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IOS EM
DIRE
ÇÃO À
VER
DADE
Pequenos Ensaios
em Direção à
Verdade

Aleister Crowley

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HOMEM

O que é o homem, para que tu estás atento nele?

Sendo o homem o assunto destes Ensaios, é apropriado explicar


primeiro o que será significado por esta palavra.

O homem é um microcosmo; isto é, uma imagem (concentrada ao


redor do ponto de consciência) do macrocosmo, ou Universo. Este
Teorema é garantido pela demonstração hilo-idealística da qual o Universo
perceptível é uma extensão, ou fantasma, do sistema nervoso.

Segue disto que todos os fenômenos, internos ou externos, podem ser


classificados para o propósito de discutir suas relações observadas, de
qualquer modo que nossa experiência demonstre ser a mais conveniente.
(Exemplos: as elaboradas classificações da ciência, química, física, etc, etc.
Não existe verdade essencial em qualquer desses ajudas ao pensamento: a
conveniência é a única medida). Agora, para o propósito de analisar a
natureza espiritual do homem, de registrar e medir as suas experiências
espirituais nesse gênero, de planejar seu progresso às alturas mais elevadas
da consecução, vários sistemas tem sido inventados. Aquele do
Abhidhamma é exteriormente e do mesmo modo tanto o mais prático
quanto mais científico, e mais real; mas para estudantes Europeus é
certamente de difícil manejo, para não citar outras linhas de crítica.
Por isso, a despeito do perigo da falta de precisão, envolvido no uso
de um sistema cujos termos são amplamente simbólicos, tenho, por muitas
razões, preferido apresentar ao mundo com uma base internacional de
classificação, o sistema clássico-matemático que é vulgarmente e
erroneamente (embora convenientemente) chamado de Cabala.

A Cabala, isto é, a Tradição Judaica concernente à interpretação


iniciada das Escrituras deles, é em grande parte ou ininteligível ou tolice.
Mas ela contém em seu plano horizontal a jóia mais preciosa do
pensamento humano, aquela disposição geométrica de nomes e números
que é chamada de Árvore da Vida. Eu a chamo de preciosa porque tenho
constatado que ela é o método mais conveniente até agora descoberto de se
classificar os fenômenos do Universo, de registrar as suas relações. A prova
disto consiste na assombrosa fertilidade de pensamento que sucedeu a
minha adoção desse esquema.

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4 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

Desde que todos os fenômenos de qualquer modo podem ser


referidos à Árvore da Vida (a qual pode ser multiplicada ou subdividida à
vontade, em consideração à conveniência), é evidentemente vão tentar
qualquer avaliação completa dela. As correspondências de cada unidade -
as Dez Sephiroth e os Vinte-e-Dois Caminhos - são infinitas. A arte de usá-
las consiste principalmente em referir todas as nossas idéias a ela,
descobrindo então a natureza comum de certas coisas e as diferenças
essenciais entre outras, de modo que, enfim, se obtem uma concepção
simples da incalculavelmente vasta complexidade do Universo.

O assunto todo deve ser estudado no Livro 777, e as atribuições


principais confiadas à memória; então, quando pelo uso constante o sistema
é afinal compreendido - ao contrário de ser meramente memorizado - o
estudante perceberá a pura luz adentrando-se nele em cada aspecto, na
medida em que ele continue a avaliar cada item do novo conhecimento que
ele obtém por essa Regra. Pois para ele o Universo então começará a
aparecer como um coerente e um necessário Todo.

Para o propósito do estudo destes Pequenos Ensaios, será suficiente


dar um simples esboço da Teoria Cósmica neles implicada: mas pode ser
somado que, quanto maior a compreensão da Árvore da Vida que o leitor
trouxer, tanto mais claro o pensamento aparece, e mais convincentes suas
conclusões.

A Constituição do Homem é quíntupla.


(1) Jechidah.
Este é o princípio quintessencional da Alma, o qual faz o homem ao
mesmo tempo idêntico a toda outra centelha de Divindade e diferente
(quanto ao seu ponto de vista, e ao Universo do qual ele é o centro) de
todas as outras. É um Ponto, possuindo apenas posição; e aquela posição só
é definível através de referência a eixos coordenados, a princípios
secundários, que só lhe pertencem pers accidens, e devem ser postulados à
medida que nossa concepção cresce.

(2) Chiah.

Este é o Impulso Criador ou Vontade de Jechidah, a energia a qual


demanda a formulação do eixo de coordenadas supracitado, para que
Jechidah possa obter auto-realização, uma compreensão formal daquilo que
é implícito a sua natureza, de suas qualidades possíveis.

(3) Neschamah.
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Esta é a faculdade de compreender a Palavra de Chiah. Ela é a


inteligência ou intuição do que Jechidah deseja descobrir sobre de si
próprio.

Estes três princípios constituem uma Trindade; eles são um, porque
eles representam o ser, e o aparato que fará possível a manifestação de um
Deus na humanidade. Mas eles são apenas, por assim dizer, a estrutura
matemática da natureza do homem. Pode-se compará-los com as leis da
física, como estas são antes de serem descobertas. Não existem, por
enquanto, quaisquer dados pelos quais uma examinação possa discernido-
los.

Um homem consciente, consequentemente, possivelmente não pode


saber coisa alguma desses três princípios, embora eles constituam a sua
essência. É a obra da Iniciação viajar interiormente em direção a eles. Ver,
no Juramento de um Probacionista da AA: "Eu me comprometo a descobrir
a natureza e poderes de meu próprio Ser."
Este princípio triuno sendo completamente espiritual, tudo que pode
ser dito sobre ele é realmente negativo. E ele é completo em si próprio.
Além dele desdobra-se o que é chamado O Abismo. Essa doutrina é
extremamente difícil de explicar; mas ela corresponde mais ou menos a
lacuna no pensamento entre o Real, o qual é ideal, e o Irreal, o qual é atual.
No Abismo todas as coisas existem, de fato, pelo menos em potencial; mas
são desprovidas de qualquer possível significado, pois falta-lhes o substrato
de Realidade espiritual. Elas são aparências sem Lei. Eles são, então,
Ilusões Insanas.

Agora, o Abismo sendo então o grande depósito de Fenômenos, é a


fonte de todas as impressões. E o Princípio Triuno projetou uma máquina
para investigar o Universo; e esta máquina é o quarto Princípio do Homem.

(4) Ruach.

Isto pode ser traduzido Mente, Espírito, ou Intelecto: nenhuma


dessas é satisfatória, a conotação variando com cada escritor. O Ruach é
um grupo estreitamente entrelaçado de Cinco princípios Morais e
Intelectuais, concentrados em seu âmago, Tiphareth, o Princípio de
Harmonia, a Consciência Humana e Vontade da qual as outras quatro
Sephiroth são (por assim dizer) as antenas. E estes cinco princípios
culminam em um sexto, Daath, Conhecimento. Mas este não é realmente
um princípio; contém em si próprio o germe de auto-contradição e assim de
auto-destruição. Ele é um falso princípio: pois, tão logo o Conhecimento é
analisado, ele se dissipa na poeira irracional do Abismo.
6 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

A aspiração do homem ao Conhecimento é, então, simplesmente


uma via falsa: é tecer amarras de areia.
Nós não podemos entrar aqui na doutrina da "Queda de Adão",
inventada para explicar em uma parábola como é que o Universo é tão
infelizmente constituído. Nós estamos interessados apenas com os fatos
observados.

Todas essas faculdades mentais e morais do Ruach, embora não


puramente espirituais como a Tríada Superna, ainda estão, como se fosse,
"no ar". Para serem úteis, elas necessitam uma base através da qual possam
receber impressões; tal como uma máquina necessita combustível e
alimento antes de poder manufaturar o artigo o qual ela foi concebida para
produzir.

(5) Nephesch.

Isto é usualmente traduzido "Alma Animal". Ela é o veículo do


Ruach, o instrumento pelo qual a Mente é conduzida ao contato com a
poeira de Matéria no Abismo, para que possa senti-la, julgá-la, e reagir a
ela. Este é, em si próprio, um princípio ainda espiritual, em um sentido; o
corpo atual do homem é composto da poeira de Matéria, temporariamente
unida pelos Princípios que a deram forma, para seus próprios propósitos, e
ultimamente para o supremo propósito de auto-realização de Jechidah.

Mas Nephesch, projetado como é sem outro motivo que o tráfico


direto com a Matéria, tende a compartilhar de sua incoerência. Suas
faculdades de perceber dor e prazer a seduzem a prestar excessiva atenção a
um jogo de fenômenos, e a evitar outros. Consequentemente, para que
Nephesch faça a sua função como deveria, ele requer que seja dominado
pela mais severa disciplina. O próprio Ruach não é para ser confiado neste
assunto. Ele tem suas próprias tendencias à fraqueza e injustiça. Ele tenta
todo truque - e é diabolicamente engenhoso - para organizar seu trabalho
com a Matéria no sentido mais conveniente à sua própria inércia, sem a
menor consideração pelo seu dever para com a Tríada Superna, desligado
como está de sua compreensão; de fato, confiando assim como
normalmente está de sua a existência.

O quê então determina Tiphareth, a Vontade Humana, a aspirar a


compreender Neschamah, submeter-se a sí própria a Vontade Divina de
Chiah?

Nada senão a realização, nascida mais cedo ou mais tarde de


agoniada experiência, que sua inteira relação através de Ruach e
Neschamah com a Matéria, i.e., com o Universo, é, e deve ser, apenas
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dolorosa. A insensatez do processo inteiro o adoece. Ele começa a procurar


por algum mênstruo no qual o Universo possa tornar-se inteligível, útil e
agradável. Em linguagem cabalística, ele aspira a Neschamah.

Isto é o que queremos dizer, que o Êxtase de Tristeza é o motivo da


Grande Obra.

Este "Êxtase de Tristeza" (que deve ser bem distiguido de qualquer


trivial desespero pessoal, de qualquer "convicção de pecado" ou outras
imitações da magia negra), sendo cósmico em escopo, compereendendo
todo fenômeno atual ou potencial, é então uma Abertura da Esfera de
Neschamah. A percepção do infortúnio de alguém é ela própria uma
indicação do remédio. Ela põe o buscador na via correta, e à medida que
ele desenvolve seu Neschamah ele conquista outras experiências deste
elevado ordem. Ele aprende o significado de sua própria Vontade
verdadeira, a pronunciar sua própria Palavra, a identificar ele próprio com
Chiah.
Finalmente, realizando Chiah como o aspecto dinâmico de Jechidah,
ele se torna aquele puro Ser, ao mesmo tempo universal e individual,
igualmente nada, Um, e Tudo.
É da essência das Idéias da Tríada Superna que as Leis da Razão as
quais se aplicam às funções intelectuais não são mais operativas.
Conseqüentemente, é impossível exprimir a natureza dessas Experiências
em uma linguagem racional. Além disto, o escopo delas é infinito em todas
direções; assim, poderia ser fútil tentar enumerá-las ou descrevê-las em
detalhe. Tudo que se pode fazer é observar os tipos mais comuns em
linguagem genérica, e indicar que experiência tem mostrado as mais
proveitosas principais linhas de pesquisa.

A Busca do Santo Graal, a Pesquisa pela Pedra Filosofal - por


qualquer nome pelo qual escolhemos chamar a Grande Obra - é portanto
infindável. Sucesso apenas abre novas avenidas de possibilidades
brilhantes. Sim, verdadeiramente, e Amém! A tarefa é infatigável e suas
alegrias sem limites; pois o Universo inteiro, e tudo que está nele, o que é
senão o infinito pátio de recreio da Criança Coroada e Conquistadora, do
insaciável, do inocente, do sempre-regozijante Herdeiro do Espaço e da
Eternidade, cujo nome é HOMEM?
MEMÓRIA

A Memória é a matéria prima da própria Consciência. Considere que


nós não podemos jamais saber o que está acontecendo, mas apenas o que
que acaba de acontecer; mesmo quando mais ativamente concentrado
naquilo que chamamos "o presente".

Além disso, nenhuma impressão abaixo de Sammasamadhi pode


jamais pretender conferir qualquer idéia coerente do Eu. Aquilo existe
apenas em uma classe de Consciência tão mais profundo quanto a
percepção direta; em um tipo de pensamento o qual é capaz de combinar a
quintessência de inúmeras impressões em uma, como também de
transformar esta tabula rasa em um positivo Ego preênsíl. Quer este
processo seja alucinatório ou não, é seguramente a memória que, mais que
qualquer outra função da mente, determina suas possibilidades.
Agora, qualquer que seja o aspecto que podemos tomar da natureza
do Eu, está claro que o nosso limite de erro constantemente diminuirá à
medida que a extensão de nossas observações é aumentada. Calcular a
órbita de Netuno a partir de um período de dias quando ele é retrógrado
poderia levar-nos a formidáveis falácias. Quando a memória está
seriamente enfraquecida, o estado resultante se aproxima a demência. A
memória é então, numa imagem, a argamassa da arquitetura da mente.

Parece impossível sequer começar a discutir sua natureza tal como


esta é em si própria; pois ela não é uma Coisa no todo, mas apenas uma
relação entre impressões. Nós devemos nos contentar em observar suas
virtudes.

Primeiro, antes de tudo, está aquela já mencionada, sua extensão no


tempo. Segundo, a faculdade de seleção.

Seria tão indesejável quanto impossível à memória retiver todas as


impressões indiscriminadamente. Tais memórias são encontradas apenas
em hospícios. A memória, qualquer que ela seja, depende do metabolismo
cerebral; e ela prospera em uma harmonia apropriada de exercício, repouso,
e economia; assim como ocorre com a força muscular.

A memória como tal, é praticamente imprestável; é como uma


biblioteca abandonada. Seus dados devem ser coordenados por julgamento,

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e trabalhados com habilidade; ela se assemelha a um grande Órgão que


requer um organista.
Pela classificação de simples impressões obtém-se idéias de mais alta
ordem; a repetição deste processo dá uma estrutura à mente a qual se torna
um digno instrumento do pensamento. E este meio nos capacita a reter, e a
trazer à vontade de seu quieto lugar de descanso, um número de fatos mil
vezes maior os quais subjugariam a memória não treinada. Deve-se moldar
a própria mente de acordo com o arranjo das extremidades das fibras
nervosas e do cérebro.

À Vontade! Aqui está a grande chave da correta seleção, que se deve


resolutamente recordar todos os fatos que possam ser úteis, e com igual
resolução esquecer todos aqueles impertinentes, para o Verdadeiro
Caminho de sua Estrela no Espaço. Pois apenas assim se pode economizar
a faculdade mnemônica; e isto é dizer: nenhum homem pode começar a
treinar sua memória até que ele esteja cônscio de sua Vontade Verdadeira.
Existe então - como em todos os assuntos pertinentes ao intelecto -
um círculo vicioso: pois só se pode se tornar cônscio da própria Vontade
Verdadeira pelo julgamento (da intensidade do Samadhi) de todos os fatos
que se possa assimilar. A resolução da antinomia é encontrada ambulando;
isto é, através do treinamento seletivo indicado acima.

Uma complicação adicional de toda esta questão aparece durante a


prática de Yoga, quando, sendo os revestimentos sucessivamente tirados da
mente, se começa a recordar não apenas de fatos há muito esquecidos, mas
também de assuntos os quais não se referem em absoluto ao Ego
encarnado. A memória se estende no tempo até a infância, à morte prévia, e
mais além a uma série ilimitada de experiências cujo escopo depende do
seu grau de progresso. Mas, em paralelalo a esta intensificação da idéia do
Ego, sua expansão através dos Aeons, ergue-se (consequência do
enfraquecimento do Ahamkara, a faculdade de fazer-do-Ego) uma
tendência a lembrar coisas as quais têm acontecido não "com si mesmo",
mas a "outras pessoas", ou seres.

Nisso está um dos mais irritantes obstáculos no Caminho dos Sábios;


pois o desenvolvimento normal da memória no Tempo conduz a uma
melhor compreensão da Vontade Verdadeira do indivíduo (tal como ele se
concebe), de forma que ele percebe um universo teleologicamente mais
racional à medida que ele progride. Ser compelido a assimilar as
experiências de supostos "seres alienígenas" é tornar-se confuso: a velha
mixórdia de Choronzon (Restrição seja para ele, em nome de BABALON!)
10 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

boceja uma vez mais para o Adepto, ele próprio, possivelmente, já um


suposto (em um sentido) Homem livre da Cidade das Pirâmides.
Mas é justamente esta experiência - a revelia de qualquer outra - a
qual eventualmente insiste em sua tentativa de cruzar o Abismo: pois a
alternativa à absoluta insanidade é encontrada como sendo o descobrir de
uma compreensiva Fórmula Geral da Experiência Universal sem referência
ao Ego (real ou suposto) em qualquer sentido.

Este paradoxo, como todos os outros, deveria ser uma lição de


supremo valor: esta, que toda dificuldade é para vantagem nossa; que todo
problema nos é proposto apenas a fim de nos levar a uma resposta
envolvendo um triunfo infinitamente mais glorioso do que poderíamos de
outra forma ter conquistado.

E é improvável que a meditação sobre todo este assunto não poderá


nos conduzir a mais esta visão de Maravilha: que a própria natureza das
coisas é, na realidade, apenas uma função da Memória.
TRISTEZA

A Aspiração de se tornar um Mestre está enraizada no Êxtase de


Tristeza.

Este êxtase não é simples e definido; de fato, ele geralmente começa


em uma limitada forma egoísta.

A imaginação não pode penetrar além das condições terrenas, ou a


compreensão de si próprio perceber mais que a consciência natural.

A princípio não se pensa mais que isto: "não existe nada possível que
seja suficientemente bom para mim". Apenas à medida que se cresce
através de Iniciação é que se aproxima da assíntota "sabbé pi Dukkham" do
Buda, quando as relações entre sujeito e predicado, ambos expandidos ao
infinito, são vistas como estando não menos que no âmago da Grande
Maldição tanto quanto estavam os seus primeiros avatares, o Ego inferior e
o Universo perceptível.

Assim também para a transcendência deste Êxtase de Tristeza. A


princípio, a vitória freqüentemente vem através de um truque da mente:
estendendo o sujeito ou o objeto, conforme possa ser o caso, num esforço
por escapar à realidade, parecerá por um momento que a Equação "Tudo é
Tristeza” foi derrotada; mas as nuvens se reunem à medida que a mente
recobra seu equilíbrio. Então, inventa-se algum "Céu", definindo-o
arbitrariamente como livre de triteza: apenas para encontar, em uma
examinação exata, que suas condições são as mesmas que aquelas da
"Terra".

Nem existe qualquer descarga racional deste inferno de pensamento.


A transcendência do Êxtase de Tristeza é para ser feita através de outros
êxtases, como a Suprema Visão Beatífica, o Êxtase de Maravilha, e outros,
mesmo o Êxtase chamado o Gracejo Universal, posto que este último é
estranhamente semelhante àquele!

Existe mais essa consideração: que qualquer objeto de contemplação


solicita apenas de que a mente deva se fixar sobre ele, num grau muito
inferior àquele de verdadeira concentração tal como garante Samadhi, para
se tornar evidentemente uma ilusão.

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12 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

Muito para um breve sumário dos aspectos técnicos do assunto. Mas


tudo isto está, de fato, afastado da simplicidade da afirmação do Livro da
Lei:

"Lembrai-vos todos vós de que existência é pura alegria; de que


todos as tristezas são apenas como sobras: eles passam e estão acabados;
mas existe aquela que permanece."

Sobre que depende esta percepção, que assim varre, com o fogo do
desdém, as formidáveis fileiras de todo sério pensamento filosófico? A
solução deve estar na metafísica de Thelema mesma.

É aqui que nós encontramos o que, aparentemente, é um paradoxo


dos mais desconcertantes. Pois o Livro da Lei, antecipando as mais sutis
das recentes concepções matemáticas, aquelas do maior gênio desta
geração, faz a unidade da existência consistir em um Evento, em Ato de
Núpcias entre Nuit e Hadit, isto é, em satisfação de um certo Ponto-de-
Vista. E não é a procissão dos acontecimentos a condição mesma da Dor,
como oposta à perfeição de "Pura Existência"? Isto é a velha filosofia, um
emaranhado de palavras falsas; nós vemos com mais clareza. Assim:
Cada Evento é um Ato de Amor, e portanto gera Alegria; toda
existência é composta somente de Eventos. Mas então, como ocorre que
possa existir sequer uma ilusão de Dor?

Bastante simplesmente: se assumimos uma Perspectiva parcial e


imperfeita. Por exemplo: no corpo humano, cada célula pode estar perfeita,
e o homem em bom estado de saúde; mas se contemplarmos quase que
qualquer porção separada da máquina que o compõe, aparecerão diversas
putrefações, e coisas semelhantes, que poderiam ser encaradas como
implicando os mais trágicos Eventos. E tal seria inevitavelmente o caso, se
nós não tivéssemos nunca diversos processos da natureza que se combinam
para compor a vida.

Além disto, para a consciência normal ou dualística, são


precisamente as sobras "que passam e estão acabadas que constituem o
perceptível; o que o homem "vê" é de fato justamente aquilo que obstrui os
raios de luz. Esta é a justificativa do Buda dizer: "Tudo é Dor"; naquela
palavra "Tudo" ele teve o máximo cuidado de incluir todas essas coisas que
os homens consideram agradáveis. E isto não é realmente um paradoxo;
pois para o Buda, todas as reações que produzem consciência eram
ultimamente dolosas, sendo perturbações da Perfeição de Paz, ou (se
preferirdes) obstruções ao livre fluir de Energia.
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Alegria e Dor eram assim, para ele, termos relativos; subdivisões de


uma grande dor, que é a manifestação. Nós não necessitamos nos preocupar
em contestar esta perspectiva; de fato, as "Sombras" de que fala nosso
Livro são aquelas interferências com a Luz causadas pela parcialidade de
nossas percepções.
O Todo é Perfeição Infinita, e assim é cada Unidade dele. Para
transcender o Êxtase de Tristeza é, pois, suficiente que anulemos o assunto
de nossa contemplação, casando-o em nossa imaginação o seu igual e
oposto. Podemos também utilizar o método analítico, e dissolver em seus
átomos o complexo que parece Dor. Cada átomo evento desse complexo; e
um sublime e alegre ato de Amor. Ou podemos utilizar o método sintético,
procedendo da parte para o Todo, com um resultado análogo.

E qualquer dos movimentos da mente é (se formos entusiastas e


assíduos) capaz de transformar o Êxtase de Tristeza mesmo naquele êxtase
cognado que é atribuído à Compreensão, o êxtase Maravilha.
MARAVILHA

"Um pouco mais que parecidos, e menos que o mesmo," são o Êxtase
de Tristeza e a Visão do Maquinismo do Universo; esta Visão é o aspecto
técnico da Percepção da Lei de Mudança, a qual é um êxtase também, da
mesma ordem que aquele de Dor.

Agora, uma maneira de vitória sobre todos esses é o êxtase de


Indiferença, no qual nos mantemos desapegados do assunto inteiro; mas ele
é apenas uma maneira, e (numa forma geralmente conhecida) cheio de
falsidade e imperfeição. Pois permanecermos alheios é afirmarmos
dualidade, a qual em si é raiz de Dor. Para obter o mais alto nós devemos
nos unir a todas as coisas, partilhar de todas como de um vero Sacramento.
E isto leva ao êxtase de Maravilha.

Está escrito: "O espanto ante o Senhor é o Começo da Sabedoria. "


Aí, o Predicado se refere à Abertura do Grau de Magus; mas o Sujeito,
devidamente traduzido, significa: "O Espanto diante de Tetragrammaton", e
portanto se refere ao êxtase de Maravilha. Pois nele nós estamos
completamente identificados com o Universo em seu aspecto dinâmico; e o
primeiro resultado da compreensão deste é esse Espanto diante da justeza e
necessidade do mecanismo inteiro. Pois, dada a fórmula de Manifestação (a
necessidade de conceber e perceber Perfeição através do simbolismo de
Imperfeição), o processo de ideação, em si, se torna apodeítico. (Eu escrevo
isto como para a menos instruída das Criancinhas da Luz).

O êxtase de Maravilha segue naturalmente é o primeiro movimento


da mente do cumprimento da frase final do Juramento de um Mestre do
Templo: "Eu interpretei todo fenômeno como um trato particular entre
Deus e minha alma." Pois, imediatamente a Compreensão ilumine a
escuridão do conhecimento, todo fato aparece em seu verdadeiro aspecto,
miraculoso.
É assim, então como é maravilhoso que deva ser assim!

Em todos os Trances de importância, e mais especialmente neste, o


Postulante deveria ter adquirido o máximo possível de conhecimento e
Compreensão do Universo, propriamente assim chamado. Sua Mente
racional deveria ter sido completamente treinada em percepção intelectual:
isto é, ele deve estar familiarizado com toda Ciência. Isto é evidentemente

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impossível, mas ele deveria aspirar à máxima aproximação do perfeito


adaptado neste assunto. O método mais prático consiste em fazermos um
estudo particular de algum ramo de Ciência, e um estudo geral de
epistemologia. Então, através de analogia, fortificada por contemplação,
uma certa percepção íntima da Unidade da Natureza cresce em nossa
mente; uma percepção que não será demasiado presunçosa e enganadora.

Mas nosso trabalho exige mais que isto. O Neschamah, ou Mente


Intuitiva, deve também ser fornecido com Conhecimento e Compreensão
daqueles Planos da Natureza que são inacessíveis aos sensos físicos. Isto é,
o Postulante deve Praticar nossos Métodos de Visão com infatigável ardor.

Agora, em tudo isto a verdadeira unidora e transcendental Ciência é a


da Matemática para o Ruach, e sua coroa a Santa Cabala para o
Neschamah. Através disto, o Trabalho não é, como à primeira vista
pareceria, ampliado além da capacidade humana. Há um definido ponto
crítico, comparável àquele familiar aos Adeptos de Asana e Dharana, após
o qual os termos da Equação (como os termos posteriores de uma Expansão
Binomial) se repetem, se bem que de outra forma, de maneira que a
meditação se torna progressivamente mais fácil. O Postulante, por assim
dizermos, se percebe em casa. Conhecimento adicionado não mais é uma
carga para a mente dele. Ele é capaz de repelir como complicações os
fenômenos grosseiros que se apresentam, e de perceber a essência deles em
simplicidade. Ele, de fato, conseguiu desenvolver uma função mais elevada
da mente. O processo é semelhante àquele que ocorre no estudo ordinário
de uma ciência, quando nós, percebendo a presença de uma lei genérica sob
uma diversidade de experiências, nos tornamos capazes não só de assimilar
com facilidade novos fatos que se apresentam, mas de predizer outros
totalmente desconhecidos. Podemos das como exemplos a descoberta de
Netuno, baseada em considerações matemáticas sem pesquisa ótica, e a
descrição de elementos desconhecidos através da contemplação da Lei de
Periodicidade.

Seja sabido que cada um de tais passos em Meditação é, em si, uma


Energia motora capaz de induzir o êxtase de Maravilha; e este êxtase
(como todos os outros) aumenta e sublimidade e esplendor com a
quantidade e qualidade do material que é fornecido à mente pelo Adepto.

Aqueles, portanto, que afetam desprezar a Ciência "profana" são eles


mesmos desprezíveis. É a incapacidade deles para verdadeiro Pensamento
sério de qualquer tipo, a vaidade e presenção deles não, mais ainda! seu
subconsciente sendo de sua própria vergonha e preguiça que os induz a
construírem estas frágeis fortificações de pretensiosa ignorância.
16 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

Não existe nada no Universo que não seja de supremo significado;


nada que não possa ser usado como a pedra fundamental mesma da
Abóbada de Arco-Íris do êxtase de Maravilha.

É necessário acrescentarmos apenas uma breve palavra a este ensaio


elementar: esse êxtase é, por sua natureza, mais que apenas passivo e
intuitivo. Sua ocorrência inunda a alma de Energia Criadora; ele enche o
Adepto de poder, e excita nele a Vontade de trabalhar. Exalta-o ao Mundo
Atzilúthico em sua Essência, e em sua parte manifestada, exalta-o ao
Briático. Em um senso especial, portanto, podemos dizer que o Postulante é
muito intimamente unido ao Supremo Senhor Deus Altíssimo, o
Verdadeiro e Vivo Criador de Todas as Coisas, quando quer que ele
consiga penetrar este Majestosíssimo Portal do êxtase de Maravilha.
BEATITUDE

Há duas formas bem diversas da Visão Beatífica. A mais elevada


pertence a Kether, e assim é própria apenas ao Ipsissimus, se bem que pode
ser desfrutada esporadicamente (e por assim dizermos, acidentalmente) por
aqueles de graus mais baixos.

É de ocorrência extremamente rara, e de fato nunca foi ainda descrita


e qualquer detalhe; pode até ser dito que é duvidoso se qualquer relato de
sua verdadeira forma já foi dado ao mundo. Necessitamos apenas dizer
aqui que sua fórmula é "Amor é a lei, amor sob vontade," e que sua
natureza é o Perpétuo Sacramento de Energia em ação. Depende de perfeita
mestria dos Mistérios de Dor e de Mudança, e completa identificação com
aquele de Individualidade.

Portanto, ocupemo-nos com a forma mais baixa dessa Visão (assim


chamada, tecnicamente, não é de forma alguma uma Visão), que pertence a
Tífare, e é portanto a graça natural do Adepto Menor. Pode ser dito
imediatamente que aqueles que atingiram a graus mais altos, especialmente
os acima do Abismo, dificilmente podem retornar a esta Visão. Pois ela
implica uma certa inocência, um certo defeito de Compreensão que não é
possível a um Mestre o Templo. Também, os Graus de Adepto Exemplo e
Adepto Maior são demasiados dinâmicos para permitirem a equilibrada
quietude deste estado.

Somente no centro da Árvore da Vida, somente da auto-apoiada


segurança do Eixo Solar, podemos esperar encontrar a tranqüila indiferença
a Acontecimentos que é a base do Trance, e aquela Radiância ontegenética
que o tinge de Rosa e Ouro.
Este êxtase difere notavelmente da maioria dos outros, de uma
maneira que suas condições, descritas acima, nos levariam a esperar. Ele é,
psicologicamente, um estado antes que um Ato ou um Acontecimento. É
verdade que todos os Trances de intensidade asmática estão, em um senso,
fora da dimensão de Tempo; mas pode ser dito que em sua maioria eles são
marcados por fases bem definidas, de caráter crítico. Isto é, a entrada em
cada um deles é semi-espasmídica.

Com a Visão Beatífica, no entanto, isto não ocorre.

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18 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

O êxtase pode ser contínuo, durando a semanas ou meses; e o mais


ardente devoto de Tahuti, pesquisando seu Relatório Mágico com a mais
conscienciosa agudeza, se perceberá incapacitado para indicar quando foi
que a Visão começou. De fato, pode ser sugerido que a Visão não surge de
qualquer ato específico, mas de uma sutil suspensão de ação. O conflito de
eventos terminou felizmente em um estado de equilíbrio serenamente
perfeito, no qual, se bem que energia continua a se manifestar, sua
conseqüências se tornaram sem importância. Nós podemos comparar essa
condição com o retorno à saúde de um homem tomado de febre. A
alteração de pirexia e temperaturas sub-normais cedeu; ele se esquece
gradualmente de consultar o termômetro nas horas costumeiras,
absorvendo-se instintivamente em suas ocupações regulares. Ao mesmo
tempo, ele não está mais cônscio dos acessos de calor e frio, mas está semi-
cônscio do quieto rubor da saúde. Semelhantemente, nesta Visão todo
esforço mágico consciente cessa (se bem que as práticas sejam continuadas
com toda diligência costumeira) e o todo das impressões do Adepto, tanto
as internas quanto as externas, é infundido com luminosidade de beleza e
deleite. O estado é em muitos pontos, estreitamente semelhante àquele que
busca o fumador de ópio; mas é natural, e não requer estímulo artificial.

Tornar-se-á claro do que já foi dito que nada poderia ser mais
absurdo do que tentar dar instruções para a consecução deste estado.

Aspirar a ele (pior, buscar recapturá-lo uma vez tenha passado) deve
parecer o cúmulo da má lógica. Nem, deleitoso e abençoado como é,
podemos dizer que ele seja exatamente desejável.

Não necessitamos assumir que é deletério, que esgota bom Karma,


ou que é perda de tempo e enfraquece a aspiração. Deve ser aceitado,
quando ocorre, com calma indiferença, desfrutado por completo, e
abandonado sem pesar. Sua ocorrência é, em qualquer caso, clara evidência
de que o Adepto atingiu um estado bastante definido e exaltado de ser, já
que ele pode viver durante tantas horas em ser perturbado pela incidência
de qualquer força motiva. Indica um definido grau de consecução de
controle, interno externo. Prova a possibilidade de perfeito repouso em
meio à máxima atividade, e assim indica a solução do ultimal problema da
filosofia: o proêmio à conquista das Três Características. Deveria encorajar
o Adepto em sua Aspiração, animando-o a confrontar o terrível postulado
do Abismo. Deveria servir-lhe de recreio e nutrição; deveria convencê-lo
da possibilidade de perfeição na Obra Maior, demonstrando sua existência
como uma Coroa da Menor.
HADNU.ORG 19

Além disto, o gozo de Deleite, e a percepção de Beleza em todas as


coisas, mesmo nesse plano onde a análise não se tornou aguda, realmente
fortificam o coração e ativam a imaginação.

Portanto, que o Postulante da Rosa Cruz prossiga seu Caminho com


força tranqüila, sabendo que no momento propício ele poderá receber, sem
pedir, a recompensa, e gozar a revificante inundação de doce Luz, que foi
chamada pelos Adeptos de Visão Beatífica.
RISO

O defeito comum a todos os sistemas de misticismo prévios ao Aeon


cuja Lei é Thelema é que não havia neles lugar para o Riso. Mas a tristeza
da Mãe enlutada e a melancolia do Homem moribundo são varridas ao
limbo do passado pelo confiante sorriso da Criança imortal.

E não há Visão mais crítica na carreira do Adepto de Hórus que a


Pilhéria Universal.

Neste êxtase ele aceita por completo a Fórmula de Osíris, e no ato de


aceitá-lo ele a transcende; a lança do Centurião atravessa seu coração sem
feri-lo, e a espada do Verdugo se abate inutilmente sobre o seu pescoço.
Ele descobre que a Tragédia da qual tantos séculos fizeram tanto caso é
apenas uma farsa para divertir crianças. Polichinelo é jogado ao chão
apenas para se levantar rindo e gritando "Upa-upa-upa, lá vou eu de novo!"
Colombina, Pierrô, o Carrasco e o Diabo são meramente os seus
companheiros de brinquedo.
Portanto, já que (afinal de contas) os fatos que ele julgara trágicos
são bastante reais, a essência da solução consiste em que ele não são
verdadeiros, tal como ele pensara, de mesmo; mas são apenas um grupo de
fenômenos, tão interessantes e tão comicamente impotentes para afetá-lo
quanto qualquer outro grupo. Sua tristeza pessoal foi devida à sua teimosia
em considerar uma insignificante seqüência de Acontecimentos como se
fosse a única realidade e o significado da infinita massa de Manifestação.

É assim que a Percepção da Pilhéria Universal leva diretamente à


Compreensão de Nós Mesmos como términos com o Universo,
simultaneamente um com ele, criador dele, e a parte dele; um Estado
Triuno que, como é bem sabido, é um dos mais necessários estágios de
Samadhi. (Forma o clímax de um dos dois mais importantes capítulos do
Bhagavadhgita).

Há ainda outro mérito neste assunto: Na idéia de Riso está inerente


aquela de Crueldade, como já foi demonstrado por muitos filósofos; e sem
dúvida é este foi o motivo por que o Riso foi excluído, pela Escola Mística
dos Narizes-Compridos, do seu tedioso currículo. A única resposta consiste
em encolhermos os ombros, todos os tímidos barcos deles foram a pique,
um atrás do outro. A Natureza está cheia de crueldade; seus mais altos

20
HADNU.ORG 21

pontos de alegria e vitória estão marcados por riso. É uma legítima


explosão fisiológica de uma tensão, seguida por relaxamento, que produz o
riso. É notável que drogas tais como Cannabis Indica e Anhalounium
Lewinii (as quais realmente "aliviam as vigas pelas quais a alma respira")
causo riso imediato como um dos seus efeitos mais característicos.
Ó que grande, que saudável desprezo pelo senso limitado de si
mesmo irrompe da percepção de desproporção gargantuesca expressada
nesse Riso! Em verdade ele mata, com festim canibalístico, aquele azedo e
enlutado missionário, o Ego sisudo, e o atira para dentro do pote. Hê-hê! a
Voz da Civilização -- o Mensageiro do Deus do Cara-Pálida -- burburinho,
burburinho, borbulha o panelão! Atire dentro outra pitada de cheiro verde,
irmão! E a doce fumaça sobe o vela, com maravilhosa, dengosa sedução, os
desavergonhados corpos das Estrelas!

Acima disso tudo em valor prático desde que o sinal rodoviário a


cada curva do Caminho dos Sábios lê PERIGO no entanto surgindo disso
tudo por virtude dessa execução do Ego mesma, está o emprego do Riso
como garantia de nossa sanidade. Como é fácil para os charlatões da
oratória seduzir o simples entusiasmo da alma! Que auxílio teremos nós, a
não ser que possamos perceber o quanto eles são ridículos? Não há limite
ao abismo de Idiotice em que os falso sábios nos quereriam lançar nosso
único reflexo salvador é a pilhéria automática do Senso de Humor!

Robert Browning não estava longe do Reino de Deus quando


Escreveu:
"Regozijai-vos de que o homem é atirado

De mudança a mudança incessantemente,


As asas de sua alma sempre abertas!"

E há, afinal de contas, muito pouco sal no desdém de Juvenal: "Satur


est cum dicit Horatius 'Evohe!'" Pois ainda está para ser notado que
qualquer homem consolou ou auxiliou seu próximo de choramingagem e
suspiros.

Não, a Pilhéria Universal, se bem que não seja um verdadeiro


Trance, é seguramente um meio de Graça, e com freqüência se prova o
principal ingrediente do Solvente Universal.

De volta a Browning, então, às corajosos últimas palavras que ele


escreveu enquanto oitenta pancadas batiam no relógio dos seus anos:

"Saúda o invisível com um brado!


22 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

Convida-o a aparecer, a se mostrar franco.

'Avante e bate-te!' --grita-lhe. Vamos, luta sempre,


"Em qualquer parte!"

Amém.

"Fosse o mundo compreendido,


Bom seria percebido,
Uma linda dança lírica!"

Sim! terminemos com aquela súbita, mui surpreendente Palavra de


certo Anjo da Visão e da Voz, que deixou o Vidente imerso em seu êxtase
solene e foi-se com a risonha alegre frase: "Mas eu--vou dançando!"

As Tábuas da Lei? Bah! Solvuntur tabulae--risu!


INDIFERENÇA

O estado mental caracterizado por Indiferença é comumente


chamado de Trance; mas esta apelação é infortunada. De fato, em certo
senso esse estado é precisamente o contrário de um Trance; pois êxtase
usualmente implica Samadhi, e esse estado especificamente exclui qualquer
tal ocorrência. Samadhi implica numa unificação, enquanto esse estado é
uma voluntária dissociação. No entanto, não há nada nele que sugira
necessariamente qualquer prática. dos Irmãos Negros; pois não é,
propriamente falando, uma Consecução; é antes uma atitude convincente. E
é uma atitude da maior importância e utilidade prática. Nós não podemos
permanecer indefinidamente em qualquer Samadhi; ao mesmo tempo, é
bom que enchamos os intervalos entre nossos Samadhis de trabalho
positivo, de forma a ficarmos tão livres quanto possível para darmos o
passo seguinte. Devemos, portanto, cultivar uma atitude mental que não
esteja restringida por qualquer forma de desejo. O Estado de Indiferença é,
assim, uma forma daquele Silêncio que é defesa e proteção; e está
relacionado com a Terceira Nobre Verdade do Budismo, a Cessação da
Dor.
A idéia geral desse estado é que a mente deveria reagir
automaticamente a toda e cada impressão: "Não importa se o Evento é sim
ou não". Blavatsky comenta que a sensação é levemente tinta de desgosto.
Mas isto é um erro; um tal estado é imperfeito. Deveria, pelo contrário,
haver uma alegria bem definida; não alegria na impressão mesma, mas
alegria em nossa indiferença para ela. Esta alegria surge, sem dúvida, do
senso de poderio envolvido; mas isto, novamente, é uma imperfeição; nós
deveríamos antes nos alegrarmos de que reconhecemos a verdade ultimal
que "existência é pura alegria"; e não de algum sentimento mais imediato
que este.

Deve ser comentado que a consecução e a manutenção deste estado


depende em grande parte da mestria de diversos Trances. Por exemplo: nós
devemos ter nos convencido da Primeira Nobre Verdade através do Êxtase
de Tristeza, ou não seria lógico sermos indiferentes a todas as coisas;
poderia haver, na ciência daquela percepção de "sabbé pi Dukkham",
alguma impressão que naturalmente levasse a algum estado livre de Dor; e
tal não é o caso. Liberdade de Dor depende de Liberdade de qualquer
impressão.

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24 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

No entanto, não seria justo dizermos que este Estado de Indiferença


se assemelha àquele Embotamento que segue o agudo espasmo de
Sofrimento; não é a anestesia de um nervo exaurido por excesso de dor.
Não há nunca espaço no currículo de Magista para passividade --
naturalmente, excetuamos aqui o que podemos chamar de Passividade
Ativa ou Voluntária, descrita em Liber LXV. Indiferença deve ser uma
condição intensamente ativa. Podemos compará-la à facilidade de um
esgrimista perito, que apara a desvia todo possível ataque do seu
antagonista com igual vigor, inconsciente de seus atos, porque treinou se
olho, seu pulso, e mesmo sua lâmina para que reajam por si mesmos.
Assim, Indiferença é a forma espiritual da Consciência Automática do
Adepto; e isto reside em Yesod, o lugar da Fortaleza na Fronteira do
Abismo, tal como está descrito em Liber 418, no Undécimo Aethyr.

Esta indiferença sendo um hábito da Mente Norma, é mais fácil de


atingir que qualquer verdadeiro Estado Samádico, e exige menos
habilidade técnica. Este é particularmente o caso porque, como foi notado
acima, o Êxtase de Tristeza foi um preliminar quase necessário à devida
compreensão daquilo que esta Indiferença implica. O método, portanto, de
adquirir (este verbo deve ser preferido a 'atingir') Indiferença é simples; é,
com efeito, o Caminho do Tao.

As seguintes Sortes podem se provar úteis ao Aspirante:

A Existência só pode ser compreendida como sendo um Contínuo.


Todas as partes da Existência são portanto ultimalmente
equivalentes, cada uma sendo igualmente necessária para completar o todo.

Cada evento deve assim ser recebido com igual honra, e reação a ele
executada com igual indiferença.

Para oferecermos um paralelo prático: Suponhamos que vamos


receber mil libras, e que esta quantia será paga em diversas moedas, com
certificados de pagamento para diversas somas. Desde que saibamos de
antemão que o balanço em nosso favor e 1000 Libras, nós não nos
excitamos com a chegada de qualquer item particular; mas persistimos em
contá-los tranqüilamente, reagindo corretamente, quer um débito ou um
crédito seja o caso, mantendo perfeita calma e acuidade. Cada anotação no
nosso livro de contas poderá ser diferente; mas nossa atitude mental é
invariável. A ansiedade da mente infilosófica é na realidade devida a
ignorância da verdadeira natureza da alma.

Estamos aptos a supor que cada Evento, quando ocorre, é 'bom' ou


'mau' -- que ele indica que nós estamos ganhando, ou perdendo. Mas tão
HADNU.ORG 25

cedo percebamos que o incidente é de importância secundária, que o


resultado final está predeterminado, torna-se absurdo que permitamos que
um detalhe do processo ilusório que a Natureza utiliza para expressar
simbolicamente a fatalidade da Verdade nos afete mais que qualquer outro.

É interessante observar aqui que este método de adquirir Indiferença


independe por completo de qualquer familiaridade com Êxtase de Tristeza;
é uma simples e normal consideração, baseada em premissas estritamente
thelêmicas. É, pois, bastante recomendável. Os métodos do morto Aeon de
Osíris eram , de fato, acompanhados de considerável perigo. A questão de
Separabilidade do Universo, por exemplo, é crítica; também, é erro
dependermos de uma teoria tal como aquela implicada na Primeira Nobre
Verdade em seus aspectos externos. É muito melhor adotarmos a atitude
puramente intelectual, e ancorá-la subseqüentemente em Neschamah pelo
simples processo de transcender a mente racional normal da maneira usual,
pelo Método de Contradição (ou acasalamento de Opostos), tal como este é
descrito em Konx Om Pax, e nos melhores Ensaios sobre a Santa Cabala.

Podemos, além disto, ser levados a vários tipos de erro se


considerarmos a Indiferença como um estado inferior a Samadhi. Em
passiva, imperfeita, um intermezzo; quando deveria ser considerada um
estado de Paz com Vitória.

É necessário apenas acrescentarmos, em conclusão, que Indiferença


não é perfeita até que tenha adquirido por completo pelo menos uma das
características de Samadhi: o Automatismo. Enquanto ainda há qualquer
necessidade de esforço consciente ao lidarmos com qualquer impressão,
enquanto ainda há qualquer necessidade de rememorarmos o processo
através do qual a Indiferença é alcançada, ou mesmo qualquer necessidade
de interferirmos conscientemente na, ou de reconhecermos
conscientemente a presença da, puramente espontânea, elástica ação
reflexa, o Aspirante ao Summum Bonum, à Verdadeira Sabedoria e à
Felicidade Perfeita ainda não adquiriu adequadamente o Hábito de
Indiferença.
MESTRIA

O fito daquele que quereria ser Mestre é único; os homens chamam-


no de Ambição Pessoal. Isto é, ele quer que seu Universo seja tão vasto, e
seu controle de seu Universo tão perfeito, quanto for possível.

Poucos deixam de compreender este fito; mas muitos fracassaram ao


planejar sua campanha para consegui-lo. Uns, por exemplo, enchem seus
bolsos de moeda falsa, a qual, quando eles queriam. Outros tentam
governar o Universo de outro homem, sem perceberem que eles não podem
sequer compreender por completo o universo alheio.

O correto método de ampliarmos nosso universo, além do aparato


convencional da Ciência material, é tripartido: evocação, invocação, e
visão. Controle resulta da familiarização teórica e prática com Fórmulas
Mágicas; mas depende muito também de Auto-Disciplina. O terreno
conquistado deve ser consolidado, e todas as contradições resolvidas em
harmonias mais elevadas através dos vários Trances.
Este tanto, em verdade, é óbvio à consideração superficial; estranho,
então, que tão poucos Magistas tomem o passo seguinte de inquirir quanto
à disponibilidade do Instrumento. Egoísmo míope, sem dúvida, assumirmos
de antemão que nosso Ente Mágico encontrará o corpo físico necessário
para a sua próxima aventura.
Aqui a Memória Mágica é de maravilhoso auxílio para corrigir um
otimismo excessivo; pois com que freqüência, no passado, nossa vida foi
um fracasso quase que completo, devido a simples falta de suficientes
meios de auto-expressão? E que entre nós pode seriamente se considerar
bem servido (hoje em dia, sabendo o que sabemos) mesmo com o mais
perfeito instrumento humano atualmente disponível?

Portanto, é simples bom senso que o Magus formule seu fito político
geral em termos tais como estes:

Assegurar o máximo possível de Liberdade de expressão à maior


variedade possível de Pontos de Vista.

O aspecto prático desta proposição pode ser expresso assim:

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HADNU.ORG 27

Melhoremos a raça humana de toda maneira possível, de forma a


termos a nosso dispor a máxima variedade possível dos melhores
Instrumentos imagináveis.

E esta é a justificação racional daquele aforismo aparentemente


imbecil, e com demasiada freqüência sentimentalmente hipócrita:

Ama todos os seres! Serve à Humanidade!

O acima é o fito político geral; mas também, essas duas frases


contêm implícitas: (1) a Fórmula Mágica que é ao mesmo tempo a chave de
Invocação e de Trance; (2) a injunção ao Magista de abrir seu Caminho
através dos Céus pela reta disposição das órbitas das Estrelas. A palavra
"serve" é, de fato, enganadora e desagradável: implica numa atitude falsa e
desprezível. A relação entre homens deve antes ser aquela de respeito
fraterno que surge espontânea entre dois desconhecidos de alma
verdadeiramente nobre. A idéia de serviço ou é verdadeira, e humilhante,
ou é falsa, e arrogante.
A mais comum, e a mais fatal, armadilha que ameaça o homem que
começou a ampliar seu Universo além do mundo de percepção sensível é
chamada Confusão dos Planos. Para aquele que realiza o Todo Um, e sabe
que fazer diferença entre quaisquer duas coisas é o erro básico, deve
parecer natural, e até correto, executar o que parecem forçosamente Atos de
Amor entre idéias incôngruas. Ele tem a Chave das Linguagens: então, por
que não haverá ele, o inglês, de utilizá-la para falar em hebraico sem
aprender esta língua? O mesmo problema se oferece diariamente em uma
miríada de formas sutis. "Comanda estas pedras a que se tornem pães".
"Atira-te do pináculo do Templo: está escrito, 'Ele encarregará seus anjos
de te protegerem, de te servirem em todos os teus caminhos.'" Estas quatro
últimas palavras jorram luz sobre o nevoeiro de Choronzon--Restrição seja
a ele no Nome de /Babalon/! Pois 'teus' caminhos são os caminhos da
Natureza, que determinou entre os planos uma relação ordeira; deformar
esta ordem não é, e não pode ser, 'teu caminho'. Aquele aparente Gesto de
Amor é um gesto falso; pois tal amor não é 'sob vontade'. Cuida-te, ó tu que
buscas atingir a Maestria, de fazer o que quer que seja de 'miraculoso'; o
mais seguro sinal do Mestre é este: que ele é um homem de paixões
semelhantes às dos seus próximos. Realmente, ele as transcende a todas, e
as transmuta todas em perfeições; mas ele faz isto sem supressão (pois
'Tudo que vive é santo') ou distorção (pois 'Toda Forma é um vero símbolo
de Substância') ou confusão ( pois 'Mestria é ódio mesmo como União é
amor'). Iniciação significa Viagem Interior; nada é mudado, ou pode ser
mudado; mas tudo é mais verdadeiramente compreendido a cada passo. O
Magus dos Deuses, com Sua Palavra única que parece revirar a carruagem
28 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

da Humanidade, na realidade não destroi, e nem sequer altera, coisa


alguma; Ele simplesmente fornece um novo método de aplicar a Energia
existente a Formas estabelecidas.

A invenção de máquinas elétricas não interferiu de forma alguma


com Matéria ou Movimento; apenas, nos auxiliou a nos livrarmos de certos
aspectos da Ilusão de Tempo e Espaço, e desta maneira trouxe as mentes
mais inteligentes ao limiar da Doutrina Mágica e Mística: essas mentes
foram forçadas a conceber a possibilidade de se perceber o Universo tal
como ele é: livre de condições. Isto é, foi dado a essas mentes um
vislumbre, uma antevisão, da natureza da Consecução da Mestria. E
certamente será daí um pequeno passo para que os líderes da Ciência
natural, tendo a Matemática como Estrela-Guia, compreendam a premente
necessidade da Grande Obra, e se apliquem a executá-la.

Nisto, os grandes obstáculos são estes: primeiro, compreensão


errônea de Nós Mesmos; segundo, o preconceito, a resistência da mente
racional contra suas próprias conclusões. Os homens tem que se livrar
dessas duas restrições; eles devem começar a perceber que sua Essência
Espiritual está oculta atrás de, e independe do, instrumento mental e
material através do qual eles apreendem seu Ponto de Vista; e que eles
devem buscar obter outro instrumento que aquele que insiste (com toda e
cada observação) em tentar nos convencer daquilo que é apenas a sua
própria e mais detestável limitação e erro: a idéia de dualidade.
O Aeon de Hórus chegou; e sua primeira flor pode bem ser esta: que,
livres da obsessão do fim do Ego na Morte, e da limitação da Mente pela
Razão, os melhores homens uma vez mais ingressem de olhos abertos no
Caminho dos Sábios, o trilho montanhês do bode, que leva às Encostas
virgens, e daí aos píncaros gelados rebrilhantes da cordilheira da M E S T
RIA!
TRANCE

A palavra êxtase implica um passar além; isto é, além das condições


que oprimem. O único propósito de todo verdadeiro treino místico e
mágico é nos tornarmos livres de qualquer limitação. Assim, corpo e
mente, no mais amplo senso, são os obstáculos no Caminho dos Sábios; o
paradoxo, por trágico que pareça, é que eles são também os meios de
progresso. Como nos desfazermos deles, como passar além deles e
transcendê-los, é o problema; e é tão estritamente prático e científico
quanto aquele de eliminar impurezas de um ás, ou de utilizar as leis da
Mecânica habilidosamente.

Aqui jaz o inevitável defeito lógico nas Sortes do Adepto: que ele é
limitado pelos próprios princípios que ele quer sobrepujar; e eles se
apressam a executar uma vingança terrível sobre aquele que tenta se livrar
deles arbitrariamente!

É na prática, e não na teoria, que esta dificuldade subitamente


desaparece. Pois quando nós tomamos medidas racionais para inibir a
operação da mente racional, a inibição não resulta em caos, mas sim em
percepção do Universo através de uma faculdade à qual as leis da Razão
não se aplicam; e quando, retornando ao estado normal, nós procuramos
analisar aquela experiência, nós percebemos que a descrição abunda em
absurdos lógicos.

Se insistimos em examinar o assunto, entretanto, gradualmente se


torna claro (gradualmente, porque o hábito de êxtase deve ser firmemente
estabelecido antes que suas fulminantes impressões se tornem
verdadeiramente inteligíveis) que não há dois tipos de Pensamento, ou de
Natureza, mas um apenas. A Lei da Mente é a substância única do
Universo, como também o único meio através do qual nós o percebemos.
Assim, não há nenhuma verdadeira antítese entre as condições de êxtase e
aquelas de raciocínio e percepção; o fato que o êxtase não é amenável às
regras de discussão intelectual é impertinente. Nós dizemos que em Xadrez
um Cavalo viaja na diagonal de um retângulo medindo três por dois
quadrados; não mencionamos, nem consideramos, seu movimento como
um objeto material no espaço. Nós descrevemos uma definida, limitada
relação em termos de um especial significado obtido através de um
simbolismo arbitrário; quando analisamos qualquer exemplo dos nossos
processos mentais ordinários, nós percebemos que o método de

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30 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

funcionamento deles é inteiramente análogo. Pois aquilo que nós 'vemos',


'ouvimos', etc., depende, por um lado, de idiossincrasias, e por outro, de
interpretação convencional. Assim, nós concordamos em dizer que relva é
verde, e em evitar caminhar na beira de despenhadeiros, sem qualquer
tentativa de nos certificarmos de que quaisquer duas mentes tem
concepções exatamente idênticas do que essas coisas possam ser; e
justamente dessa mesma forma nós concordamos quanto aos movimentos
das peças de xadrez. Pelas regras do jogo, então, nós devemos pensar e
agir, ou nos arriscamos a cometer todo tipo de erro; mas podemos estar
perfeitamente cônscios de que as regras são arbitrárias, e de que afinal de
contas a coisa toda é um jogo. A tolice constante do místico tradicional
consistia em se envaidecer tanto ao descobrir que o Universo não era mais
que um brinquedo inventado por ele para seu próprio divertimento que ele
se apressava a exibir seus poderes em uma deliberada incompreensão e um
abuso do brinquedo. Ele não percebia o fato de que justamente porque o
Universo não mais que uma projeção do seu Ponto de Vista, é
integralmente a Ele Mesmo que ele ofendia!
Aqui jaz o erro de Panteísmo tal como aquele de Mansur el Hallaj,
que Sir Richard Burton critica tão deliciosamente (no Kasidah), zombando
da sua impotência--

"Mansur era sábio, mas mais sábios aqueles

Que com muitas pedras o mataram.


E se bem que o sangue dele serviu de testemunho,
Nenhum Poder-Sabedoria pode consertar-lhe os ossos."

Deus estava nas pedras atiradas tanto quanto dentro do turbante de


Mansur; e quando os dois se chocaram um com o outro, um ponto de
percepção do fenômeno foi obscurecido -- o que absolutamente não era o
seu intento!
Para nós, entretanto, este assunto não é de lamentar; é (como
fenômeno) um Ato de Amor. E a definição mesma de um Ato de Amor é a
Passagem Além de dois Eventos em um Terceiro, e o retiro deles a um
Silêncio ou Nada por simultânea reação. Neste senso, pode ser dito que o
Universo é um constante ingresso em Trance; e de fato, a correta
compreensão de qualquer Evento, através da Contemplação apropriada,
deveria produzir o tipo de êxtase próprio à síndrome Evento-Indivíduo no
caso.
HADNU.ORG 31

Agora, toda Magia é útil para produzir Trance; pois (1) treina a
mente na disciplina necessária o Yoga; (2) exalta o espírito à impessoal e
divina sublimada que é a primeira condição de sucesso; (3) amplia as
fronteiras da mente, assegurando-lhe completa mestria de todos os planos
mais sutis da Natureza, assim lhe fornecendo material adequado para a
consumição estática da Eucarístia da Existência.

A essência da idéia de êxtase está em verdade contida na de Magia,


que é preeminente a transcendental Ciência e Arte. Seu método é, em um
senso primordial, o Amor --a chave mesma de Trance; e em outro senso,
uma passagem além das condições normais. Os verbos transcender,
transmitir, transcrever, e outros semelhantes, são de virtude cardinal em
Magia. Daí, "Amor é a lei, amor sob vontade" é a suprema epítome da
doutrina mágica, e sua Fórmula universal. Nem necessita qualquer homem
temer afirmar ousadamente que qualquer Operação Mágica só é completa
quando é caracterizada (em um sendo ou outro) pela ocorrência de Trance.
Foi malfeito restringir o uso da palavra à substituição da consciência
dualística humana por aquele impessoal e monístico estado de Samadhi. O
fogo-fátuo do Erro pula rápido do atoleiro da Ignorância quando se faz
qualquer distinção forçada "entre uma coisa e qualquer outra coisa". Sim,
em verdade, e Amém! é a primeira necessidade, assim como a última
consecução de Trance, abolir toda forma e toda ordem de dividualidade, tão
depressa quanto esta se apresente. Por este raio de luz podeis ler no Livro
de vosso próprio Relatório Mágico o autêntico estigma de vosso próprio
sucesso.
ENERGIA

Energia é o Motivo Sacramental de Evento: é, pois, onipresente, em


manifestação por interrupção e compensação, e de outra forma pelo retiro
correspondente. (Nesta conexão, seja recordada a fórmula inteira de
Tetragrammaton).

Existem, no entanto, três principais tipos de experiência especial que


são notáveis estágios no processo iniciático, e de urgente valor prático para
o Magista.

Seguindo o simbolismo do Sacramento, esses tipos diferem como


Comungante.

No mais elevado tipo, que é de Kether, a energia radia inteiramente


de nós mesmos; isto é, estamos completamente identificados com Hadit.

No tipo de meio, que é de Hochmah, a Energia passa inteiramente


através de nós; isto é, nós assumimos as funções de Tahuti.

No tipo mais baixo, que é de Geburah, a Energia se impinge


totalmente sobre nós mesmos: isto é, nós a absorvemos como homens.

Em todos os três casos, a Energia a que nos referimos não é


particular ou personificada; é Energia em si mesma, se qualidades.
O tipo mais elevado pode ser completamente percebido apenas por
um Ipsissimus; é a consecução final. É a contraparte ativa da forma mais
elevada da Visão Beatífica.
O tipo do meio é apropriado a um Magus, ou alguém aspirando à
função profética de um Magus. Foi descrito, e o método de consecução está
exposto, no Livro chamado Opus Lutetianim.

O tipo mais baixo é a tarefa peculiar de um Adeptos Major. É mais


eficientemente conseguido através do Segredo do Santuário da Gnose (IXo
O.T.O.).

Do tipo mais elevado não seria nem apropriado nem útil falarmos
mais; o tipo do meio concerne cada Magista em suas particulares e privadas
relações com o Infinito, e exige de cada um dos seus Adepto uma

32
HADNU.ORG 33

preocupação especial: mas do tipo mais baixo convém fazermos mais


menção.
É uma prova estranhamente convincente do legítimo cuidado que a
Natureza toma com Seus instrumentos (a despeito da evidência superficial
do contrário, sobre a qual estão baseadas as doutrinas do pessimismo) que a
mais preciosa, a única Graça ultimalmente essencial que poderia
possivelmente ser conferida à humanidade é, de todos os benefícios
mágicos, aquele que pode ser conseguido com mais facilidade e certeza que
qualquer outro. Pois Energia é, em si mesma, tudo quanto existe; e nós
variamos com a quantidade e qualidade dela, que podemos chamar de "nós
mesmos".
O preço que a Natureza exige é sem dúvida bastante pesado para
uma certa classe de pessoas; mas é igualmente exigido, em graus variados,
para todo e cada tipo de Aventura Mágica e Mística.

Este preço é, em essência, completa Compreensão da Mente da


Natureza Mesma, e completa simpatia com a Maneira de Trabalho d'Ela.
Todos os códigos morais da humanidade, a despeito de todas as suas
diversidades absurdas, apresentam um fator comum: eles pretendem ter
encontrado motivos e métodos superiores aos d'Ela.

Isto é, eles presumem uma concepção do Fito Cósmico além das


possibilidades d'Ela; eles asseveram que possuem uma Inteligência mais
elevada que aquela que produziu o Universo. Considerai apenas que a
máxima manifestação possível à mente racional consiste na descoberta das
Leis que sumarizam a maneira de operar d'Ela!

Podemos então dizer, imediatamente, que toda tal pretensiosa


arrogância é imprudência e absurdidade; e deve ser abandonada, não, mais:
desenraizada e calcinada antes que qualquer progresso sério possa ser feito
na Arte Real e Sacerdotal. Daí, também, toda aspiração de ordem parcial,
toda que dependa para sua sabedoria da justiça de nossa percepção de
nossas próprias necessidades, quase certamente estará conspurcada por
aquele exato veneno do qual a Natureza nos quereria purgar.

Existe, de fato, apenas uma Operação Mágica de cuja legitimidade


podemos sempre estar seguros: o aumento de nossa soma de Energia. É até
indiscreto tentarmos especificar o tipo de Energia requerido, e pior ainda
entretermos qualquer propósito particular.

Energia sendo aumentada, a Natureza mesma suprirá clareza; nossa


Visão é obscura apenas porque nossa Energia é deficiente. Pois Energia é a
Substância do Universo. Quando é adequada, não temos dúvida quanto a
34 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

como empregá-la; veja-se o caso evidente da vontade do Adolescente.


Devemos também fazer notar que obstruções "morais" ao reto uso desta
Energia causam imediatamente as mais hediondas deformações de caráter,
e provocam as mais graves lesões do sistema nervoso.

Portanto, que o Magista se dispa de toda preconcepção quanto à


natureza de sua Verdadeira Vontade; e se aplique diligentemente a
aumentar seu Potencial energético. Nesta disciplina (além do mais) ele
estará começando a se preparar para aquela abdicação completa de tudo o
que ele tem e tudo que ele é, a qual é a essência do Juramento do Abismo!

Assim, nós percebemos mais um desses paradoxos que são as


imagens da Verdade das Supernas: destruindo nossa própria moralidade
mais alta, e confiando apenas em nossos instintos naturais como guias, nós
topamos desapercebidos com a mais simples, e a mais sublime, de todas as
concepções espirituais e ética.
CONHECIMENTO

Daat--Conhecimento--não é uma Sefira. Não está na Árvore da Vida;


isto é, não existe realmente tal coisa.

Desta tese há muitas provas. A mais simples (se não a melhor) é


talvez como segue:

Todo o conhecimento pode ser expressado na forma S=P.


Mas se assim, a idéia P está realmente implícita em S; portanto, nós
não aprendemos nada, afinal de contas.
E, claro, se não é assim, a asserção S=P simplesmente é falsa.

Agora veja-se como chegamos imediatamente a um paradoxo. Pois o


pensamento "Não existe uma coisa tal como conhecimento", ou
"Conhecimento é uma idéia falsa", ou qualquer outra forma de
enunciarmos a conclusão acima, pode ser expressado como S=P; é, em si
mesmo, uma coisa conhecida.

Em outras palavras, qualquer tentativa de analisarmos a idéia de


Conhecimento leva imediatamente a uma confusão na mente.

Mas isto é da essência da Sabedoria Oculta quanto a Daat. Pois Daat


é a coroa do Ruach, o Intelecto; e seu lugar é no Abismo. Isto é,
desintegrar-se no momento em que é examinada.

Não existe coerência abaixo do Abismo, ou no Abismo; para


obtermos coerência, que é um dos principais padrões de Verdade, nós
devemos atingir Neschamah.

Há outra explicação, completamente à parte da armadilha puramente


lógica. S=P (a não ser que seja uma identidade, e portanto sem sentido) é
uma afirmação de dualidade; ou podemos dizer: percepção intelectual é
uma negação da Verdade samádica. É, portanto, essencialmente falsa desde
as suas bases.

A asserção mais simples e mais óbvia não tolera análise.


"Vermelhidão é vermelho" é inegável, sem dúvida; mas ao ser perscrutada,
prova ser sem significado. Pois cada termo tem que ser definido através de

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36 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

pelo menos dois outros termos, dos quais a mesma asserção é verdade; de
forma que o processo de definição é sempre "obscurum per obscurius".
Pois não há quaisquer termos verdadeiramente simples. Não existe
qualquer possibilidade de verdadeira percepção intelectual. O que nós
supomos ser tal é, na realidade, uma série de convenções mais ou menos
plausíveis, baseadas sobre o aparente paralelismo de experiência. Não há
qualquer garantia definitiva de que quaisquer duas pessoas querem dizer
exatamente a mesma coisa quando dizem "doce", ou "alto"; mesmo
concepções tais como as de número são talvez idênticas apenas em relação
a aplicações práticas vulgares.
Estas e outras considerações levam a certos tipos de cepticismo
filosófico. Concepções Nechâmicas absolutamente não estão isentas desta
crítica, pois, mesmo supondo que elas sejam idênticas em qualquer número
de pessoas, sua expressão, sendo intelectual, sofrerá as mesmas pressões
que percepções normais.

Mas nada disto sacode, ou sequer ameaça, a Filosofia de Thelema.


Pelo contrário; pode ser considerado a Rocha sobre a qual ela está fundada.
Pois o resultado final é, evidentemente, que todas as concepções são
necessariamente únicas--mônadas; porque não pode nunca haver dois
Pontos de Vista idênticos. E isto corresponde aos fatos: pois há Pontos de
Vista estreitamente relacionados, e assim pode haver um acordo superficial
entre eles, como há, o qual é percebido como falso ao ser analisado--tal
qual demonstramos acima.
Disto será compreendido porque é que não existem quaisquer
Trances de Conhecimento; e isto nos convida a inquirir a tradição nos
Grimórios, de que todo conhecimento pode ser miraculosamente obtido. A
reposta é que, se bem que todos os Trances são Destruidores de
Conhecimento (já que, por um só ponto que seja, todos eles destroem o
senso de Dualidade), no entanto eles dão ao seu Adepto os meios de
conhecimento. Nós podemos considerar a faculdade de percepção racional
como uma projeção da Verdade em forma dualística; de maneira que
aquele que possui qualquer Verdade tem apenas que simbolizá-la em
termos do intelecto para obter a imagem dela na forma de Conhecimento.

Esta concepção é difícil; um exemplo poderá torná-la mais clara. Um


arquiteto pode indicar as características gerais de um edifício sobre papel
através de dois desenhos -- uma planta ou uma elevação. Em qualquer dos
casos, o desenho é falso sob quase todo aspecto; cada um dos desenhos é
parcial, a cada um deles falta uma dimensão, e assim por diante. No
entanto, em combinação, eles não deixam de representar, para imaginação
treinada, aquilo que o edifício realmente é; e também, se bem que ambos os
HADNU.ORG 37

desenhos sejam "ilusões", nenhuma outra ilusão servirá à mente para que
descubra a verdade que eles tencionam.
Esta é a realidade escondida em todas as ilusões do intelecto; e esta é
a explicação da necessidade de que o Aspirante adquira um conhecimento
adequado e acurado.

O místico vulgar afeta desprezar a Ciência como "ilusão"; este é o


mais fatal de todos os erros. Pois os instrumentos com os quais o místico
trabalha pertencem, todos eles, exatamente a esta ordem de "coisas
ilusórias". Nós sabemos que lentes deformam imagens; no entanto, nós
podemos adquirir informação sobre objetos distantes (a qual verificamos
ser correta) quando a lente é construída de acordo com certos princípios
"ilusórios" (em vez de um capricho arbitrário). O místico que zomba da
Ciência é geralmente reconhecido pelos homens como um tolo vaidoso; ele
sabe disto, e isto o endurece em sua presenção e arrogância. Nós o vemos,
atiçado por sua vergonha subconsciente, atacando ativamente a Ciência; ele
se alegra em apontar os aparente erros de cálculo que ocorrem
constantemente, sem compreender as auto-impostas limitações da validada
de qualquer asserção que estão sempre implícitas em trabalhos científicos;
de forma que ele chega, por fim, a abandonar seus próprios postulados, e se
refugia na carapaça do teólogo.

Mas para aquele místico que fundou firmemente o seu pensamento


racional em princípios sadios, que adquiriu profunda compreensão de uma
ciência fundamental, e estabeleceu as apropriadas conexões entre essa
ciência e suas irmãs; que, depois, fortaleceu a estrutura inteira do seu
conhecimento penetrando através dos Trances apropriados às Verdades
Nechâmicas das quais aquela estrutura é a retamente-organizada projeção
no Ruach; para esse místico, o campo do Conhecimento, assim bem arado,
bem semeado, bem fertilizado, bem amadurecido, está pronto para a
colheita. O homem que realmente compreende as fórmulas básicas de um
assunto-raíz pode facilmente estender sua percepção aos ramos, às folhas,
às flores e ao fruto; e neste senso os mestres medievais de Magia estavam
justificados em asseverar que pela evocação de dado Daimon o Octinomos
merecedor poderia adquirir perfeito conhecimento de todas as ciências,
falar todas as línguas, comandar o amor de todos, e de qualquer forma lidar
com a Natureza inteira do pondo de vista do Criador desta. Grosseiros são
esses, crédulos ou críticos, que pensam que uma tal Evocação era trabalho
de uma hora ou uma semana!

E o ganho do Adepto disso tudo? Não o puro ouro, decerto, nem a


Pedra do Filósofos! Mas no entanto uma arma mui virtuosa, de muito uso
no Caminho; também, um grande consolo para o lado humano dele; pois o
38 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

doce fruto que pende daquela Árvore que torna os homens Deuses é
precisamente este pomo amadurecido de sol chamado Conhecimento.
COMPREENSÃO

A natureza do Conhecimento (a culminação e êxtase das faculdades


intelectuais) foi discutida no ensaio prévio. Implica uma contradição em
termos. Compreensão é a resolução desta antinomia. É a principal
qualidade de Neschamah, a Inteligência--uma idéia insuscetível de
verdadeira definição, porque é supra-racional, e só pode ser apreciada por
experiência direta. Podemos dizer, quando muito, que independe de
qualquer das atividades normais da mente.

<É uma significativa ilustração da verdade desta teoria cabalística


que as mulheres com freqüência possuem a mais excelente Inteligência,
enquanto totalmente incapazes do Conhecimento e Razão sobre os quais,
logicamente, essa Inteligência deveria estar fundada).

Samadhi, a princípio produzindo um êxtase atordoante, finaliza nesta


Compreensão; podemos dizer, portanto, que Compreensão implica uma
certa qualidade Samádica de percepção. Talvez a Dualidade não seja
absolutamente abolida salvo na superestrutura daquele estado; mas assume
uma forma que seria absurdo chamarmos dualística.
(O leitos notará que todo verdadeiro esforço por comunicar esta
concepção exige violação da lógica.)

Este fato é a raiz de todo simbolismo trinitário; o esquema é


geométrico em idéia, e até aritmético, como é demonstrado pela atribuição
de Binah ao número 3. Mas a solução de toda díada em uma Tríada Triuna
é enganadora, se a intenção é interpretar o fenômeno em termos do
intelecto; só é útil na medida em que o emprego deste processo treina as
faculdades de raciocínio a se superarem a si mesmas em um sublime
suicídio sobre o Altar da Intuição Mística--se bem que isto, afinal de
contas, é uma pálida imitação do correto processo. Pois e primeiro lugar,
não é científico em método; e em segundo lugar, é falso em que nega a sua
própria validade.

O único processo correto e adequado de Consecução da


Compreensão consiste em silenciarmos e inibirmos por completo a mente
racional, assim deixando uma tabula rasa sobre a qual a faculdade
inteiramente alienígena --de novo e sui generis-- pode escrever sua
primeira palavra.

39
40 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

Mas então (seguramente será dito), que há de mais ininteligente que


esta suposta Inteligência? este informe, e mesmo delirante Êxtase que varre
todas as formas de pensamento? Nenhum homem em seu juízo perfeito
negaria esta premissa mas a explicação é que esse Êxtase é (por assim
dizermos) a convulsão do Nascimento da nova faculdade. Certamente é
natural que um observador se surpreenda, por um momento, com a
descoberta de um novo Universo. Ananda deve ser dominado por
completo, e não exagerado a ponto de se tornar um vício, à maneira do
místico! Samadhi deve ser clarificado por Sila, pela severa virtude de
controle; e então percebemos o paradoxo de que a nova Lei da Mente veio,
"não para destruir, mas para cumprir" a antiga. A Compreensão se
assenhoreia por completo de todo aquele vasto material com o qual a Razão
foi incapaz de armar qualquer estrutura coerente. As contradições
desaparecem por absorção; foram aceitadas como fatores essenciais à
natureza da Verdade, que sem elas seria um mero amontoado de Fatos.
Tornar-se-á claro de todas essas considerações que não necessitamos
sentir surpresa diante deste primordial paradoxo: que o Cepticismo,
absoluto em toda dimensão, é a única base possível da verdadeira
Consecução. Toda tentativa de evadir a necessidade de experiência direta
apelando para "fé", ou para imponentes teologismos, ou para qualquer outra
variedade espiritual dos truques do ilusionista está de antemão condenada à
destruição mais abjeta.
Nós não podemos "encontrar a Dama" por qualquer outro caminho
que aquele do Cavaleiro-Andante, do Grande Tolo--o Caminho da Águia
no Ar--cujo Número Sagrado é o Sagrado é o Sagrado Zero. Sim, também,
Nada sendo Tudo, e Tudo sendo Pã, a única maneira correta de nos
dirigirmos à Divindade é na forma duas ................. .

Pois tudo deve ser destruído para que Tudo possa nascer.
CASTIDADE

Todas as Obras de Literatura Antiga e Medieval que mais


particularmente concernem ao Buscador da Verdade concordam em um
ponto. Os mais reles Grimórios de Magia Negra, tanto quanto os mais altos
vôos filosóficos da Irmandade que nós não nomeamos, insistem na Virtude
da Castidade como de central importância no Portal da Sabedoria.
Primeiro seja notada a palavra Virtude: a qualidade de Hombridade,
o mesmo que Virilidade. A Castidade do Adepto da Rosa e Cruz, dos
Cavalheiros do Graal de Monsalvat, é o completo oposto daquilo que o
poeta pôde escrever:
"... falsa Castidade que sacia
Sua luxúria solitária e mia

Em público, de boca babujosa."


e o oposto daquele frigor emasculado tão decantado por poetas da
laia de Alfred Tennyson e outros Acadêmicos.
A Castidade cuja Energia Mágica tanto protege quanto impele o
aspirante aos Mistérios Sagrados é precisamente o contrário, em sua mais
profunda natureza, de todas as concepções vulgares dessa Virtude; pois em
primeiro lugar, é uma paixão positiva; em segundo lugar, relaciona-se
apenas através de obscuros laços mágicos com a função sexual; e em
terceiro lugar, é o inimigo mortal de toda forma de moralidade e
sentimentalismo burgueses.

Podemos criar em nossas mentes uma concepção mais clara desta, a


mais nobre e mais rara--no entanto, a mais necessária--das Virtudes, se
estabelecermos a distinção entre ela e um dos seus ingredientes: Pureza.
Pureza é uma qualidade passiva, ou pelo menos estática; significa a
inexistência de qualquer mistura com qualquer outra coisa; como em puro
alumínio, pura matemática, pura raça. O uso da palavra em expressões tais
como leito puro, que sugerem ausência de contaminação, é um uso
derivado e secundário.

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42 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

Castidade, por outro lado, como a etimologia (castus, possivelmente


relacionado com castrum, um campo fortificado) mesma sugere, podemos
sugere, podemos supor que afirma uma atitude moral de prontidão para
resistir a qualquer assalto contra um existente estado de Pureza.

"Tão cara ao céus é a santa castidade

Que quando uma alma é assim vista sincera

Mil anjos de libré em volta a servem."

cantou Milton, com a capacidade de ver através de véus do


verdadeiro poeta; pois tal serviço é puro desperdício a não ser que seja
exigido por nossa atividade.
A Esfinge não será domada se nos mantivermos afastados dela; e a
inocência bruta do Paraíso está sempre à mercê da Serpente.

É a Sabedoria dela que deveria guardar nossos Caminhos; nós


necessitamos sua rapidez, sua sutileza, e sua régia prerrogativa de dar a
morte.
A Inocência do Adepto? Nós imediatamente nos lembramos da
pujante Inocência de Harpocrates, e de Sua Energia de Silêncio. Um
homem casto não é, portanto, meramente um que evita o contágio de
pensamentos impuros e os resultados destes; é um homem cuja virilidade é
capaz de restaurar Perfeição ao mundo em volta dele. Assim, o Parsifal que
foge de Kundry e suas servidoras, as feiticeiras-flores, perde seu caminho e
deve vagar durante longos anos no Deserto; ele não é verdadeiramente
casto até que é capaz de redimi-la, um ato que ele executa através da
reunião da Lança e do Sangraal.

Castidade pode, portanto, ser definida como a estrita observança do


Juramento Mágico; isto é, à Luz da Lei de Thelema, absoluta e perfeita
devoção ao Sagrado Anjo Guardião, e firme marcha no Caminho da
Verdadeira Vontade.

Castidade é inteiramente incompatível com a covardia da atitude


"moralista", a emasculação da alma e a estagnação do ato que comumente
caracterizam o homem chamado casto pelo vulgo.

"Cuida-vos de abstenção de agir!"--não está isto escrito em Nossa


lição? Pois a natureza do Universo sendo Energia Criadora, qualquer recuo
blasfema a Deusa, e tenta introduzir os elementos de uma verdadeira morte
no pulso da Vida.
HADNU.ORG 43

O homem casto, o legítimo Cavaleiro-Andante das Estrelas, impões


sempre sua essencial virilidade sobre o útero palpitante da Filha do Rei;
com todo golpe de sua Lança ele penetra o coração da Santidade, e faz
jorrar a Fonte do Sangue Sagrado, esguichando seu orvalho escarlate
através do Tempo e do Espaço. Sua Inocência derrete, com sua Energia-
branca-em-brasa, as vis cadeias daquela Restrição que é Pecado; e sua
Integridade, em sua fúria de Retidão, estabelece aquela Justiça que (só ela)
pode satisfazer a ânsia ardente da Feminilidade cujo nome é Oportunidade.
Tal como a função do castrum ou castellum não é meramente resistir a um
sítio, mas também compelir a Obediência à Lei e à Ordem todo pagão que
possa ser alcançado pelo circuito de seus cavaleiros, assim também o
Caminho da Castidade consiste em mais que de vendermos nossa pureza
contra assalto. Pois aquele que é imperfeito não é completamente puro; e
nenhum homem é perfeito em si mesmo sem que se expresse em todas as
suas possibilidades. Assim, devemos ser prontos a buscar toda aventura
apropriada, e usufrui-la, vendo bem que de forma alguma isto nos distraia
ou desvie de nosso propósito, poluindo nossa verdadeira Natureza e
impedindo nossa verdadeira Vontade.
Portanto, ai do impuro que desdenha a aparentemente trivial, ou foge
acovardado da desesperada, aventura. E ai, três vezes ai, e quatro vezes ai
daquele que é desviado pela aventura, relaxando sua Bondade e esquecendo
seu Caminho; pois da mesma forma que o preguiçoso e o covarde estão
perdidos, também o fraco que se deixa jogar por circunstâncias é arrastado
para dentro do mais profundo do Inferno.

Senhor Cavaleiro, seja atento: vigie junto a suas armas, e renove seu
Juramento; pois é de sinistro augúrio, e mortalmente carregado de perigo
qualquer dia que não enchemos a transbordar de alegres e audazes proezas
de senhoril, de viril Castidade!
SILÊNCIO

De todas as Virtudes Mágicas, de todas as Graças da Alma, de todas


as Consecuções do Espírito, nenhuma te sido tão mal-compreendida, até
quando foi sequer vislumbrada, quanto o Silêncio.

Não seria possível enumerarmos os erros mais freqüentes; podemos


dizer que mesmo o ato de pensarmos no silêncio é em si um erro; pois a
natureza do Silêncio é Puro Ser, isto é, Nada; de forma que ele está além de
qualquer intelecção ou intuição. Assim, o máximo que este nosso Ensaio
pode fazer é ser uma espécie de Sentinela, uma Clafetagem, como se fosse,
da loja onde o Mistério do Silêncio é celebrado.
Para esta atitude há grande autoridade tradicional: pois Harpocrates,
Deus do Silêncio, é chamado "O Senhor de Defesa e Proteção".

Mas Sua natureza de forma alguma é aquele silêncio negativo e


passivo que a palavra comumente conota; pois Ele é o Espírito que Vaga
Aonde quer; o Puro e Perfeito Cavaleiro-Andante, que soluciona todos os
Enigmas, e abre o Portal Fechado da Filha do Rei. Silêncio, no senso
vulgar da palavra, não é a resposta ao Enigma da Esfinge; é aquilo que é
criado por essa resposta. Pois Silêncio é o Equilíbrio de Perfeição; de
maneira que Harpocrates é a Chave uniforme, universal, de todo e qualquer
Mistério. A Esfinge é o Enigma, ou Donzela: a Idéia Feminina, para a qual
só existe um complemento, sempre diverso em forma, sempre igual em
essência. Este é o significado do Gesto do Deus; é surgido mais claramente
na forma adulta d'Ele como o Tolo do Taro e como Bachus Diphues; e é
mostrado sem qualquer possibilidade de engano quando Ele aparece como
Baphomet.
Quando nós perscrutamos mais estreitamente o simbolismo d'Ele, a
primeira qualidade que nos chama atenção é, sem dúvida, a Sua inocência.
Não é sem profunda sabedoria que Ele é chamado o gêmeo de Hórus; e este
é o Aeon de Hórus; foi Ele quem enviou Aiwass Seu ministro para
proclamar Sua chegada. O Quarto Poder da Esfinge é o Silêncio; para nós,
então, que aspiramos a este poder como a coroa de nossa Obra, será da
máxima importância conquistarmos por inteiro a inocência d'Ele. Nós
devemos antes de mais nada compreender qual a raiz da Idéia de
Responsabilidade Moral, da qual o homem estupidamente se orgulha como
distinguindo-o dos outros animais, é Restrição, que é a Palavra de Pecado.

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HADNU.ORG 45

Em verdade há significado na fábula hebraica de que o conhecimento do


Bem e o Mal produz a Morte. Readquirir Inocência é conquistar o Éden.
Nós devemos aprender a viver sem a consciência assassinada de que cada
alento que tomamos impele as velas dos nossos frágeis barcos ao Porto do
Túmulo. Nós devemos descartar o Medo através de Amor; desde que todo
Ato é um Orgasmo, a resultante-consequência da totalidade dos atos não
pode ser senão Nascimento. Também, Amor é a lei; portanto, todo ato tem
que ser Retidão e Verdade em sua realidade essencial. Através de certas
Meditações isto pode ser compreendido e assimilado e deve ser tornado tão
completo que nos tornarmos inconscientes de nossa Santificação; pois só
então a Inocência é perfeita. Esta atitude é, de fato, uma condição
necessária de qualquer contemplação correta daquilo que estamos
habituados a considerar como a primordial tarefa do Aspirante: a solução
do problema, "Qual é a minha Verdadeira Vontade?" Pois até que nos
tornemos inocentes nós seguramente tenderemos a julgar nossa Vontade
por algum Padrão que nos parece "certo" ou "errado"; em outras palavras,
tenderemos a criticar nossa Vontade de fora, enquanto que a Verdadeira
Vontade deve saltar, uma fonte de Luz, de dentro de nós, e fluir
desimpedida, fervente de Amor, para o Oceano da Vida.

Esta é a verdadeira idéia de Silêncio; é a nossa Vontade que surge,


perfeitamente elástica, sublimemente protéica, para encher todo e cada
interstício do Universo de Manifestação que ela encontra em seu caminho.
Não existe qualquer golfo demasiado grande para sua força imensurável;
não existe qualquer canal demasiado estreito para sua imperturbável
sutileza. Ela se adapta com precisão a toda e qualquer necessidade; a
fluidez dela é a garantia de sua fidelidade. Sua forma é sempre modificada
por essa da particular imperfeição que ela encontra: sua essência é idêntica
em todo e cada caso. E sempre o efeito de sua ação é Perfeição, isto é,
Silêncio; e esta Perfeição é sempre a mesma, sendo perfeita; no entanto
sempre diversa, porque cada caso apresenta sus próprias quantidades e
qualidades particulares.

É possível até para a inspiração poética produzir um ditirambo sobre


o Silêncio; pois cada novo aspecto de Harpocrates é digno da música do
Universo através da Eternidade. Eu simplesmente fui levado por meu leal
Amor àquela estranha Raça entre a qual me encontro encarnado a compor
esta imperfeita senda da infinita Epopéia de Harpocrates, como sendo a
faceta da fecunda Luminosidade d'Ele que refratou a mais necessária luz
sobre minha própria tateante Entrada no Sacrário de Sua fulminante, de Sua
inefável Divindade.

Eu louvo a luxuriante Raptura de Inocência, o viril e pantemorfo


Êxtase de toda Fruição; eu louvo a Criança Corada e Conquistadora cujo
46 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

nome é Força e Fogo, cuja sutileza e pujança tornam a serenidade certa,


cuja Energia e Persistência alcançam a Consecução da Virgem do
Absoluto; que, manifestada, é o Flautista que sopra na flauta de sete bocas,
o Grande Deus Pã; e que, retirando-se à Perfeição que ela quis, é o
Silêncio.
AMOR

"Ora, o Magus é Amor, e liga Aquilo e Isto em sua Conjuração."

A Fórmula de Tetragrammaton é a completa expressão matemática


do Amor. Sua essência é esta: quaisquer duas coisas se unem, com um
duplo efeito: primeiro a destruição de ambas, acompanhada pelo êxtase do
alívio da tensão da separação; segundo, a criação de uma terceira coisa,
acompanhada pelo êxtase da realização da existência, que é Alegria até
que, por desenvolvimento, ela se torna cônscia de sua imperfeição, e ama
seu novo oposto.

Esta fórmula de Amor é universal; todas as leis da Natureza a serve,.


Assim, a gravidade, a afinidade química, o potencial elétrico, e o resto-- e
estes são todos meros aspectos da lei geral--são verdades de asseveração da
tendência única.
O Universo é mantido pela dupla ação implicada na fórmula. O
desaparecimento de Pai e Mãe é precisamente compensado pela
emergência de Filho e Filha. A Fórmula de Tetragrammaton pode portanto
ser considerada como uma máquina de movimento perpétuo que
continuamente desenvolve raptura em cada uma de suas fases.
O sacrifício de Ifigênia em Aulis pode ser tomado como um exemplo
típico da fórmula: o efeito místico é a assunção da virgem ao seio da deusa;
o efeito mágico (a destruição da parte terrena dela, o viadinho) satisfaz a
raiva de Aeolus, e permite aos gregos que naveguem.

Agora, não podemos compreender com demasiada clareza, nem


manifestar essa compreensão demasiado em nossos atos, que a intensidade
da Alegria liberada varia com o grau de oposição original entre os dois
elementos da união. Calor, paixão, e valor deles será tanto maior quanto for
a diferença entre as Energias compondo o casamento. Nós obtemos mais da
explosão do hidrogênio com o oxigênio do que da apática combinação de
substâncias indiferentes umas às outras. Assim, a união de Nitrogênio e
Cloro é tão insatisfatória para cada uma das moléculas que o composto
resultante se desintegra com explosiva violência ao menor cheque. Nós
podemos asseverar, então, na linguagem de Thelema, que um tal ato de
amor não é "amor sob vontade". É, por assim dizermos, uma operação de
magia negra.

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48 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

Consideremos, em um exemplo figurado, os "sentimentos" de uma


molécula de hidrogênio na presença de oxigênio ou de Cloro. Deve sofrer
intensamente pela percepção de sua extremo desvio do tipo perfeito de
mônada, contemplando um elemento tão supremamente oposto à sua
própria natureza em todo ponto. Tanto quanto ela é egoísta, sua reação
deve ser escárnio e ódio; mas à medida que compreende a verdadeira
vergonha que sua separabilidade representa para ela em contraste com a
presença de seu oposto, esses sentimentos mudam para uma ânsia
angustiada. Ela começa a cobiçar a faísca elétrica que lhe permitirá aliviar
suas dores pela aniquilação, na raptura de união, de todas essas
propriedades que constituem sua existência separada; e ao mesmo tempo
lhe permitirá satisfazer sua paixão por criar um tipo perfeito de Paz.

Nós vemos essa mesma psicologia em toda parte no mundo físico.


Um exemplo mais evidente e mais elaborado certamente poderia ter sido
tirado (fosse o propósito deste ensaio menos genérico) da estrutura atômica
mesma, e do esforço de átomos por solucionar a agonia de sua agitação no
Nirvana beatífico dos gases 'nobres'.
O processo de Amor sob Vontade é, evidentemente, progressivo. O
Pai que se mata no útero da Mãe se percebe novamente, com ela, mas
transfigurado, no Filho. Este Filho age como um novo Pai; e é assim que
nosso Ente é constantemente aumentado, e se torna capaz de
contrabalancear um Não-Ente cada vez maior, até aquele final ato de Amor
sob Vontade que abarca o Universo em Sammasamadhi.
A paixão e ódio é, assim, na realidade dirigida contra nós mesmos;
ela é a expressão da dor e vergonha de separação; parece ser dirigida contra
o nosso oposto apenas por transferência psicológica. A Escola de Freud
tornou esta tese suficientemente clara.

Há pouca coisa, portanto, em comum entre o Amor e paixões mornas


tais como 'consideração', 'fidelidade', ou 'carinho'; é o profano quem, para
sua danação num inferno de comida mal feita e panos de prato após o
jantar, confunde tais com Amor.

O Amor pode ser mais bem definido como a paixão de ódio


inflamada ao ponto de loucura, quando por fim toma refúgio em Auto-
Destruição.

O Amor vê mui claro, com o ardor de raiva mortífera, anatomizando


sua vítima com aguda energia, buscando onde melhor golpear fundo e
fatalmente o coração; o Amor se torna cego apenas quando sua fúria o
dominou completamente, e o atirou na boca rubra da fornalha de auto-
imolação.
HADNU.ORG 49

Nós devemos, além do mais, distinguir o Amor, nesse senso mágico,


da fórmula sexual; se bem que esta seja seu símbolo e seu tipo. Pois a pura
essência da Magia é uma função de ultimal consciência atômica, e suas
operações devem ser depuradas de toda confusão ou contaminação. As
operações verdadeiramente mágicas de Amor, são, portanto, os Trances,
mais especialmente os de Compreensão; como terá sido prontamente
percebido por esses que fizeram um cuidadoso estudo cabalístico da
natureza de Binah. Pois Ela é uniforme como o Armo e como a Morte: o
Grande Mar de onde toda Vida surge, e cujo útero negro tudo reabsorve.
Ela resume, assim, em si mesma o duplo processo da Fórmula de Amor sob
Vontade; pois não é o "cabelo, as árvores da Eternidade" d'Ela os
filamentos de Divindade-que-Tudo-Devora "sob a Noite de Pã"?

No entanto, seja lembrado que se bem que Ela é amor, a função d'Ela
é apenas passiva; Ela é o veículo da Palavra, Hochmah, a Sabedoria, o
Todo-Pai, que é a Vontade do Todo-Um. E portanto erram gravemente e
temerariamente aqueles que tagarelam do Amor como a Fórmula da Magia;
o Amor é desequilibrado, vazio, vago, indirigido, estéril, mais: um vero
Cascão, o joguete de abjeto resíduos demoníacos; o Amor tem que ser "sob
vontade".
VERDADE

Que é a Verdade? É absurdo tentar defini-la, pois quando nós


dizemos que S é P, em vez de Q, ou R, nós assumimos que já sabemos o
significado de Verdade. Esta é a verdadeira razão pela qual todas as
discussões sobre se a Verdade depende de correspondência externa,
coerência interna, ou o que seja, nem produzem convicção nem tolerem
análise. Em poucas palavras: a Verdade é uma idéia de ordem supra-
racional, pertencente a Neschamah, não a Ruach. Que todas as concepções
racionais insinuam que nós conhecemos a Verdade, e que a Verdade está
contida nas proposições delas, demonstra apenas que estas assim-chamadas
concepções racionais não são realmente racionais de forma alguma. A
Verdade não é a única idéia que resiste a análise racional. Há muitas outras
que permanecem indefiníveis; todas as idéias simples, de fato. Além de
todos os nossos esforços está o beco sem saída de que nós já devemos saber
aquilo que pretendemos estar procurando achar.
Considere-se a asserção do Anjo no 5º Aethyr de "A Visão e a Voz":

"... todos os símbolos são intercambiáveis, pois cada um contém em


si mesmo o seu particular oposto. E este é o grande Mistério das Supernas
que estão além do Abismo. Pois abaixo do Abismo, contradição é divisão;
mas acima do Abismo, contradição é Unidade. E lá nada poderia ser
verdadeiro a não ser em virtude da contradição contida em si.

Quando isto foi dado ao Mestre Therion, como lhe pareceu obscuro e
difícil! No entanto, à luz dos parágrafos acima se torna óbvio; e quão
aquém da --Verdade!

Que, então, poderá significar o título desta compilação: "Pequenos


Ensaios em direção à Verdade"? Não assumimos todos nós uma concepção
perfeitamente ilógica da Verdade como uma entidade da "ordem
supramundana, onde uma flama regirante e uma Luz voadora suscitem"?
Não assimilamos nós todos instintivamente uma à outra estas idéias de
Verdade e Luz, se bem que não há senso racional nesta assimilação? Não é
claro, então, que nós nos compreendemos uns aos outros perfeitamente
(tanto quanto podemos nos compreender uns aos outros) num plano tal
como o que Zoroastro chama "Inteligível", que "subsiste além da Mente",
mas que deveríamos "buscar perceber com a Flor da Mente"? Não devemos

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então assentir naquele outro Oráculo, no qual aquele mui sublime Magus
assevera:
"Pois o Rei de tudo colocou de antemão perante o Mundo polimorfo
um Tipo, intelectual, incorruptível, a impressão de cuja forma é enviada
através do Mundo, através da qual o Universo brilhou ornado de Idéias
todas variadas, das quais no entanto a fundação é Uma, e Uma só. Pois
desta as outras surgem, distribuídas e separadas através dos diversos planos
do Universo, e são transportadas em enxames através de seus vastos
abismos, sempre regirando em radiação ilimitável.

"Elas são concepções intelectuais da Paternal Fonte, partilhando


abundantemente do brilho de Fogo na culminação de Tempo incansável.
"Mas foi a primária, auto-perfeita Fonte do Pai que jorrou estas
Idéias primogeniais."
(Deve ser lembrado que os Oráculos de Zoroastro continuamente
proclamam em palavras de ilimitado brilho a doutrina a que estes Ensaios
são em verdade uma espécie de Comentário àqueles Oráculos, e eu posso
acrescentar que apenas cheguei a compreendê-los tão perfeitamente quanto
os compreendendo agora enquanto estas linhas.)
Ora, esta mesma Verdade, que é Luz, que está implícita em cada
faísca do Inteligível, que é ela senão o Ente de Todo-Ser-Humano? É isto
que infunde todo e cada ato nosso, que está mais conchegado a cada
coração e alma, sendo em verdade a fonte delas e sua regra, o princípio de
seção e de medida.
Ora, Iniciação significa, por etimologia, jornada interna; é a Viagem
de Descoberta (Ó Mundo-de-Maravilha!) de nossa própria Alma. E é a
Verdade que está de pé à proa, eternamente alerta; é a Verdade que está
sentada ao leme, e de mão forte o guia!

A Verdade é o nosso Caminho, e a Verdade é o nosso Fito; sim!


chegará a todo ser humano um momento de grande Luz em que o Caminho
é percebido como o próprio Fito; e naquela hora cada um de nós exclamará:

"Eu sou o Caminho, e a Verdade, e a Vida!"

Sim, a Vida também, Vida eterna no tempo e ilimitada no Espaço;


pois que é a Vida senão a contínua resolução da autonomia dos diversos no
espasmo de Amor sob a Vontade, isto é, a constantemente explosiva,
orgiástica, percepção da Verdade, a dissolução de dividualidade em uma
radiante estrela de Verdade que sempre regira, e vai, e enche os Céus de
Luz?
52 PEQUENOS ENSAIOS EM DIREÇÃO À VERDADE

Eu vos rogo seriamente, queridos Irmãos, atracai-vos resolutamente,


como pujantes lutadores, com as idéias nestes Pequenos Ensaios: para
compreendê-las--

"... com a flama estendida da Mente perscrutante que alcança longe,


medindo todas as coisas exceto aquele Inteligível. Mas é necessário
compreender isto; pois se tu inclinas tua Mente tu não o compreenderás
seriamente; é bom que tragas contigo um senso puro e inquiridor, para
estenderes a mente vazia de tua alma àquele Inteligível, porque ele subsiste
além da Mente."

Pois assim, não apenas desenvolvereis a intuição espiritual, o


Neschamah mesmo de vosso Ente divino, mas (de acordo com vosso poder
de Concentração, vosso poder de reduzir, e finalmente parar, os irritáveis
movimentos de vossa maquinaria raciocinativa) transmutar estes Ensaios--a
Prima Matéria de vossa Grande Obra; passando-os através do estágio do
Dragão Negro, em que vossas idéias racionais são totalmente destruídas e
apodrecidas, vós conseguireis inflamá-las na Fornalha ardente de vossas
Vontades Criadoras, até que todas as coisas se fundirão numa fulgurante
massa de vivente, de inexorável Luz.
E assim tereis chegado a Sammasamadhi--assim estarei livres para
sempre de todos os laços que prendiam a vossa Divindade!

"Um Fogo semelhante, flamejando se estendido através dos assopros


do Ar; ou um Fogo informe de onde vem a Imagem de uma Voz; ou
mesmo uma Luz lampejando, abundando, revolvendo-se, regirando avante,
gritando alto. Há também a Visão do Corcel de Luz jorrando brilho, ou de
uma Criança montada no Cavalo Celeste, de fogo, ou vestida de ouro, ou
nua, ou atirando com o arco flechas de Luz de pé nos ombros do cavalo;
então, se tua meditação se prolonga, tu unirás todos estes Símbolos na
Forma de um Leão."

Então vós compreendeis o que é a Verdade, pois vós vos


compreendeis a Vós Mesmos, e Vós sois a Verdade!

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