Noto que o Senhor Relator defende o arquivamento do feito, essencialmente, com
fundamento no princípio constitucional da presunção da inocência. O argumento é respeitável. Ninguém há de ser condenado senão quando as provas sejam absolutamente convincentes. Entretanto, observo que a CPI não condena. Nem pode condenar. Dela ninguém sai condenado, assim como dela ninguém sai absolvido. CPI não julga. Tal poder ela não tem. CPI apura fatos e encaminha suas conclusões para quem de direito. Em se tratando de ilícito civil ou criminal, o destinatário do trabalho da CPI é o Ministério Público. Em se tratando de crime de responsabilidade, o destinatário é o plenário da Câmara de Vereadores. Em se tratando de ilícito administrativo, o destinatário é a Autoridade Administrativa competente para julgar. É isso que se extrai do disposto no §3 o do art. 58 da Constituição da República. É isso também que se extrai do §3o do art. 68 da Lei Orgânica do Município de Bom Despacho, e do art. 77 do Regimento Interno da Câmara Municipal. Com base nessas disposições legais e com fundamento no que foi apurado nos autos, concluo de forma diversa daquela manifestada pelo Senhor Relator. Ao contrário dele, entendo que há elementos suficientes que recomendam a aplicação de outro princípio que não o da dúvida que favorece o réu. Nessa fase o que cumpre proteger é o interesse da sociedade em detrimento dos indivíduos. Havendo indícios de crime – como há – até que sobrevenha a apuração final o que deve prevalecer é o princípio de que na dúvida preservam-se os interesses da sociedade e não dos indivíduos (in dubio, pro societates). Tal como o Senhor Relator, eu também entendo que os indícios e provas amealhados não são suficientes para condenar os investigados. Mas – como esclareci acima – condenar não é o objetivo de uma CPI. Ela não tem tal poder. O que compete à CPI decidir é se há ou não elementos suficientes que ensejem encaminhamento do relatório aos órgãos competentes, quais sejam, o Ministério Público, o Plenário da Câmara e a Autoridade Administrativa responsável pelos funcionários envolvidos. É nesse ponto que divirjo do Relator. Entendo que são veementes os indícios de ilícitos civis, penais e administrativos.
O comportamento reprochável do investigado Haroldo Queiroz
O investigado Haroldo de Souza Queiroz comportou-se de forma reprovável, mesquinha e covarde ao longo dos seis meses que durou a CPI. Não teve coragem e brio para discutir a legalidade da CPI perante o judiciário. Não teve coragem e brio para discutir a legitimidade da CPI perante o legislativo. Invés disso, agiu como agem os poltrões: durante seis meses se esquivou sistematicamente para não ser intimado das reuniões desta Comissão. Agindo dessa forma pusilânime ele fez com que os trabalhos de apuração se alongassem por seis meses e obtivessem resultados acanhados. Acanhados e frustrantes para o cidadão que queria ver os fatos emergirem com clareza. Isso, porém, não aconteceu. Esta é uma nódoa com a qual o prefeito e todos os membros desta CPI teremos que conviver. Em grande medida, esta CPI foi derrotada. Venceram os ardis do prefeito contra a falta de recurso, a inexperiência e a cega obediência à lei observada pelos membros desta Comissão. Fosse o prefeito Haroldo inocente, ele teria interesse em colaborar para tudo fosse esclarecido rapidamente. Não o fez. Fossem os direitos do prefeito Haroldo desrespeitados pela CPI, ele teria interesse em recorrer à Justiça para impor a Lei. Tampouco o fez. Se o prefeito Haroldo se reconhecesse culpado, poderia se abrigar atrás do silêncio que a Constituição lhe garante. Mas o prefeito não tomou nenhum desses caminhos lícitos e transparentes. Invés disso, preferiu fugir e esconder-se a cada vez que era procurado para receber intimação. Sob a ótica de quem teme a luz e se esconde da verdade, deu resultado: a CPI avançou claudicante e produz resultados capengas. O prefeito conseguiu ludibriar a CPI. O comportamento reprochável das testemunhas Também comportaram-se de forma reprochável as testemunhas. Por todas, registro o triste exemplo da Senhora Tereza Raquel de Carvalho Queiroz. Convidada a depor, não compareceu. Duas vezes intimada, não compareceu. Buscada para condução coercitiva, refugiou-se atrás de um atestado médico. Dessa forma, conseguiu atrasar a CPI durante meses. No final, não depôs. Nesse caso verifica-se com maior clareza o apego aos meios artificiosos para frustrar a CPI. É como um vício do qual a pessoa não consegue escapar, ainda que desnecessário. O art. 206 do Código de Processo Penal estabelece que todos são obrigados a depor. Porém, os filhos não são obrigados a depor contra os pais. Assim sendo, a Senhora Tereza Raquel tinha a obrigação de comparecer perante a CPI, mas não tinha a obrigação de depor contra seu pai. Tampouco contra si mesma – pelo princípio constitucional de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Entretanto, invés de se refugiar na lei, preferiu afrontar a CPI com artifícios indecorosos. Assim como o pai, ela também foi bem-sucedida em suas artimanhas para manietar a CPI. Indícios e provas constantes dos autos Falso testemunho e improbidade administrativa Verifico nos autos que as testemunhas Oranício Menezes e Alex Sander Ferreira mentiram com o propósito de ocultar pagamentos espúrios. Diz o depoente José Elias Botelho Neto que no período de maio a julho de 2009 ele foi formalmente afastado do seu cargo na prefeitura. Na prática, porém, continuou trabalhando e recebendo seu salário. Esclarece que isso foi feito mediante tramoia proposta pelo prefeito Haroldo Queiroz e implementada com a ajuda do funcionário Alex Sander Ferreira e do Secretário da Administração, Oranício Menezes. De fato, José Elias explica que Alex Sander Ferreira foi nomeado para receber um salário de R$ 1.700,00, cuja parte líquida deveria dividir na base de 50% com José Elias. O cálculo da parte líquida foi feito pelo Secretário de Administração, Oranício Menezes. (fls. 106-108). Em seu primeiro depoimento, Oranício Menezes negou ter feito tal cálculo ou mesmo ter conhecimento desse arranjo (fl. 110). Em segundo depoimento admitiu que fez os cálculos anotados no contracheque (fl. 290). Alegou, porém, que o objetivo era saber quanto sobraria do salário de Alex Sander para fins de empréstimo a “Fofão” (José Elias). Assim, quanto aos fatos não há mais dúvida. A dúvida que persiste é quanto à interpretação. Elias afirma que foi a partilha dos vencimentos, na forma determinada pelo prefeito Haroldo Queiroz. Já Oranício – no segundo depoimento – afirma que era para fins de empréstimo. Nesse sentido, os depoimentos (fls. 106-108, fl. 109-110; 126-127; 192-195; 196) deixam indícios suficientes da ocorrência de improbidade administrativa e falso testemunho. Por si só, tais indícios recomendam o encaminhamento dos autos ao Ministério Público para que – se assim entender cabível – prossiga na apuração dos ilícitos. Crime de concussão O depoimento do Senhor Ernane a respeito do pagamento de valores mensais à filha do Prefeito, Tereza Raquel é revelador. O vídeo apresentado, embora cheio de falhas, traz elementos importantes que são corroboradas pelos saques mensais efetuados por Ernane na Caixa Econômica Federal. Também laboram no mesmo sentido os depoimentos de Acir Parreiras que afirma que o prefeito emprestava dinheiro a Ernane; que em duas ocasiões o acompanhou à Caixa Econômica onde Ernane teria sacado um cheque de R$ 2.000,00 (abril/2009) e outro de R$ 1.500,00 (setembro/2009), ambos os cheques emitidos pelo prefeito a favor de Ernane (fl. 124). Nessa passagem, o depoimento de Acir Parreiras dá plausibilidade às alegações de Ernane de que este regularmente fazia saques para atender às necessidades do prefeito. Ademais, Acir Parreiras fabrica uma justificativa para explicar o dinheiro que Ernane repassou a Tereza Raquel. Se a tese do empréstimo pudesse prevalecer, então o dinheiro entregue por Ernane seria mera “devolução” de dinheiro emprestado. Essa é uma farsa engendrada por Acir Parreiras. Esse assunto merece aprofundamento. Principalmente porque tanto José Elias quanto Ernane afirmaram ter feito saques em dinheiro a favor do prefeito. Não apenas de sua própria conta, na Caixa Econômica Federal, mas também na conta de terceiros, especialmente do seu irmão Ronaldo Queiroz e de sua empresa. Saques de dinheiro A propósito de saques de cheques de terceiros ou próprios do prefeito, bem como do uso de cheques de empresas para pagar a compra de veículo da família, José Elias Botelho narrou algumas ocorrências com muita firmeza. Afirmou, por exemplo, que no período que trabalhou na prefeitura foi várias vezes ao banco depositar e sacar dinheiro, sendo aproximadamente 2 vezes por semana; Que o serviço bancário incluía saque em dinheiro; que pode informar que pelo Banco do Brasil sacou cheque no valor de R$ 4.990,00 que pegou o cheque com o irmão do prefeito, Ronaldo de Souza Queiroz; que alguns cheques já vinham endossados; que chegou a endossar cheques cujos valores eram em torno de R$ 5.000,00; que já fez pagamentos maiores que este valor, que em certa oportunidade fez pagamento de boleto no valor de R$ 47.000,00 aproximadamente em nome de Bruno Marques Pereira ou Ferreira a favor da Fiat automóveis; Que para pagar esta boleta pegou o cheque com o Sr. José Guilherme emitido pela empresa Cofermapa, sendo paga na Credibom da Avenida das Palmeiras. Porém, por falta de tempo e também por falta de poder, a CPI, não avançou nas investigações referentes a esses indícios de mau uso de dinheiro público e recebimento de propina na forma de pagamento de um carro adquirido para a família. Conclusão Se no julgamento a dúvida se resolve sempre a favor do réu, na investigação a dúvida se resolve sempre a favor da Sociedade e da Administração Pública. No presente caso, há dúvidas suficientes que recomendam o aprofundamento nas apurações. Quanto aos crimes de responsabilidade, por uma Comissão Processante a ser criada por determinação do Plenário. Quanto aos demais crimes, por ordem do Ministério Público, se assim entender cabível. Nos presentes autos há indícios convergentes que indicam a ocorrência dos seguintes fatos passíveis de capitulação como crime de concussão, improbidade administrativa condescendência criminosa e corrupção passiva, entre outros: 0) concussão, caracterizado pelo repasse de parte dos vencimentos de Ernane de Oliveira em benefício de Tereza Raquel, filha do prefeito. A exigência teria partido do prefeito, por intermédio de sua mulher e Secretária de Ação Social, Maria da Conceição Carvalho de Queiroz, com o conhecimento do Secretário da Administração, Oranício Menezes; 0) corrupção passiva, caracterizada pelo pagamento de um dos carros da família do prefeito Haroldo Queiroz, com cheque da empresa Cofermapa; 0) improbidade administrativa, caracterizada pela nomeação de Alex Sander Ferreira, condicionada à exigência de que entregasse metade dos seus vencimentos líquidos a José Elias Botelho. Esse crime teria sido cometido com o conhecimento do Secretário da Administração que cuidou de calcular quanto cabia a cada uma das partes beneficiadas. A impossibilidade de realizar outras averiguações Devido à exiguidade de tempo, falta de recursos da Câmara Municipal e principalmente pelo sistemático atraso proporcionado pelas fugas empreendidas pelo prefeito para não ser intimado dos atos da CPI, esta Comissão viu-se impossibilitada de apurar os demais fatos que a motivaram, em especial o desvio de recursos para a construção do prédio que o prefeito construiu em parte com recursos desviados da canalização do Córrego dos Machados. Assim, cumpre a essa Câmara ou continuar na investigação desses fatos, usando dos meios de que possa se valer, ou encaminhar aos órgãos competentes para se aprofundarem conforme acharem necessário. Voto Não podemos nos afastar do princípio da presunção da inocência. Não podemos nos afastar de nenhuma das garantias constitucionais que protegem a pessoa contra a ação indevida do Estado. Mas também não podemos abrir mão da proteção da Sociedade e do próprio Estado que só existe para defendê-la. No presente caso entendo que há indícios suficientes de diversos crimes cometidos pelo prefeito Haroldo de Souza Queiroz, sua mulher e Secretária Municipal de Ação Social e Comunitária, Maria da Conceição de Carvalho Queiroz, com a participação do Secretário da Administração, Oranício Menezes e do funcionário Alex Sander Ferreira. Assim, com o devido respeito pela proposta do relator que vota pelo arquivamento do feito, eu voto diferente. Proponho que o Plenário da Câmara determine: 0) o encaminhamento de uma cópia destes autos ao representante do Ministério Público para que tome as medidas que entender cabíveis no que concerne aos indícios dos crimes de improbidade administrativa, concussão e corrupção passiva perpetrados pelo prefeito Haroldo de Souza Queiroz, sua mulher e Secretária Municipal de Ação Social e Comunitária, Maria da Conceição de Carvalho Queiroz, Secretário da Administração, Oranício Menezes e funcionário Alex Sander Ferreira; 0) a constituição de uma comissão de investigação e processante, na forma dos artigos 281; 81, II; e 74, IV e seguintes, todos do Regimento Interno da Câmara Municipal, combinados com art. 4o do Decreto-Lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967. É como voto.