite, mas
eles não devem esquecer de pronunciar o nome pesah, massah e maror que lembram que esta
noite é um dia do memorial da saída do Egito e que convém louvar a Deus que nos tirou da
servidão para a liberdade, da tristeza para a alegria, do luto para a festa e das trevas para a
Luz.
Sobre o fato de o pai de família oferecer o seu próprio sacrifício durante a Páscoa, o que
é uma exceção, Filão de Alexandria tem um comentário. Segundo ele, no dia da Páscoa todo
povo judeu; jovens e velhos se revestem da dignidade sacerdotal, todo mundo está em estado
de pureza e todas as casas se revestem da dignidade do templo e do esplendor do Santuário
porque a Páscoa está sendo celebrada nas casas. Quer dizer que o dia da Páscoa prefigura

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mesmo o mundo futuro, onde todos se encontrão no grande Santuário, o céu, salvos,
puros e na presença de Deus. Todos se tornarão uma nação de sacerdote cujo único serviço é
está na presença de Deus e adorá-lo. Nesse sentido podemos dizer que a Páscoa antecipa
mesmo o que acontecerá no mundo futuro.

2.6 A Significação teológica da festa para os judeus

Nós podemos resumir o significado teológico da Páscoa através de três termos:


Renovação, passagem e libertação.

2.6.1 Renovação

Falar de renovação é evocar em primeiro lugar as forças da natureza. A páscoa é


celebrada na primavera, período em que a natureza se desperta e manifesta sua vitalidade
encontrada na fertilidade dos campos e na fecundidade dos animais. A festa coincide assim
com a estação que indica o recomeço do círculo natural; a renovação do cenário natural, o que
era morto passa a reviver. Por isso mesmo esta festa lembra naturalmente o primeiro começo,
quer dizer a própria criação do mundo. Quando Deus faz tudo brotar do caos. A festa da
Páscoa é portanto a festa do novo, ela indica uma nova criação realizada por Deus. Se celebra
nela a libertação de todas forças vitais do poder do mal, através dela se lembra também da
renovação definitiva. Deus fará nova todas as coisas. Enfim como festa da renovação a Páscoa
sugere o triunfo definitivo da vida sobre a morte.
O Targum de Ex 12, 42 tem o poema das quatro noite: 1- Primeira noite, quando o
senhor se manifestou sobre o mundo para criá-lo. O mundo era confusão, caos, trevas. A
palavra de Deus era luz que criou e ordenou tudo. 2-A segundo noite é quando Deus
apareceu a Abraão e com cem anos e Sara com noventa anos e disse que eles teriam um
filho. Criação do povo de Israel. 3Terceira noite quando o Senhor apareceu aos egípcios
no meio da noite e salvou Israel. 4- noite quando o mundo chegará a seu fim e será
redimido. Moises se levantará do meio do deserto e o rei Messias virá do alto. Cada um
marchará diante de um rebanho. A palavra marchará entre os dois e todos marcharão juntos.
Mesmo se a páscoa é interpretada em função da história bíblica, ela não perde o seu
contado com o círculo natural do ano. Assim até hoje existem uma oração para o orvalho, essa
oração deve ser pronunciada no primeiro dia da semana da Páscoa.

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2.6.2 Passagem

A páscoa é ainda passagem. Ela é em primeiro lugar passagem de Deus que salvou e
que salva sempre, esta salvação se deu pela passagem de Deus ou do seu anjo exterminador
que passou sobre a casa dos Israelita e os poupou da morte que atingiu Faraó e o seu povo
(Ex12,13,23,27). A noite pascal provoca uma verdadeira crise, ele equivale a um julgamento.
Podemos dizer que quando Deus passa entre os homens ele faz justiça. Os opressores são
punidos e os oprimidos são tratados com justiça. A “passagem” de Deus gera a <passagem>
para o seu povo, a passagem de Deus provoca uma mudança radical na vida do seu povo, este
povo muda de status, como o diz o seder pascal, a passagem de Deus fez o povo passar da
escravidão para a liberdade, da tristeza para alegria, e das trevas para as luzes. O Senhor passa
e faz o seu povo passar de uma condição de miséria e sem futuro para uma situação de
felicidade e de novas perspectivas. Com a passagem de Deus que é Páscoa, uma história é
inaugurada.
Filão traduz a palavra pessah por “travessia”, o que lhe permite de fazer um comentário
alegórico deste termo. Certo, Páscoa é o memorial da saída do Egito, mas ela é também uma
travessia, quer dizer, uma purificação da alma sedenta de sabedoria porém submergida nas
paixões do mundo. A Páscoa seria nesse caso a travessia da alma que supera paixões do
corpo e atinge a sabedoria.

2.6.3 Libertação

Para a tradição judaica, a Páscoa é em primeiro lugar festa da libertação. A noite pascal
é uma noite de libertação que contém o germe de todas as outras libertações, ela é sinal e
demonstração de salvação. Por que houve a saída do Egito haverá certamente uma salvação
definitiva para todos os povos. Quando Israel celebra a Páscoa ele mostra as noções o que
Deus fez indicando assim o fim da humanidade, isto é a libertação definitiva. A Páscoa é
assim uma festa escatológica que mostra um futuro promissor para toda humanidade.
Na Bíblia se encontra constantemente a expressão: O nosso Deus nos fez sair do Egito
(Ex, 13, 3, 9, 14, 16; 20,2;32,11 etc) A Libertação do Egito significa uma ruptura com relação
ao passado e ao poder opressor. A libertação do Egito foi um evento físico, social e político
impregnado do religioso, libertação do corpo e da Alma. A salvação que Deus oferece ao seu
povo não se limita apenas a uma dimensão espiritual mas também não se reduz a um episódio
de luta de classes. A Páscoa é Portanto um evento que exprime a salvação completa do
16
homem. A páscoa revela a natureza profunda de Deus, ela mostra que a preocupação primeira
de Deus e de libertar os homens dos poderes que os massacram, ela mostra o desígnio de
Deus que é redenção do mundo, em fim a Páscoa faz da salvação a primeira e a última palavra
do Deus da Bíblia.

2.7 A Páscoa como Memorial do Êxodo.

Ex 12, 14.24-27 apresenta a celebração da páscoa como o Memorial da saída do Egito.


O Memorial litúrgico no judaísmo é um ato cultual no qual se lembra um evento de salvação
no passado mas para reviver no presente a graça a força deste evento, na espera de uma
plenitude definitiva que deve vir. Na ceia pascoal, Israel celebra a saída do Egito para se
deixar impregnar pela forca deste evento no presente para poder caminhar em direção de uma
salvação definitiva. A maravilha do passado é atualizada no presente e me fortalece na busca
de uma salvação definitiva.
Páscoa é, pois, o memorial de salvação realizada pelo êxodo. Comemorando
liturgicamente o evento passado do Êxodo, o povo judeu confessa que a salvação oferecida
por Deus se aplica também a sua historia presente e futura. O Ato litúrgico tem como função
atualizar no tempo dos homens a obra eterna de Deus. Tal é o sentido da ceia pascal judaica:
Comendo a ceia com o cordeiro imolado os judeus voltam (sacramentalmente) aos eventos
fundadores de sua história e ao mesmo tempo ele antecipam o seu cumprimento. Eles não se
contentam de se lembrar do passado, eles se referem a promessa de Deus que os conduz em
direção do Reino Messiânico.
Hoje, se celebra a memória da Páscoa através do Seder. Tudo, nesta celebração, deve
recordar o gesto salvador de Deus que liberta seu povo. Assim na ceia Pascal o cordeiro
lembra o cordeiro pascal cuja a carne serviu para alimentar e preparar o povo para a
caminhada e cujo sangue serviu para proteger o povo do exterminador. A carne e o sangue do
cordeiro pascal lembram a própria força de Deus em favor do seu povo. As ervas amargas
lembram a dureza da qual Deus livrou o seu povo, o harosset, um creme de massa consistente,
lembra a escravidão da qual Deus arrancou o seu povo.

17
2.8 A Páscoa judaica e o Novo Testamento.

A Páscoa é a festa judaica mais citada no Novo Testamento. Isto se explica pelo fato da
festa continuar no calendário litúrgico cristão. Nos Evangelhos esta festa é citada pelos
Sinóticos: Mt 26, 17-30, Mc 14, 17- 25 e Lc 22, 1-20 sendo que a narração de Mateus e
Marcos são mais próximas uma da outra do que a de Lucas. João faz referência a celebração
da Páscoa mais dá ênfase ao Lava pés como gesto de serviço. A maior parte dos teólogos
apresenta estes textos como o Texto de instituição da Eucaristia. Creio que antes de tudo
podemos vê-los como textos que apresentam Jesus celebrando a Páscoa judaica e explorando
o seu sentido teológico. Peguemos Mateus 26, 17- 30. Do Versículo 17 ao 19 não há nenhuma
novidade tudo se passa de acordo com os preparativos para celebrar a Páscoa judaica.
A Novidade é quando ele abençoa o Pão e diz que é seu corpo e abençoa o vinho e diz
que é seu sangue. O Pão e o vinho são elementos da ceia judaica. Tomando os como seu
corpo e seu sangue, Jesus pode fazer referência ao Cordeiro de Ex 12 através do qual a
libertação acontece. Ele aproveita para dizer por este gesto teológico que a salvação celebrada
na Páscoa judaica chegou ao seu ápice com ele, O cordeiro de Deus. Se antes a salvação deu
por meio da carne e do sangue do Cordeiro, ela chega a sua plenitude agora com Jesus que
oferece seu corpo e seu sangue através do sacrifício da cruz para a salvação da humanidade.
A referência ao Cálice como sangue da Aliança pode fazer alusão a Ex 24, 8 , a Aliança
que Moises sela entre o povo e Deus. Moisés firma a Aliança através de sangue de animal,
com Jesus o Cordeiro de Deus essa Aliança chega ao ápice, pois, ela é celebrada através de
seu próprio sangue.
Disto pode surgir a Eucaristia. Mas antes temos que ter presente todos esses elementos
da ceia judaica. Essa teologia não precisa ser antagônica, nós não precisamos desclassificar a
teologia da Páscoa judaica, pois, é ela que nos ajudar a compreender o sentido do sacrifício
de Jesus.
Dos três sinóticos creio que Lucas é o que se aproxima mais do fato histórico. Ele
apresenta uma verdadeira celebração do Seder pascal. Jesus inicia a ceia com a bênção do
Cálice, após ele abençoa o pão e depois abençoa o outro cálice. Os biblistas que veem o texto
como fundação da Eucaristia sentem um mal estar diante dos dois cálices. Há um cálice de
sobra. Minha posição é que talvez Lucas não esteja preocupado em focar a instituição da
Eucaristia, mas apresente Jesus no quadro da ceia judaica, mostrando que Jesus iria realizar
plenamente a libertação total da humanidade pelo dom de seu corpo e de seu sangue. No Egito
o sangue do cordeiro marca as portas, dos Israelitas, e o sangue de Jesus marca as portas de

18
Jerusalém. Para Lucas, Jesus leva então ao pleno cumprimento a salvação inaugurada com a
saída do Egito. Aqui há uma continuidade e não ruptura. Jesus assume a salvação iniciada na
Páscoa judaica e leva ao seu ápice.
O texto que menciona diretamente a Eucaristia é o texto da primeira Carta ao Coríntios
11, 23-27. O texto não fala da celebração da Páscoa, Paulo escreve criticando as assembleias
dos coríntios que tinha como objetivo celebrar a Eucaristia. A observação de Paulo é que eles
não estavam celebrando a Ceia do homem, mas cada um come sua própria ceia.
A teologia da Páscoa aparece também em outros textos fora dos Evangelhos sobre tudo
nos textos de Paulo Vejamos dois textos.

2.8.1 Efésios 2,11-14

O texto tenta resolver o problema abordado no v12, o problema é a situação dos pagãos.
Antes de Cristo os pagãos se encontram excluídos da cidadania de Israel, estranhos as alianças
da promessa e, portanto sem nenhuma esperança e sem Deus no mundo. A situação é
realmente grave. Esse problema é resolvido pelo sangue e pela carne de Cristo. Pelo o
Sangue (v13 ) e a Carne (v14) de Cristo os pagãos recebem os mesmos status dos judeus,
eles passam a ser cidadãos, e a herdar as mesmas promessas que pertencem aos judeus e
portanto eles passam a ter o mesmo Deus.
A palavra chave de resolução do problema é a o Sangue e a Carne. Ora foi pelo o
Sangue e pela carne do cordeiro que os hebreus foram salvos da exterminação no Egito e
puderam passar do Egito para a terra prometida. Após o ritual do Sangue e da Carne do
Cordeiro os hebreus reencontram a esperança em Deus recebe a Aliança no Sinai, tudo
recomeça depois do ritual do sangue e da carne do cordeiro. Para os pagãos essa passagem de
uma vida pagã e sem esperança para uma vida de compromisso com Deus, através de todos os
benefícios dos quais gozam os judeus, se realiza através do Sangue e da Carne de Cristo. O
que são Paulo quer dizer é que Cristo é o Cordeiro pascal que tira a separação entre judeus e
pagãos. Pelo o Cristo Cordeiro pascal o muro da separação foi tirado pois os pagãos que antes
estavam sem Deus e sem Aliança passam a ter Deus e Aliança. Passam a gozar do mesmo
status dos circuncisos. Com o Cristo os pagãos passam da escravidão do pecado para a
liberdade, da tristeza para a alegria e das trevas para as luzes.

19
2.8.2 1Cor 5,1-8

Nesse segundo texto Paulo diz de maneira mais direta o que ele diz no texto já
analisado. No v6 ele diz diretamente que Cristo é nossa Páscoa.
Desta vez Paulo tenta resolver um problema moral na comunidade de Coríntios. Trata se
do comportamento indecente dos coríntios com relação a sexualidade. No meio dessa
completa liberação há mesmo um caso de incesto. Um filho que dorme com a mulher do pai .
Esse é o caso preciso que faz Paulo reagir. Para corrigir esse desvio, Paulo vai utilizar do v. 6-
8 um vocabulário completamente pascal, fermento, massa, ázimo, imolar. Ele lembra através
deste vocabulário o passado e o presente dos Coríntios. O passado ele compara como um
velho fermento do qual os coríntios devem se purificar para viver a nova realidade como nova
massa, isso porque o Cristo nossa Páscoa foi imolado. Paulo lembra os coríntios que pela
Páscoa de Cristo eles já estão numa realidade nova, eles obtiveram um novo status e que
portanto eles devem se comportar a altura. O Interessante aqui é observar que toda essa
passagem foi feita pelo cordeiro Pascal que é o Cristo, o autor da nova realidade para os
coríntios que outrora eram simplesmente pagãos. Mais uma vez podemos ver atrás do texto
um fundo teológico da tradição da Páscoa judaica.

2.9 Memória pascal e Eucaristia

Por volta do século XIV, com a reforma protestante, surge uma acusação contra a
Igreja de multiplicar sacrifícios, como se o sacrifício de Cristo não fosse necessário para
salvação do mundo, eles criticam também a pretensão dos padres de se mostrarem um outro
Cristo capaz de oferecer sacrifício. Para eles o verdadeiro e único sacrifício foi consumado
pelo Cristo. Só há um sacrifício: Jesus não precisa, como os sumos sacerdotes, oferecer
sacrifícios a cada dia... Ele já o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo (Hb 7,27).
Diante dessas críticas bem fundamentadas passa se a falar de memorial e de atualização do
Sacrifício de Cristo. A Eucaristia é uma memória uma atualização do verdadeiro
sacrifício de Cristo.
O problema que aparece é de se reduzir a Eucaristia em uma simples lembrança do
verdadeiro sacrifício. Para evitar isso temos que recorrer a noção de Memória no judaísmo,
Zicaron para fundamentar o memorial eucarístico.

20
O Memorial litúrgico no judaísmo: é um ato cultual no qual se lembra um evento de
salvação no passado mas para reviver no presente a graça e a força deste evento na espera de
uma plenitude definitiva que deve vir. Na ceia pascal , Israel celebra a saída do Egito para se
deixar impregnar pela força deste evento no presente para poder caminhar em direção de uma
salvação definitiva. A maravilha do passado é atualizada no presente e me fortalece na busca
de uma salvação definitiva. Estas três dimensões: presente passado e futuro estão presentes no
memorial eucarístico. Fazei isto em memória de mim, significa lembrar a morte salvadora de
Cristo, viver esta salvação hoje e fortificado caminhar para parusia, para salvação eterna.
Atualizando o sacrifício de Cristo o sacerdote torna possível esta operação. Ele torna atual o
ato salvador de Cristo presente na Eucaristia, Ele perpetua o único sacrifício da Cruz. A partir
da noção de memorial judaico a Eucaristia cristã sai de um ritualismo pagã de sacrifício, ela
torna se concreta e compreensível a qualquer fiel.

21
CAPÍTULO III

3 A FESTA DE PENTECOSTES

3.1 Nome

A festa de Pentecostes tem 4 nomes hag há Katsir, hag há bikkurim, hag atsere,.hag
há shavuot

3.1.1 Hag hakatsir

Katsir em hebraico significa colheita, messe. Chamada de katsir Pentecostes é vista


como uma festa Agrícola. Trata se da última colheita do verão, a sega do trigo. O peregrino
consagrava esta colheita a Deus pela oferenda de pães no Templo. Esses pães eram
fermentados ( Ex 23, 16).

3.1.2 Hag habikurim

Bikur em hebraico significa premissas, os primeiros frutos. Ela é nomeada assim em Nm


28, 26. Este nome liga também a festa de Pentecostes a agricultura. Ela é uma festa agrícola
celebrada no fim da Colheita. Os fiéis ofereciam a Deus as premissas da colheita, ou seja os
primeiros frutos. Para alguns, os agricultores ofereciam até os primeiros botões de flores do
trigo a Deus como agradecimento pela colheita.

3.1.3 Hag Atseret

Atseret significa fechar, encerrar, hag atseret significa, pois, encerramento, fechamento.
Esse nome é teológico. Ele está ligado a experiência do povo diante do Sinai para receber a
Lei. A Bíblia situa a chegada do povo ao Sinai no terceiro mês, após a saída do Egito. Isto
quer dizer que o povo sai do Egito e encerra a sua caminhada no pé do Sinai, onde recebe a
Lei. A festa lembra o dia em que o povo recebeu a Torah. A finalização da Páscoa se dá o
recebimento da Lei, neste senti pentecostes como atseret, quer dizer também encerramento da
Páscoa.

22
3.1.4 Hag hashavuot

Esse nome é o mais usado para a festa de Pentecostes. Ele aparece assim em Ex 34, 22,
Dt 16, 10, Nm 28, 26. Shavua significa semana, shavuot é o plural, ou seja, semanas. Esse
nome tende a ligar a festa das semanas a festa de Páscoa, pois, se conta sete semanas depois
da Páscoa para celebrar a festa. Ela aparece então como a conclusão da Páscoa, ou seu
fechamento. O judaísmo helenístico vai chamar esta festa de  quer
dizer dia de Pentecostes: quinquagésimo dia. Nós pegamos a tradução do grego e chamamos
de festa de Pentecostes.
Enfim, pode se concluir através desta diversidade de nomes que esta festa foi
compreendida de vários modos: para uns ela está ligada antes de tudo as atividades
agrícolas de Israel, para outros ela está ligada diretamente a páscoa como um tipo de
conclusão do período pascal e para outros ainda ela está ligada diretamente aos eventos
do Sinai, a lei dada a Moises.

3.2 Origem da festa de Pentecoste

Se a gente se basear pelos Textos das Escrituras, a gente vai observar que a festa de
Pentecostes está diretamente ligada ao universo agrícola. A maior parte dos textos bíblicos
fala dessa festa como a festa da colheita. Durante todo o período do Primeiro Testamento e
mesmo durante o primeiro século de nossa era, Pentecostes conservou sua característica
essencialmente agrária. Ela está em relação com o a colheita do trigo. Trata-se de uma
manifestação popular e festiva ligada à peregrinação do Templo. Os lavradores iam ao
Templo para oferecer a Divindade os primeiros frutos do seu trabalho (Ex 34, 22; 23, 16)
O Tempo da colheita tal qual descreve a Bíblia parece ser muito importante. Devemos
lembrar que a agricultura constituía a base principal da economia do Povo da Bíblia. Por isso
o tempo da colheita é mencionado por vários textos bíblicos como o tempo extraordinário;
tempo de alegria e, portanto, de oferecer presentes. É no Tempo da colheita que o filho de Lia,
Rubens, aproveita para lhe oferecer frutos da terra (mandrágoras) ( Gen 30, 14 ). É no tempo
da colheita que Sansão aproveita para rever a sua esposa, levando lhe presentes (Jz15, 1).
Quando os filisteus tomaram a Arca da Aliança e depois são obrigados a entregá-la por causa
dos danos que ela causou, é no momento da colheita que eles entregam a Arca em Bet Sames
e os Israelitas aproveitam a ocasião para oferecer sacrifícios a Deus e dançar ( 1Sm6, 13)pois,

23
todo mundo está alegre com a colheita e com a Arca. Enfim, o profeta Isaias se refere ao
período da colheita como um período de grande alegria: Eles se alegram diante de te como os
ceifadores na ceifa ( Is9, 2). Essa alegria do período da colheita é tão grande que ela é
comparável mesmo a alegria do homem diante de Deus.
Ora, se o Tempo da colheita é tão importante e de alegria intensa, período de se
presentear a pessoa amada e querida. Esse tempo não poderia ser vivido sem uma relação
direta com Deus. O primeiro a ser presenteado deve ser Deus, o tempo da colheita é portanto
o tempo de se oferecer a Deus aquilo mesmo que ele deu ao homem.
Pentecostes neste sentido agrícola, é a festa das colheitas, na qual os judeus
compareciam ao Templo para oferecer a Deus os primeiros frutos colhidos. Dt 16, 9-12
explica um pouco como essa festa era realizada. Ela consistia em uma oblação voluntária feita
pelos ceifadores a medida das bênçãos recebidas, ela se passa em um lugar fixado por Deus
mesmo, esse lugar é Jerusalém. Ela é uma celebração alegre, dela deve participar toda a
família, bem como os servos, o estrangeiro, a viúva e o órfão.
Nós podemos concluir de tudo isso que em um primeiro período a festa de Pentecostes
teve um caráter fortemente agrícola. Diante da colheita abundante o ceifador reconhece o
papel principal de Deus. A abundância de frutos é visto como um dom de Deus. Não se pode
pensar em colher, sem oferecer a Deus o que vem do Próprio Deus. A festa de Pentecostes
era, assim, ocasião de oferecer a Deus o que a ele pertence.
Um texto da mishináh descreve como o povo do Primeiro Testamento iam até Jerusalém
para festa de Pentecostes:

Como se vinha a Jerusalém para trazer as primícias. Os habitantes das vilas,


que constituíam um distrito, se reuniam em um lugar determinado, e aí
passavam a noite em ar livre sem entrar nas casas. De manhã bem cedo, o
oficial lançava o grito: Venham subamos a casa do Senhor nosso Deus (Is 2,
3). Aqueles que residiam próximos a Jerusalém traziam figas frescas e
garapas de uvas, os que residiam mais longe traziam figos secos e uvas
secas. O caminho era aberto por um boi todo decorado com ouro nos chifres
e uma coroa de oliveira sobre a cabeça. Enquanto isso tocava se flauta até
chegar as portas de Jerusalém... os governadores, os chefes e os tesoureiros
do Templo corriam ao encontro do povo, e sempre acompanhado pelo som
da flauta subia se ao monte do templo. Mesmo o rei Agripa colocava sobre
os ombros um cesto de frutos da terra e o levava até o pátio do Templo.
Estando no pátio do Templo os levitas entoavam cântico: Eu te exalto meu
Deus porque tu me libertaste. Tu não fizeste rir de mim meu inimigos (Sl 30,
2).

Podemos dizer então que as origens da festa de Pentecostes estão na Bíblia. Ela nasce
com o próprio povo de Israel em um ambiente agrário. O homem religioso se via na

24
dependência de Deus de quem provinha tudo, principalmente o alimento. Portanto, era justo
que na colheita do alimento se fizesse uma festa para o Senhor. Provavelmente esta festa
guarda esse enfoque agrário até o primeiro século da era cristã.

3.3 A festa de pentecostes como festa da Aliança

No primeiro século antes da era Cristã a festa de Pentecostes passa a ser ligada a história
Santa. Ele conserva a sua característica agrária de acordo com a tradição de Nm 28, 26, mas
do outro lado ela passa a ser celebrada como a festa da Aliança.
Quem dá esse enfoque a festa de Pentecostes como festa da Aliança é a comunidade
essênica de Qumran. Segundo os testemunhos do livro do Jubileu, a festa de Pentecostes era
considerada como a mais importante para os essênios. Nesse dia, os eles celebravam a entrada
dos novos membros na comunidades e renovavam a Aliança com Deus (Ver o livro os
homens de Qumran).
Segundo essa tradição, a festa de Pentecostes fora observada mesmo no Céu antes de ser
revelada a Noé no dia em que Deus fez Aliança com ele, no dia 15 do terceiro mês (Gn 9,8).
Depois disso a festa foi negligenciada até o tempo de Abraão que a coloca em pratica quando
Deus cela uma Aliança com ele. Também Isaac e Jacó teriam celebrado a festa. Essa tradição
vai até Moisés que a celebrou, quando fez a Aliança ( Ex 24, 12 ). Os essênios situam a
Conclusão da Aliança com Moises, no dia de Pentecostes. Mas seus contemporâneos
esqueceram da festa. Por isso quando Deus dá a lei a Moises, Deus ordena que se observe esta
festa. A ordem veio sobre a tábua da Lei que Moises recebeu, é por isso que esta festa é
prescrita pela Torah.
Pentecostes é a comemoração da Aliança. Mas ele não é apenas uma lembrança do
passado, ela exige antes de todos um engajamento no presente. Ela é a festa da renovação das
três Alianças: Aliança noética, abraâmica e mosaica. Pela celebração dessa festa o povo
renova todos os anos a Aliança com Deus. Eles assumem esta Aliança. Celebrada como festa
da Aliança, Pentecostes celebra, assim o dia do nascimento do povo de Israel. O Povo nasce
com um engajamento, isto acontece em Pentecoste ao pé do Sinai após Moises receber a
Thorah e povo prometer a fazer tudo o que o Senhor falou ( Ex 24, 7-8 ).
Essa Tradição que liga a festa de Pentecostes com o dom da Aliança parece ser
desenvolvida também no meio sacerdotal antes que ocorresse a divisão entre sacerdotes e
essênios. Alguns estudiosos citam 2Crn 15, 10-14, texto sacerdotal, como o um rito de
25
celebração de Pentecostes. O texto mostra um ritual de renovação de Aliança no terceiro mês,
data em que a festa de Pentecostes é celebrada. O texto nos leva a supor que já na metade do
século III antes de Cristo, Pentecostes era celebrado como festa da Aliança . Porém tudo isso
não passa de especulação exegética. Portanto a ideia de ligar a festa de Pentecostes a dom da
Aliança pode ser um arranjo teológica que tem seu início antes mesmo de Cristo e tem como
objetivo ligar a festa à história da Salvação. Isto revela que Pentecostes pode ter sido
celebrada como festa da Aliança mesmo antes de Cristo.

3.4 A festa de Pentecostes como dom da Torah

No segundo século da era cristã, o judaísmo rabínico traz uma outra inovação para a
festa. Ela passa a ser ligada com o Dom da Thorá a Israel no Sinai. Assim Rabi José Ben
Shalaphta do ano 150 diz que no terceiro mês (sivan) no sexto dia, os dez mandamentos foram
dados aos Israelitas, ou seja, para ele a Lei foi dada a Israel Justamente no dia em que se
celebra a festa de Pentecostes. Por volta do ano 250, Rabi Eleazar Bem Pedah afirma a
mesma teoria, ou seja, Pentecostes é o dia em que a Lei foi dada ao povo de Israel.
A partir do século II da era cristã tornou-se normal ler no dia da festa de Pentecostes o
texto de Ex 19. que fala do Dom da Torah. Pouco a pouco nos primeiros séculos da era cristã,
as características agrárias da festa desapareceram enquanto a ligação da festa com o Dom da
Thorah no Sinai se sobressaia cada vez mais.
Para a tradição rabínica, Pentecostes como dom da Thorah, funciona como o
fechamento do tempo pascal. Segundo Ex 19-20 o Dom da Torah ocorreu três meses após a
saída do Egito, o que corresponde exatamente a época de Shavuot. Essa caminhada se encerra
ao Pé do Sinai com a recepção da Thorah. A tradição situa a chegada do povo no Sinai no dia
de Pentecostes.
Para o judeu, a Torah, no sentido estrito, significa Pentateuco, no sentido lato, abrange
toda Escritura e, além disso, toda a Tradição. Em Pentecostes Israel recebeu toda a Torah, ou
seja a Torah escrita e Torah oral, as duas tem o mesmo peso e remontam a Moises no Sinai.
A Tradição oral especificou 613 mandamentos. Costuma-se dividi-lo em 248 mandamentos
positivos (farás) e 365 negativos (não farás). 248 correspondem os ossos do corpo humano e
365 correspondem aos dias do ano. Estas cifras simbólicas significam que toda pessoa no seu
corpo e no seu tempo tem ligações com o cumprimento da Torah recebida em Pentecostes.

26
3.5 O sentido teológico da festa

Como podemos observar a festa de Pentecostes passou por muitas Evoluções no


decorrer dos séculos. No começo ela era simplesmente uma festa agrária que celebrava com
alegria a colheita do trigo, depois passa a ser a festa da Aliança e por último ela passa a
celebrar o dom da Thoráh. Se a gente observar bem em todas essas fases evolutivas,
teologicamente, a festa de Pentecostes está ligada a festa da Páscoa. Como festa a agrária, ela
encerra o tempo da colheita do qual a Páscoa é a abertura. Abre se e fecha o tempo da colheita
oferecendo os frutos do trabalho a Deus de quem provém todas as bênçãos, a colheita é um
dom de Deus.
Como evento da história da salvação a festa de Pentecostes se liga mais ainda a festa da
Páscoa. O Evento da Páscoa pede uma continuação, se não, a libertação dos hebreus ficaria
sem justificação, ela terminaria num vazio. Nós podemos nos perguntar, por que Deus fez o
povo sair do Egito? A saída do Egito é apenas um primeiro passo da história da salvação. A
aliança e a Lei que são celebradas em Pentecostes constituem o coroamento da iniciativa de
Deus. Se Deus tirou o povo do Egito foi para fazer uma Aliança com ele e para lhe dá a Lei.
O Deus de Israel não se vê só, ele se vê com, Ele é Emanuel, Deus conosco. Selando uma
Aliança ele mostra que está em busca de um povo, de uma massa de Párias que ele faz sair do
Egito que escapou da opressão de um tirano. Ele os torna seu povo. Pentecostes é pois o dia
da criação do povo de Israel. Um povo que nasce através de uma aliança firmada com Deus.
Assim, na Páscoa o povo sai da servidão, em pentecostes com a aliança e com o Dom da
Thorá o povo passa a servir Deus. Na Páscoa o povo se liberta de Faraó em Pentecostes o
povo se torna Povo de Deus através da aliança e da Lei. O fim do Evento pascal é o culto que
Israel deve Prestar a Deus (Ex19, 3-6). Existe, portanto, uma relação estreita entre Páscoa e
Pentecostes.
Mesmo se a gente vê Pentecostes apenas como uma festa agrícola, ela está ainda em
relação com Páscoa, pois, as duas festas são celebradas na primavera e em forte relação com a
colheita. Páscoa inaugura o tempo da colheita enquanto Pentecostes o encerra.
Teologicamente nós não podemos dissociar a festa de Pentecostes da festa de Páscoa.
Os eventos que elas celebram são eventos fundadores do Povo de Israel e de todo povo de
Deus. A celebração de Páscoa e de Pentecostes sublinham o caráter indissolúvel dos atos
fundadores de Deus, o Dom da liberdade de uma parte e o Dom da Aliança e da Lei que dão
sentido a essa liberdade.

27
3.6 O Texto do Pentecoste Cristão à luz da tradição judaica.

O Pentecoste judaico celebra o dom da Aliança e o dom da Lei, para o judaísmo está
festa está relacionada diretamente com o eventos do Monte Sinai (Ex19), onde Deus faz a
Aliança com o povo e lhe dá a sua Lei. Para o judaísmo os eventos do Sinai marcam o
verdadeiro início da história de Israel. Aí, nasce o povo de Deus através da Aliança e do dom
da Thorá. Podemos dizer que Pentecostes celebra mesmo o nascimento do povo de Israel,
enquanto povo de Deus. Quem revela esse nascimento é Ex 19 que fala sobre a teofania, Deus
se manifesta para criar um Povo.
A Igreja de Cristo tem consciência de ser o povo dos últimos tempos, ou seja, o novo
povo de Deus. Como ela se tornou publicamente esse novo povo ? Será que ela não se serviu
de tradições bíblicas ou contemporâneas sobre o evento do Sinai para exprimir o seu próprio
mistério ? Para se declarar também povo de Deus ?

O texto que fala sobre o nascimento desse novo povo é Atos 2, 1-15. É justamente esse
texto que fala sobre o Pentecostes cristão. Isto significa que o Pentecostes cristão vai celebrar
também o nascimento do novo povo de Deus. Nós podemos dizer que o Texto de Atos 2, 1-
15 que fala sobre o nascimento do novo povo de Deus se inspirou no Texto de Ex 19 que fala
do nascimento do povo de Israel no Monte Sinai, texto que é lido no dia de Pentecostes
judaico. O Pentecostes cristão só pode ser bem compreendido a luz do pentecostes judaicos
porque os dois fazem referência ao evento do Sinai em êxodo 19.

Vejamos como o Texto de Atos 2, 1-13 que fala sobre o dia de Pentecostes faz
referência ao texto de Ex 19.

3.6.1 O Momento (At 2,1.15)

O evento que é dom do Espírito ocorre no quinquagésimo dia quando termina o período
de cinquenta dias entre Páscoa e Pentecostes, portanto, no dia em que os judeus celebravam a
Teofania do Sinai. At 2, 15 fixa como hora a terceira hora, portanto na parte da manhã o que
coincide com a teofania do Sinai que Bíblia fixa no levantar do dia. Isso já indica que o que
vai acontecer vai ser parecido ao que aconteceu no Sinai. O que deve mudar é a Nova teologia
que Lucas quer ensinar.

28
3.6.2 Lugar (At 2,5)

O evento se passa em Jerusalém. Jerusalém fica em cima do monte Moriah, onde


adoram os antigos pais. Na tradição judaica, ela sempre foi relacionada com o monte Sinai. O
Salmo 68, 18 chega a dizer que o Sinai está no santuário, ou seja, em Jerusalém. Nesta cidade,
se encontra a presença de Deus, enquanto o Sinai foi um lugar da apresentação de Deus.
Jerusalém foi feita para habitar a presença de Deus. O Sinai foi feito para o Dom da torah. O
Sinai foi um local provisório da presença de Deus. A escolha de Jerusalém como lugar do
evento aproxima o evento de Pentecostes ao evento do Sinai.

3.6.3 Barulho (At 2,2)

Há dois tipos de barulhos, um que ouvido no interior da casa pelos os doze que estavam
reunidos, e outro que foi percebido por todos que se encontram em Jerusalém. O barulho pode
ser comparado com o barulho da teofania do Sinai, barulho próprio das revelações de Deus. A
palavra ruído é usada na Bíblia grega para indicar uma teofania Ex19. O vento é também um
elemento tradicional das teofanias. Há uma relação forte entre o vento e sobro de Deus. O
vento, barulho e ruídos manifestam o tremor do universo na vinda de Deus(Jl2, 1ss), por este
barulho Lucas remarca a importância do evento. Ele é a manifestação de Deus às nações, tal
qual aconteceu no Sinai quando Moisés recebeu as leis de Deus.

3.6.4 A aglomeração de povo (At 2,5)

Sobre a apresentação da Lei aos povos pagãos há duas posições na tradição judaica:
Uma afirma que Deus vai propor a Lei à diferentes povos sobre uma montanha Santa (Tg de
Dt 33, 2). A outra afirma que todos os povos vão ao Sinai quando Deus propõe a Aliança a
Moises. Eles vão justamente por causa do barulho, chegando ao Sinai Deus propõe-lhes a Lei
mas eles recusam. Esta segunda posição é mais próxima da de Lucas. Os povos vão para perto
da casa quando eles ouvem o barulho violento do vento. Eles se interrogam sobre o fenômeno.
Mas eles não recebem a efusão do Espírito. A lista de povos nos dois eventos é diferente.
Lucas focaliza mais os países da diáspora onde se encontram as comunidades judaicas. Mais

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existe dois povos que estão nas duas listas: os árabes e os romanos. As duas listas de gente
tem o mesmo significado, a universalidade da palavra de Deus, ela é accessível a todos.
Aceitá-la depende da disponibilidade do coração.

3.6.5 O falar em línguas (At 2,4)

O fenômeno das línguas é outro fator que aproxima Pentecostes ao Sinai. A tradição
judaica afirma que quando Deus propôs, no Sinai, as leis às nações, Deus teria falado 70
línguas, ou seja, ele teria falado todas as línguas do mundo. No Pentecostes há também o
fenômeno das línguas, desta vez, são os apóstolos que falam em línguas. Esta mudança
acentua o papel do homem no processo de revelação de Deus. Ela não reduz o valor dessa
revelação. Ela mostra a penas que a palavra de Deus, suas leis chegam até o povo através de
profetas. Em Pentecostes os apóstolos recebem a dignidade de profetas e proclamam em todas
as línguas as maravilhas de Deus. Eles anunciam em línguas a palavra de Deus que contém o
anúncio da salvação em Jesus Cristos.

3.6.6 As línguas de fogos (At 2,3)

Lucas mostra as línguas de fogos se dividindo e pousando sobre cada um dos apóstolos.
Ora, Rabi Ionatan se referindo à teofania do Sinai, explica quando Deus fala ao povo, a voz
sai e divide em 70 vozes, em 70 línguas e todo o povo que estava ao pé do monte compreende
a voz. A maior parte dos exegetas quando fala das línguas de fogo cita rabi Iohanan. Porém
esse rabi Iohanan é posterior ao livro dos atos. Lucas não poderia ter se inspirado na sua
teoria. Sugere-se que essa teoria desenvolvida por rabi Iohanan tenha existe muito antes dele e
assim ela pode ter sido citada por Lucas sob forma de língua de fogo. Essas línguas de fogo
simbolizam a própria voz de Deus, ou seja a palavra de Deus que os apóstolos recebem e
transmitem a todos os povos. Essa ligação entre língua de fogo e palavra de Deus aproxima o
texto de atos do evento do Sinai.

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CONCLUSÃO

Se nós definirmos a festa de Pentecostes a partir do Texto de atos 2, 1-13, nós podemos
atribuir ao Pentecostes cristão as mesmas definições que se atribui a festa judaica de
Pentecostes. Nós podemos dizer que Pentecostes é o período de encerramento do Tempo
pascal, que ele é a festa da Aliança e que ele é a festa do dom da Thorá. O pentecostes cristão
é o encerramento do Tempo pascal, no sentido de que a Páscoa de Cristo é um ato de
passagem que leva a um lugar, este lugar é justamente a criação de um novo povo. Nesse
sentido Pentecostes fecha o período pascal confirmando que o que aconteceu na pascoal. De
fato o Cristo ressuscitou a prova é que um novo povo nasceu. Estamos agora no período de
estabilidade.

Como deve nascer um povo de Deus? Como nasceu o povo de Israel? O povo de Israel
nasceu no Sinai com a aliança. Se nós afirmamos que Pentecostes é o dia do nascimento da
Igreja, nós podemos dizer que pentecostes é o dia da conclusão da Aliança. Pois não pode
haver Igreja, assembléia de Deus, sem uma Aliança. A multidão presente em Jerusalém
representa a multidão dos neófitos incluídos nessa nova Aliança.

Porém não pode haver Aliança, sem regras, sem código de Leis. Se Pentecostes
celebra a conclusão de uma aliança, ele celebra também o dom da Thorah. Essa multidão em
Jerusalém no mesmo dia em que faz aliança com Deus recebe a Thorah, recebe a palavra de
Deus. Se a voz de Deus no Sinai se dividiu em setenta vozes no pentecostes cristão são as
línguas de fogos que se dividem em 12 línguas de fogos que vão fazer os discípulos falarem e
o povo compreender. A compreensão da parte do povo mostra que todo povo recebeu a Thorá
, todo o povo aceitou essa Lei que era a Palavra ensinada pelos discípulos em nome de Jesus.
Como podemos observar o Pentecostes cristão está em forte ligação com a Páscoa cristã.

Essa relação entre Páscoa e Pentecostes é ainda mais frisada na Igreja primitiva. Para
Igreja primitiva o Pentecostes não significava apenas o quinquagésimo dia depois de Páscoa,
mas, significava todos os cinquenta dias depois de Páscoa. Dias nos quais a Igreja celebra a
ressurreição, a aparição, ascensão e a efusão do Espírito. Esses cinqüenta dias estão em
função de confirmar a ressurreição de Jesus. E essa ressurreição é confirmada pelo próprio ato
da ressurreição, pela aparição, pela ascensão e por último pela efusão do Espírito. A efusão do
Espírito é o ápice dessa confirmação, pois o envio do Espírito só é possível se de fato o Jesus
ressuscitou, pois é Ele que prometeu enviar o Paráclito. Se ele não estivesse vivo como, pois,
o Espírito Santo poderia vir.

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CAPÍTULO IV

4 A FESTA DE YOM KIPPUR

4.1 O nome da Festa

O nome da festa em hebraico é Yom há kippurim, ele provém da raiz verbal KPR. Essa
raiz dá ideia de cobrir, esconder ou apagar. Trata se de cobrir os pecados. Yom há Kippurim
significa o dia das expiações. Mais tarde, com a evolução da festa, convencionou-se chamá-la
no singular Yom hakippur. A festa de Yom kipur é portanto o dia em que Deus perdoa os
pecados do Povo. Esse dia é conhecido pelos os judeus como o grande dia, os dias terríveis, o
dia do julgamento.

4.2 A festa de Kipur segundo os Textos Bíblicos ( localização )

Essa festa aparece em Ex 30, 10, o texto fala do que se passa na tenda. Ele se refere ao
rito de expiação dos pecados. Aarão o Sacerdote faz a expiação com sangue pelos seus
pecados e pelos pecados dos povos. Faz-se necessário observar a ordem das coisas. O
primeiro a expiar os seus pecados é o sacerdote. Depois é que ele vai atender as necessidades
dos fiéis. Em Nm29,7-11 a festa aparece como uma convocação. Deus convoca o povo para
a festa. Ela é uma festa obrigatória, não se deve trabalhar no dia da festa. É um dia santo de
guarda. Deve se oferecer sacrifícios a Deus pelos pecados. Lv23,26-32 vem reforçar o que diz
Nm29.

Lv23, 25-32 apresenta a festa como um dia Santo, uma convocação. Neste dia não se
deve trabalhar, deve se jejuar e apresentar oferendas queimadas a Deus pelos os pecados. Em
Lv16 vai se definir como essa festa deve ser realizada. Esse texto vai fazer uma descrição
minuciosa de como se dever realizar o rito de expiação dos pecados.

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4.2.1 Definição

Festa de kippur é o dia do grande perdão, dia no qual Israel alcança o perdão dos seus
pecados e se reaproxima de Deus. Quem cria esse meio de reaproximação é o próprio Deus. A
festa de kippur é um meio dado a Israel de se reconciliar com Deus. Ela é vista como um dom
de Deus. O jejum, os sacrifícios oferecidos são meios do homem responder à proposta de
reconciliação feita por Deus.

4.2.2 Que Tipo de pecado o dia de kipur apaga ou deixa de apagar ?

O dia de kipur tem o poder de perdoar todos os pecados, todas as transgressões contra a
torah. Esse perdão é dado através do ritual dos sacrifícios e da penitência e do Jejum. No
entanto todo esse ritual deve ser acompanhado de um verdadeiro retorno de conversão. O fiel
deve antes, de fazer o seu sacrifício, arrepender-se de coração e voltar a Deus. A primeira
volta a Deus se dá no coração. Os sacrifícios devem servir como uma legitimação concreta
dessa volta a Deus. Se um homem peca pensando em se livrar do seu pecado no dia de kipur,
o dia de kipur não expiará o seu pecado. Na tradição judaica existe um ensinamento sobre a
Kavanah há lev. Lev significa coração, kavanah significa intenção. Todo ritual litúrgico do
homem religioso deve ser acompanhado da kavanah halev, ou seja, da reta intenção do
coração, sem ela todo ritual se torna vazio e mesmo supersticioso.

Há um só pecado que kipur não perdoa, é o pecado contra o próximo. Se um homem


ofendeu o seu próximo e depois vem no dia de kippur oferecer um sacrifício a Deus. Esse
sacrifício não é valido, ele deve retornar, pedir perdão à vítima e depois o seu sacrifício será
aceito ( Mt 5, 21 ).
Neste caso, o dia de kippur expia com arrependimento, e não por ele mesmo. Porém,
mesmo que haja arrependimento, o pecador precisa esperar o dia de kipur. O arrependimento
precisa do dia de Kipur, mas kipur não precisa do arrependimento.

4.3 A celebração de kipur no período do Templo

Essa festa no período do templo era uma das festas mais esperada do ano. Ela reunia
uma multidão em Jerusalém. Ela não era considerada como um dia triste mas como um dia de

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Alegria, pois era um dia que possibilitava a purificação, o perdão das faltas. O dia em que as
pessoas regravam suas contas com Deus e dele se reaproximavam.

a) A festa era dirigida pelo sacerdote, ele era figura central dessa cerimônia; praticamente
tudo passava por ele. Sete dias antes da festa o sacerdote deixava sua casa e ia para o
templo. Ele ficava em uma sala chamada sala dos funcionários, onde, ele devia estudar
o ritual da cerimônia de Kippur. Ele não podia errar nada. O Ritual tal qual apresenta
Lv 16 já é complexo mas o que era realizado no Templo era mais complexo ainda.

b) Durante estes sete dias, antes de kippur, era somente ele que oferecia os sacrifícios,
queimava os incenso e arrumava as luminárias, enquanto que nos outros dias, ele o
fazia se ele o desejasse. Entretanto durante esses sete dia, ele exercia cem por cento o
seu sacerdócio dizendo o que aconteceria em Kippur, só ele poderia pelos rituais fazer
a expiação do povo.

c) Durante os sete dias não se podia recusar-lhe nenhum alimento e nenhuma bebida.
Mas na véspera da festa, perto da noite, não se podia deixá-lo comer copiosamente, o
alimento causa sono e ele não podia dormir durante às 24 horas do dia de Kipur. O
Sono causa impureza, e ele devia estar puro para celebração.

d) O sumo sacerdote era instruídos pelos sábios sobre o ritual da festa e antes de começar
a cerimônia ele deveria fazer um juramento aos sábios que iria agir conforme tudo o
que tinha aprendido.

e) Se ele era tentado a dormir. Os jovens sacerdotes estalavam os dedos e lhe diziam:
senhor, sumo sacerdote, levanta-te e expulsa o sono, e os sacerdotes mantinham-no
acordado até o momento da imolação, o sacerdote não podia dormir, pois dormido, ele
contraia impureza.

f) Cada dia, ao cantar do galo, perto de se oferecer o sacrifício da manhã, se tirava as


cinzas do altar, no dia de Kippur, a partir da meia noite se retirava as cinzas do altar,
pois, antes mesmos do cantar do galo, o pátio do Templo estava pleno de Israelitas.

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g) No dia da festa o sumo sacerdote tomava vários banhos de purificação. Ele se vestia
por baixo com calção de linho, depois vestia uma túnica de linho branca por cima,
cingida até a altura dos rins, amarrava a cabeça com o turbante de linho branco.

h) O primeiro sacrifício que ele oferecia, era um novilho. Ele oferecia em primeiro lugar
pelos seus pecados e pelos pecados de sua casa. Antes de sacrificá-lo, o Sumo
sacerdote pegava o novilho impunha sua mão sobre ele confessava primeiros seus
pecados e os de sua casa e depois confessava o pecado do seu povo. Ele rezava por si
mesmo, por sua casa e pelo povo e pelas nações. O sacerdote dizia a seguinte
confissão sobre : Meu Deus eu faltei com a Lei, Eu cometi a desobediência diante
de ti, agindo de tal sorte Eu me arrependo de minhas ações das quais eu me
envergonho. Na minha vida eu não quero mais cair neste pecado. Depois ele
confessava sobre o novilho os pecados do povo, pois, além da penitência e do
arrependimento, o pecador deve confessar suas faltas a Deus. Essa confissão era
realizada também pelo sumo sacerdote que juntava à sua confissão os pecados de todo
o povo. Ele o confessava com a mão sobre a cabeça do touro que depois era
sacrificado. A formula introdutória era a seguinte: “Perdoa os pecados que
cometemos diante de ti, por imposição, ou livremente e o pecado que nós cometemos
diante de ti por causa da dureza de nosso coração; Por ignorância, por promessas
de nossos lábios (Lv 5, 4), publicamente ou em segredo; por falta de pudor ( Lv 18,
6-20); por palavras de nossa boca com intenção e malícia; por pensamento
molestando nosso próximo (Lv 25, 17); por confissões dos lábios e por ligações
impudicas, consciente e por engano; por irreverência para com os nossos pais e com
nossos mestres, por violência. Por tudo, Deus do perdão, perdoa-nos , absolve-nos
redime-nos. O sumo sacerdote concluía a confissão dos pecados com uma oração na
qual ele pronunciava o nome de Deus, acreditava-se que era em virtude do nome de
Deus que o perdão dos pecados era consumado. Antes se pronunciava o nome de Deus
sempre na oração do sacerdote. No ano 200 A . C Simão, o justo, proibiu esse hábito
por causa de abusos e a partir desta data somente o sumo sacerdote, no dia de kippur
podia invocar o nome de Deus. Todo esse ritual não dispensava a verdadeira
consciência do pecador que deveria arrepender-se de coração para poder gozar das
graças dispensadas pela celebração de Kippur.

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g) Depois ele recebia da comunidade dois bodes e um carneiro para o holocausto. O
Carneiro era queimado inteiro para o senhor, talvez como um sacrifício de louvor pela
remissão dos pecados. Os dois bodes eram colocados diante do senhor e eram tirados a
sorte. Um deveria ser sacrificado para o Senhor para fazer o rito da expiação dos
pecados e outro devia ser para azazel. O de Azazel era deixado vivo e se confessava
sobre ele todos pecados do povo, depois o bode era conduzido a Azazel para o
sacrifício. ( Ritual de Azazel )

h) A oferta do Incenso era outro ritual complexo. O Sumo sacerdote tirava as brasas do
altar do senhor, as colocava no incensório e devia entrar nos Santos dos Santos, o local
mais sagrado do tempo, onde, se encontrava a arca da Aliança. Ali Deus aparecia. Ele
devia entrar nesse espaço sagrado correndo o risco de morte, pois, ele podia ver Deus.
Ele devia, para evitar o acidente, ser protegido pela fumaça do incenso que enchia
todo quarto impedindo-o de ver alguém. A respeito disso havias uma discussão. Como
o sacerdote devia oferecer o incenso. Ele deveria entrar com o incensório já fumegado
ou deixar para colocar o incenso só quando estivesse dentro do Santo dos Santos? A
discussão era entre saduceus e fariseus. Estes diziam que se deveria colocar o incenso
quando se estivesse no quarto, pois, ele deveria ser todo queimado para o Senhor. Os
saduceus defendiam o contrário.

4.4 A Celebração Hoje

A festa é precedida por dez dias de preparação a começar do dia primeiro do ano. A
festa é precedida pela festa de Rosh há shnah. No dia da festa de ano novo começa o
julgamento. Deus abre o tribunal celeste. Neste dia ele sai do trono da justiça e senta -se no
trono da misericórdia. No dia de ano novo duas categorias de povo são julgados: os Santos e
os completamente pecadores. Os outros aguardam o dia de kipur. Nestes dias os judeus ligam
uns para os outros e pedem perdão de suas culpas. Os dez dias servem para uma preparação
intensiva do dia de Kippur. Há, portanto, uma ligação entre a festa de Kippur e Rosh há
shanah. Rosh hashanah abre o tempo do perdão e Kippur encerra.

Na véspera do dia de Kippur faz se a celebração do kol neder, onde, todo fiel se
desamarra dos votos ou promessas irrefletidamente. Pois, de acordo Nm 30, 3 o homem é
obrigado a executar seus votos. Dois homens, no momento da liturgia de Kol Nedré, carregam

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o Rolo da Thorah e ladeiam o representante da comunidade para servir-lhe de apoio enquanto
ele implora o perdão dos pecados. Isso lembra Aarão e ur que sustentavam as mãos de
Moises, enquanto ele intercedia pelo povo contra Amelec ( Ex 17, 12 ). Eles formam assim
um tribunal de três membros para a anulação dos votos.
Eles declaram : “Com o consentimento de Deus e com o consentimento da
comunidade, do tribunal dos céus e do tribunal da terra, autorizamos a oração com os
transgressores”.
Depois se diz a oração :

Todos os votos que poderíamos fazer a partir desde dia de Kippur até aquele
do próximo ano, toda interdição ou sentença de anátema que pronunciamos
contra nós mesmos, toda privação ou renúncia que, pela simples palavra,
pelo voto ou pelo juramento, poderíamos impor-nos, de antemão delas nos
retratamos ; sejam todos eles declarados inválidos, anulados, destruídos,
nulos e não acontecidos ; não tenham nem força nem valor ; que nossos
votos não sejam olhados como votos, nem nossos juramentos como
juramentos.

Repete-se essa oração três vezes: a primeira vez em voz baixa e mais audível, depois
duas outras vezes, elevando o tom de voz, como alguém que fosse pleitear sua causa diante
de um rei e não ousasse, de pronto, exprimir-se em voz alta. O Oficiante conclui: Ele será
perdoado a toda comunidade dos filhos de Israel Nm 15, 26, Nm 14, 19 perdoa, pois, a
falta deste povo. Disse o Senhor: Eu perdoo, conforme a tua súplica M14, 20.
Após segue a confissão dos pecados através de uma grande lista que contém todas as
faltas possíveis em ordem alfabética. A confissão do pecado é uma das necessidades da
Teshuvah. Para haver o perdão tem que ter a confissão. Após o episódio do bezerro de ouro
Moises confessou o pecado do povo e Deus perdoo ( Ex 32, 31).

4.4.1 Lista de confissões de pecado

Deus nosso Pai, dignai-vos acolher nossa oração e atender nossas suplicas nós não
somos dignos de proclamar nossa inocência diante de Ti e nós sabemos que somos pecadores
nosso Deus Eterno e Deus dos nossos pais dignai-vos perdoar todas as nossa transcrições e
mostrai-vos indulgente com nossas culpas e apagai todos os nossos pecados.
Nós te ofendemos nós fomos rebeldes, nós fomos culpados nós caluniamos nós
desviamos os outros do bom caminho, nós os incitamos ao mau, nós pecamos por violência,
nós fomos inicos, nós mentimos, nós demos maus conselhos, nós fomos imprudentes, nós

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fomos rebeldes, nós fomos coléricos, revoltados, nós nos afastamos do bom caminho, nós
fomos cabeça dura, nós fomos perversos, corruptos, profanos, nós nos mergulhamos no erro e
no erro mergulhamos os outros.
Perdoai os pecados que nós cometemos por coação e em plena liberdade, os que
cometemos por maledicência, por ignorância, por palavras, por atos, por pensamentos, em
público ou secretamente, etc. etc.
Depois da destruição do Templo, não mais o sumo sacerdote recitava a confissão; cabia
a cada um recitá-la, pois a responsabilidade é de cada homem. Hoje se adota o mesmo
costume. A confissão é feita no plural.
O dia de Kippur é de guarda, passa-se a maior parte do tempo na Sinagoga. A Torah
não especifica o tipo de penitência de Kippur mas os textos bíblicos insistem sobre o jejum (Is
58, 3.5.10, Sl 35, 13). Os Sábios prescrevem cinco tipos de penitência para o dia. Pois, cinco
são os sentidos através dos quais se peca: Jejum total de comida e bebida, ausência de banho,
proibição de usar calçado de couro, a total abstinência de relações sexuais

4.4.2 Sentido Teológico

A festa de kipur tem uma estreita ligação com a ideia de expiação, de pecado, de
arrependimento e de perdão. O homem necessita da misericórdia de Deus, por si só ele não
pode nada, por mais bondoso que ele seja, ele não está isento de pecar. O Salmo Já expressa
essa realidade da Fragilidade humana: e olhardes as nossas faltas, quem haverá de subsistir?
Todo homem depende da misericórdia de Deus. Assim tem um dia exclusivo para Israel
expiar suas faltas. O Sumo sacerdote é a figura central, ele se purifica, purifica sua casa, seu
clero, ele afasta o pecado e livra o santuário de suas impurezas.
O sangue assume um papel central neste ritual de expiação. Segundo a tradição não há
outra forma de se fazer a expiação que não seja pelo sangue. ( Yomah5a ). A. Medibelle diz: “
A Festa de Kippur é o Triunfo do sangue. É da apresentação do Sangue diante de Deus que
depende a purificação do Santuário e do Povo”. O sangue é a fonte da vida, mas também
Deus o deu como forma de expiar o pecado do povo. O objetivo do ritual de expiação é o
reestabelecimento das relações normais entre Deus e seu Povo. As transgressões do povo
constituem um verdadeiro obstáculo para um bom relacionamento entre o povo e Deus. Elas
despertam a cólera e fúria de Deus colocando em dúvida o futuro do povo. O povo deve
então se livrar de seus pecados e meio é kippur. Ele é assim quase um sacramento que
possibilita o povo recomeçar sempre que falha contra Deus. Essa preocupação de apagar os

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pecados parece antigo mas ganha forca a a partir das experiências dos exílios e das
destruições do templo. O povo ver a desgraça como consequência dos seus próprios pecados.
A noção de pecado é objetiva. Ele é um mal que traz consequências imediatas.
O dia de Kippur convida Israel a um exame de consciência. Convida o povo a escutar a
voz dos sacerdotes, dos profetas e dos sábios, tomar consciência de seus pecados e se desviar
de suas fraquezas. O povo deve se humilhar diante Deus, reconhecer seus erros. É necessário
que eles desviem seu olhar e seu coração do pecado que fascina para se abandonar a graça e
justiça de Deus que libertam o homem. Deus sempre está disposto a perdoar os seus. Israel
tem a convicção de que a fidelidade de Deus é superior a sua infidelidade. O Coração de Deus
não é igual o coração do homem.

4.5 A festa de kipur e o Novo Testamento

Existem varias citações dessa festa no Novo Testamento. Porém o livro bíblico que
mais faz referência a festa de Kippur é a Carta aos hebreus. Mas para percebermos essas
referências é preciso que nós vejamos a grande novidade desse livro. Essa Novidade se
encontra logo no começo da Carta em Hb 2, 17: “Convinha, por isso, que em tudo se
tornasse semelhantes aos irmãos, para ser, em relação a Deus, Sumo Sacerdotes
misericordioso e fiel, para expiar assim os pecados do povo”.
Esse versículo anuncia aqui o tema principal da carta aos hebreus que é o sacerdócio de
Cristo. E é, exatamente através desse tema que a Carta vai fazer referência a festa de Kippur.
Penso que se a gente não conhecer o contexto da festa de kippur, se torna realmente difícil de
compreender o que o autor está falando.

4.5.1 A grande Novidade da Carta aos hebreus

A grande é Novidade com relação ao Novo Testamento. Jesus nunca é apresentado


como sacerdote nos outros textos do Novo Testamento. Os Evangelhos nunca fazem
referências ao sacerdócio de Jesus. A questão sobre sua identidade suscita várias hipóteses.
Ele é chamado de Mestre, Rabi, alguém que conhece bem as Escrituras. Ele é visto como o
Profeta prometido a seu povo Dt 18, 15.18. Ele visto também como o Mashia, o ungido, o
Cristo. Suas atividades não são oficialmente de sacerdote. E segundo a Lei de Moises ele não
podia ser sacerdote, pois, ele não pertencia a família de sacerdote, só os da tribo de Levi podia
ser sacerdote, Jesus é da tribo de Judá. Nada na pessoa de Jesus, em suas atividades e em seus
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ensinamentos o aproxima do Sacerdote. Como o autor da Carta aos hebreus vai justificar esse
título dado a Jesus?

4.5.2 Justificação do título de sacerdócio

No Capítulo 5 o autor começa a justificar o sacerdócio de Jesus. Ele reconhece que


ninguém pode usurpar o título de sacerdote, pois, essa é uma missão para qual Deus chama,
como aconteceu com Aarão. E se Jesus é sumo Sacerdote ele o é de acordo com a Bíblia. Ele
não usurpou o título, ele se tornou sacerdote chamado por Deus segundo a ordem de
Melquisedec.
Existem, portanto, dois modos de se tornar Sacerdote: um quando se é da tribo de Levi e
outro por designação de Deus segundo Melquisedec. É nessa segunda ordem de sacerdócio
que Jesus se encaixa.

4.5.3 Quem é Melquisedec ?

Quem é Melquisedec? O Capitulo 7 vai exatamente responder essa pergunta com o


intuito de revelar a superioridade do sacerdócio de Melquisedec com relação ao sacerdócio de
Levi. Ele foca o lado misterioso de Melquisedec e sua relação com Abraão. A partir desses
dois dados teológicos, o autor iguala Melquisedec ao próprio Deus. Logo, é segundo a ordem
de Deus que Jesus é sacerdote e como tal é superior aos levitas. Para provar sua tese o autor se
apóia em Gn 14, 17-20 que revela esses dois dados. Nesta passagem do Gêneses Melquisedec
aparece do nada com pão e vinho. Abençoa Abraão, cobra lhe o dízimo de tudo e depois
desaparece. Nenhuma outra passagem, nem antes e nem depois desse episódio Fala de
Melquisedec. Ele não está relacionado com Aarão, portanto, não é de família sacerdotal. O
Autor conclui, então,que ele vem do céu só para abençoar Abraão e é portanto dele que Jesus
herda seu sacerdócio

4.5.4 Qual é a missão do Sacerdote nas Escrituras ?

A missão do sacerdote está bem explicita em Lv 9, 7. Sua missão consiste em oferecer


sacrifício para os seus próprios pecados e pelos pecados do povo. O Sacerdote se torna,
assim, um mediador necessário sempre presente na história de Israel. Ele teve seu apogeu no
período do Templo, destacando sobre tudo sua função durante as festas de Kippur. Era nessa
solenidade que o sacerdote exercia cem por cento sua função de sacerdote. Uma multidão de
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fiéis se valia do sumo sacerdote para se livrar de suas faltas e se reaproximar do Senhor que é
Santo. É nesse contexto que a Carta aos hebreus vai apresentar o sacerdócio de Jesus,
destacando sempre sua superioridade.
A Carta aos hebreus destaca a superioridade da mediação de Cristo em vários aspectos:
Em Hb 7, 26- 28. Essa mediação é superiora por causa da qualidade do mediador. Jesus
é um sumo sacerdote Santo, inocente, imaculado e imaculado. Com essas qualidades ele não
passa pelo constrangimento de oferecer sacrifícios a cada dia; primeiro pelos seus próprios
pecados, depois, pelos pecados do povo. O fato de oferecer sacrifícios pelos seus próprios
pecados revela fragilidade como mediador. O que faz a mediação tem que está próximo de
Deus. O pecado afasta o homem de Deus. Como um pecador afastado de Deus pode fazer
uma boa mediação? A mediação do sumo sacerdote, perto da de Cristo, se torna paliativa.
Em Hb A superioridade está na qualidade do Santuário. Jesus, como sumo sacerdote,
entrou em uma tenda armada pelas mãos de Deus. O sacerdote levita quando precisa
interceder entra em uma tenda feita por mãos humanas. Isto pode colocar em risco a
mediação. O Encontro com Deus não é perfeito, ele é sacramental. Há sempre uma dúvida,
Deus habita neste santuário, feito por mãos humanas. Jesus, entrando na verdadeira tenda,tem
um encontro real com Deus, a mediação perfeita nesse caso é perfeita.
Em Hb 9, a qualidade da mediação de Cristo vai se sobressair na superioridade do
Santuário e dos sacrifícios. Em Hb , 1- 8, o autor há uma descrição perfeita da Sala dos Santos
dos Santos no Templo e uma referência clara a festa de Kippur. Em Hb 9, 11-14 são
apresentadas as qualidades do santuário e dos sacrifício. O Santuário é o próprio céu onde
Jesus entrou como sacerdote. Os sacrifícios oferecidos não são animais, estes foram
substituídos pelo próprio sangue.
Além da Carta aos hebreus, os elementos da festa de kippur estão presentes nos
Evangelhos e nas Cartas.
a) Em Jo, 1, 29, João Batista chama Jesus de Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo.
b) Lc 8, 43-48 relata a cura da mulher que sofria de hemorragia e tocou na túnica de
Jesus. Ele diz tua fé de salvou e não te curou.
c) Jo17 A oração sacerdotal tem a mesma estrutura que a confissão dos pecados pelo
sumo sacerdote no dia de Kippur, onde, ele deve rezar por ele mesmo, por sua família
e pelo povo. Jesus reza por ele mesmo, por sua família e por todos.

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d) 1Jo 2, 12 Vossos pecados foram perdoados em virtude do seu Nome ( é o nome divino
pronunciado pelo sumo sacerdote no dia de Kippur).

e) Mt 16, 13-20 Pedro recebe toda autoridade do sumo sacerdote, é por ele que passa a
responsabilidade de ligar e desligar. A Igreja acredita que essa responsabilidade é
passada para os seus sucessores, pois, o objetivo de Jesus era prover o futuro se seu
grupo através de instituições que não podem tornar-se caduca com a morte de Pedro.

CONCLUSÃO :

A teologia cristão da reconciliação herdou muito do conceito de reconciliação judaica.


Para o judeu o pecado é concebido como uma ruptura, um afastamento de Deus. Mas Deus
toma a iniciativa do perdão, ele chama o homem a conversão. O retorno do homem é
chamado tshuvah, a tshvah, foi criada por Deus antes da criação do mundo. Antes mesmo de
criar o homem Deus pensa na sua salvação através da conversão (tshuvah). Jr 31, 18-19
mostra essa iniciativa de Deus, é ele quem convida o homem ao retorno.

Essa teologia da reconciliação quebra o esquema pecado e castigo, benção e maldição.


Se o homem peca o Espírito o conduz de volta. A reconciliação se dá através de kippur, o dia
do grande perdão. Há uma dimensão comunitária nessa conversão, se o homem peca contra
seu irmão ele lhe deve pedir o perdão. Isto indica que o retorno a Deus implica na reensersão
no seio da comunidade. A tshuvar é o retorno a Deus dentro da comunidade. Esse retorno se
dá no quadro de uma aliança, volta-se para Deus, voltando para o seu grupo que através de
uma aliança se tornou povo de Deus.

Esse esquema teológico se encontra dentro do cristianismo, Deus chama o pecador a


conversão e o seu retorno para Deus é o retorno ao seio da comunidade. Na Igreja antiga esse
retorno a comunidade era bastante destacado no processo de conversão. O pecador grave
depois de confessar seu pecado ao bispo, ele era colocado a parte, como penitente. Ele
participava da missa até a liturgia da palavra, na hora da liturgia eucarística ele deixava a
Igreja, sua reensersão na comunidade geralmente era feita na Páscoa. Sua participação na
missa toda mostrava o seu retorno a comunidade e por conseqüência sua volta total a Deus.

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Para os cristãos a iniciativa da reconciliação do homem com Deus é do próprio Deus, a
figura de Jesus que morre pedindo perdão para seus perseguidores revela bem essa concepção.
A reconciliação se dá através de Jesus, ele é o nosso kippur.

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CAPÍTULO V

5 A FESTA DAS TENDAS

5.1 O nome da festa

Antes de ser chamada de festa das tendas esta festa é nomeada no livro do êxodo como
festa de assif, que quer dizer festa da colheita (assaf, reunir,recolher). Ela é, portanto, uma
festa de origem agrária. Trata-se da colheita, no outono, da uva e dos últimos frutos do ano,
como as olivas: Guardaras a festa dos ázimos...Guardarás a festa da messe, das primícias
dos teus trabalhos de semeadura nos campos, e a festa da colheita, no fim do ano ( Ex 23,
16 ). Na realidade aqui´, nesta passagem o autor se refere as três festas de peregrinação,
Páscoa, Pentecostes e Tendas. As três estão relacionadas como o mundo agrário e as três estão
ligadas com a subida ao Templo em Jerusalém. A Festa de Sukot está relacionada com a
última colheita antes do inverno.
O termo tenda aparece pela primeira vez em Dt16, 13-17 em hebraico o termo utilizado
é sukot, sukot é o plural de sukar que significa tendas, cabanas feitas de madeira e cobertas
com galhos de arvores. Essas tendas são construídas no período da festa e durantes os sete
dias da festa os judeus devem morar nelas. Esse mesmo texto informa ainda que todo mundo
deve participar da festa de sukot, crianças, servidores, estrangeiros o que dá a festa um caráter
universal.
Esta festa como ela aparece no Pentateuco, ela é considerada uma festa de instituição
mosaica. O que quer dizer que ela é uma festa bíblica prescrita pela torah. Os judeus festejam
sukkot como um preceito fixado por Deus. Em Dt 16,13 a gente pode ver o caráter legal desta
festa. Tu farás para ti a festa das tendas ou faze para ti... De modo mais claro esse caráter legal
aparece em Lv23, 41: Celebrareis assim uma festa para o Senhor sete dias por ano. É Lei
perpetua para os vossos descendentes.
A festa das tendas é a terceira festa de peregrinação, sendo que a primeira é Páscoa e a
segunda é Pentecostes. Sukot é, portanto, a festa de encerramento de um ano de peregrinação,
ela é assim o ponto culminante de um ano de encontro com Deus. Por que pelo o seu ritual ela
prefigura o que acontecerá na eternidade, o encontro definitivo do homem com o seu Deus.

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Uma característica marcante dessa festa é a alegria, ela deve ser celebrada com muita
alegria de modo que a oração judaica a celebra como o tempo da nossa alegria. Enfim, a
literatura rabínica a nomeia como a festa, quer dizer a festa por excelência.

5.2 A festa de Sukot segundo as Escrituras.

Quem vai definir a festa de sukkot tal qual ela é celebrada até hoje é o calendário
litúrgico de Lv 23,33-43
No V 34-36 o autor fixa o dia dessa festa, ela começa no dia 15 do mês de tishiri,
setembro ou outubro. Ela é uma festa para o Senhor, ela exige sacrifícios, e no primeiro dia da
festa não se deve trabalhar. Ela tem um dia suplementar e ela começa e termina por uma santa
convocação. O senhor convoca todo Israel para o encontro com ele. Por esta festa Deus
intervém no cotidiano normal do seu povo.
No V 39- 41 o autor mostra a característica agrícola da festa de sukkot Os fies devem se
munir dos belos frutos, de ramos de palmeira, galhos de árvores e salsas para a procissão de
sukkot.
Os versículos 42,43 dão um novo aspecto, uma nova significação a festa das tendas. Os
Israelitas são chamados a viver uma semana sob as cabanas para que eles possam se lembrar
de que Deus os fez morar nas cabanas quando os tirou do Egito. A festa de sukkot é assim
ligada ao período do deserto onde o povo viveu em tendas. A festa das tendas está ligada a
História da salvação e é a partir dessa ligação que se pode tirar dessa festa o seu sentido
teológico.Celebrando a festa das tendas os judeus lembram todas as tendas do deserto mas
eles lembram também presença protetora de Deus entre seu povo na longa caminhada do
Egito até a terra prometida.

5.3 A celebração da festa no período do Templo

Um dos momentos marcantes da festa das Tendas no período do segundo Templo eram
os sacrifícios feitos no Templo. Durantes os sete dias de sukot se oferecia pela manhã os
sacrifícios de touros(70) a Deus. Setenta touros eram oferecidos durantes a festa. Esses 70
touros representavam justamente as setenta nações. Eles eram oferecidos assim por todas as
nações do mundo. Israel intercede a Deus pelos outros povos, afim, de que nos fins dos
tempos todas as nações possam se encontrar unidas sob a direção de um mesmo Deus. Nós
podemos ver aqui a dimensão escatológica da festa das tendas, nela Israel assume o seu

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sacerdócio universal oferecendo sacrifício em favor de todas as nações. Depois de ter sido
perdoado por Deus no dia de Yom kippur, Israel pede perdão assim pelos pecados das nações.
Em Sukot Isarel se preocupa com a salvação universal.
Um outro momento marcante da festa de Sukkot, no período do Templo, era o momento
da libação da água. O povo descia até a piscina de siloé para pegar água, depois se subia em
procissão com cantos, com danças até o Templo se jogava água sobre o altar. A alegria desse
rito era tão grande que esta cerimônia era chamada de alegria do lugar. O lugar na tradição
judaica é Deus. O Rabbi Ieshua ben Levi explica dizendo que se chamava esse rito de alegria
do lugar é porque desse Lugar o povo na alegria recebia o Espírito. O Ieshua bem Levi liga a
água ao Espírito.
Um terceiro rito importante dessa festa na época do Templo era a procissão de ramos.
Durante os sete dias da festa se fazia procissão em volta do altar com um buquê de ramos
formado por quatro tipos de árvores que simbolizavam a totalidade da floresta. Essas árvores
eram o salgueiro, mirta e palmeiras e mais um limão. Cada um desses ramos simboliza algo.
Na tradição judaica o perfume simboliza o saber, o conhecimento da torah. O fruto simboliza
a pratica do conhecimento da torah. Assim o salgueiro que nem cheira e nem dá fruto
representa os israelitas que nem conhecem a torah e nem tão pouco pratica. A mirta tem
cheiro mais não dá frutos ela representa aqueles que conhecem a torah mas não a pratica, a
palmeira não tem cheiro mais dá um fruto delicioso, representa aqueles que não conhecem a
torah mais são cheios de boas obras. Em fim tem o limão que além de ser cheiroso dá um
fruto cheio de utilidades. Ele representa assim a elite de Israel conhecedora e praticante da
torah. Se unindo esses quatro tipos de pessoa se complementarão e todos serão salvos.
Com esses ramos nas mãos se fazia uma procissão em torno do altar e se cantava o
hosana. No último dia da festa se fazia a volta em torno do altar sete vezes e se entoava
fortemente o hoshana como uma invocação do Messias, o filho de Davi, o mensageiro da
Salvação. Por este gesto se invocava assim a vinda do Messias esperado até hoje.

5.4 A celebração de sukkot Hoje

Festa de sukkot conservou a sua riqueza de ritos mesmo depois da destruição do templo.
Ela perdeu apenas o ritual da libação da água e o ritual dos sacrifícios. Ela conservou seu
ritual principal que consiste na construção de uma tenda onde se deve morar durante os sete
dias da festa. A construção dessa tenda deve ser feita sob medidas. Ela não deve ser muito
pequena, nem muito grande, pois o homem não deve se rebaixar e nem se elevar mas se
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apresentar diante de Deus com toda humildade sendo aquilo que se é. Ela deve ser um pouco
frágil, sem muita sofisticação para que o homem não possa por nela a sua segurança. O
objetivo de morar na Tenda e encontrar se com Deus e pôr nele e só nele a sua confiança por
isso mesmo a fragilidade da tenda indica a segurança e a confiança que se tem em Deus. A
cobertura da tenda deve ser feita de modo que se possa ver o céu, uma forma de se lembrar do
criador. Dentro da tenda se encontra sempre o buquê de ramos com as quatro espécies
representando a totalidade do povo de Israel. Na sinagoga no oficio de Sukot se faz a volta em
torno da Torah com os ramos na mão.
Cada dia de sukkot os judeus recebem simbolicamente um hospede de honra que os faz
lembrar da história da salvação. No primeiro dia recebe se Abraão, no segundo Isaac, no
terceiro, Jacó, no quarto Moises no quinto, Aarão, no sexto José, e no sétimo Davi. Honra se
Abraão por seu ensinamento de amor a Deus, a Isaac por sua fidelidade a lei, a Jacó por seu
bom exemplo de pai a Moisés porque ele soube organizar uma nação, a Aarão pelo serviço a
Deus através do sacerdócio, a José por sua pureza e pelo seu zelo com relação as nações e em
fim no sétimo dia honra se Davi, de quem se espera o Messias. Além desses hospedes de
honra os judeus recebem também convidados comuns na tenda a quem eles aproveitam para
explicar o sentido da festa.

5.5 A teologia da festa

Qual é o significado teológico dessa festa para que ela possa ser celebrada até hoje com
tanta ênfase.
O tema teológico que sai da festa de sukkot e que liga esta festa com a história
da salvação é o tema da confrontação de Israel com o deserto. É no deserto que Israel mora
em tendas em completa dependência de Deus.
Nós podemos então considerar a festa das cabanas como um memorial da caminhada de
Israel do Egito até a terra de canaã. Assim como a páscoa comemora a noite da libertação, a
saída da terra do Egito, a festa das cabanas vai celebrar a caminhada do povo rumo a terra
prometida. Sukkot vai assim celebrar o memorial da vida de Israel no deserto com Deus.
O deserto para o homem do Primeiro Testamento é em si uma região maldita, é um
lugar no qual não se encontra nenhuma força vital. Ele é habitado por uma vegetação escassa,
e espinhosa, por animais ferozes como o chacal, as víboras a hiena que constituem uma
ameaça a vida do homem. Alem disso o deserto é visto como um local onde habitam os

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espíritos de morte, portanto o deserto é um lugar de morte para aqueles que ai se aventuram.
Ao contrário da terra prometida onde corre leite e mel, o deserto é uma sorte de não mundo
que às vezes se confunde com o caos, ou como uma espécie de mundo infernal, vazio da
presença divina.
A vida de Israel neste universo infernal foi feita de provas e de tentações. Na caminhada
do deserto Israel teve a tentação de sentir saudade da vida que levava no Egito, onde a
escravidão lhe assegurava o alimento. No deserto, ao contrário, faltava lhe tudo, carne, pão,
água, o necessário para viver. Israel então reclama contra Deus, se revolta contra Moises.
Porém nesse deserto despido de todas as possibilidades, Israel teve que aprender que sua
existência dependia somente de Deus. No deserto Israel não podia recorrer a nenhuma outra
pessoa. E de etapa em etapa Israel teve que aprender a ter confiança em Deus e reconhecer
que Deus lhe daria todo o necessário para viver. Israel confia e é salvo no deserto, chega a
terra prometida.
O período do deserto é visto assim como um período de purificação e de preparação,
onde Israel aprendeu a se libertar completamente da dependência do Egito, e, portanto do
homem para fazer confiança apenas em Deus.
Do outro lado o tempo do deserto é um tempo especial porque ele mostra a solicitude de
Deus para com Israel que ele tira do Egito. Esse Deus durante a caminhada não para de
intervir em favor do seu povo. Ele faz cair o maná do céu e minar água do rochedo, Ele
alimenta o povo de carne lhes dando as codornizes (Ex16,17 ), Ele protege o povo enviando o
seu anjo que se coloca entre os hebreus e os egípcios evitando um confronto entre os dois
povos. Ele mesmo guia o povo quando Moises pergunta quem mandarás comigo para fazer o
povo subir?(Ex14,19ss). Em fim se lermos o livro do Êxodo percebemos que durante a
travessia do deserto Deus caminhou do começo ao fim com o seu povo.
Assim o período do deserto é um período caracterizado pela presença de Deus no meio
do seu povo. Uma presença que protegeu o povo e fez com que ele sobrevivesse todas as
dificuldades do deserto. É um período de intimidade profunda entre Israel e o seu Deus. Uma
intimidade que é vivida no amor na confiança mas também nos murmúrios, nas reclamações e
na incredibilidade. Nós podemos dizer que a relação entre Deus e Israel no deserto é uma
relação totalmente familial, na família, o amor e o desencanto, a confiança e desconfiança
sempre caminham juntos(Os 9,10;13,4 Jr2,2)
Hoje quando Israel volta as cabanas ele memoriza todo esse passado. Ele torna presente
esta história de amor. Ele revive essa intimidade e essa confiança Voltar as cabanas é tentar
viver, no deserto da vida moderna, uma intimidade com Deus, é re-aprender que até hoje a
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existência de Israel e a sua segurança depende diretamente de Deus. Morando uma semana em
cabanas Israel faz do tempo do deserto o tempo do presente que continua cheio de armadilhas
mas também pleno da graça e da presença de Deus.
O nosso comportamento é bem diferente do comportamento dos outros homens. Em
geral o homem se sente em segurança na sua casa ao abrigo das intempéries e protegido dos
bandidos e sua confiança é menos grande quando ele não se encontra mais sob esta proteção.
Nós, os judeus, ao contrário, somos inseguros durante todo o ano em nossas casas, mas chega
a festa de sukkot e nós deixamos nossas casas para morar nas frágeis cabanas e eis que nossos
corações se enchem de alegria e de confiança no Senhor. Nós não estamos ao abrigo de um
telhado mas sobre a proteção do Eterno que guarda sua fidelidade. Nenhum temor não habita
mais o nosso coração. Nós sabemos que a única esperança para Israel é de se colocar sob a
proteção de seu Deus e Rei que criou o mundo>>1.

5.6 A Festa de Sukkot e o Novo Testamento

A festa das tendas mesmo se ela é uma festa bíblica e de instituição mosaica ela foi
deixada de lado pela liturgia Cristã. Ela aparece apenas de modo indireto e complexo na
liturgia de domingo de ramos que celebra a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém antes
de sua paixão. Se de um lado a festa das tendas é pouco aproveitada na liturgia cristã, do outro
lado a gente pode ver uma influência considerável desta festa na teologia neo- Testamentária.
O que significa que conhecendo bem o contexto da festa das tendas pode se compreender de
modo mais claro a mensagem de alguns textos do Novo Testamento. Marcos (Mc 11,1-11)
sendo conhecedor da tradição judaica certamente conhecia o ritual da procissão de ramos de
Sukkot em torno do altar. Sobre tudo da procissão do sétimo dia da festa de Sukkot, onde se
entoava o Hosana e se invocava a vinda do Messias, o filho, de Davi. Se Marcos relata a
entrada messiânica em Jerusalém, antes da paixão de Jesus é justamente para indicar que os
tempos messiânicos invocados pela festa das tendas já chegaram. Se antes se fazia a volta em
torno do altar com ramos pedindo a vinda do Messias agora nos tempos messiânico se canta e
se aclama o próprio Messias, Jesus, o filho de Davi. Aquele que era invocado já chegou.
No Quarto Evangelho é Jo 7, 37-40, Jesus sobe ao Templo para a festa das tendas e lá
lança um grito. Aquele que tem sede venha a mim e beberá, e do seu seio jorrarão rios de água
viva. João coloca uma notinha, ele falava do Espírito que devia receber aqueles que haviam
crido nele. Esse texto parece claro se a gente conhece o ritual da libação da água na festa das

1
Ephemerides de l´année juive, pg89, Robert Samuel.

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tendas. Jesus é a alegria do lugar, Jesus é o Lugar onde o crente mata a sua sede e de onde ele
o recebe o Espírito. Não há, pois mais necessidade de se fazer a libação da água para receber
o Espírito, pois o Lugar, Deu está presente no meio do seu povo.
E ainda em Ap7, 9 onde St João narra o triunfo dos Eleitos semelhante a uma grande
festa das tendas. Ele vê uma grande multidão formada de todos os povos. Essa multidão se
encontra diante do cordeiro com palmas na mão. A esperança de sukot é justamente de que
todas as noções um dia sejam salvas, se encontrem sob a mesma direção de um Deus único.
Colocando a multidão dos eleitos diante do Cordeiro com palmas na mão Jô diz que esse
tempo já se cumpriu na pessoa de Jesus.
E ainda Ap7,15-17 reforça ainda mais esta influência de Sukkot na narração do triunfo
dos eleitos: Aquele que está sobre o trono estenderá sua tenda sobre eles e nunca mais terão
fome e nem sede... Pois o cordeiro os conduzirá até as fontes de água da vida. Os eleitos se
encontram protegido pelo cordeiro na intimidade de sua tenda.

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BIBLIOGRAFIA

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AVRIL, Anne-Catherine; MAISONNEUVE, Dominique de la. As festas judaicas. São Paulo,
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LÉGASSE, Simon. As festas do ano fundamentos escriturísticos. O que festejamos? São Paulo:
Loyola, 2010.
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