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A evolução dos Cultos

Ameríndios- Católicos -
Africanos e suas raízes.

Pindorama

À época de sua "descoberta" pelos


europeus, embora já distantes da
primitiva pureza de suas tradições, os
Tupis-Guaranis ainda sabiam-se de
uma origem tão antiga que
denominavam a sua mítica terra de
origem ancestral pelo nome de
Pindorama, porque este nome
referenciava-se à uma lenda tão
antiga que envolvia a idéia de um
dilúvio universal que havia alcançado
a Terra das Palmeiras, que é o que
significa Pindorama.
Assim sendo, permanecendo na mítica
Terra das Palmeiras de seus ancestrais
e daí irradiando-se e vivendo por
milênios em integração harmônica
com a natureza, foram os povos
Tupis-Guaranis os que melhor
retiveram a "centelha espiritual" da
primeira raça humana.
Viajantes e estudiosos da época do
descobrimento e colonização inicial do
Brasil, como De Bry, Hans Staden e
Padre Simão de Vasconcellos
espantaram-se com a constatação da
profunda espiritualidade dos antigos
Tupis. Suas observações e estudos
demonstram que a concepção
religiosa, mística e teogônica destes
povos era de uma grande pureza,
elevação e estrutura moral que
somente poderiam ser alcançadas por
uma raça de antiquíssima maturação
espiritual.
O Tuyabaé-Cuaá

Tão antiga era essa maturação


espiritual que as lembranças do
Tuyabaé-Cuaá - a "Sabedoria dos
Velhos Pajés" ou "Conhecimentos dos
Xamãs Ancestrais" - remontam aos
primórdios da Humanidade, com a
saga do índio Tamandaré salvando-se
com sua família do Dilúvio no topo de
uma gigantesca palmeira - a Pindó -,
que flutuou sobre as águas.
Esta Sabedoria dos Pajés Ancestrais -
o Tuyabaé-Cuaá - exprimia-se numa
linguagem sagrada - o Nheengatu -, a
"língua boa". Entretanto, ela
reconhecia que existira uma língua
matriz muito mais antiga - a
Abanheengá - tão antiga, diziam ainda
os Pajés, que "somente Tupã, o Deus
Supremo, poderia tê-la ensinado à
raça mais antiga de toda a Terra", ou
seja, aos seus longínquos
antepassados. Os Tupis-Guaranis
adoravam a um Deus único Supremo -
Tupã - mas reconheciam a existência
de uma Trindade Manifestadora do
Poder Divino - Guaracy, Yacy e Rudá
-, simbolizando Poder Gerante, o
Poder Gestante e o Poder Gerado,
admitindo ainda a existência de um
Messias Civilizador - Yurupari - gerado
pela Virgem Mãe Chiucy.
Desta forma, tinham uma divisão
entre os ritos dos clãs masculinos
(Tembetá), dos clãs femininos
(Muyraquitan) e dos ritos para os seus
antepassados, entre eles o do Guayú
(evocação dos espíritos ancestrais),
quando os seus xamãs - os Pajés -
entoavam num "canto" lento, ritmado,
repetitivo e de efeito hipnótico ao som
de seus Mbaracás (chocalhos),
aplicando-os depois à testa das
Cunhãs (mulheres profetizas), que
então entravam em transe mediúnico
e passavam a comunicar as
mensagens dos Ra-Angás, os espíritos
de seus antepassados.
Este antiquíssimo conjunto de crenças
Tupis-Guaranis foi detectado e
conhecido pela Ordem Católica dos
Jesuítas que, sobre ele, pode
estabelecer um programa de
evangelização dos indígenas nos
primórdios da colonização do Brasil,
baseado em dois pontos principais :
1 - a aceitação destes valores
espirituais ancestrais nativos Tupã,
Guaracy, Yacy, Rudá e Chiucy, mas
trocando-lhes os nomes para "Deus
Pai", "Santíssima Trindade" e "Virgem
Maria"; 2 - o combate sem tréguas
contra aos valores mais radicalmente
opostos aos dos ocidentais, tais como
a autoridade dos Pajés, o rito espirítico
do Guayú, com seus Mbaracás
mediunizantes e suas Cunhãs
profetisas. Mas, paradoxalmente,
transformaram o Messias Civilizador
Yurupari, não no Cristo, mas sim no
"Diabo" dos católicos, embora tenham
adotado pessoalmente a sua "erva
sagrada" - o Tabaco - , o qual era
usado para provocar transe mediúnico
nos Xamãs indígenas (os Pajés),
transformando o uso dessa "erva
sagrada" em um vício profano que, ao
longo do tempo, tornou-se uma praga
social universal.
Do mesmo modo, os colonos brancos
assimilaram as soluções indígenas
que, na prática, provavam ser
eficientes nesta nova terra : trocaram
o trigo pela mandioca, o leito pela
rede, o vinho pelo cauim; aprenderam
a fumar e começaram a gostar dos
frutos e das filhas desta terra,
iniciando a primeira miscigenação
racial deste país, gerando filhos
mestiços que foram muito apreciados
como elos de ligação das alianças com
as tribos indígenas que os colonos
precisavam estabelecer para
sobreviver aos ataques das tribos de
nações indígenas inimigas.
Começava aí o sincretismo cultural,
racial e social que marcaria todo o
período do descobrimento, conquista e
colonização do Brasil e que, talvez, o
diferencie de todos os outros povos
irmãos da América Latina. Já o
sincretismo religioso ficou por conta
dos descendentes dos indígenas
espoliados à medida que viam
naufragar a cultura de seus ancestrais
e nada lhes era dado em troca para
substituí-la.
Assim, sempre que afrouxados o laço
e a peia da "evangelização" católica
forçada, a espiritualidade indígena
reaflou e perdurou por um largo
período de tempo, quiçá até nossa
era, embora desde então já se
apresentasse sincretizada com
motivos cristãos, por necessidade de
sobrevivência e ascensão social.
Sobre este afloramento "impertinente"
de uma religiosidade indígena que os
catequistas católicos pensaram haver
suplantado, assim se expressou Roger
Bastide : -"Se excluir a região do
Maranhão, onde o (negro) Daomeano
dominou, todo o Norte do Brasil, da
Amazônia às fronteiras de Pernambuco
será domínio do índio. Foi ele que
marcou, com profunda influência, a
religião popular: "Pajelança" no Pará e
Amazônia; "Encantamento" no Piauí;
"Catimbó" nas demais regiões."-
Podemos acrescentar que o mesmo se
deu, inicialmente, por toda a parte,
como por exemplo no Estado de São
Paulo, onde brancos, indígenas e seus
mestiços tiveram estreita convivência
e miscigenação, ao ponto da língua
Tupi aí predominar sobre a
Portuguesa, até os meados do século
XVIII.

A Santidade

Assim, já nos primórdios da


Colonização, aparece o fenômeno
espiritual sincrético da Santidade,
reprimido pela Inquisição Católica há
menos de cem anos da data do
"descobrimento" ("Primeira Visitação
do Santo Ofício - Confissões da Bahia"
- 1591 / 1592).
A "Santidade" era um movimento
messiânico de caráter nitidamente
indígena, baseado no ressentimento
contra os brancos invasores, fazendo
uso de um Catolicismo mal
compreendido e digerido do qual
adotaram a construção de "igrejas';
um simulacro de "batismo"; chefes
masculinos e femininos mestiços
denominando-se por "Pai" e "Mãe de
Deus"; uso de procissões, rosários e
cruzes.
Isto tudo de mistura com valores da
cultura indígena, como a poligamia;
cantos e danças indígenas; uso da
bebida alucinógena feita com a raiz da
árvore Jurema; mas cujo ponto
principal ainda era o uso do Tabaco
como "erva sagrada", tradicionalmente
insuflado nas narinas do oficiante, na
forma de pó torrado das folhas secas
(rapé) até que ocorresse o transe
místico, o qual era chamado,
precisamente, de Espírito de
Santidade.
Combatido pela Inquisição Católica, a
Santidade foi-se extinguindo e a
religiosidade indígena, nas gerações
mestiças de algum tempo depois,
perdurou no Toré e na Pajelança, os
quais reviviam sobretudo os antigos
rituais indígenas dos antepassados e
os de cura.

O Encantamento

Foi sobretudo do sincretismo da


Pajelança com a catequese católica
que originou-se o culto dos Caboclos
Encantados, espíritos de mestiços
indígenas mais ou menos
cristianizados que faziam
externamente as vezes dos "santos"
católicos, mas que ainda cumpriam
uma função social para a coletividade
mestiça indígena, adotando a divisão
tribal em clãs - os "Filhos do Sol" e os
"Filhos da Lua" - e que, embora ainda
usasse a fumaça do Tabaco, dava
maior ênfase à ingestão de uma
bebida de feita com a infusão da raiz
da árvore Jurema para obtenção do
transe mediúnico, o qual era
acompanhado por cantos indígenas
deturpados, falados ou cantados em
língua portuguesa corrompida.
Em continuidade no tempo, foi da
fusão destes novos cultos de Caboclos
Encantados com os primeiros aportes
isolados da religiosidade dos negros
Bantus, quase sempre escravos
fugitivos que encontraram guarida e
proteção na Pajelança e no culto dos
Encantados, que esboçou-se o Culto
do Catimbó, mas no qual, agora, as
cerimônias perdiam o sentido de
função social da coletividade para
transformarem-se em cultos
individuais de satisfação de
necessidades pessoais quer de índios,
negros ou mestiços, ainda que de
natureza espiritual ou curativa.
Exemplificando a mudança de tais
funções, ouça-se o triste depoimento
de um velho Pajé, de nome Tarcuáa,
que assim se lamentou com um
pesquisador : -" Hoje não há mais
Pajés; somos todos Curandeiros"-
(Roger Bastide, "apud" Câmara
Cascudo, em "Novos Estudos sobre o
Catimbó", Brasiliensis, pg. 89).
Usando uma mitologia e ritualismo
indígena bem empobrecidos, os
"altares" do Catimbó representam a
perda de valores iniciáticos dos
indígenas brasileiros, que passam a
ser substituídos pela miscigenação
religiosa e apresentam, lado a lado,
estampas e estátuas de santos
católicos, charutos, aguardente,
pequenos arcos e flechas, flautas e
chocalhos indígenas, além de ervas e
animais secos, objetos que são
portadores dos poderes da Benção
católica e da força mística indígena
Mana, pois que a força da realização
mística africana Axé ainda não havia
chegado definitivamente ao Brasil.
Mas, embora tenham abandonado o
Tabaco para obtenção do transe
místico, ainda existia a lembrança de
seu uso ancestral como "erva sagrada"
: nos altares do Catimbó estava a
Princesa, uma cuia de cobre ou
vasilhame raso de barro, a qual
sempre repousava sobre um rolo de
fumo, cercado por um pano branco
que nunca tinha sido ou seria usado
para outra finalidade, como a atestar
sua pureza ou Santidade.
A "Princesa" constituía-se na ligação
com o passado indígena, pois era nela
que era moída e infusa a raiz da
Jurema, a bebida levemente
alucinógena que então induzia a
descida dos "espíritos" invocados para
provocar o transe mediúnico, ainda
chamado de Estado de Santidade.
Entretanto, este Catimbó já
prenunciava a futura Umbanda,
apresentando-se dividido em Sete (7)
Reinos Espirituais : Vajucá, Tigre,
Canindé, Urubá, Juremal, Josafá e
Fundo do Mar. Seus principais
Espíritos-Chefes são índios : Itapuã,
Xaramundy, Mussurana, Iracema,
Turuatã, as "Moças d'água" ou "Yaras"
e, também, muito mais tarde, alguns
"espíritos" isolados de "catimbozeiros"
de descendência africana.
Pois, como já dissemos, foi para esta
religião basicamente indígena mas já
miscigenada com elementos católicos
que entrou o Negro ou o seu
descendente no Nordeste,
especialmente se eles eram de origem
Bantu, por encontrar na Pajelança e
no Catimbó cerimônias até certo ponto
bem análogas às de seus
antepassados africanos.
Os negros bantos-congoleses
aceitaram esta nova religião,
sobretudo, em termos de "culto aos
mortos", pois os Pajés e os
Catimbozeiros, através dos Maracás e
das Cunhãs, dos Encantados, do
Tabaco e da Jurema, quiçá agora da
Diamba introduzida pelos africanos,
comunicavam-se com o Além, ou seja,
o lugar místico e/ou mítico em que os
brancos, os índios, os negros e os
mestiços de todos, igualmente
situavam a existência de seus
antepassados.
Sobre isso, diz-nos Roger Bastide
(1971) : -"O bantu, passando à
América, deixou atrás de si, além de
seu território, os espíritos que o
povoavam ... E chegando a uma nova
terra que estava, ela também povoada
de espíritos, devia ao mesmo tempo
que era obrigado a aceitar o novo
território em que devia viver, aceitar
também forçosamente o seu duplo
espiritual. Que as coisa assim se
passaram, não quero por testemunho
senão às próprias afirmações dos
Negros do Catimbó : Agora somos
brasileiros. Devemos adorar os deuses
da nova pátria."-
Assim, primeiramente, desde a
"importação" dos primeiros
contingentes de negros Bantus,
Congoleses e Angolenses nos séculos
subseqüentes da colonização européia,
os indivíduos que conseguiam, de uma
forma ou de outra, escapar à
escravidão, sobretudo na área rural,
ingressavam no Catimbó, até por ser
ele praticamente a única opção
existente. Nasceram assim, de acordo
com a maior ou menor negritude de
seus participantes, as variações de
cultos miscigenados indígenas-
cristãos-africanos, tais como o Tambor
de Minas, o Babaçuê e o Batuque.

O Candomblé

Depois, à medida que mais e mais


negros de origem Bantu, Congo e
Angola alforriavam-se e reagrupavam-
se na periferia das maiores cidades da
época, eles mantiveram as partes dos
rituais de seus antepassados que
conseguiam por em prática dentro dos
limites estreitos da escravidão, criando
os primeiros Candomblés, que é uma
palavra de origem Bantu e não Iorubá,
significando no Brasil, "instrumento de
percussão" e/ou "lugar de danças de
negros" e, por extensão, "lugar de
terra batida" ou "terreiro" onde
praticavam seus cultos religiosos, os
quais, sob a forma de cantos e danças
- o Batuque - eram permitidos e até
incentivados pelas autoridades como
forma de atiçar, assim pensavam elas,
as velhas rivalidades tribais existentes
desde a áfrica.
Mas, ao contrário desta suposição das
autoridades, desde os seus
primórdios, estes Candomblés
incorporaram muitos do Catimbós
mais africanizados, levando assim
para o seu interior o sincretismo
religioso católico-indígena que já se
revelara útil como artifício de
camuflagem para a celebração pública
de suas reais práticas religiosas.
Tornaram-se, também, as sementes
do futuro Candomblé de Nação que
surgiria mais tarde, pois, a partir do
início do século XIX, quando a entrada
maciça e em curto período de tempo
de negros de origem sudanesa na
Bahia e no Rio de Janeiro, suplantando
todas as outras etnias, começou a
crescer e evidenciar-se o prestígio
ritualístico e litúrgico dos cultos
religiosos sudaneses Iorubás ou
Nàgôs, os quais interpenetraram e
reinterpretaram os existentes
Candomblés de origem Bantu e,
finalmente, impuseram-se, nas regiões
próximas às cidades de Salvador (BA),
Recife (PE) e Rio de Janeiro (DF) , por
sobre todas as formas de culto em que
participassem majoritariamente o
Negro e seus descendentes.

O Candomblé de Nação
Que assim se passou, diz-nos Pierre
Verger (1971) : -"A palavra
Candomblé, que designa na Bahia as
religiões africanas em geral é de
origem Bantu. é provável que as
influências das religiões vindas de
regiões da áfrica situadas nas
imediações do Equador não se limitem
apenas ao nome das cerimônias, mas
tenham dado aos cultos gêges e
nàgôs, na Bahia, uma forma que os
diferencia, em certos pontos, dessas
mesmas manifestações na áfrica."-
E já no final do século XIX, os cultos
de origens Nações Bantu, Congo e
Angola e, também, os cultos de
origens indígenas, nas regiões da
Bahia e Pernambuco, estavam
submetidos às normas ritualísticas do
Candomblé de Nação Sudanesa, mas
não especificamente no restante do
país, pois que esta Nação Sudanesa
conseguia revigorar sua crença
através do animado tráfego comercial
marítimo que se criou entre Salvador
(Brasil) e Lagos (Nigéria) no início do
século XIX.
Assim, passada a necessidade do
sincretismo religioso para sua
sobrevivência, os Candomblés de
Nação Sudanesa começam a reverter
tal tendência simbiótica ao fecharem
questão sobre a primazia de suas
raízes étnicas sobre todas as outras,
tornando-se uma religião exclusiva de
um grupo étnico negro definido, isto é,
sudanês, mesmo quando praticado por
negros de outras etnias, brancos,
índios e mestiços de todos os matizes,
tornando-se finalmente a celebração
da memória coletiva africana sudanesa
em solo brasileiro e hoje rejeitam com
veemência o sincretismo religioso que
outrora praticaram para sobreviver.

O Omôlocô
Como resultado desta inconteste
hegemonia Sudanesa (Ijêxá, Kêtu,
Òyó, Ifé e Benin - enfim, Nàgô) e sua
posterior rejeição às outras correntes
religiosas negras, surgiram os
Candomblé de Nação Bantu e Angola
que, por sua vez, expeliram de seu
meio o elemento indígena que veio
então a dar origem ao Candomblé de
Caboclo e ao Omôlocô.
E, nestes, continuaria vivo o
sincretismo religioso dos ritos
indígenas-católicos com o Panteão
Africano e ao lado de Oxalá,
pontificam Tupã e Zambi; ao lado de
Yemanjá, estão Janaína e as Yaras; ao
lado de Ogum, combatem Cariri e o
Boaiadeiro; ao lado de Oxosse, corre o
Sultão das Matas; ao lado de Exú,
reinam o Caipora e Zé Pelintra, junto
aos Baba Egun e a Falange do Oriente,
estão os Caboclos Tupinambá,
Tupiara, Jaú, Irerê, Pedra Negra, Pena
Branca, Seô Quatro Olho e muitos
outros mais.

A Macumba

Mas, infelizmente, no rastro desse


reflorescimento espiritual negro e
ameríndio, existiu no Norte, Nordeste,
Sudeste e Centro Sul uma massa
nacional de milhares de outros
agrupamentos religiosos sincretizados
e miscigenados que - empobrecidos
pelo processo crescente de
urbanização e carestia, desvinculados
de suas raízes regionais pela migração
interna, depauperados pelo
desemprego e subemprego de seus
fiéis - eram incapazes de sustentar as
grandes despesas dos ritos segundo
os moldes sudaneses, e, então,
romperam com a prática dos preceitos
e laços étnicos anteriormente
definidos e, desse conjunto de
circunstâncias socialmente novas,
adversas e confusas, paralelamente a
aqueles outros cultos já citados, surgiu
a Macumba, denominação genérica e
popular para designar a confusa
mistura de muitos ritos e práticas de
origem católica, indígena e negra
assim gerados.
E a Macumba acabou por alcançar a
periferia das maiores cidades do país,
levada pela grande massa de
trabalhadores migrantes, ex-escravos
que se viram sem trabalho, terras ou
ofícios quando a escravidão foi abolida
em 1889 no Brasil. E, especialmente
no Rio de Janeiro, antiga capital
federal, a Macumba passou ser
praticada pelas camadas mais pobres
e marginalizadas que a sociedade
brasileira já havia conhecido mesmo
durante a escravidão.

O Espiritismo Kardecista

Mas, já desde de 1873, o primeiro


Movimento Espírita organizado no
Brasil, sempre no predestinado Rio de
Janeiro, denominado Sociedade de
Estudo Espírita do Grupo Confúcio,
seguindo a tradição francesa do
Kardecismo, começara a agir junto à
essa camada mais desvalida da
população, seguindo as instruções de
seu preceito espiritual principal de que
"Não existe Espiritismo sem a
Caridade", enfatizando a figura do
"médium" como um "curador" e
desenvolvendo "sessões" de cura pela
Fé nos Espíritos, mas apoiando-se nos
tratamentos de saúde por
Homeopatia.
Ora, como na Macumba também havia
espíritos, médiuns curadores,
conhecimentos do poder curativo das
ervas e muita necessidade da
Caridade, a empatia espiritual com o
Kardecismo foi imediata, persistente e
duradoura e ele começou a fornecer à
Macumba uma nova estrutura, não de
sincretismo mas de sintetismo,
incluindo o Evangelho, segundo Allan
Kardec. Nascia, assim, no Rio de
Janeiro, a Macumba Urbana.
Após 1890, quando imigração
européia para o Brasil foi incentivada e
sistematizada, trazendo para os
campos brasileiros levas e mais levas
de trabalhadores brancos
empobrecidos, mas não
necessariamente despreparados e
incultos, a maioria deles desiludiram-
se com a diferença entre as condições
de trabalho oferecidas e as que
tiveram que enfrentar nas lavouras de
café e cana de açúcar dos campos do
país, e, assim, migraram para as
cidades maiores aonde tiveram que se
ajeitar como puderam junto à camada
pobre das populações locais.
Como também eles estivessem
necessitados de Caridade, muitos
foram os que procuraram socorro e
consolo espiritual junto as Macumbas
Urbanas interpenetradas pela
Evangelização Espírita. E, com o
passar do tempo, foi significativa a
parcela desses imigrantes, sobre tudo
de intelectuais, que neles
permaneceram, militaram e até
acabaram por dirigir, emprestando-
lhes significativa organização social,
cultural e, por muitas vezes, até
política.

E Finalmente a Umbanda.

A evolução dos Cultos


Ameríndios- Católicos -
Africanos e suas raízes.
Pindorama

À época de sua "descoberta" pelos


europeus, embora já distantes da
primitiva pureza de suas tradições, os
Tupis-Guaranis ainda sabiam-se de
uma origem tão antiga que
denominavam a sua mítica terra de
origem ancestral pelo nome de
Pindorama, porque este nome
referenciava-se à uma lenda tão
antiga que envolvia a idéia de um
dilúvio universal que havia alcançado
a Terra das Palmeiras, que é o que
significa Pindorama.
Assim sendo, permanecendo na mítica
Terra das Palmeiras de seus ancestrais
e daí irradiando-se e vivendo por
milênios em integração harmônica
com a natureza, foram os povos
Tupis-Guaranis os que melhor
retiveram a "centelha espiritual" da
primeira raça humana.
Viajantes e estudiosos da época do
descobrimento e colonização inicial do
Brasil, como De Bry, Hans Staden e
Padre Simão de Vasconcellos
espantaram-se com a constatação da
profunda espiritualidade dos antigos
Tupis. Suas observações e estudos
demonstram que a concepção
religiosa, mística e teogônica destes
povos era de uma grande pureza,
elevação e estrutura moral que
somente poderiam ser alcançadas por
uma raça de antiquíssima maturação
espiritual.

O Tuyabaé-Cuaá

Tão antiga era essa maturação


espiritual que as lembranças do
Tuyabaé-Cuaá - a "Sabedoria dos
Velhos Pajés" ou "Conhecimentos dos
Xamãs Ancestrais" - remontam aos
primórdios da Humanidade, com a
saga do índio Tamandaré salvando-se
com sua família do Dilúvio no topo de
uma gigantesca palmeira - a Pindó -,
que flutuou sobre as águas.
Esta Sabedoria dos Pajés Ancestrais -
o Tuyabaé-Cuaá - exprimia-se numa
linguagem sagrada - o Nheengatu -, a
"língua boa". Entretanto, ela
reconhecia que existira uma língua
matriz muito mais antiga - a
Abanheengá - tão antiga, diziam ainda
os Pajés, que "somente Tupã, o Deus
Supremo, poderia tê-la ensinado à
raça mais antiga de toda a Terra", ou
seja, aos seus longínquos
antepassados. Os Tupis-Guaranis
adoravam a um Deus único Supremo -
Tupã - mas reconheciam a existência
de uma Trindade Manifestadora do
Poder Divino - Guaracy, Yacy e Rudá
-, simbolizando Poder Gerante, o
Poder Gestante e o Poder Gerado,
admitindo ainda a existência de um
Messias Civilizador - Yurupari - gerado
pela Virgem Mãe Chiucy.
Desta forma, tinham uma divisão
entre os ritos dos clãs masculinos
(Tembetá), dos clãs femininos
(Muyraquitan) e dos ritos para os seus
antepassados, entre eles o do Guayú
(evocação dos espíritos ancestrais),
quando os seus xamãs - os Pajés -
entoavam num "canto" lento, ritmado,
repetitivo e de efeito hipnótico ao som
de seus Mbaracás (chocalhos),
aplicando-os depois à testa das
Cunhãs (mulheres profetizas), que
então entravam em transe mediúnico
e passavam a comunicar as
mensagens dos Ra-Angás, os espíritos
de seus antepassados.
Este antiquíssimo conjunto de crenças
Tupis-Guaranis foi detectado e
conhecido pela Ordem Católica dos
Jesuítas que, sobre ele, pode
estabelecer um programa de
evangelização dos indígenas nos
primórdios da colonização do Brasil,
baseado em dois pontos principais :
1 - a aceitação destes valores
espirituais ancestrais nativos Tupã,
Guaracy, Yacy, Rudá e Chiucy, mas
trocando-lhes os nomes para "Deus
Pai", "Santíssima Trindade" e "Virgem
Maria"; 2 - o combate sem tréguas
contra aos valores mais radicalmente
opostos aos dos ocidentais, tais como
a autoridade dos Pajés, o rito espirítico
do Guayú, com seus Mbaracás
mediunizantes e suas Cunhãs
profetisas. Mas, paradoxalmente,
transformaram o Messias Civilizador
Yurupari, não no Cristo, mas sim no
"Diabo" dos católicos, embora tenham
adotado pessoalmente a sua "erva
sagrada" - o Tabaco - , o qual era
usado para provocar transe mediúnico
nos Xamãs indígenas (os Pajés),
transformando o uso dessa "erva
sagrada" em um vício profano que, ao
longo do tempo, tornou-se uma praga
social universal.
Do mesmo modo, os colonos brancos
assimilaram as soluções indígenas
que, na prática, provavam ser
eficientes nesta nova terra : trocaram
o trigo pela mandioca, o leito pela
rede, o vinho pelo cauim; aprenderam
a fumar e começaram a gostar dos
frutos e das filhas desta terra,
iniciando a primeira miscigenação
racial deste país, gerando filhos
mestiços que foram muito apreciados
como elos de ligação das alianças com
as tribos indígenas que os colonos
precisavam estabelecer para
sobreviver aos ataques das tribos de
nações indígenas inimigas.
Começava aí o sincretismo cultural,
racial e social que marcaria todo o
período do descobrimento, conquista e
colonização do Brasil e que, talvez, o
diferencie de todos os outros povos
irmãos da América Latina. Já o
sincretismo religioso ficou por conta
dos descendentes dos indígenas
espoliados à medida que viam
naufragar a cultura de seus ancestrais
e nada lhes era dado em troca para
substituí-la.
Assim, sempre que afrouxados o laço
e a peia da "evangelização" católica
forçada, a espiritualidade indígena
reaflou e perdurou por um largo
período de tempo, quiçá até nossa
era, embora desde então já se
apresentasse sincretizada com
motivos cristãos, por necessidade de
sobrevivência e ascensão social.
Sobre este afloramento "impertinente"
de uma religiosidade indígena que os
catequistas católicos pensaram haver
suplantado, assim se expressou Roger
Bastide : -"Se excluir a região do
Maranhão, onde o (negro) Daomeano
dominou, todo o Norte do Brasil, da
Amazônia às fronteiras de Pernambuco
será domínio do índio. Foi ele que
marcou, com profunda influência, a
religião popular: "Pajelança" no Pará e
Amazônia; "Encantamento" no Piauí;
"Catimbó" nas demais regiões."-
Podemos acrescentar que o mesmo se
deu, inicialmente, por toda a parte,
como por exemplo no Estado de São
Paulo, onde brancos, indígenas e seus
mestiços tiveram estreita convivência
e miscigenação, ao ponto da língua
Tupi aí predominar sobre a
Portuguesa, até os meados do século
XVIII.

A Santidade

Assim, já nos primórdios da


Colonização, aparece o fenômeno
espiritual sincrético da Santidade,
reprimido pela Inquisição Católica há
menos de cem anos da data do
"descobrimento" ("Primeira Visitação
do Santo Ofício - Confissões da Bahia"
- 1591 / 1592).
A "Santidade" era um movimento
messiânico de caráter nitidamente
indígena, baseado no ressentimento
contra os brancos invasores, fazendo
uso de um Catolicismo mal
compreendido e digerido do qual
adotaram a construção de "igrejas';
um simulacro de "batismo"; chefes
masculinos e femininos mestiços
denominando-se por "Pai" e "Mãe de
Deus"; uso de procissões, rosários e
cruzes.
Isto tudo de mistura com valores da
cultura indígena, como a poligamia;
cantos e danças indígenas; uso da
bebida alucinógena feita com a raiz da
árvore Jurema; mas cujo ponto
principal ainda era o uso do Tabaco
como "erva sagrada", tradicionalmente
insuflado nas narinas do oficiante, na
forma de pó torrado das folhas secas
(rapé) até que ocorresse o transe
místico, o qual era chamado,
precisamente, de Espírito de
Santidade.
Combatido pela Inquisição Católica, a
Santidade foi-se extinguindo e a
religiosidade indígena, nas gerações
mestiças de algum tempo depois,
perdurou no Toré e na Pajelança, os
quais reviviam sobretudo os antigos
rituais indígenas dos antepassados e
os de cura.

O Encantamento

Foi sobretudo do sincretismo da


Pajelança com a catequese católica
que originou-se o culto dos Caboclos
Encantados, espíritos de mestiços
indígenas mais ou menos
cristianizados que faziam
externamente as vezes dos "santos"
católicos, mas que ainda cumpriam
uma função social para a coletividade
mestiça indígena, adotando a divisão
tribal em clãs - os "Filhos do Sol" e os
"Filhos da Lua" - e que, embora ainda
usasse a fumaça do Tabaco, dava
maior ênfase à ingestão de uma
bebida de feita com a infusão da raiz
da árvore Jurema para obtenção do
transe mediúnico, o qual era
acompanhado por cantos indígenas
deturpados, falados ou cantados em
língua portuguesa corrompida.
Em continuidade no tempo, foi da
fusão destes novos cultos de Caboclos
Encantados com os primeiros aportes
isolados da religiosidade dos negros
Bantus, quase sempre escravos
fugitivos que encontraram guarida e
proteção na Pajelança e no culto dos
Encantados, que esboçou-se o Culto
do Catimbó, mas no qual, agora, as
cerimônias perdiam o sentido de
função social da coletividade para
transformarem-se em cultos
individuais de satisfação de
necessidades pessoais quer de índios,
negros ou mestiços, ainda que de
natureza espiritual ou curativa.
Exemplificando a mudança de tais
funções, ouça-se o triste depoimento
de um velho Pajé, de nome Tarcuáa,
que assim se lamentou com um
pesquisador : -" Hoje não há mais
Pajés; somos todos Curandeiros"-
(Roger Bastide, "apud" Câmara
Cascudo, em "Novos Estudos sobre o
Catimbó", Brasiliensis, pg. 89).
Usando uma mitologia e ritualismo
indígena bem empobrecidos, os
"altares" do Catimbó representam a
perda de valores iniciáticos dos
indígenas brasileiros, que passam a
ser substituídos pela miscigenação
religiosa e apresentam, lado a lado,
estampas e estátuas de santos
católicos, charutos, aguardente,
pequenos arcos e flechas, flautas e
chocalhos indígenas, além de ervas e
animais secos, objetos que são
portadores dos poderes da Benção
católica e da força mística indígena
Mana, pois que a força da realização
mística africana Axé ainda não havia
chegado definitivamente ao Brasil.
Mas, embora tenham abandonado o
Tabaco para obtenção do transe
místico, ainda existia a lembrança de
seu uso ancestral como "erva sagrada"
: nos altares do Catimbó estava a
Princesa, uma cuia de cobre ou
vasilhame raso de barro, a qual
sempre repousava sobre um rolo de
fumo, cercado por um pano branco
que nunca tinha sido ou seria usado
para outra finalidade, como a atestar
sua pureza ou Santidade.
A "Princesa" constituía-se na ligação
com o passado indígena, pois era nela
que era moída e infusa a raiz da
Jurema, a bebida levemente
alucinógena que então induzia a
descida dos "espíritos" invocados para
provocar o transe mediúnico, ainda
chamado de Estado de Santidade.
Entretanto, este Catimbó já
prenunciava a futura Umbanda,
apresentando-se dividido em Sete (7)
Reinos Espirituais : Vajucá, Tigre,
Canindé, Urubá, Juremal, Josafá e
Fundo do Mar. Seus principais
Espíritos-Chefes são índios : Itapuã,
Xaramundy, Mussurana, Iracema,
Turuatã, as "Moças d'água" ou "Yaras"
e, também, muito mais tarde, alguns
"espíritos" isolados de "catimbozeiros"
de descendência africana.
Pois, como já dissemos, foi para esta
religião basicamente indígena mas já
miscigenada com elementos católicos
que entrou o Negro ou o seu
descendente no Nordeste,
especialmente se eles eram de origem
Bantu, por encontrar na Pajelança e
no Catimbó cerimônias até certo ponto
bem análogas às de seus
antepassados africanos.
Os negros bantos-congoleses
aceitaram esta nova religião,
sobretudo, em termos de "culto aos
mortos", pois os Pajés e os
Catimbozeiros, através dos Maracás e
das Cunhãs, dos Encantados, do
Tabaco e da Jurema, quiçá agora da
Diamba introduzida pelos africanos,
comunicavam-se com o Além, ou seja,
o lugar místico e/ou mítico em que os
brancos, os índios, os negros e os
mestiços de todos, igualmente
situavam a existência de seus
antepassados.
Sobre isso, diz-nos Roger Bastide
(1971) : -"O bantu, passando à
América, deixou atrás de si, além de
seu território, os espíritos que o
povoavam ... E chegando a uma nova
terra que estava, ela também povoada
de espíritos, devia ao mesmo tempo
que era obrigado a aceitar o novo
território em que devia viver, aceitar
também forçosamente o seu duplo
espiritual. Que as coisa assim se
passaram, não quero por testemunho
senão às próprias afirmações dos
Negros do Catimbó : Agora somos
brasileiros. Devemos adorar os deuses
da nova pátria."-
Assim, primeiramente, desde a
"importação" dos primeiros
contingentes de negros Bantus,
Congoleses e Angolenses nos séculos
subseqüentes da colonização européia,
os indivíduos que conseguiam, de uma
forma ou de outra, escapar à
escravidão, sobretudo na área rural,
ingressavam no Catimbó, até por ser
ele praticamente a única opção
existente. Nasceram assim, de acordo
com a maior ou menor negritude de
seus participantes, as variações de
cultos miscigenados indígenas-
cristãos-africanos, tais como o Tambor
de Minas, o Babaçuê e o Batuque.

O Candomblé

Depois, à medida que mais e mais


negros de origem Bantu, Congo e
Angola alforriavam-se e reagrupavam-
se na periferia das maiores cidades da
época, eles mantiveram as partes dos
rituais de seus antepassados que
conseguiam por em prática dentro dos
limites estreitos da escravidão, criando
os primeiros Candomblés, que é uma
palavra de origem Bantu e não Iorubá,
significando no Brasil, "instrumento de
percussão" e/ou "lugar de danças de
negros" e, por extensão, "lugar de
terra batida" ou "terreiro" onde
praticavam seus cultos religiosos, os
quais, sob a forma de cantos e danças
- o Batuque - eram permitidos e até
incentivados pelas autoridades como
forma de atiçar, assim pensavam elas,
as velhas rivalidades tribais existentes
desde a áfrica.
Mas, ao contrário desta suposição das
autoridades, desde os seus
primórdios, estes Candomblés
incorporaram muitos do Catimbós
mais africanizados, levando assim
para o seu interior o sincretismo
religioso católico-indígena que já se
revelara útil como artifício de
camuflagem para a celebração pública
de suas reais práticas religiosas.
Tornaram-se, também, as sementes
do futuro Candomblé de Nação que
surgiria mais tarde, pois, a partir do
início do século XIX, quando a entrada
maciça e em curto período de tempo
de negros de origem sudanesa na
Bahia e no Rio de Janeiro, suplantando
todas as outras etnias, começou a
crescer e evidenciar-se o prestígio
ritualístico e litúrgico dos cultos
religiosos sudaneses Iorubás ou
Nàgôs, os quais interpenetraram e
reinterpretaram os existentes
Candomblés de origem Bantu e,
finalmente, impuseram-se, nas regiões
próximas às cidades de Salvador (BA),
Recife (PE) e Rio de Janeiro (DF) , por
sobre todas as formas de culto em que
participassem majoritariamente o
Negro e seus descendentes.

O Candomblé de Nação

Que assim se passou, diz-nos Pierre


Verger (1971) : -"A palavra
Candomblé, que designa na Bahia as
religiões africanas em geral é de
origem Bantu. é provável que as
influências das religiões vindas de
regiões da áfrica situadas nas
imediações do Equador não se limitem
apenas ao nome das cerimônias, mas
tenham dado aos cultos gêges e
nàgôs, na Bahia, uma forma que os
diferencia, em certos pontos, dessas
mesmas manifestações na áfrica."-
E já no final do século XIX, os cultos
de origens Nações Bantu, Congo e
Angola e, também, os cultos de
origens indígenas, nas regiões da
Bahia e Pernambuco, estavam
submetidos às normas ritualísticas do
Candomblé de Nação Sudanesa, mas
não especificamente no restante do
país, pois que esta Nação Sudanesa
conseguia revigorar sua crença
através do animado tráfego comercial
marítimo que se criou entre Salvador
(Brasil) e Lagos (Nigéria) no início do
século XIX.
Assim, passada a necessidade do
sincretismo religioso para sua
sobrevivência, os Candomblés de
Nação Sudanesa começam a reverter
tal tendência simbiótica ao fecharem
questão sobre a primazia de suas
raízes étnicas sobre todas as outras,
tornando-se uma religião exclusiva de
um grupo étnico negro definido, isto é,
sudanês, mesmo quando praticado por
negros de outras etnias, brancos,
índios e mestiços de todos os matizes,
tornando-se finalmente a celebração
da memória coletiva africana sudanesa
em solo brasileiro e hoje rejeitam com
veemência o sincretismo religioso que
outrora praticaram para sobreviver.

O Omôlocô

Como resultado desta inconteste


hegemonia Sudanesa (Ijêxá, Kêtu,
Òyó, Ifé e Benin - enfim, Nàgô) e sua
posterior rejeição às outras correntes
religiosas negras, surgiram os
Candomblé de Nação Bantu e Angola
que, por sua vez, expeliram de seu
meio o elemento indígena que veio
então a dar origem ao Candomblé de
Caboclo e ao Omôlocô.
E, nestes, continuaria vivo o
sincretismo religioso dos ritos
indígenas-católicos com o Panteão
Africano e ao lado de Oxalá,
pontificam Tupã e Zambi; ao lado de
Yemanjá, estão Janaína e as Yaras; ao
lado de Ogum, combatem Cariri e o
Boaiadeiro; ao lado de Oxosse, corre o
Sultão das Matas; ao lado de Exú,
reinam o Caipora e Zé Pelintra, junto
aos Baba Egun e a Falange do Oriente,
estão os Caboclos Tupinambá,
Tupiara, Jaú, Irerê, Pedra Negra, Pena
Branca, Seô Quatro Olho e muitos
outros mais.

A Macumba

Mas, infelizmente, no rastro desse


reflorescimento espiritual negro e
ameríndio, existiu no Norte, Nordeste,
Sudeste e Centro Sul uma massa
nacional de milhares de outros
agrupamentos religiosos sincretizados
e miscigenados que - empobrecidos
pelo processo crescente de
urbanização e carestia, desvinculados
de suas raízes regionais pela migração
interna, depauperados pelo
desemprego e subemprego de seus
fiéis - eram incapazes de sustentar as
grandes despesas dos ritos segundo
os moldes sudaneses, e, então,
romperam com a prática dos preceitos
e laços étnicos anteriormente
definidos e, desse conjunto de
circunstâncias socialmente novas,
adversas e confusas, paralelamente a
aqueles outros cultos já citados, surgiu
a Macumba, denominação genérica e
popular para designar a confusa
mistura de muitos ritos e práticas de
origem católica, indígena e negra
assim gerados.
E a Macumba acabou por alcançar a
periferia das maiores cidades do país,
levada pela grande massa de
trabalhadores migrantes, ex-escravos
que se viram sem trabalho, terras ou
ofícios quando a escravidão foi abolida
em 1889 no Brasil. E, especialmente
no Rio de Janeiro, antiga capital
federal, a Macumba passou ser
praticada pelas camadas mais pobres
e marginalizadas que a sociedade
brasileira já havia conhecido mesmo
durante a escravidão.

O Espiritismo Kardecista

Mas, já desde de 1873, o primeiro


Movimento Espírita organizado no
Brasil, sempre no predestinado Rio de
Janeiro, denominado Sociedade de
Estudo Espírita do Grupo Confúcio,
seguindo a tradição francesa do
Kardecismo, começara a agir junto à
essa camada mais desvalida da
população, seguindo as instruções de
seu preceito espiritual principal de que
"Não existe Espiritismo sem a
Caridade", enfatizando a figura do
"médium" como um "curador" e
desenvolvendo "sessões" de cura pela
Fé nos Espíritos, mas apoiando-se nos
tratamentos de saúde por
Homeopatia.
Ora, como na Macumba também havia
espíritos, médiuns curadores,
conhecimentos do poder curativo das
ervas e muita necessidade da
Caridade, a empatia espiritual com o
Kardecismo foi imediata, persistente e
duradoura e ele começou a fornecer à
Macumba uma nova estrutura, não de
sincretismo mas de sintetismo,
incluindo o Evangelho, segundo Allan
Kardec. Nascia, assim, no Rio de
Janeiro, a Macumba Urbana.
Após 1890, quando imigração
européia para o Brasil foi incentivada e
sistematizada, trazendo para os
campos brasileiros levas e mais levas
de trabalhadores brancos
empobrecidos, mas não
necessariamente despreparados e
incultos, a maioria deles desiludiram-
se com a diferença entre as condições
de trabalho oferecidas e as que
tiveram que enfrentar nas lavouras de
café e cana de açúcar dos campos do
país, e, assim, migraram para as
cidades maiores aonde tiveram que se
ajeitar como puderam junto à camada
pobre das populações locais.
Como também eles estivessem
necessitados de Caridade, muitos
foram os que procuraram socorro e
consolo espiritual junto as Macumbas
Urbanas interpenetradas pela
Evangelização Espírita. E, com o
passar do tempo, foi significativa a
parcela desses imigrantes, sobre tudo
de intelectuais, que neles
permaneceram, militaram e até
acabaram por dirigir, emprestando-
lhes significativa organização social,
cultural e, por muitas vezes, até
política.

E Finalmente a Umbanda.

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