A INGLATERRA DO SÉCULO XIX: A MAIOR POTÊNCIA DO PLANETA
Professor André Arthur
No século XIX, o Reino Unido da Grã-Bretanha (Inglaterra, País de Gales e Escócia) e Irlanda tornou-se a maior potência do mundo do ponto de vista: • Econômico: A Inglaterra foi o país pioneiro na Revolução Industrial, graças a uma série de fatores como a “Lei dos Cercados” que concedeu terras a burguesia que por sua vez, produziu lã, desenvolvendo a indústria têxtil e revolucionando a agricultura. Os outros progressos e invenções técnicas e industriais (como o telégrafo, o motor de combustão e a metralhadora) coroaram de êxito a Inglaterra, que em 1850 já era o país mais rico do planeta e exportava seus produtos para todos os lugares. • Militar: No século XVIII e XIX o exército e especialmente a marinha inglesa tornaram-se os melhores do mundo. Porém, foi graças principalmente ao poder naval que a Inglaterra pode defender seu território de inimigos e dominar outros países, exigindo acordos comerciais favoráveis ou transformando-os em colônias na África e na Ásia, e, assim, tornando-se o maior império do mundo no século XIX até o começo do século XX. • Político: originalmente um país absolutista desde o século XVI, após uma crise protagonizada pelo conflito entre o Parlamento e o Rei, a Inglaterra tornou-se uma monarquia constitucional, o primeiro exemplar rudimentar de uma democracia, em que os poderes eram repartidos entre o Parlamento e o Rei, e várias liberdades e direitos foram garantidos a todos os súditos (como o habeas corpus, isto é, o direito de não ser preso arbitrariamente). O sistema político inglês rapidamente tornou-se um modelo que competiu com as monarquias absolutistas e foi copiado ou adaptado por diversos outros países, como os Estados Unidos e o próprio Brasil. Veja abaixo um esquema que explica sucintamente como funciona uma monarquia constitucional, tal aquela que existe na Inglaterra: Dentro de uma monarquia constitucional parlamentarista, os cidadãos elegem parte ou totalmente os membros do Parlamento (composto de duas assembleias: o Senado e Câmara dos Deputados), e, então, cabe ao Parlamento eleger quem será o Primeiro- Ministro ou Chefe de Governo, que irá montar um Gabinete e governar o país. O Parlamento também autoriza a coroação do Rei ou Rainha, que é o Chefe de Estado, e pode demitir o Primeiro-Ministro ou dissolver o próprio Parlamento e convocar novas eleições. Esse compartilhamento de poder foi chamado de “sistema de freios e contrapesos”, porque se fosse uma máquina, cada uma de suas engrenagens controlaria e frearia as outras engrenagens, permitindo o funcionamento da máquina como um todo. Esse sistema defende que só o poder controla o poder, e por isso, cada poder é autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros poderes, se equilibrando. Esse sistema existe até a atualidade na Inglaterra. No entanto, originalmente no século XVII apenas uma pequeníssima porção da população inglesa participava da política e tinha direito ao voto, de tal maneira, que nos seus primórdios, essa democracia rudimentar era extremamente restrita e segregada. Foi no final do século XIX que a democracia inglesa foi sendo aperfeiçoada cada vez mais, e permitiu a participação de camadas mais amplas de sua população por meio o direito ao voto. As duas principais modificações que aconteceram nessa época foram: 1. A emancipação católica: Desde o século XVI os católicos eram excluídos da vida política inglesa e não tinham vários direitos que eram reservados exclusivamente aos protestantes, por exemplo, não podiam ter armas de fogo, nem ocupar cargos públicos (portanto, não podiam eleger nenhum representante para o Parlamento e estavam excluídos totalmente da política) e durante muito tempo não podiam nem mesmo se casar com protestantes. Essas leis começaram a ser desmanteladas a partir do final do século XVIII, quando os católicos tiveram autorização de votar e finalmente, por meio da lei chamada de “Roman Catholic Relief Act 1829” (“Ato de Ajuda Católica de 1829”), foram autorizados a eleger membros católicos para o Parlamento. “Emancipação” significa o ato de tornar livre ou independente, e, nesse período, os católicos tornaram-se plenamente livres na Inglaterra. 2. O sufrágio universal: O sistema representativo é parte essencial da democracia indireta, trata-se da ideia de que os cidadãos elegem pessoas para representá-los de forma indireta nos assuntos políticos. A origem do sistema representativo está na criação do Parlamento na Idade Média. Em meados do século XI, o Rei convocava as pessoas mais importantes do Reino para consultá-los e receber conselhos sobre questões importantes em uma assembleia em que todos podiam falar, por isso essa reunião foi chamada de “Parlamento” do francês parlement – “falar” (nesse época o francês também era falado na Inglaterra). As áreas rurais e sob domínio da Igreja enviavam nobres e clérigos, que formaram posteriormente no século XIV a “Câmara Alta”, ou Senado, assembleia que até hoje na Inglaterra é ocupada por nobres e clérigos, enquanto nos outros países é ocupada por membros elegíveis. Já as cidades, que não eram comandadas nem por nobres e nem por clérigos, mas sim por grupos de burgueses e comerciantes, elegiam alguém para representá-los diante do rei, de maneira que apenas as pessoas de melhores condições sociais da cidade participavam da eleição. Essas pessoas “comuns” enviadas para auxiliar e aconselhar o Rei, formaram no século XIV a “Câmara dos Comuns” ou “Câmara dos Deputados”, que hoje é a principal assembleia do Parlamento, votando leis e fiscalizando o Governo. Como apenas as pessoas mais abastadas podiam votar, esse voto foi chamado de voto censitário ou sufrágio censitário (censitário vem de censo, que era uma pesquisa que determinava os bens de uma pessoa, e portanto, se tivesse bens suficientes, tinha direito a votar). Desde o século XV só podiam votar os homens cujas propriedades valessem no mínimo 40 xelins (era a “exigência da propriedade de 40 xelins” – “Forty-shilling freeholders”). Assim a grande maioria das pessoas não tinha direito ao voto, e o tamanho do eleitorado inglês em 1831 era de apenas 200.000 pessoas. Posteriormente o Parlamento aprovou o “Reform Act 1832” (“Ato de Reforma de 1832”), que foi uma reforma significativa naquela época, determinando que homens com propriedades que valessem dez libras, ou seja, 35 xelins, podiam votar. O “Reform Act 1832” aumentou o eleitorado, porém excluiu a classe trabalhadora e a maioria da classe média. No século XIX ascenderam dois Primeiros-Ministros que tentaram modificar as regras do voto censitário e aprovar o voto universal, pelo qual todos os homens, independentemente de suas propriedades e renda, poderiam votar. Foram eles William Gladstone (1809 —1898) e Benjamin Disraeli (1804 –1881). Enquanto foi Primeiro-Ministro, Gladstone desejou ampliar o direito de voto apresentando um projeto de lei no Parlamento em 1859, que não foi aprovado, assim, Gladstone se demitiu. Posteriormente, Disraeli apresentou outro projeto para novamente criar o sufrágio universal, que foi aprovado em 1867 (é o “Reform Act 1867” ou “Ato de Reforma de 1867”), entrando em vigor em partes até 1869. Durante esse período, todas as exigências financeiras para votar foram abolidas, e todos os chefes de família do sexo masculino foram emancipados e ganharam o direito de votar. Além disso, várias outras cidades e regiões da Inglaterra passaram a ter “cadeiras na Câmara”, ou seja, o direito de sua região ser representada na Câmara dos Comuns. Antes da lei, apenas 1 milhão dos 7 milhões de homens adultos na Inglaterra e no País de Gales podiam votar; a nova lei dobrou esse número e aumentou cada vez o eleitorado. Dessa forma, a democracia inglesa, originada na Revolução Gloriosa, foi consolidada no século XIX. A solidificação da democracia inglesa coincidiu com a expansão imperialista da Inglaterra no restante do globo e seu auge econômico e militar, foi o momento de maior riqueza, pujança e poder da Inglaterra de sua história. E tudo isso aconteceu durante o período do reinado da Rainha Vitória (1837-1901), que em sua honra é chamado de “era vitoriana”, expressão que tornou-se sinônimo do clímax e do apogeu do poder inglês no planeta.