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Alberto Caeiro

Caeiro apresenta-se como um “simples guardador de rebanhos”, que só se


importa em ver, de forma objectiva e natural, a realidade com a qual contacta a todo o
momento. Daí o seu desejo de integração e comunhão com a Natureza.
Poeta do olhar, procura ver as coisas como elas são, sem lhes atribuir
significados ou sentimentos humanos. Considera que “pensar é estar doente dos
olhos”, pois as coisas são como são. Ver é conhecer e compreender o mundo, por isso,
pensa vendo e ouvindo. Não lhe interessa o que se encontra por trás das coisas,
procurando apenas vivenciar o mundo que capta pelas sensações. Recusa o
pensamento metafísico, afirmando que “pensar é não compreender”.
Caeiro põe em causa o significado das coisas ou o que pode ser marca desse
significado – palavras, conceitos, ideologias, religiões, cultura, arte. Para Caeiro, as
coisas não têm sentido. O sentido das coisas reduz-se à percepção da cor, da forma e
da existência. Daí que insista na “aprendizagem de desaprender”, isto é na
necessidade de aprender a não pensar, para se libertar de todos os modelos
ideológicos, culturais ou outros, e poder ver a realidade concreta. Com a
intelectualidade dos eu olhar liberta-se dos preconceitos, recusa a metafísica, o
misticismo e o sentimentalismo social e individual.
Caeiro constrói uma poesia das sensações, apresentando-as como boas por
serem naturais. Para ele, o pensamento apenas falsifica o que os sentidos captam. O
pensamento gera a infelicidade: “ pensar incomoda como andar à chuva”.
A recusa do pensamento reduz-se a um “sentir” com os sentidos: “Penso com
os olhos e com os ouvidos/ E com as mãos e os pés/ E com o nariz e a boca”. O
pensamento passa a identificar-se com uma complexidade de sensações. A felicidade
do “guardador de rebanhos” reduz-se ao saber a verdade do pensamento feito em
sensações. E alguma tristeza que aparece resulta do excesso de sensações. É um
sensasionista, que vive aderindo espontaneamente às coisas, tais como são, e procura
gozá-las com despreocupada e alegre sensualidade.
Numa clara oposição entre sensação e pensamento, o mundo de Caeiro é
aquele que se percebe pelos sentidos. O mundo existe e, por isso, basta senti-lo, basta
experimentá-lo através dos sentidos, nomeadamente através do ver. Ver é
compreender. Tentar compreender pelo pensamento, pela razão, é não saber ver.
Alberto Caeiro vê com os olhos, mas não com a mente. Constrói uma doutrina
orientada para a objectividade, para a contemplação dos objectos originais, par o
conhecimento intuitivo da Natureza.
Como poeta da simplicidade e da clareza total, Caeiro sente-se feliz pois
sempre conseguiu realizar-se, vendo claramente.

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“Argonauta das sensações verdadeiras”, o Poeta ensina a simplicidade, o que é
mais primitivo e natural. Daí que a poesia das sensações seja, também, uma poesia da
natureza. Caeiro afirma-se o poeta da natureza que está de acordo com ela e a vê na
sua constante renovação. Passeando e observando o mundo, personifica o sonho da
reconciliação com o universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza. Viver para
ele, implica a adesão espontânea às coisas e ao mundo. Não se importa em saber o
que é a Natureza, mas em amá-la por ela mesma.
Em Caeiro há a inocência que lhe permite saber ver sem abstracções ou
formulação de conceitos. Vê a Natureza na sua constante renovação e crê na “eterna
novidade das coisas”. A “recordação é uma traição à Natureza”. Interessa-lhe o
presente, o concreto, o imediato, uma vez que é ai que as coisas se apresentam como
são.
Pela crença na Natureza, o Mestre revela-se um poeta pagão, que sabe ver o
mundo sensível, em que não precisa de pensar. Caeiro, ao procurar ver as coisas como
elas realmente são, sublima o real, numa atitude panteísta de divinização das coisas da
natureza. Nesta atitude panteísta de que as coisas são divinas, desvaloriza a categoria
conceptual “tempo”. Porque só existe a realidade, o tempo é ausência de tempo, sem
passado, presente ou futuro, pois todos os instantes são a unidade de tempo. Para si o
tempo surge eterno, uno, feito de instantes de presente.

“Eu nunca guardei rebanhos”, “Sou um guardador de rebanhos” ou “O


meu olhar é nítido como um girassol” são poemas que advogam uma síntese de
calma e de movimento num presente que se actualiza e objectiva o desacordo
entre o que se pensa e a vida que acontece.

Os ensinamentos de Caeiro, quer ao trazer o ser humano ao quotidiano e ao


integrá-lo na simplicidade da Natureza, quer ao encarnar a essência do sensacionismo,
tornam-no mestre da outra humanidade: Pessoa ortónimo e heterónimos. Ao anular o
pensamento metafísico e ao voltar-se apenas para a visão total perante o mundo,
elimina a dor de pensar que afecta Pessoa.
Para o ortónimo, para Álvaro de Campos e para Ricardo Álvaro de Campos e
para Ricardo Reis, Caeiro apresenta um regresso às origens, ao paganismos primitivo, à
sinceridade plena. Caeiro ensinou-lhes a filosofia do não filosofar.

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Fernando Pessoa ortónimo descrê da possibilidade de, pela razão,
compreender o mundo tal como Caeiro, mas enquanto este aceita, tacitamente, a
realidade, o Ortónimo decepciona-se e experimenta o desespero.
Álvaro de Campos, que, como Caeiro, recorre aos versos livres, é o homem da
cidade, que procura aplicar a lição sensacionista ao mundo da máquina. Mas ao não
conseguir acompanhar a pressa mecanista e a desordem das sensações, sente uma
espécie de desumanização e frustração. Falta a Campos a tranquilidade olímpica de
Caeiro.
Ricardo Reis, que adquiriu a lição de paganismo espontâneo de Caeiro, recorre
à mitologia greco-latina e considera a brevidade da vida, pois sabe que o tempo passa
e tudo é efémero. Caeiro vê o mundo sem necessidade de explicações, sem princípio
nem fim, e confessa que existir é um facto maravilhoso. Caeiro aceita a vida sem
pensar. Reis talvez aceite apesar de pensar. Reis chega a ser o contrário do Mestre,
sobretudo ao procurar vivenciar poeticamente um sensacionismo de carácter
reflexivo, com a emoção controladas pela razão.
Numa linguagem directa, concreta e simples, apesar de reflexiva, Caeiro
procura ser a voz da Terra, com a sua simplicidade e naturalidade. Sem preocupações
de ordem metafísica e social, como Pessoa e Álvaro de Campos, desnuda as coisas de
sentidos filosóficos, vendo-as tal como são.
MOTIVOS TEMÁTICOS/TEMAS LINGUAGEM/ESTILO
- Defesa da objectividade: nada existe para além daquilo - Ausência de preocupaçõ es estilísticas;
que, de facto, é perceptível para o ser humano, para além - Indisciplina formal e ritmo lento mas
daquilo que captamos através dos ó rgã os dos sentidos; espontâ neo;
- Poeta do real objectivo, observado com olhar ingénuo - Proximidade da linguagem do falar
e puro; quotidiano, coloquial, fluente, simples e
- Vivência do presente, recusando o passado e o futuro, natural;
enquanto elaborações mentais; - Vocabulá rio simples e familiar, em frases
- Relação pacífica e serena consigo próprio, com os predominantemente coordenadas;
outros e com a vida; - Adjectivaçã o pobre e sobretudo descritiva e
- Crença na eterna novidade das coisas e das ideias; objectiva
- A criança como símbolo supremo com a natureza; - Vocabulá rio e imagística do campo
- Predomínio da sensação sobre o pensamento: o homem semâ ntico da natureza
deve renunciar ao pensamento, pois este implica que se - Predomínio do presente do comparativo –
deturpe o significado das coisas que existem; modo do real – e do gerú ndio, sugerindo
- Tentativa de combater o vício de pensar; simultaneidade e arrastamento.
- Comunhão total entre o homem e a natureza: o ser - A nível das figuras de estilo, predomínio da
humano deve submeter-se à s leis naturais e nã o deve comparaçã o.
racionalizar processos que existem naturalmente (p.e. ideias
de vida ou de morte, que existem enquanto verdades
absolutas);
- Neopaganismo: visã o pagã da existência – a ú nica verdade
das coisas é a sensaçã o;
- Panteísmo sensual segundo o qual Deus nã o é um ser
pessoal distinto do mundo: Deus e o mundo seriam uma só
substancia;
- Revolução dos valores – amoralidade: a realidade nã o é
vista à luz das ideias de moral ou imoral;
- “Desculturalização”: o pensar nas coisas é nã o as
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compreender;
- Aceitação passiva de tudo: a vida humana deve ser
encarada como a vida dos outros seres que existem no
universo.
- Poesia deambulatória (passeios pelo campo);
- Considera-se “o único poeta da natureza”, “o argonauta
das sensações verdadeiras”;
- No entanto: contradiçõ es, cuja causa atribui à “doença” ou
à necessidade de “falar a linguagem dos homens” ou à
dificuldade de “aprender a desaprender” ou se ligam ao
sentimento amoroso.

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