Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Transformações do Olhar:
Perspectivas Ibéricas sobre
Literatura Infantil e Educação
Intercultural
1
EDIÇÃO E PROPRIEDADE
Escola Superior de Educação de Castelo Branco
DIRECTORA
Maria da Natividade Pires
COORDENAÇÃO
Margarida Morgado, Maria da Natividade Pires
Conselho Editorial
Margarida Morgado, Maria da Natividade Pires, Eloy Martos Núñes, Ângela Balça, Paulo Costa.
APOIO À EDIÇÃO
Serviços Editoriais e de Publicação do IPCB
produção
Serviços Editoriais e de Publicação do IPC
Capa
Tomás Monteiro
Execução Gráfica
Serviços Editoriais e de Publicação do IPCB
Revisão de texto
Margarida Morgado
Impressão
IPCB
Tiragem
120 exemplares e edição em linha
Periodicidade
Número especial
Preço
Portugal: 7,5 euros + 2 euros para portes de correio;
Para outros países: 7,5 euros + portes de correio; Avulso: 4 euros
2
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
ÍNDICE
Introdução 5
Sobre os autores 11
I RUMOS E POLÍTICAS 15
4
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Introdução
5
Introdução
objectivo reflectir sobre leitura, literatura Infantil, interculturalidade e políticas culturais a elas
associadas. O Colóquio contou a presença do Comissário Nacional do Plano Nacional de Leitura
Português, Professor Fernando Pinto do Amaral, e com a presença do Professor Eduardo Marçal
Grilo, que, como representante de um dos principais organismos ligados à promoção da Cultura
em Portugal, a Fundação Calouste Gulbenkian, enriqueceram, entre outros participantes cujos
textos não constam desta publicação, a dimensão de reflexão global desenvolvida.
Dava-se, nesse Colóquio especial ênfase ao facto de ler ser uma competência fundamental
dos tempos modernos sob pressão de novos modos e meios e à questão de a literacia multimédia
exigida às sociedades do conhecimento e da informação ser substancialmente diferente da litera-
cia Guttenberguiana, baseada no livro, e na primazia da palavra. As representações do que é ler
e do que define a própria literatura infantil exige de educadores e outros agentes culturais novas
políticas de actuação e uma atenção constante a novas “divisões” e “clivagens” que podem surgir
na concorrência do audiovisual com o tempo dedicado à leitura ou entre os que podem aceder a
computadores e à Internet e os que não o podem fazer.
Os artigos aqui reunidos são versões escritas de comunicações apresentadas, com revisão
entre pares, embora tenha sido nossa opção imprimir-lhes uma dimensão que extravasasse a co-
lecção de comunicações em actas para organizar uma colecção de artigos que aporta contributos
ibéricos, em português e em castelhano, para o tema de Literatura Infantil e Interculturalidade.
Este é um tema que pensamos pertinente para as sociedades actuais, a braços com transforma-
ções sociais e económicas profundas, porque permite pensar o contributo da literatura infantil e
juvenil para a sua compreensão. A literatura infantil e juvenil pode e deve ser encarada como mais
um material educativo de estimulação cognitiva e comportamental dos jovens, tanto mais neces-
sária quanto mais rápidas e radicais são as transformações sociais e a necessidade de operar em
sociedades multiculturais e em contextos marcados pela heterogeneidade cultural.
O volume divide-se em 3 partes: uma primeira parte, Rumos e Políticas, visa cobrir de
forma abrangente e de diversas perspectivas, mais ligadas a políticas culturais, a literatura infantil e
interculturalidade. Nela se incluem os artigos de Margarida Morgado, Literatura infantil e intercultu-
ralidade: ‘preparar os leitores para a vida’, que propõe algumas pistas de reflexão sobre como a lite-
ratura infantil pode preparar os jovens e as crianças para a vida, no sentido de lhes oferecer exemplos
6
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
de práticas culturais que lhes permitem melhor entender a ambiguidade de sentidos, valores e pontos
de vista plurais, a incerteza e a ansiedade que parecem dominar contextos sociais actuais.
O segundo artigo desta parte, de Isabel Tejerina Lobo, intitulado Literatura Infantil y Ju-
venil en el Desafio Intercultural, liga educação intercultural à educação para o desenvolvimento,
argumentando que a literatura pode e deve formar para valores fundamentais e para a ética por
intermédio da sedução estética.
O artigo de Santiago Yubero, Elisa Larrañaga y Sandra Sánchez intitula-se El Valor de
la Lectura y su Relación com los Hábitos Lectores y el Éxito Escolar en Niños Inmigrantes é o
terceiro artigo da primeira parte. Nele os autores abordam questões de insucesso escolar ligadas
à presença de crianças imigrantes nas escolas de Espanha e fazem-no recorrendo a um inquérito
sobre hábitos de leitura, passado a 1.669 alunos dos três últimos anos do ensino básico. Os autores
concluem que quanto mais cedo e melhor se integrem os jovens filhos de imigrantes na escola,
tanto melhor será o seu rendimento escolar e a sua participação no mercado laboral.
O artigo de Ángel Suárez Muñoz e Mª José Godoy Merino, Análisis de los Planes de Fo-
mento de la lectura de España y de la Comunidad Autónoma de Extremadura examina as diversas
actividades desenvolvidas no quadro de planos nacionais de promoção da leitura em Espanha.
O artigo de Eloy Martos Núñez, Fracturas del Espacio en los Mitos y las Lecturas Fantás-
ticas transporta o leitor para espaços narrativos, mitos e formas de representação cultural que
atravessam espaço e tempo e assim vão dando forma às ansiedades e medos de vários contextos
sociais. O artigo sublinha como realidade e experiência dependem tantas vezes de representações
em lendas urbanas. Os mitos são formas de leitura entrelinhas da realidade e formas de represen-
tação totalizadoras e dogmáticas, com características arquetípicas e exemplares, defende o autor.
A primeira parte encerra com a perspectiva histórica de Ernesto Candeias Martins, A
Outra Educação da Infância Sem Voz Expressa na Literatura (séc. XIX-XX), um artigo que se de-
bruça sobre imagens de criança na transição do século XIX para o XX, de forma a recordar-nos
que a literatura infantil e juvenil se encontra sempre profundamente enredada com concepções de
“criança” e “jovem” contextualmente situadas.
A segunda parte, reúne, sob o título genérico de Na Sala de Aula, os contributos de An-
tónio Mula Franco, Ramón Llorens Garcia e José Rovira Collado num artigo intitulado Lectura y
7
TIC en el Aula, que, com grande pertinência e actualidade confronta as novas dinâmicas da Web.2
ou redes sociais com a leitura para explorar possibiliades de interacção. O artigo apresenta uma
série de iniciativas de interacção cibernética com a literatura infantil e juvenil.
Mª da Natividade Pires, Cristina Pereira, Gabriela Nunes e Helena Mesquita escrevem
sobre Promoção da Leitura em Crianças com Défice Cognitivo, reportando-se a um projecto de
intervenção desenvolvido em espaço de educação não formal com crianças com necessidades edu-
cativas especiais. Este projecto insere-se nos objectivos do Plano Nacional de Leitura Português
e descreve as actividades de um Clube/ Ateliê de Leitura com crianças e adolescentes com défice
cognitivo, as suas interacções, dificuldades e metodologias.
O terceiro e último artigo desta secção é de Mº Isabel Alférez Valero e intitula-se Educaci-
ón Literaria y diversidad cultural en la enseñanza secundaria. O artigo descreve uma experiência
de educação literária de alunos em escolas básicas e secundárias situadas em El Ejido, uma zona
com elevada percentagem de população imigrante e salienta as clivagens entre legislação e direc-
trizes gerais e as adaptações necessárias para práticas educativas situadas.
A terceira parte deste volume, intitulada Leituras da interculturalidade na literatura
infantil e juvenil, começa por apresentar um estudo sobre o Brasil, pela mão de Ângela Balça,
Olga Magalhães e Paulo Costa: Visto de Lá: a Corte Portuguesa no Brasil Contada aos Mais Novos.
O artigo descentra olhares portugueses para um texto de um autor brasileiro, Laurentino Gomes,
e da artista plástica Rita Bromberg Brugger para apresentar o “nascimento do Brasil” e figuras
históricas da corte portuguesa de uma perspectiva transatlântica. “De um lado, uma monarquia
europeia, envergando casacos de veludo, sapatos afivelados, meias de seda, perucas e galardões,
roupas pesadas e escuras
Do outro lado, estava uma cidade colonial (o Rio de Janeiro) e quase
africana, com dois terços da população formada por negros, mestiços e mulatos semidespidos e
descalços”.
Carina Rodrigues, em Identidades Permeáveis na Literatura Para a Infância: A Apologia
da Diferença na Obra de Manuela Bacelar desvela representações e práticas de diversidade cultu-
ral na obra da autora e ilustradora portuguesa Manuela Bacelar em torno de questões de multicul-
turalismo, diálogo intercultural e diferenças nos modelos familiares/parentais.
Tiago Anselmo aborda o tema da viagem na sua plurissignificação no contexto da inter-
8
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
9
10
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Sobre os Autores
Margarida Morgado
Instituto Politécnico de Castelo Branco. Escola Superior de Educação. Portugal.
Endereço de contacto:
Escola Superior de Educação
Rua Prof. Dr. Faria de Vasconcelos
6000-140 CASTELO BRANCO
marg.morgado@ese.ipcb.pt
11
Ernesto Candeias Martins
Instituto Politécnico de Castelo Branco. Escola Superior de Educação. Portugal.
Endereço de contacto:
Escola Superior de Educação
Rua Prof. Dr. Faria de Vasconcelos
6000-140 CASTELO BRANCO
12
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Carina Rodrigues
Universidade de Aveiro / Bolseiro FCT. Portugal.
Endereço de contacto:
Carina Rodrigues
Rua da Carvalheira, 37
Sepins – 3060-538
Cantanhede
e-mail: a36807@ua.pt
Tiago Anselmo
Instituto Politécnico de Castelo Branco. Escola Superior de Educação. Portugal.
Bolseiro FCT.
Olga Gordino
Instituto Politécnico de Castelo Branco. Escola Superior de Educação. Portugal.
Bolseiro FCT.
13
14
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
I Rumos e Políticas
15
16
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMO
Utilizando uma proposta de Zygmunt Bauman so- sociadas a qualquer representação. Apresenta reflexões de
bre o que deve ser a educação em sociedades multiculturais autores, como Mingshui Cai, sobre a utilização de ‘literatura
– preparar para a vida –, no contexto de grande ambiguidade multicultural’ para representar as sociedades actuais, as suas
de sentidos, valores e pontos de vista plurais, de incerteza e tónicas, modos preferidos de representação, bem como impli-
ansiedade, o artigo apresenta um conjunto de reflexões sobre cações e limites. Por último, salienta-se o modelo de ‘leitura
a utilização da literatura infantil para a promoção da educação (muticultural) crítica’ proposto por diversos autores e, em par-
intercultural. Defende que a literatura infantil deve ser enten- ticular Botelho e Rudman, como prática de promoção da inter-
dida no contexto histórico e sociocultural em que é produzida culturalidade a partir da literatura infantil.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do projecto IME/CED/81881/2006, financiado pela FCT.
17
Literatura Infantil e Interculturalidade: “Preparar os Leitores para a Vida”
muitas vozes que falam directamente ao intelecto de leitores sobre muitas coisas, de forma varia-
da. A formulação ‘pode ser’ aponta o potencial da literatura infantil, mas também a necessidade
da sua concretização através de práticas de selecção de materiais e de leitura que acompanham a
definição de educação intercultural.
Considerar a literatura como fonte de diversidade cultural não constitui um exercício de
imaginação difícil. Contudo, em “Outside the Whale” (1992: 92), Salman Rushdie reforça a ideia
de que há-de entender-se a literatura como firmemente plantada na história. “Para cada texto, um
contexto,” escreve ele. Toda a obra de arte, seja ela de entretenimento ou considerada de ordem
superior, emerge de um contexto social e político e de uma sociedade a que responde de forma
estética e ética.
Alargando este modo de pensar a literatura ao subsistema literário infantil pressupõe que
não se isolem os textos em torres de marfim ou se confine a ‘literatura infantil’ aos ‘jardins mura-
dos’, refúgios ou esconderijos da infância em relação ao mundo adulto. Toda a obra de literatura
infantil ocupa um espaço político e social, representa e configura relações sociais e culturais de
poder e não pode ser separada quer da política quer da história.
Este tem sido um modo de trabalhar e reflectir sobre literatura infantil em contexto in-
ternacional que tem produzido novas perspectivas sobre a relevância da literatura infantil como
modo de preparar as crianças e os jovens para a vida em sociedades radicalmente transformadas,
multiculturais, organizadas em redes globalizadas, cada vez mais interdependentes e simultanea-
mente abertas para a tomada de consciência dos seus próprios modos específicos de se organizar.
Em estudos internacionais recentes (Botelho & Rudman, 2009; Tejerina, 2008; Bradford, 2001;
Müller, 2001; ou McGillis, 1999), centrados em direitos culturais dos habitantes pré-colonização
europeia (na Austrália, EUA e Canadá) ou de comunidades imigrantes na Europa, bem como em
questões de direitos universais, relações de poder e representação/ representatividade, são abor-
dadas questões contemporâneas de multi-etnicidade, minorias e migrações em relação com a li-
teratura infantil. Todos estes estudos comprovam o potencial educativo da literatura infantil para
a promoção do diálogo intercultural, para o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o
mundo e para a promoção educativa tanto da tolerância em relação aos que são percebidos como
diferentes como de solidariedade para com os que sofrem qualquer tipo de marginalização ou es-
quecimento nas sociedades contemporâneas.
18
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
No presente artigo propomos uma reflexão sobre como melhor utilizar a diversidade cul-
tural presente na literatura infantil e o seu modo de configurar a realidade do presente para
promover a interculturalidade e preparar, pela leitura, os jovens para a vida. Começaremos por
reflectir sobre os critérios de selecção de literatura infantil para este fim, analisaremos algumas
práticas de literatura infantil e educação intercultural e proporemos um modelo de leitura crítica
como forma de activar sentidos úteis ao entendimento da interculturalidade.
‘Preparar para a vida’ – essa tarefa perene e invariável de toda a educação – tem
de significar acima de tudo a capacidade para viver quotidianamente em paz com a
incerteza e a ambivalência, com uma variedade de pontos de vista e com a ausência
de autoridades que nunca erram ou são de total confiança; tem de significar instigar
a tolerância da diferença e a vontade de respeitar o direito à diferença; tem de signi-
ficar fortalecer as faculdades críticas e de auto-crítica e a coragem necessárias para
assumir as responsabilidades das escolhas de cada um e as suas consequências; tem
de significar treinar a capacidade para ‘mudar as estruturas’ e resistir à tentação de
19
Literatura Infantil e Interculturalidade: “Preparar os Leitores para a Vida”
Segundo Bauman chegámos a uma sociedade onde há lugar para a transformação – o que
causa simultaneamente alegria e ansiedade. Chegámos a um espaço de escolhas com consequên-
cias porque não existem caminhos pré-determinados.
O excerto supra-citado de Bauman indica alguns rumos de orientação da literatura in-
fantil: a representação de incerteza e de ambivalência; a representação de vários pontos de vista
igualmente válidos; a representação da tolerância da diferença e do direito à diferença; o desen-
volvimento de faculdades de auto-crítica e de hetero-crítica; a coragem para defender pontos de
vista e interpretações próprios e para arcar com as consequências das ideias que se defendem.
Podemos transformar também o nosso entendimento da literatura infantil e colocá-la, no quadro
dos princípios de qualidade e rigor de representação, numa posição central de compreensão das
transformações do mundo envolvente à escala local, nacional e global.
A questão central está em como proceder.
De início importa considerar um modelo de reflexão sobre a literatura infantil e intercul-
turalidade assente em três vértices: literatura infantil, educação e sociedades multiculturais
(Figura 1). Os três vértices do triângulo descrevem as complexidades de relação entre a literatura
infantil – enquanto polissistema literário, dirigido simultaneamente a adultos e crianças, regido por
constrangimentos do que pode ser escrito ou ser aceite e pela divisão em textos canónicos e não
canonizados (Shavit 2003) – com as instituições educativas. Estas consideram a leitura de crianças
crucial para o seu desenvolvimento cognitivo e para o seu bem-estar social e psicológico. Seleccio-
nam textos para essa finalidade e filtram o polissistema literário em função do que é apropriado e
útil e das percepções que se têm do que a criança é capaz de ler e compreender. O terceiro vértice
do triângulo refere as novas condições multiculturais de vida em sociedade, com as suas tensões
e conflitos sobre acesso à representação e com as suas novas paisagens sociais, culturais e mediá-
ticas. Engloba também a existência de valores em contradição, a entrada em cena de crianças de
outras culturas, com desejável igual estatuto às das crianças dos grupos culturais dominantes, que
ameaçam a estabilidade do conceito de ‘infância’ e de ‘produtos culturais para crianças’.
20
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Educação
Literatura
infantil Intercultural
Sociedades
multiculturais
Convém não perder de vista que a literatura infantil constitui uma esfera cultural sob
apertada vigilância quando é convocada, em contextos educativos, para reflectir sobre a socieda-
de. Geralmente os argumentos rondam o que constitui matéria de leitura apropriada para a crian-
ça, mas frequentemente impõem-se os limites do que se deve incluir ou excluir. Dada a vastidão
de temas, quase que se poderia afirmar que não há literatura infantil que não seja multicultural.
Qualquer livro abre sempre uma perspectiva sobre um outro modo de vida.
Mingshui Cai em Multicultural Literature for Children and Young Adults: Reflections on
21
Literatura Infantil e Interculturalidade: “Preparar os Leitores para a Vida”
critical issues (2002) propõe uma distinção entre literatura multicultural de uma perspectiva lite-
rária e literatura multicultural de uma perspectiva pedagógica. A literatura multicultural, de
uma perspectiva literária, serão os livros com conteúdos multiculturais quando eles se referem
explicitamente a sociedades multiculturais ou quando representam a interacção entre culturas e
também quando usam a língua da cultura dominante para descreverem realidades de outras cul-
turas que assim se tornam acessíveis à cultura dominante.
De uma outra perspectiva, mais pedagógica do que literária, a literatura multicultural
será um conjunto de obras que são utilizadas para desestabilizar a cultura dominante e para cor-
rigir os cânones do que deve ser lido. Não é o conteúdo dos livros em si que é multicultural, mas o
facto de eles poderem ser utilizados para diversificar um cânone de livros ou representar culturas
que estão postas de parte numa determinada cultura que os torna multiculturais (Cai, 2002:4).
Para McGillis (1999:xxv), no entanto, o multicultural estará presente nos livros para crianças e
jovens quando eles procuram lidar com sensibilidade e rigor com culturas diferentes da cultura
anglo-europeia dominante. Ou quando a literatura infantil resiste tanto à hegemonia dos mercados
anglo-europeus como à aceitação de padrões universais de modos de estar e de pensar (McGillis,
1999:xxvi) e combina culturas diversas sem apagar nenhuma delas.
Numa das muitas sub-classificações que poderíamos citar, Sims (1982 cit in Cai, 2002:20-
21), ao analisar um conjunto de obras de literatura infantil americana de conteúdo étnico (repre-
sentação do ‘outro’ afro-americano) inventaria três tipos de obras: as que promovem a cons-
ciência social de crianças brancas sobre as experiências de afro-americanos e as alertam para
as injustiças, desigualdades, conflitos e discriminação que os afro-americanos sentem; são livros
geralmente escritos de uma perspectiva etnocêntrica que tornam exótica e diferente a experiência
afro-americana. A segunda categoria, de livros ‘melting pot’ (caldeirão de misturas), inclui os
livros que diluem a experiência social afro-americana sob a capa de uma noção de universalidade
humana; a única diferença visual é a da cor da pele que geralmente não é usada como argumento
sobre o racismo. A terceira categoria, de livros culturalmente sensíveis, engloba os que se cen-
tram exclusivamente na experiência afro-americana, da sua própria perspectiva, usando protago-
nistas, temas e motivos afro-americanos. Haverá ainda livros culturalmente neutros que usam
crianças afro-americanas apenas por motivos decorativos no contexto de actividades diversas.
22
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Este é um tipo de classificação por conteúdo e leitor implícito que se baseia em três per-
guntas simples:
No entanto, Cai (2002: 25-8) refere ainda outros modos possíveis de classificar a litera-
tura multicultural, por exemplo, em função da parte geográfica que os livros representam. No
quadro desta classificação, Cai menciona uma subcategoria de ‘cross-cultural literature’ (li-
teratura trans-cultural) que ele define como aquela que apresenta relações de pessoas entre
culturas ou de autores que representam uma outra cultura. São obras que geralmente contrastam
modos de estar e de ser, que podem representar tensões e conflitos inter-étnicos e outros, mas
que, na literatura infantil, geralmente sublinham a humanidade comum a expensas da diferença.
Segundo Cai (2002: 5-6), a controvérsia surge sobretudo da segunda acepção de literatu-
ra multicultural que é pedagógica porque ela se baseia em noções de inclusão e de exclusão, na
oposição de cultura dominante e culturas minoritárias e em noções de discriminação de género,
etnia ou raça, língua, cultura, poder socioeconómico, ou religião. Até que ponto é legítimo incluir
todos os grupos minoritários e quem tem legitimidade para o fazer são duas questões que se levan-
tam entre os educadores. São estes livros que geralmente se abordam quando se pretende tratar
de questões de representação do Outro.
Quando a questão é colocada em termos teóricos, ela não antecipa as reacções das pes-
soas envolvidas nos contextos pedagógicos, professores, auxiliares educativos, pais e alunos. O
próprio Cai (2002: 67-9) alerta para estes aspectos ao relatar o caso da professora branca bem-
-intencionada que decide levar um livro para a sala de aula sobre uma menina afro-americana
cujo cabelo encarapinhado é elogiado e celebrado. Pensando estar a utilizar uma estratégia de
integração e a desocultar um estereótipo, vai ver-se forçada a abandonar a escola por causa de
manifestações de grupos afro-americanos que não lhe reconhecem a autoridade para tratar do
assunto na sala de aula.
23
Literatura Infantil e Interculturalidade: “Preparar os Leitores para a Vida”
O incidente crítico relatado, que envolve a escola, a comunidade e o livro infantil, tem a
grande virtude de chamar a atenção para que a leitura e o diálogo sobre questões interculturais
extravasa os muros da escola para a sociedade nos dois sentidos e encontra-se enredada em polí-
ticas culturais de representação e de poder que carecem de uma análise e tratamento cuidadosos
e informados.
No entanto, esta ‘renovação’ de enfoque em obras de literatura infantil que poderia levar
os educadores, professores e críticos a seleccionar as obras que melhor se adequariam à repre-
sentação das condições sociais e políticas da contemporaneidade, não é, por si só garante de
promoção da educação intercultural. A razão essencial prende-se com o carácter inerentemente
conservador e dado à auto-perpetuação de modelos conhecidos da literatura infantil. Como ar-
gumenta Zohar Shavit (2003: 98-103), a literatura infantil tem uma forte tendência para a auto-
-perpetuação, devido a uma série de constrangimentos dos autores de literatura infantil: têm de
agradar tanto a adultos como a crianças e têm de responder a um sistema que aceita o que é
conhecido e mostra relutância para aceitar novos modelos.
Em primeiro lugar, porque em sociedades multiculturais contemporâneas, em acelerada
transformação, os modelos de comportamento social inovador apresentados pela literatura infantil
dificilmente servem as visões do mundo de leitores, cujo acesso à informação se pauta hoje por
outros média como a televisão e a internet e a possibilidade de criar avatares nas redes sociais ci-
bernéticas. As sociedades globalizadas, heterogéneas, líquidas (segundo o sociólogo Zygmunt Bau-
man) e móveis produzem identidades culturais muito individualizadas, às quais a literatura infantil
responde com dificuldade, em princípio, devido à sua própria condição de ‘literatura infantil’.
Em segundo lugar, porque não basta alterar superficialmente as personagens ou incluir
uma diversidade de situações geográficas para promover a educação intercultural. Cada obra
constitui um sistema de ideias que é socialmente transmitido e que contribui para que as crian-
ças categorizem a sociedade e a percepcionem de determinado modo. Muitas obras que vestem
24
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
25
Literatura Infantil e Interculturalidade: “Preparar os Leitores para a Vida”
Estas são algumas questões que de forma mais pertinente, em nosso entender, têm sido colo-
cadas em torno das questões de multiculturalidade, interculturalidade e literatura infantil. Para além
da identificação de áreas problemáticas de actuação e reflexão que podem levar a uma interpretação
contrária das boas intenções de professores, têm sido propostas soluções para ultrapassar os obs-
táculos, algumas das quais ligadas à tomada de consciência das implicações culturais de qualquer
representação e ao desenvolvimento da ‘leitura crítica’ que consideramos centrais à problemática.
Já que a literatura possui o poder de falar a muitas vozes de tudo, de todos os modos pos-
síveis (mesmo de conflito), num espaço secreto ocupado pelos intelectos de escritores e leitores
(Rushdie, 1992), parece ser consensual que as leituras dos jovens devem acompanhar as novas
paisagens culturais, sociais, religiosas e económicas do mundo em que vivem e por isso devem
acolher e representar a diversidade étnica, religiosa, de género, de classe social, geográfica, lin-
guística, etc. É desse modo que ela tem sido entendida por muitos investigadores e educadores
que se ocupam da literatura infantil. É baseado em diversos artigos e estudos portugueses, que
Vieira (2006: 58) vai afirmar:
26
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Contudo, ler a interculturalidade a partir da literatura infantil não se resume, como vi-
mos, ao contacto com a diversidade de temas e autores ou ao diálogo íntimo do leitor com o texto.
Para cumprir o projecto de promoção da educação intercultural é preciso ler a literatura infantil
(multicultural ou sobre diversidade cultural) de forma crítica, como defendem Botelho e Rudman
(2009), de forma a promover a interacção e diálogo positivos entre grupos culturais em sociedades
multiculturais e de forma a promover a ‘negociação entre culturas’. Ler de modo crítico constitui
a proposta de relacionamento com os textos de literatura infantil de forma a contribuir para um
processo de conhecimento e de transformação social.
Aproveitando e redefinindo a proposta de Botelho e Rudman, a prática cultural de leitura
crítica precisa ser entendida nos seguintes termos. É uma prática:
• centrada nos interesses das crianças, integrada com a experiência social das pró-
prias crianças;
• de leitura e diálogo sobre a leitura que desejavelmente se traduz em acção social;
• de análise da leitura que desoculta ideologias dominantes: reexamina aquilo que os
leitores tomam por natural e óbvio em relação à linguagem, à construção de sentido,
à literatura;
• de tomada de consciência sobre como os livros circulam nas sociedades enquanto
objectos culturais e sobre como a representação implica relações de poder e de pri-
vilégio.
Para promover a educação intercultural, a análise das obras de literatura infantil preci-
sa, em nosso entender, de ser contextualizada no polissistema literário e de ser entendida como
27
Literatura Infantil e Interculturalidade: “Preparar os Leitores para a Vida”
objecto cultural produzido e consumido. Rosenblatt (1976), por exemplo, pensava ser crucial que
as respostas à leitura fossem pessoais e que os alunos pudessem viver o impacto da literatura
nas suas experiências de vida. Outros autores defendem que a leitura deve ser combinada com
o diálogo sobre os textos e com a abertura ao conflito, à controvérsia e à ausência de consensos.
Não existem visões neutras da realidade tal como não existe ausência de estereótipos culturais.
Tão importante quanto os aspectos mencionados será entender que ler uma obra de lite-
ratura vai para além de compreender as palavras ou a história. Saber ler criticamente requer ser
capaz de compreender o mundo em que se vive representado na obra, as tradições em que a obra
se insere e as expectativas da cultura (Berg, 2009). Significa também analisar e debater a obra de
múltiplas perspectivas.
Um segundo ponto que gostaria de salientar no contexto da leitura crítica retoma as
afirmações atrás enunciadas sobre a selecção de livros e a sua classificação no quadro da sua ade-
quação enquanto objectos materiais que ‘reflectem’ a multiculturalidade das sociedades. Existe o
pressuposto de que os livros constituem um modo de aprender sobre o mundo, tal como há muitas
formas de aprender e muitos objectos de aprendizagem. Em vez de substituir os livros que existem
nas escolas por outros, politicamente mais correctos, uma vez que, como vimos, todos os livros
abrem perspectivas sobre outras culturas, a noção de ‘leitura crítica’ preconiza formas de leitura
orientada ou guiada para ajudar os leitores a entender as sociedades em que vivem, os “softwa-
res” culturais que os levam a olhar para a realidade de determinada maneira e as estratégias de
representação usadas pelos livros. Chamamos leitura crítica à leitura que procura perceber o que
a literatura tem a dizer sobre a contemporaneidade e sobre a cidadania multicultural; que procu-
ra descobrir como as obras de literatura atendem, ao nível superficial e profundo, à diversidade
cultural; que convidam o leitor a desenvolver um juízo crítico, informado, sobre o que lê, sendo
criança e manuseando artefactos propositadamente preparados para ela.
Pode-se ler de modo multicultural e crítico várias obras de literatura infantil que não se-
jam propriamente consideradas ‘multiculturais’. McGillis (1999: xxviii) afirma ser necessário, no
contexto pós-colonial que se vive, ler a literatura infantil em função do que ela assume aberta e
encobertamente sobre os ‘outros’. A tolerância e a compreensão do outro só se conseguem, afirma
o autor, pelo exame crítico das convenções narrativas e ajudando o jovem leitor a interrogar a
28
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
sociedade em que vive. Para tal há que escrutinar cuidadosamente as muitas e diversas maneiras
usadas pelos seres humanos para se instalarem em posições de poder e de autoridade (McGillis,
1999: xxxi).
Belinda Louie (2006) enuncia alguns princípios básicos desta forma crítica de ler, a saber:
A questão está em saber orientar a leitura dos jovens no sentido de, por um lado, compre-
enderem que as obras os informam de um mundo diferente, mais multicultural, caracterizado pela
necessidade de maior tolerância e conhecimento sobre as diferenças culturais, étnicas, linguísti-
cas, etc.. e por outro lado, tomarem consciência que inevitavelmente muitas das obras de litera-
tura infantil são espelhos de um mundo saturado de ideias imperialistas, estereótipos e narrativas
das culturas dominantes (Xie, 1999).
Entre a emergência da diferença e das culturas contra-hegemónicas e a pressão de homo-
geneização cultural do ocidente e da globalização a comando do mundo ocidental, a diferença étni-
ca (ou de outro tipo) tem tendência a fragmentar-se em porções de tamanho aceitável que mantém
intactos os centros de poder (Xie, 1999: 213). Mohanty (1997 cit in Xie, 1999) não encara como
desejável que se radicalize a ideia de diferença (de pontos de vista, critérios de racionalidade e
de avaliação plurais), porque se correria o risco de não existir terreno comum entre as culturas.
Contudo, neste equilíbrio precário entre a celebração do diferente e a racionalidade hu-
mana básica subsistem perigos de homogeneização, de manutenção do imperialismo cultural e
de ausência de políticas de diferença que acabam por sucumbir às políticas dos centros de poder
29
Literatura Infantil e Interculturalidade: “Preparar os Leitores para a Vida”
e do universal. Para Xie (1999: 4), a diferença e a diversidade precisam de ser reconhecidas na
literatura como os conteúdos e as formas que do ponto de vista eurocêntrico surgem como estra-
nhas, perturbadoras, impenetráveis, primitivas, difíceis, marginais (à margem do que se considera
importante).
Botelho e Rudman (2009) enquadram a leitura crítica com a multiculturalidade, desig-
nando-a por ‘leitura multicultural crítica’ numa síntese interessante. A dimensão ‘multicultural’
refere a presença de histórias múltiplas numa mesma cultura, de perspectivas em polifonia, a
fluidez, diversidade e dinamismo da experiência cultural representada, bem como a representa-
ção da distribuição desigual de riqueza e de poder. Contudo, as autoras alertam para o facto de a
diversidade e a presença de elementos culturais informativos por si só dificilmente conseguirem
gerar um entendimento sobre as questões que se imiscuem na representação da diversidade: rela-
ções de poder e impacto político na vida das pessoas. Ressaltam, por conseguinte, a necessidade
de analisar a diversidade da literatura infantil à luz dos contextos sociopolíticos e das práticas
institucionais e sociais que a produzem (Botelho e Rudman, 2009: 30).
A dimensão crítica, como explicam as autoras (Botelho e Rudman, 2009: 5), define uma
prática de leitura que faz ligações entre o local e o sociopolítico/ global e a necessidade de prestar
atenção ao impacto social da linguagem no modo como ela molda percepções e actos sociais. O
argumento das autoras filia-se no impacto dos pressupostos ideológicos dos textos, para reiterar
a susceptibilidade das crianças às ideologias de um texto, sobretudo quanto elas são implícitas.
A leitura de textos deverá portanto desconstruir aquilo que os leitores assumem como óbvio
e natural em relação à linguagem, ao sentido, à leitura, à literatura para que se opere uma re-
-socialização. Trata-se de uma leitura de resistência ao texto em articulação com modos de pensar
a realidade e de nela actuar. Pensar sobre a realidade a partir da literatura infantil é, no entender
das autoras, uma forma de imaginação histórica e sociopolítica para os jovens leitores (Botelho e
Rudman, 2009: 9). Essa imaginação histórica pretende-se radical no sentido em que problematiza
a literatura infantil enquanto polissistema literário e de educação, questiona o que significa ‘ler’,
‘ser criança’, ‘a infância’, rescreve a história, torna visíveis relações de poder na sociedade e ar-
ticula leitura com justiça social e projectos de transformação da sociedade. A sua maior novidade
é criar um novo centro para a literatura infantil a partir da representação dos grupos margina-
30
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
A última parte da citação contém um aspecto relevante, pois desloca a ênfase da inclusão
de materiais multiculturais para a questão do processo de análise dos materiais. As autoras citam
as perguntas guia de Wooldridge (2001: 261) como úteis para a análise de qualquer texto:
31
Literatura Infantil e Interculturalidade: “Preparar os Leitores para a Vida”
• Quais os pressupostos morais ou políticos de uma leitura? Como é que certos contex-
tos sociais e culturais activam certas leituras?
Conclusão
32
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Referências bibliográficas
Botelho, M. J. e Rudman, M. K. (2009). Critical Multicultural Analysis of Children’s Literature. New York and
London: Routledge.
Bradford, C. (2001). The End of Empire? Colonial and Postcolonial Journeys in Children’s Books.Children’s
Literature, 29:196-218.
Brown, F. and Friel, M. J. (2009). Discovering the world through books. Comunicação oral ao 16th European
Greenwood Press.
Comber, B. (2001). Critical literacy. Power and pleasure with language in the early years. Australian Journal of
33
Literatura Infantil e Interculturalidade: “Preparar os Leitores para a Vida”
Huntington, S. (2003). The Clash of Civilizations. Foreign Affairs. Acedido em 3 de Fevereiro de 2009 em
http://www.foreignaffairs.org/19930601faessay5188/samuel-p-huntington/the-clash-of-civilizations.html.
Louie, B. Y. (2006). Guiding Principles for Teaching Multicultural Literature. The Reading Teacher. 59(5).
McGillis, R. (1996). Class action: Politics and critical practices. InThe nimble reader: Literary theory and chil-
McGillis, R. (ed.) (1999). Voices of the Other. Children’s Literature and the Postcolonial Other. New York:
Mohanty, S. P. (1997). Literary Theory and Claims of History. Ithaca: Cornell University Press.
Müller, H.M. (2001). Migration, Minderheiten und kulturelle Vielfalt in der europäischen Jugenditeratur. Bern:
Peter Lang.
Ramraj, S. (1997). ‘Let Your Indulgence Set Me Free’. Ariel, Caliban and Miranda and Postcolonial Discourse
in The Tempest. Unpublished paper. University of Missouri Sixth Graduate Students Conference.
Ramraj, V. J. (1999). Afterword. The Merits and Demerits of the Postcolonial Approach to Writings in English.
In: Voices of the Other. Children’s Literature and the Postcolonial Other. Roderick McGillis (ed.). New York:
Rushdie, S. (1992). Imaginary Homelands. Essays and Criticism 1981-1991. London: Granta. 1-21.
Sims, R. (1982). Shadow and Substance: Afro-American experience in contemporary children’s fiction. Urbana,
Stephens, J. (1999). Continuity, Fissure, or Dysfunction? From Settler Society to Multicultural Society in
Australian Fiction. In: Voices of the Other. Children’s Literature and the Postcolonial Other. Roderick McGillis
Tejerina, I. (coord. e ed. literária) (2008). Ler la Interculturalidad. Una propuesta didáctica para la ESO desde la
Vieira, A. M. (2006). O contributo da literatura infantil para a educação intercultural. Experiência em contexto
34
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Woolridge, N. (2001). Tensions and ambiguities in critical literacy. In B. Comber and A. Simpson, Negotiating criti-
cal literacies in the classroom. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. 259-270.
Xie, S. (1999). Rethinking the Identity of Cultural otherness: The Discourse of Difference as an unfinished
project. In: Voices of the Other. Children’s Literature and the Postcolonial Other. Roderick McGillis (ed.). New
35
36
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMEN
El artículo argumenta la necesidad de la educación y la calidad expresiva y aboga por una selección de obras,
intercultural vinculada a la Educación para el Desarrollo, esto atractivas para el público infantil y juvenil, que favorezcan la
es, haciendo ver la conexión entre las mismas, dadas las enor- lectura plural y el diálogo con el lector.
mes injusticias económicas y sociales entre los países en el Culmina con un ejemplo práctico, un breve análisis
conjunto del mundo. semántico y visual del álbum Mi miel, mi dulzura de Michel
Sostiene la autora que la literatura puede contribuir Piquemal y Élodie Nouhen, junto a una valiosa relación de cri-
a la formación en valores fundamentales, no de una forma es- terios y pautas didácticas para elegir los libros desde una pers-
quemática y doctrinaria, sino desde la capacidad de seducción pectiva tanto estética como ética.
un desarrollo sostenible en los países del llamado Tercer Mundo que posibilite un futuro digno a
las poblaciones víctimas del modelo de desarrollo neoliberal. Se trata de formar ciudadanos cons-
cientes y responsables para participar en la transformación de la sociedad con el fin de que sea
cada vez más justa, solidaria y democrática, o si se prefiere, menos injusta, insolidaria y opresora.
Abordar la temática de los valores a nivel educativo nos parece de vital importancia,
fundamentalmente desde dos ámbitos de reflexión: uno teórico-sustancial y otro socio-contextual.
El primero de ellos, surge de la concepción de lo que entendemos que lleva consigo el pro-
pio concepto de educación: hace referencia a mejora, a enriquecimiento del hombre. Educando pre-
tendemos hacer a la persona más valiosa. Hablar de educación es, por tanto, hablar de valores, en la
medida en que éstos están implícitos en su propia dinámica interna. Nadie puede educar sin valorar.
Desde el segundo ámbito de reflexión, que ha de ser entendido en necesaria conexión con
el anterior, no podemos dejar de manifestar la vigencia que tiene hoy el tratamiento de los valores.
Es evidente su surgimiento a nivel internacional, motivado en buena medida por el creciente y
peligroso protagonismo de lo meramente instructivo respecto de lo educativo. La consideración,
sostenida por numerosos docentes en la actualidad, de que su tarea con los alumnos ha de cen-
trarse exclusivamente en la transmisión de unos contenidos vinculados a la materia específica de
la que son responsables, supone un desconocimiento de las finalidades educativas que se definen
en última instancia por su valor. Quien educa ha de ser consciente de los propósitos que ha de
alcanzar, lo que le permitirá tomar decisiones para planificar su acción.
Fomentar la educación en valores a través de la enseñanza de la literatura se justifica en
la necesidad de afrontar el reto de contribuir a superar las exigencias y deficiencias que se pro-
ducen en este ámbito. Por un lado, la complejidad y necesidades de la sociedad actual demandan
que la educación en valores alcance una gran relevancia y precise una importante dedicación. El
currículo plantea que la formación en valores se concreta en el tratamiento de los temas transver-
sales que deben impregnar todas las áreas. La consecuencia de esto es que ninguna se responsa-
38
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
biliza y que globalmente no se aborda esta formación con la suficiente intensidad. Por otro lado,
nuestros niños y niñas están sometidos a la gran contradicción de que gran parte de los valores
que se propugnan en el entorno escolar chocan con algunos que conforman la sociedad postmo-
derna caracterizada por un exacerbado individualismo y nihilismo político, cultural y social, como
consecuencia del auge de contravalores como la competitividad, el éxito fácil, la insolidaridad,
el egoísmo, la violencia, etc. Ante esta realidad y carencias, defendemos que la literatura, por
su densidad expresiva y capacidad de seducción y por su poder socializador en la aportación al
conocimiento del mundo y en la propuesta de modelos y de códigos de conducta, puede ejercer
una valiosa contribución en esta educación. Nos proponemos ampliar la reflexión y la conciencia
de los estudiantes más allá de una mera transmisión rutinaria de los valores establecidos de lo
políticamente correcto. Se trata de rentabilizar, en el mejor sentido de la palabra, el gran interés
que muchas obras literarias presentan, en cuanto plantean temas sociales conflictivos y dilemas
morales con la necesaria complejidad y atractivo para unos lectores en formación que empiezan
a enfrentarse a su libertad de elección, a su capacidad de decidir entre posiciones enfrentadas y,
en definitiva, a construir su responsabilidad moral. Pretendemos analizar aquellas obras literarias
que lejos de una interpretación unívoca y dirigista propongan una lectura plural y polísémica que
favorezca la reflexión y el diálogo con el lector. El reto se plantea entonces en la rigurosa y no fácil
selección de las obras que aúnen calidad estética y contenido revelador en el corpus de lecturas
adecuadas para este nivel de competencia literaria.
Del conjunto de los valores que se trata de impulsar en la formación integral de la perso-
na, pretendemos incidir de modo específico en aquellos valores que se refieren a ampliar la visión
del mundo y la comprensión de la realidad social del entorno a través del contenido sociomoral que
se manifiesta de modo explícito o que subyace en muchas obras literarias.
El viejo y apasionante debate sobre el papel social de la literatura cobra de nuevo un
enorme interés en el mundo convulso y cambiante en el que vivimos porque entender el mundo ac-
tual y comprender al otro, incluido el diferente y el extranjero es una exigencia para alumbrar un
nuevo humanismo y para crear un puente de diálogo y enriquecimiento mutuo entre las diferentes
culturas y civilizaciones. El texto literario nos permite acercar a los alumnos a los grandes temas,
preguntas e ideales de la humanidad y les puede motivar para la reflexión y el debate sobre su re-
39
La Literatura Infantil y Juvenil en el Desafio Intercultural
alidad más próxima y sobre la sociedad global. Coincidimos plenamente con nuestras compañeras
Bastida, Bordons y Rins (2006, 83) cuando afirman:
Nuestro planteamiento de partida sostiene que la literatura cumple, entre otros muchos e
importantes fines, el de contribuir a la formación social y moral. Esta afirmación no está exenta de
dificultades de concreción e implica situarse ante el secular debate sobre la verdadera naturaleza de
la literatura y sobre el riesgo de por qué, cuándo y cómo se puede producir una instrumentalización
de la misma que anula su función estética. Efectivamente, como ha sido puesto de manifiesto en la
historia de la literatura y en especial en la destinada a los niños y a los jóvenes (García Padrino,
1992, Colomer, 1999) ha imperado con demasiada frecuencia una escritura de lectura unívoca y
abusiva orientación didáctica, aún no superada en la actualidad (Lluch, 2003; Ventura, 2005), que
pretendía imponer modelos y dirigir el comportamiento hacia posturas pretendidamente edificantes
y se ha condenado con justicia el peso del didactismo moralizante y la frecuente trivialización de
problemas muy complejos, porque convierten a la literatura en pseudoliteratura. Efectivamente,
cuando el fin didáctico queda por encima del estético, deja de ser auténtica literatura y, lo que es
muy importante, pierde su eficacia educativa (Trilla, 1992; Tejerina, 2001). Es decir, cuando las pre-
ocupaciones ejemplares dominan las estéticas, se produce la paradoja de que los pretendidos men-
sajes no llegan al receptor, y así se produce un doble fracaso: la obra literaria ni interesa ni cumple
su función moral, ésta última precisamente porque no resulta atractiva al no alcanzar un nivel míni-
40
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
mo de calidad estética. Así pues la altura ética de los contenidos no asegura su impregnación en los
receptores si no conlleva una potencia expresiva que asegure el deleite lector (Luengo y Rodríguez,
2000; Llorens, 2000; Tejerina, 2000, Glowalka y Boos, 2002; Azevedo, 2004).
En la actualidad, van apareciendo estudios que se plantean el reto del encuentro con una
literatura que, lejos del moralismo ingenuo y el maniqueísmo, y desde un empleo estético del len-
guaje y una visión crítica reveladora, descubra la complejidad del mundo y aspire a la perfectibi-
lidad humana y a la conciencia ética. Una literatura como cauce de conocimiento de los derechos
de las personas y de los pueblos, desveladora de prejuicios y discriminaciones, canal de transmi-
sión y creación cultural y expresión de la realidad histórica y social y de la actual sociedad mul-
ticultural, lo que supone la aceptación de la diversidad y la coexistencia y mutuo reconocimiento
de las diversas culturas y diferencias en un plano de igualdad (Dearden, 1995; Marco, 2000). Una
visión que replantea la competencia literaria en términos axiológicos para acoger en la dimensión
del contenido y de forma explícita, la interpretación e identificación de los valores en los textos
(Rodríguez López-Vázquez, 1988; López Valero, 2000, López Valero y Encabo, 2005).
41
La Literatura Infantil y Juvenil en el Desafio Intercultural
1 Podemos recordar en el moderno género de los álbumes ilustrados: Yasmina, El color de la arena, África, pequeño Chaka, Los
niños del mar, Rosa Blanca, La composición, La calle es libre, El tirano, el luthier y el tiempo, Voces en el parque, El soldadito de
plomo, De noche en la calle, La isla, Un día, un perro, Los tambores, Habría que… entre tantos otros títulos reseñables.
43
La Literatura Infantil y Juvenil en el Desafio Intercultural
44
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
En definitiva, nos planteamos el reto del encuentro con una literatura que, lejos del mo-
ralismo ingenuo y el maniqueísmo simplón, y desde un empleo artístico del lenguaje y una visión
crítica reveladora, descubra la complejidad del mundo y remueva la conciencia ética junto al
despliegue de la emoción estética. Una literatura como cauce de conocimiento de los derechos de
las personas y de los pueblos, desveladora de injusticias, prejuicios y discriminaciones, canal de
transmisión y creación cultural y expresión de la realidad histórica y social y de la actual sociedad
multicultural. Una literatura que sirva a la reflexión y el cambio para alcanzar la aceptación de la
diversidad y la coexistencia y mutuo reconocimiento de las diversas culturas y diferencias, desde
el ejercicio de una responsabilidad ciudadana comprometida con los derechos humanos para to-
dos. Un camino que sigue apostando por la esperanza en el poder transformador de la educación
y que expresan mejor que nadie las palabras del poeta:
45
La Literatura Infantil y Juvenil en el Desafio Intercultural
Referencias bibliográficas
AMO SÁNCHEZ-FORTÚN (2003) J.M., Literatura infantil: claves para la formación de la competencia literaria,
Archidona: Aljibe.
AZEVEDO, F. (2005). “Ética y estética en la literatura de recepción infantil”. Ocnos. Revista de Estudios sobre
Lectura, 1, 7-18.
BASTIDA, Anna, BORDONS, Gloria y RINS, Silvia (2006): “Hacer reflexionar sobre los conflictos del mundo a
BORDA, I. (2000). “Ideología y valores éticos en la literatura infantil y juvenil actual. Puertas a la lectura, 3,
CARRANZA, Marcela (2006). “La literatura al servicio de los valores, o cómo conjurar el peligro de la litera-
- (2005). “Mostrar distintos enfoques en las obras: algunos ejemplos para la etapa secundaria” en Andar entre
DEARDEN, C.D. (1995). “La literatura Infantil y Juvenil como útil de aproximación y comprensión de la diversi-
dad cultural”. Conferencia Plenaria en 24º Congreso Internacional del IBBY. Madrid: OEPLI.
DJUKICH, D y HERNÁNDEZ, A. (2000). “Literatura infantil y educación en valores ante la influencia de los
46
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
ETXANIZ, J. (2004). “La ideología en la literatura infantil y juvenil”. Cauce. Revista de Filología y su didáctica,
GARCÍA PADRINO, J. (1992). Libros y literatura para niños en la España contemporánea (1885-1985). Madrid:
GARCÍA BERMEJO, M.L. y GARCÍA PAREJO, I. (2003). “Literatura infantil e interculturalidad: experiencias
didácticas en educación primaria” en Pérez Valverde, C. y Cano Vela, A. (coord.), Canon, literatura infantil y
GLOWALKA, D. y BOOS, S (ed.) (2002). Between ethics and aesthetics. Crossing the boundaries. Albano: State
Lengua y Literatura”, en López Valero y Guerrero Ruiz (coords) Aspectos de Didáctica de la Lengua y la Litera-
tura: Actas del III Congreso Internacional de la SEDLL, vol. I, pp. 201-209.
GONZÁLEZ LANDA, Mª C. y TEJERO ROBLEDO, E. (2005): “La aventura de los molinos de viento: Innovación
técnica. Recomposición textual. Valores en educación”, Didáctica (Lengua y Literatura), vol. 17, nº monográ-
JONES, D.M. et R. (2000). Collector’s guide to children’s books, 1950-1975: identification & values. Vol. 3.
- (2001). Collector’s guide to children’s books, 1850 to 1950: identification & values. Vol. 2. Paducah, Ky: Col-
lector Books.
KRUSE, G.M., HORNING, K.T. y SCHLIESMAN, M. (1997). Multicultural Literature for children and young
adults. A selected listing of books by and about people of color. Madison, WI: U of Wisconsin-Madison.
LAGO, J.A. (2001). Libros para pensar... libros para vivir: una selección bibliográfica de “Educación en valores”.
LÓPEZ VALERO, A. (2000). “Repensando la competencia literaria: hacia una orientación axiológica”. Puertas a
LÓPEZ VALERO, A., ENCABO, E. (2001). “Una didáctica axiológica como alternativa a la discriminación: recre-
LÓPEZ VALERO, A., ENCABO, E. (2005): “Ética, estética y educación literaria” en Abril, M. Lectura y LIJ,
47
La Literatura Infantil y Juvenil en el Desafio Intercultural
LÓPEZ VALERO, A., ENCABO, E. y MORENO, E. (2002). “Esencias de un “pequeño príncipe”: didáctica de la
LUENGO, R. y RODRÍGUEZ, I. (2000), “Valores y lecturas”. Puertas a la lectura, 9/10, pp. 95-99. Universidad
de Extremadura.
LURIE, A. (2004). Niños y niñas eternamente. Los clásicos infantiles desde Cenicienta hasta Harry Potter.
LLORENS, R. (2000). “Literatura infantil y valores”. Puertas a la lectura, 9/10, pp. 75-78. Universidad de
Extremadura.
Castilla-La Mancha. En especial el Cap. “La literatura instructiva: del Struwwelpeter a la psicoliteratura o la
MANA, A. y BRODIE, C.S. (1992). Many faces, many voices: multicultural literary experiences for youth. Fort
MARCO, A. (2000). “Multiculturalismo y educación”. Puertas a la lectura, 9/10, pp. 100-105. Universidad de
Extremadura.
MOLINA, P. (2000). “Educación en valores a través de la literatura”, Educadores. Revista de renovación ped-
MOXHAM, J. (2002). Interfering values in the nineteenth-century British novel: Austen, Dickens, Hardy and the
MUÑOZ RESINO, H. (2003): “Derecho a la educación y literatura juvenil: un caso de refugiados en “Esa noche
vendré tarde” de H. Perol, en Cano Vela, A. y Pérez Velarde, C., Canon, literatura infantil y juvenil y otras
NIETO, S. y GONZÁLEZ J. (2001). “Investigación y didáctica sobre los valores en la literatura infantil: Un ejem-
plo… La isla del tesoro”. Enseñanza: Anuario interuniversitario de Didáctica, 19, pp. 141-164.
-(2002). Los valores en la Literatura Infantil. Estudio empírico. Técnicas y procedimientos de análisis. Valladolid: Aral.
RAINES, S.C. y ISBELL, R. (2000). Cómo contar cuentos a los niños: relatos y actividades para estimular la
ROBERTS, P. (2005). Family values through children’s literature and activities grades 4-6. Lanham, Md.: Scare-
crow Press.
48
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RODRIGUEZ, A.O. (1998). Formación de valores desde la literatura infantil y juvenil. Bogotá: Taller de talleres.
R.L.Stevenson a Richmal Crompton”, en Cabo, R. (ed.), La literatura infantil y juvenil: su proyección en el aula.
SAIZ, A. (2005). “La inmigración en la LIJ actual”, Cuadernos de Literatura Infantil y Juvenil, 183.
SÁNCHEZ, S. y YUBERO, S. (2004) “La transmisión y recepción de valores desde la lectura. Un estudio con
niños de Educación Primaria” en Yubero, Larrañaga y Cerrillo, Valores y lectura. Estudios multidisciplinares.
SEVILLANO, M.L. (2001). “La percepción y evaluación de valores y antivalores en los medios de comunicación
(periódicos, revistas y televisión) por estudiantes de 14-18 años”. Revista de Educación, 326, pp. 333-353.
TEJERINA LOBO, I. (2001). “Literatura y compromiso: hacer preguntas para buscar respuestas”. Puertas a la
- (2001). “Cuentos solidarios y educación en valores”. Cuadernos de Literatura Infantil y Juvenil, 140, 24-32.
- (2008). (Coord.) Leer la interculturalidad. Una propuesta didáctica para la ESO desde la narrativa, el álbum y
el teatro. Grupo de investigación Lazarillo. Consejería de Educación del Gobierno de Cantabria. Disponible en
Internet.
VENTURA, A. (2005). “Literatura infantil y valores: editar para niños y jóvenes”. Leer por leer. Universidad de
ZARAGOZA, F. (2000). “La educación en valores y la literatura infantil y juvenil actual”, Puertas a la lectura, 3,
49
La Literatura Infantil y Juvenil en el Desafio Intercultural
50
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Si pensamos en el fracaso escolar como una forma de privación educativa de ciertos gru-
pos de estudiantes con unas características determinadas, debemos plantearnos qué puede llegar
a provocar esa privación en el futuro. Por ello, nos preocupan las desigualdades en el aprendizaje
escolar que ponen a las personas en situación de privación y marginación. El contexto escolar
es un espacio fundamental para posibilitar la incorporación de los inmigrantes a la sociedad de
acogida, siendo un puente entre el individuo y la sociedad. Esta debe jugar un papel esencial en la
integración social y cultural de los hijos de los inmigrantes.
El problema, por lo tanto, trasciende el plano meramente académico, de manera que, ade-
más de entender el fracaso escolar como el incumplimiento de unos objetivos educativos, también
puede vincularse con la inadaptación social (Yubero, Serna y Larrañaga, 2009). Además, el fracaso
escolar se convierte en un obstáculo para acceder a la vida laboral y puede abocar a la persona
a una situación social problemática (Fullana, 1996). Es por ello por lo que resulta imprescindible
identificar de forma temprana la situación y los factores que pueden facilitar el éxito escolar (Al-
brecht y Braaten, 2008).
Sabemos que el aprendizaje de las competencias lingüísticas facilita una integración esco-
lar más rápida. La lectura y la mejora de la comprensión lectora de los alumnos debe convertirse
en un objetivo del conjunto de la sociedad (PISA, 2006). Los niños inmigrantes, además, pueden
experimentar mayores dificultades cuando se encuentran con una lengua diferente a la suya y con
un contexto cultural distinto. En este sentido, la lectura se concibe como una actividad dinámica
en la que el sujeto interacciona con un texto y pone en funcionamiento los procesos cognitivos que
activan los conocimientos previos que servirán como marco de referencia. Así, la lectura se revela
como un factor determinante en la configuración de la competencia lingüística y en los posteriores
aprendizajes curriculares y sociales que tienen lugar a lo largo de la vida.
El Informe del Barómetro de Hábitos de Lectura y Compra de Libros (2009) afirma que la
población infantil española lee más que la población de adultos. Mientras casi la mitad de la pobla-
ción española no lee, la cifra de lectores en la franja de edad de 10 a 13 años alcanza un 85%. No
obstante una cuestión a tener en cuenta entre los estudiantes, aunque parezca paradójico, es que
muchos de ellos carecen de interés por la lectura, de forma que, aunque leen con frecuencia, la
lectura para ellos no resulta atractiva más allá de ser un mero instrumento curricular y de obliga-
52
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
toria ejecución en la escuela. Se trata de alumnos que descifran el lenguaje escrito para acceder al
estudio, pero que ni leen de forma habitual, ni la lectura forma parte de su tiempo de ocio. El porqué
se lee nos lleva a diferenciar con claridad la lectura instrumental que se hace para obtener informa-
ción, aprender y estudiar de la lectura ociosa que se realiza de forma voluntaria y que forma parte
del estilo de vida y de las conductas de ocio. Por ello, para analizar la lectura como una conducta de
la vida cotidiana, es imprescindible realizar un análisis psicológico y social, más allá de contabilizar
el número de horas o el número de libros que se leen. Ello nos permitirá abarcar la complejidad de
los procesos implicados en el comportamiento lector, incluyendo las variables de motivación que di-
rigen este comportamiento y el valor que tiene para el proprio individuo. Del mismo modo, también
las variables de lectura del entorno familiar son determinantes en la construcción del lector (Wasik
y Hendrickson, 2006). Aunque leer es una conducta individual, posee un significado social y cultu-
ral (Yubero, 2009). Por ello, el comportamiento lector no puede analizarse, exclusivamente, desde
variables individuales, siendo imprescindible un análisis de la cultura y de los valores que poseen
los sujetos. Esto implica, necesariamente, introducir una dimensión social vinculada a las normas y
creencias que marcan las pautas de comportamiento en relación con la lectura. Por lo tanto es nece-
sario conocer cómo se ha construido el núcleo de sus intereses y la distribución de su tiempo libre.
Lo específico de los valores dentro de una sociedad es su estructura jerárquica. Resulta
determinante conocer qué valores adquieren mayor peso en la toma de decisiones, frente a los
que ocupan posiciones secundarias. En este sentido, el valor que se otorga a la lectura depende
de un conjunto de creencias y motivaciones que se han de generar en un contexto social concreto
y que forman parte de la vida social y cultural que desarrolla una sociedad. Para que una persona
se implique en la construcción de sus propios hábitos lectores, normalmente es necesario que in-
terprete la lectura como un hecho cultural relevante y no sólo como una destreza instrumental de
carácter individual. Queda patente que en función del valor que tenga la lectura para un sujeto y
para su contexto esta pasará a formar parte de su estilo de vida en mayor o menor medida, lo que
influirá en la creación de su hábito lector y en la distribución que hará de las actividades lectoras
dentro de su ocio. Esta es la razón por la que resulta importante conocer si nuestra cultura consi-
dera la lectura y el comportamiento lector como una competencia social necesaria. Es habitual que
la lectura quede relegada a los espacios de trabajo y de formación curricular, como una obligación
53
El valor de la Lectura y su Relación com los Hábitos Lectores y el Exito Escolar en Niños Inmigrantes
a cumplir en un tiempo absolutamente diferente a los términos en los que se define el ocio. No se
puede ser lector si no se lee, y no se puede leer si no dedicamos parte de nuestro tiempo de ocio a
la lectura. Este planteamiento dicotómico de valorar la lectura y al sujeto lector, pero no dedicar
tiempo a la lectura, puede ser una de las explicaciones de que encontremos personas que, valo-
rando muy positivamente la lectura, no lean voluntariamente. Estas personas no leen más que lo
estrictamente necesario para completar su currículo formativo.
Nuestra propuesta consiste en vincular el comportamiento lector y el valor de la lectura,
para intentar establecer una relación con el rendimiento escolar. Se hace especial hincapié en la
situación de los niños inmigrantes, por entender que se encuentran en una situación educativa
de características especiales. En la educación, al igual que ocurre en la sociedad, no se puede
tratar a los inmigrantes como un grupo homogéneo (Zamora, 2005), sobre todo atendiendo a la
lengua natural de origen. De este modo estudiaremos los resultados agrupados en autóctonos e
inmigrantes, fragmentando el grupo de inmigrantes en los que son de origen latinoamericano, por
compartir nuestro idioma, y en los que poseen originariamente otro idioma, porque entendemos
que presentan características diferentes para su integración, debido a las dificultades que podrían
aparecer en relación con su competencia lectora.
Método
En este estudio han participado 1.669 alumnos de los tres últimos años de Educación Pri-
maria (362 de 4º -21.7%-, 658 de 5º curso -39.4%- y 649 de 6º curso -38.9%), de los que un 50.7%
son chicos (847) y un 49.2% chicas (822), procedentes de 21 colegios públicos de la comunidad de
Castilla-La Mancha. Del total de la muestra, un 7.3% son inmigrantes, siendo el 50.2% son chicos,
mientras que el 85% lleva más de un año viviendo en España. El 57.6% de los inmigrantes son de
origen latinoamericano. La selección de los colegios se realizó al azar, garantizando la presencia
de centros educativos de las capitales y del entorno rural.
Los instrumentos empleados recogen información sobre el valor de la lectura, el comporta-
miento lector de los niños, la motivación lectora, las variables de socialización parental sobre lectura
54
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
55
comparaciones de medias con los estadísticos t de Student y Anovas, para las comparaciones por-
centuales hemos aplicado la prueba de Chi-cuadrado. Las comparaciones con los inmigrantes se
han realizado separando a los alumnos en dos grupos: los latinos que comparten el castellano y los
que proceden de países de origen no latinoamericano.
Resultados
El valor de la lectura entre los niños es elevado pero, básicamente, resalta por su valor
instrumental (valor extrínseco: Mespañoles= 3.33, Minmigrantes= 3.26; valor intrínseco: Mes-
pañoles= 2.62, Minmigrantes= 2.66). Sin que exista diferencia estadística entre los niños españo-
les y los niños inmigrantes (valor instrumental t= 1.22, p< .22; valor intrínseco: t= 0.38, p< .71).
Los ítems que constituyen la subescala del valor extrínseco de la lectura son los que alcanzan las
medias más elevadas. Los niños reflejan un gran acuerdo en este aspecto (Tabla I).
56
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
También el valor intrínseco de la lectura se relaciona con la motivación lectora (Tabla III).
Todas las medidas de motivación alcanzan puntuaciones superiores en el grupo de niños con alto
valor intrínseco de la lectura.
Respecto a la socialización lectora, el 58% de los padres de los niños con alto valor
intrínseco de la lectura leen durante su tiempo libre y el 27.1% realizan con ellos lectura
conjunta. En el grupo de alumnos que informan de un bajo valor intrínseco de la lectura sólo
leen durante su tiempo libre el 22.6% de los padres y, únicamente, el 4.7% realizan lectura
conjunta.
Los niños autóctonos y los niños inmigrantes se distribuyen de forma similar en sus nive-
les de lectura (Chi-cuadrado= 1.17, p<.556), con independencia del país de origen (Chi-cuadra-
do= 3.70, p<.448). En todos los casos predominan los alumnos que no leen de forma voluntaria
(Tabla IV).
57
El valor de la Lectura y su Relación com los Hábitos Lectores y el Exito Escolar en Niños Inmigrantes
Valor de la lectura
Si analizamos las medias en cuanto a la valoración del rendimiento, los niños autóctonos
obtienen una mayor puntuación (Mespañoles= 3.02, Minmigrantes= 2.70, t= 2.70, p< .000). Se
mantiene la superioridad tanto frente a los inmigrantes de origen latino, como a los niños que pro-
58
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
ceden de países con otro idioma diferente al castellano (Mlatinos= 2.74, Motros idiomas= 2.55,
F= 8.56, p< .000).
Sin embargo, si analizamos las diferencias en el rendimiento escolar en función del origen
de los niños y teniendo en cuenta el hábito lector, las diferencias entre autóctonos e inmigrantes
desaparecen (Tabla VI). En la gráfica puede apreciarse claramente la similitud entre ellos.
Conclusión
Los resultados obtenidos nos permiten afirmar que la construcción de hábitos lectores en
la infancia y el desarrollo de un valor positivo de la lectura implican una formación que va más
allá del comportamiento lector y que está relacionada con el rendimiento en el contexto escolar.
Cuanto antes y mejor se integren los menores y los jóvenes inmigrantes en los centros escolares,
mejor será su rendimiento en los estudios y en el mercado laboral.
Es imprescindible crear entornos en los que leer y escribir sean actividades cotidianas.
Para fomentar el hábito lector es necesario que se dé una lectura interpretativa y crítica: ofrecer
no sólo libros, sino la posibilidad de comentar las lecturas, aprendiendo a reflexionar y a opinar,
además de implicarse emocionalmente en el texto. Este es el punto que parece diferenciar cuali-
tativamente al lector del no lector.
La adquisición y consolidación del hábito lector debe ser un objetivo prioritario de la
política educativa. La lectura y la mejora de la comprensión lectora de los alumnos deberían con-
vertirse en un objetivo del conjunto de la sociedad. La lectura y el dominio del lenguaje son la base
del desarrollo del alumno en las distintas áreas del currículum.
59
El valor de la Lectura y su Relación com los Hábitos Lectores y el Exito Escolar en Niños Inmigrantes
Debemos conseguir que el niño no sólo le conceda un valor instrumental a la lectura, sino
también un valor lúdico. La meta es disfrutar de la lectura con el objetivo de conseguir el hábito lector
a medio plazo. Ser lector proporciona una formación más sólida para hacer frente a los requerimientos
del futuro. Sin embargo, para que un niño se implique de verdad en el desarrollo de su hábito lector es
necesario que interprete la lectura en sí misma como un comportamiento social relevante.
Referencias bibliográficas
Albrecht, S.F. y Braaten, S. (2008). Strength-based assessment of behavior competencias to distinguish stu-
dents referred for disciplinary intervention from nonreferred peers. Psychology in the Schools, 45(2), 91-103.
Fullana, J. (1996). La prevención del fracaso escolar: un modelo para analizar las variables que influyen en el
Schwartz, S.H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical
test in 20 countries. En M. Zanna (Ed.), Advances in experimental social psychology (vol. 25, pp 1-65). New
Schwartz, S.H. (2005). Basic human values: Their content and structure across countries. En A. Tamayo y J.B.
Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizaciones (pp. 21-55). Petrópolis, Brazil: Vozes.
Schwartz, S.H., Sagiv, L. y Boehnke, K. (2000). Worries and values. Journal of Personality, 68, 309-346.
Wasik, B.H. y Hendrickson, J.S. (2006). Family literacy practices. En C.A. Stone, E.R. Silliman, B.J. Ehren y
K. Apel (Eds.), Handbook of Language & Literacy. Development and disorders (pp. 154-174). New York: The
Guilford Press.
Yubero, S. (2009). Valores sociales y lectura. En S. Yubero, J.A. Caride y E. Larrañaga (Coords.), Sociedad edu-
Yubero, S., Serna, C. y Larrañaga, E. (2009). El fracaso escolar como una forma de exclusión social. En S. Yu-
bero, E. Larrañaga y A. Blanco (Coords.), Exclusión: nuevas formas y nuevos contextos (pp. 155-167). Cuenca:
Zamora, B.M. (2005). Inmigrantes y educación: Todos iguales, todos desiguales. Revista de Historia y Soci-
60
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Anexo
Chico Chica
61
El valor de la Lectura y su Relación com los Hábitos Lectores y el Exito Escolar en Niños Inmigrantes
62
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Entre las actividades que te proponemos, señala las tres que más te gusta hacer en tu
tiempo libre.
- Practicar algún deporte
- Ir al cine 1. __________________________
- Estar en casa con mi familia
- Salir con mis amigos/as 2. __________________________
- Ver la televisión
- Escuchar música 3. __________________________
-
Leer
- No hacer nada
- Navegar por Internet
- Jugar con la PlayStation/Game Boy/Nintendo
Indica en qué medida te describen las siguientes frases:
Soy bueno/a en las tareas escolares.
� Nada � Poco � Regular � Bastante � Mucho
Hago amigos/as fácilmente.
� Nada � Poco � Regular � Bastante � Mucho
Comprendo generalmente lo que leo.
� Nada � Poco � Regular � Bastante � Mucho
63
64
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMEN
En los ámbitos educativos se ha venido hablando el asunto y han asumido la responsabilidad que la sociedad les
desde hace muchos años de la importancia que tiene gener- demandaba, es cuando ha comenzado a darse a la lectura y su
alizar el hábito de la lectura entre los escolares y los jóvenes generalización el impulso que necesitaba. Esta preocupación
en formación para contribuir, entre otras cosas, a su proceso de institucional ha venido muy bien al entorno educativo.
formación a consecuencia del protagonismo que tiene la lectu- Pretendemos llevar a cabo el análisis de algunos de
ra como instrumento de acceso al resto de conocimientos y sa- los Planes de Fomento de la Lectura para poner al descubierto
beres que una persona irá descubriendo a lo largo de su vida. sus luces y, por qué no, desvelar sus sombras, que de todo hay.
El origen del Plan de Fomento de la Lectura, allá por el año 2000, estableció tres objetivos
principales que debían guiar al Plan:
Se concibe la promoción de la lectura como una tarea común de toda la sociedad, fruto
de la colaboración entre los responsables de políticas culturales, sociales, educativas y de comu-
nicación.
La lectura es una herramienta fundamental en el desarrollo de la personalidad y de la
socialización; como elemento esencial para convivir en democracia.
Es una tarea distinta de la formación de la habilidad de leer, que se inicia en la familia y
en la escuela, y que necesita de personas y lugares que permitan el acercamiento a los libros. Por
ello, apoya la labor de padres, profesores y bibliotecarios.
66
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
La lectura, como tarea común de toda la sociedad, impulsa la firma de diferentes conve-
nios con: Organizaciones representativas de los inmigrantes, Entidades sindicales, Empresas,
Otros ministerios, como el de Interior o el de Educación y Ciencia y numerosas entidades, como
universidades, fundaciones, etc.
Supone un esfuerzo presupuestario grande por parte del Ministerio de Cultura: casi 30
millones de euros en 2004 hasta casi alcanzar los 50 millones de euros en 2007.
Desde el año 2000 se han concedido ayudas a un total de 386 asociaciones por un valor
global de casi 6 millones de euros.
Las estadísticas muestran una progresión positiva: de una población lectora en 2003 del
52% se ha pasado a un 58% en el segundo trimestre de 2007. Leemos más y las nuevas generacio-
nes aún son más lectoras. En este sentido podemos destacar un dato esperanzador, más del 90 por
ciento de los niños de 10 a 13 años son lectores.
El Plan ha desarrollado un conjunto de actividades que pasamos a resumir:
67
¿Caminos para una educación intercultural?...
Instrumentos de Análisis
Trata de obtener datos fiables sobre los índices de lectura y compra de libros, así como
elaborar instrumentos de análisis sobre la situación de las bibliotecas públicas españolas, refor-
zando los puntos fuertes y mejorando las debilidades que presentan las librerías. Igualmente,
ofrece información acerca de las actividades que desarrollan las bibliotecas del Estado. Los ins-
trumentos de análisis desarrollados en este Plan de Fomento de la Lectura han sido los siguientes:
68
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Acciones de Comunicación
69
¿Caminos para una educación intercultural?...
70
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
71
¿Caminos para una educación intercultural?...
Censo de Actividades
Da a conocer las actividades más importantes que para el fomento de la lectura desar-
rollan las instituciones públicas y privadas en España y ayuda a los interesados a promover este
tipo de actividades, aportando datos sobre su experiencia, documentación y bibliografía.
73
¿Caminos para una educación intercultural?...
bro. Este programa presenta una gran importancia estratégica, ya que aproximadamente la mitad
de la población española reside en municipios de menos de 50.000 habitantes, con lo cual esta
iniciativa presenta un gran impacto en el territorio. En las últimas ediciones la respuesta de los
municipios ha sido muy positiva, habiéndose presentado hasta la fecha más de 7.550 proyectos
por más de 2.000 municipios.
La experiencia ofrecida por los nueve años consecutivos de la Campaña demuestra que la
labor de animación a la lectura entre niños y jóvenes de las comunidades se ha visto enriquecida
con la presencia en las bibliotecas de otros colectivos que han obligado a modificar sus proyectos,
y ampliar sus actividades dirigiéndolas hacia la integración social.
Las actividades premiadas en las Campañas de animación a la lectura desde el año 1998
se encuentran recogidas en el censo de actividades de fomento de la lectura. El objetivo del censo
es conocer actividades de promoción de la lectura que se desarrollan en España, por instituciones
públicas o privadas y ayudar a todos aquellos interesados en promover este tipo de actividades,
aportando sus experiencias.
El Portal Leer.es
Por su parte el portal Leer.es es, según palabras de Ángel Gabilondo, ministro de Edu-
cación, el pasado 12 de noviembre de 2009 cuando fue presentado en público, un programa que
tiene como objetivo animar a los chicos y las chicas jóvenes a leer. Pero no sólo eso. Queremos
además de aprender, que leer se convierta en una de sus formas favoritas de pasar el tiempo…”
Además de la bienvenida al portal, se incluyen secciones muy diversas en un formato
muy juvenil, como si de un tablón de anuncios se tratara: noticias, invitación a participar envian-
do fotos, vídeos, etc.; propuesta de participación en el blog y un apartado para estudiantes con
recursos que ayudarán a trabajar para mejorar la comprensión lectora y que harán comprender
que la lectura es una actividad fundamental en todos los ámbitos de la vida, así como en todas las
materias del currículo.
Se ofrecen links para agenda, noticias, participación, blogs y enlace con las Comunidades
Autónomas y sus correspondientes planes de fomento de la lectura.
En la opción FAMILIAS se ofrecen orientaciones a los padres para trabajar en casa el
gusto por la lectura mediante juegos y actividades que refuerzan algunos de los elementos del
lenguaje: letras, palabras, textos, etc.
Las secciones que componen esta opción son: 10 ideas para animar a leer, preguntas y
respuestas (como el psicopedagogo en casa), actividades, con firma (artículos relacionados con
la lectura en casa o promovida por los padres), canal (vídeos que refuerzan la tolerancia y otros
valores en las personas) y más recursos (enlaces con otros servidores relacionados con la lectura).
La sección DOCENTES ofrece recursos (banco de materiales importantes y una clara pro-
moción de la lectura digital), bibliotecas escolares (resalta el papel tan importante que juegan en
la promoción de la lectura), evaluación (incluye pruebas para analizar la comprensión lectora, que
pueden incluso realizarse de manera interactiva), formación (remite a eventos, cursos o actividades
para el reciclaje del profesorado) y enlaces: biblioteca escolar digital, centro internacional de tecno-
logías avanzadas o cómo orientar a los centros para el desarrollo de planes de fomento de la lectura.
El conjunto resulta muy prometedor, con numerosas opciones, visualmente muy atractivo
y con un equilibrado conjunto de propuestas.
76
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Analizar los planes de Fomento de la Lectura en España requiere, como hemos visto, un
análisis de las iniciativas adoptadas por el Ministerio de Cultura del Gobierno central y, necesaria-
mente, la revisión de las estrategias en materia de fomento de la lectura en alguno de los gobier-
nos autonómicos que tienes cedidas las transferencias en cultura.
Por razones de residencia y, por tanto de proximidad, parece adecuado describir el Plan
Regional del Fomento de la Lectura puesto en marcha en Extremadura, una de las 17 comunida-
des autónomas o gobiernos regionales que configuran el mapa político administrativo de España.
El Plan Regional de Fomento de la Lectura en Extremadura fue creado por creado por la
Consejería de Cultura de la Junta de Extremadura en 2002, marcándose como objetivo fundamen-
tal fomentar la lectura en el ámbito territorial de la Comunidad de Extremadura para elevar el
nivel cultural de sus ciudadanos. Para ello promociona la creación, edición, difusión y distribución
de libros, el impulso de las bibliotecas y tiene encomendado el desarrollo de los programas nece-
sarios como medida de promoción y fomento de la lectura.
Una parte esencial del Plan fue el Pacto por la lectura, suscrito por un buen número de
instituciones públicas y privadas el 23 de abril de 2003 en la Biblioteca Regional de Extremadura,
en el que se fijaba el compromiso por estableces líneas y programas que posibiliten el fomento de
la lectura entre los ciudadanos extremeños.
Para el desarrollo de este Plan Regional de Fomento de la Lectura se han puesto en mar-
cha una serie de programas que ahora resumimos:
78
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Una de las iniciativas más exitosa ha sido la creación e impulso de los Clubes de Lectura.
Clubes formados alrededor de bibliotecas, asociaciones, librerías o centros educativos para hablar
de un libro y de la vida. Se han adquirido más de 100 lotes de libros para ponerlos a disposición
de estos clubes y, también, se hace el ofrecimiento para el inicio de nuevos clubes en los primeros
momentos de su andadura. Cada persona puede adscribirse a un club de lectura que conozca o
formar el suyo propio. La relación de clubes se incluye en la página web del programa Fácil Lec-
tura http://www.facillectura.es/.
Desde el Plan de Fomento de la Lectura se facilitan los préstamos y la circulación de los lotes
de libros. También se ha propiciado la presencia de escritores extremeños en estos clubes para lo cual
se cuenta con la colaboración de la Asociación de Escritores Extremeños que en su página web (www.
aeex.org) actualiza cada cierto tiempo la relación de escritores que participan en esta actividad.
Una de las últimas actividades dentro de los Clubes de Lectura ha sido la denominada Tal-
leres de Lectura con los lectores menos visibles, que contempla talleres en la Prisión de Badajoz y
en el Centro de Reforma Marcelo Nessi (desde 2007).
El panorama lector en Extremadura es bastante halagüeño. Hay 449 centros bibliotecarios
(212 bibliotecas y 237 agencias de lectura). Por eso se quiere complementar con el programa Agente
de la Lectura, implicando a voluntarios en el fomento de la lectura. Consiste en distribuir el Carnet de
Agente de la Lectura, gratuito, personal e intransferible, que otorga a su poseedor ventajas a la hora
de obtener préstamos bibliotecarios, compra de libros, entradas a teatros, salas de cine o exposiciones.
Otras iniciativas emprendidas han sido:
SOBRE LECTURA
Nos ofrece información acerca del Programa Biblioteca de Cabecera, colección de
libros destinada a quienes estén ingresados en alguno de los once hospitales del
Sistema Extremeño de Salud y que también pueden llevarse a casa.
I CONGRESO NACIONAL DE LECTURA
Se da cuenta de la celebración en abril de 2006 del Congreso celebrado en Cáceres y
que fue definido como uno de los eventos de mayor transcendencia de los celebrados
hasta ahora en Extremadura.
EFECTO DOPLER
Ofrece la opción Leer Oriente a propósito de la reciente traducción de los poemas de
Wang Wei con lo que se pretende dar una visión de las cosas, desde otras culturas y
formas de pensamiento.
OBSERVATORIO DEL LIBRO Y LA LECTURA
Realizado por la Fundación Germán Sánchez Ruipérez por encargo del Plan de Fo-
mento de la Lectura. A través de su espacio web http://www.observatorio-lectura.
80
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
CONCLUSIÓN
La descripción detallada que hemos realizado sobre las iniciativas en torno al Fomento
de la Lectura tanto desde el Ministerio de Cultura del gobierno de España, como desde la Conse-
jería de Cultura de una de las diecisiete comunidades autónomas en que está organizada la vida
político-administrativa del país, en concreto la Comunidad de Extremadura, nos permite calibrar
la preocupación y esfuerzo que se viene evidenciando sobre este asunto tan importante para la
formación de las personas como es la lectura y su utilización como herramienta para el acceso al
resto de los saberes.
Creemos que la pormenorizada enumeración y descripción de programas y actividades es
más que suficiente para extraer valoraciones sobre luces y sombras, que omitimos para no alargar
este análisis, pero que, sin duda, podrá ser emprendido en próximas colaboraciones o encuentros.
81
82
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
No podemos pensar que el discurso mítico sea un simple compendio de fábulas, alegorías
o imágenes aleatorias. Sus universos simbólicos tienen una lógica interna, un armazón, que los
estudiosos de los mitos o de los cuentos han puesto de manifiesto. Patrones en forma de motivos
o tipos bastantes recurrentes. También su universalidad, la extensión de éstos desde Irlanda a la
India, son un hecho concluyente.
Cuando nos enfrentamos a un corpus de mitos estamos un poco como cuando un filólogo
prepara la edición crítica de una obra; no sólo ocurre que los textos estén dispersos, sino que
contengan errores, interpolaciones o falsedades. Primero, pues, debemos elegir un texto base
y hacer luego la confrontación con los otros, la collatio codicum. Imaginemos, por ejemplo, que
elegimos un texto base para el mito/cuento de La Bella y la Bestia, como podría ser “Piel de asno”
de Perrault.
Claro que aquí no hablamos de la copia de un manuscrito o de un impreso y sus eventuales
diferencias, sino de las variaciones que va adoptando un mismo patrón mítico. Normalmente, la
lectura “sensata” de estas historias no presta excesiva atención a los detalles, porque, al igual que
hizo Perrault con los cuentos populares que reescribía, piensan que son elementos “fantasiosos”,
sin una justificación más allá del “capricho” de la imaginación. En cambio, lo que apreciamos al
examinar a fondo el armazón del cuento de hadas –al modo en que lo describe V. Propp- o la urdim-
bre de lo que Campbell llama el monomito heroico, es que las cosas no son porque sí.
No parece difícil, pues, establecer que el mito sea una suerte de lectura entre líneas de
la realidad, fundada en una serie de imágenes o representaciones.
83
Fracturas del Espacio en los Mitos y las Lecturas Fantásticas
El mito es, pues, una narración consistente de carácter globalizador, es decir, nos habla
de la “totalidad” del hombre y la comunidad, de sus destinos, de un universo coherente donde las
cosas no suceden porque sí, en ese sentido, el mito es dogmático se cuenta algo para demostrar
un final, por ejemplo, las cosmogonías y los mitos astrales, las constelaciones se explican por todo
lo que precede. Es lo que se llama el carácter etiológico, que también ha heredado, a nivel más
local, la leyenda: los males del mundo estaban un día controlados pero el “episodio” de la caja de
Pandora “explica” su diseminación, y así sucesivamente.
Lo que ocurre dentro de la narración suele tener un carácter arquetípico, ejemplar,
como dice Eliade, y, como tal, es base de rituales y creencias. Por eso cuando el espacio se frac-
tura dentro de un mito o leyenda, por ejemplo, se desciende a los infiernos, o se accede a una ul-
trarrealidad, en realidad se nos está contando un viaje arquetípico. De hecho, en el propio ámbito
de los cuentos de hadas, los espacios están muy bien separados, de modo que el alejamiento del
espacio familiar es conditio sine qua non de la aventura.
Ciertamente, si todas las imágenes míticas se interpretan en la más radical literalidad,
desembocan en un tipo de interpretación (v.gr. el arca de Noé, el caballo de Troya…) , pero si se
descifran de otra forma, entonces da origen a un tipo de interpretaciones menos evidentes, menos
convencionales y, de ahí, más “ocultas” a la vista de todos, pese a que estén ahí. De igual modo,
Jesús insistió en su mensaje que había que saber entender las claves de su mensaje (por ejemplo,
el Reino había llegado, aunque pocos eran capaces de percibirlo).
El mitógrafo J. Campbell, como Frazer y otros, han reunido esas imágenes para darnos
una visión de conjunto, lo que él llama el monomito heroico, el viaje del héroe. Su mérito es
reunir en una secuencia lo que son piezas complejas de un puzzle. Lo que sí no interesa es su
visión global del periplo del héroe como procesos que implica dos planos distintos, el ascenso y el
descenso, el mundo de arriba y el inframundo, planos cósmicos unidos de todos modos por lo que
Eliade llama los axis mundi, las escalas cósmicas, así como por las puertas dimensionales o los
cruces del umbral.
El espacio fracturado en los mitos y novelas fantásticas revela esta misma multidimen-
sionalidad cosmológica: lo inferior, lo ctónico es la morada de unos dioses, como los cielos son
enseñoreados por otras divinidades específicas.
84
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Lo que queda claro es que tras la “llamada a la aventura”, siempre hay un enfrentamiento
con la oscuridad, un encuentro, un descenso (las formas puedes ser muy variadas) pero se trata
siempre de un intercambio, que eso es la prueba (yo hago algo por ti, tú haces algo por mí, es la
base del óbolo para Caronte, sin ir más lejos).
Hay motivos que no se han estudiado suficientemente, como el secuestro, rapto o ab-
ducción, que son formas en que la voluntad del “héroe” no es digamos concorde, a diferencia de
los otros mitemas, y, en conexión con ello, el motivo del olvido.
Ambos procesos son necesarios porque el traer violentamente al “héroe”/”heroína” a la
realidad del ultramundo, conlleva una segunda intervención: hacerlo olvidar la vida anterior: el
héroe olvida y/o es olvidado. Normalmente, el cuento explica que con el contacto (abrazando al hé-
roe), se le olvida la vida anterior, mientras que, para lo contrario, para el recuerdo, tienen que ser
una cantinela o una música lo que provoque la anamnesis (como en el filme Misteriosa obsesión).
Una visión simplista siempre ha entendido que la heroína pasiva secuestrada era un sim-
ple resorte para poner en marcha cuentos de búsqueda como El Dragón. Sin embargo, ahora po-
demos percibir que realmente héroe y heroína son caras de la misma moneda, expansiones, si se
quiere ver así, y que el secuestro de la heroína es una “autollamada”. El secuestro, en general, de
víctima provoca una búsqueda en quienes le quieren (la madre en Misteriosa Obsesión, o la novia
en los cuentos) y es ése conglomerado el auténtico héroe.
El don, pues, se logra resistiendo los embates de las fuerzas, intercambiando con ellas; en
las leyendas urbanas de abducciones, la vuelta a la vida es literalmente el retorno, y el bien que
trae al mundo es su propia fortaleza.
En los cuentos y en los mitos el secuestro no se vincula al olvido mágico, por ejemplo, la
princesa raptada que “espera” el rescate no sufre esta privación de memoria, aunque sí se dice
que están en un estado que, a poco que pensemos, es equivalente: están encantados, petrificados,
etc., es decir, detenidos o “congelados” en su ser, “enajenados”. En los cuentos como “Blancaflor”,
el olvido mágico es fruto de una maldición impuesta al héroe, y en realidad lo que quiere decir es
que el novio/a sobrenatural y su pareja pierden el vínculo que tuvieron en su experiencia anterior.
85
Fracturas del Espacio en los Mitos y las Lecturas Fantásticas
Cuando un hombre estaba trabajando en su forja una tarde, oyó grandes gemidos fuera
en el camino, y a través del resplandor del hierro incandescente que estaba martillean-
do, vio a una mujer que un troll estaba raptando, mientras le gritaba “! ¡Adelante!” Salió
al paso, puso el hierro caliente ante ellos, y así la libró del poder del troll.
Había no lejos de la casa de mi amo, una familia de los Brogans. Fue el designio de
Dios que la Señora Brogan enfermara, con un bebé, pero la pobre se murió. Bien,
la hermana, una muchacha más joven que ella, vino a alimentar al niño. Después de
que algún tiempo ella empezó a estar muy delicada e intranquila. Los vecinos esta-
ban empezando a hablar sobre ella, y vino a las oídos de Brogan, y se molestó. Así
que él le preguntó qué le pasaba.
“ Bien, John, “ le dijo ella, “ no me gusta decírtelo, pero Ellie “--ése era el nombre de
la mujer muerta-” viene todas las noches, y toma al bebé y lo cuida, y se marcha sin
decir una palabra.”
Por Dios, “ dice a John, “ ella no está en absoluto muerta, sino secuestrada, yo lo
miraré esta noche.”
A eso de las 12 hora ella vino, y él puso sus brazos alrededor de ella, pero ella le dijo:
No puedes retenerme. “ dice ella, “ porque estoy casada; pero si vienes a la Colina de
la Botella Colina a la siguiente noche, habrá aproximadamente 40 de nosotras, con
nuestros maridos. Todos los caballos serán blancos, y yo y el hombre que me tiene
estaremos en último lugar. Trae un palo avellano usted y golpea al caballo en el lado
derecho, y yo me caeré. Conocerás a mi hombre, porque él es el único de ellos que
tiene una cabeza roja.”
VERSIONES histórico-míticas de los Raptos de doncellas: Por qué las georgianas son tan
bellas, Rusia.
Hay que separar estas leyendas de aducciones de raptos histórico-legendarios, como son
el Rapto de las Sabinas, Helena…que, aparte de su mayor o menos base histórica, encubren la
representación de relaciones comerciales o de intercambios étnicos.
La leyenda cuenta que un rey quería crear un Edén en la Tierra, y que por eso dese-
aba tener a las mujeres más bellas del mundo, así que ordenó raptar a las mujeres
más bellas de cada lugar. Sin embargo, Dios castigó al rey por su soberbia hacién-
dolo morir. La noticia llegó al ejército con su botín de hermosas mujeres cuando
estaban en Georgia, por lo cual vieron que la idea del Edén no se realizaría y liber-
taron a sus cautivas, que decidieron quedarse a vivir allí. Y de esas bellas cautivas
descienden las georgianas, que por eso son tan bellas3.
88
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
89
Fracturas del Espacio en los Mitos y las Lecturas Fantásticas
localizadas (en lo histórico) o bien, en lo mítico, genius loci del lugar Por ejemplo, los asustaniños,
la leyenda de Caco, la leyenda de la Serrana, las leyendas de secuestro de órganos, etc.
1. El Puente (Irlanda).
2. Raptada por la buena gente (Irlanda).
3. 20 años con la buena gente (Irlanda).
4.La colina de las hadas (Escocia).
5.La mujer robada (Escocia).
6.Uno rescata a su mujer raptada por un troll.
90
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Las leyendas de desaparecidos presentan, como hemos dicho muchos frentes. En las aso-
ciadas a seres míticos, hay que contar con los crímenes y en particular con los sacrificios humanos
o asesinatos rituales que se asocian en particular a leyendas locales, a menudo como pervivencia
de antiguos cultos o lugares de sacrificio, o bien también por ciertos prejuicios históricos, como
el supuesto secuestro de niños de los judíos. Ashliman cita algunos ejemplos europeos, repartidos
entre Suecia, Alemania e Inglaterra, y que insisten en la idea de los sacrificios rituales.
Las desapariciones, igual que la enfermedad, no son imputadas por el pueblo a causas
naturales, así, los ahogamientos, se relacionan con una presencia de un genius loci que atraen a
sus presas y allí mueren o son hechas desaparecer. Por ejemplo, las ninfas descritas en las leyen-
das de Bécquer, Ojos Verdes, Rayo de Luna, etc. A veces, más raramente, aparecen desapariciones
colectivas, como las que describe en Hispania Incógnita J. I. Cuesta Millán4.
91
Fracturas del Espacio en los Mitos y las Lecturas Fantásticas
antisemitismo, al querer dar una imagen demonizada del “otro”, y presentarlos de la forma más
horrenda posible.
En cuanto a los Psicópatas o Asesinos en Serie, hace falta recordar que los asesinos en se-
rie no son un fenómeno del s. XX, realmente, como apunta Iván F. Matellanes, tenemos preceden-
tes folklórico-literarios, como los hombres lobo, o el Dr. Jekill y Mr. Hyde y lo que podemos llamar
el tema o mito del “Doble”. Esta dualidad de la personalidad es algo En la creación de Stevenson
hay una división entre hombre/ monstruo que cohabitan la misma persona, igual que el psicópata
mantiene una vida completamente “normal” cuando no está matando. Incluso son personajes sen-
sibles, como Hannibal Lecter, con gustos exquisitos.
92
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Desde esta óptica, los ayudantes y adversarios encargan igualmente la forma de las dis-
tintas representaciones, buenos y malas, del Otro, tal como aparecen en el folklore: igual que en
Dorothy, en el Mago de Oz, se desencadenan las representaciones de la bruja malvada, el hada,
el león cobarde, el hombre de hojalada, el espantapájaros y el propio mago de Oz, en los mitos
clásicos, como la lucha de Hércules y la Hydra, asistimos a un mismo reparto sinestésico. El héroe
descomunal, con amigos y objetos mágicos, se enfrenta igualmente a un agresor-múltiple, la hidra;
el abducido a los humanoides o seres que experimentan con él.
Los paralelismos del “escenario de abducción” con visiones extáticas de todos los tiempos
y de las más inesperadas geografías son, en gran medida, innegables. En cuanto a la operación
quirúrgica, sin duda es un sentimiento de culpa por un fantasma de autocastigo, pero también
es una prueba transfiguradora. Es la operación ritual en la que el antiguo aspirante a brujo era
iniciado por los demonios en una gruta chisporroteante6. El iniciado volvía a la vida con una per-
sonalidad distinta. Igual que nuestro raptado cuando despierta sobre la ruta.
Al retorno de su periplo iniciático, el aprendiz de chamán regresa transfigurado: “él ha
vivido la muerte y la resurrección”. Ciertamente, ha vuelto en alas de la sabiduría y, como con-
secuencia de haber visto el otro mundo, asume una función reconocida socialmente: por haber
viajado a las esferas celestes, encuentra en el seno de la comunidad su morada terrena. Su expe-
riencia es valorada y asume un sentido trascendente que toda la sociedad comparte. En cambio,
el abducido moderno no encuentra más que la burla o la indiferencia. El carácter dramático de lo
5 http://patillasdeasimov.blogspot.com/2006/03/quin-puede-dudarlo-los-seres-humanos.html
6 http://www.lanavedeloslocos.cl/pdf/bertrand.pdf
93
Fracturas del Espacio en los Mitos y las Lecturas Fantásticas
vivido tiende a transformarse, como apunta Méheust7, en un “secreto doloroso”. Está entre dos
mundos, el de los sueños y el cotidiano, el del imaginario arcaico y el de la vida urbana contem-
poránea. Permanece entre ambos mundos, sin poder reclamarse habitante absoluto de ninguno8.
El problema pues es el estatuto de realidad de la experiencia, las leyendas urbanas preci-
samente ya no exigen ser verídicas, como las leyendas tradicionales. La suspensión de credibilidad
abre el arco de experiencias, como se ha visto en Expedientes X, sólo se exige a una historia que
sea coherente, pero a cambio no existe la fuerza que da la fe en las religiones convencionales. Aquí
lo único que podemos saber es:
En todo caso, el lugar adonde el héroe es llamado es siempre algo cóncavo, una cueva,
7 Méheust, Bertrand. “Soucoupes volantes. Vers une ethnologie des récits d›enlévements”. Imago. París. 1992.
8 http://www.perspectivas.com.mx/in/bertrand_meheust.htm
9 En el pueblo de Itaca hay un puerto, el de Forcis, el viejo del mar, y en él hay dos salientes escarpados que se inclinan hacia el
puerto y que dejan fuera el oleaje producido por silbantes vientos; dentro, las naves de buenos bancos permanecen sin amarras
cuando llegan al término del fondeadero. Al extremo del puerto hay un olivo de anchas hojas y cerca de éste una gruta sombría y
amable consagrada a las ninfas que llaman Náyades. Hay dentro cráteras y ánforas de piedra y también dentro fabrican las abejas
sus panales. Hay dentro grandes telares de piedra donde las ninfas tejen sus túnicas con púrpura marina, ¡una maravilla para ve-
las!, y también dentro corren las aguas sin cesar. Tiene dos puertas, la una del lado de Bóreas accesible a los hombres; la otra, del
lado de Noto, es en cambio sólo para dioses y no entran por ella los hombres, que es camino de inmortales (La Odisea, canto XIII)
94
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
gruta, sima o fosa, anegada o no, es decir, donde el agua está pero no siempre. El referente clásico
es obvio: los bothros o fosas de las ofrendas. En contraste, a los dioses olímpicos se les levanta
altares, se relacionan con montes, con lo convexo.
La principal es que todos estos casos no pueden deberse sólo al azar, la impericia o la te-
meridad de la gente. Si algo hay, ¿qué es ese algo? Por lo pronto, es algo territorial, algo que cuida
un espacio que no se puede profanar a la ligera. He conocido incluso historias de chicos que tira-
ban piedras a una sima y que han corrido cuando “algo” salía de las profundidades. Otras veces se
propala la historia de que en una de esas simas o grutas hay un tesoro, y alguien se atreve a entrar
a buscarlo, y tiene que luchar con un animal o espíritu que lo guarda. Es la historia de Hércules y
el león de Nemea, y de tantas historias de santos, caballeros y dragones.
Sea como sea, tras los seres mitológicos de mil caras, tras las damas de agua, las mujeres
encantadas, los animales de leyenda, los espíritus de las cuevas, en fin, tras las diferentes formas
de los genios o entidades de las profundidades, quizás se hallen seres verdaderos, quiero decir,
que viven o vivieron alguna vez, que tiene esas facultades, moran en esos lugares a los que accede
por determinadas “puertas”, y que salen y entran a su antojo. Pueden no obedecer a la forma que
le damos en nuestras ensoñaciones, aunque sí podemos seguir pistas fiables: o no tienen pies (flo-
tan) o tienen pies de animal, como Melusina, que viene a ser lo mismo.
Bajar a una sima es siempre lo que los estudiosos llaman el “descenso a los infiernos”. No
somos topos ni murciélagos, de modo que meternos en una gruta es como volar, bucear en las pro-
fundidades, surcar espacios como el desierto o la Antártica, es decir, andar siempre en los límites de
nuestras capacidades, y eso ayuda a desatar las llamados estados alterados de conciencia, eso que los
místicos y los chamanes solían practicar a menudo con técnicas de éxtasis descritas por M. Eliade.
95
Fracturas del Espacio en los Mitos y las Lecturas Fantásticas
al templo de lapislázuli y en la puerta encontró al jefe guardián quien le preguntó quién era y para
qué había venido. “Soy la reina del cielo, el lugar donde sale el sol”, contestó. “Si eres la reina del
cielo –dijo él-, el lugar donde sale el sol, ¿por qué has venido a la tierra de donde no se vuelve? al
camino de donde los viajeros no regresan ¿cómo ha podido guiarte tu corazón?” Inanna declaró
que había venido a asistir a los ritos funerarios del esposo de su hermana, el señor Gugalanna; por
lo cual Neti, el guardián, le dijo que esperara mientras é iba a avisar a Ereshkigal. Neti recibió
instrucciones de abrir las siete puertas a la reina del cielo, y de actuar conforme a la costumbre
quitándole en cada puerta una parte de su atavío.
96
Fracturas del Espacio en los Mitos y las Lecturas Fantásticas
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Desnuda fue llevada hacia el trono. Hizo una profunda inclinación. Los siete jueces del
mundo inferior, los Anunnaki, estaban sentados ante el trono de Ereshkigal y clavaron
sus ojos sobre Inanna, los ojos de la muerte. A su palabra, la palabra que tortura el es-
píritu, la mujer enferma se convirtió en cadáver y el cadáver fue colgado de una estaca.
Referências Bibliográficas
GARCÍA DE DIEGO, Vicente (1958): Antología de leyendas de la literatura universal, 2 vols. Labor. Barcelona.
MERINO, J.M. (1999): Leyendas españolas de todos los tiempos, Temas de Hoy, Madrid.
Thompson, S.: Motif-Index of Folk Literature: a Classification of Narrative Elements in Folktales, Ballads,
Myths, Fables, Mediaeval Romances, Exempla, Fabliaux, Jest-Books and Local Legends, ed. rev. y aum. (Bloom-
97
98
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMO
O autor aborda a questão da infância pobre, mar- as suas histórias de vida, o seu quotidiano, as suas aprendiza-
ginalizada, abandonada e delinquente, centralizando-se nas gens, os seus percursos, etc. Metodologicamente seleccionar-
suas imagens e/ou representações e, consequentemente, da am-se alguns textos (discursos e narrações numa perspectiva
sua ‘não educação’ (aspecto material). Trata-se de uma temáti- educativa e cultural) de periódicos (jornais e revistas) e de lit-
ca que se insere na história da infância inadaptada (vertente eratura infantil, que deram um conhecimento dessa infância e
etnografia da infância marginalizada (vertente antropológica e da infância, imagem da criança, imprensa, literatura infantil,
sociológica). A partir dessas imagens será possível estruturar pedagogia social, história da educação social.
Questões Introdutórias
100
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
As crises económicas que assolaram a Europa (séc. XIX e princípios séc. XX), lançaram na
pobreza e miséria muitas famílias. Na edição de 1927, o jornal ‘O Setubalense’, na sua coluna ‘Pro-
blema Difícil’ (p. 1-3), retrata a dimensão dessa crise económica gravíssima: ‘Em Setúbal morre-se
de fome. Há lares onde há muito não entra um pouco de pão, onde só a desgraça e a miséria tem
guarida. A falta de peixe numa terra que só de peixe vive arrastou para a pior indigência algumas
centenas de famílias’. As consequências são visíveis e dramáticas por todo o País, principalmente
nos grandes centros urbanos, onde muitos homens e mulheres válidos entraram na senda da men-
dicidade, vagabundagem, marginalização e prostituição. Nem a intervenção, em muitos casos das
Câmaras, das misericórdias e instituições de beneficência, minoravam essas situações de miséria
humana nem acautelavam a vergonha natural de muita gente obrigada à caridade alheia.
Muitas dessas situações proporcionaram o abandono, a marginalização, a exploração, a
mendicidade de crianças e jovens ou situações trágicas, como a que relata Cezar Nogueira, na
coluna ‘Situação Desgraçada’, no ‘O Setubalense’ (1924, p. 1-2): ‘A miséria vai ser muito maior.
Muita dor vai haver em lares recatados, onde o pão será escasso, para acudir ao sustento da famí-
lia. Muitas covas se abrirão para albergar corpos enfezados de crianças, de entes destruídos pela
tuberculose’. A fome, os flagelos sociais e as doenças dizimavam muitas pessoas, na sua maioria
crianças. A indigência estava, muitas vezes, na imprevidência das classes pobres ainda que even-
tual e proveniente de doenças, de invalidez ou da falta de trabalho. O pauperísmo, forma dramáti-
ca da pobreza, supunha a sobrevivência de algumas famílias dependentes do auxílio dos outros ou
da assistência pública e instituições religiosas.
As crianças abandonadas e marginalizadas, que vagabundavam pelas ruas dos centros
urbanos, provinham, em geral, de famílias numerosas, de internatos, de orfanatos e de explora-
101
A outra educação da infância sem voz expressa na literatuta (Séc. XIX-XX)
ção infantil. Fugiam de casa, dos hospícios e casas de correcção, sobrevivendo nas ruas, na base
da mendicidade e vagabundagem. Nessa promiscuidade das vivências da rua, da taberna e com
o perigo do roubo, da prisão, da corrupção e delinquência apresentavam-se raquíticos, famin-
tos, enfezados, com poucas vestes, sujos, contagiados de doenças, etc. As autoridades policiais
empenhavam-se, desde o tempo do Intendente Pina Manique, em persegui-los, recolhendo-os, pri-
meiramente, em prisões com os mais velhos, depois em casas de detenção e correcção, orfanatos,
internados, reformatórios, etc., de modo a beneficiarem de assistência educativa e reeducativa.
Neste contexto historiográfico é útil perceber as medidas legislativas que surgiram, a
intervenção dos municípios, o papel das instituições de acolhimento e reeducação e a actividade
assistencial desenvolvida. A história do abandono e marginalização da infância e juventude está
associada a outros aspectos temáticos, como a desestruturação e promiscuidade do ambiente
familiar, a pobreza e miséria, o infanticídio, a falta de assistência, a amamentação por amas (ex-
postos, enjeitados) e a adopção. A assistência realizada nem sempre tinha a correlata eficácia.
Quer no estabelecimento de acolhimento, pela frequente conjunção da assistência aos expostos,
órfãos e abandonados com aprestada a adultos doentes, mendigos e pobres, quer no domicilio de
acolhimento, pela habitual partilha de cuidados com os filhos da ama ou com outros expostos em
criação, o certo é que os índices de mortalidade infantil são neste período bem elevados.
No século XIX debatem-se questões educativas que convertem a criança e o povo no
centro do interesse pedagógico, sociológico, médico-assistencial e político. É a época em que a
literatura e a imprensa criam a figura romântica do ‘mendigo’ e do ‘vagabundo’, aumentando as
denúncias de abandono, desamparo (moral, material), infanticídio e delinquência, que implicou
acções filantrópicas, privadas e públicas, com a criação de instituições e associações de protecção.
Paralelamente, debatiam-se esses problemas sociais ao nível político, jurídico, médico, profilácti-
co, assistencial e social sobre essa infância ‘sem vez’ na sociedade portuguesa.
De facto, as crianças ‘mendigas’ e ‘vagabundas’ situavam-se no centro da questão social
(eugenismo) relacionado com o fenómeno cada vez mais difundido da pobreza, miséria, e analfa-
betismo, com consequências no imaginário social, onde a triste figura da ‘criança da/na rua’, se
mistura com evocações literárias de aventuras e resgates. É óbvio que as causas que levavam
essas crianças para a mendicidade são várias, por exemplo: as péssimas condições de habitações
102
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
nos bairros pobres (Lisboa, Porto, Coimbra, Setúbal), levando os seus moradores a permaneceram
nas casas o menor tempo possível; promiscuidade moral e higiénica das habitações e moradias;
falta de escolas, cantinas escolares, creches e jardins escolas, facto que impedia o acesso à ins-
trução; múltiplos perigos morais e físicos de ambientes promíscuos (taverna, rua, prostituição);
falta de trabalho e elevado desemprego, impedindo que os jovens dos 14 aos 18 anos pudessem
empregar-se; o desmazelo e abandono dos pais e famílias pelos filhos. Assim se explicam as atitu-
des face a esta outra infância de certos artigos de periódicos (Quadro n.º 1).
Quadro n.º 1: Extractos de narrativas da imprensa (início Séc. XX) ilustrativas do estado das crianças (memó-
rias da imprensa diária).
“(...) pequenitos que revolvem os barris de lixo em procura de alguns restos para comer. (...) Há crianças
que tomavam como profissão rebuscar no entulho do Aterro qualquer trapo, para aproveitar como aga-
salho, ou migalha de comer, para se enganarem como alimento.“ (O Século, de 11/02/1922, p.2).
“(...) desgraçados que patenteiam a sua miséria pelas ruas de Lisboa, para obterem alguns meios
de subsistência (...) crianças andrajosas pedindo esmola que também em nada concorrem para o bom
nome do país e da sociedade.” (Diário do Senado, de 9/07/1924, p. 2).
“(...) rostos escaveirados, expressões bestializadas, encardidas nas intempéries ocultas, sob uma cama-
da viçosa de imundice. Tudo neles é negro. (...) Marcham como sapos, deslizando acocorados, hábito que
lhes ficou da contínua existência de toupeiras agachadas sobre o lixo ou curvadas para deslizarem den-
tro das suas barracas de tectos baixos como tocas (...) “ (A Batalha, O Paraízo Burguês, de 25/03/1925,
p. 1).
“(...) as ruas de Lisboa não deixaram de ser ainda escola, oficina e abrigo de centenas de crianças, onde
colhem o alimento, instrução e o próprio diploma profissional (...) vivem da rua e para a rua, até (...) a
maioridade no crime lhes dar direito a entrarem nas prisões do estado. Não têm outro futuro.” (A Tuto-
ria, n.º 12 -Dezembro, p. 2).
“O mendigo citadino diz muitas vezes n’uma taboleta que traz ao pescoço as suas enfermidades (...) a
par do mendigo invalido, do doente, do desgraçado, há propriamente o vadio que arranja vários meios
de commover. (...) É uma legião desclassificada que percorre as ruas. “ (O Novidades, Os Mendigos,
de 8/08/1911, p. 1)
“ (...) pulula, grangrenada de doença e de miséria’ em sintonia perfeita com a inúndice das ruas, mal
iluminadas, que davam um aspecto lúgubre e sórdido aos bairros de Lisboa“ (O Século, Cidade Mártir,
de 29/04/1922, p. 1).
Não possuímos testemunhos orais directos (histórias de vida, narrações biográficas, etno-
grafia antropológica) das vivências daquele tipo de infância nessa época. Temos que recorrer às
fontes literárias, as quais deram ‘palavra’ a essas crianças e jovens.
103
A outra educação da infância sem voz expressa na literatuta (Séc. XIX-XX)
A área da pedagogia está, no século XIX, bastante influenciada pela obra de J.E. Pestalo-
zzi, que dedicou grande parte da sua vida à infância marginalizada, improvisando novos métodos
de ensino. É verdade que a falta de análise prática e a incapacidade de analisar cada acção edu-
cativa, em cada contexto, levaram a algum insucesso pedagógico. Contudo, o seu amor à infância
desvalida, o conhecimento dos seus problemas e a metodologia reeducativa, utilizada nas suas
experiências, fazem designar a sua pedagogia de social. Na sua obra Sobre a legislação e infanti-
cídio (1782) expressa essa sensibilidade com o mundo infantil, tal como Fröbel, criador dos ‘Kin-
dergarten’, ao considerar a criança activa na situação de aprendizagem.
Encontramos alguns ecos infantis na literatura romântica em Jean-Paul Richer e Von Her-
der, influenciados pela obra de J.J. Rousseau Emílio. Os romances e a poesia educativa de Richer
Abelardo e Eloísa e Levana ou teoria da educação (1807) são um bom exemplo dessa pedagogia
literária. ‘Levana’ era a Deusa a que o pater famílias romano recorria quando acolhia nos seus
braços o seu filho recém-nascido. Essa cerimónia pública, de teor religioso, implicava a aceitação
do novo membro da família. Poeticamente Richer viu a criança como uma aurora pura do mundo
futuro, isto é, a criança era o eco de como o divino e a beleza foi posta por Deus no homem. As
palavras pronunciadas pelo pater famílias, diante da criança, ficavam gravadas na sua memória
e iriam ser compreendidas mais tarde, no período da infância e juventude, já que essas fases, no
contexto evolucionista, resumiam a história da humanidade e o ponto de partida do porvir. Ou
seja, não se educava a criança para o presente, senão para o futuro, tendo os pais e tutores um
importante papel, principalmente a mãe nos primeiros anos de vida. Pedagogicamente, Richer
defendia o jogo lúdico infantil, a educação moral kantiana e a educação física proposta por J. Loke
(Martins, 2002: 58-61).
São, ainda de destacar, na corrente romântica, os contributos para a literatura infantil dos
irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, tão divulgados na época em Portugal. Inicialmente, não pensaram
nas crianças ao recolherem oralmente muitas lendas e fábulas medievais, mas a sua colecção de
contos de 1812 foi destinada à infância e juventude, apesar de algumas descrições cruéis e violentas
104
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
terem sido criticadas. Por isso, os irmãos Grimm souberam adequar as narrações à linguagem in-
fantil, de tal modo que o conteúdo narrativo desses contos, de índole popular, sendo diversificado
(fábulas de animais, lendas antigas) transmitia modelos de conduta, valores, crenças, superstições,
mitos, etc. Em todos eles mistura-se o mundo real com o mundo imaginário (da fantasia e do fan-
tástico), a sociedade tradicional e sociedade da época. Esse imaginário, esse discurso ‘mágico’ e
maravilhoso constituía a evasão da dura realidade existente em que se moviam os protagonistas dos
contos, permitindo uma identificação solidária com essas personagens (Delgado, 2000: 162-165).
Nestes contos, o herói possui qualidades humanas, superando as adversidades, relacio-
nando-se, com naturalidade, com o mundo animal, com os anões, gigantes, fadas e bruxas e, outras
vezes, procedendo de encantamentos. Ao lado dos elementos fantásticos narrativos surgem dados
sociológicos e morais de carácter histórico. Senão vejamos. Os pais e as famílias numerosas, mi-
seráveis e pobres abandonavam os filhos no bosque porque não as podiam alimentar (Hansel e
Gretel). Algumas dessas crianças (Os Três Pelos do Diabo) são acolhidas por diversas personagens
(artesãos, caçadores e personagens fantásticas), que ocasionalmente passavam por essas para-
gens, educando-as, ajudando-as a crescer ou utilizando-as como pedintes e mendigos. Há, pois
uma semelhança nestes contos com a vida real do comportamento das famílias, que abandonavam
as crianças ou as empurravam para a mendicidade, vagabundagem e marginalização.
O pai aparece representado com diversos tipos: o ‘pai autoritário’ encarnado pelos reis
que tratam de forma déspota a rainha e os filhos; o ‘pai débil’ que faz tudo o que a mulher egoísta
e ambiciosa lhe diz (‘O pescador e a sua Mulher’); o pai incestuoso que abusa das filhas ao ficar vi-
úvo ou abandonado. Também a figura da madrasta está presente naqueles contos. Quando as mães
morrem de parto, é costume os viúvos voltarem a casar-se ou a juntar-se. Na maioria dos casos a
madrasta perversa tem aversão aos enteados (maus-tratos, agressões, castigos e abandono), mas
há sempre um final feliz para essas crianças e jovens (O Bem Amado Rolando, Branca de Neve e
os Sete Anõe’ e Gata Borralheira). Hansel e Gretel são um dos contos típicos onde se representam
arquétipos: família numerosa; a madrasta que força o pai a abandonar os filhos no bosque; o papel
de Hansel como o homenzinho protector da sua irmã; Gretel com todos os seus estereótipos tradi-
cionais femininos (bonita, carinhosa, astuta, corajosa). Branca de Neve é uma menina levada para
a morte devido à inveja da madrasta, mas o príncipe salvador resgata-a dos males.
105
A outra educação da infância sem voz expressa na literatuta (Séc. XIX-XX)
Em outros contos dos irmãos Grimm o ‘pai’ fomenta a competitividade entre os filhos (Os
Três Irmãos, Os Quatro Irmãos Habilidosos) num ambiente familiar pobre e numeroso, sendo pri-
mordial nessa literatura tanto o ‘primogénito’ (o sucessor dos bens e do nome) como o ‘benjamim’
(o mais querido pelos pais e irmãos). Por exemplo, na Reina das Abelhas e em As Três Penas, o
filho mais pequeno, considerado pelos irmãos de ‘tonto’, converte-se em herói da família, recupe-
rando o apreço e admiração de todos. Em O Capuchinho Vermelho aparecem muitos símbolos que
serviram de exemplo aos psicanalistas, pois a menina (frágil, ingénua), esquecendo-se dos conse-
lhos da mãe, deixa-se levar pelos desejos e interesses pessoais, ficando à mercê do lobo sedutor e
destruidor. No pólo oposto está o caçador forte e protector, que salva os débeis, matando o lobo.
O renascer tem o significado de perda da inocência e o consequente amadurecimento e superação
dos traumas infantis. Na verdade, os contos dos irmãos Grimm transportam mitos, superstições,
crenças religiosas e práticas mágicas, de interesse histórico, cultural e educativo, estando presen-
te o inconsciente colectivo freudiano.
Outro escritor de grande importância no nosso estudo de representação e ‘imagem’ da
infância abandonada e marginalizada é Charles Dickens (1812-1870), com as suas próprias vi-
vências autobiográficas. Oliver Twist nasceu num hospício, habitual na época, onde cresceu com
personagens amáveis e sinistras, terminando por fugir e cair nas mãos de um explorador de crian-
ças, que o obrigava a roubar. Um dia, ao ser detido e acusado por um furto que não cometeu, a
preocupação de Oliver foi procurar quem eram os seus pais, para poder recuperar a sua herança.
Outro conto famoso de Dickens é David Copperfield (1849), protótipo da infância desvalida, cuja
história está recheada de simbolismos, de peripécias, de situações de maus-tratos pela madrasta,
de descrições educativas do Colégio, de castigos, da presença de animais, etc. A experiência vivida
por Charles Dickens, o seu espírito de observação da vida social na época, a falta de protecção da
infância desvalida e a sua imaginação fizeram que as suas narrativas descrevessem as situações
sociais reais da época.
Na literatura portuguesa muitos escritores expressam um grande interesse social pela
infância, incluindo as suas recordações da etapa infantil e do seu ambiente. Se analisarmos o Di-
cionário Bibliográfico de Inocêncio e Marques Júnior, de 1928, encontramos muitos escritores que
escreveram livros para crianças (escolarização normal) até ao Estado Novo. Dessa análise descri-
106
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Quadro n.º 2: Listagem de escritores que abordaram a literatura para infância e juventude
Abel Gonçalves M. Viana, Adelaide Cadete, Adolfo Lima, Afonso Lopes Vieira, Alice Moderno, Alice Pe-
reira Gomes, Alice Pestana ‘Caiel’, Adolfo Simões Müller, Ana de Castro Osório, Angelina Vidal, Antero
de Quental, António Boto, António Cardoso Lopes Júnior, António Moniz B. Corte-Real, António Sérgio,
António Simões F. Figueirinhas, Aquilino Ribeiro, Augusto Cau da Costa de Santa-Rita, Áurea Judite
Amaral, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Cristina Torres, Delfim de Guimarães, Domitília de Carva-
lho, Emília de Sousa Costa, Ermelinda Salomé G. Neves de Almeida, Estefânia L. Cabreira de Oliveira
Cabral, Francisco Adolfo Coelho, Fontana da Silveira, Gomes Leal, Gonçalves Crespo, Guerra Junqueiro,
Henrique Marques Júnior, Henrique O’Neill, Henriques Lopes de Mendonça, Ilda da Ascensão Moreira,
Irene Lisboa, Joana Távora Folque de Souto, Joaquim Cardoso de Sousa Gonçalves, João de Deus, João
Francisco Maia, João Félix Pereira, João José Grave, José Agostinho Oliveira, José Fontana da Silveira,
José Francisco Rodrigues, José Gomes Bento, José Inácio Roquette, Laura da Fonseca Chaves, Lopes
Vieira, Luís Filipe Leite, Lutgarda Guimarães de Caires, Margarida R. G. Ottolini Coimbra, M.ª Amália
Vaz Carvalho, M.ª da Conceição Infante de la Cerda O’Neill, M.ª da Conceição Lamas, M.ª da Luz de
Deus R. Ponces de Carvalho, M.ª Emília Archer E. Baltasar Moreira, M.ª Fernanda Teles de Castro, M.ª
Lúcia V. Namorado, M.ª Pinto Figueirinhas, M.ª Rita Cadete, M.ª Teresa Andrade Santos, M.ª Veléda,
Manuel de Oliveira Cabral, Marques Júnior, Padre António de Oliveira, Padre José Carlos Vieira, Odette
Passos y Ortega M. de Saint-Maurice, Olavo C. Leite D’Eça Leal, Olga Sarmento, Oliveira Cabral, Pinhei-
ro Chagas, Quintino Travassos Lopes, Raquel Roque Gameiro, Ricardo E. Rios Rosa y Alberty, Teófilo
Braga, Teresa E. M. Leitão de Almeida, Virgílio Guerra F. Pedrosa, Virgínia de Castro e Almeida, Virgínia
Lopes de Mendonça, Virgínia S. M. Teixeira de Aguiar, etc.
Também as bibliotecas infantis, iniciadas no século XIX, tiveram um grande papel na divul-
gação das obras de literatura infantil (contos, colecções de leituras) nacional e estrangeira (tradu-
ções), apesar da percentagem de leitores e de leitura ser baixa e reservada a uma minoria. Houve
uma grande expansão dessas bibliotecas e colecções literárias infantis e juvenis, ao longo dos sé-
culos XIX e XX, em que os editores e tipografias tiveram um papel importante (Martins, 2002: 72)
108
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
vícios e ensinamentos sofisticados aprendidos na rua, na prisão e em seguir os maus exemplos dos
pais, tutores ou exploradores.
Na imprensa (O Século, A Tutoria, A Batalha, Novidades, Diário de Notícias, Comércio do Porto, Epoca,
Diário de Lisboa, etc.) as crianças vadias eram designadas por: rufião, chagados, macilentos, maltra-
pilhos e descalços, farrapos humanos, ‘lixo da rua’, pelado, pivete, catraios, pequenos viandantes, me-
liantes, vagabundos, moinas, guerreões, etc. que nada tinham de alma, só instintos de ‘pequenas feras’
bárbaros e aves de rapina. Ou, ainda, designadas por: ‘cabeça de tacho’, ‘gato-mineiro’, ‘o marujo’, ‘o
arrebenta a bexiga’, ‘o pouca tripa’, o ‘côdeas’, o ‘arroz doce’; - O ‘torto’, o ‘cá-cá’, o ‘cara linda’, o ‘birra’,
o ‘gadanha’, o ‘cabaças’, o ‘pencudo’, o ‘trinca’, o ‘dentolas’, o ‘pulga’, o ‘janota’, o ‘tremoceiro’, o ‘meia-
orelha’, o ‘texugo’, o ‘mijona’, o ‘caroço’, o ‘patanisca’, o ‘ferro-velho’, o ‘pintassilgo do Porto’, o ‘Russo
da Alternada’, o ‘trailheira’, o ‘baeta’, o ‘diabo’; - O ‘ponta de mola’, o ‘colorau’, o ‘batata’, o ‘má-raça’, o
‘Papo-seco’, o ‘papa-rancho’, o ‘mau-cabelo’, o ‘Queixos de Rebeca’ etc.
As alcunhas eram um elemento de identificação tão importante como o nome e reconhecido oficial-
mente, caracterizando os próprios menores (nos Boletins da Polícia Civil, nos registos das Tutorias da
Infância, na imprensa e no meio em que viviam). Estes epítetos marcavam desde crianças, chamando a
atenção para os seus defeitos físicos ou para outros aspectos negativos que os distinguiam uns dos ou-
tros, particularidades do seu carácter ou do seu aspecto físico, etc. A sua utilização denota muitas vezes
a relação agressiva e o escárnio que ligavam estes elementos, além de uma gíria própria (linguagem
e códigos linguísticos usados na comunicação), que era um indicador importante da sua ‘subcultura’.
Pelo contrário, na ideologia educativa de finais do século XIX, anuncia-se um novo mito,
que se desenvolve na segunda metade do século XX, que é o de uma ‘infância feliz’, separada dos
adultos. Enquanto o adulto contemporâneo está sempre ocupado, cheio de responsabilidades,
trabalha, manifesta-se socialmente e faz vida mundana, pelo contrário, a criança brinca despre-
ocupada, sente-se protegida em determinados espaços, é sã, vive em contacto com a natureza e
alimenta-se adequadamente (Popkewitz, 1998; Rodríguez Pascual, 2007). Trata-se de uma imagem
artificial da criança (‘publicitada na literatura educativa/pedagógica’) que sugere outras proble-
máticas, que não iremos abordar. Na verdade, a crueldade adulta com essa infância desvalida, com
as suas repercussões sociais, é uma referência constante na literatura do século XIX (Sue, 1999).
Esse protagonismo literário da maldade, violência, brutalidade, unida ao roubo, mendicidade e
vagabundagem, manifesta sentimentos ambivalentes (intolerância, remorso, nostalgia, etc.) em
relação a esse mundo fascinante e inquietante para essa infância e juventude
109
A outra educação da infância sem voz expressa na literatuta (Séc. XIX-XX)
110
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
111
A outra educação da infância sem voz expressa na literatuta (Séc. XIX-XX)
moral. Ao completarem os 12 anos esses jovens aprendiam um ofício e eram colocadas num servi-
ço compatível com a sua compleição física.
Só nos primeiros anos do século passado se assistiu à consolidação, e até criação, de
novas instituições assistenciais nos centros urbanos (internatos, asilos da infância desvalida) e as-
sociações de protecção, preocupadas com a crescente degradação moral das crianças e de inicia-
tiva popular. O regime de internato nessas instituições estava dependente da condição social das
asiladas, havendo: asiladas internas, crianças mais necessitadas que usufruíam de uma refeição
diária e de ensino gratuito; e asiladas externas, que eram obrigadas a pagar uma quantia mensal
e apenas frequentavam a escola. Os colunistas de muitos jornais por vezes, ao referirem-se a estas
temáticas, fazem uma incursão histórica dessas instituições, dos seus fundadores e benfeitores e
das diferentes modalidades de assistência infantil.
Na realidade os periódicos educativos retratavam/representam o quotidiano da criança
pobre, mendiga e desvalida, referindo-se à:
112
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
suas casas (nos becos, pátios, tugúrios, barracas, ‘ilhas’, choças, subterrâneos, etc.)
acompanhavam as mães ou pais, ajudando-os a reforçar as lamúrias e a segurarem
no casaco dos transeuntes para obrigá-los a reparar no seu aspecto e obter a esmola
pretendida. O calçado era frequentemente inexistente nas crianças e nos adultos
apresentava-se muito gasto e esburacado. Em geral estas crianças sem família, per-
tencentes a famílias não normais ou famílias pobres e/ou numerosas alimentavam-se
mal, ‘chafurdando’ nos lixos das ruas: “Há casas de gente pela Alfama e por Alcânta-
ra, onde vivem seis e sete crianças em promiscuidade com parentes enfermos, sem
agasalhos, sem roupa e sem ter que comer” (O Século, de 11/02/1922, p. 2). Outras
comiam caldo sem tempero, sardinha, batata e broa, apresentando-se famintas, des-
nutridas e enfezadas.
113
A outra educação da infância sem voz expressa na literatuta (Séc. XIX-XX)
114
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Analfabetismo infantil. Foi sempre uma das ‘chagas sociais’ terríveis da socieda-
de portuguesa, que devido aos seus elevados índices (à volta dos 70%), constituiu
uma preocupação dos programas políticos, implementando medidas que na prática
se tornaram ineficazes: “Em termos genéricos, no final da República, 2 de cada 3
crianças portuguesas não cumpriam a escolaridade obrigatória” (Nóvoa, 1988: 37).
A rede escolar começou a expandir-se, pouco a pouco, desde meados do século XIX,
apoiada por publicação de abundante legislação e por ideias pedagógicas inovadoras
(Fernandes, 1994; Nóvoa, 1988: 33-36).
116
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Toda essa análise leva-nos a questionar a profunda infelicidade dessas crianças e jovens, os seus
infortúnios e a falta de uma (re) educação eficaz (Martins, 2005).
A representação destas crianças na construção de uma identidade cultural não letrada
está nas fontes documentais da literatura infantil e juvenil, da assistência educativa, da demo-
grafia, dos processos jurídico-sociais (tutorias, tribunais de menores e de família, investigação
policial, etc.) e das instituições (asilos, reformatórios, colégios, etc.). A narração e o contexto das
representações sociais e educativas dessa infância e juventude permitem-nos relacionar o ‘dis-
curso’ e a ‘realidade (o observável pelos discursos e representações transcritas). São narrações
que traduzem, por um lado, as posições, os interesses, a descrição da sociedade da época tal e
qual a pensam ou se gostaria que fosse e, por outro lado, as práticas sociais e institucionais cor-
respondentes a discursos legítimos. No fundo, as memórias desta infância sem voz e sem vez são
plausíveis de investigação historiográfica.
Referências Bibliográficas
Ariès, Philippe (1988). A Criança e a Vida familiar no Antigo Regime. Lisboa: Relógio d’Água.
Carvalho, M.ª Elvira R.C. Teixeira (1988). A Câmara Municipal de Braga e os seus pobres, 1900-1945 (Tese de
Mestrado em História das Instituições e Cultura Moderna e Contemporânea). Braga: Universidade do Minho.
Eco, Umberto (1967). ‘Rhetoric and Ideology in Sue’s Les Mystères de Paris’. International Social Science
Escolano, Agustin (2005). ‘A Memoria, identidad y diferencia en la construcción del campo intelectual de la
Faria, Ana L. Goularte de; Demartini, Zeila de Brito F.; e Prado, Patrícia Dias (1992). Por uma Cultura da Infân-
Fernandes, Rogério (1994). Os caminhos do ABC – Sociedade Portuguesa e Ensino das Primeiras Letras. Porto:
Porto Editora.
117
A outra educação da infância sem voz expressa na literatuta (Séc. XIX-XX)
Marquesa de Pomares (1906). Os pobres e os ricos. Crianças e adolescentes. Coimbra: Typ. França Amado.
Martins, Ernesto C. (1995). A problemática sócio-educativa da protecção e da reeducação dos menores delin-
quentes e inadaptados entre 1871-1962 (Vol.s 1 e 2) (Tese de Mestrado apresentada na Faculdade de Ciências
Martins, Ernesto C. (2002). ‘A Educação popular e a literatura infantil na 1.ª República’. Educare Educere
e 1.ª República’. In: FERNANDES, R. e VIDIGAL, L. (Coord.s), Infantia et Pueritia. Introdução à História da
Minguez, C. (1999). La educación social a través de la literatura: família, escuela e infancia en la literatura
Nóvoa, António M.M.S. da (1988). ‘A República e a Escola. Das intenções generosas ao desengano das reali-
Nóvoa, António M.M. S. da (dir.) (1993). A Imprensa de educação e ensino. Repertório analítico (Séc. XIX-XX).
Pinto, M.ª de Fátima (1996). ‘Pobreza na Lisboa do primeiro terço do século XX: a face sombria da capital’.
Popkewitz, T.S. (1998). Struggling for the Soul. N. York: Teachers College, Colombia University.
Rocha, Cristina e Ferreira, Manuela (1994). ‘Alguns contributos para a compreensão da construção médico-
social da infância em Portugal (1820-1950)’. Educação, Sociedade & Cultura, n.º 2, 59-90.
Rodriguez Pascual, I. (2007). Para una sociologia de la infância: aspectos teóricos y metodológicos. Madrid: CIS.
Sá, Isabel dos Guimarães (1995). A circulação de crianças na Europa do Sul: o caso dos expostos do Porto no
Século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica.
118
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Tenorth, H.E. (2001). ‘A New Cultural History of Education. A Developmental Perspective on History of Educa-
tion Research’. In: Popkewitz, T.S., Franklin, B.M. & Pereyra, M.A. (ed.s), Cultural History and Education, (pp.
Vala, Jorge (1986). ‘Sobre as representações sociais – para uma epistemologia do senso comum. Cadernos de
Varela, J. (2001). ‘Genealogy os Education: Some Models of Analysis’. In: Popkewiz, T.S., Franklin, B.M. &
Pereyra, M.A. (ed.s), Cultural History and Education, (pp. 107-124). N. York/London: Routledge Falmer.
119
120
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
II Na Sala de Aula
121
122
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMEN
Las nuevas herramientas de la llamada web social tos 2.0, en este trabajo presentamos las principales iniciativas
han transformado las dinámicas de lectura y las posibilidades para integrar las citadas aplicaciones en nuestro trabajo desde
de interacción con internet. El apellido 2.0 se aplica a los la Universidad de Alicante. El portal de Clásicos de la Litera-
nuevos espacios, aula, universidad o escuela donde la introduc- tura Infantil y Juvenil en la Biblioteca Cervantesvirtual.com, el
ción de las TIC plantea una nueva concepción de la educación trabajo en distintas redes sociales como Didacticalenguaylit-
y del desarrollo de la competencia lectora. Además de revisar eratura.ning.com y la creación de blogs específicos como los
los últimos proyectos estatales más interesantes (Escuela 2.0 o Club de Lectura de LIJ para la Facultad de Educación son los
el Portal Leer.es) y diferenciar entre libros digitalizados y tex- ejemplos más significativos.
1 Desde las obras clásicas como Informática y humanidades de Francisco Marcos Marín, (Madrid, Gredos), 1994 o Literatura y
multimedia editada por José Romera Castillo, Francisco Gutiérrez Carbajo y Mario García-Page en 1997, (Madrid, Visor) a los miles
de blogs y páginas de la actualidad solamente han pasado quince años, pero la presencia de los ordenadores en cualquier ámbito
se ha multiplicado y el número de referencias sobre lectura y TIC es inabarcable.
escenarios hipotéticos han sido superados y muchas de las prevenciones o rechazos iniciales hacia
la lectura en la pantalla han sido respondidos y descartados.
Para continuar, platearemos algunas reflexiones sobre los tres términos del enunciado
para acotar perfectamente nuestro análisis y situar las propuestas de actuación que serán el co-
lofón de este trabajo.
¿Qué lectura?
Leer y escribir son procesos dinámicos complejos que no son reversibles el uno hacia
el otro, aunque sí son actividades solidarias. El alumno que escribe tiene que impli-
carse constantemente en actividades de lectura.
También la edad y etapa educativa hacen que planteemos la lectura de distinta maneras.
Pero la lectura como tal se realiza en todas las asignaturas y en todos los ámbitos del aprendizaje,
no sólo en lengua y literatura.
Por último, podríamos hablar de géneros o literaturas, que ampliarán aun más nuestras
posibilidades. Desde la biblioteca tradicional a las posibilidades de la red, la cantidad de informa-
ción es innumerable por lo que podríamos plantear miles de situaciones de lectura. La literatura
infantil y juvenil será nuestro foco de partida por su clara aplicación didáctica ya que además con
ella se desarrolla la competencia lectora.
2 Paredes Labra. J. (2005) Animación a la lectura y tic: creando situaciones y espacios. Revista de Educación, núm. extraordina-
rio, 255. Accesible en http://www.ince.mec.es/revistaeducacion/re2005/re2005_19.pdf.
124
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
¿Qué TIC?
Si a estos múltiples criterios le sumamos las nuevas posibilidades que nos ofrecen las Tec-
nologías de la Información y la Comunicación se nos abren nuevos campos de elección.
Destacar en este ámbito como punto de partida que la velocidad de las innovaciones
informáticas es tal que ni el más experto usuario puede estar al tanto de todas las novedades y
herramientas. Es por lo tanto imprescindible trabajar en red y compartir los estudios con otros
investigadores y docentes ya que las TIC respecto a la lectura nos ofrecen tantas facetas que sería
imposible enumerarlas todas. Además la novedad de las herramientas y la rapidez en los cambios
conlleva múltiples reticencias a su uso. Como dice Pere Marquès3:
Cuando los profesores CONOZCAN eficaces modelos de uso didáctico de las TIC que
PUEDAN reproducir sin dificultad en su contexto (tengan recursos y formación) y
les ayuden realmente en su labor docente (mejores aprendizajes de los estudiantes,
reducción del tiempo y esfuerzo necesario, satisfacción personal)..., seguro que TO-
DOS van a QUERER utilizarlas. ¿Por qué no?
- Para promover la lectura a través de las TIC tanto en el aula como fuera de ella de-
beríamos citar en primer lugar los soportes físicos con programas concretos como
los CD y DVD con propuestas lectoras.
3 Aportaciones del Foro Ticemur (2008) La escuela del 2015. Las competencias TIC del docente. Contextualizadas desde el docu-
mento: Las competencias digitales de los docentes. http://www.pangea.org/peremarques/docs/ticemurforo3.doc
125
Lectura y TIC en el Aula
- Siendo uno de los proyectos más promovidos y a su vez más discutidos desde los
inicios del desarrollo informático, el libro electrónico por fin se está convirtiendo en
una realidad. Dentro del Foro Internacional de Contenidos Digitales (FICOD 2009)4
que se desarrolló en noviembre de 2009 se celebró la Primera Feria del Libro Digital5
en España donde presentaban las novedades y se analizaban las posibilidades de
ese nuevo mercado. Desde entonces las referencias en los medios de masas han sido
constantes6 y ya se considera el lector de libros electrónicos como nueva estrella del
mercado tecnológico.
- Relacionadas con la docencia, los distintos tipos de presentaciones de diapositivas
y aplicaciones multimedia para el aula y la implantación de la pizarra digital7 en
nuestras aulas son dos elementos que han transformado la didáctica, ambas como
soporte de escritura y por supuesto de lectura.
- Por último y como foco fundamental de innovación y con múltiples posibilidades, la
internet, pero ¿de qué web hablamos?, ¿la tradicional o la 2.0? Desde las páginas tradi-
cionales a los blogs y las redes sociales la forma de interactuar, de leer y escribir la red
se ha transformado totalmente siendo el espacio fundamental de reflexión y estudio.
¿Qué aula?
Respecto al espacio, volveríamos otra vez a la edad de nuestro alumnado como variable,
motivo citado al hablar de lectura. Un aspecto relevante en estos momentos es el Proyecto Escuela
4 http://www.ficod.es/ficod/inicio
5 http://www.feriadellibrodigital.es/
6 La tirada ha muerto, viva el libro, El País, 18 noviembre 2009 http://www.elpais.com/articulo/tecnologia/tirada/ha/muerto/viva/
libro/elpeputec/20091118elpeputec_6/Tes
7 Fundamental para introducirse en las posibilidades de la herramienta es el portal de Pere Marquès Graells http://www.per-
emarques.net/pizarra.htm.
126
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
2.0 propuesta en España que empieza desde la etapa de Primaria y quiere llegar hasta Secundaria.
Como ese será el alumnado del futuro partiremos de ella, citando los claroscuros de esta campaña.
Cualquier aula implica lectura tanto dentro como fuera de ella y estas transformaciones de-
sarrollarán diversas modalidades de enseñanza como el e-learning o el blended learning, introducien-
do también el concepto de aula virtual. Ante estas novedades presentaremos la propuesta del Aula
2.0 como última novedad, aplicable desde infantil a los nuevos grados universitarios de Bolonia, para
integrar las TIC en toda la programación didáctica y no verlas como algo ajeno o especial y centrando
el proceso de lectura y escritura como medio y fin último de cualquier proceso de aprendizaje.
Entre las propuestas de innovación promovidas por el gobierno español dentro de su Plan
E (Plan Español para el Estímulo de la Economía y el Empleo), una de las más significativas en el
ámbito de la educación relacionada directamente con las TIC ha sido el proyecto Escuela 2.08. Se
presenta así:
Esta medida permitirá adaptar al siglo XXI los procesos de enseñanza y aprendi-
zaje, dotando a nuestros alumnos de conocimientos y herramientas claves para su
desarrollo personal y profesional, fomentando además el capital humano y la cohe-
sión social, y eliminando las barreras de la brecha digital. Se dotará a las aulas de
pizarras digitales y conexión inalámbrica a Internet y cada alumno tendrá su propio
ordenador personal, que usará como herramienta de trabajo en clase y en casa. Los
profesores recibirán la formación adicional necesaria para adaptarse al ritmo que
marcan las nuevas tecnologías. Asimismo, el proyecto supondrá el desarrollo de los
sectores informáticos y editoriales, y una oportunidad de situarnos entre los países
más avanzados en el uso de estas tecnologías.
Beneficiarios: Los estudiantes de entre 5º quinto de primaria y segundo de la E.S.O.,
es decir, de entre 10 y 13 años, y los profesores de primaria y secundaria. En el curso
8 http://www.plane.gob.es/escuela-20/ Página de presentación del Plan E.
127
Lectura y TIC en el Aula
Este programa además coincide con la desarrollo total de la LOE en todo el Estado Es-
pañol y la especial atención que plantea a las distintas competencias. Nos centraremos en la Etapa
de Primaria, donde coincide el inicio de este proyecto con interesantes propuestas respecto a la
lectura. La LOE nos indica en varios de sus artículos:
Como vemos las premisas para una transformación pedagógica están claras, pero ¿cuáles
son los problemas que plantea dicho proyecto?
Múltiples han sido los detractores que han criticado la forma de implantar este proyecto.
La primera crítica es la distribución del presupuesto. Directamente de los datos del Ministerio9,
observamos que menos del cinco por ciento está destinado a la “Formación del profesorado y
creación de materiales y recursos educativos digitales” como nos destaca Boris Mir desde su blog
“La Mirada Pedagógica”10. Es significativo que las críticas más razonadas al proyecto hayan sur-
gido desde los especialistas en el uso de TIC en el aula. Jordi Adell11 plantea la propuesta como
incompleta y problemática, con muchos puntos por aclarar y definir y problemas gravísimos como
la falta de integración en el currículo de los docentes. Desde el Aula Virtual del CEP de Castilleja
Juan Béjar12 nos propone un foro sobre “La Escuela 2.0” con múltiples enlaces y posturas.
Sin embargo ante estas críticas podemos destacar las propuestas para aprovechar esta
enorme oportunidad que se nos presenta.
Comunicarse, compartir, colaborar, confiar, Son las cuatro “ces” de la Escuela 2.0. El
concepto de Educación 2.0 es un cambio radical de la enseñanza con las herramientas digitales
para formar, guiar e incentivar a los alumnos. Fernando Posadas13 nos describe en su presentación
cómo debe ser esa escuela 2.0 y las ventajas y avances que supone frente a la escuela tradicional.
Ángel Fidalgo desde Innovación Educativa14 nos dice que la Escuela 2.0:
Significa que el profesorado comparte los contenidos que han creado (…), que se
buscan métodos más participativos por parte del alumnado (…), que el profesorado
y el alumnado tiene una serie de habilidades y capacidades (…) y que tenemos mate-
riales y metodologías para atender la diversidad de todo tipo …
La implantación de los conceptos de la Escuela 2.0 supone una nueva visión de la alfabe-
tización tecnológica15 o digital. Tíscar Lara recoge varias acepciones en su capítulo “Alfabetizar en
la cultura digital”16 que nos presentan las nuevas habilidades en la escuela.
Por lo tanto debemos plantearnos antes de avanzar si debemos continuar planteando los
problemas que supone la brecha digital y la diferencia entre nativos e inmigrantes digitales. Da-
Tabla 1 -
Según este planteamiento en la escuela se mantienen todavía las diferencias entre nativos
e inmigrantes digitales, concepto lanzado por Marc Prensky en 200118 y que se relaciona direc-
tamente con el tema central del panel, “la brecha digital” que se refiere a la fractura que pueden
producir las TIC entre usuarios habituales o avanzado con los “analfabetos” digitales. Sin embargo
esta distinción o polémica, se queda cada vez más obsoleta, ya que por un lado existen muchos de
los llamados “inmigrantes”, nacidos antes de 1980 que han adaptado las dinámicas de los nativos.
Los mismos autores citados nos plantean sus dudas acerca de la diferenciación y nos plantean
propuestas para salvar esa brecha en la escuela actual.
También es necesario recordar que los nativos siguen necesitando una alfabetización digi-
tal, para conocer mejor las posibilidades y usos de las TIC. Dice Tíscar Lara19:
El hecho de que las generaciones más jóvenes tengan facilidad para interactuar con
las interfaces de los programas, dominar los dispositivos y encontrar sus funciones
sin necesidad de recurrir a un manual de instrucciones, no significa que sepan qué
funciones buscar y para qué utilizarlas. (…) Por eso, nuestro trabajo como educado-
17 Cassany D. y Ayala G., (2008) Nativos e inmigrantes digitales en la escuela CEE. Participación Educativa, 53-71
18 Prensky M., Digital Natives, Digitla Inmigrants, http://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20Natives,%20
Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf
19 Op. cit pp. 32-33.
130
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Además esta “fractura” es solamente temporal ya que pronto el nuevo profesorado será
“nativo”, pero no estamos todavía definiendo la competencia digital que deberá tener. Respecto a
la Escuela 2.0 creemos que la importancia ahora está en la formación del profesorado para elimi-
nar cualquier rastro de esta fractura, y que también el profesorado tradicional conozca las nuevas
dinámicas porque de no ser así, es posible que esos estudiantes de Primaria, en Bachillerato o en la
Universidad se convertirán en maestros de sus docentes para muchos aspectos en la vida cotidiana.
Del análisis del concepto de Escuela o Educación 2.0, que esperemos nos lleve a fructífe-
ros resultados en la implantación de las TIC en todos los ámbitos del sistema educativo debemos
llegar a un aspecto más concreto, al que por desgracia no se le ha dedicado tanto espacio. Estamos
hablando del Aula 2.0. Aunque pueda parecer un contrasentido ya que algunos se plantean que
esta concepción solamente se pueden referir a un aula virtual, han aparecido varias propuestas
para la configuración del espacio educativo en todos los niveles. Por un lado, defendiendo las
aplicación de las “cuatro Ces” antes citadas y por otro, acabando con la frontalidad del modelo
docente. Es cierto que ambas innovaciones del modelo educativo no necesitan de las TIC para su
desarrollo, pero éstas, como hemos visto, son las que han iniciado el proceso e imprescindibles
para su implantación. Y por ende, el desarrollo y el trabajo de la lectura en el aula se verá deter-
minado por el uso que hagamos de ellas.
El Aula 2.0 supone un nuevo espacio y una nueva concepción de los procesos de enseñan-
23 Red EducaconTic, Actividades Lectoescritura http://www.educacontic.es/blog/tags/lectoescritura
24 Actividades de Animación a la lectura con TIC http://www.educacontic.es/blog/actividades-tic-de-animacion-la-lectura
25 Presentación del Portal Leer.es http://www.educacontic.es/blog/leer-es-el-portal-de-fomento-de-la-lectura-en-la-escuela-2-0
132
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
za y aprendizaje. Del análisis realizado por el grupo DIM Edutic dirigido por Pere Marquès pode-
mos citar algunas de sus ventajas26:
Los profesores
Las familias
- Posibilidades de interacción entre todos los agentes que intervienen en el proceso
educativo.
Dentro de las redes sociales de educación, el desarrollo de esta nueva concepción del
aula como espacio de intercambio y aprendizaje conectado con todo el mundo a través de la red
es analizado desde múltiples perspectivas. Existe una red social llamada “Classroom20.com” que
tiene su propia sección en castellano http://www.classroom20.com/group/aula20. En la actualidad,
esta sección en español, cuenta con pocos miembros pero si revisamos sus nombres destacamos
la presencia de los miembros de Nodos Ele27, de Dolores Reig28, una de las mayores expertas de
Aprendizaje Social, Néstor Alonso, maestro especialista en uso de las TIC en el aula o José Luis
Cabello, creador de la Red “Internet en el aula”29 que tiene más de cuatro mil seguidores y el es-
pacio de intercambio más importante sobre ese tema en la red.
Sobre la cuestión del Aula 2.0 tuvimos el placer de participar en un debate a través de
la red social de la Universidad internacional Menéndez Pelayo30 con el profesor Andrés Pedreño,
que después de un curso sobre Universidad 2.031 nos planteó este debate, donde se nos presentó
además algunos ejemplos de modelos de Aulas 2.0 como los desarrollados por el MIT32.
En el debate se vio los pros y los contras de este modelo desarrollado por el MIT. De la
introducción de Andrés Pedreño podemos citar:
27 David Vidal, Victoria Castrillejo, Emilio Quintana y Lola Torres integran el grupo http://www.nodosele.com/.
28 http://www.dreig.eu/caparazon/ “El Caparazón”, Blog de Dolores Reig.
29 http://internetaula.ning.com/.
30 Red Social de la Universidad Internacional Menéndez Pelayo http://redsocial.uimp20.es/.
31 Grupo del curso “Universidad 2.0” http://redsocial.uimp20.es/group/inventandolauniversidad20.
32 Perfil del debate posterior http://redsocial.uimp20.es/profiles/blogs/aula-20.
134
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
- Una estructura del aula en mesas redondas, donde los alumnos se distribuyen en
pequeños grupos, rompiendo las estructuras convencionales.
- La posibilidad de organizar el trabajo en equipo y por tanto, en mayor medida, tra-
bajo colaborativo.
- Un papel del profesor más ajustado al prototipo 2.0.
- Una introducción de las nuevas tecnologías en el aula, segmentada por equipos (las
pantallas se sitúan estratégicamente en las cuatro paredes del aula.
Es por lo tanto una nueva concepción del aula y su gestión desde el punto que debemos
seguir para plantear la lectura a través de la TIC.
De la nueva concepción del aprendizaje a través de las TIC, ha sido, el soporte de lectura,
el elemento más discutido, trabajado y criticado. Desde la lectura en la pantalla del ordenador, a la
lenta evolución de propuestas de E-book, pasando por la lectura en otros dispositivos como teléfo-
nos móviles y reproductores digitales, encontramos infinidad de propuestas y análisis que se plan-
tean una nueva concepción de la lectura. Pero más allá de eso encontramos una nueva concepción
del texto, que pierde su unidad para disgregarse a través de infinitos hiperenlaces que amplifican
las posibilidades y eliminan las barreras del texto convencional. Además las posibilidades van cre-
ciendo y distanciándose con las nuevas dinámicas que ofrece la web 2.0. Si la web tradicional se
plantea principalmente como lectura, en la web social avanzamos hacia la lectoescritura, donde
la participación y el intercambio son fundamentales para su descripción y desarrollo. La implanta-
ción de las TIC en la Escuela con el proyecto antes citado acelera las dinámicas de adaptación al
nuevo contexto y encontramos múltiples referencias al concepto de “Libro Electrónico”33.
Por lo tanto tenemos dos posturas diferentes a la hora de afrontar la lectura en el aula. En
primer lugar el concepto de libro digitalizado, partiendo de experiencias pioneras como el Proyec-
Al romper el antiguo lazo anudado entre los textos y los objetos, entre los discursos y su
materialidad, la revolución digital obliga a una radical revisión de los gestos y nociones
que asociamos con lo escrito. A pesar de la inercia del vocabulario, que intenta domes-
ticar la novedad denominándola con palabras familiares, los fragmentos de textos que
aparecen en la pantalla no son páginas, sino composiciones singulares y efímeras.
Respecto a este concepto es fundamental el wiki Lecturas 2.039, una página que recoge
enlaces electrónicos sobre la nueva concepción del conocimiento en internet, desde referencias
a los derechos de autor, al aprendizaje en abierto o elementos sobre la lectoescritura en la red.
Estamos ya dentro de las propuestas de la web social o web 2.0 donde los blogs, las Wikis
y las redes sociales están transformando las maneras de relacionarse y aprender de los usuarios
que pasan de simples lectores a productores de contenidos y textos. Hemos pasado de un Enfoque
34 Proyecto Gutenberg, primer modelo de Biblioteca Virtual http://www.gutenberg.org/.
35 http://www.cervantesvirtual.com/ La biblioteca Cervantes Virtual es el mayor repositorio de obras literarias en lengua española.
36 http://books.google.es/ Sección en español de la Biblioteca de Google.
37 http://www.digital-text.com/.
38 Chartier, R. Op.cit. La Lectura en España, Informe 2008. Aprender a leer, leer para aprender, http://www.lalectura.es/2008/
chartier.pdf 34-35.
39 http://lecturas20.wikispaces.com/Inicio.
136
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Tecnológico, donde lo fundamental era la red y las TIC, a un Enfoque Comunicativo Social y Parti-
cipativo, donde el usuario y la interacción con otros usuarios son los pilares de desarrollo. Según
Tíscar Lara40 éstas podrían ser algunas de las transformaciones principales entre los dos enfoques:
Tabla 2 -
ENSEÑAR APRENDER
40 Op.cit Lara T. (2009), Alfabetizar en la cultura digital. La competencia digital en el área de Lengua, Madrid: Octaedro, 12.
41 Aller M., La lectoescritura multimedia http://www.educacontic.es/blog/la-lectoescritura-multimedia.
137
Lectura y TIC en el Aula
Por lo tanto las nuevas herramientas implican abandonar las metodologías tradicionales
y usar los nuevos espacios de lectoescritura como modelos de relación e intercambio y negarse
a usar los antiguos modelos didácticos. Ha nacido una corriente contraria a usar libros de texto
digitales frente a los nuevos espacios y un wiki sobre libros digitales recoge un manifiesto contra
la implantación de modelos tradicionales y de la obligatoriedad de usar libros digitalizados sin
nuevos criterios. Algunas de sus ideas son42:
- Que nuestro país tiene experiencias propias de Escuela 2.0 de una gran cualidad que
están a años luz de los libros de texto digitales.
- Que no se puede considera de ninguna manera el libro (digital o no) como metodología.
Son por lo tanto blogs y wikis dos TIC fundamentales en la nueva concepción de apren-
dizaje. Pero recordemos que este nuevo enfoque no supone abandonar o eliminar los soportes
tradicionales de lectura, sino ampliarlos y completarlos para permitir al lector-escritor-alumno
una interacción y un aprendizaje mucho mayor. Los blogs como nueva herramienta educativa son,
como nos dice Tíscar Lara43:
De acuerdo con estas posibilidades que nos ofrece la red y los nuevos espacios de educa-
ción, desde el área de didáctica de la lengua y la literatura en la Universidad de Alicante hemos
trabajado en los últimos dos años con tres líneas de trabajo y difusión distintas.
Los valores altos que arroja la lectura íntegra y en pantalla indican un uso estableci-
do del ordenador como el dispositivo de lectura más común. La gran frecuentación
de la novela y el hecho de que haya un amplio segmento que declara un uso de ocio
avalan una utilización desprejuiciada y cómoda de los medios digitales.
Desde hace varios años y con un claro enfoque didáctico se han desarrollado varias Aulas
Virtuales dentro de la Sección de literatura45 y un portal llamado Clásicos LIJ (http://www.cervan-
tesvirtual.com/portal/lijclasicos/) dentro de la Biblioteca de Literatura infantil y juvenil46.
Las aulas se han centrado en distintos momentos cumbre de la literatura española para pro-
poner una serie de ejercicios interactivos para promover su lectura entre el alumnado de Primaria y
Secundaria. Han sido todas dirigidas por el profesor Antonio Díez Mediavilla. En la actualidad son:
44 Op.cit. Los modos de la lectura digital, Una Biblioteca Digital. http://www.lalectura.es/2008/millan.pdf 303.
45 Aulas Virtuales dentro de la Sección de Literatura http://www.cervantesvirtual.com/seccion/literatura/psegundonivel.
jsp?conten=tematicos#didactica.
46 Biblioteca de Literatura Infantil y Juvenil http://www.cervantesvirtual.com/seccion/bibinfantil/.
139
Lectura y TIC en el Aula
Los Clásicos LIJ proponen actividades similares pero siempre centradas en autores clási-
cos de literatura infantil y juvenil aprovechando los materiales recogidos en la Cervantes Virtual.
Están dirigidos por el profesor Ramón F. Llorens García, y en el portal también hemos participado
Antonio Mula Franco y José Rovira Collado para la elaboración de actividades para Primaria.
Nos dice en la portada:
• Para Primaria
Don Pato y Don Pito y La Oca loca De Gloria Fuertes
El coco azul de Julia de Asensi
• Para Secundaria
El hombrecito vestido de gris de Fernando Alonso
La Casa Pintada de Montserrat del Amo
El hombre de las cien manos de Luis Matilla
Como vemos el portal recoge desde autores actuales a clásicos de la literatura infantil y
juvenil y se mantiene un equilibrio en las propuestas entre cuentos y poemas más infantiles para
Primaria y cuentos y fragmentos más complejos para Secundaria. El proyecto sigue abierto y
pretende seguir llevando al aula otros textos recogidos digitalmente por la Biblioteca como los de
Fernán Caballero o Antoniorrobles.
140
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
cinco procesos que deben realizarse para comprender plenamente un texto, ya sea continuo o dis-
continuo. Los estudiantes deben demostrar su dominio en cada uno de los cinco procesos:
• obtención de la información,
• comprensión general,
• elaboración de una interpretación,
• reflexión y valoración del contenido de un texto,
• reflexión y valoración de la forma de un texto.
Todos los ejercicios buscan trabajar uno de esos procesos y las actividades se han clasificado
a través de pestañas en tres destrezas generales: Reflexión, Información e Interpretación, junto con
otra de Miscelánea para recoger a los ejercicios que no respondan a ninguno de los otros campos.
Desde su creación, múltiples han sido las referencias y reseñas en la red. Jorge Gómez
Soto, en su blog Literatura infantil y juvenil actual se hizo eco desde su presentación48, también ha
sido recogida en Literatura y Lengua49 una importante página de reseñas en la red e incluso ya
ha sido incluido en algunas páginas de recursos como la Guía de recursos online sobre mediación
lectora en Andalucía50. Todavía se está trabajando en su difusión y presentación por centros para
probar la eficacia de la herramienta para el desarrollo de la competencia lectora y el goce estético
por la literatura entre el alumnado de Primaria y Secundaria.
Universidades Lectoras52, siendo uno de los promotores iniciales del proyecto. En la actualidad se
trabaja en la participación en redes sociales a través de internet centradas en el uso de las TIC y
la didáctica de la lengua y la literatura. Pilar Pomares Puig y José Rovira Collado han entrado en la
red social “Lecturas y Lectores”53. Es una red gestionada por la plataforma Ning abierta a todo el
mundo, administrada por Juan Antonio González Romano donde los objetivos son:
Tiene distintos grupos enfocados varios ámbitos de la promoción lectora como “Lecturas
juveniles para secundaria”, “Clásicos para jóvenes”, y “Profesorado”, para compartir experiencias
e información útil acerca de la animación lectora. Son las redes sociales a través de internet el
nuevo espacio que debemos trabajar e investigar para conocer realmente las nuevas formas de
lectura que nos propone la web.
Posteriormente se ha creado una red con la misma herramienta desde nuestro departa-
mento: http://didacticalenguayliteratura.ning.com para la docencia en el Máster de Formación
para la Educación Secundaria. Esta herramienta está abierta a todos los docentes del área de
didáctica de la lengua y la literatura de cualquier nivel y se pueden articular grupos específicos
para todos los niveles educativos.
ratura infantil y juvenil” a través de blogs docentes para distintas asignaturas relacionadas con la
literatura infantil y la didáctica de la lengua y la literatura en las etapas de Infantil y Primaria. En
estos momentos hemos realizado la experiencia con seis cursos, cada uno con un blog específico,
siempre con óptimos resultados de participación y motivación por parte del alumnado.
El nombre de los blogs, el curso durante el que fue usado y su dirección es la siguiente:
La segunda línea de trabajo fue, junto a la participación en redes sociales específicas del
tema como hemos mencionado antes, la creación de un blog de apoyo a la investigación sobre la
presencia de la LIJ en la Web social y el desarrollo del concepto LIJ 2.0. En el Congreso Home-
naje a Montserrat del Amo en Almería en Noviembre de 2008 se anunciaba la creación de dicha
bitácora para recoger referencias a la investigación iniciada por nuestro grupo. La dirección es la
siguiente: http://literaturainfantilyjuvenileninternet.blogspot.com/
Consideramos fundamental reflexionar sobre este nuevo concepto, ya refrendado por la
cantidad de términos nuevos que adoptan el apellido 2.0 para plantearse las nuevas situaciones
de lectura.
144
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Bibliografia y Webografia
http://literaturainfantilyjuvenileninternet.blogspot.com/.
Adell, J. (Octubre 2009) Políticas TIC en educación: ¿un viaje a ninguna parte?. Aula de Innovación Educativa.
%c2%bfun-viaje-a-ninguna-parte/.
Cassany, D. y Ayala, G. (noviembre 2008) Nativos e inmigrantes digitales en la escuela. CEE Participación
Educativa, 9, 53-71.
Chartier, R. (2008) Aprender a leer, leer para aprender. La Lectura en España, Informe 2008., http://www.
lalectura.es/2008/chartier.pdf.
Hidalgo, Á. “La Escuela 2.0 es algo más que digitalización de contenidos y ordenadores http://innovacionedu-
cativa.wordpress.com/2009/05/05/escuela-20-es-algo-mas-que-digitalizacion-de-contenidos-ordenadores-y-
comunicaciones/.
La lectura en Pisa, 2000, 2003, 2006, Marco y Pruebas de Evaluación, OCDE, Madrid, 2007, 14.
Lara, T. (2009), Alfabetizar en la cultura digital. La competencia digital en el área de Lengua, Madrid: Octaedro, 9-38.
mentos/blogs/uso_blogs_pedagogia_constructivista.pdf,
Marqués Graells, P. La escuela del 2015. Las competencias TIC del docente. Aportaciones del Foro Ticemur
2008 Contextualizadas desde el documento: “Las competencias digitales de los docentes”. -http://www.pan-
gea.org/peremarques/docs/ticemurforo3.doc.
Millán J. A. Los modos de la lectura digital, Una Biblioteca Digital, La Lectura en España, Informe 2008 http://
www.lalectura.es/2008/millan.pdf.
145
Lectura y TIC en el Aula
20-y-el-caballo-de-troya.html.
Ortega Sánchez, I. y Ferrás Sexto, C. (julio 2009) La Alfabetización Tecnológica y el desarrollo regional. (Eds.
Revista Electrónica Teoría de la Educación. Educación y Cultura en La Sociedad de la Información. Vol. 10.
Nº2. en http://www.usal.es/teoriaeducacion.
PAÍS, EL (RJC) La tirada ha muerto, viva el libro, El País, 18 noviembre 2009 http://www.elpais.com/articulo/
tecnologia/tirada/ha/muerto/viva/libro/elpeputec/20091118elpeputec_6/Tes.
Paredes Labra, J. (2005) Animación a la lectura y tic: creando situaciones y espacios. Revista de Educación,
tal%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf.
Webs Consultadas
http://www.ficod.es/ficod/inicio
http://www.feriadellibrodigital.es/
http://www.plane.gob.es/escuela-20/
http://www.educacion.es/horizontales/prensa/notas/2009/07/escuela-20.html
http://www.juntadeandalucia.es/averroes/~escuelatic20/contenidos/unidades_didacticas_20/index.html#leng
http://www.isftic.mepsyd.es/formacion_profesorado/presencial/congreso_leeres/
http://www.educacontic.es/blog/tags/lectoescritura
http://www.educacontic.es/blog/actividades-tic-de-animacion-la-lectura
http://www.educacontic.es/blog/leer-es-el-portal-de-fomento-de-la-lectura-en-la-escuela-2-0
http://sites.google.com/site/dimedutic/aulas20
http://redsocial.uimp20.es/profiles/blogs/aula-20
http://llibresdigitals.wikispaces.com/
http://lecturas20.wikispaces.com/Inicio
146
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
resposta a alguns dos principais objectivos do Plano Nacional ganização das sessões, dos critérios subjacentes à escolha das
de Leitura, centrando-se na intervenção em contextos não for- estratégias e dos materiais utilizados, mas também à selecção
mais com crianças com necessidades educativas especiais. dos livros que fomos explorando ao longo deste projecto.
Tendo como base a investigação das últimas déca- Os registos efectuados, bem como a sua posterior
das sobre o desenvolvimento da literacia junto desta população análise, permitiram aferir as aprendizagens e as dificuldades
e, muito particularmente, a metodologia para a aprendizagem de cada criança envolvida. A riqueza das interacções con-
da leitura em crianças com Sindroma de Down de Troncoso e struídas no decurso dos três anos permitiu operacionalizar o
del Cerro (2004), uma equipa interdisciplinar de professores carácter interdisciplinar do projecto, experimentar e ampliar
da ESECB dinamizou, durante três anos, um Clube/ Ateliê de metodologias de trabalho e conceber materiais adequados aos
Introdução
Este trabalho com crianças diferentes enquadra-se no Projecto “Querer Ler–Poder Ler”,
uma proposta que resulta da reflexão sobre a motivação como factor fundamental para o desen-
volvimento da capacidade de leitura e para a descoberta do prazer de ler. A equipa que o desen-
volveu foi uma equipa interdisciplinar, integrando professores da ESECB das áreas de Psicologia
do Desenvolvimento, Literatura Infantil, Necessidades Educativas Especiais e Desenvolvimento
da Linguagem.
O projecto de trabalho que apresentamos tenta dar resposta a alguns dos principais ob-
jectivos do Plano Nacional de Leitura, centrando-se na intervenção em contextos não formais com
crianças com necessidades educativas especiais.
Segundo a American Association of Mental Retardation (AAMR, 1992) uma criança com
défice cognitivo apresenta um funcionamento intelectual significativamente abaixo da média, as-
sociado a limitações relativas a duas ou mais das seguintes áreas do comportamento adaptativo,
que se manifestam antes dos 18 anos de idade:
. comunicação
. autonomia
. actividades da vida diária
. socialização
. autonomia na sociedade
. sentido de responsabilidade
. competências académicas
. trabalho/ actividade profissional
. lazer
Apesar destas dificuldades, as investigações actuais têm constatado que a maioria dos
indivíduos com défice cognitivo podem funcionar com um grau de atraso que vai de ligeiro a
moderado. Esta concepção relaciona-se quer com programas específicos, que se têm aplicado
nas primeiras etapas de vida destas crianças, quer com uma atitude de maior abertura e en-
riquecimento ambiental que têm tornado possível a estes indivíduos um papel mais activo na
sociedade.
A leitura e a escrita são competências imprescindíveis a qualquer pessoa no mundo
actual, sem elas as suas oportunidades no dia a dia e no emprego são extremamente afectadas.
O trabalho pioneiro de Sue Buckley nos anos 80 no Reino Unido modificou definitivamente, por
exemplo, a concepção de que uma criança com Sindroma de Down não fosse capaz de aprender
a ler.
A criação de um Clube/ Ateliê de Leitura com crianças e adolescentes com défice cognitivo
teve como principais objectivos:
148
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Ao longo das últimas décadas, temos assistido a mudanças significativas nas atitudes e
nos comportamentos perante os indivíduos com síndroma de Down, verificando-se um interesse
progressivo que se tem traduzido num aumento substancial de trabalhos de investigação sobre as
suas características e possibilidades a nível escolar, social e laboral.
Os dados actuais permitem afirmar que a maioria dos indivíduos com síndroma de Down
funciona com um grau de atraso ligeiro ou moderado, contrastando com descrições, que felizmen-
te têm cada vez mais um carácter histórico, em que se afirmava que o atraso era de grau severo.
Esta mudança relaciona-se, quer com programas específicos que se aplicam nas primeiras etapas
de vida destas crianças, quer com uma atitude de maior abertura e enriquecimento ambiental que,
globalmente, actuam sobre estas pessoas na sociedade actual. De acordo com Troncoso e Cerro
(2004), diferentes estudos têm demonstrado que uma intervenção educativa precoce, contínua e
adequada permite que a criança adquira competências em áreas diversificadas, nomeadamente:
149
Promoção da Leitura em Crianças com Défice Cognitivo
- Alguma capacidade em reter o que foi aprendido, embora seja necessário reforçar e
consolidar as aprendizagens;
- Alcançam frequentemente um bom nível de adaptação social.
O Processo de Leitura
Há 20 anos quase ninguém acreditava que uma criança com síndroma de Down fosse
capaz de aprender a ler. O trabalho pioneiro de Sue Buckley nos anos 80 no Reino Unido modifi-
cou definitivamente essa crença e a investigação desenvolvida em diversas partes do mundo nos
últimos 10 anos, no âmbito do desenvolvimento da literacia nesta população, veio trazer extraor-
dinários avanços no investimento na educação destas crianças e nos seus direitos de inclusão na
escola e na sociedade.
A investigação veio comprovar que não só a grande maioria das crianças com síndroma de
Down consegue aprender a ler e a escrever, como também que a literacia é um dos pontos fortes
destas crianças – isto é, elas conseguem muitas vezes atingir níveis superiores ao esperado para o
seu nível cognitivo geral. Para além disso, a aprendizagem da leitura leva à melhoria da fala desde
idades precoces e ao desenvolvimento das capacidades ao nível da memória.
Os princípios fundamentais do processo de ensino e aprendizagem da leitura implicam
não só a decifração mas também a compreensão. Assim, para ser ter fluência de leitura é necessá-
rio que o leitor decifre automaticamente, de tal modo que possa canalizar a capacidade de atenção
para a compreensão do texto (Sim-Sim, 2006).
A complexidade das relações fonema/grafema implica que a criança domine a norma orto-
gráfica por forma a saber, para cada caso, quais as letras que correspondem à representação dos
sons de cada palavra. Este domínio pode ser conseguido por duas vias, que devido às limitações
inerentes a cada uma delas, devem ser utilizadas de forma integrada:
• A via lexical ou directa. Por esta via a criança recorre ao vocabulário visual derivado
do léxico mental, que adquire pelo contacto directo com o material escrito, para
150
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
151
Promoção da Leitura em Crianças com Défice Cognitivo
3. Durante a idade escolar, a leitura continua a ser um dos aspectos fortes na aprendi-
zagem destas crianças.
Discurso, linguagem e comunicação
1. O ensino da leitura leva a criança com síndroma de Down a melhorar o seu discurso,
a sua linguagem e a sua competência na memória a curto prazo.
2. Os atrasos específicos no desenvolvimento dos aspectos gramaticais na linguagem
expressiva estão relacionados com o atraso no desenvolvimento de vocabulário falado.
Dadas as especificidades das crianças com síndroma de Down, a leitura visual de palavras
é introduzida precocemente, a partir dos 2 anos, segundo Buckley, de forma a desenvolver a fala. Se
uma criança tiver percorrido com sucesso as várias etapas do “método”, poderá já ler 60 ou mais pa-
lavras e pequenas frases ao entrar no 1º ciclo, o que lhe permitirá, numa primeira fase, acompanhar
os seus colegas com desenvolvimento típico. As aprendizagens processam-se de forma muito mais
lenta do que seria de esperar para a população maioritária, as várias fases têm de ser desdobradas
em passos muito mais pequenos, o aspecto lúdico deve estar sempre presente e deve-se garantir o
sucesso de cada pequena aprendizagem de forma a motivar a criança e a levantar a sua auto-estima.
A escrita nunca é introduzida em simultâneo com a leitura, pois um dos aspectos fracos
destas crianças é a motricidade fina que, naturalmente, deve ser treinada desde muito cedo. Mes-
mo com um bom treino, são raras as crianças que conseguem desenhar letras quando entram
no 1º ciclo. É frequente encontrarmos bons leitores com síndroma de Down que não conseguem
escrever de forma funcional, se bem que, hoje em dia, a utilização do processador de texto possa
aumentar muito as possibilidades destes alunos.
A metodologia, que brevemente aqui resumimos, foi desenvolvida e avaliada por Victória
Troncoso e Mercedes del Cerro, ao longo de 25 anos de trabalho com crianças e jovens com síndroma
de Down. Baseia-se na investigação realizada por vários autores, dos quais Sue Buckley é a percurso-
152
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
ra. Em Portugal destaca-se o trabalho desenvolvido na mesma linha, coordenado por Teresa Condeço
e Luísa Cotrim na equipa da Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 (APPT21).
Esta metodologia para aprendizagem da leitura compreende 3 etapas diferenciadas pelos
seus objectivos concretos e pelos materiais próprios de cada uma delas. As 3 etapas estão inter-re-
lacionadas e, por vezes, os objectivos de cada uma devem ser trabalhados em simultâneo. A razão
fundamental deste processo deve-se ao facto de que se devem manter e consolidar as condições de
compreensão, fluência e motivação em todos os momentos do processo. Não é preciso completar
todos os objectivos de uma etapa para trabalhar a seguinte, se bem que se deva ter o cuidado de
avaliar se os objectivos mínimos estão consolidados. Caso contrário, o aluno pode sentir-se inse-
guro e perder o interesse.
A PRIMEIRA ETAPA é a da percepção global e reconhecimento de palavras escritas com
compreensão do seu significado.
O importante nesta etapa é que o aluno compreenda em que consiste ler, isto é, que atra-
vés de símbolos gráficos se chega a significados e mensagens. Começa-se com palavras soltas e,
passado pouco tempo, apresentam-se-lhe frases. Esta é a fase mais longa deste processo, ideal-
mente desenvolvida entre os 3 e os 6/7 anos, que implica a seguinte evolução:
153
• Iniciação ao abecedário pessoal. (Troncoso & del Cerro, 2004, p.159)
NÍVEL I
(dos 6 aos 8 anos)
• Composição de palavras conhecidas com as sílabas escritas em peças de madeira:
com modelo e sem modelo.
• Composição de palavras com um número determinado de sílabas que se lhe dão es-
critas.
• Composição de palavras por ditado, com as sílabas que estão escritas.
• Conhecimento progressivo de todas as sílabas directas, através de leitura global de
novas palavras escolhidas expressamente com este fim.
• Aumento do número de contos pessoais.
• Aumento do número de palavras que lê globalmente: adjectivos, conjunções e advér-
bios. Devem incluir-se algumas palavras com sílabas travadas e inversas.
• Aumento do comprimento das frases que lê e que compõe.
• Utilização ocasional de cartilhas para fazer revisão, reforçar e generalizar o conhe-
cimento das sílabas.
• Aumento do número de páginas e de palavras do abecedário pessoal.
• Iniciação ao conhecimento de sílabas travadas. (p.159)
NÍVEL II
(dos 8 aos 10 anos)
• Iniciação ao conhecimento de sílabas inversas.
154
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Assim que o aluno tenha compreendido em que consiste ler e vá conhecendo a mecânica
da leitura, chega-se à TERCEIRA ETAPA que é a do aperfeiçoamento da leitura.
O objectivo fundamental é conseguir que o aluno leia textos progressivamente mais com-
plexos que lhe permitam:
Nas fases iniciais da 1ª etapa, o tempo que se deve dedicar à leitura será só de 5 minutos
em cada sessão, especialmente se se trabalha com uma criança muito pequena. É preferível repetir
a sessão de leitura 2 ou 3 vezes ao dia, do que dedicar muitos minutos seguidos, que podem cansar a
criança, bloqueando a aprendizagem e perdendo a atenção. À medida que o aluno aprende, aumenta
155
a sua capacidade de trabalho, e se mostra mais motivado, poderão aumentar-se os minutos dedicados
à leitura. É conveniente evitar o cansaço ou o aborrecimento, porque conduzirá à rejeição da tarefa.
A boa coordenação do programa de leitura é fundamental para o sucesso do aluno. Ve-
rificou-se com frequência que, quando esta falta, o aluno fracassa e leva muito mais tempo a
aprender a ler.
Reforçamos a importância da criança ter prazer em aprender a ler. Contudo, para que
isso aconteça é preciso destacar o papel do mediador nesse processo. Para alcançar os objectivos
é preciso que o educador/professor prepare muito bem cada uma das sessões. Esta preparação
inclui a selecção correcta de um objectivo concreto, a planificação do desenrolar da sessão com
actividades e jogos, e a preparação dos materiais. O trabalho deve estar planeado de tal forma
que a criança tenha a sensação de êxito, porque aprende algo de novo ou adquire uma nova com-
petência.
Alguma falha, fracasso ou erro esporádicos não comprometem o resultado final, no en-
tanto, se são muito frequentes, a criança com síndroma de Down poderá adoptar uma atitude de
recusa. Às vezes, uma simples expressão facial do educador/professor, ou dizer à criança “Não
te ouvi bem! Podes repetir?” são ajudas suficientes para que a criança actue com mais atenção e
iniba a sua resposta rápida, dando tempo a si mesma para reflectir, decidir e actuar de um modo
correcto. Convém que o adulto omita expressões como: “Mal! Isso está mal!”, “Não, assim não!”,
substituindo-as por: “Tens a certeza? Pensa outra vez! Olha com calma!” A atitude do educador/
professor deve ser firme, serena e optimista. Tem de ser capaz de transmitir à criança o que se
espera que ela realize ou aprenda e que está seguro de que o vai conseguir. Esta atitude ajuda a
criança a ter confiança em si mesma, dando apoio aos seus esforços pessoais.
A estrutura de todo o processo deve ser feita em passos mais pequenos e em maior nú-
mero do que os que habitualmente se dão nos programas de leitura utilizados com crianças sem
défice intelectual. Esses pequenos passos facilitam a progressão do aluno e permitem consolidar
156
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
• Exploração de imagens;
• Diálogos sobre a realidade e o imaginário de cada criança;
157
Promoção da Leitura em Crianças com Défice Cognitivo
As diferenças que fomos identificando ao longo deste percurso exigiram uma planificação
e a construção de material didáctico que, visando os mesmos objectivos gerais, se adequassem a
cada uma das participantes nos ateliês de leitura.
Os Ateliês de Leitura
No final do primeiro ano de funcionamento dos ateliês de leitura foram organizadas activi-
158
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
dades através de registos verbais e plásticos, com o objectivo de integrar as aprendizagens. Apesar
de termos consciência de algumas dificuldades cognitivas apresentadas pelas participantes no Clu-
be de Leitura, utilizamos, em algumas sessões, actividades, tarefas e materiais diversificados. Se,
em alguns momentos, sentimos que esse facto pode ter estado na origem de algum cansaço e des-
motivação, constatámos também que essa diversidade era fonte de desafio e estimulação cognitiva.
A selecção do livro A menina do mar sugeriu-nos algumas dúvidas e perplexidades, conside-
rando que aceitámos um desafio arriscado. A complexidade do texto fez perigar a sua interiorização
cognitiva e linguística mas não a compreensão das sensações associadas às “coisas da terra e do mar”
e da vivência das diferentes personagens. Os estímulos sensoriais foram um caminho para descober-
tas que entusiasmaram as crianças e as levaram a estabelecer relações entre o real e o imaginário.
No final do ano, foram realizadas cinco sessões de pintura mural, que incluíram a pintura
de personagens e de espaços das várias histórias e a escrita de palavras escolhidas pelas crianças
e consideradas mais relevantes por motivos afectivos, pelo prazer da descoberta, por atracção/
repulsa pelas personagens ou outros motivos (Ex: avô, repuxo, óculos, mar, raia, …).
No segundo ano, a temática privilegiada foi “Os Animais”, através de textos em verso,
rimas, lengalengas e fábulas.
Os objectivos primordiais foram:
O percurso deste segundo ano incluiu o contacto com outras formas literárias para além
da narrativa, bem como a associação do texto literário a informações científicas, através de consul-
ta de livros informativos e de filmes. Esta abordagem permitiu o alargamento a outras realidades,
formas de expressão e vocabulário.
159
Promoção da Leitura em Crianças com Défice Cognitivo
No terceiro ano, como pressupostos para a programação, foi considerado como essen-
cial abordar a temática “Amizade e Amor”. Este tema surgiu de acordo com as nossas observações
e dos relatos espontâneos das crianças, revelando interesses e conflitos próprios do início da
adolescência. A programação articulou-se com o “Projecto de Educação Sexual”, promovido pela
AERID – Associação Educar, Reabilitar, Incluir Diferenças - com a qual trabalhámos em parceria.
De acordo com a temática escolhida, o objectivo geral foi o desenvolvimento social e afectivo.
Os objectivos principais foram:
Neste caso, o género literário não foi determinante na escolha dos livros mas sim a explo-
ração do tema referido, através das seguintes obras:
160
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Reflexões Finais
O livro, enquanto objecto privilegiado nas sessões, organizou-se como contexto e pretexto
para a descoberta.
A metodologia usada foi a de estudo de caso, a partir de uma observação longitudinal, com
o objectivo de analisar o percurso e a evolução das competências de cada criança. Procedeu-se ao
registo comportamental através do preenchimento de grelhas de observação criadas para o efeito
(vd. Anexo).
Ao longo dos três anos foi possível identificar as diferentes formas de as crianças se mo-
tivarem e envolverem nas actividades, os diferentes ritmos na resposta aos diversos estímulos e a
maneira particular de progredirem na leitura.
Os ateliês de leitura integraram quatro crianças: uma com 9 anos, uma com 11, uma com
13 e uma com 17 anos, no início do processo. Para além da diferença na sua idade, que condiciona
toda uma série de processos desenvolvimentais e vivenciais, ao nível da leitura e da escrita esta-
vam em patamares de aprendizagem diferenciados e utilizavam diferentes métodos e estratégias
na resolução das tarefas que lhes eram propostas.
A Catarina, com 9 anos, não demonstrava competências de leitura e escrita mas revelou
desde o início um forte envolvimento e motivação. Ao longo do 1º ano foi possível identificar uma
evolução, sobretudo ao nível da leitura. No 2º ano, devido a alguns factores pessoais e escolares,
verificou-se uma regressão nas competências referidas, que pode indiciar uma dificuldade na in-
teriorização, consolidação e generalização das aprendizagens. No 3º ano, a Catarina retomou
algumas aprendizagens ao nível da leitura e melhorou significativamente a sua escrita.
A vontade de se afirmar pela competição e pelo desejo de realizar sozinha as tarefas pro-
postas foi uma constante nesta criança, dificultando uma aprendizagem partilhada e o “feedback”
por parte das dinamizadoras.
A Joana, com 11 anos, já lia fluentemente mas manifestava dificuldade em interpretar e,
por vezes, recontar o que lia. Escrevia com razoável facilidade mas apresentava muita dificuldade
na composição de ideias. Apesar da motivação demonstrada em responder às solicitações, as suas
respostas impulsivas e alguns automatismos limitavam as suas realizações. Tinha ainda tendência
161
Promoção da Leitura em Crianças com Défice Cognitivo
para repetir automaticamente as respostas que ouvia aos outros. Ao longo dos três anos verificou-
-se uma melhoria considerável em termos de concentração, motivação e tomada de iniciativa.
A Luciana, com 13 anos, utilizava o método de leitura global, demonstrava facilidade
na descodificação da escrita mas revelava resistência à produção do texto escrito, resultante, em
parte, de alguma descoordenação motora. Ao longo das sessões era frequente fazer birras, que
impediram, por vezes, o diálogo e o envolvimento nas actividades. Ao longo dos 3 anos foi possível
observar uma diminuição deste comportamento e uma facilidade progressiva no reconhecimento
e no recontar de partes das histórias.
A Ana Rita, a mais velha, estava já afastada da escola há dois anos. Lia razoavelmente
apesar de o fazer num ritmo um pouco lento e de uma forma silábica. Escrevia com alguma di-
ficuldade, apesar de ser a jovem com melhores competências de leitura e escrita. Em termos de
interpretação mostrava boa compreensão sempre que estava motivada e desperta. Revelava envol-
vimento e interesse na realização das actividades, reagindo de uma forma ponderada ao que lhe
era solicitado. Por razões de saúde, atravessou algumas fases em que apresentou dificuldades de
concentração e em que se alheava do contexto.
Em vários momentos, outras crianças participaram em actividades de “extensão” dos ate-
liês de leitura, nomeadamente com paralisia cerebral, problemas de visão e também crianças com
desenvolvimento típico. Esta interacção foi, também, uma mais-valia na promoção da aceitação da
diferença, pelo menos no contexto social próximo destas crianças.
A intensidade e a riqueza das interacções no decurso dos três anos em que realizámos
os ateliês de leitura permitiram operacionalizar o carácter interdisciplinar inerente ao projecto,
experimentar e ampliar metodologias de trabalho e conceber materiais diversificados e adequados
aos nossos objectivos.
O problema da criança que não consegue ler adequadamente reside muitas vezes na inse-
gurança e nos receios que pais e professores mostram quando envolvidos no processo de apren-
dizagem. Todos podemos errar, mas seremos perdoados se pertencemos ao grupo daqueles que
tentam ajudá-la (Silva, 2005, p.51).
162
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Referências Bibliográficas
Bibliografia crítica:
Silva, F. (2005). Lado a lado - Experiência com a dislexia. Lisboa: Texto Editora.
Troncoso, M.V. & Cerro, M. M. (2004). Síndroma de Down: Leitura e Escrita. Um guia para pais, educadores e
Literatura Infantil:
Cinquetti, N., il. Mónaco, O. (2002). Julieta e Romeu. Lisboa: Livros Horizonte.
Clements, A. & Gantschev, I. (1992). Noé, a Arca e os Animais. Editora Civilização: 1992.
Ferreira, E., il. Alves, S. (2006). O Lobo com bom coração (1ª ed. 2002). Maia: Edições Nova Gaia.
Infante, L., il. Pott, C. (2003). Poemas para meninos e meninas pequeninos. Vila Nova de Gaia: Edições Gailivro.
Masine, B., il. Mónaco, O. (2000). Ciro à procura do amor. Lisboa: Livros Horizonte.
Moutinho, J.V. & Fedra Santos (2006). Tradições populares portuguesas. O livrinho das lengalengas (1rd ed.
Oom, A., il. Letria, A. (Adapt. da fábula de La Fontaine) (2005). O Corvo e a Raposa. Lisboa: Expresso.
Rodrigues, R. F., il. Quental, J. (2005). Leonor no jardim da Gulbenkian. Vila Nova de Famalicão: Edições Quasi.
Sánchez, I., il. Infante, F. (adapt. da fábula de Esopo) (1992). A lebre e a tartaruga. Porto: Edições Asa.
Silva, K. (2006). A História de Maria Benguela e Pascoal. Rio de Mouro: Rafa Team.
Soares, L.D., il. Castro, S. (1997). Lengalengas (1ª ed. 1988). Lisboa: Livros Horizonte.
Soares, L.D., il. Leitão, P. (1999). Arca de Noé. Lisboa: Livros Horizonte.
Soares, L. D., il. Leitão, P. (1999). O casamento da gata (1ª. ed. 1997). Lisboa: Terramar, 1999.
163
Promoção da Leitura em Crianças com Défice Cognitivo
Soares, L.D., il. Olé Design (2006). Uns óculos para a Rita. Porto: Civilização Editores.
Vieira, A. (2001). Temos de começar a jantar à mesa. Trisavó de espada à cinta. Lisboa: Caminho.
ANEXO:
GRELHA DE OBSERVAÇÃO
NOME: _________________________________________
IDADE:_________________________
Construção de Frases
164
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMEN
El presente artículo pretende mostrar una realidad directrices marcadas a nivel general a una situación específica.
de tantas: cómo se lleva a cabo la educación literaria de los Partiendo, pues, de los programas oficiales y de la
alumnos y alumnas en un centro de secundaria ubicado en una consideración que en ellos se da a la diversidad, nos acerca-
zona con un elevado porcentaje de población migrada. mos al quehacer diario de los docentes en el área de Lengua y
Una breve aproximación al contexto social y Literatura con el propósito de conocer cómo se trabaja en un
económico evidencia la diversidad cultural que caracteriza al espacio que suponemos intercultural.
municipio de El Ejido y, por consiguiente, al ambiente escolar Palabras clave: educación literaria, diversidad cul-
en el que se desarrolla una práctica docente que, si bien, se tural, interculturalidad, lectura.
INTRODUCCIÓN
Sin duda, los cambios introducidos en el modelo económico a partir de los años 50 en
España constituyen la base sobre la que se ha desarrollado una manera de vivir y de pensar que
llega hasta hoy, desde la que leemos y nos leemos al mismo tiempo.
Comprometidos desde nuestra llegada al mundo con el sistema, aprendemos a desenvol-
vernos en él aceptando las normas que rigen su funcionamiento, olvidando con facilidad que se
trata de un modelo, pero que bien podía ser otro. Así cuando hablamos de cultura, lo hacemos
desde nuestra cultura.
Ahora que, según parece, las fronteras físicas se diluyen –sobre todo para la libre circula-
ción de capital financiero- y los movimientos transnacionales fluyen llevando y trayendo personas
en busca de mejores condiciones de vida ante el espejismo de sociedades abiertas, integradoras,
con recursos, bienestar…conviene no dejarse embaucar por ese concepto tan difundido y emplea-
do por todos: globalización.
Posiblemente este tiempo detenido al borde del precipicio1 sea una ocasión nada desdeña-
ble para mirar hacia adentro en vez de poner la vista en el horizonte de ese progreso ávidamente
devorado que nos ha dejado huérfanos y sin la “liebre artificial” tras la que correr sin descanso.
Detenidos, pues, en este momento en el que la llegada de personas se considera como un
“fenómeno social” objeto de estudio de distintas disciplinas como la antropología o la sociología,
nos parece conveniente adentrarnos en el entramado que empieza a tejerse en torno a políticas
educativas que intentan dar respuesta a la demanda de una parte de la población extranjera, por
un lado, pero también a las “exigencias” de la población autóctona que, en ocasiones, percibe la
llegada de personas de otras culturas como una amenaza.
Por ello, este trabajo pretende abordar el tema de la educación intercultural partiendo de
una premisa básica: el lenguaje de la escuela es el lenguaje del poder2. Esto no quiere decir que no
haya posibilidad de contrarrestar su fuerza, si no todo lo contrario. Se trata de tener presente este
hecho para buscar propuestas que favorezcan otras maneras de educar, atendiendo no sólo a la di-
versidad cultural de nuestra sociedad, sino también –y fundamentalmente- a las situaciones y a los
procesos de exclusión social que marcan la vida cotidiana, a sus causas y a sus manifestaciones3
Desde esta perspectiva, nos proponemos una breve aproximación al sistema educativo
español con el objeto de conocer cómo se ha contemplado la diversidad cultural en el currículo,
entendido éste como el mediador entre la realidad social y la educación formal dispensada en las
aulas. Este acercamiento a los planes de estudio, nos permitirá constatar el papel otorgado a la
educación literaria a la hora de diseñar proyectos encaminados a potenciar el intercambio cultu-
ral, puesto que entendemos que de ningún modo se pretende la aculturación sin más. Otra cosa
pudiera ser la praxis, y a eso vamos.
1 Nos referimos a la idea de fin de la historia planteada desde sectores conservadores tan poco dados a admitir el fracaso del
modelo capitalista, empeñados en su (re)fundación. Véase W. Benjamin y la idea de progreso en la modernidad.
2 Sobre este tema, Bourdieu presenta un estudio sobre el lenguaje en el sistema educativo francés que puede ayudarnos a com-
prender este hecho.
3 Carbonell establece dos ejes básicos sobre los que estructurar un proyecto de educación intercultural: la educación para la
igualdad y la educación en el respeto a la diversidad.
166
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
distintos modos de relaciones sociales entendidos como estilos de vida, nuevos hábitos…etc.
Sin duda, dicho proceso supuso, de entrada, la elaboración de una normativa legal encar-
gada de planificar los cambios que se pretendían introducir, pero debemos pensar que también
se trataba de <<familiarizar>> a sectores de la clase obrera, fundamentalmente, con la cultura
dominante. La población pertenecía a un mismo país con el consiguiente grado de asimilación,
en parte, de pautas culturales que desde el mismo nacimiento disponen nuestro ser y estar en el
mundo.
Con mayor o menor dificultad, todos estos cambios se fueron incorporando a un sistema
de vida que respiraba “libertad” y que miraba hacia un horizonte con ilusión ante las nuevas posi-
bilidades económicas, políticas y sociales que se vislumbraban.
Pero, claro, a medida que la población fue incorporándose a sectores productivos que
exigían cualificación5 quedaron sin cubrir aquellos que no precisan ninguna, o escasa, formación.
Además, el desarrollo económico conlleva un descenso en la natalidad que en el caso de España se
ha situado entre las más bajas de Europa.
Todo esto desemboca en la necesidad de mano de obra extranjera y abre las puertas a
millones de personas que buscan mejorar sus condiciones de vida.
A partir de los años 90 el fenómeno migratorio empieza a ofrecer datos estadísticos sig-
nificativos en relación al aumento de la población extranjera residente en nuestro país, momento
en el que aprueba la Ley de Ordenación General del Sistema Educativo6, cuyo aspecto más im-
portante a nivel estructural es la ampliación de la educación obligatoria hasta los dieciséis años.
Esta reforma educativa, además, invertía los fundamentos mismos del sistema: el acento
se pone en la formación integral del alumno y no tanto en el desarrollo de las capacidades estricta-
mente cognitivas como se venía haciendo en función de la LGE (1970). Las teorías constructivistas
que envuelven la nueva ley permiten una interpretación de la función social de la educación que
tiene que ver con el modo en que se da el proceso de enseñanza-aprendizaje. Todo ello implica,
sin duda, modificaciones considerables en la práctica docente: los contenidos, la función del pro-
fesorado, los materiales, la evaluación, etc., puesto que se trata de atender a un alumnado diverso
5 Pensemos en todo el proceso de burocratización y en el incremento del número de funcionarios, tal como lo expresa Santos Juliá.
El ascenso en la pirámide social se hace posible y el movimiento de grupos de población de unos estratos a otros empieza a ser
factible.
6 BOE número 238 de 4 de octubre de 1990.
168
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
en relación a sus aptitudes y actitudes, sus habilidades e intereses… pero, también en cuanto a
signos de identidad cultural que no se circunscriben al país o nación en el que residen, sino que
trasciende esa limitación física.
Si nos acercamos brevemente a la normativa legal, comprobamos que todas estas cuestio-
nes señaladas anteriormente se plantean de manera conjunta, haciéndose referencia a los principios
fundamentales que sustentan la concepción de una educación equitativa para todos los ciudadanos.
“Se trata de conseguir que todos los ciudadanos alcancen el máximo desarrollo po-
sible de todas sus capacidades, individuales y sociales, intelectuales, culturales y
emocionales para lo que necesitan recibir una educación de calidad adaptada a sus
necesidades”7.
Y seguidamente podemos leer: “Resulta, pues, necesario atender a la diversidad del alum-
nado…”
Pero ¿que se entiende por diversidad?
Atendiendo al desarrollo legislativo, la consideración de un alumnado diverso parece
orientarse a las medidas educativas que han de procurarse con el objeto de facilitar el proceso de
enseñanza-aprendizaje a aquellos chicos y chicas con dificultades para ello.
Precisamente por eso, no es extraño que la atención a la diversidad sea entendida como
la atención a alumnos/as con necesidades educativas especiales (NEE) y relacionada con grupos
minoritarios, desfavorecidos y marginados, o “culturas diferentes”.
Desde esta perspectiva, la práctica docente se ve abocada a diseñar modelos que, sin
apartarse de las directrices generales, intenten adaptarse al ritmo de aprendizaje de esos alum-
nos y alumnas. Se trata, pues, de una “segregación” dentro de lo que se conoce como una escuela
integradora, lo cual no deja de ser una contradicción.
Pero veamos cuáles son los planteamientos que recoge la normativa legal en cuanto al
currículo propio de la educación secundaria obligatoria en el área que nos ocupa.
7 Ley Orgánica 2/ 2006 de 3 de mayo, de Educación. BOE nº 106 de 4 de mayo. Dichos principios son la calidad y equidad, el
esfuerzo compartido entre todos los miembros de la comunidad educativa, y el compromiso con lo objetivos educativos planteados
por la Unión Europea.
169
Educación Literária y Diversidad Cultural en la Enseñanza Secundária
Los contenidos para esta etapa educativa obedecen a la doble finalidad que persigue
la educación lingüística y literaria, “entendida la primera como la capacidad para
usar la lengua en las diversas esferas de la actividad social, y la segunda como el
conjunto de habilidades y destrezas necesarias para leer de forma competente los
textos literarios significativos de nuestro ámbito cultural”8.
Así, las propuestas oscilan entre la lectura comentada de obras adecuadas a la edad del
alumno en el primer ciclo y la lectura de obras o fragmentos adecuados a la edad, pero relacionándo-
los con los grandes periodos y autores de la literatura: desde la Edad Media hasta el siglo XVIII, en
tercer curso; y la lectura de novelas y relatos desde el siglo XIX hasta la actualidad, en cuarto curso.
Como podemos observar, las directrices marcadas para el primer ciclo gozan de bastante
8 Informe PISA obtenido desde http://www.mec.es/multimedia/00005713.pdf [consulta 20-04-2010].
170
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
flexibilidad, por lo que el currículo admite la adopción de un modelo plural y abierto que facilite el
acercamiento entre las distintas tradiciones culturales que confluyen en nuestras aulas. Esto no quie-
re decir que en segundo ciclo desaparezca la posibilidad de seleccionar textos propios de una realidad
multicultural como la actual con el objeto de fomentar la lectura entre los adolescentes, pues es en esa
edad y etapa educativa cuando dejan de leer por placer –en la mayoría de los casos- para enfrentarse
a la ardua tarea de memorizar listas de autores, obras, géneros y movimientos literarios.
EL FOMENTO DE LA LECTURA
Desde hace unos años, coincidiendo con la puesta en marcha del proyecto PISA y debido,
en parte, a la atención mediática dispensada a los resultados del mismo, ha trascendido enorme-
mente la difusión de un problema que venía preocupando a los docentes en su práctica diaria: las
dificultades que tienen los alumnos/as para comprender aquello que leen.
Cada tres años los escolares españoles de quince años son evaluados en las áreas de
Lectura, Matemáticas y Ciencias, con el objeto de “medir” el grado de aplicación de los conoci-
mientos y las competencias adquiridas a situaciones reales con las que tendrán que enfrentarse
en la vida adulta.
Así, la lectura en el marco teórico del proyecto PISA “consiste en la capacidad de un
individuo para entender, emplear y reflexionar sobre textos escritos para alcanzar sus objetivos,
desarrollar su conocimiento y potencial, y participar en la sociedad”9
Pero veamos, brevemente, cuál es el planteamiento general que recoge la normativa vi-
gente sobre la lectura.
La Ley Orgánica 2/2006 de Educación, insta a los poderes públicos a prestar una atención
prioritaria al fomento de la lectura y al uso de las bibliotecas. Entre los objetivos a alcanzar, tanto en
Educación Primaria como en Educación Secundaria, destaca la necesidad de afianzar el desarrollo
de habilidades y hábitos de lectura y escritura, de trabajo y de estudio, condiciones imprescindibles
para que el aprendizaje sea posible, y que inciden favorablemente en el desarrollo personal10.
El artículo 113 de la ley, dedicado a las bibliotecas escolares, establece las normas gene-
rales que habrán de adoptar los centros escolares con el objeto de fomentar la lectura y facilitar
el acceso a la información al conjunto de la comunidad educativa.
A su vez, y dada la preocupación social que adquiere el “problema de la lectura”11, se
genera todo un debate en torno a este tema que culmina con la aprobación de la Ley 10/2007 de
la Lectura, del libro y de las bibliotecas12 que recoge en su Preámbulo la necesidad de adquirir
habilidades que permitan al lector transformar en conocimiento la información que recibe, abru-
madora en la sociedad actual y, por tanto, difícilmente comprensible.
Para que este proceso se desarrolle con garantías de éxito, la ley propone redefinir
algunos conceptos esenciales, entre ellos el de lectura: “Leer es elegir perspectivas desde las que
situar nuestra mirada invitando a reflexionar, a pensar y a crear”13.
Dicha propuesta nos reafirma, todavía más, en lo que venimos defendiendo: nuestra rea-
lidad está compuesta por la confluencia de culturas a pesar de que el sistema económico priorice
globalizar este hecho uniformando a la población desde el consumo de productos similares, in-
cluidos los culturales.
Vemos, pues, que la lectura se muestra cual llave maestra que abre cualquier puerta, pero
sobre todo la del conocimiento, entendido éste no como algo objetivo y distante, sino como algo
integrado en la vida de cada persona que actúa sobre ella modificando su manera de ver el mundo
al incorporarse distintas perspectivas.
Todos estos cambios, sin duda, forman una estructura básica sobre la que configurar el es-
pacio y el tiempo dedicado a la lectura en la escuela que habrá de materializarse en el denominado
Plan de Lectura y Biblioteca y que ha de quedar integrado en el Proyecto Educativo de Centro y
por ende en el Proyecto Curricular del mismo.
Volviendo al tema de la realidad multicultural en la que -y desde la que- nos construimos,
nos proponemos indagar en el desarrollo de la normativa legal. Para ello, visitamos un Instituto
ción, sin olvidar la parte de “culpa” achacable a la industria cultural en general y a la del libro, en particular, para el caso que nos
ocupa.
11 BOE núm. 150 de 23 de junio de 2007, pp. 27140-27150.
12 Ibídem., pág. 27141.
13 Grupos de alumnos/as con dificultades en la comprensión y expresión de la lengua castellana, es decir, aquellos cuya lengua en
el entorno familiar es el marroquí, por ejemplo, dada la procedencia de sus padres.
172
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
173
Educación Literária y Diversidad Cultural en la Enseñanza Secundária
174
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
A MODO DE CONCLUSIÓN
Sin duda, la sociedad del siglo XXI se caracteriza por una mezcla de culturas que confor-
man una diversidad de modos de entender el mundo, aunque sabemos que esto choca de frente
175
Educación Literária y Diversidad Cultural en la Enseñanza Secundária
con la visión que el poder económico y financiero pretende imponer como única. Tal vez por eso,
la interculturalidad sea una tarea pendiente que requiere, por supuesto, mucho esfuerzo por parte
de las instituciones públicas y una gran capacidad de comprensión de parte de la sociedad civil
para seguir trabajando en ese sentido.
La escuela no es ajena a las transformaciones sociales y mediante el currículum –media-
dor entre el espacio escolar y la sociedad- ha de promover actuaciones que faciliten ese intercam-
bio cultural como base de una educación abierta y flexible que posibilite la comunicación entre
todos los ciudadanos. El centro educativo, por tanto, ha de hacer un esfuerzo por adaptarse al
alumnado y no al revés.
La breve aproximación a la normativa legal vigente y la práctica diaria aquí expuesta no
ofrece datos empíricos –no era ese el objetivo- que permitan una consideración generalizada del
estado actual de la educación literaria desde la interculturalidad. Lo que sí nos permite es plantear
cuestiones referidas al modo en que esa educación se está desarrollando en las aulas.
Evidentemente, el caso del IES Santo Domingo no es representativo ni se ha pretendido
que lo sea. Ahora bien, si en una zona con un alto índice de población inmigrante las propues-
tas educativas tienden a elaborarse separando la diversidad, difícilmente conseguiremos que la
interculturalidad sea una realidad. Más bien quedará ocupando un lugar en el papel y nuestros
alumnos y alumnas continuarán educándose en el desconocimiento – y por tanto, en la no acepta-
ción- del otro: el diferente.
Estamos convencidos de que si algún área de conocimiento posee la capacidad de acer-
carnos a otras culturas y a otras personas, sin duda, es la Literatura, siempre y cuando sea con-
cebida como experiencia (Larrosa, 1996).
La presencia, por tanto, de programaciones curriculares modulares en la práctica diaria
es fundamental si deseamos que la educación literaria pueda llevarse a cabo desde la apertura y
la flexibilidad, puesto que se trata de abrir fronteras no sólo para que circule el capital financie-
ro, sino para que la producción de conocimiento sea posible en todos los rincones del planeta y
constituya su principal riqueza desde la que mejorar las condiciones de vida de los ciudadanos.
176
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
BIBLIOGRAFÍA
ARJONA, A. (2005): La economía étnica en el mercado de trabajo almeriense. Junta de Andalucía: Consejería de
Gobernación.
BOURDIEU, P. y PASSERON, J. (2001): La Reproducción: elementos para una teoría del sistema de enseñanza.
CARBONELL, F. (2006): Exclusión social y diversidad cultural en la escuela: Bases para un proyecto de edu-
cación cívica intercultural. En Checa y Olmos, F. (eds.): Menores tras la frontera, pp. 113-140. Barcelona: Icaria.
LERENA, C. (1986): Escuela, ideología y clases sociales en España: crítica de la sociología empirista de la edu-
GIMENO, J. (2006): La reforma necesaria: entre la política educativa y la práctica escolar. Madrid: Morata
JULIÁ, S. (2002): Historia económica y social moderna y contemporánea de España. Madrid: CSIC.
VV.AA. (2009): Walter Benjamin, La experiencia de una voz crítica, creativa y disidente. Antrophos, 225.
177
178
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
179
180
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMO
Partindo da obra 1808, da autoria de Laurentino Gomes, es- ma esta edição de recepção juvenil apresenta ‘o nascimento
critor e jornalista brasileiro, com ilustrações da artista plás- do Brasil’ visto por um olhar não europeu aos mais novos.
tica Rita Bromberg Brugger, publicada no Brasil, em 2008, no Procurámos, para tal, centrar-nos na forma como o perfil das
âmbito da comemoração dos 200 anos da chegada ao Brasil personagens fulcrais envolvidas nestes acontecimentos, espe-
da família real portuguesa, procurámos verificar de que for- cialmente o de D. João, vai sendo, ao longo da construção da
narrativa, traçado.
O nosso estudo tem como pano de fundo a obra 1808, da autoria de Laurentino Gomes,
escritor e jornalista brasileiro, com ilustrações da artista plástica Rita Bromberg Brugger, publica-
da no Brasil, em 2008, pela Editora Planeta Jovem. Esta é uma “Edição Juvenil Ilustrada”, como é
referido na própria capa do livro.
Esta edição juvenil tem o texto editado pela jornalista Denise Ortiz, a partir da obra ho-
mónima, igualmente da autoria de Laurentino Gomes, vinda a lume com a chancela da Editora
Planeta, no Brasil, em 2007. 1808 pretende assinalar os 200 anos da chegada ao Brasil da família
real portuguesa, data objecto de inúmeras comemorações tanto nesse país como em Portugal,
durante o ano de 2008. Igualmente no referido ano, a edição para adultos de 1808, para além de
um assinalável êxito em termos de vendas no Brasil e em Portugal, recebeu dois importantíssimos
prémios – o Prémio de melhor livro de ensaio da Academia Brasileira de Letras e o Prémio Jabuti
de Literatura, na categoria livro-reportagem e livro do ano de não-ficção.
*
UE/CIEP Universidade de Évora.
181
Visto de lá: a corte portuguesa no Brasil contada aos mais novos
Enquadramento histórico
O final do século XVIII veio encontrar o reino de Portugal numa situação razoavelmente
confortável, resultante de uma conjuntura económica favorável onde alguns leves sinais de mo-
dernidade não contrariam a realidade de uma monarquia absoluta de antigo regime. A Rainha,
D. Maria I, governava o país desde 1777, mas a partir da última década do século, tendo-lhe sido
diagnosticada uma demência, o príncipe D. João vai assumir, primeiro informalmente (1792) e de-
pois oficialmente (1799) a Regência do Reino (Martins, 2009). Como sabemos, o futuro D. João VI,
apenas chegou a esta condição pela morte do príncipe herdeiro D. José, não tendo a sua educação
sido a de preparação de um futuro rei. A esta situação acresce o facto de, em Portugal, como na
Europa, se sentirem já os abalos provocados pelas sequelas da Revolução Francesa.
Ora é neste clima de intranquilidade face aos desenvolvimentos da situação política em
França que Portugal vai tentar, a todo o custo, manter a neutralidade relativamente às questões
entre França e a Inglaterra. Esta tentativa de neutralidade explica, em grande parte, a sucessão
de avanços e recuos da coroa portuguesa. Entre a fidelidade ao tradicional aliado – a Inglaterra – e
as ameaças da nova França, por vezes acompanhada da Espanha, Portugal vai procurando resistir,
até porque a defesa dos interesses económicos e coloniais também o aconselhavam.
É nesse contexto que se podem compreender as reacções portuguesas às sucessivas ame-
aças de França à coroa portuguesa com o intuito de obrigar Portugal a quebrar a sua aliança
secular com a Inglaterra. A França de Napoleão, entre projectos para invadir Portugal (1800) e
acordos com Espanha para partilha do território português (1801), vai procurando forçar Portugal
a admitir fechar os portos à navegação inglesa e ao pagamento de pesadas indemnizações e con-
tribuições (Oliveira Marques, 1972).
Ainda assim, os esforços portugueses são, de alguma forma, recompensados pela assinatura,
em 1804, de um tratado no qual a França reconhece a neutralidade portuguesa durante a guerra entre
França e Inglaterra, sem que, no entanto, este tratado ponha fim quer às negociações quer às pres-
sões diplomáticas francesas que se aprofundam com a chegada a Lisboa do novo embaixador, Junot.
Entretanto, os exércitos de Napoleão vão conhecendo derrotas (como na batalha marítima
de Trafalgar, contra a Inglaterra) e vitórias (como em Austerlitz, contra Russos e Austríacos), mas
182
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
vão sobretudo garantindo a supremacia francesa na Europa continental. É nessa lógica que deve
ser entendido o Bloqueio Continental (1806) que visava “o encerramento dos mercados europeus à
Inglaterra de forma a paralisar a sua indústria e constranger este país à paz. Na sequência (…) exi-
giu-se o encerramento dos portos portugueses à navegação britânica e a confiscação dos bens dos
súbditos ingleses residentes em Portugal” (Torgal, 1997, p.77). Se bem que a Inglaterra por diversas
vezes tenha reafirmado o seu apoio a Portugal, do ponto de vista económico e financeiro, o país não
estava preparado para resistir de facto às ameaças francesas, quer por não estar dotado de argu-
mentos militares quer por debilidades económicas que ciclicamente reapareciam (Martins, 2009).
O ano de 1807 foi um período particularmente difícil para o regente e para a coroa por-
tuguesa, particularmente porque os acontecimentos nos vários cenários de guerra e a aparente
consolidação do poder napoleónico fragilizam cada vez mais a posição portuguesa. O tratado de
Fontainebleu, com o seu projecto de ocupação e de divisão do território português entre a Etrú-
ria, a Espanha e a França, reanimou um projecto já longamente amadurecido – a possibilidade de
transferência da corte portuguesa para o Brasil. Em sucessivas reuniões do Conselho de Estado,
o príncipe regente ouve conselheiros e elementos da elite do país que esgrimem argumentos a
favor e contra a resistência a Napoleão. No entanto, “no essencial, a elite portuguesa interiorizou
a opção atlântica que (…) foi o garante da sobrevivência política do país” (Martins, 2009, p. 36).
A entrada do exército francês, comandado por Junot, em território nacional veio precipitar
a decisão e foi nos seguintes termos que, a 26 de Novembro, o príncipe regente anunciou a partida:
Tendo procurado por todos meios possíveis conservar a Neutralidade, de que até
agora têm gozado os meus fiéis e amados vassalos: e apesar de ter exaurido o meu
real erário, e de todos os meus sacrifícios a que me tenho sujeito, chegado ao exces-
so de fechar os portos dos meus Reinos aos vassalos do meu antigo e leal aliado, o
Rei da Grã-Bretanha, expondo o comércio dos meus vassalos a total ruína, e sofrer
por este motivo grave prejuízo nos rendimentos de minha Coroa: vejo que pelo in-
terior do meu Reino marcham tropas do Imperador dos Franceses e Rei de Itália, a
quem eu me havia unido no Continente, na persuasão de não ser mais inquietado;
e que as mesmas se dirigem a esta capital. E querendo eu evitar as funestas conse-
183
Visto de lá: a corte portuguesa no Brasil contada aos mais novos
quências que podem seguir de uma defesa, que seria mais nociva que proveitosa,
servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, e capaz de acender
mais a dissensão de umas tropas, que têm transitado por este Reino, como anúncio e
a promessa de não cometerem a menor hostilidade; conhecendo igualmente que elas
se dirigem mui particularmente contra a minha real pessoa, e que os meus vassalos
leais serão menos inquietados, ausentando-me eu deste Reino: Tenho resolvido, em
benefício dos meus vassalos, passar com a Rainha minha senhora e mãe e com toda
a Real Família para os estados da América, e estabelecer-me na cidade do Rio de
Janeiro, até à paz geral…. (Norton, 1968, p. 21).
O decreto acima parcialmente transcrito, dá-nos a dimensão dos esforços da coroa portu-
guesa para conseguir manter-se à margem do conflito, mas também a sua impotência para enfren-
tar as tropas napoleónicas e resistir à invasão do território e a sua opção por, exilando-se, manter
vivo o reino de Portugal.
E numa clara manhã, a 27 de Novembro de 1807, começou o embarque da Família Real: “Um
espectáculo inédito na História de Portugal desenrolava-se sobre as águas calmas do rio Tejo: a rai-
nha, os seus príncipes, princesas e toda a nobreza abandonavam o país para ir viver do outro lado do
mundo. Incrédulo, o povo aglomerava-se à beira do cais para assistir à partida” (Gomes, 2008, p.38).
Quando finalmente a armada parte, a 29 de Novembro, já parte das tropas francesas se
encontram às portas de Lisboa e no dia seguinte é afixada nas ruas o edital que dá conta da nova
realidade: “O Governador de Paris, Primeiro-Ajudante do Campo de S.M. o Imperador dos France-
ses, e Rei de Itália, General-em-Chefe, Grão-Cruz da Ordem de Cristo nestes reinos. Habitantes de
Lisboa. O meu Exército vai entrar na vossa cidade. Eu vim salvar o vosso Porto e o vosso Príncipe
da influência maligna da Inglaterra (…). Moradores de Lisboa, vivei sossegados em vossas casas:
não receeis coisa alguma do meu Exército, nem de mim; (…). O Grande Napoleão, meu amo, envia-
-me para vos proteger; eu vos protegerei” (Norton, 1968, p. 26).
A corte portuguesa, em exílio voluntário, parte para o outro lado do Atlântico, levando
consigo “mais de oitenta milhões de cruzados” (Norton, 1968, p. 25) e a possibilidade de sobre-
vivência da monarquia, mas deixando os portugueses entregues à sua sorte: “Abandonado à sua
184
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
própria sorte, Portugal viveria os piores anos da sua história. Nos meses que se seguiram, con-
trariando o exemplo da família real, milhares de portugueses pegariam em armas para resistir à
invasão francesa” (Gomes, 2008, p.44)
A chegada à Baía do navio que transportava o príncipe regente, para além das festivi-
dades inerentes a um tal acontecimento, determinou também a decisão de abertura dos portos
brasileiros ao tráfego internacional e aos aliados de Portugal (Torgal, 1997) e permite dizer que
A mesma Bahia que trezentos anos antes tinha assistido à chegada da esquadra de
Cabral, agora testemunhava um acontecimento que haveria de mudar para sempre,
e de forma profunda, a vida dos Brasileiros. Com a chegada da corte à Baía de Todos-
-os-Santos, começava o último acto do Brasil colónia e o primeiro do Brasil indepen-
dente (Gomes, 2008, p. 53).
Quando finalmente o futuro rei avista a baía da Guanabara e desembarca no Rio de Ja-
neiro, “(…) foi o encontro de dois mundos, até então estranhos e distantes. De um lado, uma
monarquia europeia, envergando casacos de veludo, sapatos afivelados, meias de seda, perucas e
galardões, roupas pesadas e escuras – e isso debaixo do mais do que conhecido sol tropical do Bra-
sil (…). Do outro lado, estava uma cidade colonial e quase africana, com dois terços da população
formada por negros, mestiços e mulatos semidespidos e descalços” (Gomes, 2008, p. 79).
185
Visto de lá: a corte portuguesa no Brasil contada aos mais novos
O subtítulo da obra “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta
enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil” encerra as representações,
acerca das personagens históricas (D. Maria I e D. João VI), que alguns livros de História nos le-
garam.
As ilustrações da obra são ricas em pormenores e, na grande maioria das vezes, apresen-
tam-se acompanhadas de legendas próprias ou com citações do texto verbal. De um modo geral,
as ilustrações nesta obra elucidam o desenrolar da narrativa. Contudo, tendo em conta a dimensão
e estrutura deste estudo, vamo-nos centrar apenas naquelas que retratam D. João VI, D. Carlota
Joaquina e D. Maria I.
D. João VI aparece-nos sempre retratado com o mesmo traje – casaca azul, calção branco,
sapato de fivela, cabeleira branca – fazendo jus às informações que nos são reveladas no texto
verbal, uma vez que D. João não primava pelo asseio e normalmente usava sempre a mesma indu-
mentária.
O retrato de D. João VI, feito através das aguarelas de Rita Bromberg Brugger, pode ler-
-se como D. João enquanto pessoa e enquanto rei. Se como homem este retrato é constante nas
suas características físicas e psicológicas, como rei ele sofre aparentes alterações, que seguem de
perto a evolução da figura enquanto monarca.
D. João enquanto pessoa é pintado como um homem gordo, velho, de olhar vazio, ar apá-
tico, enterrado no trono. Muito pertinentes são as ilustrações da página 21, onde por oposição a
uma Carlota Joaquina ácida e destalheira (página 20) surge, de costas para ela, um D. João velho,
sentado, acabado, de costas curvadas, apoiado numa bengala; e da página 91, onde encontramos
um D. João de joelhos, com a cabeça enterrada entre as mãos e o rosto escondido, numa alusão ao
medo que o monarca tinha de trovoadas.
Como monarca, é no período em que a narrativa se centra no Brasil, que temos pratica-
mente todas as aguarelas de D. João em assuntos de Estado. E nelas é possível adivinhar a perso-
nalidade de D. João, muito embora estas aguarelas elucidem os actos do monarca enquanto esta-
dista. Se nalgumas destas aguarelas, D. João aparece direito, com uma postura decidida e atenta
(p. 53, 58, 106), noutras não deixa de aparecer enterrado nas cadeiras, com o seu ar indolente (p.
103, 105).
186
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Símbolo delas todas parece-nos ser a ilustração da página 76. D. João surge-nos de pé,
com as insígnias reais, junto à coroa, que está em cima de uma mesa. Porém, a figura do monarca
apoiada na mesa e o seu olhar vazio são indicadores do seu carácter.
Por fim, centramo-nos na derradeira aguarela sobre D. João (p.136). De novo de regresso
a Portugal, o rei, simbolizado através do traje, é um homem derrotado, condenado, sem rosto e
vergado, na hora do desembarque, em Lisboa.
D. Carlota Joaquina
187
Visto de lá: a corte portuguesa no Brasil contada aos mais novos
Brasil.»; «Ao embarcar de volta para Portugal, em 1821, tirou as sandálias e bateu contra um dos
canhões da amurada do navio. “Tirei o último grão de poeira do Brasil dos meus pés”, teria dito.
“Afinal, vou para terra de gente!”»(p.97).
Parece-nos interessante observar não só como a princesa vê o Outro, mas também como
esse Outro, neste caso o narrador, vê e nos mostra a princesa, numa feroz caricatura, extensível,
certamente sem grande dificuldade, ao Povo e ao País sobre o qual ela reinou.
Carlota Joaquina surge-nos retratada normalmente com um traje nobre, em tons rosas e
arroxeados, coberta de jóias, de plumas e empunhando um leque. Nas ilustrações, esta persona-
gem magríssima, apresenta um rosto altivo, duro e maquiavélico. De notar, a ilustração da página
20, onde Carlota aparece como que vociferando, com as mãos colocadas nos quadris; ou a ilustra-
ção da página 98, onde com um olhar diabólico agride D. João; ou ainda a da página 105, onde o
leque esconde a cara da princesa, no ritual do beija-mão, deixando certamente adivinhar o pro-
fundo desprezo que Carlota nutria pelo Brasil e por extensão pelo seu Povo. Cremos que ao longo
deste friso que retrata Carlota Joaquina, o texto icónico ilumina o texto verbal, no que respeita à
caracterização psicológica da princesa – vingativa e preconceituosa.
D. Maria, a rainha…
O olhar do Outro sobre a rainha D. Maria I é um olhar contaminado por traços, que alguns
livros de história nos legaram – D. Maria surge-nos como uma mulher beata, avessa à inovação,
doida. Aliás esta é a característica que é realçada na narrativa sobre esta personagem. Nas pou-
cas passagens que o texto dedica a D. Maria I, em praticamente todas elas é evidenciada a sua
demência, seja através da expressão “rainha louca” (p. 21, 22) seja através de expressões como
“enlouqueceria” (p.36) ou “acessos de loucura” (p.42).
No entanto, e apesar da sua loucura, de acordo com a narrativa, é a única personagem da
família real que apresenta um verdadeiro sentimento patriótico, ao não querer abandonar Portu-
gal rumo ao Brasil «Ao chegar ao cais, ela teria se recusado a descer da carruagem – era a única
ali a não querer abandonar o seu país. O capitão da frota real acabou carregando-a no colo até
o navio.»(p.42). E apesar, de novo, do seu desvario, acaba por ir ao âmago da questão – a família
188
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
real fugia mesmo para o Brasil «Sem a menor noção do que acontecia, enquanto seu coche se
aproximava do porto em disparada, ela teria gritado ao cocheiro: “Mais devagar. Vão pensar que
estamos fugindo!”»(p.42).
A rainha D. Maria I surge-nos apenas em duas ilustrações, que mais uma vez iluminam
o texto verbal. Na primeira, a rainha é retratada descalça, em camisa de dormir branca, com a
cabeça coberta com um véu negro e com um curioso pormenor, que eventualmente assinala a sua
condição nobre – um colar de pérolas. O rosto da rainha assemelha-se a um cadáver e lê-se na sua
atitude corporal o pânico (p.24). Na outra, a rainha aparece-nos apenas de costas, ajoelhada no
acto da confissão, vestida de preto, com a cabeça coberta com um véu (p.102). No conjunto das
duas ilustrações, constatamos que o texto icónico corrobora o texto verbal, no que diz respeito
à caracterização psicológica da rainha – louca e beata – “D. José, herdeiro do trono e irmão mais
velho do príncipe regente, D. João, havia morrido de varíola porque sua mãe, D. Maria I, tinha proi-
bido os médicos de lhe aplicarem a vacina. A rainha – que posteriormente enlouqueceria – achava
que a decisão entre a vida e a morte estava nas mãos de Deus.»(p. 36).
D. João
O subtítulo Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta engana-
ram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil aponta os vectores em torno dos quais
a narrativa é gerada, talvez à excepção da aparente centralidade da figura de D. Maria, menciona-
da em primeiro lugar. De facto, a figura central é a de D. João, “[...] João Maria Francisco Xavier
de Paula Luís António Domingos Rafael de Bragança [...] o último monarca absoluto de Portugal
e o primeiro e único de um reino que não durou mais do que cinco anos: O Reino Unido do Brasil,
Portugal e Algarves. Nasceu a 13 de Maio de 1767 e morreu a 10 de Março de 1826, dois meses
antes de completar 59 anos.” (p. 93)
Procuraremos evidenciar como a construção da imagem desta figura se sustenta em
alguns processos razoavelmente simples; um primeiro mecanismo consiste na apresentação de
afirmações aparentemente contraditórias, do ponto de vista da valoração positiva/negativa da
personagem, das suas acções e do seu efectivo peso na economia da narrativa, sendo o leitor
189
Visto de lá: a corte portuguesa no Brasil contada aos mais novos
implicitamente convidado a questionar-se sobre o resultado final desse retrato traçado ao longo
da obra. Desde o início que se reitera o facto de que “[...] o regente D. João (que ainda não era
João VI), anunciou a abertura dos portos […], o que, na prática, representava o final do sistema
colonial.” (p. 9) Apesar de assumirem os autores que D. João carregava sobre os ombros o ónus da
derrocada do sistema, nem sempre a imagem negativa ilude a apresentação de algumas ‘virtudes’
que, progressivamente vão sendo avançadas. D. João, de quem se afirma que foge para o Brasil,
abandonando e traindo Portugal, alguém que não estava preparado para governar e não fora edu-
cado para tal desígnio, passando “ […] os seus dias, entre reuniões com os ministros do governo,
missas, orações e cânticos religiosos.” (p.22), “D. João foi o único soberano europeu a pôr os pés
em terras americanas em mais de quatro séculos de domínio colonial.” (p.10)
O final anunciado do sistema colonial parece então ter como justificação a entrega dos
destinos do império a este filho de D. Maria: “O príncipe-regente era tímido, supersticioso e feio.
No entanto, o principal traço da sua personalidade, e que se reflectia no exercício do governo, era
a indecisão […].” (p.23) Esta passagem coloca-nos em contacto com outro dos processos utilizados
pelos autores na caracterização da figura de D. João, a caricatura. Embora se recorra a este tipo
de procedimento para todas as personagens, é no caso da figura de D. João que as referências
passíveis de ridicularizarem a um ponto extremo o regente/rei se multiplicam, com particular des-
taque para os aspectos físicos da personagem. Se as páginas iniciais criavam a expectativa de que
a incapacidade para decidir, a impreparação para o governo de um reino, se saldariam como os
aspectos mais negativos da personagem, tal não nos parece ser claramente confirmado. Em nossa
opinião, um registo metódico da forma como D. João é apresentado aos leitores, aponta para uma
clivagem entre a figura do fraco estadista com margem de progressão e até mesmo com capacida-
de para surpreender e a figura de D. João, o homem-figura da corte tão ridículo quanto possível. A
caricatura que pareceria estar na génese da personagem, como que se especializa nesta vertente
mais mundana e social.
Enquanto estadista, começamos cedo a descortinar alguns indícios de que, apesar de
pouco dado a decidir, “[...] em Novembro de 1807, D. João foi posto contra a parede e obrigado
a tomar a decisão mais importante da sua vida.” (p. 23) Mais, “[...] D. João hesitava em ceder às
exigências do imperador francês.” (p. 24), sendo explicitado o dilema do governante: ceder a Na-
190
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
poleão e aderir ao bloqueio continental ou aceitar a proposta dos ingleses que protegeriam rei e
corte na sua fuga para o Brasil; aponta-se ainda como uma terceira possibilidade, potencialmente
bem sucedida, caso D. João por ela tivesse optado, de permanecer em Portugal “[…] enfrentar Na-
poleão e lutar ao lado dos ingleses na defesa do país, mesmo correndo o risco de perder o Trono
e, quem sabe, a vida. […] Mas o inseguro e medroso regente jamais se atreveria a enfrentar um
inimigo que julgava tão poderoso, e preferiu fugir.” (p. 24)
E mesmo que a fraqueza tenha ‘triunfado’ e a coragem tenha escasseado, o que conduziu
à fuga, à fácil invasão dos franceses, e à decadência generalizada do império, “D. João tentava
fazer bluff com os dois – um jogo perigoso, e que também não poderia durar muito.” (p.27) Da inép-
cia à tentativa de bluff, assim é, antes de chegar ao Brasil o estadista. E, ainda que o plano de fuga
não fosse novo, apesar de a viagem ter sido pouco mais do que improvisada, “Antes de embarcar,
D. João teve o cuidado de esvaziar os cofres do governo-providência que repetiria [...]na viagem
de regresso a Lisboa.” (p.43) Este relativo crescendo no que se refere à alusão a um D. João não
totalmente destituído de competências no plano estratégico culmina com o episódio designado de
‘Escala Baiana’: “Restam poucas dúvidas de que D. João foi medroso e indeciso em Portugal […].
No entanto, [...]ao chegar ao Brasil, as suas medidas, a começar por essa hábil escala na Bahia,
ganharam carácter, tornam-se mais resolutas e perspicazes.” (pp. 56-57)
Mais relevante então do que os pequenos indicadores de alguma argúcia na tomada de
decisões, a figura do estadista D. João consegue iludir o registo caricatural, sendo mesmo, em
certas partes do texto elogiosamente apresentada, especialmente se tomarmos em consideração o
elencar das medidas tomadas em território brasileiro, as primeiras das quais logo em Salvador. E
se a decisão de abrir os portos do Brasil foi forçada, na prática tal representou um passo decisivo
na autonomização da colónia ao permitir o comércio directo entre esta e a Inglaterra. A criação
da primeira escola de Medicina do Brasil, da primeira companhia de seguros, a autorização para a
construção de uma fábrica de vidro, de outra de pólvora, bem como o estímulo a inúmeras activi-
dades produtivas foram medidas que, acompanhadas do plano de fortificação da Baía, mostraram
um monarca capaz de ir além dos passeios e das celebrações e capaz de resistir às generosas
ofertas feitas no sentido de ficar em Salvador, considerada como mais vulnerável aos ataques
franceses do que o Rio de Janeiro.
191
Visto de lá: a corte portuguesa no Brasil contada aos mais novos
E é efectivamente esta criação do país, feito ‘visto de lá’ como maior que a descoberta em
1500, o cerne do Capítulo IV: “D. João não perdeu tempo. No dia 10 de Março de 1808, quarenta
e oito horas depois de desembarcar no Rio de Janeiro, organizou o seu novo gabinete. Caberia a
esse ministério criar um país a partir do nada.” Para além de se optimizar a comunicação entre
as províncias e o aproveitamento dos recursos, estimulando o povoamento, D. João procura, pela
via militar, a expansão territorial. Não sendo bem sucedido nos seus intuitos expansionistas, “D.
João [concentrou-se] na primeira – e mais ambiciosa das suas tarefas: executar mudanças no Brasil
para construir nos trópicos o sonhado império americano de Portugal.” (p. 113)
Contudo, esta imagem de relativa competência governativa não implica que se tenha
abandonado, na narrativa, a caricatura. O Rei e a corte eram exemplos acabados de “[...] uma
monarquia europeia, envergando casacos de veludo, sapatos afivelados, meias de seda, perucas e
galardões, roupas pesadas e escuras – e isso debaixo do mais que conhecido sol tropical do Brasil.”
(p. 79) “Príncipe-regente e, depois de 1816, rei do Brasil e de Portugal, D. João tinha medo de siris,
caranguejos e trovoadas.” (p.92) A insistente referência aos medos de D. João associa-se à abun-
dante e pormenorizada descrição das suas rotinas, da desde a pouca importância dada à higiene
pessoal, à higiene da sua roupa até aos seus excessivos e pouco convencionais hábitos alimenta-
res. D. João é, a este respeito, violentamente penalizado, do ponto de vista da sua caracterização,
sendo exemplo extremo desse processo o episódio relatado na página 132 e designado como ‘O
Penico do Rei’ ou ‘D. João e as suas Manias’, (pp. 92-93). De acordo com a descrição apresenta-
da por Pedro Calmon “D. João era «um homem muito gordo, muito fatigado, muito simples, de
suiças castanhas escorridas ao longo da face vermelha, de passo moroso em virtude da eresipela
hereditária, e uma velha casaca condecorada com nódoas».” (p.78) Afirma-se mesmo que “Quase
todos os historiadores o descrevem como um homem desleixado com a higiene pessoal e avesso
ao banho.” (p. 93)
Do tempo passado no Brasil ficaria, apesar de tudo, a“[...]imagem do rei benigno, que
tudo providencia, que cuida de todos e a todos protege. D. João passaria à história como um
monarca bonacheirão, sossegado e paternal, que todas as noites recebia pacientemente os seus
súbditos […] para o ritual do beija-mão.” (p. 94). E se, como se afirma no Capítulo V, a corte de D.
João se diverte nos trópicos enquanto Portugal sofre e se revolta, na hora de partir, fica para trás
192
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
um novo Brasil. E, mais uma vez, ainda que tenha tentado fazer-se substituir pelo filho no regresso
a Portugal, “Depois de muitas discussões, D. João surpreendeu os seus auxiliares com a seguinte
frase: «Pois bem, se o meu filho não quer ir, irei eu.» Era uma atitude inesperadamente corajosa
para um rei que sempre dera mostras de insegurança, medo e indecisão.” (p. 139) Parece-nos pa-
radigmática do perfil que de D. João foi traçado. O príncipe, depois rei, terá sempre medos e apre-
sentará sempre uma imagem ridícula. O fraco estadista consegue, contudo, surpreender. E, mais
do que isso, permite que se tenha concretizado o seguinte feito, memorável independentemente
do lado do Atlântico de que o perspectivarmos: “O Brasil foi descoberto em 1500, mas, na verdade,
só foi inventado como país em 1808.” (p.9)
Referências bibliográficas
Torgal, L. R. (1997). A idade das revoluções in A. A. Simões Rodrigues (dir). História comparada. Portugal,
193
194
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMEN
Se describen el papel de los monstruos y las máqui- El estudio concluye con una revisión de las rela-
nas dentro de la ficción fantástica, con particular atención a los ciones entre mitología, cultura tradicional y cibercultura, así
temas más relevantes, como el cyborg o las distintas clases de como las implicaciones de estos temas de cara la educación, la
estas manifestaciones, así como algunos géneros involucrados. Monstruos, Iconología, Posmodernidad
Introducción
artilugios... sino el mismo modo de percepción, la percepción de la técnica o del saber científico
como motor del cambio social.
Tampoco es que se sustituya el andamiaje profundo del relato de aventuras, que es el
mismo (por ejemplo, organizar el relato en torno a un viaje, como Star Trek y tantas otras), sino
que los esfuerzos imaginativos de los escritores se plegarán a situarse en el marco de conceptos
y procedimientos propios de la ciencia: es la actitud, por ejemplo, de los héroes de Viaje al Centro
de la Tierra, o, sin ir más lejos, del capitán Nemo, que no dependen de auxiliares mágicos, como
en los cuentos de hadas, sino de su propio ingenio y raciocinio para aprovechar todos los recursos
a su alcance.
No quiere esto decir que siempre se logre, entre otras cosas, porque los escritores no tie-
nen que ser científicos, pero sí la tendencia a procurar que los hechos sean verosímiles, plausibles,
o que se den explicaciones para que, al menos, lo que se narra no choque frontalmente con los
principios del saber técnico y científico. De ahí los detalles con que E.A. Poe o Julio Verne ador-
naban sus ingenios voladores, o la forma “microbiológica” en que H.G. Wells mata a los marcianos
invasores. Hoy los imaginarios son más rebuscados, como las máquinas asesinas de los filmes de
terror. Es en este dudoso margen donde se mueven muchas tendencias de la ciencia ficción, desde
los que defienden una línea “dura”, hasta los que exploran caminos fantásticos, siguiendo el lema
de que para conocer el futuro no hay mejor camino que “pensar en lo imposible”.
Y, desde luego, los avances biomédicos o en inteligencia artificial o en tantos otros campos
nos indican que lo imposible o extravagante de ayer (por ejemplo, los extraños seres de “La isla del
doctor Moreau”) no han sido más que anticipaciones de lo que ya hoy es realidad.
Tal es el poder visionario de la ciencia ficción, y, en suma, del arte. Interesa centrarnos en
esta capacidad visionaria de la percepción estética, porque, a diferencia de los defensores de la línea
dura, no creemos que las historias de ciencia-ficción deban limitarse a ser simples extrapolaciones
del discurso científico, al margen de la dimensión social, histórica e incluso crítica de todo el sistema
subyacente de ciencia-tecnología. Como en el fetichismo de los profanos que criticábamos al prin-
cipio, también aquí se corre el peligro de que los propios sistemas tecnológicos se conviertan en un
fin en sí mismo, en una forma de tiranía (contra la que tanto previene, por otra parte, obras del tipo
Farhenheit 451, de Ray Bradbury) en lugar de instrumentos al servicio de la humanidad.
196
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
En el arte, tal como nos dice Ernesto Sábato, está la persona en su globalidad, no en su
dimensión de inventor, explorador o americano, sino él mismo “con todos sus fantasmas”, de ahí que
la Ciencia Ficción que sigue esta línea más humanista no deje de advertirnos de todos estos “nubar-
rones en el horizonte” por más que aparezcan relucientes las naves, robots o ciudades del futuro.
Lo hizo Huxley en Un mundo feliz, Bradbury en Crónicas Marcianas, S. Lem en Solaris, y
tantos otros, quienes vieron que la encrucijada no está en la espiral de desarrollo tecnológico sino
en el desarrollo integral humano que impida que la codicia, el afán de destrucción y todos esos
otros “fantasmas” crezcan a la par y se conviertan en poderes sin control, como en la memorable
película “Planeta prohibido”.
Al final, son siempre encrucijadas que pueden partir de un hecho tecnológico (v.gr. la
disfunción del ordenador central en 2001, una Odisea del Espacio, de A. Clarke) pero que remiten
siempre a un conflicto ético o de intereses, en suma, a un hecho social de cómo o para qué se está
usando esa tecnología, al igual que pasa en Alien o en muchas otras ficciones donde hay una “som-
bra” o intención oculta, y es lo que le pasa al fin y al cabo al Dr. Frankenstein con su “monstruo”.
Aquí es quizás donde la ciencia ficción se une con el terror porque este no saber, este desconcierto
desata todas las alarmas en nuestro cerebro, y las peores pesadillas cobran realidad.
El monstruo galáctico, pues, no es más que lo “otro” cuya mirada no somos capaces de
soportar, como el Yavhé de Moisés ardiendo en la zarza. Su deformidad es la como la proyección
telepática de todos nuestros miedos, igual que los marcianos de Ray Bradbury son capaces, como
Proteo, de adoptar las 1001 caras de nuestros deseos, obsesiones o temores, y cada uno -pasa lo
mismo en el océano de Solaris, de S. Lem, cuando llegan los astronautas ve en ellos lo que quiere
ver. Por tanto, y en esto añadiríamos un matiz a lo ya dicho por Asimov, la ciencia ficción no sólo
trata de los cambios que la ciencia y la tecnología va a producir en la sociedad sino de los cambios
en la percepción del hombre acerca de sí mismo.
El reptil extraterrestre de garras como abrelatas, el marciano violento de La Guerra de
los Mundos, o el alienígena telépata que domina las mentes, son tantas otras formas grotescas,
herederas de la imaginación romántica, que tanta inclinación tenía hacia lo exótico, lo grotesco y
también hacia lo siniestro o tenebroso. Y también hacia lo tenebroso, las ruinas o los cementerios,
y qué son sino remakes de esto muchas de las escenografías galácticas tipo Alien, con sus inmen-
197
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
sas desolaciones donde el hombre se siente aún más pequeño y encogido, a salvo sólo en su frágil
envoltorio de trajes o de naves, protectoras del vacío que lo circunda. Coreografía romántica que
sigue mediando nuestra percepción de la ciencia y del futuro, como si realmente un conflicto veni-
dero fuera a sustentarse al modo de la Guerra de las Galaxias, como si los poderes oscuros necesi-
tasen todavía del color negro y del latex, como los monstruos amenazantes fueran los dinosaurios
redivivos o los alienígenas de tres cabezas, tal y como en el pasado eran los personajes folklóricos
de los mitos y leyendas, desde los trolls a los vampiros.
Como en la coreografía romántica o dantesca, hay también unos niveles desdoblados y
perfectamente jerarquizados: cielo-infierno, arriba-abajo, Tierra-Planetas de destierro. Es más,
hay una línea divisoria entre ambos niveles, entre la ciudad de arriba y la ciudad de abajo, entre
el nosotros y el ellos, y el monstruo mora en este espacio de afuera, y el héroe es el centinela que
defiende, que patrulla, que elimina la inmundicia, como en el filme Starshipp Troopers. Y aquí es
donde intervienen los ingenios, los artefactos producidos por el hombre: matan, defienden, prote-
gen, detienen el avance del monstruo invasor en medio de nuestra ciudad.
Ilustración 1 - Robocucarachas
198
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
El horror hace duda a veces, como en el pasajero número ocho, el alien que crece den-
tro del cuerpo de un varón humano que es, por decir así, inseminado. Este nuevo monstruo, más
complejo, contiene al otro; el acoplamiento es barroco, es la forma misma de lo monstruoso: los
cuerpos se funden, se multiplican, se exponencian, e, igual que con la mitología de los vampiros,
quien hace poco era un compañero se convierte en un ser abominable, impuro, cuyas vísceras
explotan ante nuestros ojos.
Esto nos lleva así al otro problema básico subyacente de la ciencia ficción: quiénes somos,
qué somos, tal como se pregunta la replicante de Blade Runner. Detrás de la materia -orgánica,
inorgánica, sintética..- , ¿qué hay? , ¿en qué sentido y de qué somos conscientes?, ¿es que el miste-
rioso monolito o “centinela” ideado por Clarke para avisar a la humanidad no es más que un delirio
de autoafirmación, como veía Jung en los OVNI?
Como hemos visto en el apartado anterior, el concepto de máquinas automatizadas se
remonta a la antigüedad, con mitos de seres mecánicos vivientes. Los autómatas, o máquinas se-
mejantes a personas, ya aparecían en los relojes de las iglesias medievales, y los relojeros del siglo
XVIII eran famosos por sus ingeniosas criaturas mecánicas.
Las tres personificaciones que antes examinamos (el muñeco mecánico, los seres sobre-
naturales, el hombre artificial) constituían variantes que en la ciencia ficción se encarnan de dife-
rentes maneras.
El robot o cyborg, por ejemplo, borra las diferencias entre lo humano y lo no humano, y
constituye por excelencia un tema posmoderno, al indagar sobre los límites entre lo orgánico y lo
cibernético, lo humano y lo no humano, lo mecánico y lo espiritual, pues en suma de lo que se trata
es de dotar de personalidad, de “alma” a estas figuras, a la par que la ciencia ficción nos muestra
hombres insensibilizados, tanto zombies como masas enloquecidas capaz de cualquier atrocidad.
En suma, máquinas humanizadas, hombres deshumanizados.
199
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
Henry Jenkins lo explica de forma muy acertada, bajo el provocativo título de “Cómo “El
castañazo” inspiró una revolución cultural Una entrevista con Wu Ming Foundation Traducida
en castellano por Nadie En particular”, desde donde se lanzan ideas de tanta fuerza como las
siguientes:
Así pues, en estas prácticas paralelas, que bien podrían ser entendidas como antitextos o
antidiscursos por lo que tienen de manifestaciones al margen de lo que el mercado, el canon o las
instituciones académicas auspician, vemos un sincretismo de estos nuevos fenómenos: convergen-
200
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
cia de nuevos y viejos lenguajes, y reflujos de éstos, pues, por ejemplo, cada vez son más los casos
de blogs o relatos de fanfics que luego “saltan” a la letra impresa (son recuperados por la cultura
académica, se podría decir también).
201
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
Según Sandino Núñez1, se puede esbozar una clasificación en dos grandes tipos de monstruos:
1
El monstruo como EXTRAVAGANCIA.
2
El monstruo como MEZCLA.
202
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Ilustración 3: Tritón
203
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
en policía es, rigurosamente, dejar de ser humano. La intervención de una parafernalia militar o
policial sobre el cuerpo reventado del oficial Murphy es radical, tecnoquirúrgica (metáfora grotes-
ca y terminal de la disciplina, la gimnasia, la obediencia). El cuerpo se acoraza y se llena de una
musculatura metálica. Una especie de coreografía mecánica más una solemnidad ingenua se su-
brayan como aquello-que-ha-sido-acoplado- a-un-humano, y le conceden un aire cómico y patético.
El ojo se prolonga y multiplica en una compleja prótesis óptico-eléctrica, y una pantalla es ahora
la nueva forma del campo visual, escrita en lenguaje cibernético: searching, target, zoom mode ...
En medio de la “acción”, Robocop sufre relámpagos alucinatorios en los que puede ver
a su hijo, a su mujer, a su casa. Otra vez el problema de la identidad, de los recuerdos, acaso de
los “implantes” (como en “Desafío Total”). La todopoderosa información no siempre es verdad, no
siempre garantiza la fiabilidad, “eso” pertenece a otro orden, a otro impulso. Así, un inexplicable
empuje lo arrastra a investigar y a combatir al asesino de Murphy (vengar al Otro), a quien Robo-
cop no debería reconocer. Robocop resulta ser, propiamente, un neurópata.
Es suma, detrás de artefactos y prótesis hay siempre un conflicto humano. Algo hace que
ese monstruo, ese monumento cromado a la eficacia y a la obediencia, se parezca, o no deje de
parecerse, a un humano. El drama de Robocop no es solamente ser un ensamblaje, sino también
saberlo o adivinarlo. El drama de Robocop es menos el de haberse convertido en un monstruo que
el de seguir siendo humano.
El Alien, en cambio, es una aparición en bloque, un fenómeno. Cada uno de sus saltos, psi-
copáticos y sangrientos, cuestan la vida de un tripulante del Nostromo y, antes que nada, verifican
una especie de repliegue de toda racionalidad explicativa o justificatoria. El monstruo es un intru-
so, opaco, impenetrable, dañino. La descripción anatómica o biológica (ácido molecular en lugar
de sangre, esqueleto externo, adaptabilidad casi milagrosa) no agrega –no puede agregar- nada.
Ninguna lógica para su hostilidad aconflictiva, ninguna hipótesis para su destructividad explosiva,
inmotivada y sin culpa. Ninguna psicología.
Por eso el discurso de la ciencia natural es, también, el de la impotencia. Habla de la
incapacidad radical de leerlo, o aun de interpretarlo. Nunca se sabe bien cómo es su aspecto si-
quiera. Aparece y desaparece en los recovecos más góticos y oscuros de la nave, y sus apariciones
son como ráfagas, manotazos mortales. Sucesivos planos muestran, invariablemente, pedazos,
204
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
un collage: dientes, la punta de una cola, un chorro de baba, una prolongación ósea y dentada
que salta, como accionada por un potentísimo resorte, para penetrar el cuerpo de la víctima. Un
relámpago artificial lo ilumina durante un segundo o parte de un segundo; el relámpago siguiente
solamente sirve para mostrar que eso ya no está ahí.
En pocas palabras. El Alien es una especie de duende malo y enorme, un demonio, como
el de nuestros cuentos, y este demonio tiene también sus adeptos o sacerdotes: el cientista-autó-
mata Ash es el protector y el guardián del Alien y también su poeta. El Alien tiene más de animal
que de humano. El Alien le pertenece más a la biología que a la metafísica o a la literatura. No
tiene interioridad ni espesor dramático. El Alien es un depredador, una máquina de matar, y, en ese
sentido, no se diferencia apenas de otros monstruos, como Depredador, puede variar en su morfo-
logía más o menos androide, pero no en los dos institos que ya V. Propp atribuyó a los Agresores
en los cuentos de hadas: hambre y lujuria, léase voracidad y deseo de matar.
205
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
Se podrá decir que, modernamente, cualquier robot diseñado para moverse en un entor-
no no estructurado o desconocido necesita múltiples sensores y controles (por ejemplo, sensores
ultrasónicos o infrarrojos) para evitar los obstáculos. Por ejemplo, los robots como los vehículos
planetarios de la NASA necesitan una gran cantidad de sensores y unas computadoras de a bordo
muy potentes para procesar la compleja información que les permite moverse.
Con todo, las posibilidades de la inteligencia artificial no excluyen un desarrollo que la
ciencia ficción ha planteado ya como inquietante, es decir, de máquinas que van actuando con
progresiva autonomía, y que, por ello mismo, se van distanciando de las famosas leyes de Asimov
o del fin puramente de apoyo. En última instancia, se ha producido una transición del monstruo
romántico del s.XIX, con una interioridad y subjetividad atormentada, al monstruo de los años 80:
El drama romántico del monstruo, su padecimiento, su interior conflictivo, solamente pue-
den ser indicados (sobreindicados) a través de su novela familiar, de sus prolongaciones, de las
marcas que su interioridad contagiosa pone en su ambiente, en sus objetos -el alma es la propie-
dad privada. En suma, cuando la psicología se objetiva en estilo (y no en lenguaje proposicional,
en tematizaciones, racionalizaciones). El monstruo romántico no puede ser conocido (lenguaje
proposicional) pero sí puede ser simulado (estilo). Para ello, es necesario que esté en su lugar: el
vampiro en su castillo, el jorobado en su catedral, la larva en su ambiente estilístico -proyecciones
de su alma: la noche, la tormenta.
206
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
las cosas, como el T-1000: todo eso no es sino un modo fatigoso de decir, en definiti-
va, que no soy, que no tengo una esencia, ni un adentro, ni un alma. Y ese drama no
es mío, es de mi víctima3.
207
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
Ilustración 5: Cloverfield
La iconología del terror es, pues, este conjunto de visiones y motivos que, a diferencia de
los ultramundos de la Edad Media, ya no se sustentan en una teología; los monstruos no tienen un
designio claro -lo que les hace más terroríficos e imprevisibles-, los escenarios se solapan igual-
mente -mundo e infierno confundidos- y los héroes participan de este misma confusión, que hace
que historias con esta temática (Constantine, por ejemplo) se parezca más a una novela negra o de
detectives que a un drama de redención.
208
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Rudolf Otto, según ya hemos comentado, en su obra Das Heilige (Lo santo), insistió en
los aspectos irracionales del fenómeno religioso, lo cual amenaza el concepto de cosmos y el de
destino final (o en términos cristianos, la providencia divina).
La idea de que el cosmos está regulado o controlado de algún modo, de que siempre hay
alguien como Zeus que derrota a las fuerzas destructivas o Titanes, es sólo una posibilidad, que la
mitología literaria de Lovecraft o de King se encargan de desmentir, con el recurso de esos dioses
ancestrales que desatan el horror primigenio y que acechan –como en el cuento de “Los perros de
Tíndalos”- en cualquier esquina.
En tal escenario, los mitos de lucha se convierten en realidad en mitos de redención,
porque el héroe siempre parte de una posición muy inferior, y, saben como la cofradía del Anillo,
que la partida está perdida casi antes de empezar la búsqueda. En este punto, Tolkien introduce
el concepto de eucatástrofe, la inversión de un final anunciado y previsible, gracias a un hecho
milagroso, como el esfuerzo épico de Frodo y los suyos. Pero lo propio de los héroes salvadores es
su inmolación, su sacrificio, su descuartizamiento, como Osiris.
En todo caso, en una ficción fantástica, dibujar sobre un plano o un mapa las ciudades
principales, la ruta arquetípica o los parajes que sirven de referencia es, como en el caso de la
iconografía religiosa cristiana, pintar el “via crucis”, el camino arquetípico que ha de servir de
contemplación al lector.
En efecto, el mito tiene un carácter arquetípico, de modelo que ha de repetirse, (como
es la Eucaristía cuando Cristo la instituye). El mito, pues, genera un rito, y el “recorrido” de esta
geografía imaginaria (en su doble forma de lectura, secuencial, en la descripción textual y global
o en detalle, a través del mapa), es para el lector la experiencia primordial, que repite una y otra
vez. Y por eso, más allá del fenómeno del fan fiction, no puede resultar extraño que los seguidores
de algunas de estas sagas hayan constituido una especie de “culto”, hagan sus fiestas, etc. Eviden-
temente, la diferencia sustancia ficción/realidad aquí queda en suspenso, lo que importa es que,
tras la mitomanía, se esconden conductas de raíz religiosa.
Lo cierto es que los dos discursos, el textual y el cartográfico, se interpenetran, dando
209
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
lugar a una especie de texto híbrido, transdiscursivo. Es lo que estamos defendiendo al subrayar
que tales elementos no son decorativos sino fundamentales, pues al introducir un mapa en el texto
lo que hacemos es crear una interacción que trasciende a cada uno de los discursos por separados,
por eso hablamos de discurso híbrido.
Sea como fuere, además de los cuatro puntos cardinales, en los mapas fantásticos, el
lector aprende a ubicar en cada uno de los reinos, parajes, caminos, etc. la presencia de las “fuer-
zas” y en eso es esclarecedor el análisis de Otto, pues él subraya el comportamiento del numen
como algo que estremece, sobrecoge o desborda al hombre, y le produce esa sensación de miste-
rio y anonadamiento que tan bien vemos reflejada en la literatura de terror moderna. Las ideas
de caos y de pánico se refuerzan por la ausencia de un centro o impulso que controle las fuerzas
desatadas, y eso nos sitúa nuevamente ante la función del héroe como resistencia a esas fuerzas y,
cuando pude, de elemento “salvador”.
El diálogo entre lo clásico y lo moderno adopta distintos modos expresivos, por ejemplo,
en relación al mismo tema, puede darse otra parodia o incursión en el sentido de que asome por
la ventana Spider Man. En todos los casos, asistimos a una superposición dialógica, mediante la
cual unos referentes “chocan” contra otros y originan una “chispa” expresiva. Ciertamente, esto
ocurre cuando superponemos los imaginarios de la cultura popular moderna con los imaginarios
folklóricos o de la tradición cristiana, en este caso nos referimos a las tradiciones hagiográficas.
Los santos, mártires, ángeles, etc. son auxiliadores divinos, cada uno con su propia singularidad,
iconografía o utilidad, pero todos formando parte de un mismo universo “mitológico”.
Los superhéroes son personajes de la ficción fantástica, y, como tales, se contextualizan
primero al socaire de la industria del cómic, en los años 30 del s.XX, formando parte de universos
más o menos “compactos”, por ejemplo, los productos Marvel.
Entre los santos y los superhéroes hay algo más que afinidades. Ambos obedecen a pa-
trones míticos descritos por la antropología, por ejemplo, “el monomito heroico” de J. Campbell.
210
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Entre los santos los hay con “dones” especiales, el librar de males, los prodigios, etc., lo que, en
términos de superhéroes se llaman superpoderes. Cuando San Patricio o San Adrian liberan un
territorio infestado de serpientes o San Jorge derrota al dragón, están haciendo lo equivalente a
superhéroes que actuán contra otros monstruos o Bestiarios fantásticos. Estas habilidades no son
sólo físicas sino también mentales, como la videncia, la profecía, la telequinesia o la telepatía, por
tanto, no se trata sólo de “gadgets” y otros accesorios (la máscara) sino de que el superhéroe en-
carna al “iniciado”, al hombre de conocimiento, igual que el santo.
La “sociabilidad” de unos y de otros es cuando menos complicada, pues su fisonomía o
bien su proceder no son entendidas por el común de las personas, es algo que se subraya conti-
nuamente cuando se habla de mutantes, X-Men, etc., pero también de santos más o menos “ex-
travagantes”, como Simeón el Estilita, que vivía encaramado en lo alto de una columna y al cual
acuciaba todo tipo de gente pidiendo su bendición.
Ya no se puede decir que hay una “sima” que separe la cultura letrada para la élite y cul-
tura mediática oral-icónica para la masa, al contrario, hay un maridaje entre todas estas fuentes y
una aceptación de que el libro no es el único “artefacto cultural”. Los ejemplos son innumerables.
En el cine, por ejemplo, la historia de Simeón el Estilita sirvió a Buñuel para su película “Simón
del desierto”, y actualmente, cintas como El código da Vinci, Constantine o Gabriel se amparan
en contenidos esotéricos donde a menudo intervienen ángeles y demonios en una lucha tan épica
como la de los superhéroes de Marvel.
Así pues, mitología, folklore, tradición literaria medieval, símbolos y mitos surgidos en
la Modernidad, todo ello se amalgama de forma que la iconología literaria, de cómic o fílmica/
televisiva, se realimentan mutuamente. Se produce as una dialéctica que podemos fácilmente
reconocer: la tesis son los mitos y símbolos ancestrales (por ejemplo, la máscara); la antítesis son
la reinterpretación de estos iconos en lenguajes de modernidad, como hizo el arte pop, conforme
a los principios bajtinianos comentados (subversión, inversión, ridiculización); y la síntesis es,
sin duda, la “resacralización” de estos símbolos a que estamos asistiendo, cuando comunidades
distintas (por ejemplo, los jóvenes) se apropian de éstos y son capaces de identificarse con ellos a
través de perfomances (coss-play), o de comprar su indumentaria y gadgets, así como de recrear
sus historias (fanfics).
211
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
La cultura popular de la Edad Media y el Renacimiento, según Bajtin, tenía como espacio
de expresión “la plaza pública”, y se expresaba en una sociabilidad “anónima” que confundía lo
público y lo privado. La fragmentación de la audiencias que domina el panorama de los medios
obliga a que se segmenten cada vez más las “tribus”, los círculos, redes o clubes, pero, bueno,
también en el ámbito devocional, no todos los santos arrastran los mismos fieles, y se producen
fenómenos claros de polarización.
Internet es precisamente el no-lugar, el macroespacio que carece de centro, fronteras,
principio o fin, donde ni siquiera impera el tiempo o la secuencialidad presente en la cultura le-
trada (a través del libro), pues el hipertexto exige una lectura deslocalizada, a saltos. Por tanto el
imaginario que se crea es el propio de esta telaraña de relaciones, de estos “hilos intangibles” .
Hay, con todo, una diferencia notable entre los santos y los superhéroes. Para Bajtin la
oposición entre la cultura “popular” y cultura “culta” (o, más bien, “letrada,” diríamos ahora) se
encuentra directamente relacionada con una sociedad donde han aparecido las clases sociales, y
tiene como punto de mayor disonancia la relación que ambas establecen con la dinámica del cuer-
po. Mientras que la cultura “popular” se encontraría estrechamente ligada a las transformaciones
del cuerpo y de la naturaleza, la cultura “letrada” habría optado, más bien, por desengancharse
del cuerpo y evadir la representación de fluidos u otros fenómenos.
Así, la cultura popular enfatiza las partes bajas del cuerpo (y sus funciones genitales y
excrementicias), mientras que la otra pondea más la representación de las partes “superiores”, la
cabeza, la espiritualidad:
Ahora bien, los que los superhéroes fetichizan no es tanto el cuerpo orgánico (al modo en
que aparece en Gargantúa y Pantagruel) como el cuerpo físico idealizado, y todas sus extensio-
nes, es decir, los adminículos y tecnologías de que sea capaz de dotarse (gadgets), hasta llegar a
212
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
figuras híbridas, como los cyborgs. Los santos también se rodean a veces de objetos a los que la
piedad popular atribuye capacidades milagrosas, pero el estadio superior es cuando se pone por
encima de todo la propia mente.
La mente letrada es, según Olson, la que es capaz de acceder al mundo interior, a la auto-
conciencia, la que es capaz de liberarse de las preconcepciones y leer el mundo de forma crítica y
autónoma. Por eso los santos y los superhéroes de un nivel superior tienen dudas, crisis; debaten
incluso su propio rol, huyendo de un destino preasignado, como en Batman Begins.
Se puede decir, conforme a los principios de Bajtin, que si la cultura popular concibe el
cuerpo no solo como algo material como algo “abierto”, expresivo y en diálogo con su entorno,
toda la prosopografía (barroca a menudo) de estos superhéroes/santos son como los tatuajes de
su cuerpo, las marcas de una escritura que les revela su identidad profunda. Es lo que plasma
también Ray Bradbury en su relato “El hombre ilustrado”, un personaje que tiene todo el cuerpo
tatuado con ilustraciones que predicen el futuro.
Al hilo de esta “cultura de la presencia” es como hay que entender la inclinación de la cul-
tura popular hacia lo ostensivo, la perfomatividad o lo espectacular, es decir, a enfatizar la lectura
como actuación, perfomance o actuación (v.gr. la lectura de los monjes en el refectorio), la dramati-
zación, el juego, el acompañamiento de baile o música (desde los bardos homéricos a los coss-play
de las prácticas de fan fiction), la mostración objetos alusivos -el merchadising de ciertas sagas-, etc.
Otra diferencia más profunda afecta al corpus de ambas clase de textos. El corpus de las
historias de superhéroes/santos se forma fraguando unas historias “canónicas”, que son las que inte-
gran las compilaciones como la Leyenda Dorada o, en el otro plano, los comics del universo Marvel.
Ahora bien, las fuentes hagiográficas no son sólo las historias acuñadas en estas antologí-
as de leyendas de santos, a menudo sesgadas por una intención apologética y fabuladora más que
por un testimonio ajustado a la realidad histórica. La hagiografía se apoya en fuentes antiguas,
como las actas de los mártires y se prolonga en ámbitos sensibles del patrimonio cultural de una
comunidad, como los “lugares de memoria”, las fiestas, costumbres, etc. asociadas al santo local
del cual se cuenta la tradición. Con esto queremos decir que una tradición puede ser revisada, “de-
purada” de sus errores, tal como hacía el Padro Feijoo en su “Teatro crítico universal”. Lo propio
de la fabulación popular no es el texto único sino esta pluralidad de versiones, que es preciso “ex-
213
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
purgar” y revisar, pues a menudo encontramos otra “cosa”, la perversión, inversión o conversión
de estos materiales fabulísticos.
Cierto, las historias de santos se presentan en el folklore como leyendas, es decir, como
relatos vinculados a un espacio o a un tiempo reales, que, como tales, pretenden autentificarse,
ser veraces, al menos para una comunidad determinada, los fieles. La mayoría no las lee ya con ese
candor de quien, movido por su fe, hace una lectura literal de la hagiografía. Más bien, la suspen-
sión de este requisito -la credibilidad- nos deja contemplar al relato en su pureza literaria, como
simple encarnadura de una historia. Del mismo modo, las historias de superhéroes son leídas de
modo que no pretendan ser veraces o auténticas, por más que se vinculen a veces a escenarios
bien conocidos de todos; basta también con que sean plausibles, verosímiles.
Veremos más adelante una interpretación bajtiniana de estas (re)creaciones, basta ahora
señalar el impulso para participar recreando una obra preexistente, igual que muchas personas
anónimas versionan o hacen karaoke de éxitos musicales en Youtube. Si aquí es la voz de origen
la que se respeta y es la persona la que finge cantarla, allí es el cuadro el referente sobre el cual
se construye el “nuevo mensaje”.
Jenkins (2008) insiste en el concepto de cultura de la convergencia para describir estas
nuevas producciones participativas (blogs, juegos, fans), una cultura que se basa en la inteligencia
colectiva antes que en la individual, en los afectos, la participación y en la construcción grupal, y
en eso difiere de la cultura letrada, fuertemente impregnada de individualismo y de culto al genio
(aunque también sabemos que en épocas como la Edad Media esto no era así y lo colectivo estaba
por encima de lo individual), y que parecía imponer en la lectura aislada (privada e individual) y
silenciosa las formas naturales de interpretación y apropiación de los textos, y en la que lo emo-
cional tiene connotaciones a menudo negativas.
Se puede ser optimista o pesimista, en este sentido, pero parece claro que no hoy la cul-
tura letrada ya no puede ser simplemente la que se instruye exclusivamente a partir de lo escrito.
Necesitamos, pues, abrir el canon, los modelos de la cultura letrada, a otras manifestaciones más
propias de Internet, pero también de las últimas vanguardias artísticas, como la poesía visual o los
artefactos poéticos de las vanguardias artísticas.
Daniel Link (2007) diferencia entre la cultura masiva posindustrial, es decir, los medios de
214
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
comunicación masivos, e Internet, y por eso afirma que hay una competencia por el tiempo libre
entre la cibercultura y la cultura industrial, pero no entre la cultura letrada y la cibercultura, que
funcionan como aliadas4.
Deducimos de todo lo expuesto hasta ahora que ya no cabe reducir la cultura letrada a lo
antiguo o clásico, en sentido excluyente, ni tampoco a lo erudito, y ni tan siquiera al mundo del li-
bro o de los escritores, pues con razón se habla de prácticas culturales o eventos letrados en otros
ámbitos culturales que conciernen al mundo audiovisual o de Internet; en efecto, las prácticas
letradas pueden ir mucho más allá, y con razón se habla ya de las prácticas letradas multimodales
de la Web 2.0. o bien de las prácticas letradas dentro y alrededor de los videojuegos (Gee 2004),
que se expresarían dentro de una comunidad literalizada electrónicamente5.
Tal alianza actuaría según el modelo de la conspiración, los hackers de hoy serían los
anarquistas de ayer, y defienden los valores de la cultura letrada, a saber, la democracia simbólica,
la emancipación, el libre albedrío y la soberanía digital. Y que iría en el sentido de alumbrar un
alma colectiva dispersa, imprevisible y juguetona: alma atómica y, por consiguiente, libre, sensual,
epicúrea. O, en palabras de Benjamin, alter Benjamin, una estética globalizante, un “mesianimo
sin Mesías”, una teología sin dogma, un culto al dandyísmo, a lo frívolo6.
En tal contexto, el papel de la escuela, en este proceso, debe ser el de alentar esta síntesis
de alfabetizaciones. La alfabetización básica y la cultura letrada tradicional se enriquecerán con las
otras alfabetizaciones, aunque ello sea a costa de, como sugerimos, abrir el canon o lista de obra /
eventos / artefactos culturales a una muestra mucho más abierta, multicultural e innovadora.
En este caso, a propósito de la inmortal obra de Dante, vemos que los superhéroes o la ico-
nografía de los videojuegos, en general, puede aportar mucho a las visiones de la Divina Comedia:
a un demonio-murciélago le corresponde un hombre murciélago, que hace un escorzo no menos
teatral, ante la atenta mirada de Dante y Virgilio:
217
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
más importante, un mundo cambiante de ficción. Los movimientos internacionales feministas han
construido la ‘experiencia de las mujeres’ y, asimismo, han destapado o descubierto este objeto
colectivo crucial. Tal experiencia es una ficción y un hecho político de gran importancia. La libe-
ración se basa en la construcción de la conciencia, de la comprensión imaginativa de la opresión
y, también, de lo posible. El cyborg es materia de ficción y experiencia viva que cambia lo que im-
porta como experiencia de las mujeres a finales de este siglo Se trata de una lucha a muerte, pero
las fronteras entre ciencia ficción y realidad social son una ilusión óptica.
La ciencia ficción contemporánea está llena de cyborgs -criaturas que son simultá-
neamente animal y máquina, que viven en mundos ambiguamente naturales y artificiales....
A finales del siglo XX -nuestra era, un tiempo mítico-, todos somos quimeras, híbridos teorizados
y fabricados de máquina y organismo; en unas palabras, somos cyborgs. Éste es nuestra ontolo-
gía, nos otorga nuestra política. Es una imagen condensada de imaginación y realidad material,
centros ambos que, unidos, estructuran cualquier posibilidad de transformación histórica. Según
las tradiciones de la ciencia y de la política ‘occidentales’ -tradiciones de un capitalismo racista y
dominado por lo masculino, de progreso, de apropiación de la naturaleza como un recurso para
las producciones de la cultura, de reproducción de uno mismo a partir de las reflexiones del otro-,
la relación entre máquina y organismo ha sido de guerra fronteriza. En tal conflicto estaban en
litigio los territorios de la producción, de la reproducción y de la imaginación. El presente trabajo
es un canto al placer en la confusión de las fronteras y a la responsabilidad en su construcción. Es
también un esfuerzo para contribuir a la cultura y a la teoría feminista socialista de una manera
postmoderna, no naturalista, y dentro de la tradición utópica de imaginar un mundo sin géneros,
sin génesis y, quizás, sin fin. La encamación del cyborg - situada fuera de la historia de la salvación-
no existe en un calendario edípico que tratara de poner término a las terribles divisiones genéricas
en una utopía simbiótica oral o en un apocalipsis post edípico. En Lacklein, un manuscrito inédito
sobre Jacques Lacan, Melanie Klein y la cultura nuclear, Zoé Sofoulis dice que los monstruos más
terribles y, quizás, más prometedores en mundos de cyborgs se encuentran encarnados en nar-
rativas no edípicas con una lógica distinta de la represión, que necesitamos entender para poder
sobrevivir.
El cyborg es una criatura en un mundo post genérico. No tiene relaciones con la bisexuali-
dad, ni con la simbiosis preedípica, ni con el trabajo no alienado u otras seducciones propias de la
218
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
totalidad orgánica, mediante una apropiación final de todos los poderes de las partes en favor de
una unidad mayor. En un sentido, no existe una historia del origen del cyborg según la concepción
occidental, lo cual resulta ser una ironía ‘final‘, puesto que es también el terrible telos apocalíp-
tico de las cada vez mayores dominaciones, por parte de occidente, del individuo abstracto. Es,
para terminar, un ser no atado a ninguna dependencia, un hombre en el espacio. Según el sentido
humanístico occidental, una historia que trate del origen depende del mito de la unidad original,
de la plenitud, bienaventuranza y terror, representados por la madre fálica de la que todos los
humanos deben separarse.
Las tareas del desarrollo individual y de la historia son los poderosos mitos gemelos inscri-
tos para nosotros con fuerza inusitada en el psicoanálisis y en el marxismo. Hilary Klein ha argüido
que tanto el uno como el otro, a través de sus conceptos del trabajo, de la individuación y de la
formación genérica, dependen del argumento de la unidad original, a partir de la cual debe pro-
ducirse la diferenciación, para, desde ahí, enzarzarse en un drama cada vez mayor de dominación
de la mujer y de la naturaleza. El cyborg elude el paso de la unidad original, de identificación con
la naturaleza en el sentido occidental. Se trata de una promesa ilegítima que puede conducir a la
subversión de su teleología en forma de guerra de las galaxias.
El cyborg se sitúa decididamente del lado de la parcialidad, de la ironía, de la intimidad
y de la perversidad. Es opositivo, utópico y en ninguna manera inocente. Al no estar estructurado
por la polaridad de lo público y lo privado, define una polis tecnológica basada parcialmente en
una revolución de las relaciones sociales en el oikos, la célula familiar. La naturaleza y la cultura
son remodeladas y la primera ya no puede ser un recurso dispuesto a ser apropiado e incorporado
por la segunda...
El llamado capitalismo de ficción (Verdú 2003) ha hecho del entretenimiento uno de sus
puntales e industrias básicas, y, con ello, ha generado todo un conjunto de productos, como las
series, películas, realitys, shows y otra clase de “artilugios” que han hecho del juego y la ficción
sus ejes centrales. En la actual sociedad multicultural y multilingüe, la educación no puede dejar
de integrar todo lo que las culturas orales, textuales y electrónicas nos han legado hasta ahora, y
éste puede ser uno de los éxitos de las alfabetizaciones significativas, que lo que personas cuen-
219
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
220
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
ticipativas de la Web 2.0, en forma de prácticas cotidianas que escapan al control social rígido, y
desde una perspectiva hedonista, “tribal”, sin las perspectivas profesionales que se asocian a la
cultura clásica, sino, como quieren los principios de la posmodernidad, enraizadas en el presente.
Queremos decir con esto que los valores “humanistas” clásicos que sustentaban la cul-
tura letrada del pasado no son los que hoy mueven a estos internautas a indagar, escribir o leer,
hay más bien una diversidad o “politeísmo” de valores, que se ampare en las nuevas formas de
sociabilidad, por ejemplo las Redes sociales o bien las plataformas/comunidades de conocimiento.
Es el caso de GNOSS9, en realidad una herramienta ya de la Web 3.0, que trata de conectar las
inteligencias y los intereses de los que quieren cambiar algo dentro y fuera de la red, a través de
compartir, organizar en común, explorar y generar conocimiento. Es una herramienta en beta,
que nos ratifica la tendencia a numerosos programas que se exponen en la Red en fase de prueba.
Según Wikipedia10, “la literacía digital es la capacidad de encontrar, organizar, entender,
evaluar y crear información gracias al uso de la tecnología digital”. Implica el manejo de todo
tipo de programas y de máquinas que van desde una computadora hasta los teléfonos móviles de
más avanzada tecnología, para solo mencionar los más conocidos”, y con ello se subraya más los
aspectos de contenido que los de proceso, que es lo que más se parece a Internet, como flujo de
información que hay que estar continuamente repensando y actualizando, es decir, apropiándose
de ella, con todo lo que esto implica.
Las implicaciones de estas nuevas realidades en los diversos ámbitos, desde el individuo
en red a los espacios sociales compartidos, son evidentes. Así, los símbolos e iconos de estas nueva
cultura popular, deben someterse a la mirada crítica e inquisitiva de la “mente letrada”, de modo
que la Red no sea ese simple “escaparate mercantil” o hall of fame al que aludíamos, y que las
grandes empresas u otros intereses vehiculen sus contenidos para cercenar todas las posibilida-
des críticas, creativas o de disidencia que aún son posibles en la esfera de la cibercultura.
Ésa sería, en nuestra opinión, la cultura del hombre letrado del s. XXI, una síntesis de
alfabetizaciones y una capacidad continua de «vivir perpetuamente en Beta», de «inventarse» y
«descubrirse», que es precisamente lo que la Red y la educación pueden y deben fomentar.
Así, frente a la cultura letrada clásica de segregación entre «cultos» y «(semi)analfabe-
tos, hoy los «productos» que triunfan (por ejemplo: los productos ligados a Superhéroes, Sagas o
221
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
éxitos, en general, de ficciones y juegos) tienen una vocación claramente generalista, pues llegan
a muchas capas de público, al igual que pretendían los clásicos como Cervantes o Lope de Vega;
además, según venimos insistiendo, deben aunar conocimiento y entretenimiento, amenidad pero
también inteligencia y capacidad crítica.
La descripción de Bajtin (2004) vale en su gran parte para lo que está pasando ahora: la
Red es el reverso “carnavalesco” de la vida corriente: proporciona otra vida, otros mundos, otra
identidad, y con ello crea una gran “polifonía”, una multiplicación de voces que hablan en la mayo-
ría de los casos de temas parecidos (v.gr. los temas de vampiros).
Por otra parte, la ciencia, la tecnología y las artes ya no son hoy privativas de los círculos
letrados , sino que forman parte de la vida corriente, respondiendo a una demanda creciente de
participación por parte de los ciudadanos. El pensamiento crítico y creativo se cimenta, pues, en
una educación polivalente, y para ello es fundamental la familiarización con los diversos alfabetis-
mos, pues hay combinar la alfabetización básica con las llamadas nuevas alfabetizaciones, las que
se refieren a saber encontrar información, “leer” un multimedia, etc.
En realidad, todos los personajes basados en máquinas, monstruos y cyborgs nos remiten
a una misma cuestión básica: la identidad, qué somos, quiénes somos, qué podemos llegar a ser.
Referencias bibliográficas
Bajtin, M. (1974): La cultura popular en la Edad Media y el Renacimiento. El contexto de François Rabelais,
Barré-de Miniac, Catherine Brissaud & Marielle Rispail, eds, La Littéracie. Conceptions théoriques et pra-
Benjamin, W. ( 1970). «El narrador», tr. Jesús Aguirre, en «Revista de Occidente», Madrid.
Bourdieu, P. (1992) Les Règles de l’art: Genèse et structure du champ littéraire. (Libre Examen). Paris: Seuil.
222
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Castoriadis, C. (1999). L’institution imaginaire de la société. Paris. Editions du Seuil, collection «Points-Essais».
Chartier, R. (1994). El orden de los libros: lectores, autores, bibliotecas en Europa entre los siglos XIV y XVIII.
Barcelona: Gedisa.
Clark, Randall (1995). At a theater or drive-in near you: The history, culture and politics of the american exploi-
Cooke, Philip: “Modernity, postmodernity and the city”, Theory, Culture & Society, v. 5, nº 2-3. junio de 1988,
pp. 487-489.
Damasio, A. (2006) El error de Descartes: la emoción, la razón y el cerebro humano. Editorial Crítica
Dolezel, Lubomir (1999). Heterocósmica: Ficción y mundos posibles, Madrid, Arco Libros.
Efrón, G. (2008). Jóvenes: entre las culturas cibernéticas y la cultura letrada, en Curso de posgrado virtual
Galindo, J. (2006). Cibercultura: un mundo emergente y una nueva mirada. México: Conaculta e Instituto
Mexiquense de Cultura
Gee, J.P. (2004). Lo que nos enseñan los videojuegos sobre el aprendizaje y el alfabetismo (J. M. Pomares,
Isnard, E. (2009). Jack Goody, Pouvoirs et savoirs de l’écrit, en L´Homme, pp. 274-277, en http://lhomme.
revues.org/index21208.html
Jameson, F. (1991). Ensayos sobre el posmodernismo, Buenos Aires, Imago Mundi, p. 102.
Jancovich, M. (2002). Horror: The film reader, Londres, Routledge, pp. 77-90.
Jenkins, H. (2008). Convergence culture: la cultura de la convergencia de los medios de comunicación, Paidós,
Barcelona.
Link, D. (1997). “Literaturas comparadas, estudios culturales y análisis textual: por una pedagogía”, en
223
Lecturas y escrituras on line: Máquinas y monstruos en la ficción fantástica
Martos García, A. (2008). “El poder de la con-fabulación Narración colectiva, fan fiction y cultura popular”, en
Oakeshott, M. (2009). La voz del aprendizaje liberal, Buenos Aires/Madrid: Katz editores S.A.
Olson, D. (1994). “El Mundo sobre el papel”. Cap. XI. La representación de la mente. Los orígenes de la subje-
Ong, W. (1987). Oralidad y escritura, tecnologías de la palabra. México: Fondo de Cultura Económica.
Piscitelli, A. (1995). Las ciberculturas. En la era de las máquinas inteligentes. Buenos Aires: Paidós.
Prensky , M. (2005) «In Educational Games, Complexity Matters, Mini-games are Trivial - but “Complex”
Games Are Not - An important Way for Teachers, Parents and Others to Look At Educational Computer and
Raichle, M (2003). Social Neuroscience: A Roll for Brain Imaging. Political Psychology 24:759-764.
224
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMO
Se a produção literária portuguesa para a infância estudo propõe uma análise das representações e práticas da di-
tem mantido, por um lado, uma certa tendência de continuidade versidade cultural num conjunto de obras de Manuela Bacelar
relativamente à recriação ou à revisitação do universo tradicio- – autora e ilustradora pioneira na criação de álbuns narrativos
nal, tem evidenciado, por outro, claras transformações ao nível em Portugal – que estimulam a reflexão em torno de temáticas
temático, pela emergência de concepções e conceitos advindos tão pertinentes e actuais como a questão do multiculturalismo
de uma realidade social contemporânea cada vez mais plural e e do diálogo intercultural, ou outras, ainda, relacionadas com a
diversificada. Numa leitura atenta dessas mudanças, o presente diferença nos modelos familiares/parentais.
1 A escolha do título teve como influência directa a leitura da obra de Blanca-Ana Roig Rechou, Pedro Lucas Domínguez e Isabel
Soto López (coords.) (2006), Literatura infantil e xuvenil. Multiculturalismo e identidades permeábeis. Vigo: Edicións Xerais de
Galicia (ISBN: 84-9782-486-5).
* Universidade de Aveiro/FCT
225
Identidades Permeáveis na Literatura para a Infância: A apologia da diferença na obra de Manuel Bacelar
intercultural, ou outras, ainda, relacionadas com a diferença dos modelos familiares e parentais.
MB nasceu em Coimbra, em 1943, realizou os seus estudos secundários na Escola de
Artes Decorativas Soares dos Reis, no Porto, concluindo, em 1970, o Curso de Ilustração na Es-
cola Superior de Artes Aplicadas, em Praga. Dedicada à ilustração desde 1988, a autora e artista
plástica conta já com inúmeras exposições individuais e colectivas, participando regularmente
em Bienais de Ilustração, assim como em Exposições Internacionais de Ilustração. A par da sua
actividade plástica que a levou a assinar, já, cerca de 150 textos visuais1, MB é, ainda, autora de
um conjunto significativo de obras, contando, já, com mais de meia centena de publicações em
Portugal, Dinamarca, França, Japão, Marrocos e Líbano, ocupando, assim, um lugar incontestável
no universo da literatura portuguesa contemporânea para a infância.
Conhecida do público infantil, há perto de três décadas, por uma obra consistente, e mere-
cedora de várias distinções ao nível nacional e internacional2, MB é, seguramente, uma das figuras
mais emblemáticas e originais na criação de álbuns ilustrados em Portugal, tendo sido precursora
neste género editorial.
Num domínio artístico que lhe é caro, MB, cujo trabalho, saliente-se, ainda parece exi-
guamente explorado pela crítica e pela investigação, à excepção da sua referência em algumas
recensões críticas e outros ensaios na área da literatura para a infância3, oferece ao público infan-
til um conjunto de obras que, recorrendo às técnicas de construção do álbum narrativo, dão conta
de uma coesão e de uma unidade estruturais, evidentes a vários níveis. Partindo de combinações
pictórico-verbais hábeis em estimular a imaginação da criança, apelando à reflexão e ao questio-
namento pelo preenchimento dos inúmeros “espaços em branco” sugeridos por ambas narrativas
1 De facto, a anteceder este domínio da escrita, a criação artística de Manuela Bacelar contara já com um percurso durável
e notório enquanto ilustradora de um largo conjunto de textos dos principais autores da literatura portuguesa para a infância.
Relembre-se, entre muitos outros, os casos de Silka (1984) e Um artista chamado duque (1990), de Ilse Losa, História com grilo
dentro (1979) e O pajem não se cala (1992), de António Torrado, O menino chamado menino (1983) e O reino perdido (1986), de
Álvaro Magalhães, Os piratas (1986), de Manuel António Pina, Fita, pente e espelho (1991), de Alice Vieira, António e o principez-
inho (1993), de José Jorge Letria, A nau mentireta (1991) e Os ovos misteriosos (1994), de Luísa Ducla Soares, ou, ainda, As fadas
verdes (1994), de Matilde Rosa Araújo.
2 Recorde-se, por exemplo, a Maçã de Ouro da Bienal Internacional de Bratislava com que foi premiada em 1989 e o Prémio
Gulbenkian de Ilustração que recebera em 1990, ambos pelas suas ilustrações em Silka de Ilse Losa (1989).
3 Ver, entre outras, as reflexões e recensões críticas de José António Gomes (2003; 2004; 2009), Sara Reis da Silva (2005), Manuel
Jorge Carvalho (2005) e Ana Margarida Ramos (2007), assim como um conjunto de ensaios compilados num número do “Solta pa-
lavra”, boletim n.º 6 do CRILIJ, cuja edição especial foi dedicada à artista plástica, ou, ainda, mais recentemente, uma dissertação
de Doutoramento realizada, no Brasil, por Mariana Cortez (2008).
226
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
verbal e visual, as obras de MB acercam-se, de forma clara, do universo do seu destinatário pre-
ferencial pela recriação de temas, motivos, cenários e personagens caros à infância, e de que as
obras aqui tratadas são, aliás, esclarecedoras.
Para a análise em apreço, seleccionámos um conjunto de textos do universo plástico-lite-
rário da criadora cujo eixo ideotemático – a apologia da diferença – assegura, não só, o carácter
coesivo da obra, como testemunha os vectores ideológicos e os tópicos mais recorrentes da escrita
de MB, embora, ressalve-se, os seus motivos ecoem sob perspectivas distintas em cada um dos
títulos. “Artista de traço inconfundível que nunca cessou de perseguir a novidade e a mudança”
(Gomes, 2009: 54), MB esteve sempre na vanguarda da ficcionalização de temas emergentes, e al-
guns mesmo incomuns no quadro da literatura portuguesa para os mais novos. Desde a recriação
de temáticas ligadas tanto à diversidade do mundo, apelando, ainda que de forma mais ou menos
explícita, à riqueza da vivência multicultural, como à diversidade social e familiar, do corpus em
análise sobressai um elogio da diferença, defendendo a sua aceitação e o respeito pela individua-
lidade da personalidade humana.
Possibilitando uma visão centrada no universo da criança, estes álbuns dão conta da forma
como a ela apreendem a realidade e perspectiva o mundo. Partindo de narrativas breves, desenvol-
vidas em torno de acções muito precisas e condensadas, e frequentemente inscritas em ambientes
onde o maravilhoso e o humor são estruturantes, estes volumes mantêm, do ponto de vista textual,
o registo coloquial e a simplicidade lexical e sintáctica adequados à competência leitora infantil.
Centremo-nos, desde já, em O dinossauro, primeiro álbum escrito e ilustrado por MB, cuja
estreia data de 1990, numa altura, portanto, em que o género se emancipava e dava o seu primeiro
grande salto qualitativo no panorama literário nacional para a infância4. Num registo em primeira
pessoa e aparentemente infantil, a narrativa acompanha a viagem de um gigante dinossauro que
acorda, passados milhões de anos, levando consigo todas as «pessoas e animais» (Bacelar, 1990:
s/p) que nele moravam por acreditarem tratar-se de um monte.
Numa combinação sinérgica, particularmente sugestiva, entre palavras e imagens, os ha-
bitantes desta inusitada aldeia são levados a percorrer os mais variados cantos do mundo e a ver
4 Convém ressalvar que o álbum moderno, tal como é entendido hoje, só surge, no contexto português, nos alvores da década de
90, destacando-se, de entre os que se dedicaram exclusivamente à sua escrita, e outros com a dupla vocação de autores/ilustra-
dores, a produção de figuras como Leonor Praça (anos 70), Maria Keil, Cristina Malaquias, Manuela Bacelar e, mais recentemente,
Marta Torrão ou Alain Corbel.
227
Identidades Permeáveis na Literatura para a Infância: A apologia da diferença na obra de Manuel Bacelar
“gente igual, gente diferente”, “casas de todos os tamanhos” (Idem), cores e feitios. Assente no
recurso a uma estrutura paralelística, a componente plástica deste volume convida a criança-
-leitora a conhecer os lugares, os climas e os ciclos diários mais contrastantes, viajando por países
desérticos e quentes, e por outros mais povoados e frios, onde “num instante era noite, e num
instante era dia” (Idem).
As valiosas composições pictóricas que ocupam as suas duplas páginas – frequentemen-
te dispostas num formato sangrado – sensibilizam o leitor para a magnificência da diversidade
étnica/racial e cultural universal. Transportado para o coração dos cinco continentes, o leitor é
levado a descobrir personagens diferentes pela cor, fisionomia e indumentária – incluindo outras
figuras do imaginário infantil e perfeitamente adequadas às suas preferências pela ludicidade e
pelo encantamento que promovem –, e a deslumbrar-se com alguns monumentos, habitações e
outros ícones representativos dos mais variados países, activando a sua curiosidade por tradições,
costumes e experiências de vida alheias.
Porque aceitar a diferença implica ir mais além do reconhecimento e acolhimento de uma
multiplicidade de sujeitos e de práticas, mais do que informar o leitor da coexistência de diversas
nações e culturas, no trilho de uma educação multicultural, O dinossauro pode muito bem contri-
buir para uma consciencialização da importância e da necessidade de uma convivência entre elas,
elucidando acerca da riqueza e dos benefícios de um diálogo intercultural, não apenas de um pon-
to de vista social como científico e formativo. Aliás, como sugere José António Gomes, os leitores
que são desde cedo confrontados com o fenómeno do “interculturalismo” estarão, “porventura,
mais aberto[s] ao respeito pela arte e cultura de outros povos, desvalorizando, assim, sentimentos
exacerbados de nacionalismo cultural” (Gomes, 2008: 11).
Como expressão de um conjunto de preocupações sociais candentes, as transformações
nos estilos de vida que ultimamente se têm observado tiveram igualmente o seu reflexo na produ-
ção literária para os mais novos, descrita, segundo Ana Margarida Ramos (2009), como “abran-
gente e inclusiva”. Não surpreende, pois, a frequente tematização de questões ligadas aos novos
modelos familiares e parentais, e as consequentes alusões ao divórcio, à adopção ou, ainda que
de forma porventura menos assídua e explícita, às famílias monoparentais, a chamarem a atenção
para novas realidades que a obra de MB ilustra muito bem.
228
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
5 Releia-se, a esse propósito, os estudos de Rosário Gómez Gómez (2003) sobre “La figura del abuelo en la obra infantil de Manuel
Luis Alonso” e de Ewellyne Suely de Lima Lopes et al. (2005), este último intitulado “Ser avós ou ser pais: os papéis dos avós na
sociedade contemporânea”.
229
Identidades Permeáveis na Literatura para a Infância: A apologia da diferença na obra de Manuel Bacelar
Cruzando igualmente o veio temático da família, O livro do Pedro (Afrontamento, 2008) foi
o último álbum criado por MB: um livro precursor no que respeita à opção temática, contemplando
a diversidade das formas da parentalidade.
Alvo de várias reflexões em torno da temática nele retratada6, pela originalidade de que
se reveste, este livro narra a história de Maria, uma jovem mulher que “tem um filho dentro da
barriga” (Bacelar, 2008: 4) e que conta à sua filha a história da sua vida enquanto criança, mais es-
pecificamente do período vivido entre os seus 7 e 8 anos de idade. Dupla protagonista – deste livro
e do livro dentro deste –, Maria procura, junto da filha, perpetuar os laços afectivos e os instantes
que mais marcaram o belíssimo tempo vivido com os seus pais: Pedro e Paulo. E é precisamente
nesta família pouco convencional que reside a novidade desta obra, e que de forma muito cuidada
e subtil trata, entre outras, uma temática inovadora no quadro da literatura para os mais novos – a
parentalidade homossexual.
Contudo, ainda que proponha uma certa subversão, o intento desta obra está, fundamen-
talmente, em apresentar uma história de “[…] uma família feliz, em que o importante não [é] ter,
[é] ser” (Bacelar, s/d, cit. Câncio, 2008: s/p), onde se entrecruzam outras linhas temáticas como
a (in)tolerância, a diferença e, acima de tudo, a afectividade, claramente reconhecíveis tanto ao
nível do texto como da ilustração. Atente-se, por exemplo, na capa do livro, cuja ilustração (um
único coração), para além de participar numa estratégia de simplicidade do desenho, expressa, de
forma clara e simbólica, o eixo temático central, possibilitando uma antevisão de uma feliz história
de amor.
Com este livro, fica patente o poder de que se reveste a literatura para pequenos leitores,
já que, a partir de um conto infantil sobre uma temática sensível, e nem sempre facilmente aceite,
como a homossexualidade, MB cria um autêntico “livro de afectos”, onde, como a própria autora
sustenta, “é natal e não há presentes, há um abraço. A menina faz anos, tem um bolo de velas e vai
visitar a avó. Essa é a sua prenda!”7 (Bacelar, s/d), ficcionando uma das temáticas estruturantes da
sua obra – a harmonia da/na diferença.
6 Atente-se no número de recensões e blogs dedicados à obra, designadamente, e entre outros, em www.casadaleitura.org, ou,
ainda, em http://olivrodopedro.blogspot.com/ e em http://alcameh.blogspot.com/2008/02/sobre-o-novo-livro-de-manuela-bacelar.
html.
7 Informação retirada de uma entrevista dada pela escritora a José Carlos Malato, no programa televisivo “Sexta à noite”, do
canal RTP1, no dia 25 de Fevereiro de 2008, e disponível em WWW: <http://www.youtube.com/watch?v=seivtFN8ns0>.
230
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Outro dos casos certamente mais emblemáticos será o seu álbum Bernardino (Afronta-
mento, 2005), cuja temática central reside precisamente no elogio da diferença e da individualida-
de do pequeno leão que empresta o nome ao título da obra8.
Numa narrativa simples e de final aberto, onde todos os animais que nela se movem
ganham fortes traços da expressividade humana – inserindo-se numa linha próxima da fábula ou
do conto animalesco –, o pequeno herói com «físico de leão» e «alma de artista» (Ramos e Silva,
2008: 5) distingue-se do pai “muito grande e muito forte” (Bacelar, 2005: s/p) e contraria a figura
poderosa e soberba que lhe está associada, revelando ser vegetariano em vez de carnívoro ou
mostrando-se, ainda, um verdadeiro admirador das Artes e da Natureza. Entristecido e desiludido
face à incompreensão de que é alvo por parte do progenitor, Bernardino resolve fugir e deixa-se
conduzir pela música, na esperança de achar nela a chave para a felicidade e para a reconciliação,
a mesma chave que abriria, um dia, a “porta que o pai trazia a tapar o coração”.
Este é um livro que abre o debate sobre as relações familiares e de poder entre pai e filho.
Desmitificando, de certo modo, o estereótipo do leão – conotado com a sua força e superioridade
–, em busca de relações pacíficas e tolerantes, Bernardino enquadra-se exactamente na corrente
progressista que Teresa Colomer identifica como “literatura antiautoritária” (Colomer, 2008: 111).
Autêntico hino à diferença, este álbum possibilita, pois, diferentes níveis de leitura, reivindicando
combativamente uma atitude decisiva face à intolerância e à luta pelo direito individual à liberda-
de e ao prazer, ao direito a Ser.
Prova de que a literatura para a infância e a juventude de qualidade produzida a partir dos
anos 70 procura comprometer-se, de forma activa, em favorecer valores sociais não discriminató-
rios (Idem), facultando aos seus leitores uma visão mais ampla da realidade, ou, pelo menos, da
forma como a sociedade deveria/poderia ser, este conjunto de obras de MB possibilita aos leitores
o contacto com uma diversidade de contextos e de situações, onde cada uma das suas personagens
se individualiza e se distingue, numa (des)configuração que, ultrapassando as fronteiras das raças/
culturas e dos géneros, implode, sem moralismos e didactismos fáceis, as barreiras entre os dife-
rentes papéis sociais convencionais.
8 Ressalve-se, entre outras reflexões das respectivas investigadoras, o estudo “Aqui há gato! Representações felinas na literatura
portuguesa de recepção infantil” de Ana Margarida Ramos e Sara Reis da Silva (2006), incidente sobre a obra em apreço.
231
Identidades Permeáveis na Literatura para a Infância: A apologia da diferença na obra de Manuel Bacelar
Referências bibliográficas
Bacelar, Manuela (2008). O Livro do Pedro (Maria dos 7 aos 8). Porto: Edições Afrontamento.
Câncio, Fernanda. “Ilustrar todos os afectos”, [em linha], in Diário de Notícias, 1 de Março de 2008, [consult.
tos.html.
Colomer, Teresa (2008). Introducción a la literatura infantil y juvenil. Madrid: Sintesis Educación.
Gomes, José António (2008). “Literatura para a infância e a juventude entre culturas”, [Em linha], Gulbenkian
Gomes, José António (2009). “MB: maturidade e inovação”, in Gomes, José António (Org.), Malasartes [Cader-
nos de Literatura para a Infância e a Juventude], Série II, n.º 17, Abril de 2009. Porto: Porto Editora, pp. 53-54.
Ramos, Ana Margarida e Silva, Sara Reis da (2008). “Aqui há gato! Representações felinas na literatura para a
leitura/portalbeta/bo/abz_indices/001172_AH.pdf.
Ramos, Ana Margarida (2009). “Sexualidade na literatura para a infância ou a inexistência de temas proibi-
bo/documentos/tem_sexualidade.pdf.
232
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Resumo
Este artigo tem como temática principal a viagem, a partilha ou de exclusão e segregação cultural e étnica.
qual pode ser feita com vários intuitos, dependendo de quem a Oferecendo uma leitura de A viagem de Djuku no
inicia e com que objectivos. Várias obras de literatura infantil quadro das questões da interculturalidade, o enfoque recairá
são abordadas explorando esta dimensão. no que se poderiam considerar obstáculos, fronteiras e bar-
Tendo como base A Viagem de Djuku, de Alain Cor- reiras, que não são necessariamente externos ao percurso da
bel, interessa compreender o percurso da personagem princi- personagem, mas tantas vezes criados pelo enraizamento da
pal e com que finalidade se nos apresenta em diferentes es- própria cultura.
paços. A esta análise aglutinar-se-ão, ao longo do artigo, outras A mudança de espaço implica uma convivência com
histórias que serão o contraponto e a comparação em termos uma nova cultura, podendo a habituação a uma nova realidade
de temática, também elas de cariz multicultural – Peau Noire ser facilitada ou dificultada pela cultura dominante, mas tam-
Peau Blanch, de Yes Bichet e Mireille Vautier e A maior flor do bém pela cultura minoritária, simbolizada por quem chega.
As personagens destas histórias movem-se em con- que ficou, fisicamente, deixado para trás, mas mentalmente
textos multiculturais, dando azo à reflexão acerca do contacto presente, havendo uma necessidade de partilha. São essas
com novas culturas, assim como os seus processos de inclusão e dinâmicas que abordamos nos textos referidos.
Introdução
O acto de viajar ou fazer uma viagem pode ter os mais variados e distintos significados,
dependendo da intenção de quem pratica o referido acto. É nesta perspectiva que A viagem de
Djuku, de Alain Corbel (2003), pode ser entendida. Haverá, certamente, um objectivo quando se
inicia uma jornada, seja ela para longe ou perto, mais ou menos demorada. No entanto, a duração
da viagem já poderá ser condicionada com os obstáculos que podem surgir no desenrolar da mes-
ma, e dessa forma facilitar ou obstruir um objectivo anteriormente delineado.
O que se pretende com este tipo de análise é compreender o percurso que a personagem
Djuku efectua na sua viagem, tendo também como linha de comparação e suporte a história de
Bichet, Peau Noire Peau Blanche (2000), e, desta forma, estabelecer um elo de ligação entre as
duas histórias e constatar os diferentes tipos de viagem efectuados, assim como os motivos que
levaram a tal mudança. Também a história de Saramago, A maior flor do mundo (2001), se perfila
para comparação e articulação com as histórias acima referidas havendo nesta um claro recurso à
fantasia para o desenrolar da história.
A articulação destas obras far-se-á mediante a perspectiva de uma educação intercultural,
tendo como base materiais de leitura para crianças. No contexto que se desenvolve diariamente
de cariz multicultural, este tipo de abordagem coloca desafios inerentes a tensões e conflitos, de-
safios esses resultantes da necessidade de aprendermos a viver em conjunto, com outras culturas
e valores distintos. As personagens destas histórias movem-se em contextos multiculturais, dando
azo à reflexão – por parte do leitor - sobre a relação entre grupos dominantes e minoritários, as
experiências de quem imigra e de quem viaja, assim como processos de inclusão e de partilha, ou
de exclusão e segregação cultural e étnica. Todos estes temas são cruciais para a compreensão
do contexto da crescente mobilidade e globalização, muitas vezes complexamente integradas com
noções de crise económica e social.
O objectivo será o de oferecer uma leitura de A viagem de Djuku no quadro das questões
de interculturalidade, definida como um processo de contacto, com e de transformação por outros
territórios, outras experiências e maneiras de ver, bem como outros modos de viver, trabalhar e
sentir. O enfoque recairá no que se poderiam considerar obstáculos, fronteiras e barreiras, que
não são necessariamente externas ao percurso da personagem, mas tantas vezes criadas pelo en-
raizamento na própria cultura. As obras de Bichet e Saramago surgirão, em alguns aspectos, como
contraponto a essa perspectiva, podendo revelar-se viagens convergentes ou divergentes, físicas
ou interiores, transformativas ou aniquiladoras de projectos de identidade cultural empreendidas
pelas personagens no quadro de ‘uma viagem’.
234
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Viagem
Na aldeia perto da savana vive Djuku. Embora valorizada pela população que a rodeia
sente que é o momento de partir em busca de trabalho efectivo, pois o que tem é esporádico. De-
cide partir para longe. A sua opção recai inevitavelmente sobre a cidade e a promissora oferta de
emprego que esta detém na génese do seu significado. É nos grandes aglomerados populacionais
que as ofertas de emprego surgem em maior quantidade, não sendo alheia a estes a tendência
migracional de quem procura uma melhor condição económica. Com Djuku “partem” também
algumas memórias e objectos que serão a sua companhia em tamanha jornada. Esta não será,
certamente, uma viagem em classe turística, de onde se regressa num espaço temporal contido e
reduzido. A sua viagem distingue-se pela procura de melhores oportunidades e, talvez, consequen-
te enraizamento num outro espaço que lhe é desconhecido, é a experiência de emigração, contada
a crianças. Do espaço rural para a cidade, de um país para outro, de um continente para outro.
Com a mesma motivação, parte a família de Issam1 de cidade em cidade. Em Peau Noire
Peau Blanche, os pais de Issam são de diferentes nacionalidades, pai senegalês e mãe francesa.
Implícita fica uma anterior viagem do pai de Issam para França. O objectivo poderá ter sido o
mesmo de Djuku. Uma mudança em busca de novas oportunidades laborais e, consequentemente,
melhoria das condições económicas de vida. No entanto, depois do espaço de acolhimento do emi-
grante – França - que a mobilidade desta família multicultural decorrerá noutro sentido: de volta
ao país de origem.
As viagens de Djuku e da família de Issam são físicas. Tanto a viagem da aldeia para a ci-
dade por parte de Djuku, como a mudança do Senegal para França, e de Marselha para Paris, e de
novo para o Senegal, por parte da família de Issam, são viagens concretas que estas personagens
fizeram no decorrer das suas histórias de vida. Djuku parte da “pequena aldeia à beira da savana”
e no decorrer da sua jornada “atravessa imensas planícies (…) e cruza montanhas. (…) Incontáveis
rios e ribeiras fazem-lhe companhia no seu périplo.” Estes espaços da natureza são-lhe benéficos
e aumentam a sua imaginação, pois ela ouve “histórias fabulosas.” De referir que não é só com
a natureza que se sente em harmonia: “Muita gente se empurra na berma da estrada para a ver
passar”, o que dá ao leitor a noção da grandiosidade da sua caminhada e do seu objectivo, e uma
medida para avaliar a aventura que constitui atravessar um tão grande espaço social, cultural e
territorial. Alguns encorajam-na a prosseguir; outros aconselham-na a “fazer meia volta”, a desis-
tir, tal a dimensão do que ela empreendeu.
No que respeita às migrações espaciais e temporais de Issam e família, elas são também
físicas. Do norte de Marselha para uma outra cidade e em seguida para a capital, Paris. São estes
espaços físicos e sociais que Issam vai percorrendo procurando traduzir a sua afinidade cultural com
a cidade de Marselha, onde há a referência à presença de mais senegaleses e uma ideia de vida em
comunidade (minoritária). Mas, a partir de Marselha, os espaços não são agradáveis para Issam, que
só retoma algum bem-estar social e psicológico com a última viagem da família – o regresso ao Sene-
gal. No entanto, para o leitor, o Senegal é apenas o espaço longínquo, sem nomes de cidades, abran-
gido por uma opção narrativa generalizante que não foi usada para referir a toponímia francesa.
Em A maior flor do mundo a viagem do menino surge como a possibilidade de o autor/
narrador fazer um regresso ao passado, articulando uma viagem interior, na memória, com uma
outra viagem, também ela física e no espaço. A viagem ao espaço interior da infância é apresenta-
da como memória “que eu quis escrever, mas não escrevi”. Fica a sensação de regresso ao passado
para reviver uma história real ou ficcional que o autor tenha vivido na sua infância. É ficcional,
pois a ilustração do espaço onde, aparentemente, o autor redige a sua história tem como referên-
cia livros que transportam o leitor para a ficção: livros que têm nas lombadas inscritos títulos como
“A ilha do tesouro” ou “Gnomos e Duendes” (visível na ilustração). Este tipo de livros transportam
o leitor para o mundo fantástico, da imaginação, reforçado pela referência no texto a “uma linda
história que um dia inventei”.
A viagem é também física, pois atravessa espaços bem identificados e específicos, do
aconchego limitado do lar para o ambiente circundante: no início da história “sai o menino pelos
fundos do quintal, e, de árvore em árvore (...) desce ao rio”, mas a viagem é estritamente contida
entre o espaço físico e o espaço mental do imaginário. Ao nível da representação icónica, o papel
e a caneta formam um fio de tinta que sustenta a restante ilustração de paisagens em fragmentos.
Ao longo da história, a relação entre memória de uma história anteriormente inventada e
o espaço físico é uma constante. Os retalhos que surgem nas ilustrações remetem-nos para o pas-
236
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
sado, uma viagem que o autor faz, transmitindo a ideia de um todo composto por várias vivências.
A própria ilustração deixa transparecer uma vida de contactos com culturas diferentes. A idade do
autor é, também, uma marca de experiência acumulada, assumindo a conotação com a sabedoria
dos mais velhos. Estes retalhos na própria roupa que transporta indiciam os contactos com outras
culturas. Estão incorporados na sua vivência. Há também uma clara aceitação do diferente e a sua
integração num mosaico de bocados, texturas, cores e padrões. Estes simbolizam o contacto com
o outro – com outras culturas, outras formas de viver. A sua aceitação é notória pois estas encon-
tram-se inseridas no seu padrão de vida, na sua forma de viver. As películas de filme que surgem,
também ilustradas, reforçam a ideia de um regresso a tempos idos, sendo esta viagem também
palpável e sensorial, pois há claras referências a locais específicos e sensações –
“(...) entre extensos olivais, ladeando misteriosas sebes cobertas de campainhas brancas,
e outras vezes metendo por bosques de altos freixos onde havia clareiras macias sem rasto de
gente ou bicho, e ao redor um silêncio que zumbia, e também um calor vegetal, um cheiro de caule
sangrado de fresco como uma veia branca e verde.”
O teor da viagem imaginada é reforçada por “desce o menino a montanha, atravessa o
mundo todo, chega ao grande rio Nilo (...) vinte vezes cá e lá, cem mil viagens à Lua”. É bem pa-
tente, também, a grandeza do feito do menino. O aspecto físico da sua acção – os espaços calcor-
reados em busca do alimento da flor até que “a flor aprumada já dava cheiro no ar”. A importância
do seu feito possui uma dimensão mensurável de grandiosidade que nos ajuda a compreender o
ponto de partida do menino - “ele saíra da aldeia para ir fazer uma coisa que era muito maior do
que o seu tamanho e do que todos os tamanhos.”
frieza e indiferença das gentes da cidade, em constante vai-vem egocêntrico. Passam por Djuku e
nem reparam nela – “desta vez ninguém lhe oferece presentes, nem lhe pergunta de onde vem.” Por
oposição à frieza das cores da cidade e à atitude das pessoas da cidade, a aldeia, que se situa perto
da savana, era toda ela em tons quentes, rosa, salmão e laranja, como evidenciam as ilustrações.
As habitações da aldeia são amarelas e facilitam a comunicação de um ambiente de maior
proximidade entre as pessoas – estas falam a Djuku, interessam-se pela sua viagem, comunicando-
-lhe as suas apreensões e encorajamento.
Em Peau Noire Peau Blanche são também as cores as melhores caracterizadoras dos es-
paços. Surgem pela narração de Issam, que revela que “aqui”, onde se encontra, “é só cinzento
do betão, poeirento”, a sobriedade da cor das cidades, mas que “lá longe vê-se o azul”, notando-se
a vontade/esperança de imaginar uma outra possibilidade de espaço. No início da história Issam
também se caracteriza fisicamente como sendo “todo negro”. Por oposição à sua cor negra, ca-
racteriza a sua mãe como “tão bonita, tão branca”, revelando alguma preferência pela cor dela.
O facto de se encontrar em França leva a este sentimento. É, também, através da cor preta que
nos é dado a conhecer o racismo reconhecido por Issam –“não se gosta muito dos emigrantes nem
dos pretos.”
A referência que Issam faz do Senegal e que a ilustração segue, transforma o cinzento nas
cores da bandeira do Senegal – amarelo, verde e vermelho, vibrantes, alegres, quentes, reflectoras
da sua imensa alegria de vida e de não se ver confinado às limitações do branco, preto e cinzento.
No entanto, se na França as dificuldades eram causadas pela origem étnica de Issam, já
no Senegal, a mãe branca da mãe de Issam não será poupada à angústia e sofrimento pelas mes-
mas razões. O racismo baseado na cor de pele e a discriminação étnica ou de recém-chegados a
uma nova cultura perpetuam-se do continente europeu para o continente africano. Primeiro é o
pai de Issam, que é senegalês, e tem dificuldades de arranjar trabalho em França. Depois é a mãe
de Issam, que é francesa, e vai para o Senegal com a família que se sente ostracizada, olhando de
dentro de casa para a vida que se desenvolve no exterior.
Mudar de espaço, emigrar ou partir à aventura, em busca de uma nova identidade de
trabalho e sobrevivência revela-se difícil, enquanto aventura identitária.
238
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Diferença
Na representação do espaço parece existir uma estratégia narrativa comum a vários tex-
tos: a sobreposição de um espaço cultural por outro é também veículada por uma maior pormeno-
rização na representação de um deles – o local de partida ou a cultura de acolhimento.
Da aldeia de Djuku na savana, pouco se conhece em termos de espaço físico geografica-
mente preciso, apenas que se trata de um espaço que reconhece e valoriza o trabalho dela. Mas o
trabalho escasseia e será na cidade que Djuku consegue encontrar a sua fonte de subsistência, o
objectivo da sua partida. Embora reconhecido como de qualidade por parte do Sr Isidoro, o patrão,
e pelos clientes do restaurante, o trabalho de Djuku é pouco qualificado, semelhante ao de tantos
outros imigrantes em solo europeu. O mesmo se passa em relação à precariedade do trabalho do
pai de Issam, obrigado a viajar constantemente, levando a família com ele, para trabalhar como
operador de gruas. A mobilidade, de espaço em espaço, a família emigrada em nada ajuda a adap-
tação à cultura de França, tornando-se, progressivamente, mais difícil. Apercebemo-nos, através
das palavras de Issam, das dificuldades e do sofrimento com que se deparam nos diferentes espa-
ços pelos quais passam e onde “não se gosta muito de emigrantes e pretos.”
Issam e a sua família não são detentores de riqueza ou abundância, e o pai tem dificul-
dade em conseguir estabilidade e trabalho regular. A sua existência é móvel – “Voltamos a partir.
Fartamo-nos de mudar na profissão do meu pai, por causa das gruas. É preciso segui-las.” E é
quando já nada mais há a seguir em França, que a família decide regressar ao Senegal - “O meu
pai será patrão, com fato e tudo, e tudo.” O regresso às origens não se revela porém, fácil, porque
a família é mista: o pai de Issam é senegalês, mas a mãe é branca e francesa. Para a mãe de Issam,
a emigração começa aqui. Também em A maior flor do mundo há um regresso, mas ao passado.
O narrador/autor relembra uma história de infância que perdura na sua memória. Viaja atrás no
tempo para relembrar e escrever esta história, utilizando movimento circular de retorno, que, no
entanto, por ser um retorno à infância, confirma e alicerça a identidade cultural.
O regresso às origens, sejam elas ao país de partida do emigrante, ou de regresso às me-
mórias de infância, surge como vontade expressa de reencontro com uma tradição cultural na qual
as personagens se encontram enraízadas e que, de certo modo, lhes dão uma ilusão de identidade
239
A Viagem como Pretexto de Reflexão de Dinâmicas Interculturais
cultural estável, feita de coisas, pessoas, emoções, sentimentos. São estes que se transportam
consigo e que é necessário “alimentar”.
Os nomes próprios (Djuku, Issam) são marcas de uma identidade africana, que em A via-
gem de Djuku, ressoam nas alusões à “velha guitarra de Quecuto”, “o caldeirão de Nhô-Nhô”, “a
casa de Pepito” e “as redes de pesca de Benvindo” – objectos aldeões e memórias que ela trans-
porta consigo na viagem e que, por vezes, se despegam de si, para novamente se reencontrarem
no padrão do vestido.
Os objectos da memória cultural que parecem não encaixar no restaurante do Sr. Isidoro,
contagiam, porém, a prática cultural de Djuku: as refeições que ela serve mudam os paladares e
mudam os nomes da ementa – “Peixe com molho de chabeu”, “Qualulu”, “Cachupa”, “Peixe com
Banana Pão” e “Frango com molho de mancarra”. Todos eles desenhados no menú, mas ausentes
do texto narrativo, assim como referências a Cabo Verde e São Tomé. A diferença étnica que Djuku
faz num espaço povoado de pessoas brancas é reforçada pelo seu aspecto exterior: a cor de pele
(negra), o penteado visto de trás (de pequenas tranças enroladas, pretas) evidentes nas imagens e
ausentes da narrativa textual. Só nas ilustrações nos apercebemos das diferenças étnicas e de prá-
tica cultural (culinária). A mudança não foi apenas do campo para a cidade, mas de um ambiente
em que Djuku estava etnicamente integrada para outro em que é visível a sua diferença. É clara
a omissão da diferenciação étnica por parte da narrativa. É dada a conhecer a situação de Djuku,
da sua mudança, e da sua precária inserção, no entanto é apenas através das ilustrações que o
leitor tem contacto com algumas especificidades da personagem. A sua cor de pele e até algumas
referências geográficas mais precisas. Em Peau noire Peau blanche essa referência é clara, sendo
perceptível no texto e visível nas ilustrações.
Issam caracteriza-se a si próprio como “simplesmente todo negro”. Não há referência
explícita de que Issam não goste da sua cor, e, no entanto, quando se refere à mãe, exclama: “Tão
bonita, a mamã, tão branca”, pairando no ar a dúvida sobre se não preferiria ser como a mãe. Com
a mudança de espaço, aquando da partida para o Senegal, Issam revê-se nos olhos da sua mãe
“bem pequenino, muito negro, ao contrário. Tão orgulhoso.”, orgulhoso da sua cor de pele negra,
agora a predominante, mas também ciente do sofrimento da mãe por ser aparentemente diferente.
240
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Nas relações entre personagens, podem-se analisar fases de adaptação cultural das per-
sonagens (Morgado e Pires, 2010), radicadas em relações de poder entre grupos dominantes e
grupos minoritários, populações estabelecidas e recém-chegados.
Em A viagem de Djuku, Djuku, plenamente integrada na sua cultura, mostra-se parte dela.
Ao chegar à cidade, a sua capacidade de adaptação é grande, porque soube encontrar o ponto de
integração entre as duas culturas – os seus cozinhados. Permanece, no entanto, aos olhos dos
locais, como um ‘outro exótico’, capaz de despertar neles outros paladares.
Em Peau Noire Peau Blanche, Issam, a personagem principal da história, aceita-se a si
próprio dentro de uma identidade étnica - “Eu sou simplesmente todo negro.” A palavra “simples-
mente” denota aceitação natural. E o Senegal está presente na sua vida, através do pai, como um
horizonte de possibilidades.
No entanto, Issam, não percebe o que é o racismo. Apercebe-se que surgem problemas no
que respeita à sua família mas não consegue compreender a discriminação baseada na cor. Essa
incompreensão é extensível à situação da mãe, após a mudança feita para o Senegal – “A mamã
fica só no seu canto.”
As respostas apresentadas pelas duas obras para as questões levantadas parecem encon-
trar na solidariedade a solução.
As pessoas com que Djuku se encontra ao longo da viagem para a cidade são solidárias
com ela de forma activa. Tentam ajudá-la e até mesmo incentivá-la. Também se cruza com pessoas
que a tentam demover da sua viagem, ficando a ideia de que o fazem porque sabem das dificulda-
des que Djuku passará na cidade, longe da sua aldeia.
Já na cidade, mais precisamente no restaurante, os clientes e até mesmo o Sr. Isidoro são
solidários com Djuku quando esta ouve o nome da aldeia na televisão. Esta solidariedade parece
ser activa, assim como os constantes elogios às refeições por ela confeccionados. No entanto, esta
solidariedade concretize-se mais claramente quando Djuku demonstra incapacidade em manter
as memórias da aldeia consigo, tendo necessidade de as partilhar, quando já não suporta a sua
solidão.
241
A Viagem como Pretexto de Reflexão de Dinâmicas Interculturais
Reflexão final
A viagem levada a cabo por Djuku implicou uma radical mudança de espaço, da aldeia
à beira da savana para a cidade, dificuldades na transposição de espaço, a que são acrescenta-
das barreiras culturais que surgem com a inserção numa nova cultura diferente da conhecida e
enraizada. Esta é a situação também vivenciada por Issam e pela família que viaja por França e,
posteriormente, até ao país de origem do pai de Issam, o Senegal.
Inerentes à viagem e à mudança de espaço há as memórias do que ficou, fisicamente dei-
xado para trás, mas mentalmente presente. Existe a necessidade de partilhar, como verificamos
através da personagem Djuku e da história de infância do menino em A maior flor do mundo. No
caso específico de Djuku, ela sente a necessidade de que “o que eu vivi se case com o que eu vivo,
que o restaurante fique noivo da aldeia.” E quando isto acontece, a personagem consegue final-
mente habitar um ‘terceiro espaço’ cultural. É neste momento que Djuku dá a conhecer, aos outros
as suas memórias, os aspectos culturais da sua aldeia e das suas gentes, que agora se integram
nela, no novo espaço que ocupa, intersectando-o. É nesta intersecção entre as duas culturas, domi-
nante e minoritária, que surge o ponto de equilíbrio de ambas – o factor decisivo para a integração
da personagem na cidade, havendo por parte dos habitantes desta a aceitação do seu background
cultural da aldeia à beira da savana.
No caso de Issam, a partilha, a não ser com a mãe, não é evidenciada havendo um cres-
242
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
cente mal-estar na cultura francesa, que culmina com a viagem para o Senegal. Nesta alteração
resolve-se de um problema, mas cria-se outro: a inserção da mãe, de pele branca e origem france-
sa na cultura senegalesa.
A mudança de espaço implica convivência com uma nova cultura, podendo a habituação
a uma nova realidade ser facilitada ou dificultada pela cultura dominante, mas também condicio-
nada pela experiência do grupo que chega. No caso específico de Issam são retratados alguns
episódios onde as dificuldades são evidentes. Numa das suas migrações em França há a referên-
cia a um espaço onde “não se gosta muito dos emigrantes nem de pretos”. Logo aqui está criado
um obstáculo à integração da sua família. É bem patente o facto de não ter existido igualdade de
oportunidades e equidade para a família de Issam.
Referências Bibliográficas
Textos literários:
Textos críticos:
Morgado, M. e Pires, M.N. (2010). Educação Intercultural e Literatura Infantil. Lisboa: Edições Colibri ( no
prelo).
243
244
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
RESUMO
As sociedades actuais, fortemente vincadas pela di- que recorrem à literatura infantil enquanto estratégia para a
versidade social, étnica e cultural, colocam às escolas desafios promoção da educação intercultural, já que permitem desen-
de integração da diferença. A necessidade de celebrar as difer- volver a leitura enquanto competência fundamental do cur-
enças e respeitar a individualidade das crianças leva as escolas a rículo educativo e simultaneamente cumprir os objectivos da
enciados que respondam eficientemente às particularidades de Propomos com o presente estudo compreender
turmas heterogéneas. Alguns projectos europeus no âmbito de como são construídos esses projectos, identificando o tipo de
Acções Comenius, centradas na área da educação, surgem dessa literatura usado e como é feita a sua utilização, as perspectivas
necessidade imposta por sociedades multiculturais. de educação intercultural abordadas e como é que elas pro-
Desses projectos, interessou-nos analisar aqueles movem um maior respeito pelas diferenças.
Introdução
246
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Método
A selecção de projectos decorreu entre 2008 e 2010 a partir da base de dados de projectos
desenvolvidos ao abrigo do programa de acção europeu Sócrates entre 1995 e 2008, na área da
educação, acção Comenius. Estes projectos de carácter europeu são desenvolvidos por parcerias
de agentes educativos (professores, formadores de professores, bibliotecários e outros) de pelo
menos três países europeus para a realização de projectos de formação de professores ou de de-
senvolvimento de projectos com escolas.
A pesquisa de projectos incidiu inicialmente nos projectos disponíveis na Base de Dados ISOC
do programa de acção Europeu SOCRATES no âmbito da Educação e restringiu-se aos projectos
da Acção Comenius, centrados no Ensino Escolar, adstritos ao tema ‘Educação Intercultural -
Luta contra o racismo e a xenofobia’. O critério primordial de selecção de projectos previamente
determinados foi o enfoque em ou recurso à literatura infantil para promoção da educação inter-
cultural. Afastaram-se por um lado os projectos com incidência na literatura de tradição oral ou
de ‘storytelling’ (narrativas orais), os de escrita criativa como, por exemplo, de reconto e ainda
projectos focados em aspectos performativos da literatura como, por exemplo, a dramatização de
leituras. Interessava-nos essencialmente recolher para análise aqueles projectos que se serviam
da literatura infantil enquanto suporte escrito, sob a forma de livro ou de material em linha dispo-
nível na Internet.
Alguns projectos que inicialmente tinham sido seleccionados para análise foram poste-
riormente afastados por não cumprirem os requisitos pretendidos para o estudo. Assim sucedeu
com um projecto baseado no diário de Anne Franck: “Anne Franck - a history for today’ stage
III: implementation in various European countries”, que utiliza apenas a história da vida de
Anne Frank e não parte da obra em si enquanto leitura de material narrativo infantil; e projectos
como o “ALCE”, que se debruça mais sobre a promoção da leitura, sem realizar uma utilização
de literatura infantil de modo concreto. Esta delimitação encontra justificação, por um lado, na
necessidade de delimitar o corpus de análise a um número razoável de projectos e, por outro, no
pressuposto de análise inicial que visava recolher projectos que conjugassem educação intercul-
tural e literatura infantil, de modo a melhor representar o estado da arte neste âmbito para, em
247
seguida, reflectir quais as premissas mais adequadas de construção de um projecto desta nature-
za. Por outro lado ainda, privilegiou-se a recolha de projectos que visavam construir um conjunto
de obras em “bibliotecas” por nos interessar analisar os pressupostos de selecção e classificação
de obras seleccionadas.
Dessa pesquisa total de 326 projectos de Educação Intercultural da Acção Comenius,
resultou uma selecção inicial de 24 projectos, que foi posteriormente reduzida a 20, escolhidos
em função dos parâmetros anteriormente citados e produzidos entre 1995 e 2008. Dessa base de
dados foram retirados projectos até 2003. Os restantes foram extraídos dos compendia Sócrates
de 2007 e 2008. De lamentar o facto de não termos conseguido aceder aos compendia entre 2005
e 2007 e por isso esta pesquisa poder estar eventualmente incompleta por não representar a
totalidade dos projectos produzidos nesse espaço de tempo. No entanto, é de salvaguardar que
a maior parte dos projectos desenvolvidos nesta área estarão representados, porque se trata de
projectos bi ou tri-anuais.
A pesquisa não foi feita por palavras-chave, uma vez que os conceitos de educação inter-
cultural, educação contra a xenofobia, e outros da mesma temática são indicadores fornecidos pela
União Europeia, quando é feito o lançamento dos projectos e apareceriam demasiados com essa
informação, não sendo selectivo o suficiente para limitar o que se pretendia. Assim, optámos por
uma pesquisa por título e por sinopse, percorrendo individualmente cada projecto descrito na base
de dados, já que a ISOC disponibiliza também para além da identificação do projecto, uma sinopse,
uma listagem dos países em parceria e a informação dos responsáveis para os diferentes projectos.
Num primeiro momento, a selecção foi organizada numa grelha que reuniu os principais
dados identificadores de cada projecto: A identificação do projecto; o sítio em linha onde pode
ser acedido (quando existe), datas de início e fim, os países participantes (no caso de Portugal se
encontrar envolvido no projecto, tal facto é mencionado), a caracterização do tipo de literatura
utilizada e os objectivos propostos. Posteriormente, os projectos foram individualmente analisados
segundo os parâmetros previamente estabelecidos e registados numa tabela de acordo com os
seguintes critérios: a noção de cultura que explicita ou usa implicitamente; como usa a literatura
infantil; as perspectivas de educação intercultural que promove; as estratégias adoptadas para
promoção da educação intercultural e os pontos fortes e fracos que se destacam em cada projecto.
248
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Salientamos que muitos dos projectos extraídos da base ISOC, nomeadamente os ante-
riores a 2008, pertencem a uma geração de programas que ainda não usava sistematicamente a
Internet para a divulgação dos projectos ou como base pedagógica, pelo que para a análise destes
apenas nos apoiámos nas descrições disponíveis na base ou Compendium. Outros projectos, cujas
publicações foram divulgadas e às quais conseguimos ter acesso ou conseguimos aceder ao sítio
em linha, permitiram-nos aprofundar os critérios de estudo e, por conseguinte, sermos mais rigo-
rosos nas nossas conclusões.
Organizámos, para maior conveniência da investigação, os projectos em dois grandes
grupos (vide anexo):
Iniciaremos esta parte do artigo com uma descrição aprofundada de um dos projectos,
“Ajkuk, la petite grenouille”, a partir do qual introduziremos algumas questões de análise e re-
flexão.
“Ajkuk, la petite grenouille” é um projecto europeu desenvolvido entre 1998 e 1999 por
parceiros educativos de França, Espanha e Alemanha com o intuito de criar um produto multimédia
(livro infantil com ilustrações em formato web adaptado de uma música celta) que ilustra e conta a
história de uma pequena rã, Ajkuk. O projecto desenvolve-se a partir de uma música de um grupo
celta, que canta a dor do povo argelino que anseia pela compreensão entre os povos e o diálogo
entre as culturas. Transfere-se para o mundo ficcional uma história baseada numa rã, recorrendo a
3 versões, cada uma em quatro versões linguísticas (as línguas em presença são o francês, bretão,
249
árabe, berbere, alemão, turco, curdo, servo-croata, espanhol, catalão e berbere do Riff). A história
aborda temas como a amizade e o espírito de compreensão entre os animais. O objectivo é o de
divulgar a história em vários países (sobretudo França, Alemanha e Espanha) junto de escolas de
ensino pré-primário e de 1º ciclo do Ensino Básico, interessadas em sensibilizar os alunos para a
compreensão entre os povos, dada a presença de imigrantes do norte de África. O recurso à história
como ferramenta intercultural leva as crianças, mas também os pais a reflectirem sobre o tema da
interculturalidade e a sua potencial riqueza, bem como a sensibilizá-los para o problema da (in)
compreensão entre alguns povos. O livro em linha termina com a pauta da música que serviu de
base ao projecto e uma breve explicação sobre a iniciativa. O projecto ilustra a ideia de que apesar
das diferenças que distinguem os povos (língua e cultura entre outros), une-os uma universalidade
de sentido que é igual em todos os países. Para além das ilustrações, o livro oferece algumas frases
para reflectir, destacadas no final, que apelam à compreensão, à tolerância e à aceitação do Outro.
Em suma, o que o projecto se propõe fazer é divulgar uma narrativa multilingue, acompanhando-a
de ateliês de pintura, música e construção de uma exposição itinerante para reforçar as relações
entre a Europa e o Magrebe como forma de desenvolver uma metodologia pedagógica que utiliza um
conto infantil como ferramenta intercultural. Apresenta-se de seguida um exemplo de uma página
do livro disponível em linha nas versões berbere, castelhano, francês e árabe.
Castelhano Árabe
Árabe Francês
Figura 1 - Exemplo uma página do livro em linha Ajkuk, la petite grenouille disponível em linha nas versões
berbere, castelhano, francês e árabe
250
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
A questão que se poderá colocar a partir deste projecto é: como se operacionaliza, através
dele, o conceito de ‘educação intercultural’? Em que medida é que se pode dizer que, de facto,
promove a interculturalidade. Para dar resposta a estas questões, convocaremos a reflexão so-
251
bre os pressupostos de educação intercultural de Martine Abdallah-Pretceille, que seguidamente
enunciaremos nas suas principais linhas orientadoras. A autora defende que o que marca a aproxi-
mação intercultural é a interacção ou relação que se constrói com o outro porque “é a relação com
o outro que prevalece e não a sua cultura” (Abdallah-Pretceille, 1999:58).
Assim, e de modo sucinto, salientamos que o multi- e o pluri- culturalismo, (o multi- en-
quanto variante do termo anglo saxónico pluri-) remetem ambos para um reconhecimento da co-
-existência de entidades distintas (Abdallah-Pretceille, 1999), ou seja, apenas para a aceitação e
o reconhecimento da diversidade cultural, política, religiosa, étnica. Já o prefixo ‘inter’ pressupõe
a interacção, que a nível do intercultural se concretiza numa intersecção entre os vários grupos,
indivíduos ou identidades. Assim o pluri- e o multi- cultural apenas se limitam à constatação de
um facto, à sua aceitação, quanto muito ao seu reconhecimento, enquanto que o prefixo ‘inter-‘
cultural pressupõe um processo activo, uma acção em conjunto, uma iniciativa de ‘agir com o ou-
tro’, como em inter-agir no sentido de conduzir um processo que resulta em ‘interacção’. Também
Ouellet (2002) sublinha a noção de interacção, pela reciprocidade e a complexidade nas relações
entre as culturas, enfatizando no ‘intercultural’ o modo de interagir que advém do contacto entre
as diferentes culturas e das transformações resultantes desses contactos prolongados e repetidos.
Ainda de acordo com Abdallah-Preteceille, mais importante do que conhecer a cultura do Outro,
é compreender como esta funciona para estabelecer um diálogo com o Outro, ou seja: interagir
com ele para melhor compreendê-lo. Daí que aquilo que se espera na relação não é conhecimen-
to, é compreensão. E compreender uma cultura exige que se faça uma análise e não apenas uma
descrição de traços culturais. É posta a tónica sobre os processos e as interacções que unem e
definem os indivíduos e os grupos, uns em relação aos outros. Logo, levanta-se uma questão: quais
os conhecimentos culturais que têm que se ter do Outro para estabelecer comunicação com ele?
A autora sugere que se aprenda a ver, a ouvir, a estar atento ao Outro, aprender a vigilância e a
abertura numa perspectiva de diversidade e não de diferença para analisar, e só assim compreen-
der, a relação com o Outro.
Assim, a educação intercultural é um processo activo integrador e de interacção. Pres-
supõe mais que a aceitação ou tolerância (dois termos que não são sinónimos, pois ‘aceitar’ pode
não significar ‘tolerar’). A convivência pacífica por si não é suficiente e não garante a participação
252
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
de todos na educação. Esta afirmação evidencia uma comunicação assente na inter-relação dos
diversos grupos dentro de um mesmo espaço, ultrapassando a adaptação para se conseguir uma
efectiva integração. De acordo com a autora, pretende-se aprender a compreender o Outro através
dos elementos culturais que ele exprime nos seus comportamentos e nas suas atitudes, ou seja
entender o modo como a cultura determina as acções dos indivíduos para se conseguir interagir
com ele. Martine Abdallah-Pretceille preconiza a aproximação com o outro, anulando a relação
de superioridade e, não menos importante, a atitude ‘paternalista’ com que por vezes se olha o
outro. Efectivamente, a ética da diversidade assenta na relação com o Outro e não na acção sobre
o Outro que, por vezes, pode transformar-se num acto paternalista ainda que involuntário. Deve
tentar erradicar-se toda e qualquer dissimetria na relação com o Outro, tentando agir com o Outro
e não sobre ele (Abdallah-Pretceille, 1999:69). Esta visão da relação é necessária para destruir
potenciais vínculos ou posições de superioridade de uns sobre os outros, que estão na base das
relações de poder, de ideias racistas e xenófobas. A tolerância assenta em relações de respeito e
tratamento de igual para igual. Segundo a autora, não se pode definir o Outro atribuindo-lhe de
antemão características de um grupo cultural que se define hipoteticamente, por vezes até mesmo
arbitrariamente (de onde surgem os ‘preconceitos e estereótipos). Assim, a educação intercultural
visa a gestão da diversidade e da heterogeneidade nos seus princípios e não em relação a defi-
nições exteriores, atribuídas ‘a priori’ (Abdallah-Pretceille, 1999:77). Do mesmo modo, é impos-
sível conhecer o Outro sem comunicar com ele, sem partilhar, sem lhe dar a oportunidade de se
exprimir enquanto sujeito. De acordo com a autora, o objectivo é o de aprender o ‘encontro’ com
o Outro e não aprender a sua cultura; para reconhecer no Outro um sujeito singular e um sujeito
universal (Abdallah-Pretceille, 1999:59).
Em termos práticos, e de acordo com o que referimos, o professor é um pedagogo e deve
pôr a tónica na relação com o Outro e não apenas debruçar-se sobre a cultura deste, já que as pes-
soas não são necessariamente protótipos do(s) seu(s) grupo(s) e, por conseguinte, não se compor-
tam sempre de acordo com os modelos culturais inseridos naquilo que se pode rotular de ‘norma’.
Efectivamente, os indivíduos têm a liberdade para se apropriarem da cultura de pertença e da de
referência. Logo, deve-se procurar compreender o Outro através da sua cultura, mas também pela
reflexão sobre o modo como ela influencia os actos dos indivíduos de modo único.
253
Pretende-se adoptar uma posição activa, reflexiva onde se caminha em direcção ao Outro
no sentido de proporcionar situações que possibilitem a comunicação com ele e levem a um res-
peito pela diferença e não apenas à sua aceitação, num modelo de coexistência paralelo de muitos
modos de estar e de pensar diferentes. Quando se fazem comparações, devem tentar salientar-se
as semelhanças, já que as diferenças são mais fáceis de encontrar e muitas vezes levam a que se
perpetuem estereótipos ou até mesmo que se criem novos. Num artigo sobre práticas de educação
intercultural em França, J. Kerzil (2002) alerta para o perigo dos estereótipos, apontando-os como
principais obstáculos à comunicação e às trocas entre indivíduos de culturas diferentes.
Teoria e Prática
254
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
cultura do Outro não implica necessariamente uma melhor relação com ele, pois vimos que os indi-
víduos nem sempre se comportam de acordo com os modelos culturais do grupo e frequentemente
apropriaram-se de traços do seu grupo de pertença e do grupo de referência. No projecto apresen-
tado, através da história de Ajkuk que se apropria de um diálogo entre animais, o que se pretende
é apelar-se à compreensão dos problemas de um povo e ao modo como algumas pessoas agem. O
objectivo é o de conduzir a uma reflexão sobre a relação entre os povos europeus com os povos do
norte de África. Pode-se, a partir do que é contado, propor uma análise da relação que os animais
vão construindo ao longo da história, de acordo com os pressupostos defendidos por Abdallah-
-Pretceille, no sentido de analisar e tentar compreender a relação com o Outro, com os outros.
Por outro lado, a abordagem de temas universais, como ocorre em Ajkuk e na maioria de
outros projectos analisados, permite uma aproximação por identificação, mais acessível para as
crianças, já que estas facilmente compreendem e interiorizam temas como a amizade, o respeito ou
a diferença, entre outros. Por serem temas facilmente identificáveis pela criança como fazendo parte
do seu ambiente, e sobre os quais esta poderá reflectir e discutir, ela consegue colocar-se no lugar
do Outro e expressar sentimentos e/ou medos e, por conseguinte, compreender melhor o Outro. Esta
é uma abordagem significativa, já que obriga a um trabalho de reflexão sobre si próprio, conduzindo
à progressiva descentração da identidade individual para colocar-se no papel do outro, no sentido de
tentar entender quais os problemas que este enfrenta e deve ultrapassar. Por conseguinte, e de acor-
do com Ouellet, o contacto com a diferença promove um melhor conhecimento da sua própria cultu-
ra, pois obriga a que o indivíduo, colocado no centro da relação, entenda o ponto de vista do outro,
compreendendo as diferenças e ultrapassando-as. Esta é uma perspectiva claramente intercultural,
na abordagem da literatura, sublinhada por Kerzil J. (2002:125) que defende que o “intercultural é
um trabalho de reflexão em profundidade, de descentração e de meta-conhecimento da sua própria
identidade cultural e do papel que esta desempenha na construção de cada um”.
De acordo com Abdallah-Pretceille, o questionamento do Outro tem de ser feito em re-
lação a si para não sobrevalorizar as diferenças culturais ou acentuar consciente ou inconscien-
temente estereótipos ou até mesmo preconceitos. Efectivamente, por vezes, a tendência é focar
demasiado as características que o Outro evidencia como diferentes sem fazer o devido “olhar
para si próprio” e para a sua própria cultura em relação com a outra cultura em análise. É neces-
255
sário, segunda a autora, procurar semelhanças a partir do conhecimento de si próprio. Só deste
modo se torna possível encontrar as semelhanças que, segundo Ouellet, são fundamentais e mais
fáceis de aceitar já que confirmam a própria identidade, enquanto as diferenças mais facilmente
identificáveis nem sempre são aceites.
Em Ajkuk, o recurso a uma história que põe em cena uma rã e outros animais leva a que
a criança ‘entre’ na ficção e se coloque no lugar do Outro. Existem mesmo projectos que pro-
põem que se identifiquem semelhanças e diferenças entre culturas, como por exemplo, Echange
d’expériences et d’idées dans le domaine de la littérature de jeunesse ou The European
picture book collection: a European school education training course. Essa é uma tarefa
importante para que a criança contacte com a diversidade, mas é imprescindível que o faça atra-
vés de uma análise em relação a si, de modo a compreender e a experimentar o contacto com o
Outro pela aprendizagem que faz do que ouve e do que vê numa perspectiva comunicativa. A com-
preensão do diferente concretiza-se na comunicação e na troca.
Por outro lado, muitos dos projectos analisados apresentam livros como sendo repre-
sentativos da cultura de certos países. Assim, debruçar-se sobre as histórias e analisar como as
personagens se movem em diferentes espaços culturais poderá ajudar a criança a compreender
o modo como a cultura influencia os comportamentos das pessoas e, em consequência, a inte-
racção que poderá existir entre as personagens. A visibilidade que se dá às culturas minoritárias
garantes-lhes uma posição de igualdade e prepara para uma integração progressiva e assente no
respeito mútuo sem tratamento paternalista, como preconiza Abdallah-Pretceille, sem criar fossos
entre “Vós” e “Eles”. Alguns dos projectos analisados, tal como Ajkuk, centram-se em conteúdos
multiculturais ou multilingues numa promoção das diferentes culturas, proporcionando um maior
conhecimento delas, como é o caso dos projectos que desenvolvem a criação de bibliotecas mul-
ticulturais (“Apriti Sesamo”). É uma forma de promover a diversidade, permitindo uma maior
aproximação das culturas pelo acesso à diversidade.
Como foi referido anteriormente, o conhecimento é importante na medida em que é usado
para compreender e construir sentidos com vista à comunicação, não pode constituir um fim por si
só. O conhecimento de outra cultura tem de ser trabalhado no sentido de promoção da interacção
cultural.
256
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
Conclusão
Alguns projectos promovem apenas a compreensão das outras culturas, ainda que seja
a compreensão do modo como a cultura influencia o indivíduo e nesse sentido visem melhorar a
interacção com o Outro. Outros projectos vão um pouco mais longe, visando reforçar a relação
entre culturas, por exemplo, entre os países da Europa e da União Europeia e o Magreb no norte
de África, como é o caso do projecto mais pormenorizadamente abordado neste artigo: Ajkuk, la
petite grenouille.
De enfatizar, por outro lado, a importância do tratamento de temas universais que permite
uma maior aproximação do Outro pois a criança melhor se identifica com aquilo que reconhece.
Muitos dos projectos analisados pretendem divulgar o conhecimento das várias culturas, sensibi-
lizar para uma noção algo vaga de ‘cultura europeia’, procurar semelhanças e diferenças entre as
257
várias culturas, ou seja, promover o conhecimento. Estes aspectos constituem uma etapa apenas
do processo de construção da relação com o Outro que passa pela compreensão, análise e reflexão
dos modos de relação do indivíduo com a sua própria cultura e a dos outros.
Dos projectos analisados em função dos seus objectivos, perspectivas de promoção da
literatura infantil e sua utilização em concreto com o fim de promover a educação intercultural,
pode concluir-se, à luz dos pressupostos teóricos enunciados, que a maioria se encontra centrada
na gestão da diversidade. A diversidade cultural carece de trabalho sobre a relação com o outro,
o que nos leva a questionar se de facto podemos considerar que estes projectos abraçam mais os
fundamentos da educação multicultural do que da educação intercultural já que se debruçam mais
sobre o conhecimento que a interacção do Outro.
Muitos projectos apontam como objectivo principal dar a conhecer a cultura do Outro e
nem sempre promovem ou incitem à análise da relação com o Outro. Contudo, a utilização que
deles é feita pelo educador pode direccionar a sua utilização para uma maior interacção. É impor-
tante que se criem condições para a construção da relação e interacção com a diversidade. Seria
interessante reflectir sobre o modo como o educador pode utilizar esses projectos de forma a
melhor os orientar para a interacção e como é que, através deles, se pode construir a relação com
o outro e se, num âmbito de aplicação prática e efectiva, a escola está preparada para receber e
implementar projectos como os analisados.
Concluímos com a ideia principal defendida por Abdallah-Pretceille sobre a necessidade
de comunicação com o Outro, de aproximação para a integração. Enquanto processo activo de
integração e interacção, a educação intercultural deve permitir a convivência entre os indivíduos
das diversas culturas, num respeito mútuo e sem anulação dos traços individuais. Consideramos,
assim, que estes projectos podem contribuir para essa formação.
Refrências bibliográficas
Abdallah-Pretceille M., (2005). L’éducation Interculturelle, Que sais-je?, (2ªed.), Paris: PUF.
Kerzil J., (2002). L’éducation interculturelle en France : un ensemble de pratiques évolutives au ser-
258
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
vice d’enjeux complexes, Carrefours de l’éducation. N° 14, p. 120-159. (versão em linha consultada em
27/03/2010 em http://www.cairn.info/article.php?ID_REVUE=CDLE&ID_NUMPUBLIE=CDLE_014&ID_
ARTICLE=CDLE_014_0120).
Mok I. & Reinsch P., (1999). KiesKleurig, a colourful choice, handbook for internatinal teaching materials,
Ouellet F., (2002). L’éducation interculturelle et l’éducation à lá citoyenneté, quelques pistes pour s’orienter
dans la diverversité des conceptions, VEI Enjeux, nº129, juin. (versão em linha consultada em 27/03/2010 em
http://www.sceren.fr/RevueVEI/129/14616711.pdf).
Ouellet F., (2002). Les Défis du Pluralisme en Éducation, essais sur la formation interculturelle. Canada:
259
260
Anexo
Excerto da grelha de análise dos 24 projectos centrados numa abordagem da literatura infantil com
base na Educação Intercultural
1
Dados dos Projectos
1 Toda a informação relativamente a estes dados foi consultada no sítio online da base de dados ISOC disponível em http://www.isoc.siu.no/
isocii.nsf e nos compendia (ver referência exacta)
Ano XIV - Edição Fora de Série - Julho 2010
As condições de assinatura
- A sua assinatura terá inicio no número editado a seguir à recepção do cupão dos nossos
serviços.
- Compreende 2 números (anual).
- O preço da assinatura para Portugal é de 7,50 Euro + 2,00 Euro para portes de correio.
- Outros países – 7,50 Euro + portes de correio.
- Preencha o cupão e envie-o juntamente com o cheque ou vale de correio, à ordem de ESCOLA
SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE CASTELO BRANCO.
O Cupão de assinatura
Assinante ________________________________________________________________________________________
Morada __________________________________________________________________________________________
Código Postal _________ - _______ ________________________________________________________________
Cheque nº _______________________________ Banco _______________________________________________
Morada da ESECB
Escola Superior de Educação de Castelo Branco
Revista Educare Educere
Rua Prof. Dr. Faria de Vasconcelos
6000-266 Castelo Branco
Portugal
261