Você está na página 1de 225

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC

CENTRO DE ARTES - CEART


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS - PPGAV

- AUDREY HOJDA -

DESENHO INFANTIL E
ENSINO DE ARTES VISUAIS
EM DOIS LIVROS DE EDITH DERDYK:
BASES PARA UM ENSINO INCLUSIVO

Dissertação elaborada como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre no Programa
de Pós-Graduação em Artes Visuais do Centro
de Artes da Universidade do Estado de Santa
Catarina.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Batezat


Duarte

FLORIANÓPOLIS
2012
H719d Hojda, Audrey
Desenho infantil e ensino de artes visuais em dois livros de Edith
Derdyk : bases para um ensino inclusivo / Audrey Hojda -- 2012.
223 p. : il. ; 30 cm

Inclui bibliografia
Orientadora: Maria Lúcia Batezat Duarte
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina,
Centro de Artes, Mestrado em Artes Visuais, Florianópolis, 2012.

1. Desenho infantil. 2 Artes – estudo e ensino – 3.Artes visuais – 4.


Derdyk, ,Edith – 4. Educação inclusiva – I. Duarte, Maria Lúcia Batezat
(Orientadora) – II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em
artes Visuais – III.Título.

CDD: 741.019 – 20 ed.


.

Ficha catalográfica elaborada pela biblioteca Central da UDESC


- AUDREY HOJDA -

DESENHO INFANTIL E
ENSINO DE ARTES VISUAIS
EM DOIS LIVROS DE EDITH DERDYK:
BASES PARA UM ENSINO INCLUSIVO

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do


CEART/UDESC, para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais, na linha de pesquisa
Ensino das Artes Visuais.

Banca Examinadora:

Orientadora:____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Batezat Duarte

Membro: ____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosângela Miranda Cherem

Membro: ____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rejane Galvão Coutinho

Florianópolis, 07 de agosto de 2012.


Àqueles professores que acreditam que o
ensino também é criação.
AGRADECIMENTOS

Agradeço especialmente aos meus pais. À minha mãe, Izabel, pelo incomensurável
amor, pela paciência inesgotável, pela força de vida inexplicável e pelo auxílio fundamental
sem os quais teria sido impossível chegar ao término desta pesquisa. Ao meu pai, Claudio,
pelo igualmente incomensurável amor, pela inexaurível paciência com minhas ausências e
distâncias e pelo auxílio imprescindível em todos os momentos em que precisei.
Àqueles que aguentaram (de perto e/ou de longe) minhas ansiedades durante este
processo:
À Ivy Ribeiro Bento Moreira por absolutamente tudo: pela existência e presença
constantes; por ouvir e por falar; pela paciência e por saber lidar comigo como muitas vezes
nem eu mesma sei fazê-lo. Agradeço a ela também a tradução do resumo da pesquisa.
À Luana Marchiori Veiga pelas trocas criativas, afetivas, acadêmicas e, também, pela
paciência com minhas ausências; coisas que só uma grande amizade é capaz de propiciar.
Às minhas queridas irmãs de coração Patrícia Lazzarin e Ana Paula Quixabeira pela
convivência tão prazerosa, pelos ensinamentos todos e por aguentarem as estranhezas do
cotidiano de uma mestranda ansiosa como eu!
Ao Rodrigo Garcez pelas inúmeras estadas extremamente calorosas, carinhosas e
acolhedoras que me ofereceu, pelas conversas interessantíssimas, pelos conselhos sábios,
pelas experiências gastronômicas inesquecíveis e por todo o apoio neste período de exílio.
À Natália Brasil pela amizade tão importante, mesmo que tão recente, por todas as
conversas acolhedoras, pelas caronas providenciais e por me receber tão bem em sua casa
todas as vezes em que precisei.
Ao primo Alexandre Hojda, pelos conselhos sempre sábios e por ser minha família, no
sentido mais belo que esse termo pode ter.
À Patrícia Escanho, por todos os ensinamentos sobre educação, pela amizade delicada,
pelas ideias partilhadas e pelos projetos a serem realizados.
À Cristine Slepetys, recém-amiga de longa data, pelas acolhidas e pela compreensão
em alguns dos momentos mais difíceis pelos quais passei neste processo. Pela sorte que me dá
em alguns assuntos e pelas deliciosas e intermináveis conversas.
À Andrea Bertoletti, amizade iniciada neste mestrado, pelas conversas também
deliciosamente intermináveis e pela acolhida sempre calorosa e afetiva em Curitiba.
À Bruna Cronfli, ao Jorge Maranhos e ao Augusto Russo pelo imenso carinho nos
meus retornos a São Paulo e pela força nestes momentos delicados que passei no fim do
processo.
À Helene Pareskevi por tantas ajudas inestimáveis.
À Erika Yamamoto Lee pelo carinho.
Ao Gustavo Prada por ter compartilhado comigo um encontro tão raro, tão belo, tão
íntegro e tão verdadeiro.
Aos amigos da exposição/projeto Palimpsextos, Lilian Barbon, André Rigatti, Gleyce
Cruz, Andréa Bertoletti e Silvia Teske pela oportunidade de partilhar aquelas experiências.
Ao programa de bolsa da CAPES por ter tornado possível a concretização desta
pesquisa.
Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, pela oportunidade concedida.
Aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, por toda
a partilha.
À Prof.ª Dr.ª Rosângela Cherem por ter me apresentado perspectivas apaixonantes dos
campos das Teoria e História da Arte, pelo convite para a participação na exposição Tempo-
Espaço-Matéria e por ter gentilmente aceito participar de minha banca.
À Prof.ª Dr.ª Rejane Galvão Coutinho por também ter gentilmente aceito participar de
minha banca.
À Doroti Ragassi, sempre atenciosa e eficiente em tudo o que faz.
À Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Batezat Duarte, minha orientadora, por confiar no meu
trabalho e compartilhar comigo este percurso.
RESUMO

A presente pesquisa trata da análise de dois livros, Formas de pensar o desenho (1989-1994)
e Desenho da figura humana (1990), ambos da artista e educadora Edith Derdyk. Nestas
publicações a autora versa sobre o desenho como linguagem para as artes, a técnica e as
ciências; sobre o desenvolvimento do desenho infantil; e, sobre a especificidade dos usos do
desenho nas artes visuais. A investigação se deu por meio de duas categorias de análise:
fatores promotores das mudanças nos desenhos infantis, relacionada à instância da
aprendizagem; e usos de imagem e informações, referente ao conteúdo de ensino de desenho e
artes visuais. Em cada categoria identifiquei uma dissonância interna. Assim sendo, a partir de
autores como Iavelberg (1995 e 2008) e Wilson e Wilson (1987 e 1997), pude apontar que
Derdyk compreende os fatores socioculturais como necessária influência no desenhar infantil.
Mas ao mesmo tempo a autora os vê com negatividade, gerando uma visão de desenho
infantil que relacionei ao que autores como Rizzi (2008) chamam de espontaneísmo no ensino
de arte. Na segunda categoria de análise, indiquei que Derdyk constrói um consistente
material de referência textual e visual para a aprendizagem do desenho e das artes visuais.
Esta estruturação de conteúdos foi por mim relacionada às propostas contemporâneas de
ensino de artes visuais como a Proposta Triangular de Barbosa (2002 e 2008). Entretanto,
Derdyk não sugere que tal estruturação seja usada para o ensino das crianças, apenas para a
formação dos professores. Ao mesmo tempo, compreendo que a maneira como Derdyk
propõe a atuação integral do corpo da criança em suas construções gráficas e a sua exposição
sobre as ações e obras de artistas, são extremamente úteis à formação dos professores. Com
base nas referências fornecidas por Derdyk e na concepção de procedimentos de criação
formulada por Duarte (2001), construí estratégias de ensino de desenho e artes visuais para
crianças que além de trabalhar as dúvidas e dificuldades em relação ao desenho, pudessem
potencializar numa mesma estratégia de ensino as capacidades de crianças standards e das
portadoras de necessidades especiais. Essa complexa simultaneidade de condições de
aprendizagem foi a geradora da questão central desta pesquisa: como pensar em estratégias de
ensino alternativas que pudessem contribuir concomitantemente com a diversidade de dúvidas
e dificuldades que crianças standards e portadoras de necessidades especiais apresentam em
relação aos seus desenhos.

PALAVRAS-CHAVE: desenho infantil, ensino, desenho, artes visuais, Edith Derdyk,


educação inclusiva
ABSTRACT

This research examines two books, Formas de pensar o desenho (1994) and Desenho da
figura humana (1990), both written by the Brazilian artist and educator Edith Derdyk. The
author writes about drawing as visual language for the arts, the techniques and the sciences;
about the development of children´s drawings and about the specificity of drawing in the
visual arts. The investigation employed two categories of analysis: promoting factors of
transformations in children's drawings related to the learning stage; and the possible uses of
images and information, connected to the teaching contents of drawing and visual arts. In
each category I have identified internal dissonances. Therefore, drawing on authors such as
Iavelberg (1995 e 2008) and Wilson and Wilson (1987 e 1997) I was able to argue that
Derdyk understands sociocultural factors as a necessary influence upon children’s drawings.
However the author also sees them with negativity, generating a concept which I synthesized
as what authors like Rizzi (2008) refer to as spontaneism on Brazilian Art-education. In the
second category I indicate that Derdyk has developed consistent literature and visuals for the
process of learning drawing and visual arts. I have linked them to contemporary art teaching
proposals such as to the Triangular Proposal to Art teaching by Barbosa (2002 2008).
Nonetheless Derdyk does not suggest that such proposal should be used while teaching
children, but only during teacher training. At the same time, I understand that the way Derdyk
suggests the participation of the whole child´s body in the action of drawing and her exposure
about the artists’ actions and their works of art are extremely useful in teacher training. Based
on references provided by Derdyk herself and on the conception of procedures of creation
formulated by Duarte (2001) I have elaborated strategies of art teaching to children that
assessed their anxieties and difficulties related to their productions and, besides that, were
able to enhance the abilities and benefit both standard children and children with special
needs. This complex simultaneity of learning conditions was the core motivation of this
research: how to elaborate alternative teaching strategies that would address in an effective
way the anxieties and doubts that standard children and children with special needs presented
while drawing.

KEY WORDS: children´s drawing, teaching, drawing, visual arts, Edith Derdyk, inclusion
Índice de Figuras Cap. 1
Fig. 1: Edith Derdyk, Sopro/ Bolwing, 2010..........................................................................................................30
Fig. 2: Edith Derdyk, Entre ser um e ser mil, 2004. ............................................................................................30
Fig. 3: Capa. Fonte: DERDYK, 1994.....................................................................................................................31
Fig. 4: Capa. Fonte: DERDYK, 1990.....................................................................................................................33
Fig. 5: Albert Dürer. Homem inscrito num círculo, vista frontal. 1521..................................................................35
Fig. 6: Anônimo, Ovo Filosófico. 1625..................................................................................................................35
Fig. 7: Edgar Degas. S/ Título. 1874. ....................................................................................................................35
Fig. 8: Avicena. Sistema Digestivo, 1632...............................................................................................................37
Fig. 9: Mies Van Der Rohe, planta de um edifício. Berlim, 1919. .........................................................................37
Fig. 10: Henri Matisse, O artista e seu modelo, 1937. ..........................................................................................37
Fig. 11: Paul Klee, S/ Título, 1933..........................................................................................................................42
Fig. 12: Paul Klee, ..................................................................................................................................................42
Fig. 13: Paul Kleee, S/ Título, 1927........................................................................................................................42
Fig. 14: Paul Klee, S/ Título, 1932. .......................................................................................................................43
Fig. 15: Steinberg, S/ título, 1969...........................................................................................................................43
Fig. 16: Steinberg, S/ título, 1968...........................................................................................................................43
Fig. 17: Steinberg, S/ título, 1966. .........................................................................................................................44
Fig. 18: Steinberg, S/ título, 1979..........................................................................................................................44
Fig. 19: Steinberg, A linha, 1945. ...........................................................................................................................45
Fig. 20: Van Gogh, S/ título, 1888. .........................................................................................................................45
Fig. 21: Van Gogh, S/ título, s/ data. ......................................................................................................................45
Fig. 22: Van Gogh, S/ título, 1890..........................................................................................................................46
Fig. 23: Van Gogh, S/ título, 1888...........................................................................................................................46
Fig. 24: Van Gogh, S/ título, 1889...........................................................................................................................46
Fig. 25: Picasso, estudos para Guernica, 1937........................................................................................................47
Fig. 26: Picasso, estudos para Guernica, 1937........................................................................................................47
Fig. 27: Picaso, primeiro esboço do mural Guernica, 1937....................................................................................48
Fig. 28: Picasso, estudo para Guernica, s/ data. .....................................................................................................48
Fig. 29: Picasso, estudos. S/ data............................................................................................................................48
Fig. 30: Picasso, estudos. S/ data...........................................................................................................................48
Fig. 31: Picasso, Guernica. .....................................................................................................................................48
Fig. 32: texto e obra de A. Cerveny. S/ data............................................................................................................49
Fig. 33: texto e obras de Milton Sogabe. S/ data.....................................................................................................49
Fig. 34: texto e obra de Tarcísio Sapienza. S/ data.................................................................................................49
Fig. 35: texto e obra de Tacus. S/ data.....................................................................................................................50
Índice de Figuras Cap. 2
Fig. 36 : Criança pintando. ....................................................................................................................................56
Fig. 37: Desenho de André (2 anos e 5 meses).......................................................................................................56
Fig. 38: Desenho de Lua Maria (3 anos e 4 meses). À direita, detalhes.................................................................57
Fig. 39: Desenho de Jim (3 anos) ...........................................................................................................................57
Fig. 40: Desenho de Íris (3 anos)............................................................................................................................57
Fig. 41: Íris (3 anos e 6 meses)................................................................................................................................58
Fig. 42: Brincadeira com feita por Gal Oppido.......................................................................................................58
Fig. 43: Desenho de Lua Maria (3 anos e 7 meses)................................................................................................59
Fig. 44: Des. de Íris (3 anos e 6 meses)...................................................................................................................59
Fig. 45: Desenho de Yara (4 anos)..........................................................................................................................60
Fig. 46: Desenho de Íris (sem notação da idade)....................................................................................................61
Fig. 47: Crianças brincando. Foto de Laureni Fochetto..........................................................................................61
Fig. 48: Des. de Íris (sem notação de idade) ..........................................................................................................62
Fig. 49: Desenho de Íris (sem notação de idade)....................................................................................................62
Fig. 50: Des. de Marina (sem notação de idade). ...................................................................................................63
Fig. 51: Des. de Lua Maria (2 anos e 2 meses).......................................................................................................64
Fig. 52: Des. de Tati (sem notação de idade)..........................................................................................................64
Fig. 53: Desenho .s/ identificação de nome e idade da criança...............................................................................65
Fig. 54: Desenho de Marina (3 anos e 6 meses)......................................................................................................65
Fig. 55: Desenho de Flávia (3 anos)........................................................................................................................65
Fig. 56: Desenho de Yara (sem notação de idade). ................................................................................................65
Fig. 57: Desenho de Lua Maria (sem notação de idade).........................................................................................66
Fig. 58: Desenho de Lua Maria (3 anos e 11 meses)...............................................................................................66
Fig. 59: Des. de Jim (sem notação de idade)...........................................................................................................67
Fig. 60: Des. de Flávia (4 anos e 6 meses)..............................................................................................................67
Fig. 61: Exemplo de exercício de alfabetização......................................................................................................68
Fig. 62: Desenho de Yara (sem notação de idade)..................................................................................................68
Fig. 63: Desenhos de Yara (sem notação de idade). ...............................................................................................69
Fig. 64: Des. de Yara (6 anos).................................................................................................................................70
Fig. 65: Desenho de Guile (sem notação de idade). ...............................................................................................71
Fig. 66: Des. de Tati (5 anos e 6 meses)..................................................................................................................71
Índice de Figuras Cap. 3
Fig. 67: Crianças desenhando..................................................................................................................................76
Fig. 68: Crianças desenhando em diferentes posições corporais............................................................................76
Fig. 69: Crianças brincando de cabaninha..............................................................................................................77
Fig. 70: Amuleto persa tughra. ...............................................................................................................................81
Fig. 71: Tarsila do Amaral. A negra. 1923...............................................................................................................81
Fig. 72: Estudo de coreografia de Kazuo Ono, 1986. ............................................................................................81
Fig. 73: Asceta indiano, 1780. ................................................................................................................................81
Fig. 74: Edouard Manet, Mulher no banho, s/ data. ...............................................................................................81
Fig. 75: Foto de pegada do homem na Lua. ...........................................................................................................81
Fig. 76: Desenho japonês, s/ data ou autor. ............................................................................................................82
Fig. 77: William Harvey, Demonstração das válvulas nas veias. 1628. .................................................................82
Fig. 78: Figura ancestral, 2200-1700 a.C. ..............................................................................................................82
Fig. 79: Fig. Tântrica, séc. VIII. Índia. ..................................................................................................................82
Fig. 80: Andy Warhol, Fox- Trot, 1961. .................................................................................................................82
Fig. 81: Interpretação estelar realizada pelos huichol, índios norte-americano. ....................................................82
Fig. 82: Ilustração de Saul Steinberg, 1966. ...........................................................................................................82
Fig. 83: Imagem mítica de povo do norte da Sibéria. S/ data. ...............................................................................82
Fig. 84: Keneth Knowlton e Leon Harmon, Estudos em percepção I, 1966...........................................................83
Fig. 85: Santorio Santorio, Cadeira de pesar, 1711. ...............................................................................................83
Fig. 86: Inscrição rupestre. Castellón, Espanha......................................................................................................83
Fig. 87: Mapa do zodíaco, s/ data............................................................................................................................83
Fig. 88: Arte egípcia, Retrato de morta, séc, II a. C. Fundo de sarcófago tebano. ................................................83
Fig. 89: Portão de ferro art noveau,1900. ...............................................................................................................83
Fig. 90: Ref. de obras para o exercício. Artista: Aguilar, 1986...............................................................................86
Fig. 91: Ref. de desenho infantil para o exercício...................................................................................................86
Fig. 92: Resultados (realizado por adultos).............................................................................................................86
Fig. 93: Ref. para o exercício. Artista: Arturo Camassi, 1978................................................................................87
Fig. 94: Ref. para o exercício. Desenho infantil......................................................................................................87
Fig. 95: Resultados (realizados por adultos). .........................................................................................................87
Fig. 96: Ref. para exercício. Artista: Matisse. S/ data. ..........................................................................................88
Fig. 97: Ref. para exercício. Artista: Saul Steinberg, 1960.....................................................................................88
Fig. 98: Ref. para exercício. Desenho infantil. .......................................................................................................88
Fig. 99: Resultados (realizados por adultos)...........................................................................................................88
Fig. 100: Ref. para exercício. Artista: Lapicque, 1948. .........................................................................................89
Fig. 101: Ref. para exercício. Desenho infantil. ....................................................................................................89
Fig. 102: Resultados (realizados por adultos).........................................................................................................89
Fig. 103: Ref. para exercício. Artista: Flávio Motta, 1974. ...................................................................................90
Fig. 104: Ref. para exercício. Desenho infantil. .....................................................................................................90
Fig. 105: Resultados (realizados por adultos).........................................................................................................90
Fig. 106: Ref. para exercício. Artista: Edgar Braga, 1983. ...................................................................................91
Fig. 107: Ref. para exercício. Artista: Arturo Camassi, 1978. ...............................................................................91
Fig. 108: Ref. para exercício. Desenhos infantis. ...................................................................................................91
Fig. 109: Resultados (realizados por adultos).........................................................................................................91
Fig. 110: Ref. para exercício. Artista: Paul Klee, 1927. .........................................................................................92
Fig. 111: Ref. para exercício. Desenho infantil. .....................................................................................................92
Fig. 112: Ref. para exercício. Desenho infantil. .....................................................................................................92
Fig. 113: Resultados (realizados por adultos).........................................................................................................92
Fig. 114: Kurt Schwitters, Pour Käte, 1947. ..........................................................................................................94
Fig. 115: Rubens......................................................................................................................................................94
Índice de Figuras Cap. 5
Fig. 116: Capela de Notre-Dame-du Haut. ...........................................................................................................126
Fig. 117: Celebração do Pongal. Índia..................................................................................................................132
Fig. 118: Índio navajo desenhando com areia colorida.........................................................................................132
Fig. 119: Pintura de rosto. Tribo Nuba..................................................................................................................132
Fig. 120: Inscrições em pedra...............................................................................................................................132
Fig. 121: Millôr Fernandes (detalhe), 1957. .........................................................................................................132
Fig. 122: Carruagem. França, séc. XIX. ...............................................................................................................132
Fig. 123: Projetos para poltrona, Oscar Niemeyer................................................................................................132
Fig. 124: Leonardo Da Vinci. S/ data....................................................................................................................133
Fig. 125: Leonardo Da Vinci. S/ data....................................................................................................................133
Fig. 126: Leonardo Da Vinci. S/ data. ..................................................................................................................133
Fig. 127: Paul Klee, estudos. S/ data.....................................................................................................................133
Fig. 128: Manuscrito persa (estudo anatômico). S/ data.......................................................................................133
Fig. 129: Rodin, estudo para escultura, 1885........................................................................................................133
Fig. 130: Henry Moore, estudos. S/ data...............................................................................................................133
Fig. 131: Ingres. S/ data........................................................................................................................................133
Fig. 132: Avenida Paulista. Fotografia de Carlos Fadon, 1983.............................................................................134
Fig. 133: Fotografia de Gal Oppido, 1987............................................................................................................134
Fig. 134: Steinberg, 1946......................................................................................................................................134
Fig. 135: E. Sweerts, ilustração da Florilegium novum, 1612..............................................................................134
Fig. 136: Portão de ferro art noveau, 1900. ..........................................................................................................134
Fig. 137: Paul Klee, estudos. S/ data.....................................................................................................................134
Fig. 138: Samuel Colman, estudo geométrico de uma flor...................................................................................135
Fig. 139: Foto de fóssil de folha............................................................................................................................135
Fig. 140: Calder, estudo. S/ data............................................................................................................................135
Fig. 141: Steinberg, 1958. S/ data.........................................................................................................................135
Fig. 142: D. M. Andreson, Alfabeto maiúsculo com letras de diferentes estilos..................................................135
Fig. 143: Kazuo Ohno, estudo coreográfico, 1986...............................................................................................135
Fig. 144: Lasar Segall, baixo relevo em gesso e estudo em nanquim, 1950. .......................................................135
Fig. 145: Desenho de Íris (sem notação da idade)................................................................................................136
Fig. 146: Desenho de Yara (4 anos)......................................................................................................................136
Fig. 147: página 113 do livro Desenho da figura humana (1990).........................................................................137
Fig. 148: Steinberg, s/ data. ..................................................................................................................................137
Fig. 149: Steinberg, 1966......................................................................................................................................137
Fig. 150: Steinberg, s/ data....................................................................................................................................138
Fig. 151: À esquerda. Picasso trabalhando...........................................................................................................138
Fig. 152: À direita, desenho de Lua Maria (3 ano e 4 meses) e detalhes..............................................................138
Fig. 153: à esquerda Jackon Pollock trabalhando em seu ateliê, s/ data...............................................................139
Fig. 154: à direita três desenhos infantis. De cima para baixo: Íris (3 anos); Íris (3 anos e 6 meses) e André (1 ano
e 10 meses)............................................................................................................................................................139
Fig. 155: páginas 206 e 207 do livro Formas de pensar o desenho (1994)...........................................................140
Fig. 156: páginas 208 e 209 do livro Formas de pensar o desenho (1994)...........................................................140
Fig. 157: pág. 28 e 29 do livro Formas de pensar o desenho (1994)....................................................................142
Fig. 158: pág. 14 do livro Desenho da figura humana (1990)..............................................................................143
Fig. 159: Paul Klee................................................................................................................................................144
Fig. 160: Saul Steinberg........................................................................................................................................144
Fig. 161: Vincent Van Gogh, autorretrato. ...........................................................................................................144
Fig. 162: Pablo Picasso.........................................................................................................................................145
Fig. 163: Prancha 24: Oswald Tschirtner, Pessoas ajoelhadas, 1972....................................................................145
Fig. 164: Prancha 70: Victor Brecheret, Composição: nu feminino com leque, 1924..........................................145
Fig. 165: Prancha 13: Peter Paul Rubens, Dama de companhia da infanta Isabella. S/ data................................147
Fig. 166: Prancha 23: Oskar Schelemmer, Organismo técnico, desenho de figurino, 1925.................................147
Fig. 167: Prancha 3: Paracelso, 1577....................................................................................................................147
Fig. 168: Prancha 68: Fernand Léger, estudo para a pintura Acrobatas e músicos. 1945. ...................................150
Fig. 169: Prancha 69: Joan Miró, desenho sobre fragmento de ferro, 1936.........................................................150
Fig. 170: Prancha 10: Dança. Bosquímanos, África do Sul. ................................................................................150
Fig. 171: Paul Klee, 1938......................................................................................................................................151
Fig. 172: Prancha 72: Charles Lapicque, Antônio e Cleópatra, s/ data. ...............................................................153
Fig. 173: Prancha 30: William Harvey, Demonstração das válvulas nas veias, 1628...........................................153
Fig. 174: Prancha 61: Leonardo Da Vinci, Anotações anatômicas sobre feto humano, s/ data. ..........................153
Fig. 175: Van Gogh, Quarto em Arles,1888..........................................................................................................156
Fig. 176: Picasso, estudos numerados e datados para Guernica, 1937.................................................................157
Fig. 177: Matisse, s/ título e s/ data.......................................................................................................................158
Fig. 178: Steinberg, s/ título, 1960........................................................................................................................158
Fig. 179: Prancha 27: Jean Cocteau, Condessa de Noailles: silhueta, 1910.........................................................159
Índice de Figuras Cap. 6
Fig. 180: Paul Klee, 1938......................................................................................................................................176
Fig. 181: Steinberg, s/ título (Cães), 1949-1954...................................................................................................182
Fig. 182: Steinberg, s/ título, s/ data. ....................................................................................................................182
Fig. 183: Steinberg, s/ título, 1966........................................................................................................................182
Fig. 184: Steinberg, s/ título, 1954........................................................................................................................185
Fig. 185: Steinberg, s/ título, 1954........................................................................................................................185
Fig. 186: Steinberg, s/ título, 1952........................................................................................................................185
Fig. 187: Van Gogh, s/ título, 1888.......................................................................................................................187
Fig. 188: Van Gogh, s/ título, 1888.......................................................................................................................187
Fig. 189: Van Gogh, Starry Night Stemennacht, 1889..........................................................................................187
Fig. 190: Steinberg, Casacos de pele, 1951. .........................................................................................................188
Fig. 191: Steinberg, Galinha, 1945. ......................................................................................................................188
Fig. 192: Picasso, estudos para Guernica, 1937....................................................................................................190
Fig. 193: Picasso, estudo para Guernica,1937. ....................................................................................................190
Fig. 194: Picasso, estudo para Guernica,1937. ....................................................................................................190
Fig. 195: Picasso, estudos para Guernica, 1937....................................................................................................190
Fig. 196: Picasso, estudo para Guernica, 1937.....................................................................................................190
Fig. 197: Picasso, estudo para Guernica,1937. ....................................................................................................190
Fig. 198: Picasso, estudo para Guernica,1937. ....................................................................................................191
Fig. 199: Picasso, estudo para Guernica,1937. ....................................................................................................191
Fig. 200: Picasso, estudo para Guernica, 1937.....................................................................................................191
Fig. 201: Picasso, estudo para Guernica, 1937.....................................................................................................191
Fig. 202: Picasso pintando Guernica.....................................................................................................................191
Fig. 203: Picasso, estudos para Guernica, 1937. ..................................................................................................192
Sumário

INTRODUÇÃO..................................................................................................18

CAPÍTULO 1: EDITH DERDYK E SEU CONCEITO DE DESENHO......28


1.1 APRESENTAÇÃO DA AUTORA..................................................................................29
1.2 CONCEITO DE DESENHO E USOS NAS ARTES VISUAIS.....................................35
1.2.1. Conceito de desenho: não uma especialidade , mas uma especificidade..........................35
1.2.2. Conceito de desenho na história das artes visuais............................................................38
1.2.3. Fundamentos e aspectos da linguagem do desenho nas artes visuais...............................39
1.2.4. Artistas.............................................................................................................................42
1.2.4.1. Artistas de origem europeia..........................................................................................42
1.2.4.2. Artistas brasileiros contemporâneos..............................................................................49

CAPÍTULO 2 - DESENHO INFANTIL E SEU DESENVOLVIMENTO....52


2.1 PRIMEIRO CONTEÚDO VIVENCIAL: “ O grafismo e o gesto” ..............................55
2.2 SEGUNDO CONTEÚDO VIVENCIAL: “O corpo é a ponta do lápis” ......................57
2.3 TERCEIRO CONTEÚDO VIVENCIAL: “A sugestão do gesto” ................................58
2.4 QUARTO CONTEÚDO VIVENCIAL: “Percursos no espaço” ...................................60
2.5 QUINTO CONTEÚDO VIVENCIAL: “O primeiro círculo” .......................................63
2.6 SEXTO CONTEÚDO VIVENCIAL: “O desenho, a fala e a escrita” ..........................66
2.7 SÉTIMO CONTEÚDO VIVENCIAL: “Observação, memória e imaginação” ...........69

CAPÍTULO 3 : DERDYK FALA AOS PROFESSORES...............................73


3.1 PARA O PROFESSOR: SOBRE SER CRIANÇA E DESENHAR (DENTRO E FORA
DA ESCOLA) ......................................................................................................................74
3.2 PARA O PROFESSOR: A IMAGEM NA CONSTRUÇÃO DE UM REPERTÓRIO
POÉTICO .............................................................................................................................80
3.3 PARA O PROFESSOR: LANÇANDO-SE AO DESAFIO DE DESENHAR ..............84

CAPÍTULO 4 : PRIMEIRA CATEGORIA DE ANÁLISE - FATORES


PROMOTORES DAS MUDANÇAS NO DESENHO INFANTIL................96
4.1 SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 1º CONTEÚDO VIVENCIAL: “O
grafismo e o gesto”..............................................................................................................101

15
4.2 SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 2º CONTEÚDO VIVENCIAL: “O
corpo é a ponta do lápis”.....................................................................................................103
4.3 SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 3º CONTEÚDO VIVENCIAL: “A
sugestão do gesto”...............................................................................................................104
4.4 SOBRE OS FATORES PROMOTORES PRESENTES NO 4º CONTEÚDO
VIVENCIAL: “Percursos no espaço”................................................................................109
4.5 SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 5º CONTEÚDO VIVENCIAL: “O
primeiro círculo”.................................................................................................................110
4.6 SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 6º CONTEÚDO VIVENCIAL: “O
desenho, a fala e a escrita”..................................................................................................113
4.7 SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 7º CONTEÚDO VIVENCIAL:
“Observação, memória e imaginação”................................................................................116

CAPÍTULO 5: CATEGORIA DE ANÁLISE 2 - USOS DE IMAGEM E


INFORMAÇÕES NOS LIVROS DE EDITH DERDYK ............................124
5.1 SOBRE IMAGENS E SUAS INFORMAÇÕES ........................................................124
5.2 CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA ..............................................126
5.3 O USO DAS IMAGENS EM DERDYK.....................................................................130
5.4 TIPOS DE INFORMAÇÃO EXTRAÍDAS OU AGREGADAS ÀS IMAGENS ......141
5.4.1 Aspectos externos: dados sobre os usos sociais do desenho .........................................142
5.4.2 Aspectos externos: dados biográficos e profissionais dos artistas ................................143
5.4.3 Aspectos externos: dados históricos e sociais ...............................................................146
5.4.4 Aspectos internos: dados materiais e técnicos .............................................................149
5.4.5 Aspectos internos: dados conceituais e interpretações pessoais ..................................150
5.4.6 Aspectos internos: procedimentos de criação.................................................................154

CAPÍTULO 6: ESTRATÉGIAS DE ENSINO A PARTIR DE DERDYK 163


6.1 SOBRE A CATEGORIA DA APRENDIZAGEM/DESENVOLVIMENTO...............165
6.2 SOBRE A CATEGORIA DO OBJETO DE CONHECIMENTO................................170
6.3 ESTRATÉGIAS DE ENSINO DE DESENHO E ARTES VISUAIS A PARTIR DE
DERDYK............................................................................................................................174

16
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................195

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................203

APÊNDICE 1 – TABELAS DOS TIPOS DE IMAGENS DE FORMAS DE


PENSAR O DESENHO (ED. 1994 E 2010) ..................................................207

APÊNDICE 2 - TABELA DOS TIPOS DE IMAGENS DE DESENHO DA


FIGURA HUMANA.........................................................................................210

APÊNDICE 3 – PESQUISA COM PROFESSORES ...................................212

APÊNDICE 4 – ARTIGOS DA ANPAP SOBRE ENSINO DE DESENHO


PARA CRIANÇAS...........................................................................................215

17
■∙■∙■
INTRODUÇÃO
■.■.■

O desenho sempre teve espaço generoso em minhas aulas de artes visuais. Talvez por
isso eu tenha formulado tantas questões a respeito de seu ensino e sua aquisição por parte das
crianças. No entanto, nos meus últimos 5 anos (2005 a 2010) de atuação como professora
especialista na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I, alguns pontos começaram a
sobressair. Especialmente três questões: a variedade de dúvidas e dificuldades que as crianças
passaram a apresentar cada vez mais cedo1; a forma como as questões suscitadas pelos usos do
desenho em outras disciplinas vinham ser resolvidas em minhas aulas de artes e a dificuldade
de lidar simultaneamente com as questões sobre a linguagem somadas às questões
apresentadas pelas crianças portadoras de necessidades especiais. As três preocupações eram
agravadas pela dificuldade em pesquisar informalmente autores que pudessem contribuir com
todas estas questões.
Com relação ao uso do desenho em outras disciplinas, como aponta Duarte (2009),
desenhar é uma atividade extremamente usada por professores nas salas de aula de
Educação Infantil e Ensino Fundamental. As crianças desenham nos dias de chuva,
no primeiro e último dia de aula, nas datas comemorativas, nos horários vagos, no
tempo que resta após uma pesada aula de matemática, para traçar um mapa ou
ilustrar um tema literário.2

E era exatamente isto que eu presenciava: um grande uso em variadas circunstâncias


pedagógicas, e, ao mesmo tempo, a não aprendizagem sobre a linguagem do desenho;
perceptível através das muitas dúvidas relacionadas a estes usos que vinham parar em minhas
aulas de artes. Segundo Duarte (2009) o motivo para isto é que “o desenho é uma atividade

1
Se alguns autores identificam uma faixa etária em torno dos 7 aos 9 anos para que o “eu não sei desenhar” passe a se
manifestar, eu presenciei crianças de 4 e 5 anos já com este discurso.
2
DUARTE, 2009b

18
muito usada, mas pouco ensinada.”3 Fenômeno que, segundo a mesma autora, ocorre mesmo
nas salas de aula de artes visuais, pois “após apresentar a incrível criatividade dos artistas,
desse ou de outros tempos, novamente o professor solicita um desenho e novamente aguarda
que um saber oculto se manifeste.4 Acredito que o fato do desenho não ser ensinado nas outras
disciplinas, talvez se devesse à - infelizmente clássica - falta de formação sobre desenho por
parte dos professores de sala e à existência de uma crença de que o desenho era “coisa” da
aula de artes.
Talvez justamente devido ao pouco ensino de desenho fora do âmbito das aulas de artes
visuais é que comecei a acreditar que mesmo meus alunos mais novos, de 4 ou 5 anos,
precisavam de algumas instruções básicas, porém sistematizadas, sobre técnicas, materiais e
conceitos de desenho.
Considerando que a aprendizagem do desenho é algo que leva tempo e implica em
constância e dedicação, sempre pareceu claro que minhas aulas semanais de artes jamais
dariam conta de sanar sequer uma parcela das questões que as crianças traziam.
Principalmente porque, como já dito, muitas dúvidas se referiam aos usos do desenho em
outras disciplinas.
O fato de as crianças usarem o desenho em várias áreas e sem a orientação necessária,
fazia com que chegassem em minhas aulas com vários critérios (verbalizados como
“verdades” a serem seguidas) estranhos ao campo das artes visuais, porém, talvez adequados
para os outros usos. Esse dado me indicava que nem a informação de que o desenho pode ter
usos, critérios de avaliação, habilidades e repertórios diferentes - a depender da área em que é
trabalhado - era um conhecimento que os professores de sala possuíam.5
Até mesmo situações que poderiam ser consideradas interessantes como forma de
valorizar a singularidade das crianças, acabavam se tornando fatores de engessamento do
desenho. Como a prática de alguns professores de valorizar a forma singular como cada um
desenha, mesmo quando isso representa não uma opção da criança, mas uma falta de opção em
razão dela não saber fazer de outra forma. Nestas situações, mesmo quando o resultado do
desenho não alcança o objetivo da atividade (por exemplo, diferenciar duas folhas de árvores),

3
DUARTE, 2009b
4
DUARTE, 2009b
5
Lembro-me de exemplos como quando as crianças necessitavam de precisão e clareza no desenho para distinguir dois
objetos, como duas folhas diferentes; ou, inclusive, em situações de invenção, como na criação de personagens para
ilustrar estórias nas aulas de língua portuguesa. Quando as crianças precisavam manter algumas características do
personagem, essas dificuldades aumentavam, seja quando ele mudava de posição, de situação ou de ponto de vista, como,
por exemplo, desenhar um jacaré andando de moto. As crianças alegavam só saber desenhá-lo na posição normalmente
conhecida de um jacaré.

19
o professor aceitava o resultado insatisfatório sob alegação de que cada um faz do jeito que
consegue. Eu percebia que tal atitude várias vezes gerava nas crianças uma postura de
acomodação, pois aquilo que ela mesma entendia como algo a melhorar (pois eu a confrontava
nas aulas de artes visuais e propunha desafios justamente em seus pontos problemáticos) era
transformado pelo professor de sala numa certa maneira “pessoal” de desenhar. Esse
argumento do “faça do jeito que você consegue” era usado tanto no Ensino Fundamental I
quanto nas classes da Educação Infantil.
Tal procedimento, por mais bem intencionado – e sei que era -, causava situações
problemáticas porque, além de provocar frustração na criança, não dava ao professor uma real
dimensão sobre a aquisição do conhecimento em questão.
Para tornar a situação ainda mais complexa, eu tinha diversas salas6 com crianças
portadoras de necessidades especiais, cada criança com uma questão diferente ou com mais de
uma necessidade.
Nesta escola eram oferecidos dois tipos de aulas de artes visuais. As curriculares,
divididas de acordo com as turmas regulares (duas vezes por semana para Educação Infantil e
uma para o Ensino Fundamental I) e aulas em contraturno, frequentadas apenas pelos alunos
do Ensino Fundamental I. Estas aulas eram semanais e as turmas misturavam crianças do 2º ao
5º anos. Havia uma turma com uma criança autista; outra classe com uma criança autista7 e
uma criança com síndrome de Down e traços de autismo; uma terceira turma que reunia um
menino com comprometimento intelectual8, uma menina com problemas de processamento
auditivo9 e duas crianças com espinha bífida, o que implicava em sérias questões de
mobilidade dos membros inferiores; um outro grupo com um menino com questões psíquicas
que envolviam síndrome do pânico e explosões de violência; e em todos esses casos, assim

6
Esta situação durou os últimos dois anos e meio de meu trabalho nesta escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental
I da rede particular de ensino da cidade de São Paulo na qual trabalhei de 2006 a 2010. Eu tive uma auxiliar de meados de
2009 até o começo de 2010.
7
Ambas as crianças autistas eram acompanhadas por uma auxiliar contratada pelos pais. Se em vários momentos eram elas
que tornavam possíveis a participação das crianças em minhas aulas, em tantos outros eram elas que realizavam as
atividades pelas crianças, o que provocava uma situação bastante delicada e de difícil resolução.
8
Tratava-se de um menino de 15 anos que possuía uma deficiência mental não diagnosticada, cujos comprometimentos não
atingiam os aspectos motores, mas implicavam em não conseguir compreender operações lógicas de matemática, nem
entender o sentido de frases que não fossem extremamente simples. O menino tinha a capacidade motora de escrita, mas
não compreendia o sentido das palavras e frases.
9
O que fazia com que ela ouvisse fisicamente os sons, mas sua atividade cerebral não processasse de forma competente os
sons em significados, fazendo com que ela se dispersasse muito facilmente e não avançasse nos conhecimentos básicos
nas áreas de língua portuguesa e matemática. Depois do diagnóstico, a orientação foi que ela se sentasse sempre perto de
mim e que todas as coordenadas fossem repetidas várias vezes e de diferentes formas, assim como, que eu a
acompanhasse de perto durante toda a aula para que ela não se dispersasse. Em minhas aulas, essa menina tinha muita
vergonha de seus desenhos e acabava não desenhando na frente de outras crianças, até que um dia apareceu com um
desenho de cavalo que copiou de um desenho de outra criança e, como o resultado a orgulhou muito, desde então
começou a reproduzir esse cavalo em todos os trabalhos que eu propunha.

20
como as crianças standards 10, estas crianças me traziam angústias, dúvidas e dificuldades com
seus desenhos11. Questões essas que se referiam, na maioria das vezes, as convenções da
representação figurativa.
No meio dessas questões que chegavam até mim para serem todas resolvidas no
espaço-tempo da sequência semanal de aulas, eu pensava que minhas aulas pareciam ser muito
propícias à discussão das diferenças entre as formas das crianças desenharem, entre os
diversos usos do desenho na escola e de como era possível que o desenho tivesse ainda outras
utilizações dentro das aulas de artes visuais.
Junto com a abertura das aulas para a exploração destas questões, eu pensava
constantemente em como ajudar todas as crianças a desenharem com propriedade, fosse nas
minhas aulas, fosse nas de matemática, português, ciências, ou em suas próprias casas, quando
provavelmente ecoavam todas as coisas ditas na escola e às quais se somavam as suas
vontades, habilidades e potencialidades gráficas. Mas uma questão permanecia ecoando: como
ajudar qualitativamente as diferentes questões apresentadas pelas crianças standards e também
pelas crianças com necessidades especiais? Ao focar as aulas em estratégias que priorizavam
as formas de aprender ou algumas das dificuldades das crianças standards, eu percebia que
muitas outras questões permaneciam sem auxílio e as crianças com necessidades especiais
ficavam estagnadas em seus lugares gráficos. Ao tentar o oposto, e focar nas questões
apresentadas pelas crianças com necessidades especiais, o restante da turma trabalhava aquém
de suas possibilidades. À parte destas tentativas intuitivas, eu sofria com a falta de formação
especializada e com as múltiplas necessidades especiais com as quais eu tinha que lidar. E a
urgência da vida escolar, assim como a quantidade de aulas e de alunos, tornava muito
complexa a busca informal por conhecimento específico sobre cada necessidade especial.
Portanto, a prática de sala de aula trouxe a compreensão de que focar as estratégias de
ensino nas diferentes questões da aprendizagem não estava promovendo os avanços que eu
objetivava nos desenhos das crianças. Passei a perceber também que só a experimentação
livre, sem o uso de algumas informações básicas sobre a linguagem do desenho, estava
promovendo uma certa estagnação, mesmo nas crianças menores, em algumas situações que
não conseguiam solucionar sozinhas. A necessidade de pesquisar estratégias de ensino para
trabalhar concomitantemente com as questões gráficas de crianças standards e com múltiplas

10
O termo standards será usado nesta pesquisa para designar a ideia de funcionamento ou atitude 'padrão', conforme
explicita Duarte (2008b).
11
Exceto o menino com Síndrome de Down que não verbalizava intenção de desenhar ou relação de prazer ou frustração
com os seus resultados.

21
necessidades especiais me levou ao mestrado.
Eu entendia a necessidade de me instrumentalizar a respeito das diferentes
necessidades especiais que possuía em sala de aula para não ficar apenas no senso comum,
como ressalta Reily (2010),
não há dúvida de que a prática é constitutiva da docência. Na dinâmica da sala de
aula, os modos de produção plástica dos alunos mobilizam a reorganização
metodológica do professor e incentivam a pesquisa e podem levar a aprofundamentos
epistemológicos. A prática é integradora, promovendo um lugar de tensão entre o
campo da teoria e o campo do fazer. Entretanto, se o professor de arte não tiver um
embasamento sobre a natureza das deficiências que os seus alunos apresentam e
sobre os modos de promover a sua participação plena e o aprendizado dos conteúdos
específicos da sua área, ele vai trazer para a sua prática o senso comum e,
provavelmente, também os estereótipos sobre o deficiente que circulam na
sociedade.12

A multiplicidade das questões e a urgência em solucioná-las provocou a procura de um


caminho pedagógico que talvez pudesse ser abrangente o suficiente para trabalhar com as
potencialidades de cada criança e não apenas com suas limitações. Tal opção não implica no
abandono ou em um desinteresse acerca das informações sobre as diferentes necessidades,
mostra-se apenas como uma primeira medida para sanar as lacunas na formação e na prática
diária escolar.
Resumidamente, portanto, a questão central da pesquisa implica em pensar quais
estratégias de ensino de artes visuais podem contribuir concomitantemente com a diversidade
de dúvidas e dificuldades que crianças standards e portadoras de necessidades especiais
apresentam em relação aos seus desenhos.
O objetivo visa, além de ampliar as bases para minha prática como docente, contribuir
para que outros professores lidem com a complexidade do cotidiano escolar com mais
ferramentas e propriedade.
Os objetivos específicos dessa dissertação são:
– criar uma relação entre teoria e prática tendo como foco a criação de estratégias para
uso concreto no contexto da escola formal. Ou seja, trabalhar não só baseada na
própria experiência prática, mas alicerçada em um tecido teórico coerente;
– construir soluções aplicáveis nas circunstâncias concretas das aulas de artes visuais
para a resolução dos problemas acima apontados;
– criar estratégias de ensino que possam ser utilizadas concomitantemente e
eficientemente com crianças standards e com as portadoras de necessidades especiais;

12
REILY, 2010, p. 87

22
– criar estratégias de ensino de desenho baseadas em conteúdos e procedimentos do
campo das artes visuais;
– pesquisar diferentes abordagens teóricas sobre o desenvolvimento e/ou aquisição do
desenho infantil;
– conhecer profundamente a perspectiva de uma das autoras;
– contribuir modestamente com a pesquisa na área do ensino e aprendizagem de desenho
e artes visuais.
O primeiro motivo pelo qual justifica-se tal pesquisa é a necessidade de uma maior
proximidade entre os resultados das pesquisas acadêmicas e o solucionamento das questões
concretas das salas de aula. O segundo é a necessidade demonstrada por Fonseca da Silva
(2009a) de pesquisas na área da inclusão no ensino de artes visuais, e acrescento,
especialmente no que se refere à estratégias de ensino que tentam trabalhar
concomitantemente as questões das crianças standards e das portadoras de necessidades
especiais. O direito de crianças portadoras de necessidades especiais frequentar escolas
regulares é defendido por leis como a Lei Nº 7.853/8913 de 1989 e o Decreto Nº3.95614
(CONVENÇÃO DA GUATEMALA) de 2001, entre outras. No entanto, os subsídios
metodológicos e teóricos para a formação do professor são escassos. Em terceiro, instrumentos
de divulgação nacional de pesquisa em artes visuais, como os encontros da ANPAP
(Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas) apontam o número restrito de
artigos e pesquisas15 sobre o desenvolvimento do desenho infantil, e um número ainda menor
de pesquisas sobre estratégias de ensino de desenho para crianças. Um quarto motivo é
apresentado pelas palavras de Reily (2008) citada por Fonseca da Silva (2009a, p. 3597) e “diz
respeito à falta de investimento na formação das pessoas com deficiência no currículo escolar.
Carece a escola de um investimento efetivo no âmbito da formação artística das crianças com
deficiência no ensino fundamental”.
A metodologia de pesquisa mescla duas estratégias: a investigação bibliográfica e o

13
“Define como crime recusar, suspender, adiar, cancelar ou extinguir a matrícula de um estudante por causa de sua
deficiência, em qualquer curso ou nível de ensino, seja ele público ou privado. A pena para o infrator pode variar de um a
quatro anos de prisão, mais multa.” Disponível em < http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/inclusao-no-brasil/leis-
diversidade-424523.shtml > Acesso em 23 de maio de 2012.
14
“Põe fim às interpretações confusas da LDB, deixando clara a impossibilidade de tratamento desigual com base na
deficiência. O acesso ao Ensino Fundamental é, portanto, um direito humano e privar pessoas em idade escolar dele,
mantendo-as unicamente em escolas ou classes especiais, fere a convenção e a Constituição” Disponível em <
http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/inclusao-no-brasil/leis-diversidade-424523.shtml > Acesso em 23 de maio de
2012.
15
Ver apêndice 4 sobre artigos nos anais eletrônicos da ANPAP (2007-2011) a respeito do campo do ensino e aprendizagem
do desenho infantil.

23
estudo de caso (YIN, 2005). A opção por responder a pergunta da pesquisa por meio de um
estudo bibliográfico deve-se aos desejos de criar uma base sobre a qual construir estratégias de
ensino não só baseada na experiência prática, mas principalmente na intersecção entre esta e a
teoria; e, desta forma, poder modestamente minimizar a dicotomia entre teoria e prática dentro
da vida escolar básica cotidiana a qual tenho acesso e atuação. A vida escolar me parece
impregnada da exacerbada aceleração contemporânea, que muitas vezes dificulta ou até
impede a pausa para o estudo da teoria. Desejo também, poder disseminar dentre os colegas de
profissão a prática de construir suas lógicas de ensino baseando-se numa mescla indissolúvel
entre teoria e a prática. Como técnica de pesquisa bibliográfica, na coleta e análise dos dados,
selecionei as informações que possuíam relação estreita com os dois âmbitos da construção de
estratégias de ensino segundo Iavelberg (1995): modos de compreender a aprendizagem e
maneiras de conceber o objeto de conhecimento e ensino.
No entanto, apesar da metodologia ser a pesquisa bibliográfica, não se trata de uma
revisão de literatura sobre o assunto do desenho infantil em relação ao ensino inclusivo das
artes visuais, cujo objetivo seria investigar o que a autora estudada sugere como solução para o
problema em questão; mas, sim, um estudo de caso daquilo que Edith Derdyk escreve – autora
com significativo acesso aos docentes da rede básica - para, a partir da coleta e análise dos
dados, rever e sugerir possibilidades de trabalho aproveitando e adaptando suas ideias.
Neste contexto, a opção por um estudo de caso com um recorte de apenas dois dos
livros da autora, artista, educadora, ilustradora e designer gráfica Edith Derdyk se deu,
primeiramente, em razão da importância de seus livros em minha formação acadêmica e
profissional. Conheci os títulos estudados nesta pesquisa, Formas de pensar o desenho (Ed.
1994) e Desenho da figura humana (1990), em 2001, quando já estava na metade de minha
formação universitária, por meio de uma colega professora que havia lido o livro Formas de
pensar o desenho em uma formação promovida pela escola aonde lecionava. A leitura desta
obra provocou profundas mudanças na forma como eu entendia o desenho da criança. Os
conhecimentos que eu dispunha haviam sido construídos em minha pouca experiência prática
na época e por ideias do senso comum, já que em minha formação universitária não tive
disciplinas sobre o assunto. Na época chamou-me a atenção, também, o modo como a autora
trabalhava os conteúdos específicos das artes visuais. Modo que eu não via com frequência em
outros livros de ensino de arte. A leitura de Formas de pensar o desenho motivou a procura
por outros títulos e cheguei ao Desenho da figura humana, cujo impacto em minha formação

24
foi menor, mas ainda assim significativo.
Um segundo motivo para a escolha da autora foi a retomada de suas obras anos depois,
em um processo de formação de professores de Educação Infantil ministrado pela assessora de
uma das escolas16 em que trabalhava. Nesta releitura percebi questões diferentes do primeiro
contato e notei que a autora tinha um alcance significativo entre professores da educação
infantil daquela escola, que já a conheciam de outros cursos de formação. No entanto, para
atualizar sua importância, realizei uma pesquisa17 com um total de 14 professoras de artes
visuais e de sala da rede básica de ensino das cidades de São Paulo, Curitiba e de Florianópolis
na qual perguntei quais eram os quatro livros de ensino de arte mais significativos que haviam
lido e Formas de pensar o desenho esteve entre os dois livros mais citados. Formas de pensar
o desenho, de Edith Derdyk e Inquietações e mudanças no ensino da arte, de Ana Mae
Barbosa receberam cada um, sete citações entre as quatorze professoras entrevistadas.
Considerei, portanto, que era uma autora presente em pelo menos uma razoável parcela da
formação atual de professores da rede básica e que o seu estudo poderia contribuir para
ampliar o seu uso por parte destes professores.
Uma terceira razão para a escolha desta autora é a sua condição profissional, pois atua
simultaneamente como artista e educadora, o que eu julguei interessante por trazer ao
professor a visão de uma pessoa que está intimamente ligada à prática da docência e das artes
visuais.
O fato de não ser uma autora ligada ao campo da inclusão foi entendido por mim como
um dos desafios e das possibilidades da pesquisa, já que a pergunta central do trabalho se
direciona para alternativas de estratégias de ensino cujas concepções do objeto de
conhecimento sejam abrangentes o suficiente para lidar com a diversidade concreta da sala de
aula. Acredito que Derdyk possa oferecer essa visão ampla do objeto de conhecimento.
Autores do campo da inclusão foram revistos em vários momentos da pesquisa para embasar e
aprofundar conceitos e propostas.
Portanto, a pesquisa investiga bibliograficamente como uma autora do campo do ensino
de arte que é educadora e artista pode ser usada como base teórica para estruturar estratégias
de ensino de desenho que sejam abertas o suficiente para trabalhar concomitantemente com as
questões apresentadas por crianças standards e pelas portadoras de necessidades especiais.

16
Escola bilíngue da rede particular da cidade de São Paulo na qual trabalhei durante 2 anos (2005 e 2006) como assistente
de sala regular de crianças de 3 a 4 anos e outros 3 anos (2007, 2008 e 2009) como professora extracurricular de artes
visuais.
17
Ver apêndice 3 para o detalhamento da pesquisa.

25
Não se trata, entretanto, de pensar em estratégias específicas para as crianças portadoras de
necessidades especiais, mas de pensar em estruturas de ensino que possam trabalhar ao mesmo
tempo com a diversidade das potencialidades infantis. Não se trata de minimizar ou
supervalorizar as limitações, apenas tê-las como uma das condições do trabalho didático.
Afinal, como diz Reily (2010) em relação ao ensino de arte para alunos portadores de
necessidades especiais, “é preciso acreditar na capacidade do outro, para que ele faça a sua
marca de forma a expressar aquilo que lhe é significativo.18”
O estudo de caso é realizado com análise de duas categorias selecionadas nas obras
estudadas de Derdyk e relacionadas a aspectos do processo de ensino e aprendizagem: a
primeira, fatores promotores das mudanças nos desenhos infantis, relaciona-se a um ponto
sobre o âmbito da aprendizagem, e a segunda, usos de imagem e informações nos livros de
Edith Derdyk, investiga uma questão sobre os objetos de conhecimentos desenho e artes
visuais. Os autores usados para a análise da categoria sobre a aprendizagem são pesquisadores
do desenho infantil pertencentes a diferentes perspectivas: Arnheim (1954/1997) e Mèredieu
(1974/2004) para tratar dos aspectos mais internos (motores, psíquicos e perceptivos) de
influência no desenho; e Iavelberg (1995 e 2008) e Wilson e Wilson (1987 e 1998) para
trabalhar os aspectos mais externos (socioculturais) de influência. Com relação à categoria de
análise sobre o objeto de conhecimento, utilizei a Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa
(2002, 2002a e 2008) para identificar os elementos que Derdyk oferece ao professor nos usos
das imagens e nos tipos de informações relacionadas a elas. Ainda dentro desta categoria,
utilizei Duarte (2001) para conceituar a ideia de “procedimento de criação”, ideia geradora da
proposta realizada por mim no final deste estudo e pesquisa.
No capítulo 1 apresento a autora, os dois livros estudados e o primeiro conjunto de
dados identificados nas obras de Derdyk que se relacionavam às questões da pesquisa:
conceito de desenho e seus usos nas artes visuais.
No capítulo 2 é explicitado o segundo conjunto de dados coletados: a proposição de
Derdyk para o processo de desenvolvimento do desenho infantil.
No capítulo 3, apresento o terceiro conjunto de dados: as sugestões que a autora dá aos
professores.
O capítulo 4 traz a primeira categoria de análise: os fatores promotores das mudanças
nos desenhos infantis (com análise baseada nos autores Arnheim, Mèredieu, Iavelberg e
Wilson e Wilson).
18
REILY, 2010, p. 90

26
O capítulo 5 refere-se à segunda categoria de análise: uso das imagens e tipos de
informações agregadas e/ou extraídas a elas (com a análise baseada em Barbosa e Duarte).
Neste capítulo são apresentadas as dissonâncias encontradas em cada categoria e suas
implicações para a formação do professor especialista e do professor generalista.
No capítulo 6 apresento as sugestões de estratégias de ensino baseadas na pesquisa
realizada. Neste capítulo, além de estruturar exemplos baseados na Proposta Triangular,
ressalto o conceito de “procedimento de criação” de Duarte (2001). Outros autores são usados
como base para localizar os conceitos de inclusão caros à pesquisa.
As considerações finais ressaltam questões importantes ao tema da pesquisa e a
possibilidade de utilizar uma autora não especializada na área da inclusão para criar estratégias
de ensino de desenho baseadas no campo das artes visuais, que possam lidar
concomitantemente com as potencialidades e limitações de crianças standards e das
portadoras de necessidades especiais, mesmo com as contradições identificadas na análise da
pesquisa. Inclui-se, ainda, sugestões para pesquisas futuras.

27
■∙■∙■
CAPÍTULO 1:
EDITH DERDYK E SEU CONCEITO DE DESENHO
■.■.■

As informações apresentadas neste capítulo foram coletadas nas duas publicações


estudadas para a presente pesquisa: Formas de pensar o desenho1 (Ed. Scipione, 1994) e
Desenho da Figura Humana2 (Ed. Scipione, 1990) da educadora e artista plástica Edith
Derdyk.
No intuito de analisar as ideias e, concomitantemente, a existência de coesão entre as
noções expostas nos dois livros, optei por organizar a apresentação dos dados trabalhando por
conceitos, mesclando informações de ambos os livros. No entanto, em alguns momentos é
necessária a identificação por obra. Coordenei as informações coletadas em ambos os livros
sob os subtítulos: conceitos de desenho e seus usos nas artes visuais; desenho infantil e seu
desenvolvimento; e, Derdyk fala aos professores. Desta forma acredito ter reunido de modo
sistemático os três grupos de assuntos pertinentes à pesquisa: dados sobre os objetos de
conhecimento desenho e artes visuais, ideias sobre a aprendizagem da criança e formas de
orientar o professor.
Um esclarecimento sobre este último critério se faz necessário. Inicialmente, a
nomenclatura adotada era “conteúdos e princípios de ensino de artes visuais”, pois, a ideia era
selecionar conteúdos e metodologias que Derdyk entendesse como pertinentes de serem
1
Existem quatro edições deste livro. As três primeiras datadas respectivamente de 1989, 1994 e 2003 não diferem em
editora, conteúdo (textual e visual) ou formato, exceto a capa diferenciada da 3ª edição. A 4ª edição, no entanto, de 2010 é
editada pela Zouk Editora e apresenta algumas mudanças importantes de conteúdo textual e visual. Optei por pesquisar a
edição de 1994 devido a dois motivos: foi esta a edição que li e que influenciou significativamente a minha formação e
prática docente; e na pesquisa inicial, citada na introdução, sobre os livros de ensino de arte mais influentes na formação
das professoras entrevistadas, além do público participante ter se formado entre o fim da década de 1990 e meados da de
2000, a edição de 2010 não era conhecida por nenhum dos participantes. No entanto, as alterações mais significativas
trazidas nesta última edição foram apontadas no decorrer do texto.
2
Desenho da Figura Humana apresenta duas edições, datadas de 1990 e 2003, sem alterações de editora, conteúdo e
formato. Apenas as capas são diferentes.

28
ensinados às crianças. No entanto, a autora não indica em nenhum momento que o material
que apresenta possa ser conteúdo ou forma de ensinar às crianças, direcionando seu discurso
especialmente à construção de repertório sensível do professor. A intenção parece ser que o
professor olhe mais sensivelmente para o desenho da criança, e não necessariamente que
ensine o que está em seus livros. Portanto, preferi organizar neste capítulo suas falas ao
professor da mesma forma como a autora sugere: apenas como sugestões de reflexão aos
docentes e não como conteúdos ou propostas de intuito didático para as crianças.
No entanto, mais adiante no Capítulo 6, faço uma sugestão de uso do material de
Derdyk pensando-o como conteúdo significativo para ser trabalhado com as crianças. Desejo,
portanto, esclarecer desde já que a ideia de apresentar os materiais dos livros como conteúdos
e procedimentos a serem ensinados às crianças é uma construção minha e não algo formulado
pela autora.
A seguir a apresentação da autora, dos dois livros estudados e do primeiro conjunto de
dados: suas noções de desenho e os usos nas artes visuais.

1.1 ■ APRESENTAÇÃO DA AUTORA

Artista, educadora, ilustradora, escritora de livros infantis e designer gráfica, Edith


Derdyk nasceu na cidade de São Paulo em 16 de junho de 1955. Sua formação inicial em arte
(da infância até perto dos 20 anos) se deu no ateliê de Paulina Rabinovitch, experiência que
Derdyk considera fundamental em sua constituição “sensível, humana e intelectual”
(DERDYK, 1994, p. 5). Segundo a autora,

Dei-me conta de que toda a fundamentação e o alicerce que asseguraram a minha


relação de paixão com o desenho e com a arte, estão diretamente vinculados à
vivência que por sorte do destino me foi dada por meus pais em minha infância: a de
frequentar um espaço de ateliê, coisa rara na época, principalmente um como o de
Paulina Rabinovitch. A memória é viva. A lembrança das tardes densas em que passei
por lá, aparece de uma forma colorida e nítida. Desenhando, fazendo expressão
corporal, pintando o corpo, confeccionando máscaras, construindo coisas, brincando
de teatrinho com os pequeninhos, na época em que era professora assistente. A raiz
do gosto de desenhar provém de uma infância e de uma adolescência “não-
adormecida”, um dos segredos brilhantes do trabalho realizado intensamente por
Paulina.3

3
DERDYK, 1994, p. 5-6

29
A partir desta formação inicial sua experiência cresceu, segundo a autora, por meio da
prática constante do desenho. Frequentou de 1971 a 1973 o Instituto de Artes e Decoração e
cursou entre 1977 e 1980 a Licenciatura em Artes Plásticas na Fundação Armando Álvares
Penteado - FAAP - em São Paulo. Sua trajetória docente está ligada a escolas da rede básica de
ensino e cursos em instituições culturais4, sendo que ultimamente tem se dedicado à formação
de professores nestas instituições. Seu percurso profissional não passa pela docência
universitária, e portanto, seus livros são fruto de vivências fora do contexto acadêmico de
pesquisa.
Seu trabalho poético nos últimos 15 anos é centrado nas possibilidades tridimensionais
da linguagem do desenho (Fig. 1 e 2). “Sempre desenhei” (DERDYK, 1994, p. 5) é a frase que
inicia a fala da autora no livro Formas de pensar o desenho, denotando o lugar que o desenho
possui em sua trajetória. Atualmente tem trabalhado também com livros de artista (obras
realizadas na forma de livros).

Fig. 1: Edith Derdyk, Sopro/ Bolwing, 2010


Cerca de 1000 agulhas com 1 linha preta de algodão. Foto: Kátia
Kuwabara. Memorial da América Latina – São Paulo. Fonte:
<http://www.edithderdyk.com.br/> Acesso em 07 de junho de 2012.

Fig. 2: Edith Derdyk, Entre ser um e ser mil,


2004.
Realizou exposições individuais e coletivas em Linha preta de algodão e grampeador de
parede. Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/
diversas importantes instituições artísticas no Brasil e no Acesso em 07 de junho de 2012.

exterior.
Além dos dois livros teóricos analisados, organizou Disegno. Desenho. Desígnio.
(2007), uma coletânea de textos sobre a linguagem do desenho nos mais variados campos do
saber.
4
Mais informações em <http://www.edithderdyk.com.br/portu/biografia.asp > – Acesso em 22 de julho de 2011.

30
Escreveu também obras de cunho poético sobre a linha como Linha de Costura, pela
Editora Iluminuras em 1997, e em 2001 lançou pela Editora Escuta o livro Linha de Horizonte
– por uma poética do ato criador. Lançou três publicações como escritora e ilustradora de
livros infantis: Estória Sem Fimmm (Summus Editorial/1980), O Colecionador de Palavras e
A Sombra da Sandra Assanhada (ambos editados pela Editora Salesianas / 1986 e 1987
respectivamente). Atualmente coordena a coleção Siricutico de CDs infantis do selo Palavra
Cantada que vêm acompanhados de livretos editados pela CosacNaify.
Os dois livros estudados parecem fazer parte de uma pesquisa ampla de Derdyk sobre a
linguagem do desenho, interligando suas produções artísticas com suas experiências como
professora.
Primeiro livro teórico da autora, Formas de pensar o desenho – desenvolvimento do
grafismo infantil. (2ª Edição – 1994, Fig. 3) trata das questões que envolvem o desenho
infantil usando como ponto de partida a sua experiência pessoal com o desenhar e com a
atividade de professora. A obra é dirigida principalmente a professores especialistas em artes,
professores generalistas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I. A autora, no entanto,
indica que seu conteúdo pode ser útil para todos aqueles que lidam cotidianamente com
crianças, como pais e familiares em geral, além de estudantes de arte, pedagogia e psicologia.
De forma resumida, interpreto que as ideias e conceitos mais relevantes da obra sejam: a
compreensão do desenhar infantil como uma atividade pensante e sensível e, que, portanto,
constrói conhecimentos e ajuda na construção destes; a
ideia de que a experiência prática do professor com o
seu próprio desenho é fundamental para trabalhá-lo
com as crianças, não bastando apenas o conhecimento
sobre as teorias da aprendizagem infantil do desenho ou
o domínio teórico dos conteúdos sobre a linguagem
gráfica; o fato de que a própria autora possui vasta
experiência como desenhista; o conceito de desenho
como linguagem passível de uso em diversos campos
do saber e não como uma linguagem pertencente
prioritariamente ao universo da arte; a ideia de que o
desenho infantil se desenvolve por meio dos conteúdos
Fig. 3: Capa. Fonte: DERDYK, 1994.
vivenciais5 pelos quais a criança passa no decorrer de
5
Como por exemplo, a capacidade de movimentar a mão com a precisão desejada, a capacidade de relacionar palavra com

31
seu crescimento, não trabalhando em termos de etapas.
Neste livro, a estruturação geral do discurso se dá pelo uso de muitas imagens
provenientes de diversas áreas do saber (inclusive desenhos infantis), de diferentes locais e
épocas – uma possibilidade que o livro oferece de ampliar consideravelmente o repertório
imagético dos leitores –; pelo registro de citações de artistas, teóricos e filósofos; pela reflexão
sobre sua experiência como artista; e pela construção da argumentação aparentemente baseada
em suas pesquisas poéticas.
Na apresentação, Derdyk conta sobre sua formação e escreve sobre a necessidade do
professor não somente conhecer o processo criativo infantil, mas igualmente conhecer o seu
próprio processo criativo. No capítulo Vivências fala brevemente sobre a importância do
desenho na escola, da prática poética na formação do professor e da forma como a criança
opera quando está lidando com as diversas linguagens; em Conceitos e pré-conceitos traz suas
concepções sobre desenho, apresentando 46 imagens de variadas fontes; no capítulo O
desenho das crianças, explica a sua proposição teórica para o desenvolvimento do desenho
infantil e aborda questões do cotidiano dos professores como a imitação e a cópia, a fala e a
escrita, a observação, a memória e a imaginação. Logo após, há o capítulo Breve passeio no
tempo, com análises suas sobre as obras de vários artistas, cada um deles permeado de
imagens de seus trabalhos. Por fim apresenta em Exercícios de interpretação, sugestões de
atividades práticas de desenho e em Pequenos Ensaios, desenhos e pequenos textos de seis
artistas brasileiros contemporâneos à escrita da primeira edição (1989).
Fruto de experiências na arte e na docência, este livro possui linguajar acessível e
conteúdos que ampliam concepções senso comum sobre desenho e sobre o desenho da criança.
Por ser direcionado à formação de professores, possui vários conteúdos ligados à realidade do
desenho dentro da escola formal. Derdyk não parece pretender formular metodologias de
ensino ou de leitura de imagens, mas introduzir um campo de conhecimento ao professor – o
da linguagem do desenho, especialmente nas artes visuais - com o qual ele provavelmente se
depara diariamente, mas nem sempre tem formação específica para lidar de forma abrangente
e aprofundada.
O segundo livro estudado, Desenho da figura humana (1ª edição – 1990, Fig. 4) é o
resultado de uma pesquisa sobre a representação da figura humana no desenho infantil e na
história da arte desde os tempos mais remotos. Identifiquei um tom menos didático na
abordagem do tema e na estruturação do discurso do que em Formas de pensar o desenho.
imagem, a consciência de si, etc.

32
Esta publicação foi pensada para estudantes, artistas e professores de arte e professores da
Educação Infantil e Ensino Fundamental I.
Interpretei que a escolha da organização do
texto em temas como O corpo e a figura ou A
geometria do corpo, podem revelar interesses
pessoais da artista, já que não pareceram ser temas
selecionados por sua presença ou paralelo nas
imagens infantis ou por serem assuntos presentes no
processo de desenvolvimento da criança.
Entendi que uma das ideias mais relevantes
apresentadas no texto é a de que na medida em que
mudam as noções que o homem tem de si, mudam
também as formas de ele representar a sua imagem.

Fig. 4: Capa. Fonte: DERDYK, 1990. Para Derdyk, estudar a história da representação da
figura humana é estudar a história das noções que o
homem teve de si próprio. Uma outra ideia relevante foi a de que a percepção não é algo
somente mecânico ou orgânico, mas um conjunto de elementos combinados que incluem
também a consciência e a cultura. Todos esses elementos influenciam na produção de
significado sobre a coisa percebida. Outro dado importante revelou-se na extensa pesquisa
imagética que Derdyk nos apresenta e que amplia não só o repertório de imagens dos leitores
como a própria concepção de desenho.
A estruturação do discurso se dá pelo uso de uma vasta gama de imagens relacionadas
aos textos. Apresenta um panorama extenso sobre a representação da figura humana, com
imagens de diferentes épocas e culturas. Traz teóricos da arte, filósofos, artistas e poetas na
construção de seus argumentos.
A introdução localiza o leitor sobre o assunto do livro. O primeiro capítulo, O corpo e a
figura, fala de diferentes concepções de ser humano em épocas e culturas diferentes; em A
geometria do corpo discorre sobre a forma do homem lidar com o tempo e sobre as maneiras
como a ciência contribui para as representações que o homem faz de si em épocas e culturas
diversas; em Percepção, conceito e estilo, a autora usa filosofia e história da arte para
apresentar fundamentos da criação e da fruição estéticas, falando da relação entre os três
conceitos que nomeiam o capítulo; Representação e Figuração traz conceitos sobre a ideia de

33
imagem e sobre como os códigos gráficos representam os valores de cada cultura, inclusive
suas noções de sujeito; em O tempo da História fala das criações poéticas sobre a relação do
homem com o tempo e de como essa percepção mudou no decorrer da História. Interpretei
esta grande parte do livro como um panorama conceitual sobre as ideias da autora acerca do
assunto figura humana.
Todos os capítulos são ricamente ilustrados. Após essa parte, é apresentado o capítulo A
Representação da Figura Humana no Desenho Infantil, sobre o percurso gráfico das crianças
em relação à representação da figura humana. Aqui o tom do discurso é mais poético e pessoal
do que didático e não há indicação de qual tenha sido sua experiência com as crianças para a
escrita da proposição. Em seguida, Crianças, escolas, museus trata da importância dos museus
na formação das crianças e por fim, Derdyk cria um longo Índice Iconográfico com todas as
imagens do livro e concisas explicações sobre origem, artista e contexto de criação da obra,
além de sugerir exercícios a partir das imagens e informações disponibilizadas.
Diferente de Formas de pensar o desenho (1994), livro que trata de maneira mais geral
e abrangente o tema do desenho e do desenho infantil para professores, Desenho da figura
humana (1990) é um livro mais específico sobre um único gênero de representação e, talvez
em razão disto, seu linguajar possa ser interpretado como menos acessível por professores com
pouco contato com o campo das artes visuais. A autora toca em temas e conceitos do universo
da representação da figura humana usando uma gama de expressões verbais mais comuns nos
livros de artes visuais do que nos livros de ensino de arte ou de pedagogia. Além disso, trata de
assuntos que provavelmente não foram trabalhados nos cursos universitários de licenciatura
em artes ou em pedagogia. Mas apesar desta maior especificidade, não creio que se trate de
uma obra de difícil compreensão ao professor que tem pouco contato com o campo das artes
visuais.
Para finalizar, acredito que sua experiência como artista tenha sido a responsável pela
maneira aprofundada como aborda assuntos específicos da área, como por exemplo, aspectos
intrínsecos do processo de criação. Temas que dificilmente encontrei em livros sobre ensino de
arte escritos por grandes profissionais da educação, mas com pouca experiência na prática
artística.
A seguir apresento os conceitos de desenho formulados por Derdyk e os usos que ela
indica para o campo das artes visuais.

34
1.2 ■ CONCEITO DE DESENHO E USOS NAS ARTES VISUAIS

Fig. 6: Anônimo, Ovo


Filosófico. 1625.
Ilustração de um processo
alquímico do livro
Viatorum spagyricum, de
Jamsthaler. Fonte:
Fig. 5: Albert Dürer. Homem inscrito DERDYK, 1990, p. 40.
num círculo, vista frontal. 1521.
Fonte: DERDYK, 1990, p. 34.
Fig. 7: Edgar Degas. S/ Título.
1874.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 19.

1.2.1 . Conceito de desenho: não uma especialidade, mas uma especificidade

Em ambos os livros, a autora apresenta seu conceito de “desenho como linguagem para
a arte, para a ciência e para a técnica” (DERDYK, 1994, p. 20), enfatizando especialmente a
ideia de que desenhar não é uma atividade especializada do campo das artes visuais, mas que
dentro deste campo existem formas singulares de trabalhar o desenho - nem melhores nem
piores, apenas diferentes das outras áreas. Portanto, para a autora o desenho não é uma
especialidade, mas possui uma especificidade, ou seja, “uma natureza específica, particular em
sua forma de comunicar uma ideia, uma imagem, um signo, através de determinados suportes:
papel, cartolina, lousa, muro, chão, areia, madeira, pano, utilizando determinados
instrumentos:(...) pontas de toda a espécie.”6

6
DERDYK, 1994, p. 18

35
Para a autora, “uma formação especializada carrega uma visão também especializada
da linguagem”7, mas no caso do desenho as suas múltiplas facetas profissionais e sociais não
promovem um estreitamento de sua definição. Ao contrário, só reafirmam o caráter
fundamental de “instrumento de conhecimento, possuindo grande capacidade de abrangência
como meio de comunicação e de expressão.”8 Deste modo, considera o desenho uma
ferramenta especialmente eficaz no que diz respeito à relação entre ciência e arte como
parceiras na construção de conhecimento de si e do mundo (Fig. 5, 6 e 7):
À medida que observamos os códigos de representação inventados para discorrer
sobre a figura humana, constatamos o espelhamento desse conjunto de
conhecimentos refletido na imagem que o homem vai construindo de si mesmo. Com
a aquisição gradual de um conhecimento matemático e geométrico, instrumentos
ordenadores do espaço e do tempo, o homem ampliou as suas observações sobre a
forma, a estrutura, o movimento e as funções de seu próprio corpo.9

Além de produto intencional do fazer humano, Derdyk (1994) amplia a noção de


desenho para que seja entendido também como marca natural produzida pelo corpo, “índice
humano (…) uma impressão digital, (...) a famosa pegada do homem na Lua”10; e como
"desenhos vivos da natureza: a nervura das plantas, as rugas do rosto, as configurações das
galáxias, a disposição das conchas na praia.”11 Vai ampliando, desta forma, “suas
possibilidades materiais de realização.”12
Em uma outra definição de desenho, Derdyk (1994) afirma que este ato “requisita uma
postura global”13 frente a vida e ao mundo, literalmente o estabelecimento dos ângulos pelos
quais enxergamos a realidade. “Desenhar não é copiar formas. (…) A visão parcial de um
objeto nos revelará um conhecimento parcial desse mesmo objeto. Desenhar (…) são
tentativas de aproximação com o mundo. Desenhar é conhecer.”14
Para a autora, tal postura, por ser a expressão de formas de conceber a realidade e
nunca ser neutra, se expressa justamente pela não imparcialidade da linha, que “não se
subordina a uma forma que neutraliza suas possibilidades expressivas.”15 Derdyk (1990)
compreende que a linha é tão carregada de significado que sua transformação – e a de todos os
elementos do desenho – gera uma modificação no conceito da imagem e na própria concepção
de ser humano. Pois assim como “as mudanças de notação gráfica, de sintaxe e articulação
7
DERDYK, 1994, p.19
8
Ibid., p. 20
9
Idem, 1990, p. 40
10
Idem, 1994, p. 20
11
Ibid., p. 20
12
Ibid., p. 20
13
Ibid., p. 24
14
Ibid., p. 24
15
Ibid., p. 24-5

36
entre os elementos da grafia visual são resultados de diferentes maneiras de ver o mundo”16, a
recíproca é verdadeira e “os aspectos formais, configurações estruturais da linguagem,
auxiliam o desvendamento da compreensão que o homem delineia a respeito de sua própria
moradia.”17 Trago como exemplo algumas das imagens de diferentes naturezas que Derdyk
apresenta para reafirmar suas ideias. (Fig. 5, 6, 7, 8, 9 e 10).
Portanto, a primeira definição importante para Derdyk sobre desenho é que não se trata
de uma área para especialistas, mas que é um instrumento de conhecimento com uma forma
específica de operar.

Fig. 9: Mies Van Der Rohe, planta


de um edifício. Berlim, 1919.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 19.

Fig. 8: Avicena. Sistema


Digestivo, 1632.
Ilustração de um manuscrito do
Cânone da medicina, de
Avicena, físico e filósofo árabe
do séc. XI.
Fonte: DERDYK, 1990, p.40.

Fig. 10: Henri Matisse, O artista e seu modelo, 1937.


Nanquim sobre papel. Fonte: DERDYK, 1990, p. 30.

16
DERDYK, 1990, p. 60
17
Ibid., p. 65

37
1.2.2 . Conceito de desenho na história das artes visuais

A outra definição de desenho, igualmente importante para Derdyk (1994), diz respeito
ao seu caráter de linguagem para variadas áreas e é formulada a partir dos exemplos da
história do homem e das artes visuais. Onde a história é “matéria-prima para a elaboração de
um exercício de interpretação.”18 Desde os tempos mais remotos, quando os homens das
cavernas desenhavam e acreditavam nos poderes mágicos que seus desenhos possuíam, até os
dias de hoje, “o desenho reclama a sua autonomia e sua capacidade de abrangência como um
meio de comunicação, expressão e conhecimento.”19
No Renascimento, conforme Artigas (apud DERDYK, 1994, p. 30), o desenho ganha
cidadania, se tornando ao mesmo tempo projeto, técnica de construção e intenção e propósito
do espírito.
Tempos depois, com a vinda da Missão Francesa - e seu Neoclassicismo - para o
Brasil, foi introduzido “um conceito de desenho que rapidamente se tornou o conceito
oficial20”: a ideia de linha como contorno21, como “elemento configurador subordinado à
forma”22. E para lamento da autora, “a apropriação inadequada deste conceito determinou as
vertentes do ensino artístico, que vigora até os nossos dias dentro das instituições
acadêmicas.”23
No entanto, Derdyk (1994, p. 35) informa que assim como existe a noção erudita da
academia, há um sentido popular para o desenho – como configuração total bi ou
tridimensional da forma, não só como contorno24 -, ligado ao seu manejo informal e não
institucionalizado. Tal definição, segundo a autora, pode ser remanescente de uma visão
anterior a vinda da Missão, quando o Barroco era o contexto cultural no Brasil.
O papel social do desenho muda após o início da Revolução Industrial, passando a ser
um organizador social por meio da “busca da sistematização da produção em larga escala”25.
Atualmente nos grandes centros urbanos, segundo Derdyk (1994), vê-se basicamente dois
tipos de desenhos: os anônimos e espontâneos, como “(…) a ponta de metal interferindo nas

18
DERDYK, 1990. p. 12
19
Idem, 1994, p. 29
20
Ibid, p. 33
21
Conceito apoiado por Ingres, expoente máximo do Neoclassicismo francês, “que dizia que “o verdadeiro desenho era a
linha.” (DERDYK, 1994, p. 33)
22
DERDYK, 1994, p. 33
23
Ibid., p. 33
24
Cf. MOTTA apud Derdyk,1994, p. 35
25
DERDYK, 1994, p. 38

38
plaquetas de sinalização, os grafites instalados nas paredes”26 (Fig.132), que são índices da
vontade de deixar marcas; e a “comunicação visual impressa na cidade”27 (Fig. 133).
Neste sentido o desenho é entendido por Derdyk (1994, p. 37) como participante do
projeto social, base do formato e visualidade da cidade e de todos os objetos produzidos pelo
homem: “(...) na ilustração do livro de Biologia, na representação dos conceitos de
Matemática, nos mapas estelares, no último modelo de carro, no batente da janela.”28 E se no
desenho industrial pode-se perceber um sentido de organização e um caráter de permanência,
“por outro lado, o desenho possui uma natureza que enfatiza o transitório, o efêmero. O
desenho acompanha a rapidez do pensamento, responde às urgências expressivas”.29 Esse
caráter é enfatizado pela autora, “por suas mínimas exigências de concretude material, como
uma arma de combate, instrumento de guerrilha, a arte do mínimo, a arte da sobrevivência.”30
De maneira complementar, Derdyk (1994) explicita que “o desenho é uma forma de
raciocinar sobre o papel.31” Onde para qualquer profissão e área do saber, “se não é
indispensável, é pelo menos da maior utilidade.32”

1.2.3 . Fundamentos e aspectos da linguagem do desenho nas artes visuais

Ao falar do desenho no campo das artes visuais, Derdyk prioriza em ambos os livros o
seu caráter de “atividade perceptiva, algo que não se completa, mas que nos convida, sugere,
evoca”33 e traz um conjunto amplo de imagens 34 como exemplos. No livro Formas de pensar o
desenho (1994), a autora ressalta principalmente os aspectos materiais e conceituais da
linguagem, e na publicação Desenho da figura humana (1990), aborda com maior ênfase
algumas questões fundamentais para as artes visuais como a percepção na construção de
conhecimento e na criação, a ideia de estilo como uma espécie de guia para se conhecer arte e,
mesmo com o desejo da autora de pensar o desenho para além da representação fotográfica do
26
DERDYK, 1994, p. 37
27
Ibid., p. 37
28
Ibid., p. 38
29
Ibid., p. 33
30
Ibid., p. 44
31
STEINBERG citado por ROSENBERG apud DERDYK, 1994, p. 43
32
REBOUÇAS citado por BARBOSA apud DERDYK,1994, p.44
33
DERDYK, 1994, p. 43
34
No livro Formas de pensar o desenho, os capítulos dirigidos a apresentação do conceito de desenho trazem imagens de
várias áreas, épocas, sociedades e os capítulos específicos sobre artes visuais trazem imagens desta área. Porém, no
Desenho da Figura Humana, as referências artísticas e culturais se misturam, já que o livro aborda a relação entre
desenho, artes visuais, ciência e técnica de forma mesclada durante todo o livro.

39
real, a função representativa da linguagem gráfica.
A primeira questão que Derdyk elabora em Desenho da Figura Humana (1990) refere-
se a percepção como a fonte originária da construção do conhecimento e da criação35.
Conforme a autora, num processo em que os fatores culturais exercem influência definindo
maneiras de ver e criando sentidos, coleta-se, por meio dos sentidos, as informações que serão
processadas em interação com a consciência que, “desejosa de saber e conhecer, facilita a
organização dessas sensações e percepções em formas, pensamentos, conceitos, objetos,
dotados de compreensibilidade e de significação.”36 No entanto para Derdyk (1990, p. 56),
assim como a percepção é permeada pelas convenções que cada cultura cria para si, sua
natureza caótica e dinâmica promove a subversão e transgressão das regras e convenções que a
condicionam.
E é pelo conflito entre o que se estabelece culturalmente e aquilo que a percepção
insiste em afirmar como divergente, que Derdyk entende a criação em arte, pois ela “contém
esse duplo movimento contraditório e, dessa contradição, nasce o (…) gesto criador
inaugural.”37 Portanto, Derdyk (1990) define a criação como um embate entre o caos da
percepção e a tentativa de organização em conceitos.
No decorrer da história das artes visuais, esse confronto desemboca num movimento
duplo de construção de novas formas e da manutenção de outras. Anunciando nova questão,
Derdyk (1990) afirma: “E esse continente familiar é o que denominamos estilo38. Mas, se o
reconhecimento dos estilos pode contribuir “como o índice de um livro orientando a leitura do
olhar”39, é necessária atenção para que não engesse o mesmo. Pois para a autora, a fruição
estética trabalha numa dupla direção.
No momento em que algum fruidor, de qualquer lugar e de qualquer tempo, deparar
com um objeto e respeitar a sua autonomia, ou a sua tradição, não pode deixar de
ligá-lo o seu contexto histórico particular. Por outro lado, a inevitável interpretação
aliada à percepção se encarregará de continuar produzindo História, a história de suas
leituras.40

A arte contemporânea, na esteira da arte moderna, tenta escapar ao aspecto paralisante


do estilo por meio “da aquisição do pensamento sobre a construção da linguagem”41, que

35
DERDYK, 1990, p. 42
36
Ibid., p. 53. E como se verá mais a frente, é assim que a autora concebe também a construção do conhecimento pela
criança. Talvez esteja aí ponto de ligação que a autora utilizou para criar paralelos entre o percurso da História da Arte
com o do desenho infantil.
37
Ibid., p. 56
38
Ibid., p. 58
39
Ibid., p. 60
40
Ibid., p. 58
41
Ibid., p. 62

40
promove pesquisa e invenção de novas formas de arte. E talvez essa exploração de sua própria
lógica se dê, segundo Derdyk, em parte em razão da invenção da fotografia ter lhe retirado o
papel de principal representação da realidade.42
No entanto, apesar do papel do desenho nas artes visuais não ser mais
contemporaneamente entendido como representação, a autora não deixou de pensar sobre essa
importante função da linguagem gráfica. Segundo Derdyk (1990), a representação só se tornou
possível quando o homem criou a linguagem, e somente quando o ser humano inventa a
linguagem é que ele é capaz de se inventar e se conhecer como sujeito. E por meio do estudo
da história das artes visuais, a representação torna-se também instrumento para conhecer a
forma como as diferentes sociedades pensaram e operaram: “reflexos de uma determinada
visão do mundo.”43
Sobre a diferença entre dois termos frequentemente confundidos, figuração e
representação, Derdyk diz que o “figurativo não significa necessariamente a representação de
imagens que tratem a figura humana”44 ou de outras coisas reconhecíveis, mas principalmente
como ideia visual “passível de ser materializada”45. E representação seria, para a autora, algo
mais ligado aos códigos e convenções sociais de construção da imagem.46
Em Formas de pensar o desenho (1994), além de algumas questões sobre os
fundamentos do desenho nas artes visuais, a autora o aborda e define também a partir da
potencialidade de significação de seus elementos formais e materiais, como a linha, “o ponto,
a cor, a luz, o volume, a textura47.
Duas ideias importantes para Derdyk referem-se à “linha como o espelho do gesto no
espaço do papel.”48 e à compreensão de que “a interação mão/gesto/instrumento vai propiciar a
descoberta da plena expressão da linha”, donde se pode conceber a linha como “escritura do
gesto.”49 O aspecto material dos instrumentos e suportes do desenho carrega questões
conceituais que implicam em significação. Neste sentido, “tal como o papel é a representação
do plano, ou o “campo da representação”, a linha é uma “convenção”, pois de fato ela não
existe na natureza. A linha é um fato mental, é uma abstração50 (…) A linha imita os limites.”51

42
DERDYK, 1990, p. 69
43
Ibid.,, p. 31
44
Ibid., p. 78
45
Ibid., p. 78
46
Ibid., p. 78
47
DERDYK, 1994, p. 144
48
Ibid., p. 144
49
Ibid., p. 146
50
Ibid., p. 146
51
Ibid., p. 145

41
1.2.4 . Artistas

Como explicitado anteriormente, Derdyk (1994) usa a história das artes visuais, sem
abandonar os artistas contemporâneos, para exemplificar algumas possibilidades de uso do
desenho no campo das artes visuais, onde o critério de seleção “não segue uma cronologia. A
escolha dos segmentos históricos visa circunscrever algumas condutas gráficas.” 52 Há,
portanto, dois conjuntos de exemplos reunidos intencionalmente em Formas de pensar o
desenho (1994): um composto por textos onde a autora analisa a maneira como o desenho é
trabalhado em cada um dos quatro artistas 53 - Paul Klee, Saul Steinberg, Van Gogh e Picasso -
cujo período de trabalho ocorreu entre o fim do século XIX e meados do XX; e outro formado
por ensaios poéticos54 de artistas brasileiros contemporâneos à época de publicação da
primeira edição: Alex Cerveny, Milton Sogabe, Tarcísio Sapienza, Ana Tatit, Gal Oppido e
Tacus; nestes ensaios não há análise de Derdyk.

1.2.4.1 . Artistas de origem europeia


A partir de cada um dos textos sobre os artistas de origem europeia coletei as suas
indicações sobre alguns usos do desenho nas artes visuais.
a) Paul Klee

Fig. 13: Paul Kleee, S/ Título, 1927.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 149.
Fig. 11: Paul Klee, S/ Título, 1933.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 152. Fig. 12: Paul Klee,
Autorretrato, 1922.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 147.
52
Derdyk, 1994, p. 146
53
Na edição de 1994 foram escolhidos quatro artistas de origem européia e de orientação modernista ou próxima a este
movimento, como Van Gogh. Na edição de 2010, foi nesta parte que se deu a mudança mais significativa, com a inserção
de mais oito artistas, somando doze ao todo. Dentre eles quatro brasileiros e contemporâneos. Este capítulo passou a ter na
edição de 2010 os seguintes artistas (em ordem de aparecimento): Leonardo Da Vinci, Ingres e Delacroix (num mesmo
texto), Van Gogh, Paul Klee, Saul Steinberg, Iberê Camargo, Amílcar de Castro, Regina Silveira e Artur Barrio.
54
Outra mudança significativa na edição de 2010 foi a exclusão destes ensaios poéticos.

42
Por meio da escrita de Derdyk entendo que em Paul Klee, o desenho não precisa servir
à representação da realidade, como uma cópia neutra, ou um instrumento servil de seu
conteúdo (Fig. 11 e 12), já que a autora afirma que neste artista, “a linha não se esforça em
representar, referenciar o mundo visível e material figurando seres, animais, objetos. A linha
simplesmente é”55 e “por sua natureza conceitual, nos conduz a uma concepção de desenho
como atividade mental”56; interpreto que a linguagem em Klee tem voz, potência expressiva de
fala e autonomia, constituindo-se como
significado em si. Pois, como disse Bergson,
citado por Merleau-Ponty (apud DERDYK,
1994, p. 152-3): “Nunca, antes de Klee, havia-se
deixado uma linha sonhar.” (Fig. 14) Para

Fig. 14: Paul Klee, S/ Título, 1932. Derdyk (1994), Klee faz a linha movimentar-se,
Fonte: DERDYK, 1994, p. 153
ganhar personalidades diversas. “Personagens
estas que representam a natureza essencial da linha, a linha em estado puro”57 (Fig. 13).

b) Saul Steinberg

Fig. 15: Steinberg, S/ título, 1969. Fig. 16: Steinberg, S/ título, 1968.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 157. Fonte: DERDYK, 1994, p. 157.

Por meio da obra de Steinberg, Derdyk mostra que nas artes visuais o desenho pode
brincar com os sentidos mais banais e corriqueiros de si próprio, como quando cria

55
DERDYK, 1994, p. 148
56
Ibid., p. 152
57
Ibid., p. 148

43
personagens e paisagens a partir de “entes gráficos, manchas, assinaturas oficiais, selos
governamentais, carimbos de borracha”58 (Fig. 18), que com a simplicidade que lhes são
características têm o poder de dignificar o rabisco - “gesto ao alcance de qualquer indivíduo”59
- e subverter a ordem comum do mundo ao criar novos sentidos para o que já se dá como
entendido. Como quando trabalha “a troca entre o verbal e o visual”60 (Fig. 15 e 16) ou quando
mistura estilos: “nuvens barrocas convivem com penhascos matematicamente colocados em
camadas, ao lado de círculos concêntricos instrumentalizados”61. Ao aproveitar os significados
que tais elementos e estilos possuem na cultura geral (Fig. 17 e 18), Steinberg pensa “a
natureza da paisagem cultural”62. A autora mostra também que no campo artístico o desenho é
uma forma de pensar, de refletir, de criar proposições filosóficas, como quando uma mesma
linha pode gerar toda sorte de situações, permitindo que se vislumbre as coisas de pontos de
vista muito diferentes (Fig. 19).
O próprio Steinberg afirma: “Minha linha quer me lembrar constantemente que é feita
de tinta.”63

Fig. 17: Steinberg, S/ título, 1966.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 168.
Fig. 18: Steinberg, S/ título, 1979.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 165.

58
DERDYK, 1994, p. 149
59
Ibid., p. 160
60
Ibid., p. 156
61
Ibid., p. 168
62
Ibid., p. 168
63
Ibid., p. 162

44
Fig. 19: Steinberg, A linha, 1945.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 170-171.

c) Van Gogh

Fig. 21: Van Gogh, S/ título, s/ data.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 181.
Fig. 20: Van Gogh, S/ título, 1888.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 177.

A partir de Van Gogh, Derdyk mostra que “o signo gráfico estoura de tanto fazer
significar”64 e se torna possível perceber como nas artes visuais o registro do gestual do artista
– que de tão intenso “é uma verdadeira festa de textura”65 (Fig. 20 e 21) - pode se tornar o
canal da expressão de um estado emocional. Evidencia também que linha e cor, quando
trabalhadas em conjunto podem representar com muita propriedade a complexidade da matéria
e da luz66. Nessa maneira trabalhar, “a matéria é construída pela trama gráfica” 67 - que “se

64
DERDYK, 1994, p. 182
65
Ibid., p. 174
66
Ibid., p. 174
67
Ibid., p. 174

45
abre, se fecha, inventando planos, sugerindo profundidade, construindo volumes” 68 (Fig. 22) -
e pelas suas relações de cor, concebidas por Derdyk como uma ideia de “desenho-pintura”69,
onde o artista “utiliza o pincel como se fosse lápis” 70 e “a linha se associa integralmente à
cor”71 (Fig. 24). Além disso, Derdy explicita como, especialmente em Van Gogh, a carga
expressiva com que opera suas texturas acaba por “falar” sobre qualquer assunto com forte
sentido emocional, mesmo quando a temática representada não trate de um conteúdo muito
dramático (Fig. 23), conforme reafirma Ostrower (apud DERDYK, 1994, p. 179). Trata-se de
uma maneira de usar um aspecto da linguagem como elemento significante.72

Fig. 22: Van Gogh, S/ título, 1890.


Pintura a óleo. Fonte: DERDYK, 1994, p. 180.

Fig. 24: Van Gogh, S/ título, 1889.


Pintura a óleo. Fonte: DERDYK, 1994, p. 182.
Fig. 23: Van Gogh, S/ título, 1888.
Pintura a óleo. Fonte: DERDYK, 1994, p.
179.

68
DERDYK, 1994, p. 177
69
Ibid., p. 182
70
Ibid., p. 174
71
Ibid., p. 174
72
As três pinturas acima não estão nomeadas no livro de Derdyk, por isso as legendas estão marcando “S/ título”. No
entanto, seus títulos originais em francês são: Fig. 22: Champ de blé aux Corbeaux (O campo de trigo); Fig. 23: La Nuit
étoilée (A noite estrelada); Fig. 24: Vase avec quinze tournesols (em português é conhecido apenas por Os girassóis.).

46
d) Picasso

Por intermédio de um recorte da produção de Picasso – o uso do desenho como registro


do processo de criação de Guernica -, Derdyk mostra que o desenho nas artes visuais pode ser
usado como revelação do seu próprio percurso porque “responde mais prontamente à urgência
expressiva, por sua característica natural de rápida execução”73; como compreensão das etapas
de um percurso artístico; e, como revelação dos meandros da execução em arte, ao preservar
“os vários momentos em busca da imagem final”74, que frequentemente agregam significados
importante às obras, mas que nem sempre aparecem na imagem acabada. Torna possível
inclusive avaliar aquilo que Duchamp nomeou de “coeficiente artístico” – característica
fundamental do processo criativo: “a diferença entre intenção e sua realização, diferença esta
em que o artista não é consciente” (DUCHAMP apud DERDYK, 1994, p. 187). Possibilitando
definir a própria noção de criação para Picasso, que “envolve a capacidade de relacionar,
ordenar, configurar, associar, selecionar, sintetizar, formar e compreender.”75
É também uma forma de estudo e pensamento para o trabalho artístico, assim como é
uma maneira de estudar a obra por perspectivas diferentes da observação direta de seu produto
final. Por fim, a autora sugere que conhecer as ações criativas do artista é uma forma de
aprender a fazer imagens, pois “os mecanismos de invenção por meio da evolução gráfica,
utilizados por Picasso, são um instrumento que podemos incorporar para aprender a fruir, a
“ler”, a produzir e criar imagens.”76 Toda essa ideia de processo é reforçada visualmente pela
organização das imagens numa sequência de esboços (Fig. 25, 26, 27, 28, 29 e 30) que termina
com a imagem pronta de Guernica (Fig. 31).

Fig. 25: Picasso, estudos para


Guernica, 1937. Fig. 26: Picasso, estudos para Guernica, 1937.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 185. Fonte: DERDYK, 1994, p. 184.

73
DERDYK, 1994, p. 186
74
Ibid., p. 184
75
Ibid., p. 188
76
Ibid., p. 189

47
Fig. 27: Picaso, primeiro esboço do mural Guernica, Fig. 28: Picasso, estudo para Guernica, s/ data.
1937. Fonte: DERDYK, 1994, p. 189.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 188.

Fig. 30: Picasso, estudos. S/ data.


Fig. 29: Picasso, Fonte: DERDYK, 1994, p. 187.
estudo. S/ data.
Fonte: DERDYK, 1994,
p. 186.

Fig. 31: Picasso, Guernica.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 190-191.

48
1.2.4.2 . Artistas brasileiros contemporâneos

Além dos quatro textos acima citados, na edição de 1994 de Formas de pensar o
desenho, Derdyk traz mais referências (textuais e visuais) com um último capítulo de ensaios
poéticos em relação ao desenho. Chamado Pequenos Ensaios, a autora traz imagens de seis
artistas brasileiros – Alex Cerveny (Fig. 32), Milton Sogabe (Fig. 33), Tarcísio Sapienza (Fig.
34), Ana Tatit, Gal Oppido e Tacus (Fig. 35)– e texto poéticos sobre suas relações com o
desenho.
A seguir, exemplos:

Fig. 33: texto e obras de Milton Fig. 34: texto e obra de Tarcísio
Sogabe. S/ data. Sapienza. S/ data.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 229. Fonte: DERDYK, 1994, p. 230.

Fig. 32: texto e obra de A.


Cerveny. S/ data.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 228.

Portanto, Derdyk traz exemplos históricos e mais recentes de artistas que trabalham
com o desenho, tecendo, a partir dos dois livros pesquisados, um vasto repertório ao professor.
A partir dessa coleta, compreendo que para Derdyk desenho e artes visuais são coisas
distintas, porém interligadas. Arte, portanto, pode ser um dos campos de ação do desenho, não
o único, nem o privilegiado, mas apenas mais um campo. Não por acaso, o da autora. O que,
no entanto, não a impede de construir relações com outras áreas sem que nenhuma delas tenha

49
sua importância diminuída. Entendo que a forma como define o desenho em termos de seus
usos sociais é uma maneira de afirmar que todos os seus usos são formas inteligentes de
manejá-lo.

Fig. 35: texto e obra de Tacus. S/ data.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 235.

Deste modo, Derdyk constrói um complexo tecido de referências e definições onde é


notável a importância que a autora deposita nas imagens e em sua interligação com o discurso
verbal para a construção de suas crenças, valores e preferências acerca do desenho e das artes
visuais. Oferecendo ao seu público-alvo um respeitável material de introdução a estes campos
do conhecimento humano.
Derdyk utiliza em vários pontos dos livros, além da palavra dos próprios artistas,
diversos autores para embasar-se teoricamente em relação aos assuntos desenho, arte e ao tema
da figura humana, sendo a maioria atuante na teoria ou na prática artística. Alguns deles são
recorrentes, como os teóricos Octávio Paz (apud DERDYK, 1990) e Merleau-Ponty (apud
DERDYK, 1990 e 1994), usados para falar - cada qual a seu modo - de aspectos da percepção
humana, e Pierre Francastel (apud DERDYK, 1990 e 1994), utilizado para reafirmar ideias
sobre a possibilidade da arte ser uma forma de conhecer uma sociedade. Os artistas cujas
citações textuais mais aparecem são Fayga Ostrower (apud DERDYK, 1994), com suas ideias
sobre criação e criatividade, e Saul Steinberg (apud DERDYK, 1990 e 1994), cujas definições
de desenho e imagens alimentam a autora em ambos os livros. No entanto, as três referências

50
mais fortes nas definições de desenho de ambos os livros são ligadas à uma pequena
publicação chamada Sobre Desenho, realizada no campo da arquitetura. Publicada em 1975
pelo Centro de Estudos Brasileiros do Grêmio da FAU-USP, reúne textos sobre desenho
escritos por Mário de Andrade77, Flávio Motta78 e Vilanova Artigas79.
Derdyk80 afirma que esta publicação formou a base teórica mais importante para sua
construção conceitual sobre desenho, e que o desenvolvimento desta base se deu em sua
prática poética no campo das artes visuais.
Estes dados levam-me a considerar que, para a autora, ter repertório em artes visuais
contribui para se olhar o desenho infantil com mais sensibilidade e desta maneira, propiciar o
seu desenvolvimento da forma mais plena possível. Chama a atenção a variedade e a
quantidade de reproduções que oferece ao professor, assim como a qualidade da relação entre
texto e imagem, não fazendo com que esta segunda seja mera repetição do primeiro. É digna
de atenção a abrangência cultural de suas imagens, evidenciando sua postura pluricultural e
não eurocêntrica. No entanto, notei a escassez81, principalmente em relação à edição de 2010
de Formas de pensar o desenho, de referências aos instrumentos e suportes digitais,
inegavelmente presentes na realidade da cultura, da arte, do professor e das crianças.
Para finalizar, considero que o fato de sua definição de desenho não valorizar sua
função de representação, sem, no entanto, desmerecer seu papel, amplia a concepção mais
senso comum que relaciona desenhar apenas ao registro realista e figurativo do real. Tal
ampliação abre a possibilidade para que se perceba o potencial significativo dos elementos e
sintaxes da linguagem, retirando do tema retratado o poder de definir o significado da obra e
tornando possível outras formas de exploração do desenho.
No próximo subtítulo, será estudado o seu conceito sobre desenho infantil e sua
proposta para o desenvolvimento do grafismo da criança.
77
Mário de Andrade (1893-1945), cujo texto na referida publicação chama-se Do Desenho (1965), foi um dos idealizadores
da Semana de Arte Moderna em fevereiro de 1922, e além de atuar como poeta, cronista, romancista, crítico de literatura e
de arte, musicólogo, pesquisador do folclore brasileiro e fotógrafo, tinha grande interesse pelo desenho infantil,
colaborando significativamente para o modernismo no campo da arte-educação. Para saber mais sobre a contribuição de
Andrade no campo da arte educação ver COUTINHO, 2008, p. 157-195.
78
Flávio Motta (1923) se formou em Pedagogia pela FFCLH-USP em 1947, atuou como professor em diversas instituições
de ensino e em 1954 tornou-se professor de História da Arte e Estética no departamento de História da FAU/USP. É
também pintor, desenhista (seus desenhos lembram os de Klee, Calder e Steinberg) e jornalista. Na publicação Sobre
Desenho, seu texto chama-se Desenho e Emancipação.
79
Vilanova Artigas (1915 - 1985) é um dos mais importantes arquitetos brasileiros e durante sua carreira ressaltou a
importância do papel social do arquiteto. Na publicação Sobre Desenho, seu texto O Desenho é a transcrição de sua aula
inaugural de retorno à FAU/USP em 1967, sendo um protesto em que rejeita a luta armada e “em que defende o projeto
como atitude de resistência à opressão.” Extraído de <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/ enciclopedia_IC/
index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=3614&cd_item=1&cd_idioma=28555> Acesso em 03 de abril de 2012.
80
DERDYK, 1994, p. 5
81
São apresentadas apenas duas imagens no livro Desenho da figura humana, as figuras de número 84 e a imagem abaixo a
direita da figura 158.

51
■∙■∙■
CAPÍTULO 2:
DESENHO INFANTIL E SEU DESENVOLVIMENTO
■.■.■

Como citado anteriormente, o foco do livro Formas de Pensar o desenho1 é ampliar as


noções de desenho infantil usando como parâmetro, além da própria perspectiva da autora
sobre a grafia da criança, definições e exemplos da cultura e das artes visuais. Já no livro
Desenho da Figura Humana, o foco parece recair sobre o tema da figura humana em si,
ficando o desenho infantil no lugar de um aprofundamento do assunto central. De qualquer
forma, em ambos os títulos, Derdyk direciona seu discurso ao professor e olha para o desenho
infantil da mesma perspectiva.
Primeiramente, Derdyk explicita que na criança “o ato de desenhar impulsiona outras
manifestações, que acontecem juntas, numa unidade indissolúvel”2, propiciando uma relação
com o mundo menos fragmentada que a do universo adulto.
Valorizando a forma íntegra da criança atuar, a perspectiva de Derdyk conceitua o
desenho infantil em temos de um movimento de externalização de conteúdos internos. “Estes
conteúdos, (…) correspondem, de uma certa forma, ao desenvolvimento do aparelho
neurológico, físico, perceptivo e mental da criança.3”
O critério de categorização das fases e mudanças é norteado por “uma visão processual
e orgânica do desenvolvimento gráfico da criança. Este é cheio de idas e vindas, não
ocorrendo linear e ascendentemente.”4 Parâmetro que rejeita uma organização em termos de
faixas etárias, sendo construída “por conteúdos vivenciais detonadores de pesquisas gráficas, e
1
O texto do capítulo sobre desenho infantil permaneceu o mesmo na edição de 2010. As imagens de desenhos infantis e as
fotografias de crianças desenhando, no entanto, foram parcialmente modificadas.
2
DERDYK, 1994, p. 19
3
Ibid., p. 50
4
Ibid., p. 50

52
vice-versa.(...) Às vezes o mesmo conteúdo (emocional, perceptivo, gráfico) pode ser
pesquisado em crianças de faixas etárias distintas.”5 Trata-se, portanto, de pensar na vivência
da própria criança como fator promotor das alterações em seu desenho e, ao mesmo tempo,
entender a atividade de desenhar como promotora de significativas mudanças na criança.
Em Desenho da figura humana, o corpo inteiro é concebido como “instrumento” de
desenho e é entendido como fonte de estímulos, de informações e de pesquisa para as soluções
gráficas infantis, onde a autora indica “inúmeras hipóteses (…) a respeito da correspondência
entre a consciência corporal da criança e o discurso gráfico de sua (...) representação da figura
humana.”6
Em relação à definição de desenho infantil, encontrei nas duas obras (1990 e 1994) três
ideias principais sobre a relação da criança com o desenhar: como brincadeira, como meio de
expressão e como inteligência. E uma outra ideia sobre o caráter natural e também cultural de
seu desenho.
A noção de desenho infantil como brincadeira refere-se ao fato de que “a criança
desenha, entre outras tantas coisas, para divertir-se”7, mas também à ideia de que suas
brincadeiras podem ser entendidas como desenho, como ao organizar “as pedras e as folhas ao
redor do castelo de areia, ou como organiza as panelinhas, os pratos, as colheres, na
brincadeira de casinha.”8
Em alguns momentos ela se refere ao desenhar da criança como aquisição de
linguagem gráfica9, mas o corpo central de sua proposta entende o desenho como meio de
expressão a ser desenvolvido, pois, “é a manifestação de uma necessidade vital da criança:
agir sobre o mundo que a cerca; intercambiar, comunicar”10. A autora concebe o desenho como
um modo de “desenvolvimento do potencial criativo na criança (…) essencial ao seu ciclo
inato de crescimento.”11 Para Derdyk (1994), é uma maneira de “trazer à tona desejos
interiores, comunicados, impulsos, emoções e sentimentos.”12 O desenho infantil é também
entendido por ela como uma forma de “ler” a sensibilidade da criança, já que é “a memória
visível do acontecido: fotografia mental, emocional e psíquica.”13. Mas isto não
necessariamente implica, para a autora, conceber o desenho infantil como arte. Reafirmando
5
DERDYK, 1994, p. 50
6
Idem, 1990, p. 108
7
Idem, 1994, p. 50
8
ALBANO apud DERDYK, 1994, p. 51
9
DERDYK, 1990
10
Idem, 1994, p. 51
11
Ibid., p. 52
12
Ibid., p. 51
13
Ibid., p. 52

53
sua ideia, cita Ostrower, autora que mesmo corroborando com uma visão espontaneísta do
desenho infantil afirma que a criança não produz arte porque não tem intenção e/ou
consciência de participar do universo artístico em sua concepção adulta, visto que “a criança
não se preocupa em alterar o meio ambiente intencionalmente. O adulto altera o mundo que o
cerca consciente e intencionalmente, chegando a transformar os referenciais culturais.”
(OSTROWER apud DERDYK, 1994, p.52)
A terceira concepção sobre o grafismo infantil, refere-se ao desenho como
manifestação da inteligência da criança.

A criança vive a inventar explicações, hipóteses e teorias para compreender a


realidade.(...) Ela reconstrói suas hipóteses e desenvolve a sua capacidade intelectiva
e projetiva, principalmente quando existem possibilidades e condições físicas,
emocionais e intelectuais para elaborar estas “teorias” sob forma de atividades
expressivas.14

E uma quarta noção encontrada, define o caráter do desenho infantil como natural e
também cultural. Derdyk reconhece tanto a influência de aspectos biológicos característicos da
estrutura orgânica do ser humano - “necessidade motora e energética”15 -, como os fatores
mais sociais de influência no desenho infantil - “parcela que corresponde às circunstâncias
geográficas, temporais e culturais do curso humano.”16 A autora aponta ainda os fatores do
desenho entendendo-o como campo cultural, que representam os “gestos adquiridos,
aculturados e imitativos. E mais ainda, são gestos reelaborados, construídos e inventados.”17
Derdyk explicita detalhadamente sua perspectiva sobre o desenvolvimento do desenho
infantil em ambos os livros estudados18. A diferença reside no foco de cada um, já que em
Formas de Pensar o Desenho, a autora fala de forma mais geral dos aspectos “do aparelho
neurológico, físico, perceptivo e mental”19 que influenciam no desenhar; e em Desenho da
Figura Humana, ela ressalta especificamente a construção da figura humana. Explicita o papel
do corpo da criança como fonte de ideias visuais – ao observar sua aparência e a dos outros -
e, principalmente, fonte perceptiva – ao expressar em desenho aquilo que percebe acontecer
em seu corpo.
No livro Desenho da Figura Humana, portanto, a maior parte da explicação trata do
desenho em sua faceta de representação, o que difere um pouco de Formas de Pensar o
14
DERDYK, 1994, p. 52
15
Ibid., p. 124
16
Ibid., p. 53
17
Ibid., p. 124
18
E esta parte não sofreu alterações na edição de 2010 de Formas de Pensar o Desenho.
19
DERDYK, 1994, p. 50

54
Desenho, no qual a função representativa é minimizada em prol de outros aspectos, como a
articulação dos elementos da linguagem e suas possibilidades de significados ou a
expressividade do gesto e consequentemente da linha.
Derdyk não explicita em quais condições ela observou, pesquisou e concluiu o que diz
a respeito do desenvolvimento gráfico da criança, mas traz citações de alguns autores. Suas
principais referências teóricas20 são Florence de Mèredieu21 e Rhoda Kellog22.
No capítulo 3 do livro Formas de pensar o desenho, chamado O desenho das crianças,
Derdyk apresenta sua proposta teórica para o desenvolvimento gráfico infantil. A autora divide
o capítulo em 10 subtítulos. O primeiro (Retomada do processo de aquisição da linguagem
gráfica23) é uma introdução ao assunto, os 8 seguintes correspondem aos conteúdos vivenciais
que relaciona com o desenhar da criança, sendo que um deles discute não um conteúdo
vivencial mas a diferença entre imitação e a cópia no processo de aprendizagem do desenho
(Imitação e cópia24) e um último resume sua proposição (Do caos à ordem, do mágico ao
conceito25).
A seguir, a proposta teórica de Edith Derdyk para o desenvolvimento gráfico infantil.

2.1 ■ PRIMEIRO CONTEÚDO VIVENCIAL: “O grafismo e o gesto”26

Os primeiros conteúdos vivenciais da criança, segundo Derdyk (1990 e 1994), são a


20
Ambas autoras são citadas exclusivamente no livro Formas de pensar o desenho, já que no capítulo sobre
desenvolvimento da grafia da criança em Desenho da Figura Humana, Derdyk não cita nenhum autor, mesmo que as
ideias de ambas estejam presentes neste livro também.
21
Mèredieu - docente da Universidade de Paris na área de artes visuais - na obra O desenho infantil, de 1979, atribui grande
valor a espontaneidade e a originalidade como características da produção da criança a serem preservadas. Descreve
estágios não etários, mas guiando-se pelo tipo de formas que vão surgindo e baseia-se no trabalho de Arno Stern para isso.
Acredita que a representação figurativa não deva ser valorizada pois tem papel secundário no desenvolvimento do
desenho. Valoriza, ao contrário, a retomada da gestualidade infantil – e ressalta a expressividade dos rabiscos - tendo
como parâmetro as experimentações modernas da arte. Delega à escolarização formal – especialmente à alfabetização - a
responsabilidade pelo enfraquecimento e até pela paralisação do desenho por parte da criança.
22
Rhoda Kellog empreende uma extensa pesquisa acerca da gramática formal apresentada pelas garatujas iniciais da criança.
No livro Analyzing children´s art, de 1969, concomitantemente com o estudo das mudanças no grafismo, analisa os
aspectos que permanecem constantes no decorrer de seu desenvolvimento. Em decorrência desta perspectiva, concebe que
a crescente complexidade da grafia infantil se deve aos “'padrões de implantação' e a 'articulação dos rabiscos
básicos'”(KELLOGG apud IAVELBERG, 2008, p. 47). Neste sentido, Iavelberg (2008, p. 49) indica que para Kellogg “o
desenho se transforma porque uma estrutura linear conduz à outra, uma vez que o sistema linear é visualmente
lógico.”Além deste fator promotor de mudanças, Kellogg entende que a estrutura de funcionamento da percepção – do
mais simples ao mais complexo - faz com que as crianças percebam as formas do mundo e criem configurações gráficas
simplificadas para representá-las. Assim como Mèredieu, acredita que a alfabetização formal é a responsável pelo
esmaecimento da produção imagética infantil.
23
DERDYK, 1994, p. 48
24
Ibid., p. 107
25
Ibid., p. 133
26
Ibid., p. 55

55
percepção de que ela é capaz da preensão de instrumentos, “já percebe que suas mãos seguram
um objeto capaz de imprimir marcas sobre qualquer superfície: o muro, a areia, o barro, o
papel”27 (Fig.36); e a percepção de que seus movimentos, ao relacioná-los com alguns
instrumentos, podem gerar marcas nas superfícies, pois o “suporte lhe oferece uma resistência,
e dessa resistência material nasce a entidade gráfica.”28 Marcas que permanecem
“misteriosamente no papel. É comum observar crianças que olham do outro lado do papel para
ver o que aconteceu ali”29

Fig. 36 : Criança pintando. Fig. 37: Desenho de André (2 anos e 5 meses)


Fonte: DERDYK, 1994, p. 56. Fonte: DERDYK, 1994, p. 61.

O grafismo gerado é “essencialmente motor, orgânico, biológico, rítmico”30 (Fig. 37) e


“a permanência da linha (...) estimula sensorialmente a vontade de prolongar este prazer”31; ou
seja, o estímulo para desenhar mais, para Derdyk, vem desse “prazer auto-gerado, diferente do
prazer sentido pela obtenção de alimento, de calor, de carinho.”32 E recorre ao pensamento de
Rhoda Kellog (apud DERDYK, 1994, p. 59) para acrescentar que “a criança que tem bastante
oportunidade para desenhar, certamente irá explorar uma maior quantidade de tipos variados
de grafismos. A percepção se torna aguçada.” Portanto, os fatores promotores das mudanças
no desenho neste momento são a sensação de prazer e as oportunidades de exercer a atividade.
Neste processo inicial, o papel do corpo, segundo Derdyk (1990), é o de fundador da
marca e promotor do prazer de movimentar-se. O desenho é puro registro do corpo da criança
em movimento.
O descontrole inicial gera borrões, traços e pontos em múltiplas direções, sempre com

27
DERDYK, 1990, p. 101
28
Ibid., p. 106
29
Idem, 1994, p. 55
30
Ibid., p. 56
31
Ibid., p. 56
32
Ibid., p. 56

56
um caráter de marca acidental, as chamadas garatujas. (Fig. 38 e 39) A forma da criança passar
a apreender as próprias marcas para que possa reproduzi-las, ou seja, a sua estratégia intuitiva
de aprendizagem, é a repetição de si, que “visa automatizar, incorporar, dominar um gesto
adquirido, um movimento inventado, um rabisco criado.”33
O controle do gesto vem, segundo Derdyk (1994), conforme a prática e o crescimento
orgânico, pois “ao experimentar novas estruturas de movimento, seus gestos vão,
naturalmente, ritmando-se, arredondando-se, passando do gesto contínuo ao descontínuo, do
gesto rápido ao lento.”34

Fig. 38: Desenho de Lua Maria (3 anos e 4 meses). À direita, detalhes.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 59. Fig. 39: Desenho de Jim (3 anos)
Fonte: DERDYK, 1994, p. 62.

2.2 ■ SEGUNDO CONTEÚDO VIVENCIAL: “O corpo é a ponta do lápis”35

Num segundo momento, o conteúdo vivencial infantil é a


tomada gradual de consciência de que o poder e o controle
sobre as marcas estão nela mesma36, ou seja, “a criança, em suas
garatujas, obedece às necessidades do sistema nervoso afinado
com um desejo de significação e afirmação de seu ser no

Fig. 40: Desenho de Íris (3 anos) mundo.”37 A marca passa a ser alterada por vontade e intenção
Fonte: DERDYK, 1994, p. 67.
da criança que “mantém uma relação de propriedade com os
seus rabiscos.”38 E, segundo a autora, as mudanças na estrutura e características da marcas são
fruto do seu processo natural de crescimento: da aquisição da “capacidade de encontrar apoios,
33
DERDYK, 1994, p. 59
34
Ibid., p. 62
35
Ibid., p. 63
36
Ibid., p. 64
37
WINNICOTT apud DERDYK, 1994, p. 63
38
DERDYK, 1994, p. 63

57
entender os mecanismos corporais de equilíbrio e desequilíbrio.39
Para Derdyk (1994), o desenho passa a ter uma
intencionalidade e vira brincadeira. Na qual, assim como as
outras brincadeiras neste momento, “o corpo inteiro está
presente na ação, concentrado na pontinha do lápis.”40 O papel
do corpo ainda é ser o promotor da produção gráfica, mas ao
Fig. 41: Íris (3 anos e 6 meses)
Fonte: DERDYK, 1994, p. 67. passar a ser gradualmente controlado pela criança, também
adquire a função de lhe fornecer a dimensão de seu lugar do mundo.
Logo que a criança “domina” seu corpo, ela acredita que pode comandar o mundo,
fantasia agravada pela dificuldade de diferenciar claramente seu eu dos outros (...).
Lentamente a criança adquire a dimensão da amplitude e do alcance real de suas
ações.41
Entendo que a forma de aprender novas grafias e manter as antigas é repetindo-as e
experimentando mais conscientemente novas possibilidades, já que suas marcas não são
totalmente acidentais como antes. Para ela, “a tentativa experimental é a (...) operação natural
de aquisição de conhecimento através da experiência, da vivência.”42 Os grafismos ainda são
garatujas, mas já é possível perceber uma maior estruturação (Fig. 40 e 41).

2.3 ■ TERCEIRO CONTEÚDO VIVENCIAL: “A sugestão do gesto”43

Conforme Derdyk (1994), trata-se do


desenvolvimento da capacidade de encontrar formas
representativas no emaranhado de grafismos que
produz, ou seja, a percepção de que o desenho pode
servir para representar as coisas do mundo (Fig. 42),
como quando “em meio àqueles traços sinuosos,
Fig. 42: Brincadeira com feita por Gal Oppido.
De um traço aleatório inventa-se um desenho. Fonte:
obsessivos, limpos ou intrigantes, de repente a
DERDYK, 1994, p. 69.
criança visualiza um grande jacaré de boca aberta ”44
(Fig. 43). Ou seja, para a autora, “o olho aperfeiçoa sua visão e se afeiçoa ao prazer de
descobrir formas, que aos poucos vão brotando.”45
39
DERDYK, 1994, p. 64
40
Ibid., p. 63
41
Idem, 1990, p. 106
42
Idem, 1994, p. 64
43
Ibid., p. 68
44
Ibid., p. 68
45
Idem, 1990, p. 102

58
Quando “essa capacidade de visualizar, perceber e aceitar a sugestão que o próprio
traço lhe dá, promove um grande diálogo entre a criança e o acontecimento do papel”46, a
criança começa a criar relações e analogias entre a
imagem produzida e o mundo ao seu redor.
A autora afirma que a criança passa a
atentar para o que vê em seus desenhos e isso
muda sua relação com eles. “A relação inusitada
olho/ cérebro/ mão/ instrumento/ gesto/ traço
redimensiona o ato de desenhar e o jogo é Fig. 43: Desenho de Lua Maria (3 anos e 7 meses)
acrescido de novas regras.”47 Interpreto que o Fonte: DERDYK, 1994, p. 76.
olho e a mão se tornam conscientemente instrumentos parceiros do desenhar.
Segundo Derdyk (1990), neste terceiro conteúdo vivencial, o papel do corpo se
transforma um pouco; o desenho deixa de ser a pura ação do corpo e passa a ser uma ponte
entre percepção do mundo externo e elaboração intelectual deste conteúdo. “O olho, (...) passa
a ser a linha que liga dois universos: o lá de dentro e o lá de fora. Entidade móvel, o olho vê
formas, vê o outro, vê a si mesmo.”48
Inaugura-se o jogo do 'faz-de-conta'; “no desenho,
qualquer signo gráfico pode evocar a noção de vida”49. E,
para a autora, esse jogo de reconhecimento abre o campo
das possibilidades gráficas de representação do ser humano.
“Os humanos aparecem sob várias formas: pontos olhando
caminhos labirínticos, linhas que vibrem como cabelos ao
vento, (...) formas elementares representando seres e
entidades, a associação de formas configurando a figura
humana (...)”50
Para Derdyk (1994), nesse momento inicia-se um
reconhecimento das funções de cada parte do corpo, pois
Fig. 44: Des. de Íris (3 anos e 6 meses) “conforme a criança vai se desenvolvendo, cada pedacinho
Fonte: DERDYK, 1994, p. 77.
do seu corpo vai adquirindo autonomia, assumindo um

46
DERDYK, 1994, p. 68
47
Ibid., p. 71
48
Idem, 1990, p. 102
49
Ibid., p. 119
50
Ibid., p. 119 – grifo da autora

59
significado, uma especificidade (...)”51
Os traços são mais descontínuos, frutos de uma movimentação menos impulsiva e mais
lenta, afirma a autora. A observação do mundo é parte do processo de formulação das imagens,
já que “o olho ajuda a construção de formas e a memorização das mesmas.”52 Derdyk cita
Kellog para indicar que os “rabiscos que não sugerem formas não são recordados. A criança
tem uma percepção inata de formas.”(KELLOG apud DERDYK, 1994, p. 74)
A partir do desenvolvimento da capacidade de “discernir, distinguir, qualificar,
percebendo semelhanças e diferenças entre os objetos e os grupos de objetos”53, Derdyk afirma
o surgimento das primeiras formas que a criança repete para poder dominá-las e reproduzi-las
quando desejar (Fig. 44). Assim como “passam a existir expectativas de resultado em algumas
crianças que chegam, por vezes, ao sentimento de frustração.”54 Uma citação de Merèdieu
resume o pensamento exposto por Derdyk: “O desenho entra na categoria de jogo simbólico
ou imaginário quando permite à criança exprimir um pensamento individual” (MERÈDIEU
apud DERDYK, 1994, p. 76). A autora em análise conclui que se trata do primeiro momento
onde o desenho vai da pura ação para uma atividade simbólica.

2.4 ■ QUARTO CONTEÚDO VIVENCIAL: “Percursos no espaço”55

Este conteúdo vivencial, segundo


Derdyk56, diz respeito a percepção espacial
infantil que se complexifica, sendo que “a
forma como ela expressa sua percepção
espacial no papel espelha a percepção corporal
que a criança tem de si própria. Num primeiro
momento, seu espaço gráfico é o espaço do
Fig. 45: Desenho de Yara (4 anos)
Fonte: DERDYK, 1994, p. 79. corpo e do gesto.”57. E tal mudança gera no
desenho concepções de tamanho guiadas por critérios emocionais e formas mais estruturadas,

51
DERDYK, 1994, p. 71
52
Ibid., p. 74
53
Ibid., p. 75
54
Ibid., p. 75
55
Ibid., p. 78
56
Ibid., p. 78-9
57
Ibid., p. 78

60
complexas e intencionais de organização no espaço do papel. “O espaço emocional traz para
bem perto ou leva para bem longe os objetos dotados de afeto, independentemente de sua real
posição física”58 (Fig. 45). Visão de orientação psicológica, que reafirma a perspectiva de
Derdyk de que o desenho infantil é uma forma de ler a interioridade emocional da criança.
Segundo Derdyk (1994), a forma de
organização espacial neste momento é
construída também de acordo com uma
percepção topológica do mundo (Fig. 46).
Naturalmente, a criança aprende a
organizar-se espacialmente passando “a
estabelecer referências para poder se situar
no tempo e no espaço, identificando
qualidades e estados nos objetos”59. Assim
como passa a identificar diferenças e Fig. 46: Desenho de Íris (sem notação da idade).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 78.
“semelhanças, sejam elas de ordem física, emocional ou até intelectual. A criança organiza
grupos, coleções, séries, famílias.”60 A capacidade dessa diferenciação indica, segundo
Derdyk, uma maturidade “para generalizar, abstrair, classificar, envolvendo conceitos.”61
O próprio corpo é neste momento a referência para a criança compreender as relações de
espacialidade (Fig. 47), já que a “noção de
direção e sentido se conjuga com a noção de
movimento: desequilíbrio em direção a um
equilíbrio que pretende se estabilizar.”62 Ou
seja, é entender que sua fisicalidade é o seu
próprio centro de orientação espacial. O corpo
começa a servir para uma pesquisa infantil
sobre si próprio, passando “a ser uma fonte
enumerativa”63, pois “as articulações dos
elementos gráficos (…) deixam transparecer a Fig. 47: Crianças brincando. Foto de Laureni
Fochetto.
provável compreensão por parte da criança das Fonte: DERDYK, 1994, p. 85.

58
DERDYK, 1994, p. 78
59
Ibid., p. 81
60
Ibid., p. 81
61
Ibid., p. 82
62
Idem, 1990, p. 121
63
Ibid. p. 120

61
articulações corporais que vão possibilitar o movimento.”64
Derdyk (1994) afirma que neste momento passam
a surgir retas verticais e horizontais, cruzes e outros
“elementos gráficos que se repetem, lado a lado”65 (Fig.
48). E a partir da organização e utilização simultânea
destas formas surgem composições mais complexas e
estruturadas. É, segundo Derdyk66 por meio das
experiências com a articulação desses elementos
gráficos através de operações de “justaposição,
sobreposição, transparência e recorte”67 que a criança
vai aperfeiçoando sua capacidade de expressão gráfica e

Fig. 48: Des. de Íris (sem notação de idade) “diversificando a invenção de tipos e personagens”68.A
Fonte: DERDYK, 1994, p. 83.
autora não indica diretamente a influência de Kellogg
nestas concepções, mas identifico uma relação direta entre esse percurso descrito por Derdyk e
as ideias de Kellogg acerca da maneira como as figuras mais complexas vão sendo compostas
por meio da articulação entre grafismos mais simples.
No entanto, por mais que haja neste
momento um refinamento na diferenciação das
partes, e em especial no desenho das partes da
figura humana, com o “aparecimento dos
detalhes num conjunto único, enriquecendo o
universo gráfico, não existe uma preocupação
explícita, descritiva e analítica, referente à
questão da anatomia e proporção do corpo
humano”69 (Fig. 49).
O desenho muda de natureza, de “fruto
de uma ação e percepção, (…) ele passa a Fig. 49: Desenho de Íris (sem notação de idade).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 83.
processar a percepção, emitindo conceitos.”70
Entendendo que percepção e conceito são duas instâncias fundamentais para o processo de
64
DERDYK, 1990, p. 120
65
Idem, 1994, p. 81
66
Idem, 1990, p. 122
67
Ibid,. p. 122
68
Ibid,. p. 122
69
Ibid., p. 122
70
Idem, 1994, p. 82

62
aprendizagem e crescimento, Derdyk cita Gasset,

sem o conceito não saberíamos bem onde começa e onde acaba uma coisa; como
impressões as coisas são fugazes, fugidias, deslizam de nossas mãos e não as
possuímos. O conceito, interligando umas com as outras, acaba por fixá-las e
aprisioná-las. (GASSET apud DERDYK, 1994, p.82).

O desenho passa a ser o meio de expressão da “organização interna do universo da


criança, (…) a projeção no papel da percepção espacial vivida pela criança.”71 e “a
representação da figura humana vai ganhando espaços, conquistando fronteiras, alargando seus
limites.”72

2.5 ■ QUINTO CONTEÚDO VIVENCIAL: “O primeiro círculo”73

A aquisição da consciência de si e, em termos gráficos, o


surgimento do círculo (Fig. 50) é o conteúdo vivencial seguinte:
“no momento em que há uma distinção entre o eu e o outro, o
círculo está pronto para surgir. O aparecimento da palavra eu
tem um significado similar ao aparecimento do círculo no
desenho. Em termos psíquicos, equivale à conquista da
consciência.”74 Novamente, Derdyk recorre à psicologia como

Fig. 50: Des. de Marina (sem justificativa para o surgimento de uma forma no
notação de idade). desenvolvimento gráfico infantil.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 86.
No entanto, para a autora, o surgimento do círculo não tem relação somente com
questões individuais, mas trata-se de uma imagem arquetípica. “O gesto circular comparece
em várias sociedades e culturas: das mais primitivas às contemporâneas, (…) pertence ao
coletivo. O gesto circular é inerente ao homem.”75
O círculo é o primeiro indício do aparecimento da forma fechada no desenho da criança
(Fig. 51 e 52), sendo “algo permanente que se distingue do todo, nascendo uma relação
subliminar entre figura e fundo.”76 Em termos perceptivos e psicológicos é, para a autora, a
inauguração da “diferenciação entre o mundo exterior e o mundo interior, dentro/fora,
71
DERDYK, 1994, p. 82
72
Idem, 1990, p. 121
73
Idem, 1994, p. 86
74
Ibid., p. 89
75
Ibid., p. 89
76
Ibid., p. 90

63
aberto/fechado, eu/outro.”77
Sendo uma afirmação de si, a tomada de
consciência desta diferenciação entre o “eu” e o
mundo, é um movimento em busca de uma
identidade. Busca na qual Derdyk acredita que o
desenho tenha papel fundamental. “Eis a
descoberta do corpo em sua concretude (…). A
criança descobre em si uma confidente, que lhe Fig. 51: Des. de Lua Maria (2 anos e 2 meses)
Fonte: DERDYK, 1994, p. 87.
revela um mundo interior. O desenho é seu
cúmplice desta nova existência interior.”78 É um movimento aonde a percepção do corpo ajuda
a definir um desenho e o ato de desenhar vai contribuindo para o refinamento da identidade de
si. “A representação da figura humana estabelece vínculos de identidade profundos com nós
mesmos – estamos ali expressos.”79
Sendo essa tomada de consciência de si uma
vivência de todo ser humano, Derdyk afirma que é em
virtude dela que “a estrutura e a morfologia gráfica da
figura humana, nos desenhos infantis, são praticamente as
mesmas nas várias culturas, pois partem de um patamar
comum: nosso próprio corpo.”80 Isso significa que no
processo de construção do desenho da figura humana o
primeiro fator de influência é “o mesmo mecanismo de
Fig. 52: Des. de Tati (sem notação de apreensão visual inata ao ser humano, o que, de uma certa
idade)
Fonte: DERDYK, 1994, p. 90. forma, garante a identidade da espécie”81 Este dado faz
com que, segundo a autora, seja “a tradução gráfica do esquema e estrutura corporal da
morfologia humana basicamente comum em todas as épocas”82; só depois é que “a percepção,
o gesto corporal e a atitude gráfica divergem em conformidade com as circunstâncias
históricas e culturais.”83 Ou seja, para Derdyk, os fatores internos têm precedência em relação
aos socioculturais no processo de transformação do desenho infantil.
O que Derdyk afirma é que, além do corpo (de si e do outro) ser o objeto observado
77
DERDYK, 1994, p. 91
78
Idem 1990, p.119
79
Ibid., p. 108
80
Ibid., p. 110
81
Ibid., p. 112
82
Ibid., p. 112
83
Ibid., p. 112

64
pela criança quando começa a figurar pessoas, ele é também a fonte de sensações e percepções
que se manifestarão via desenho. Para a autora, é a vivência de sua fisicalidade que influencia
a forma como a criança vai construir o desenho da figura humana. Além das questões físicas e
psíquicas, o fator de mudança na grafia infantil neste momento é a observação por parte da
criança de seu próprio desenho. É neste sentido que Derdyk afirma que “as formas circulares
amadurecem, se desenvolvem, associam-se entre si, relacionam-se com outros elementos
gráficos, até que surgem as mandalas, desenhos circulares de formas geométricas
concêntricas.”84 (Fig. 52)

Fig. 53: Desenho .s/ identificação de nome e idade da criança.


Fig. 54: Desenho de Marina (3 anos e 6 meses).
Fig. 55: Desenho de Flávia (3 anos).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 92.

Além do círculo, cujo gesto é mais orgânico e instintivo, outras formas fechadas
começam a surgir com o tempo, como o quadrado (Fig. 54) “que nasce de movimentos
descontínuos e 'coincide com a aquisição
do duplo controle do ponto de partida e
do ponto de chegada'” (MÈREDIEU
apud DERDYK, 1994, p. 93) Assim
como “nascem outros elementos gráficos
que se alongam para fora: membros,
galhos, raios, dedos, pés, as
85
extremidades” (Fig. 53 e 55). De
qualquer maneira o aparecimento da Fig. 56: Desenho de Yara (sem notação de idade).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 93.
forma fechada permite “à criança

84
DERDYK, 1994, p. 91
85
Idem, 1990, p. 119

65
conjugar novos espaços, novas figuras, novas construções. Jogos de equilíbrio entre as formas
em busca de configurações e representações do percebido, do real e do imaginário”86 (Fig. 56).

2.6 ■ SEXTO CONTEÚDO VIVENCIAL: “O desenho, a fala e a escrita” 87

Fig. 57: Desenho de Lua Maria (sem notação


de idade).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 98.
Fig. 58: Desenho de Lua Maria (3
anos e 11 meses).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 105.

Segundo Derdyk, a introdução da palavra é um conteúdo tão relevante ao


desenvolvimento do desenho infantil que a autora aponta sua influência em três momentos
diferentes do amadurecimento da criança.
Primeiramente como oralidade, a aquisição da fala gera a verbalização da intenção e,
principalmente, da interpretação do desenho por parte da própria criança. Como meio de
expressão, o desenho ganha a palavra como aliada nesta função.
Essa interpretação verbal “que a criança realiza ao ver ou ao fazer o seu desenho muitas
vezes se transforma numa outra 'estória'”88, gerando significados múltiplos para um mesmo
desenho, pois o “signo visual é aberto, contém um feixe grande de possíveis significações”89.
E tais interpretações muitas vezes diferem da intenção inicial da criança, tornando-se “mais
rica e criativa que o próprio desenho, sendo este o suporte da fala, da narração verbal”90. Esta
diferença entre intenção e interpretação é, segundo a autora, um índice de “um projeto, de um
pensamento em exercício, que pode ou não corresponder ao resultado: o confronto da imagem

86
DERDYK, 1994, p. 93
87
Idem, 1990., p. 94
88
Idem, 1994, p. 95
89
Ibid., p. 95
90
Ibid., p. 95

66
interna com a externa.” 91 Aqui, portanto, a palavra entra como produtora e transformadora de
sentidos para a imagem92 e como “instrumento para a criança elaborar seus medos, angústias,
emoções.”93
Num segundo momento, segundo Derdyk94, a palavra
agrega no entendimento infantil sobre o desenho uma
função comunicativa, objetiva e prática. Isso se deve,
conforme a autora, à relação que a criança faz entre
desenho e escrita no processo de compreensão inicial do
que seja essa linguagem de grande aceitação social. “A
vontade de ingressar no mundo dos grandes, participando
das formas oficiais de comunicação, leva a criança a
inventar, no desenho, escrituras fictícias, mensagens
secretas. (…) As crianças sentem que estão
verdadeiramente comunicando algo”95 (Fig. 57, 58 e 59).
Segundo Derdyk, existem diversos estudos que
Fig. 59: Des. de Jim (sem notação de
idade). “estabelecem uma correspondência e uma similaridade
Fonte: DERDYK, 1994, p. 94.
operacional e significativa entre o desenho infantil e a
gênese da escrita”96; correspondência “efetivada
pela ideia de ícone. 'Ícone é um representante
que, em virtude de qualidades próprias, se
qualifica como signo em relação a um objeto,
representando-o por traços, de semelhança ou
analogia'”97(Fig.60). As formas gráficas surgidas
são linhas angulares, como dentes de serra, uma
espécie de proto-escrita, na tentativa de imitar o
ato de escrever (Fig. 57, 58, 59 e 60).
Fig. 60: Des. de Flávia (4 anos e 6 meses).
O terceiro momento trata da entrada da Fonte: DERDYK, 1994, p. 99.

palavra no processo de escolarização, mais precisamente a alfabetização, que “pode inibir o


91
DERDYK, 1994, p. 95
92
Derdyk não cita a fonte desta sua ideia, mas identifico claramente a influência de Luquet e suas reflexões sobre como a
verbalização da intenção e da interpretação da criança em relação aos seus desenhos transforma e multiplica os
significados da imagem por ela criada.
93
Ibid., p. 96
94
Ibid., p. 99
95
Ibid., p. 99
96
Ibid., p. 99
97
PIGNATARI apud DERDYK, 1994, p. 102

67
processo de desenvolvimento gráfico infantil”98. Derdyk acredita que dependendo de como o
ensino da escrita for realizado (Fig. 61), se tornará uma influência problemática para o
desenho infantil. Pois além da ênfase que a escola dá a escrita – reservando pouco espaço e
tempo para o exercício do desenho, haveria uma “aculturação da mão dada pelo manejo do
instrumento”99 e uma transposição da “forma de ocupação espacial necessária para a escrita”100
que direcionaria (Fig. 62) o sentido da imagem e exigiria um “tremendo controle motor”101.
Para Derdyk a escola formal pode ter
o poder de silenciar o corpo como fonte de
pesquisa e percepção para o desenho. Pode
fazer com que as sensações e vivências
físicas que, segundo a autora, moviam a
construção gráfica infantil, sejam
substituídas por uma intensa e prioritária
atividade verbal e intelectual102. “A
Fig. 61: Exemplo de exercício de alfabetização.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 103. paralisação perceptiva alcança dimensões
para além das fronteiras do desenvolvimento da linguagem gráfica”103 podendo “prejudicar
estruturalmente todo o processo de aquisição de conhecimento”104, resultando no
empobrecimento das soluções
gráficas infantis e, “na maioria
dos casos, uma diminuição da
produção gráfica.”105 Tal
esmaecimento é o indício que
Derdyk aponta para que os
sistemas de ensino repensem suas
estratégias de trabalho com as
crianças.
Fig. 62: Desenho de Yara (sem notação de idade).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 102.

98
DERDYK, 1994, p. 103
99
Ibid., p. 103
100
Ibid., p. 103
101
Ibid., p. 103
102
Ibid., p. 103
103
Ibid., p. 103
104
Idem, 1990, p. 126
105
Idem, 1994, p. 103

68
2.7 ■ SÉTIMO CONTEÚDO VIVENCIAL: “Observação, memória e
imaginação”106

Por fim, o sétimo conteúdo vivencial que proponho, trata da entrada da visão como
elemento de obtenção de informação e significação para o desenho. No entanto, para Derdyk,
“o olhar não é apenas ver. O olhar transforma as coisas que vemos em atividade mental. A
imagem mental reapresenta o percebido, passível de ser materializado, através das várias
linguagens”107 (Fig. 63). Ou seja, não somente a entrada da visão muda a relação da criança
com o seu desenho, mas revela seu amadurecimento, pois, “manifesta a capacidade de reter,
guardar, conter uma informação”108

Fig. 63: Desenhos de Yara (sem notação de idade).


Fonte: DERDYK, 1994, p. 122-123.

E, se olhar é um ato ao mesmo tempo perceptivo e processador de sentido, “podemos


elevar o sentido do olhar e do desenhar à ideia de 'fábrica de imagens', ou então, 'fábrica de
significações'”109
A inserção do olhar como fator importante no desenhar da criança não significa que o
seu desenho seja

106
DERDYK, 1994, p. 112
107
Ibid., p. 112
108
Ibid., p. 118
109
Ibid., p. 118

69
mera cópia, reprodução mecânica do original. É sempre uma interpretação,
elaborando correspondências, relacionando, simbolizando, significando, atribuindo
novas configurações ao original. O desenho traduz uma visão porque traduz um
pensamento, revela um conceito.110

É neste sentido que Derdyk afirma que a criança “não desenha o que vê mas o que
sabe111, o que sente. Seu saber é seu sentir e perceber”112.
Levando em consideração as descrições de Derdyk sobre
todas as inserções da visão no desenvolvimento do desenho
infantil, entendo que a autora não esteja se contradizendo
ao dizer que a criança não desenha o que vê, mas interpreto
que a negação se trate de pensar na visão como parâmetro
de semelhança e medida reais. Como afirma a autora, “o
desenho da figura humana não tem intenções
explicitamente anatômicas, simétricas e referenciais. A
sensação interna de se sentir no mundo é a sua bandeira”113
Fig. 64: Des. de Yara (6 anos).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 126. (Fig. 64).
O papel do corpo neste momento é o de ser objeto de pesquisa sobre seu funcionamento
interno, onde “a dinâmica do corpo é um elemento vivo para a experimentação gráfica.”114 e
centro do qual a criança passa a olhar e perceber o funcionamento (e não somente as
aparências) do mundo.
Começa a se manifestar a diversidade dos pontos de vista, o relativismo das
informações, a observação dos fenômenos físicos, a constatação da regularidade e da
alternância de certos fenômenos, suas regras e exceções. Aparece uma necessidade
de traduzir graficamente a noção de quantificação, medição, locomoção,
promovendo-se uma pesquisa da física do corpo: peso, força, medida, movimento,
velocidade.115

O desenho, nesta ocasião, expressa uma relação entre as imagens externas, que a
criança encontra em seu entorno (Fig.65), e as internas, imaginadas ou memorizadas (Fig. 66).
“O desenho, “fábrica de imagens”, conjuga elementos oriundos do domínio da observação

110
DERDYK, 1994, p. 112
111
Novamente identifico uma referência às ideias de Luquet, que indicou esta possibilidade em seus escritos já em 1913 e
1927. Outros autores, como Arnheim e Gombrich, também fazem esta afirmação e provavelmente leram Luquet, mas não
admitiram sua influência. Essa negação talvez tenha se dado em decorrência de todo o processo de rejeição que as teorias
de Luquet sofreram no decorrer do século XX, especialmente pela maneira como o autor sistematizou suas proposições
sobre o desenho infantil em termos de realismo, algo totalmente contra as pesquisas mais vanguardistas do modernismo
nas artes visuais.
112
DERDYK,1990, p. 119
113
Ibid., p. 119
114
Ibid., p. 124
115
Ibid., p. 124

70
sensível do real e da capacidade de imaginar e projetar, vontades de significar.”116

Fig. 65: Desenho de Guile (sem notação de idade).


Fonte: DERDYK, 1994, p. 128.

Sendo o desenho “o palco para onde convergem os elementos formais e semânticos


originados pela observação, pela memória e pela imaginação”117 Derdyk (1994, p. 118)
relaciona essas três instâncias com a vivência da temporalidade pela criança, onde a memória
seria o passado, a observação seria o presente e a
imaginação, o futuro. Para a autora esse trânsito entre
observar, lembrar e imaginar, “se faz naturalmente,
de uma maneira solta, aparentemente caótica, sem
método.”118
Portanto, a capacidade de observar, reter
informações, memorizá-las e processá-las é um
procedimento de alta complexidade e indica um grau
elevado de amadurecimento cognitivo. Acredito ser
importante ressaltar que o dado da observação não
significa necessariamente que a criança passe a
desenhar diretamente a partir da observação do
mundo real, mas que ela passa a considerar mais os
Fig. 66: Des. de Tati (5 anos e 6 meses)
Fonte: DERDYK, 1994, p. 130.
dados que recolhe pela visão e a aparência das coisas
se torna um referencial de resultado mais importante.
116
DERDYK, 1994, p. 115
117
Ibid., p. 115
118
Ibid., p. 121

71
Conclusivamente, chamo a atenção para a importância que Derdyk dá ao corpo inteiro,
e não só à mente, como instrumento de construção e fonte de ideias para desenhar durante todo
o percurso de crescimento infantil. Revelando uma perspectiva de integração entre a clássica
dicotomia corpo versus mente. Outro aspecto a ser ressaltado é o ruído causado por seu
reconhecimento de que fatores sociais – como o contato com amigos e adultos - e culturais –
como a convivência com gibis, livros e desenhos animados – influenciam a construção gráfica
da criança, mas sua perspectiva priorizar apenas os aspectos perceptivos e emocionais da
criança como fatores promotores das mudanças visíveis em seus desenhos. Em concordância,
Derdyk valoriza a natureza espontânea desse fazer da criança e tal abordagem implica num
entendimento do desenho como materialização e exteriorização de necessidades internas, onde
o que dita a estruturação da forma é principalmente esse movimento perceptivo de “dentro
para fora” e não, como se poderia considerar, haja visto seu próprio reconhecimento, a
parceria entre esse “dentro” com as questões provocados pelo “fora”. Essa abordagem implica
diretamente no modo de atuação do professor, colocando-o apenas no papel de acompanhante
do processo infantil, para que deste lugar ele possa oferecer as condições mais apropriadas
para este desenvolvimento sem que sua interferência altere diretamente o seu percurso.
Um terceiro dado a ser destacado é sua opção por ressaltar, apesar de apontar as
características representativas do grafismo infantil, outros de seus aspectos, como a maneira
como a criança mantém a exploração da gestualidade em vários momentos gráficos. Talvez
essa abordagem tenha uma de suas origens em seu desejo de ampliar a noção do desenho,
descolando-o de sua função figurativa - que implica necessariamente numa relação de
aparência-resultado-expectativa. Relação que Derdyk parece considerar muito pobre perto da
potência de expressão e significação que a gestualidade e as soluções gráficas infantis
apresentam no seu processo de desenvolvimento.
Para finalizar, considero importante apontar que a ausência da apresentação das
circunstâncias em que Derdyk pesquisou as produções infantis e concluiu suas considerações
contribui para enevoar aspectos de sua proposição. Visto que saber, por exemplo, se a autora
pesquisou os desenhos prontos, acompanhou sua realização (ou ambos) ou apenas leu outras
teorias, ajudaria a compreender sua perspectiva acerca das informações que traz sobre o papel
da palavra oral no desenho infantil - aspecto fundamental na relação entre criança e professor.
Esta proposição de Derdyk acerca do desenho infantil é o segundo grupo de dados
coletados; a seguir serão explicitadas as sugestões da autora para a atuação docente.

72
■∙■∙■
CAPÍTULO 3:
DERDYK FALA AOS PROFESSORES
■.■.■

Como explicitado no capítulo 1, Derdyk não escreve em termos de metodologia ou de


conteúdos destinados ao ensino de artes visuais às crianças. Compreendo que ela formule seu
discurso especialmente para que possa ser a base de um olhar mais sensível e amplo por parte
do professor em direção ao grafismo infantil. “Como propor ao arte-educador, para quem este
trabalho carinhosamente se destina, um relacionamento sensível e integral com o universo
gráfico infantil?”1 Questiono, então, as ações necessárias para que o desenvolvimento do
desenho da criança seja pleno. Nos livros analisados, as artes visuais entram, portanto, como
“uma compreensão do que representa o desenho na história do homem”2, uma espécie de
parâmetro para olhar o desenho da criança, pois, conforme Derdyk (1990) afirma, “resgatar a
gênese da figura humana na História da Arte pode proporcionar um espelhamento do processo
construtivo do aparecimento da figura humana no desenho infantil.”3
Essa abordagem orientou a organização das informações coletadas a respeito daquilo
que Derdyk sugere ao professor. Ela organiza, portanto, ideias a serem compartilhadas com o
público a quem se destina suas publicações - docentes da Educação Infantil e Ensino
Fundamental I, estudantes de magistério, pedagogia, didática do ensino de artes, psicologia e
licenciatura em artes visuais - e não conteúdos ou propostas de intuito didático para as
crianças.
Em relação aos conteúdos que Derdyk apresenta diretamente ao professor, organizei
três grupos de informações: as relativas à postura docente e escolar frente à natureza da
1
DERDYK, 1994, p. 7
2
Ibid., p. 7-8
3
Idem, 1990, p. 126

73
criança e aos diferentes momentos do desenho infantil (item 3.1); as referentes às informações
de repertório sobre o campo das artes visuais e da linguagem do desenho como
sensibilizadores do olhar adulto (item 3.2) e por último os exercícios de desenho para que o
próprio professor possa experimentar essa linguagem (item 3.3). Neste sentido, além das
sugestões nomeadamente direcionadas ao docente, compreendi que a estruturação de ambos os
livros pode ser interpretada como ferramenta de Derdyk para atingir seu objetivo. Desta forma,
o amplo uso de imagens das mais variadas naturezas4 permeando os dois livros foi percebido
como uma forma de Derdyk literalmente oferecer bagagem imagética ao seu leitor e reafirmar
aquilo que colocou nos textos.

3.1 ■ PARA O PROFESSOR: SOBRE SER CRIANÇA E DESENHAR (DENTRO


E FORA DA ESCOLA)

Conforme citado, o primeiro conceito refere-se a noção de criança da autora, cujo


delineamento considerei importante, pois, para transformar a ideia que os professores possuem
sobre o desenho infantil é necessário, segundo Derdyk5, mudar a concepção que possuem
sobre a criança. Portanto, para o educador “é essencial absorver a noção de inter-relação e
interdependência de todas as instâncias físicas, psíquicas, emocionais, culturais, biológicas,
simbólicas, enfim, de tudo o que concorre para o pleno desenvolvimento da criança.”6 A
criança para ela é, portanto, “um ser em contínuo movimento”7, em constante transformação
em todas as suas instâncias e sempre vivendo “em estado de encantamento diante dos objetos,
das pessoas e das situações que a rodeiam.”8 Para a autora, “a criança está integralmente
presente em tudo o que faz, principalmente quando existe um espaço emocional que o
permita.”9
Em consonância com sua concepção de criança, Derdyk vai tecendo sugestões sobre a
postura e prática docente diante da infância e de seu desenho. E diante do fato de que a
vivência é a base do crescimento, o sustentáculo da construção de nossa identidade, pois
4
Ver apêndice 1 para os tipos de imagens reunidas por Derdyk nas duas publicações.
5
DERDYK, 1994.
6
Ibid., p. 15
7
Ibid., p. 10
8
Ibid., p. 10
9
Ibid., p. 11

74
“fornece um leque de repertório, amplia a possibilidade expressiva”10, Derdyk enfatiza
primeiramente que a vivência prática da linguagem gráfica por parte do professor é o que lhe
fornece o instrumental para “tornar-se sensível ao universo gráfico infantil”11. A autora
acredita que exercendo sua potência criativa, “dificilmente incorrerá em erros grosseiros de
interpretação e avaliação de um desenho realizado por alguma criança.”12 A prática do desenho
é, segundo Derdyk, fundamental no estreitamento da relação entre o adulto e o desenho da
criança, colaborando também para que não se tornem vazias “as teorias que aí estão para nos
auxiliar a conceituar”13.
Como a própria Derdyk em sua atuação como professora, o educador poderá lidar com
o desenho infantil em variadas situações formais e informais de ensino. No entanto, os livros
trazem mais questões sobre o desenho infantil na escola formal, assim como direcionam suas
sugestões para tal âmbito do ensino. Algumas considerações que a autora faz referem-se a
práticas escolares que já se modificaram desde edição de 199414, mas, em análise, acredito
que permanece importante o alerta de Derdyk em relação ao papel crítico do professor a
respeito dos valores, crenças, ideologias, parâmetros e posturas da escola para com as aulas de
artes e para com a prática do desenho infantil no âmbito de uma política pedagógica. Um bom
exemplo citado é o fato de a escola sempre encaixar o desenho nas aulas de artes, como se esse
trabalho não fosse também responsabilidade de outras disciplinas ou na maneira de “trabalhar”
a interdisciplinaridade delegando às aulas de artes visuais tarefas meramente decorativas15.
Derdyk entende que a escola pode atuar positiva ou negativamente em relação ao
desenvolvimento do desenho infantil: ampliando oportunidades de experimentação e
expressão - “de tal forma que seu processo não se cristalize, estacionando suas figurações no
momento de passagem da primeira infância para o período escolar”16 ou impondo modelos e
restringindo a potencialidade criadora infantil, especialmente no período da alfabetização, que
“pode funcionar como uma barreira profunda para tal florescimento. Geralmente, a partir
dessa idade, a maioria das crianças pára radicalmente de desenhar.”17
E para que o professor e a escola atuem de forma a favorecer o desenvolvimento
gráfico da criança, Derdyk18 acredita que, além de desenhar, é importante que o educador
10
DERDYK, 1994, p. 11
11
Ibid., p. 7
12
Ibid., p. 7
13
Ibid., p. 7
14
As considerações sobre o papel da escola não foram alteradas na edição de 2010 de Formas de pensar o desenho.
15
DERDYK, 1994
16
Idem, 1990, p. 125.
17
Ibid., p. 125.
18
Ibid., p. 49.

75
conheça algumas teorias sobre o desenho infantil e escolha aquela que mais faça sentido para
ele. A listagem de vários teóricos que discorrem sobre o desenho infantil, como “Lowenfeld,
Piaget, Luquet, Mèredieu, Goodnow, Porcher, Freinet, Kellog, Winnicott, Wallon”19, assim
como autores brasileiros como Fayga
Ostrower, Fanny Abramovich, Ana Albano
Moreira e Silvio Dworecki20, foi entendida
como uma forma de oferecer indicações para o
professor interessado em ampliar e aprofundar
seus estudos no assunto.
Portanto, ao apresentar sua proposta
Fig. 67: Crianças desenhando.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 55. teórica, descrita no subtítulo anterior, a autora
aponta sugestões para o professor e/ou para a escola em cada momento vivencial da criança.
Acerca do primeiro conteúdo vivencial da criança, descrito no item 2.1.1 - “O grafismo
e o gesto”21, qual seja: a preensão de instrumentos e da possibilidade disso gerar marcas
duráveis nas superfícies, Derdyk sugere citando Kellog22 que “a criança que tem bastante
oportunidade para desenhar, certamente irá explorar uma maior quantidade de tipos variados
de grafismos"23 (Fig. 67). Ou seja, que o professor ou o adulto propicie as condições
adequadas para o desenhar da criança, incluindo dimensão do papel no qual a criança irá
desenhar, já que “às vezes o gesto se expande tanto que o traço acaba por sair do papel. Se a
criança estiver no
espaço adequado, ela
poderá seguir o gesto
indefinidamente, sem
perceber o ocorrido.”24
Em relação ao
segundo conteúdo
Fig. 68: Crianças desenhando em diferentes posições corporais.
vivencial, apresentado Fonte: DERDYK, 1994, p. 65.

em 2.1.2 - “O corpo é a ponta do lápis”25 como a tomada de consciência sobre o autocontrole


das marcas produzidas, Derdyk mantém a sugestão ao professor sobre a atenção com a
19
DERDYK, 1994, p. 49.
20
Ibid., p. 49.
21
Ibid., p. 55
22
Ibid., p. 59
23
Ibid., p. 59
24
Ibid., p. 60
25
Ibid., p. 63

76
adequação do espaço, mas agora “a fim de promover várias situações espaciais e corporais:
desenhar em pé, sentado, deitado”26 (Fig. 68), posicionamentos que “geram consequências e
posturas distintas da relação da criança com a mão, com o olho, com os sentidos, com o
instrumento, com o suporte, com o espaço.”27 E explica as implicações de cada
posicionamento para o gestual da criança, informação que nem sempre o professor conhece.
Assim sendo,
o desenhar em pé possibilita uma amplitude gestual, uma amplitude do olhar
diferente da proporcionada pelo desenhar no chão. O desenhar deitado possibilita
gestos mais intimistas e confidenciais. O desenhar sentado estabelece uma relação
entre a criança e o peso do seu próprio corpo, apoiado no pulso e cotovelo. E de
repente o papel é maior que a criança, a criança é maior que o papel, promovendo
relações distintas de força.28

Acerca do terceiro conteúdo vivencial - item 2.1.3 - “A sugestão do gesto”29 - no qual


Derdyk aponta o início da capacidade de encontrar semelhanças entre as formas das garatujas
e os objetos do mundo real, a autora sugere que “ao educador cabe levantar algumas questões
referentes à atitude do adulto frente ao resultado do trabalho realizado por crianças: suas
projeções, suas exigências, sua medida de sucesso e fracasso”30. No sentido de propor que o
professor não force uma identificação entre traçado e objeto real, evitando pressionar a
criança a figurar antes do tempo ou criando uma ligação indissociável entre desenho e imagem
reconhecível.
Sobre o quarto conteúdo vivencial,
descrito no item 2.1.4 - “Percursos no espaço”31
como a complexificação da percepção espacial
infantil, Derdyk indica ao professor que “falar
com a criança nos abaixando, colocando-nos na
mesma altura que ela, olhar o mundo através de
seus olhos, nos faz re(vi)ver os pequenos grandes
cantos: a casa-abrigo debaixo da mesa,(...) a
montanha em cima do sofá”32 (Fig. 69). Ou seja, Fig. 69: Crianças brincando de cabaninha.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 85.
colocar-se no “lugar da criança” pode trazer ao
professor um pouco de sua perspectiva espacial e corporal e “a vivência espacial das crianças
26
DERDYK, 1994, p. 64
27
Ibid., p. 64
28
Ibid., p. 64
29
Ibid., p. 68
30
Ibid., p. 75
31
Ibid., p. 78
32
Ibid., p. 85.

77
pode nos revelar visões inusitadas”33 .
Acerca da aquisição da consciência de si e, em termos gráficos, do surgimento do
círculo - o conteúdo vivencial apresentado no item 2.1.5 - “O primeiro círculo”34, Derdyk não
apresenta em nenhum dos livros sugestões diretas ao educador. No entanto, há um
aprofundamento sobre esse momento no livro Desenho da Figura Humana e interpretei que tal
esmiuçamento visa esclarecer ao professor a importância do corpo da criança como sua fonte
de ideias e matéria perceptiva para o desenhar, possibilitando que o educador contribua com
seu pleno desenvolvimento.
Contudo, o sexto conteúdo vivencial, explicitado no item 2.1.6 - “O desenho, a fala e a
escrita”35 como a inserção da palavra (via oralidade, referência de signo comunicativo e
processo de alfabetização) -, traz várias indicações. Sobre o momento em que a palavra surge
como comentário verbal da criança interpretando seu próprio desenho, Derdyk afirma que
“existe, por parte do adulto, uma exigência implícita em querer saber o que é aquilo que ele
não sabe, o que significam estas garatujas” 36, geralmente estabelecendo para o grafismo uma
única interpretação. E para a autora, “esta atitude, se exagerada, pode inibir o processo de
desenvolvimento gráfico da criança. Ela passa a se preocupar, precocemente, em “figurar”, a
fim de atender aos apelos veementes que partem do mundo adulto. Em muito casos, o desenho
até enrijece.”37 Mas seu alerta mais crítico se refere a sua crença no poder de enfraquecimento
que o processo de alfabetização impõe ao desenhar infantil. “É patente o empobrecimento da
expressão gráfica quando a criança passa pelo processo de alfabetização, principalmente
quando não há um respaldo que dê garantias para a continuidade da experimentação gráfica.”38
E como um processo de alfabetização não se dá pelo trabalho de apenas um educador, o seu
alerta se estende à escola - “agente e o transmissor cultural”39 - como um todo.
A necessidade de organizar o conhecimento, para poder comunicá-lo, muitas vezes
torna o próprio conhecimento compartimentado, classificatório e redutor. A escola,
porta-voz de uma visão do mundo, pode subliminarmente aprisionar a capacidade de
a criança perceber e compreender o mundo por si mesma: este lhe é dado,
apresentado e assinado.40
Por fim, a respeito do sétimo conteúdo vivencial, apresentado em 2.1.7 - “Observação,
memória e imaginação”41 como a entrada da visão como elemento de obtenção de informação
33
DERDYK, 1994, p. 85.
34
Ibid., p. 86
35
Ibid., p. 94
36
Ibid., p. 97
37
Ibid., p. 97
38
Ibid., p. 103
39
Ibid., p. 104
40
Ibid., p. 104
41
Ibid., p. 112

78
e significação para o desenho – sugere que o educador se esforce para compreender o mundo
do ponto de vista da criança, com a curiosidade de quem olha pela primeira vez para o mundo.
Faz, a partir de Matisse, uma comparação entre os modos como o artista e a criança vêm a
realidade: “Ao artista é indispensável a coragem de ver a vida inteira como no tempo em que
se era criança, pois a perda dessa condição nos priva da possibilidade de uma maneira de
expressão original, isto é, pessoal” (MATISSE apud DERDYK, 1994, p. 117). E propõe a
substituição da palavra artista pela palavra educador para que se perceba “por detrás deste
pensamento de Matisse, a possibilidade de exercermos uma atitude processual e criativa com a
criança – ver com os olhos de criança”.42
Derdyk sugere ainda uma discussão a respeito da diferença entre cópia e imitação e
discorre sobre o papel desta última como estratégia de aprendizagem intuitiva da criança. Na
imitação, segundo Derdyk43 a criança tem liberdade e poder de escolha sobre as coisas e a
maneira como irá reproduzi-las, e este movimento natural serve para “apropriar-se deste ou
daquele conteúdo, forma, figura, tema, através da representação”.44 Derdyk enfatiza também
que “imitar não implica necessariamente na ausência de originalidade e de criatividade, mas o
desejo de incorporar objetos que lhe suscitam interesse.”45 A imitação é vista pela autora como
forma de “levantamento de um repertório cultural”46 e como uma forma espontânea de
aprendizado, já que “o ato de desenhar e o ato de imitar estabelecem uma relação de
apropriação individual de gestos culturais”47
Ao contrário, na cópia, essa liberdade é suprimida pela imposição de modelos e,
consequentemente, pela expectativa de semelhança nos resultados.
O ensino fundamentado na cópia inibe toda e qualquer manifestação expressiva e
original. A criança, autorizada a agir dessa forma, certamente irá repetir fórmulas
conhecidas diante de qualquer problema ou situação que exige respostas. Ela, com
todo o seu potencial aventureiro, deixa de se arriscar, de se projetar. Seu desenho
enfraquece, tal como o seu próprio ser.48

Resumidamente, entendo que as sugestões de Derdyk giram em torno da atenção


necessária e de adequações por parte do professor em relação ao momento gráfico infantil para
que este propicie circunstâncias que colaborem com o desenvolvimento mais livre e pleno
possível da criança. E interpreto, baseada na forma como Derdyk se posiciona frente a escola e

42
DERDYK, 1994, p. 117
43
Ibid., p. 110
44
Ibid., p. 110
45
Ibid., p. 110
46
Ibid., p. 111
47
Ibid., p. 111
48
Ibid., p. 107

79
em relação ao desenho e a criança, que seus dois livros objetivem evitar o engessamento que,
segundo ela, é provocado por uma instituição escolar que privilegia a escrita como ferramenta
de expressão e conhecimento. A mesma instituição que não entende o desenho como campo de
saber e impõe uma rotina que praticamente bane a prática experimental do desenho por parte
da criança.

3.2 ■ PARA O PROFESSOR: A IMAGEM NA CONSTRUÇÃO DE UM


REPERTÓRIO POÉTICO

Se no capítulo 1 desta pesquisa, Conceito de desenho e usos nas artes visuais, o


repertório imagético foi usado para compreender o que a autora entendia por desenho, neste
subtítulo interessa pensar o que a apresentação desse grande conjunto significa em termos de
formação do professor. Neste conjunto, a variedade das imagens reafirma seu conceito de
desenho como linguagem para várias áreas e diversos usos e não como algo ligado
estritamente às artes visuais, aproximando o leigo de uma ideia de desenho que talvez já esteja
próxima dele e que ele provavelmente não perceba. Preocupa-se em especificar que no campo
destas artes, seu uso pode ser ampliado, experimentado, subvertido, inventado. A diversidade
também reflete uma preocupação em não restringir os conceitos das artes visuais às referências
da arte ocidental europeia e norte-americana.
Além da apresentação das imagens, a autora sugere que o professor frequente e leve
suas crianças para frequentar os museus de sua cidade, pois por meio dessa fonte original, “o
contato constante com com essas obras pode operar grandes transformações sensíveis e
valorativas sobre nosso ser.”49 A presença de reproduções em livros, segundo Derdyk (1990),
ajuda na construção do repertório mas não substitui o contato ao vivo com as obras de arte.
A autora apresenta imagens de diversas épocas e origens culturais como obras de arte
brasileiras50, trabalhos de artistas dos EUA51, arte de países asiáticos52, de povos africanos53,
arte egípcia e grega antigas54 e muitos exemplos de arte europeia 55
. Derdyk traz também
49
DERDYK,1990, p. 131
50
Fig. 32, 33, 34, 35, 71, 93, 103, 106, 107, 121, 132, 133, 144 e 164.
51
Fig. 15, 16, 17, 18, 19, 80, 82, 84, 97, 134, 141, 148, 149, 150 e 153.
52
Fig. 70, 73, 76 e 117 (comemoração de festa indiana)
53
Fig. 119 e 170
54
Fig. 88 e 158 (primeira imagem acima e à esquerda)
55
Fig. 5, 7, 10, 12, 13, 14, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 74, 89, 96, 110, 114, 124, 125, 126, 127, 129, 130,

80
imagens de usos sociais diversos como ilustrações científicas56, design57, dança58, arquitetura59,
mapeamento60 e ornamentação para festas e rituais de diferentes povos 61. A autora se preocupa,
além disso, em apresentar imagens de épocas distintas como desenhos renascentistas62,
inscrições pré-históricas63 e trabalhos contemporâneos64, entre outras épocas. E em ambos os
livros, o discurso é completado pela disponibilização de imagens de desenhos infantis nos
diferentes momentos gráficos comentados pela autora, como apresentado no capítulo anterior.

Fig. 70: Amuleto persa tughra. Fig. 72: Estudo de coreografia de


Fonte: DERDYK , 1990, p. 13 e
136. Fig. 71: Tarsila do Amaral. Kazuo Ono, 1986.
A negra. 1923. Bailarino japonês. Fonte: DERDYK,1994,
Fonte: DERDYK,1990, p. 8 e 134. p. 45.

Fig. 73: Asceta indiano, 1780.


Guache. Fonte: DERDYK,
1990, p. 26 e 141. Fig. 74: Edouard Manet, Fig. 75: Foto de pegada do homem
Mulher no banho, s/ data. na Lua.
Fonte: DERDYK, 1990, p.32 e Fonte: DERDYK, 1994, p. 20.
143.

131, 137, 140, 151, 165, 166, 168, 169, 171, 174 e 175.
56
Fig. 6, 8, 77, 79, 85, 87, 128, 135, 138, 167 e 173
57
Fig. 89, 122, 123 e 142
58
Fig. 72
59
Fig. 9
60
Fig. 87
61
Fig. 117, 118 e 119
62
Fig. 5, 124, 125 e 126
63
Fig. 78, 83, 86, 120 e 170
64
Fig. 33, 34, 35, 72, 80, 82, 84 e 158 (imagem abaixo à direita)

81
Fig. 76: Desenho japonês, s/ data ou autor. Fig. 77: William Harvey, Demonstração das
Fonte: DERDYK, 1990, p. 8 e 135.
válvulas nas veias. 1628.
Fonte: DERDYK, 1990, p. 25 e 141.

Fig. 78: Figura ancestral,


2200-1700 a.C. Fig. 79: Fig. Tântrica, séc. Fig. 80: Andy Warhol, Fox-
Origem chinesa. Fonte: VIII. Índia. Trot, 1961.
DERDYK, 1990, p. 8 e 134. Fonte: DERDYK, 1990, p. 27 e Liquitex e serigrafia s/ tela.
142. Fonte: DERDYK, 1990, p. 49
e 150.

Fig. 81: Interpretação


estelar realizada pelos
huichol, índios norte-
americanos.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 21

Fig. 83: Imagem mítica de


povo do norte da Sibéria.
S/ data.
Fig. 82: Ilustração de Saul Steinberg, 1966. Fonte: DERDYK, 1990, p. 20
Fonte: DERDYK, 1994, p. 23, e 139.

82
Fig. 84: Keneth Knowlton e Leon Harmon, Estudos em percepção I, 1966.
Desenho gerado por computador. Fonte: DERDYK, 1990, p. 49 e 150.

Fig. 85: Santorio Santorio,


Cadeira de pesar, 1711.
Fonte: DERDYK, 1990, p. 25/141.

Fig. 86: Inscrição rupestre. Castellón, Espanha.


Cena de batalha. Fonte: DERDYK, 1994, p. 24.

Fig. 87: Mapa do zodíaco, s/ data.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 22.

Fig. 88: Arte egípcia, Retrato de morta, séc, II


a. C. Fundo de sarcófago tebano.
Fonte: DERDYK, 1990, p. 33 e 144. Fig. 89: Portão de ferro art noveau,1900.
Barcelona. Fonte: DERDYK, 1994, p. 39.

83
E por mais que a autora não sugira ações específicas de leitura ou fruição ao professor,
identifico duas ideias importantes sobre as relações entre imagem, aprendizagem e desenho
infantil. Uma delas se refere ao uso das imagens da história das artes visuais, baseando-se em
analogias entre o desenvolvimento do desenho infantil e alguns momentos da produção
cultural do ser humano65, como uma espécie de parâmetro ou guia na observação das formas e
práticas surgidas no processo infantil de desenhar. “Observar a sucessão histórica dos estilos e
correntes, observar aqueles momentos especiais de passagem e transição, ruptura e
transformação conceitual e perceptiva, nos recoloca numa nova postura em relação à natureza
processual da criança.”66 A outra ideia se relaciona à possibilidade de usar as imagens artísticas
como fonte de aprendizado dos procedimentos de criação dos artistas. Como quando Derdyk
sugere que o modo como Picasso arquivou e usou seus desenhos em estudos para a realização
de Guernica é “um instrumento que podemos incorporar para aprender a fruir, a “ler”, a
produzir e criar imagens”67 (Fig. 25 a 31).
Resumidamente, ao “fornecer um material visual, conceitual e prático, útil instrumento
de trabalho para o arte-educador68”, Derdyk afirma ao professor o lugar fundamental que as
imagens ocupam na sensibilização do olhar e na construção de conhecimentos por parte do
professor.

3.3 ■ PARA O PROFESSOR: LANÇANDO-SE AO DESAFIO DE DESENHAR

Por fim, para completar o grupo de sugestões relacionadas à construção do repertório


docente, Derdyk fornece ao professor ideias para exercícios práticos de desenho e de leitura de
imagem. No livro Formas de pensar o desenho69 são enunciadas sete atividades para o
professor experimentar concretamente algumas das vivências gráficas infantis. No Desenho da
Figura Humana, a autora não anuncia diretamente uma série de atividades mas aproveita o
índice iconográfico construído no fim da publicação para sugerir ao professor o seu uso “como
exercício perceptivo do olhar, (…) como exercício prático de desenho, estimulando a

65
DERDYK, 1994, p. 195
66
Idem, 1990, p. 126
67
Idem, 1944, p. 189
68
Nomenclatura usada na época da publicação da edição do livro. Hoje tal período é denominado educação infantil.
69
Todo este capítulo com os exercícios foi suprimido na edição de 2010, “por julgar que não fariam mais sentido no
mapeamento proposto.” (DERDYK, 2010, p. 11)

84
elaboração de propostas de trabalho.”70
Nas atividades do livro Formas de pensar o desenho, Derdyk especifica seus critérios e
procedimentos de construção dos exercícios, como um esclarecimento e uma referência aos
professores, público-alvo do livro.

vamos associar algumas fases do desenvolvimento gráfico das crianças com alguns
segmentos da história da arte, mais especificamente do desenho, tendo como
finalidade o estímulo da prática e da leitura. Estabelecemos analogias, comparações,
correspondências, enfim, observações que possam enriquecer o nosso pensar, o nosso
fazer e o nosso agir frente ao universo gráfico infantil.71

A estrutura dos exercícios implica na sistematização de práticas didáticas que se


repetem em todas as propostas: a enunciação da atividade; a exibição de imagens de referência
como “desenhos de crianças e de artistas, que mantêm algum tipo de relação”72 com o
exercício; a “apresentação de alguns resultados práticos”73 de professores que realizaram as
atividades e, concluindo cada exercício, comentários sobre os resultados,

com o levantamento de algumas questões que merecem ser observadas, (...), tendo a
oportunidade de confrontar seus próprios resultados com os apresentados. Os
comentários visam auxiliar o leitor na compreensão de todas as possibilidades
contidas na proposta, permitindo, assim, dar-lhe continuidade.74

Aponto, a partir da estruturação acima, que a autora considera importante numa


sequencia de exercícios para professores – o que não significa que considere o mesmo para
crianças -, a apresentação de imagens de referência para guiar a prática com a inserção de
orientações a respeito de quais aspectos olhar nas imagens prontas. Ou seja, a leitura ou
fruição está presente no próprio processo do exercício prático. De forma geral, os exercícios
propõem questões presentes no processo de desenvolvimento do desenho infantil, focando na
exploração de aspectos não representativos da linguagem.

3.3.1 . PRIMEIRA PROPOSTA


Simplesmente rabiscar, preenchendo e ocupando o campo do papel de diferentes
maneiras. A mão conduz o movimento, sugerindo ritmo, intensidade, pulsação e
indicando o tempo de duração do movimento do lápis no papel. Não se preocupar em
figurar ou representar.75

70
DERDYK, 1990, p.134
71
Idem, 1994, p. 196
72
Ibid., p. 197
73
Ibid., p. 197
74
Ibid., p. 197
75
Ibid., p. 198

85
Fig. 90: Ref. de obras para o Fig. 91: Ref. de desenho infantil
exercício. Artista: Aguilar, 1986. para o exercício.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 198. Fonte: DERDYK, 1994, p. 199

COMENTÁRIO: Observe as soluções de colocação dos rabiscos no campo do papel:


ora as linhas se aglutinam, ora se diluem, ora se espalham igualmente pelo campo,
ora elegem vários pontos de atenção. É importante agilizar a relação da mão com o
instrumento, criando com isso uma correspondência entre o cérebro, o olho, o gesto e
a solução gráfica resultante.76

Fig. 92: Resultados (realizados por adultos).


Fonte: DERDYK, 1994, p. 200

Esta proposta é facilmente relacionável com o primeiro momento vivencial da criança,


quando a grafia possui motivação puramente motora e os resultados geram rabiscos pouco
controlados. É um exercício que visa ressaltar a relação entre gesto e marca. Não há
preocupação em figurar, apenas observar a multiplicidade gestual.

3.3.2 . SEGUNDA PROPOSTA


Vamos considerar a linha como projeção do gesto no espaço do papel. Existe uma
estreita relação entre o resultado gráfico da linha e a interação mão/gesto/instrumento.
Realizaremos uma pequena pesquisa gestual, observando a correspondência entre o gesto
impulsionando um registro gráfico no papel e o tipo de linha resultante.
Observaremos: Gestos ligados às sensações: gesto doce, azedo, duro, mole, quente, frio,
ríspido (...)
− Gestos ligados a tempo e espaço: gesto curvo, alto, pequeno, apertado, amplo, fechado
(…)
− Gestos ligados às atitudes: gesto simpático, carinhoso, agressivo, autoritário,
comunicativo (…) 77

76
DERDYK, 1994, p. 201
77
Ibid., p. 202

86
Fig. 93: Ref. para o exercício. Artista: Fig. 94: Ref. para o exercício. Desenho
Arturo Camassi, 1978. infantil.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 203. Fonte: DERDYK, 1994, p. 202.

COMENTÁRIO – Os resultados demonstram um leque de possibilidades quanto ao uso da


linha. Perceba seus vários componentes constitutivos: a espessura (...), a intensidade (...), a
tipologia (...), a medida e a direção. Estas variações e alternâncias podem causar noções de
ritmo, textura e espaço.
Às vezes, os mesmos resultados gráficos são originados por intenções diferentes; ou a mesma
intenção resulta em grafismos distintos. Este exercício provoca uma relação entre a intenção e
sua execução, estabelecendo correspondências entre o sujeito que desenha, a intenção, a
realização propriamente dita e a interpretação do objeto, no caso de uma sensação evocada.
No primeiro exercício, existe uma relação mais orgânico e simbiótica entre o sujeito e a ação
de desenhar. No segundo exercício, existe uma intenção clara que provoca a ação: você evoca
uma sensação e, sem representá-la, expressa esta sensação por meio de um gesto provocando
um registro gráfico.78

O segundo exercício pode ser


relacionado ao segundo conteúdo
vivencial infantil, quando a criança
descobre que tem poder sobre sua
marca. Aqui Derdyk se preocupa em
Fig. 95: Resultados (realizados por adultos). explicitar a gama de significação
Fonte: DERDYK, 1994, p. 204.
implicada na variação do gesto e em como a linha em si, sem precisar figurar, pode ser
carregada de “conteúdo”. Exercício ligado à natureza operacional da linguagem que reforça
ideias sobre um desenho significativo mas não necessariamente representativo.

3.3.3 . TERCEIRA PROPOSTA

A linha é uma personagem que passeia continuamente pelo espaço do papel. Num primeiro
momento, sem tirar a mão do papel, experimentar direções distintas e variações de tempo: ora
a linha caminha rapidamente, ora caminha lentamente pelo papel; ora a linha caminha na
superfície, ora caminha “dentro” do papel.79

78
DERDYK, 1994, p. 205
79
Ibid., p. 206

87
Fig. 97: Ref. para exercício. Artista: Fig. 98: Ref. para exercício.
Fig. 96: Ref. para exercício. Saul Steinberg, 1960. Desenho infantil.
Artista: Matisse. S/ data. Fonte: DERDYK, 1994, p. 207.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 207.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 206.

COMENTÁRIOS – Observe a espacialização que a linha provoca no campo do papel. A linha,


em seus desdobramentos, pode construir um espaço em profundidade, causado por linhas que
se sobrepõem, variando sua espessura e sua intensidade. Por outro lado, pode-se construir um
espaço mais chapado quando a linha se justapõe. Quanto maior o seu repertório gráfico,
maiores serão suas possibilidades de construir espaços. Através de uma linha, de um conjunto
de linhas, de pontos, de formas que a linha cria, espaços começam a ser construídos e
inventados.80

Fig. 99: Resultados (realizados por adultos).


Fonte: DERDYK, 1994, p. 209.

O terceiro exercício tem relação com o momento em que a criança começa se organizar
espacialmente de forma mais estruturada. O que Derdyk parece intentar neste exercício é que
construir espacialidades no papel não significa dominar a perspectiva, mas trabalhar com as
características próprias da plasticidade da linha, mais um conteúdo ligado à natureza da
linguagem e não à representação.

3.3.4 . QUARTA PROPOSTA

Pesquisar movimentos circulares através da linha ou de um conjunto de linhas, através de


formas, pontos e massas. Relacionar os elementos no papel: ora contendo-os, ora se
sobrepondo, ora se justapondo, ora variando suas dimensões.81

80
DERDYK, 1994, p. 209
81
Ibid., p. 209

88
Fig. 100: Ref. para exercício.
Artista: Lapicque, 1948.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 210. Fig. 101: Ref. para exercício. Desenho
infantil.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 211.

COMENTÁRIO – Fica clara a utilização de mecanismos de construção do espaço através de


operações, tais como: a sobreposição, a repetição, a justaposição, explicitando relações como
dentro/fora, figura/fundo, parte/todo.82

Fig. 102: Resultados (realizados por adultos).


Fonte: DERDYK, 1994, p. 212.

Este exercício parece refazer o processo infantil que leva à capacidade de construção de
sua primeira forma fechada: o círculo. De forma similar a explicação de Derdyk sobre o
refinamento da capacidade de garatujar como origem do círculo, a autora parece desejar que o
adulto passe por um percurso similar.

3.3.5 . QUINTA PROPOSTA

Pesquisar formas, inventando formas abertas ou fechadas, simples ou complexas. Formas que
se contêm, formas que se equilibram, formas que se relacionam compondo um todo feito de
partes. Repetir algumas das formas, observando suas alterações formais.83

82
DERDYK, 1994, p. 213
83
Ibid., p. 214

89
Fig. 103: Ref. para exercício. Artista: Flávio Motta, 1974.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 210.

Fig. 104: Ref. para exercício.


Desenho infantil.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 215.

COMENTÁRIO – Observe as várias organizações e construções espaciais que as formas


geram entre si: ora se agrupando por suas semelhanças, ora criando contrastes por suas
diferenças. As formas geram relações de vizinhança, de territórios, de planos. As formas não
são resultantes apenas de uma linha que se fecha, mas também de um conjunto de linhas, de
texturas, de massas indefinidas, de pontos que se aglutinam. Observe que o branco do papel
que sobra como fundo aparece como forma que se relaciona inteiramente com as formas
inventadas e desenhadas no papel.84

Fig. 105: Resultados (realizados por adultos).


Fonte: DERDYK, 1994, p. 216/217.

Na quinta proposta, a atividade é estruturada considerando o momento em que a


criança adquire a capacidade de construir formas fechadas. A pesquisa de formas inventadas
pode ser um poderoso instrumento de construção de repertório e de compreensão de como a
criança opera ao inventar as suas próprias formas. O direcionamento do olhar recai, como nos
exercícios anteriores, sobre as possibilidades de construção espacial, agora a partir de uma
delimitação formal.

84
DERDYK, 1994, p. 217

90
3.3.6 . SEXTA PROPOSTA

Pesquisa de ritmo e textura considerando que:


- a textura é criada por um agrupamento de linhas, tecendo tramas gráficas;
- o ritmo se dá pela repetição e alternância de determinados elementos gráficos, revelando uma
ordem. Inventar escritas fictícias (...) Escrever na horizontal, na vertical, enfim,
aleatoriamente.85

Fig. 107: Ref. para exercício.


Artista: Arturo Camassi, 1978.
Fig. 106: Ref. para Fonte: DERDYK, 1994, p. 219.
exercício. Artista: Edgar
Braga, 1983.
Fonte: DERDYK, 1994, p.
218. Fig. 108: Ref. para exercício.
Desenhos infantis.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 219.
COMENTÁRIO – Um conjunto de linhas cria a trama gráfica, que pode ser uma trama
chapada e uniforme ou uma trama que revela luz e volume.(...) O ritmo visual também vai
estar subordinado à quantidade de variações de tipos, intensidades e espessuras das linhas, e
também de formas e pontos, que vão se alternando e se repetindo.
Pelo fato de ser uma “escritura”, o desenho acaba resgatando signos visuais que lembram
letras. A letra também é desenho, também é forma, escrever também é ritmo e pulsação.86

Fig. 109: Resultados (realizados por adultos).


Fonte: DERDYK, 1994, p. 220.

O conteúdo vivencial infantil análogo a este exercício é o início da percepção infantil


de que há um sistema de comunicação que os adultos usam e cujo signos são uma espécie de
desenho. É aqui que a criança passa a desenhar grafias que se assemelham a letras e palavras.
Os comentários giram em torno das múltiplas variações expressivas da linha e de como isso é
que gerará os sentidos para o desenho-escritura.
85
DERDYK, 1994, p. 218
86
Ibid., p. 221

91
3.3.7 . SÉTIMA PROPOSTA

Elaborar estruturas lineares, que tanto podem estar contidas no papel como podem abranger
todo seu campo, visando configurações e organizações geométricas ou orgânicas. Ocupar as
partes, as formas resultantes com texturas gráficas, objetivando um conjunto uno e visualmente
rítmico.87

Fig. 112: Ref. para exercício. Desenho


infantil.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 223.
Fig. 110: Ref. para exercício. Artista:
Paul Klee, 1927.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 223. Fig. 111: Ref. para exercício.
Desenho infantil.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 223.

COMENTÁRIO – Os elementos que compõem a linguagem gráfica (...) articulam-se para a


construção de espaços gráficos (...). Há uma infinidade de espaços que estabelecem uma
relação figura e fundo ou relações mais complexas através de planos que se sucedem. (…)
Estes princípios e referências organizacionais surgem do próprio ato de desenhar: o desenho
sugere algumas soluções, exclui outras, indicando uma comunhão entre um pensar e um fazer,
entre uma intenção e sua realização, entre o sujeito que desenha, o objeto desenhado e a
interpretação que se faz e se refaz, incessantemente, do sujeito em relação ao objeto.88

Fig. 113: Resultados (realizados por adultos).


Fonte: DERDYK, 1994, p. 224.

Este último exercício pode ser relacionado a um momento de amadurecimento da


criança, onde ela já está com mais consciência e domínio dos vários elementos que compõem
a linguagem e quando começa a despontar a curiosidade sobre as convenções da linguagem,
como regras de organização espacial e de uso da luz. Os comentários visam introduzir
questões básicas do desenho, como a relação entre a intenção e o resultado.
87
DERDYK, 1994, p. 222
88
Ibid., p. 225

92
Resumidamente, Derdyk segue fiel a seu princípio de não priorizar o caráter
representativo do desenho. Desta forma, consegue evidenciar ao professor, desta vez via
prática, que o desenho é portador de conteúdo mesmo quando não traz expresso em sua
imagem uma forma idêntica a aparência do real.

3.3.8 . ATIVIDADES PROPOSTAS NO ÍNDICE ICONOGRÁFICO

Em relação ao uso do Índice Iconográfico do livro Desenho da Figura Humana como


sugestão de exercício, em cada imagem
as legendas foram organizadas de forma que, além dos dados precisos referentes ao
artista – data, local e técnica de cada obra -, buscamos tecer relações entre as
pranchas, seja por características formais, técnicas, de conteúdo, seja pelo
agrupamento por movimentos estilísticos, seja por associações quanto à articulação
dos elementos gráficos na construção da imagem.
(…) essa leitura “trançada”, não necessariamente relacionada por fatos e
circunstâncias históricas, visa a promover um exercício perceptivo do olhar, podendo
nos servir como exercício prático de desenho, estimulando a elaboração de propostas
de trabalho.89
Além da variedade dos tipos e épocas das imagens, considerei importante o estudo e
análise dos conteúdos escritos sobre as imagens. Não há uniformidade nos critérios das
informações, já que as imagens são acompanhadas por dados de natureza diferentes (como
aquelas sem data ou sem possibilidade de identificação de autor ou material, como as Fig. 70,
76 e 83.). Além da autora avisar sobre as diferenças na natureza das informações, também
disponibilizou alguns dos critérios de reunião das imagens para leituras “trançadas”.
Os critérios oferecidos por Derdyk nas informações das pranchas foram de natureza
material (como técnicas, suportes, ferramentas) e de origem (data e local); conceitual; relativas
ao uso da linguagem; de natureza histórica; biográfica ; e, além destas, pude também
identificar sugestões de exercícios. Segue detalhamento e exemplos da natureza das
informações :
– CONCEITUAIS:
– como explicações contextualizando a obra num movimento artístico:
– Prancha 1 – Tarsila do Amaral – A negra (Fig. 71)- “Tarsila participou do movimento
modernista brasileiro, iniciado com a “Semana de 22”, evento que reuniu vários artistas em São
Paulo. Por essa época, esteve em contato com Léger e teve aulas com Lhote e Gleizes, artistas
cubistas.”90
89
DERDYK, 1990, p. 134
90
Ibid., p. 134

93
– dando a referência do significado de determinada imagem na cultura de origem;
– Prancha 11 – Amuleto persa tughra (Fig. 70)- “Essa face é composta por uma série de
palavras de oração persa. Cada pedacinho do rosto (o olho, a testa, o nariz) consiste numa
palavra: Alah, Ali, Hasan.”91
– ou a explicação do uso científico do desenho.
– Prancha 3 – Paracelso - (Fig. 167)- “O desenho representa “uma fornalha do corpo com uma
régua para o estudo da urina no diagnóstico de doenças.”92

– PROCEDIMENTOS DE USO DA LINGUAGEM – presente na maior parte das


pranchas trazem informações importantes para compreender como a imagem foi
construída;

– Prancha 42 – Kurt Schwitters – Pour Käte – (Fig. 114) - Colagem,


10,5X13cm. A colagem utiliza um pedaço de envelope de carta e
vários fragmentos de história em quadrinhos. Observar as várias
operações que essa técnica proporciona, gerando novos significados
para a imagem impressa reutilizada: justaposição, sobreposição,
recorte, transparência, multiplicação. Notar também o interesse
pelas imagens veiculadas através dos meios de comunicação,
principalmente a grafia da história em quadrinhos, utilizada como
Fig. 114: Kurt Schwitters, suporte de investigação.93
Pour Käte, 1947.
Fonte: DERDYK, 1990, p. 144.

– HISTÓRICAS – cria uma pequena explicação do contexto histórico da imagem:

– Prancha 13 – Peter Paul Rubens – Dama de companhia da infanta


Isabella – (Fig. 115)- Antes da invenção da fotografia, o retrato foi um
meio de subsistência importante para muitos artistas. Sua técnica exige
uma sensibilidade que capte as proporções da forma, a fim de estabelecer
uma semelhança com o retratado.94

Fig. 115: Rubens.


Fonte: DERDYK, 1990,
p. 14/137.
– BIOGRÁFICAS:
– Prancha 24 – Oswald Tschirtner – Pessoas ajoelhadas – (Fig. 163) - “Por volta de 1946,
Tschirtner deu mostras de comportamento esquizofrênico. Internado num hospital psiquiátrico,
começou a desenhar por sugestão de seu terapeuta.” 95

– SUGESTÕES DE ATIVIDADES – além de uma numeração que indica as outras obras


que o leitor deve olhar para criar o conjunto proposto pela autora, existem sugestões de
critérios e elementos a serem levados em conta na hora da observação:

91
DERDYK, 1990, p. 136
92
Ibid., p. 135
93
Ibid., p. 144
94
Ibid., p. 137
95
Ibid., p. 140

94
– Prancha 51 – Avicena, físico e filósofo árabe do séc. XI - Sistema digestivo - (Fig. 8) -
Observar as diferenças de enfoque, tanto no aspecto perceptivo e conceitual quanto no
tratamento gráfico da prancha anterior. Ambas abordam o corpo humano criando “mapas”
em função do conhecimento obtido, mas vão por caminhos diferentes.96 ou

– Prancha 38 – Edouard Manet – Mulher no banho - (Fig. 74) - O claro/escuro e o


branco/preto interagem numa relação de analogia e contraste, instrumentos construtivos
para a figuração. Interessante comparar com a técnica renascentista, na qual o claro/escuro
cria relações volumétricas.97

Conclusivamente, no terceiro grupo de informações coletadas nas obras de Derdyk,


aponto a presença da imagem como importante fonte de ideias para o professor, representando
quase como um eixo de em torno do qual Derdyk sugere que o docente aprenda sobre arte.
Chamo atenção para o fato de que a relação que a autora promove entre o desenho infantil e os
conteúdos de artes visuais é construída a partir de pontes entre o desenvolvimento gráfico da
criança e o percurso histórico das artes visuais, no intuito de encontrar soluções gráficas
análogas, o que, para Derdyk, poderia ajudar o professor a compreender melhor esse percurso
de desenvolvimento. A autora parece reunir em seus livros tudo aquilo que considera
pertinente a boa formação do professor: conteúdos textuais e visuais sobre desenho e arte,
conhecimentos sobre a natureza da produção imagética infantil, sugestões de posturas
educativas e até proposições de prática da linguagem. Assim, os livros analisados podem
constituir, dependendo do ponto de vista, um programa de formação docente em artes visuais.
No entanto, causa-me certa estranheza que a autora faça sugestões ao professor mas
não reconheça o material que apresenta como conteúdo de ensino também às crianças,
indicando que o acompanhamento e promoção do processo infantil, entendido por ela como
natural, seja suficiente como atitude pedagógica do professor.
Formulo, para finalizar, algumas questões no que tange aos conteúdos construídos por
Derdyk: se a autora aponta a imagem como referência para o aprendizado sobre arte do
professor, e reconhece a influência social e cultural também no aprendizado infantil, porque
não considera a exibição de imagens à crianças como algo benéfico ao seu desenho? E ao
reconhecer que fatores sociais e culturais também influem nas transformações observadas no
desenhar da criança, porque Derdyk não os considera de forma relevante em sua proposta
teórica?
São estas as questões que embasarão a análise realizada no próximo capítulo.

96
DERDYK, 1990, p. 147
97
Ibid., p. 147

95
■∙■∙■
CAPÍTULO 4: PRIMEIRA CATEGORIA DE ANÁLISE -
FATORES PROMOTORES DAS MUDANÇAS
NO DESENHO INFANTIL
■.■.■

A partir do material coletado e organizado surgiram muitas questões, mas duas delas
sobressaíram-se e, retomando as perguntas que fecharam o capítulo 1, inicio este capítulo de
análise formulando-as novamente. Pensando que os livros de Derdyk são escritos para
professores e que esta pesquisa objetiva também produzir material para o docente, questiono:
o que pode implicar para a prática do professor, seja ele polivalente ou especialista em artes
visuais, ao ler as obras de Derdyk, identificar o seu reconhecimento sobre a influência dos
aspectos sociais e culturais como fatores de mudança no grafismo infantil, mas entendê-los
como algo negativo? E o que pode implicar para a atividade docente desse mesmo professor a
percepção de que a autora aponta o uso da imagem como referência para o aprendizado do
docente na área, mas não menciona essa prática como benéfica ao processo de construção do
desenho infantil?
Pensando, portanto, em explorar estas questões para aprofundar a compreensão do
material por ela construído, formulo as seguintes categorias de análise: 1) quais são os fatores
promotores das mudanças gráficas observadas no processo de desenvolvimento do desenho
infantil na proposta teórica de Derdyk e; 2) quais são os usos das imagens nos livros estudados
e, especialmente, os tipos de informações que a autora extrai e/ou agrega a elas.
Visando atingir o objetivo da pesquisa, qual seja, pensar as publicações de Derdyk em
termos de base teórica para um trabalho inclusivo1 de ensino de artes visuais que auxilie nas

1
Considera-se aqui globalmente a questão da inclusão, dê-se ela por motivos sociais, econômicos ou por necessidades
especiais geradas por déficits físico e/ ou neurológicos.

96
dúvidas e entraves do desenho infantil, preocupou-me explorar aspectos, em meio as várias
questões suscitadas pela pesquisa das publicações, que tocassem em pontos nevrálgicos do
percurso de construção do desenho infantil, e que também se ligassem diretamente ao processo
de ensino e aprendizagem em artes visuais.
Os pontos centrais de uma reflexão sobre ensino de artes visuais devem levar em
consideração, segundo Iavelberg (1995, p. 3), “tanto os processos de aprendizagem do aluno
quanto a natureza dos objetos de conhecimento que constituem as disciplinas do currículo”. Já
que pensar a ação pedagógica, segundo autores e educadores construtivistas2 (base para a
pesquisa de Iavelberg) não se trata só de olhar o objeto de ensino – como no Ensino
Tradicional –, nem de atentar somente para o desenvolvimento da criança, deixando o objeto
em segundo plano – como na Escola Renovada3 –, mas implica em compreender “as questões
da interação direta da criança com os objetos de conhecimento e, ainda, os aspectos sociais
envolvidos nessa interação”4. Portanto, segundo este ponto de vista, cabe ao professor pensar
concomitantemente as circunstâncias da criança – e da produção de seu desenho – e as lógicas
operativas das artes visuais. Para que desta forma, novamente segundo Iavelberg, seja possível
gerar “propostas de ensino adequadas à natureza intrínseca dos objetos artísticos e aos seus
modos de construção”5
Acredito, portanto, que a análise mais aprofundada destes dois aspectos poderá
contribuir para um trabalho inclusivo nas aulas de artes visuais em relação às dúvidas,
dificuldades e angústias das crianças em relação aos seus desenhos.
Neste sentido, em relação aos conhecimentos sobre a criança e seus modos de
aprendizagem e produção, analiso a seguir o que Derdyk escreve sobre os fatores promotores
de mudanças no desenho infantil. Mas antes, considero necessário uma definição sobre o que
seja este termo.
A palavra fator, segundo o dicionário Houaiss (2001), significa aquilo “que determina
ou executa algo; qualquer elemento que concorre para um resultado”, ou seja, um fator
promotor de mudança no desenho infantil significa um elemento que provoca uma alteração
no grafismo da criança. Mudança perceptível pela constatação de que anteriormente tal
característica não existia ou estava presente de outra forma. De acordo com vários autores6 que
2
IAVELBERG, 1995, p. 3
3
Ibid., p. 3
4
Ibid.,, p. 3
5
Ibid., p. 4
6
LUQUET (1927/1969); LOWENFELD e BRITTAIN (1947/1972); PIAGET (1975); ARNHEIM (1954/1997); READ
(1982); FREINET (1964/1977); GOODNOW (1979); KELLOG (1969); MÈREDIEU (1974/2004); OSTROWER (1978);
PILLAR (1996-a,1996-b); IAVELBERG (1995, 2008); MARTINS,GUERRA E PICOSQUE (1998); WILSON e

97
estudaram o desenho infantil, as mudanças são evidentes. O que não parece tão óbvio e
consensual são os fatores que promovem as tais transformações, já que estas acontecem sob
condições muito variáveis e nem sempre acessíveis a quem não acompanha o processo. A
percepção da mudança no desenho infantil, observável independentemente do ensino formal,
instiga a curiosidade sobre quais elementos promovem essas transformações.
Entendo que seja importante compreender quais são os fatores promotores das
mudanças, para que o professor, consciente daquilo que pode alterar com maior ou menor grau
de relevância o curso do desenhar da criança, possa atuar com mais eficiência, sensibilidade e
precisão. Busco um modo de o professor auxiliar nas dúvidas, dificuldades e, quem sabe, até
evitar um fenômeno igualmente consensual entre os teóricos7: o esmaecimento da produção
gráfica infantil por volta dos 8 ou 9 anos ou entorno do início da alfabetização.
Diante das várias perspectivas adotadas para se estudar o desenho infantil, como o
motivo que origina a vontade de desenhar ou o que faz com que a criança desenhe as formas
como desenha, alguns autores se preocuparam também com a investigação desses fatores que
promovem as mudanças do desenho da criança. Além de Florence Mèredieu (1974/2004), que
é a principal referência de Derdyk, procurei refletir a partir de outros autores que tivessem
pesquisado os mesmos fatores8 encontrados em Derdyk, como Arnheim (1954/1997), que
também prioriza fatores internos – como a capacidade motriz e a maturidade psíquica – ; e
Wilson e Wilson (1987, 1997) e Iavelberg (1995, 2008) que, reconhecem o lugar dos fatores
internos, mas investigam o papel dos fatores externos – relações sociais e culturais – como
promotores das mudanças.
Rudolf Arnheim (1904-2007)9 autor de nacionalidade alemã ligado à psicologia da
Gestalt, considerava que as afirmações dos teóricos e educadores de sua época não explicavam
suficientemente o porquê dos desenhos infantis se transformarem de forma tão natural.
Pesquisou profundamente os elementos perceptivos que contribuíam para cada transformação
gráfica infantil. Reconhece, no entanto, que os fatores de natureza emocional também
contribuem para as transformações e alerta para a necessidade de se enxergar o desenho nestes
dois âmbitos de forma equilibrada. Não organiza seu pensamento por faixas etárias, mas por
capacidades perceptivas e figuras surgidas nos desenhos, ambos frutos do amadurecimento

WILSON (1997).
7
LOWENFELD e BRITTAIN (1947/1972); ARNHEIM (1954/1997); MÈREDIEU (1974/2004) entre outros.
8
A autora traz para o leitor os aspectos internos e externos de mudanças no desenhar infantil, mas desenvolve apenas os
internos. Portanto, considero que ela tenha apresentado ambos, mas aprofundado apenas os internos.
9
Informação obtida em <http://www.bobolinkbooks.com/Arnheim/Home.html > Acesso 16 de maio de 2012

98
físico e psíquico da criança. Entende o desenho infantil como ato espontâneo10.
Florence de Mèredieu, autora francesa11, reconhecia o valor e a primazia das pesquisas
de Luquet sobre o desenho infantil e utilizou várias de suas ideias, mas além de criticá-lo pela
nomenclatura ligada a noção de realismo, o criticou justamente porque achava que a teoria do
renomado autor “não explica o nascimento da representação figurativa e, tampouco, a
passagem de um estágio para o outro. Particularmente não se fica sabendo por que o desenho,
em certo momento, acaba por empobrecer-se e desaparecer”12. Sua abordagem leva em conta,
além dos fatores perceptivos, a valorização da gestualidade infantil (usando como parâmetro
as experiências da arte moderna e contemporânea que haviam rompido com o realismo) e
fatores psíquicos. Entende o desenho infantil como meio de expressão e ato espontâneo,
trabalhando a partir de formas surgidas nas imagens e não por faixas etárias, o que implica em
entender que determinadas formas podem aparecer em faixas etárias diferentes ou uma mesma
idade pode produzir grafismos diversos.
Brent e Marjorie Wilson, pesquisadores norte-americanos13, instigados por suas
observações sobre a forma espontânea como a criança procurava copiar desenhos para
aprender a desenhar14, pesquisaram a partir da década de 1970 “qual é o papel que a imitação
desempenha no processo de aprendizagem do desenho”15 e procuraram também entender
“como as imagens são desenvolvidas, modificadas e adotadas”16 nos desenhos infantis. Para
esta dupla de autores norte-americanos os fatores sociais e culturais são peças fundamentais no
processo de transformação pelo qual passa o desenho infantil. Eles pesquisaram crianças de
todas as faixas etárias, mas especialmente as de 8 anos em diante, e não estabeleceram fases
etárias ou etapas, mas trabalharam com uma hipótese de base para explicar um funcionamento
geral do processo de construção do desenho. O que não implicou em homogeneizá-lo, já que
reconhecem que em cada momento da vida a criança dispõe de um tipo de condição motora e
psíquica para desenhar, mas apontam uma ação estrutural que percorre todo o processo.
Entendem que o desenho infantil não é arte, mas “signos configuracionais” (WILSON e
10
ARNHEIM, 1997, p. 154-59
11
É professora de Estética e Ciências da Arte na Universidade de Paris I. É autora de inúmeros artigos sobre arte que foram
publicados na La Nouvelle Revue Française, Traverses, Les Cahiers du Musée d’Art moderne, Art Press, Parachute, entre
outros. É também escritora de ficção e cineasta de filmes experimentais. Escreveu várias obras críticas sobre Antonin
Artaud. Informações traduzidas por mim e disponíveis em < http://www.frenchpubagency.com/Author-498-Florence-
Meredieu.html > e <www.florencedemeredieu.blogspot.com> Acessos em 16 de maio de 2012.
12
MÈREDIEU, 2004, p. 22
13
Brent Wilson é professor da Penn State University, Pensilvânia, Estados Unidos. É consultor do Getty Center for
Education in Arts. Marjorie Wilson também é professora da Penn State University. Ambos são autores de diversos ensaios,
artigos e pesquisas.
14
WILSON e WILSON, 1997, p. 58
15
Ibid., p. 59
16
Ibid., p. 59

99
WILSON, 1997, p. 62) que não nascem espontaneamente nas crianças, mas são fruto de
processos de aprendizagem informal e formal.
Rosa Iavelberg, pesquisadora, professora e autora brasileira17, na esteira da pesquisa
dos autores construtivistas e prosseguindo com as conclusões de Wilson e Wilson, pesquisou
como os fatores sociais e culturais influenciavam nas transformações dos desenhos infantis e
concluiu que a influência se dá na medida em que o contato com estas instâncias vai ajudando
a criança a criar (e a transformar) concepções próprias sobre o ato de desenhar e sobre as
imagens prontas. E estas concepções seriam importantes ferramentas para a criança produzir
imagens, pois definiriam as funções do desenho e o que “cabe” desenhar em cada momento.
Acredita, portanto, que “o desenho da criança transforma-se também em função dos modelos
visuais de seu meio ambiente”18. A autora trabalha com momentos conceituais que
correspondem aos tipos de relação que as crianças possuem com o objeto cultural desenho,
não se tratando de uma sistematização por faixas etárias ou pelo surgimento de determinadas
formas nos desenhos infantis. Para ela, o desenho infantil não tem natureza artística, mas
comunicativa.
Analiso, a seguir, o material identificado como os fatores promotores das mudanças
nas publicações de Derdyk, seguidos por autores que pensam de forma semelhante a ela em
alguns aspectos e divergente em outros.
A primeira informação importante refere-se ao caráter geral dos fatores para Derdyk,
que relacionam-se com “os conteúdos vivenciais detonadores de pesquisas gráficas, e vice-
versa” (DERDYK, 1994, p. 50), ou seja, os desenhos vão sendo transformados por vivências e
acontecimentos necessariamente diferentes em cada momento da vida, mas há uma
similaridade entre eles, já que “estes conteúdos, entretanto, correspondem, de uma certa forma,
ao desenvolvimento do aparelho neurológico, físico, perceptivo e mental da criança.”19 Ou
seja, as vivências infantis são diversas, mas na proposta de Derdyk, a natureza dos fatores que
promovem transformações gráficas gira, geralmente, em torno dos mesmos aspectos.
Outro esclarecimento necessário refere-se a forma como organizo a análise. A cada
conteúdo vivencial apontado pela autora, pontuo os fatores promotores descritos por ela e crio

17
Iavelberg possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1973), mestrado em Educação
pela USP (1993) e doutorado em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP (2000). Atualmente é professora da
Faculdade de Educação da USP. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Formação de Professores, atuando
principalmente nos seguintes temas: arte, formação de professores, arte na educação, currículo de arte na educação,
desenho da criança e do jovem. Informações obtidas em <https://uspdigital.usp.br/tycho/CurriculoLattesMostrar?
codpub=D7A2A17F259D > Acesso em 16 de maio de 2012.
18
IAVELBERG, 2008, p. 42
19
DERDYK, 1994, p. 50

100
diálogos com os autores acima indicados.

4.1 ■ SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 1º CONTEÚDO VIVENCIAL:


“O grafismo e o gesto”20

O movimento do corpo é algo natural no ser humano e, dentro desse processo inicial de
descoberta e exploração corporal, há um momento “quando a criança, lá pelos 18 meses, pega
ocasionalmente no lápis e descobre os seus registros no papel”21. Ou seja, tal momento implica
numa capacidade orgânica de apreensão do instrumento e numa capacidade mental de perceber
que aquilo que já consegue segurar com a mão produz uma marca. E nesse processo “a criança
rabisca pelo prazer de rabiscar, de gesticular, de se afirmar. O grafismo que daí surge é
essencialmente motor, orgânico, biológico, rítmico.”22 Então, segundo Derdyk, aí pode estar a
origem do desenho da criança: corpo, percepção e registro mental.
Mas e o que faz, segundo a autora, a criança começar a mudar esses rabiscos e sua
relação com o desenhar? Neste primeiro momento, “a excitação motora conduz a outros
gestos”23, pois a percepção de que um gesto gera uma marca, e a percepção de que essa marca
permanece, “se investe de magia e esta estimula sensorialmente a vontade de prolongar este
prazer (...) É um prazer auto-gerado, diferente do prazer sentido pela obtenção de alimento, de
calor, de carinho. A autoria da magia depende exclusivamente da criança.”24
No entanto, para Derdyk, os fatores promotores – prazer motor e percepção da marca –
não são exclusivamente orgânicos, pois “já está implícita aí uma atividade mental, na medida
em que a criança associa, relaciona, subtrai ou adiciona um gesto ao outro”25. Para a autora, o
desenho infantil já neste momento, “além de ser uma conduta sensório-motora, vem carregado
de conteúdos e de significações simbólicas.26” Trata-se, assim sendo, do imbricamento de
questões físicas e psíquicas. Para a autora, portanto,
o desenho, além de ser fruto de uma ação motora, manifesta um ritmo biopsíquico de
cada indivíduo, encadeado com uma repetição proveniente de uma ordem imperiosa
que vem lá de dentro. A repetição visa automatizar, incorporar, dominar um gesto
adquirido, um movimento inventado, um rabisco criado.27

20
DERDYK, 1994, p. 55
21
Ibid., p. 56
22
Ibid., p. 56
23
Ibid., p. 57
24
Ibid., p. 56
25
Ibid., p. 57
26
Ibid., p. 57
27
Ibid., p. 59

101
Seria essa repetição que possibilitaria mais oportunidades da percepção se aguçar e
transformar o grafismo, pois, “quando a criança rabisca num papel em branco, este produz
estímulos visuais que vão se transformando ao rabiscar.”28 E, também, os fatores orgânicos de
seu crescimento, pois, “ao experimentar novas estruturas de movimento, seus gestos vão,
naturalmente, ritmando-se, arredondando-se, passando do gesto contínuo ao descontínuo, do
gesto rápido ao lento.29”
Os fatores promotores de mudanças neste momento são, portanto, segundo a autora, de
natureza orgânica, perceptiva e psíquica, atuando de forma interligada e natural: o rabiscar,
fruto de um gesto físico, produz estímulos visuais que, a partir do momento em que a criança é
madura psiquicamente para perceber, promovem novos rabiscos; possíveis de serem
concretizados pelo desenvolvimento natural dos aspectos motores.
Sobre este momento, é possível encontrar vários autores que concordam com a natureza
motora, perceptiva e psíquica dos fatores de promoção das primeiras mudanças observáveis no
desenho da criança. Assim como com o caráter já expressivo dos rabiscos. Entre eles,
Mèredieu, a autora base de Derdyk, afirma que “na criança, o desenho é antes de mais nada
motor; (...) e que a criança sente prazer nesta gesticulação.30” Para Merèdieu, o gesto gráfico,
“depende da apreensão do eixo corporal”31, pois, é a “expressão de um ritmo biopsíquico
próprio de cada indivíduo”32, surgindo “com a aprendizagem do andar e do sentido do
equilíbrio.”33 Também Arnheim, autor anterior a Mèredieu, afirma que
a configuração, a extensão e a orientação dos traços são determinados pela
construção mecânica do braço bem como pelo temperamento e estado de espírito da
criança. Aqui se encontra o início do movimento expressivo, isto é, as manifestações
do estado de mente momentâneo do desenhista assim como seus mais permanentes
traços de personalidade.34
Diferentemente de Derdyk, assim como de Mèredieu e Arnheim, Wilson e Wilson
afirmam que desde cedo a criança já sofre influência de outros em seu desenvolvimento,
mesmo havendo padrões universais de maturação35, já que “toda criança faz rabiscos da
mesma forma que balbucia”36; mas “tanto os rabiscos quanto o balbucio desenvolvem-se muito
pouco, a menos que existam modelos para serem seguidos.37” Ou seja, os autores observam
28
KELLOG apud DERDYK, 1994, p. 61
29
DERDYK, 1994, p. 61-2
30
MÈREDIEU, 2004, p. 6
31
Ibid., p. 25
32
Ibid,. p. 25
33
Ibid., p. 25
34
ARNHEIM, 1997, p. 162
35
WILSON e WILSON, 1997, p. 61
36
Ibid., p. 61
37
Ibid., p. 61

102
que a existência de modelos sociais e culturais é um fator promotor de mudanças desde o
início da vida da criança, sem com isso minimizarem a importância de suas condições
internas, e que estes fatores externos não significam uma estagnação, mas representam, ao
contrário, a possibilidade de avanço.

4.2 ■ SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 2º CONTEÚDO VIVENCIAL:


“O corpo é a ponta do lápis”38

Conforme Derdyk afirma, o segundo conteúdo vivencial é a tomada gradual de


consciência de que o controle sobre as marcas está nela mesma39. E, segundo a autora, as
mudanças nas marcas, assim como na relação da criança com a ação (e a função) de desenhar,
são frutos, como no primeiro momento vivencial, do seu processo natural de amadurecimento
físico e psíquico. Em relação ao aspecto motor,
no seu fazer, a criança vai precisando o gesto, afirmando o corpo, combinando e
ampliando suas possibilidades expressivas. A precisão do gesto no papel está ligada à
apreensão e domínio corporal como um todo, à sua capacidade de encontrar apoios,
entender os mecanismos corporais de equilíbrio e desequilíbrio.40

No âmbito perceptivo tal amadurecimento orgânico promove na criança a percepção de


que, “tudo aquilo que está depositado no papel partiu dela.” 41 E tal percepção vai mudando a
relação infantil com o desenhar, pois, permite à criança formular-se psiquicamente como
autora, já que ela percebe que o traço que permaneceu no papel “não lhe foi dado, foi
inventado por ela mesma. Inaugura-se o terreno da criação.” 42 A repetição do gesto continua
importante para que a criança domine suas marcas, “até seu conteúdo e sua forma se
esgotarem e se transformarem, dando vazão a outros interesses.43”
Então, neste segundo conteúdo vivencial, o desenho infantil permanece sendo de
natureza sensório-motora e os fatores promotores das mudanças se mantêm atrelados a
aspectos de ordem interna, como a motricidade e a percepção. Lembrando que a percepção,
para Derdyk, não é mero fator físico, mas implica também em processamento de informação.
Sobre a relação entre percepção e atividade mental, interpreto que Iavelberg concorde

38
DERDYK, 1994, p. 63
39
Ibid., p. 64
40
Ibid., p. 64
41
Ibid., p. 64
42
Ibid., p. 64
43
Ibid., p. 64

103
com Derdyk, mas Iavelberg explica que há algo a mais que interfere, pois, a percepção ativada
significa que quando entramos num processo perceptivo
o fazemos (...) a partir de nossos esquemas assimilativos; e que o conhecimento
visual não impressiona nossos sentidos como se nossos sensores fossem uma tábula
rasa. A impressão das percepções envolve um quadro complexo de inter-relação entre
os esquemas, o que justifica as transformações naquilo que podemos observar a cada
momento do desenvolvimento, sempre influenciados pela nossa cultura. Portanto,
ocorre variação neste quadro a depender da cultura do sujeito da aprendizagem.44

Portanto, para Iavelberg, o fator sociocultural intervem na atividade mental implicada


no processo perceptivo e, desde o início, exerce influência nas alterações gráficas infantis, pois
“desde cedo a criança observa e imita atos e formas de desenhos realizados em sua presença,
incorporando-o em seu repertório por intermédio de assimilação criadora.”45

4.3 ■ SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 3º CONTEÚDO VIVENCIAL:


“A sugestão do gesto”46

Se o terceiro conteúdo vivencial trata do desenvolvimento da capacidade de encontrar


formas representativas no emaranhado de grafismos que produz, ou seja, é a percepção de que
o desenho poder servir para representar as coisas do mundo. Derdyk afirma que, “esta
capacidade de visualizar, perceber e aceitar a sugestão que o próprio traço lhe dá, promove um
grande diálogo entre a criança e o acontecimento do papel.”47 Este diálogo não acontecia desta
forma anteriormente, demonstrando o amadurecimento da criança, pois, este momento
sugere que ela observa e é capaz de reter em sua memória uma grande quantidade de
informação visual. Sugere também uma intensa operação mental envolvendo a
capacidade de associar, relacionar, combinar, identificar, sintetizar, nomear. Suas
associações são processadas ora por “analogia visual”, ora por “analogia
intelectual”(...). 48

A criança passa a perceber relações mais complexas entre o que produz e o que vê, “a
relação inusitada olho/cérebro/mão/instrumento/gesto/traço redimensiona o ato de desenhar e
o jogo é acrescido de novas regras.”49 O olho e a mão se tornam conscientemente instrumentos
parceiros do desenhar. Ou seja, “o olho aperfeiçoa sua visão e se afeiçoa ao prazer de
descobrir formas, que aos poucos vão brotando.”50

44
IAVELBERG, 2008, p. 46
45
Ibid., p. 44
46
DERDYK, 1994, p. 68
47
Ibid., p. 68
48
Ibid., p. 68
49
Ibid., p. 71
50
DERDYK, 1990, p. 102

104
O início da representação é descrito por Mèredieu de forma semelhante mas
considerando um marco um pouco diferente, pois, para esta autora “com o desenho do boneco,
a criança passa do traço, simples índice de uma ação (...), para o signo que supõe ao mesmo
tempo distinção e aproximação entre um significado e um significante.”51
Já para Arnheim, a mudança do desenho-ação para o desenho-representação – é
concretizada antes da figura do boneco aparecer e os fatores transformadores são semelhantes
aos de Derdyk.
Pode-se supor também que muito cedo na experiência da criança a curva linear
traçada a lápis ou pincel se transforma em um objeto bidimensional. (...) É suficiente,
aqui, notar que este fenômeno é responsável pela transformação da linha
unidimensional a lápis em contorno perceptível de um objeto sólido.
Esta transformação perceptiva propicia (…) o reconhecimento de que as
configurações desenhadas no papel (…) podem substituir outros objetos do mundo,
aos quais elas se relacionam como significante para o significado.52

Para Derdyk, a percepção de seu próprio corpo também é um fator promotor de


mudanças neste momento, visto que, “a criança torna-se sensível às diferentes partes do
corpo”53, pois, “cada pedacinho do seu corpo vai adquirindo autonomia, assumindo um
significado, uma especificidade”54. E “similarmente, ela desenvolve a sua capacidade de
discernir, distinguir, qualificar, percebendo semelhanças e diferenças entre os objetos e os
grupos de objetos.”55
Para Mèredieu (1974/2004), essa capacidade de discernir começa com a percepção e
produção de formas simples e dirige-se para às mais complexas. Esse princípio evolutivo
encontra eco em Arnheim, para quem o desenvolvimento da capacidade de diferenciar coisas
é natural no ser humano e também segue uma lógica da simplicidade, o que justificaria o
caráter básico das primeiras formas gráficas representativas.
Para o nosso fim específico será útil combinar o princípio da diferenciação com o
princípio gestaltiano da simplicidade. Conservando a nossa premissa de que perceber
e conceber procedem do geral para o específico, afirmamos em primeiro lugar que
qualquer configuração permanecerá tão indiferenciada quanto permitir a concepção
que tem o desenhista do objeto em mira.56

Derdyk afirma que mantém-se o estímulo visual como fonte de percepção e motivador
de transformações na grafia e na atitude da criança perante o desenhar. Já que, para a autora, o
“exercício do reconhecimento formal induz o desejo de reproduzir tal feito.(...) Das repetições
51
MÈREDIEU, 2004, p. 37
52
ARNHEIM,1997, p. 166
53
DERDYK, 1994, p. 75
54
Ibid., p. 71
55
Ibid., p. 75
56
ARNHEIM, 1997, p. 169 (grifo do autor)

105
surgem outras configurações espaciais, o signo gráfico estimula outros signos.”57
Mèredieu procura elucidar como se dá o processo de transformação natural de um signo
gráfico mais simples para um mais complexo explicando que “à medida que a criança chega a
uma etapa mais avançada de figuração (...), a imagem anterior fornece matéria para imagens
derivadas.”58 Portanto, “o desenho infantil procede assim de forma simples: círculo, quadrado,
triângulo, imagens da abóboda, do funil, signos em V, etc, elementos que, combinando-se,
geram diversas figuras do vocabulário infantil.”59 Trata-se de conceber as mudanças como
fruto de um funcionamento natural da lógica da percepção da imagem.
Já para Iavelberg, a transformação de uma forma em outra é possível não por uma
condição perceptiva inerente ao ser humano ou por uma lógica da forma, mas porque o sujeito
da ação atua em sua produção criando hipóteses sobre o sistema cultural desenho, criação
baseada nos conhecimentos que já possui sobre a linguagem e que aprendeu na “interação com
os sistemas de desenho em desenvolvimento no meio sociocultural”60
O fator sociocultural de influência passa a ser reconhecido por Derdyk a partir do início
da representação. Neste sentido, até o momento em que o desenho infantil é fruto
principalmente de ação física, trata-se, para Derdyk (1990 e 1994), de um fazer de caráter
natural, transformado fundamentalmente por fatores de natureza perceptiva, física e psíquica
agindo interligados. No entanto, a autora indica que no início da função representativa o
desenho é acrescido de um novo dado: “inaugura-se a era do faz-de-conta.”61 Citando
Merèdieu, ela completa: “O desenho vai da ação à representação na medida em que evolui da
sua forma de exercício sensório-motor para a sua forma segunda de jogo simbólico”
(MÈREDIEU apud DERDYK, 1994 p. 76). E tal transformação implica na participação de um
outro que compartilha do significado impresso naquela marca e naquele fazer. “Em meio
àqueles traços (...) de repente a criança visualiza um grande jacaré de boca aberta. (…) E
aquela mancha ali, olha só, é uma casa e uma flor. Nós olhamos e constatamos: é mesmo!”62. E
o fato de outros participarem da brincadeira e compartilharem significados indica que o
desenhar se torna uma atividade social. No entanto, por mais que Derdyk reconheça esse fator
social, não explicita de que maneira eles influenciam as mudanças que ocorrem neste
momento, priorizando os fatores perceptivos, físicos e psíquicos.

57
DERDYK, 1994, p. 75
58
MÈREDIEU, 2004, p. 34
59
Ibid, p. 36
60
IAVELBERG, 2008, p. 42
61
IAVELBERG, 2008 p. 71
62
DERDYK, 1994, p. 68

106
Mèredieu também reconhece a participação de fatores sociais neste momento do
desenho infantil, mas sua leitura é um tanto negativa dessa relação, afirmando que com o
início da figuração
a acomodação ao real reforça-se até transformar-se em subordinação. (…) De início
essencialmente lúdico, efetuado por prazer, o desenho torna-se pouco a pouco uma
atividade cujo caráter sério tem como contrapartida o acesso ao universo adulto.
(...)
Resta saber se este aspecto narrativo não está ligado a certo estado da civilização – já
que durante muito tempo a arte foi quase exclusivamente figurativa – e se o adulto
não reforça esta característica pelas perguntas que faz à criança: “o que é isto?”, “o
que é que isso representa?”, quando não a condiciona simplesmente impondo-lhe um
assunto.63

Como é possível observar nos trechos acima, para Mèredieu, a figuração não seria uma
tendência natural da criança, mas uma imposição sociocultural. Neste sentido, estes fatores
transformam negativamente o desenho da criança, alterando-lhe o caráter espontâneo, caro a
esta autora. Sua argumentação possui forte relação com as concepções modernistas da arte64,
que rejeitavam a representação figurativa em seus movimentos de desconstrução dos valores
artísticos europeus tradicionais.
Arnheim também reconhece que, ao tornar-se representação, a relação com os outros
passa a influenciar o desenho, mas o autor prioriza e dá precedência ao fator perceptivo como
elemento de transformação da grafia. “Não temos como dizer com certeza em que ponto do
desenvolvimento da criança ela começa a representar por meio de suas configurações.
Provavelmente isso ocorre antes que ela confirme o fato ao observador adulto apontando para
seu rabisco dizendo “Cachorrinhos!”65. Na suposição do autor, o fator social, portanto, tem
menos relevância que o perceptivo. Desconhece-se, entretanto, as bases científicas de Arnheim
para essa afirmação. Talvez essa precedência pelo aspecto perceptivo tenha origem na
tendência científica de sua época, tanto na teoria da Gestalt quanto no fato de as pesquisas
sobre o impacto dos fatores sociais66 no desenvolvimento da criança ainda não serem
praticadas ou muito divulgadas.
No entanto, as pesquisas avançaram e, especialmente a partir do acesso às formulações
de Vigotsky, é possível considerar os aspectos positivos das mudanças provocadas pela
interação sociocultural – já que a influência deste fator na promoção de mudanças no grafismo
infantil parece inegável.
Sobre esse fator de influência no desenho infantil, Iavelberg descreve a maneira como o
63
MÈREDIEU, 2004, p. 38
64
MÈREDIEU, 2004.
65
ARNHEIM, 1997, p. 166
66
Ver VIGOTSKY, L.S. [1935] A formação social da mente, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1984.

107
fator social age na transformação de um conhecimento em outro, uma construção sempre
dependente do desenvolvimento interno da criança.
O sujeito vai construindo progressivamente suas teorias sobre desenho a partir da
interação com todas as produções que observa, incluindo as suas próprias. (…) A
criança pode ajeitar uma explicação ou uma teoria satisfatória, mas esta não resistirá
aos questionamentos e ao confronto com outros modelos de desenho existentes no
meio e, portanto, em um determinado momento terá que abrir mão de suas hipóteses
substituindo-as por outras mais avançadas, em um movimento interativo de
transformação no plano do grafismo.67

Para Wilson e Wilson (1997), a criança, ao perceber a função representativa do


desenho, não desenha uma representação em si do objeto, mas “um signo configuracional”68,
porque “um desenho de uma nuvem representa uma nuvem não mais do que o faz a palavra
'nuvem'”69. Os autores citam Peckham (1969, p. 92 apud WILSON e WILSON, 1997, p. 60)
para acrescentar que “nenhuma linguagem, nenhum sistema de signos... é isomórfico
(corresponde um ao outro na forma) com o mundo, ou pode ser”. Ou seja, para a dupla de
autores, a criança não desenha diretamente do objeto real, mesmo que não possa prescindir do
objeto concreto pois, “a existência da palavra 'nuvem' está na dependência da existência do
objeto nuvem, mas no aprendizado da palavra 'nuvem' – ou no de qualquer outro signo verbal
– nenhum estudo sobre nuvens será de qualquer valia.”70 No caso do desenho aconteceria o
mesmo, as crianças aprendem não por meio da nuvem em si, mas pela forma como outras
pessoas desenham o signo configuracional “nuvem”.
Neste sentido afirmam,
A criança aprende a formar seus próprios signos configuracionais principalmente por
meio da observação do comportamento-de-fazer-signos-configuracionais de outras
pessoas, (...) verificando então, a maneira pela qual são feitos, (…) e as diversas
formas que tais signos tomam em nossa cultura. Sim, estamos dizendo que, sem
modelos para serem seguidos, haveria pequeno ou nenhum comportamento de
realização de signos visuais na criança.71

Portanto, para Derdyk, Mèredieu, Arnheim, Iavelberg e Wilson e Wilson, quando a


criança percebe a função representativa do desenho, a interação sociocultural influi em seu
grafismo. No entanto, para os três primeiros autores essa influência tende a ser minimizada ou
vista de forma negativa e para os dois últimos, é entendida como um fator de importância
fundamental para o avanço gráfico.

67
Cf. Weisz, T. “As contribuições da psicogênese da língua escrita e algumas reflexões sobre a prática educativa de
alfabetização” in: Ciclo básico em jornada única: uma nova concepção de trabalho pedagógico, São Paulo, FDE, 1988.
apud IAVELBERG, 1995, p. 5-6
68
WILSON e WILSON, 1997, p. 60
69
Ibid., p. 60
70
Ibid., p. 60
71
Ibid., p. 61 (grifo dos autores)

108
4.4 ■ SOBRE OS FATORES PROMOTORES PRESENTES NO 4º CONTEÚDO
VIVENCIAL: “Percursos no espaço”72

Para Derdyk, este conteúdo vivencial, refere-se a uma forma mais complexa de
vivência espacial, promovida pela “percepção corporal que a criança tem de si própria”73.
Sendo que “num primeiro momento, seu espaço gráfico é o espaço do corpo e do gesto.”74 Ou
seja, a forma de construir um novo elemento no desenho – a espacialidade –, é provocado por
um fator perceptivo. E mesmo que possa haver alguma influência cultural, Derdyk afirma,
citando Mèredieu, que “anterior às montagens e às categorias espaciais colocadas pela ciência
e a cultura, o espaço infantil apresenta-se como aquele espaço originário de que falava
Merleau-Ponty; 'o espaço aberto e constituído pelo corpo'.”75 Derdyk considera que é pela via
da percepção, agora mais citada que as questões motoras, que a criança
passa a estabelecer referências para poder se situar no tempo e no espaço,
identificando qualidades e estados nos objetos. Percebe as semelhanças, sejam elas
de ordem física, emocional ou até intelectual. A criança organiza grupos, coleções,
séries, famílias. 76

Mèredieu fala muito sobre o papel da consciência do corpo como um fator de


influência na organização gráfica. E indica que essa tomada de consciência é influenciada por
fatores naturais de seu crescimento, pois, operando “através de tentativas e ajustamentos
sucessivos, a criança elabora seu próprio espaço, de cuja existência tem a princípio apenas
uma noção confusa.”77 Neste sentido,
o espaço gráfico é precedido de outros espaços, o primeiro dos quais é o espaço
postural e bucal (…) ligado às primeiras sensações de prazer-desprazer (...); surge em
seguida o espaço sensório-motor, ligado aos movimentos da criança (...) O espaço
representativo insere-se portanto em outros espaços, espaços vitais e carregados de
afetos.78

Para Derdyk, as questões emocionais também são fatores de transformação, visto que
definem as proporções e tamanhos das figuras desenhadas. “O espaço emocional traz para bem
perto ou leva para bem longe os objetos dotados de afeto, independentemente de sua real
posição física. O espaço emocional dita as hierarquias afetivas através da dimensão das
formas.”79

72
DERDYK, 1994, p. 78
73
Ibid., p. 78
74
Ibid., p. 78
75
MÈREDIEU apud DERDYK, 1994, p. 78
76
DERDYK, 1994, p. 81
77
Ibid., p. 42
78
Ibid., p. 42
79
Ibid., p. 78

109
A esse respeito, Mèredieu diz que “a criança não se preocupa nem um pouco em
respeitar as proporções dos objetos: ela lhes atribui uma “grandeza afetiva”80. Mas para
Arnheim, o dimensionamento dos tamanhos e das relações espaciais não podem ser
justificados somente por fatores afetivos, mas devem ser compreendidos principalmente pelos
aspectos perceptivos, tendo como referência a lei da diferenciação – que diz que enquanto a
criança não for capaz de diferenciar formas, elementos, funções, as representará pelo seu
caráter mais básico. Neste sentido,
se (…) o tamanho ainda não for diferenciado, as várias partes do corpo – cabeça,
tronco e membros – recebem aproximadamente a mesma ordem de tamanho. (…) O
tamanho realístico é apenas parcialmente relevante em relação ao tamanho das coisas
numa pintura porque a identidade perceptiva não se baseia muito no tamanho.81

Um outro aspecto relativo à complexificação da construção espacial gráfica é o


processo natural de amadurecimento que, segundo Derdyk, faz o desenho passar da ação e
percepção para um processamento da percepção em conceitos. “É possível constatar, (...) uma
certa maturidade intelectual para perceber as diferenças e semelhanças, para generalizar,
abstrair, classificar, envolvendo conceitos.”82
Mas, Derdyk prioriza fatores de ordem perceptiva e emocional como os promotores das
mudanças.
Já para Iavelberg, as relações espaciais e proporcionais que surgem no desenho da
criança são fruto, além de fatores internos, de sua interação com o meio sociocultural. Para a
autora, isso significa que a criança “busca desenhar como se vê usando as regularidades da
cultura de desenho ou os códigos da linguagem, apropriando-se deles.”83

4.5 ■ SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 5º CONTEÚDO VIVENCIAL:


“O primeiro círculo”84

Sendo este a aquisição do círculo e a consciência do eu como algo autônomo do


mundo, é possível afirmar que aqui os fatores promotores sejam relacionados aos gestos, que,
segundo Derdyk, “vão naturalmente se arredondando”85 e a um amadurecimento da condição

80
MÈREDIEU, 2004, p. 43
81
ARNHEIM, 1997, p. 186
82
DERDYK, 1994, p. 82
83
IAVELBERG, 2008, p. 67
84
DERDYK, 1994, p. 86
85
Ibid., p. 89

110
psíquica, pois, “no momento em que há uma distinção entre o eu e o outro, o círculo está
pronto para surgir. (...) Em termos psíquicos equivale à conquista da consciência.”86
Para Derdyk, é neste momento que a “criança passa do domínio das sensações
imediatas e das estruturas elementares ao mundo das relações, da permanência, das analogias.
Ela passa da ação em si à noção de si”.87 Momento no qual “inaugura-se a diferenciação entre
o mundo exterior e o mundo interior, dentro/fora, aberto/fechado, eu/outro.”88 Graficamente o
círculo é a primeira forma fechada, representação mais básica da relação dentro/fora.
Sobre o caráter motor do surgimento do círculo, Arnheim, afirma que “as primeiras
rotações indicam organização de comportamento motor de acordo com o princípio da
simplicidade.”89 E segundo este autor, o círculo é a primeira forma fechada a aparecer porque é
o mais simples para se perceber: “O mesmo princípio também dá prioridade visual à forma
circular. O círculo que com sua simetria central não particulariza nenhuma direção, é o padrão
visual mais simples.”90
Para Derdyk, as questões motoras, psíquicas e perceptivas colaboram também para que
o círculo seja a forma representativa da figura humana nascente no desenho infantil91. E no
caso dessa analogia formal incipiente entre o formato do corpo humano e um círculo, o
primeiro fator de influência é “o mesmo mecanismo de apreensão visual inata ao ser
humano”92. O que levaria também a ser, segundo a autora, “a tradução gráfica do esquema e
estrutura corporal da morfologia humana basicamente comum em todas as épocas”93. E apenas
posteriormente viriam as influências culturais pois “a percepção, o gesto corporal e a atitude
gráfica divergem em conformidade com as circunstâncias históricas e culturais.”94
Neste sentido, Arnheim afirma que a representação inicial da figura humana se dá por
círculos não porque a figura humana seja percebida como circular pela criança, mas porque é a
forma mais básica, visto que, “na etapa em que ela começa a desenhar círculos, a forma ainda
não está diferenciada. O círculo não representa a rotundidade mas a qualidade mais geral de
“coisa”.95
Neste momento, para a Derdyk, é a vivência de sua fisicalidade o fator promotor das

86
DERDYK, 1994, p. 89
87
Ibid., p. 86
88
Ibid., p. 91
89
ARNHEIM, 1997, 165
90
Ibid., p. 165
91
DERDYK, 1990.
92
DERDYK, 1990, p. 112
93
Ibid., p. 112
94
Ibid., p. 112
95
ARNHEIM, 1997, p.167

111
mudanças que começam a ocorrer na forma como a criança vai construindo a figura humana.
Sobre este fator promotor, Mèredieu também afirma que a criança
projeta no desenho seu próprio esquema corporal; ela traduz assim a maneira como
vive seu corpo e se sente apreendido pelo outro, como aquela menina cujo desenho,
boneco invertido, correspondia à sua posição favorita, deitada no chão, de pernas
para o ar.96

Mas além das questões físicas e psíquicas, para Derdyk, mantém-se como fator de
mudança na grafia o estímulo visual vindo da observação da criança em relação a seu próprio
desenho. É neste sentido que Derdyk afirma que “dos círculos nascem tensões internas e
externas, direções convergentes e divergentes: são as radiais, os sóis, variações do
desenvolvimento formal do círculo.97 E aqui, novamente, Mèredieu defende a ideia de que
novas formas gráficas nascem naturalmente por estímulo das anteriormente realizadas.
Surge nesse momento a aptidão para emoldurar as figuras e enquadrar o desenho (...)
A criança aprende a combinar figuras: círculos tangentes exteriormente, figuras
circulares englobando outras figuras, ovóides secantes, etc. (…) Doravante, está tudo
preparado para o aparecimento do boneco dotado de um corpo e quatro membros.98

Em relação ao caráter representativo contido no surgimento do círculo e da figura


humana, Derdyk reafirma a importância que estas formas começam a possuir para a criança,
pois, “elas permitem à criança conjugar novos espaços, novas figuras, novas construções 99”, ou
seja, novas representações. Mas o caráter sociocultural implicado na função representativa e
simbólica de desenho, principalmente em relação à construção da figura humana, não é visto
muito positivamente por Derdyk. Arnheim reconhece a influência do fator social no avanço do
desenho infantil, mas também o vê negativamente, porque acredita que os avanços acontecem
de uma forma progressiva e natural:
Por esta razão não é aconselhável ensinar à criança como fazer configurações mais
complexas – o que pode ser facilmente feito, exaltando as ambições sociais da
criança, mesmo que perturbe seu desenvolvimento cognitivo. (…) o anseio para
conseguir uma maior complexidade leva ao progresso na época conveniente, sem
ajuda externa.100

Wilson e Wilson (1997), pensando sobre a construção da figura humana em crianças


por volta dos 8 ou 9 anos dizem que nosso conhecimento da figura humana é construído por
milhões de percepções de diferentes corpos em diferentes posições, mas que na hora de
desenhar não usamos o conhecimento destas percepções “simplesmente porque são muito

96
MÉREDIEU, 2004, p. 32
97
DERDYK, 1994, p. 91
98
MÉREDIEU, 2004, p. 30-2
99
DERDYK,1994, p. 93
100
ARNHEIM, 1997, p. 179

112
numerosas, (…) e muito vagas para que possam fornecer imagens mentais definidas a partir
das quais se possa desenhar.”101
As configurações memorizadas que nos servem melhor quando caminhamos por um
dos nossos programas de desenho são aquelas recebidas das nossas percepções
prévias de outros desenhos. Por quê? Simplesmente porque elas tinham sido
traduzidas para configurações bidimensionais de linhas e formas. (...) Configurações
estas que exigem pouca transformação mental adicional antes de serem colocadas
como desenhos.102

Portanto, Derdyk, mesmo reconhecendo novamente a influência dos fatores


socioculturais na representação infantil da figura humana, mantem seu foco nos fatores de
ordem perceptiva e psíquica.

4.6 ■ SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 6º CONTEÚDO VIVENCIAL:


“O desenho, a fala e a escrita”103

Derdyk apresenta o sexto conteúdo vivencial, como explicitado no capítulo 2,


dividindo-o em três momentos distintos. Entendo que a autora promove tal divisão para que
fique claro como se processa esta importante relação entre os dois sistemas de representação: a
escrita e o desenho.104
No momento da oralidade, quando “o desenho vai receber de seu autor uma
interpretação, aliada a um comentário verbal, como se este fosse o prolongamento de sua
ação”105, é o próprio uso da oralidade que transformará a relação da criança com a ação de
desenhar e com as imagens geradas. “A palavra representa o objeto, a pessoa, o fato. Desenhar
e falar são duas linguagens que interagem, são duas naturezas representativas que se
confrontam, exigindo novas operações de correspondência.”106 Aqui, portanto, Derdyk
reconhece que o fator de transformação é de caráter cultural, mas não especifica a participação
de uma linguagem na promoção de mudanças da outra.107
Para auxiliar a compreensão sobre como se dá o fator de influência verbal na mudança
do desenho, Wilson e Wilson pensam acerca da relação de similaridade entre o aprendizado da

101
WILSON e WILSON, 1997, p. 66
102
Ibid., p. 66
103
DERDYK, 1990, p. 94
104
Para aprofundamento sobre o desenho e a escrita como sistemas de representação ver PILLAR, 1996a.
105
DERDYK, 1994, p. 95
106
Ibid., p. 97
107
Sobre a interação entre os sistemas de representação da palavra escrita e do desenho ver Pillar, 1996a.

113
fala e da imagem e afirmam que no processo de aprender a falar, ou seja, a usar signos verbais
a palavra “nuvem” (ou, de fato, qualquer outra palavra) é aprendida ao se ouvir
outras pessoas usarem a palavra – o signo – imitando-se então os sons ouvidos,
talvez ao mesmo tempo em que se aponta para o referido, a nuvem. (…) O que
ocorre com o aprendizado do uso da palavra acontece também com a realização de
signos configuracionais: não será por meio de nenhum tipo de exame das nuvens que
a pessoa aprenderá a desenhá-las.108

Neste sentido, o aprendizado da fala, levando em consideração as diferenças implicadas


na palavra e na imagem, decorre, além de todos os fatores internos, de uma interação com
aquele que já sabe falar e não necessariamente com o objeto de cuja existência a criança está
falando. E para estes autores, o mesmo ocorre com o desenho: aprende-se a partir de desenhos.
No segundo momento estabelecido por Derdyk na relação entre palavra e desenho,
também há o reconhecimento da mudança pelo fator social, visto que a autora aponta que “a
vontade de ingressar no mundo dos grandes, participando das formas oficiais de comunicação,
leva a criança a inventar, no desenho, escrituras fictícias, mensagens secretas.”109 Derdyk faz
esta afirmação, mas não desenvolve o assunto.
Mèredieu reconhece que a aquisição das formas gráficas semelhantes às letras se deva a
um fator social: a vontade de comunicar e participar do universo do adulto. No entanto,
também nesta autora, o desenvolvimento da função comunicativa depende prioritariamente do
caráter natural do desenvolvimento da criança.
Parte atraente do universo adulto, dotada de prestígio por ser secreta, a escrita exerce
uma verdadeira fascinação sobre a criança, e isso bem antes dela própria poder traçar
verdadeiros signos. Muito cedo, ela tenta imitar a escrita dos adultos. (…) 'Para elas,
existe uma espécie de magia em poder alinhar signos, ligá-los entre si, e estão muito
conscientes de que querem 'dizer' e comunicar alguma coisa'.110

Já no terceiro momento da relação entre palavra e desenho, Derdyk, além de reconhecer


que se trata de um fator de mudança de cunho social e cultural, especifica como se processa
essa influência.
A escolarização e a introdução de técnicas de alfabetização pode inibir o processo de
desenvolvimento gráfico infantil. Verifica-se, na maioria dos casos, uma diminuição
da produção gráfica dependendo das técnicas utilizadas nas escolas para a
alfabetização: a aquisição da escrita pode concorrer com o desenho. Existe uma
aculturação da mão dada pelo manejo do instrumento (...). A forma de ocupação
espacial necessária para a escrita naturalmente interfere na atitude da criança (...)
exige um tremendo controle motor. A necessidade de se expressar visualmente,
pouco a pouco, pode ser substituída pela linguagem escrita.111

108
WILSON e WILSON, 1997, p. 62
109
DERDYK, 1994, p. 99
110
Marthe Bernson apud Mèredieu Du gribouillis au dessin (s/ página)
111
DERDYK, 1994, p. 103

114
Mas, como pode-se perceber, a autora ressalta uma visão negativa da atuação do fator
promotor. A mudança é para pior! A questão motora se engessa, a gramática gráfica fica a
mercê da organização espacial das letras e o corpo como fonte de ideias vindas da percepção
de si é calado. Como já citado no capítulo 2, “a paralisação perceptiva alcança dimensões para
além das fronteiras do desenvolvimento da linguagem gráfica”112 podendo “prejudicar
estruturalmente todo o processo de aquisição de conhecimento”113, resultando no
empobrecimento das soluções gráficas infantis e, “na maioria dos casos, uma diminuição da
produção gráfica.”114
Neste sentido, Mèredieu afirma exatamente o mesmo: “mais tarde, quando a criança
atinge a idade escolar, verifica-se quase sempre uma diminuição da produção gráfica, já que a
escrita – matéria considerada mais séria – passa então a ser concorrente do desenho.”115 E o
resultado do contato com a escola é entendido como negativo, pois, é ela o “agente de
transmissão de uma cultura redutora e classificatória.116
Parece não se tratar, portanto, de Derdyk e Mèredieu negarem a influência do fator
sociocultural como promotor de mudanças, mas de entenderem essa relação como maléfica
para a característica que ambas exaltam no grafismo infantil: a sua espontaneidade. Neste
sentido, para Mèredieu, o professor nunca poderá ser fator promotor de mudanças positivas,
pois “se deve reduzir ao máximo as intervenções do adulto117”, intervenções perigosas
principalmente quando ele acaba se tornando “inconscientemente indispensável118”, ou seja,
quando vira um modelo.
Portanto, no momento em que Derdyk explicita o funcionamento de um fator social e
cultural de promoção da mudança gráfica, esse fator tem ação negativa.

Já para autores como Iavelberg (1995, p. 15) e Wilson e Wilson não é a interação com a
escrita na escola formal que faz com que o desenho empobreça ou até desapareça, mas sim a
falta de um ensino sistematizado do desenho. Iavelberg constatou com sua pesquisa que é
justamente a escola, com sua capacidade de organização e sistematização do conhecimento,
que pode ajudar as crianças a avançarem em suas produções gráficas. Visto que,

112
DERDYK, 1994, p. 103
113
Idem, 1990, p. 126
114
Idem, 1994, p. 103
115
MÈREDIEU, 2004, p. 11-2
116
Ibid., p. 18
117
Ibid., p. 104
118
Ibid., p. 104

115
as informações e o contato frequente e sistemático com o conhecimento social agem
sobre o sistema teórico da criança, provocando mais conflitos e, consequentemente,
mais transformações em suas ideias, garantindo, já no período da adolescência, um
avanço para níveis bem mais próximos das representações adultas sobre o desenho.
Isso não acontece com sujeitos que têm menos oportunidades de interação com o
conhecimento social acumulado.119

Para Wilson e Wilson, o papel da escola é também o de construir conhecimentos sobre


desenho.
Pensamos ser um mal (...) que haja tão pouco para influenciar os estudantes em suas
aulas de arte, pois estas influências derivam muito mais de assuntos fora do campo
de Belas Artes. De fato, se tivéssemos de prescrever usos pedagógicos para as aulas
de desenho, muitos deles se centrariam na ajuda de crianças a partir de oito ou nove
anos na aquisição de programas em maior número possível, para a construção de
signos visuais.120

4.7 ■ SOBRE O FATOR PROMOTOR PRESENTE NO 7º CONTEÚDO


VIVENCIAL: “Observação, memória e imaginação”121

O sétimo e último conteúdo vivencial, a entrada da visão como fonte de informações e


parâmetros para o desenho, implica em considerar que “a observação se torna um fator
presente na busca de uma maior quantidade de repertório, auxiliando a constatação da
causalidade de fenômenos físicos.”122 Assim como constitui “a memória e a imaginação.” 123
Contudo, para a autora, não se trata de um olhar somente orgânico, mas de um olhar que
“transforma as coisas que vemos em atividade mental. A imagem mental reapresenta o
percebido, passível de ser materializado, através das várias linguagens.”124 Portanto, para
Derdyk, olhar e desenhar são atividades muito próximas e “podemos elevar o sentido do olhar
e do desenhar à ideia de 'fábrica de imagens', ou então, 'fábrica de significações'”.125 Como no
exemplo em que a autora descreve como uma criança processa uma informação visual extraída
do contato com um objeto real:

119
IAVELBERG, 1995, p. 9
120
WILSON e WILSON, 1997, p. 72-3
121
DERDYK, 1994, p. 112
122
IAVELBERG, 1995, p. 129
123
DERDYK, 1994, p. 125
124
Ibid., p. 112
125
Ibid., p. 112

116
Eu olho a cadeira que pretendo desenhar. A cadeira me lembra um acontecimento do
dia anterior. Desenhar evoca o acontecimento incitando a invenção e a projeção de
uma nova situação para a cadeira (...). Na criança, este jogo criativo se faz
naturalmente, de uma maneira solta, aparentemente caótica, sem método. (...)
Manifestam-se operações mentais como: imaginar, lembrar, sonhar, observar,
associar, relacionar, simbolizar, reapresentar.126

Ou seja, se o olhar é o fator promotor das mudanças neste momento conceitual, não é
só um olhar no sentido orgânico, mas em sua potência de atividade intelectual, como numa
“conversa entre o pensar e o fazer.”127
O desenho não é mera cópia, reprodução mecânica do original. É sempre uma
interpretação, elaborando correspondências, relacionando, simbolizando,
significando, atribuindo novas configurações ao original. O desenho traduz uma
visão porque traduz um pensamento, revela um conceito.128

Para Mèredieu (2004, p. 109-110), a entrada da visão como fator de mudança significa
também o primado da influência da cultura de mídia de massa no desenho da criança.
Influência cultural que, segundo a autora, minimiza o caráter original do desenho infantil e,
portanto, não lhe é benéfica. No entanto, a autora reconhece que o mass media também
representa uma quebra de paradigmas em relação à hierarquização dos saberes, onde as
tradicionais instituições portadoras do saber passaram a ter que rever suas bases e princípios129.
E isso a autora pensou no fim da década de 1970. Imaginemos o alcance dessa mídia de massa
nos atuais tempos de internet.
Já Arnheim, autor ainda anterior a Mèredieu, descreve uma situação em que um
professor se sente tentado em comunicar seu conhecimento ao
(…) estudante que solicita a seu instrutor que lhe mostre como se consegue que as
coisas “se afastem” no espaço. Contudo, estas são apenas necessidades sociais que
não provêm das exigências da obra em si. (...) Tais motivos sociais devem ser
separados dos motivos cognitivos que surgem do estado de desenvolvimento visual
do estudante. O primeiro não deve ser satisfeito à custa do último.130

Aqui, o fato da criança desejar aprender um dado convencional da linguagem ligado à


representação de um aspecto visual, é visto pelo autor não como uma necessidade genuína
infantil de tornar seu desenho mais complexo, mas só como uma pressão da sociedade.
Já para Iavelberg, a entrada da visão como fonte de informação e parâmetro acontece
quando
126
DERDYK, 1994, p. 121
127
Ibid., p. 121
128
Ibid., p. 112
129
Ibid., p. 110-111
130
ARNHEIM, 1997, p. 194

117
a criança percebe com mais clareza que o desenho existe no seu meio e percebe as
diferentes formas de estruturação deles. Observa as regras de representação do
espaço (perspectivação), os modos de desenhar partes específicas de objetos que não
domina (...), por pares ou produtores adultos, descobre que existem maneiras eficazes
de desenhar e quer dominá-las.131

Em relação a visão da aparência do real como fonte influente de dados e de parâmetros,


como já citado, Wilson e Wilson (1997, p. 59) divergem da concepção de Derdyk e Arnheim.
Já que acreditam que a concretude dos objetos e sua visualidade não são as principais
referências no aprendizado infantil do desenho. No entanto, segundo Wilson e Wilson (1997),
a visão é a grande fonte de informações em relação aos objetos culturais que influenciam as
crianças desde o princípio da atividade do desenhar. Para eles, “este processo de aquisições de
convenções, que se torna mais predominante e óbvio em crianças com oito ou nove em diante,
é, cremos, mais importante do que qualquer outro no desenvolvimento artístico, porque é o
processo que permanece operacional durante toda a vida.”132 A observação do real servirá
como uma referência de correção dos signos configuracionais prévios que a criança possui, ou
seja, mesmo a entrada da visão como fator de influência é mediada pelos modelos
configuracionais que a criança constrói a partir de outros desenhos.133

∙ APONTAMENTOS ∙

Para finalizar a análise da primeira categoria aponto que em vários momentos Derdyk
reconhece a influência dos fatores socioculturais134 como promotores de mudanças no desenho
infantil, mas os vê, assim como Merèdieu, de forma negativa, priorizando os aspectos internos
de influência.
Derdyk reconhece em sua proposição teórica sobre o desenvolvimento do desenho
infantil, que “se por um lado o ato de desenhar é instintivo, necessidade motora e energética,
por outro lado são gestos adquiridos, aculturados e imitativos. E mais ainda, são gestos
reelaborados, construídos e inventados.”135 Ou seja, a autora identifica o duplo caráter de fazer
alimentado por fatores naturais e socioculturais. E tal afirmação, em conjunto com o
131
IAVELBERG, 2008, p. 67
132
WILSON e WILSON, 1997, p. 59
133
Ibid., p. 68
134
DERDYK 1994, p. 124 e DERDYK, 1990, p. 127
135
DERDYK, 1994, p. 124

118
reconhecimento apontado no decorrer da análise, é que pode ter gerado a dissonância por mim
identificada. Já que Derdyk tende a ver com negatividade a influência de fatores
necessariamente envolvidos na prática pedagógica – como a intervenção de adultos e crianças
e a exposição a exemplos da cultura –, prática a qual seus livros se direcionam.
Considero que a posição teórica de Derdyk pode criar certa estranheza ao professor que
desejar usar sua obra como base para seu trabalho docente. Escreve um livro para os
professores auxiliarem a criança em seus desenhos, mas ao mesmo tempo vê com receio a
influência da escola e a intervenção dos professores.
Entendo que Derdyk, na época da edição estudada (1994), talvez não tivesse tido
acesso às pesquisas que indicavam os aspectos positivos e inalienáveis das interações
socioculturais. No entanto, a que se deve o mantenimento das mesmas premissas na edição de
2010 de Formas de pensar o desenho? A crítica dirige-se não à escolha de uma perspectiva
pela autora, que prioriza os fatores internos – motores, psíquicos e perceptivos – de influência
no desenho infantil, mas à manutenção do modo negativo com que aponta os fatores
socioculturais envolvidos no desenvolvimento do desenho infantil. Principalmente em se
tratando de obras escritas para professores: profissionais que atuarão fundamentalmente em
situações sociais e culturais de ensino e aprendizagem.
Ao refletir sobre as razões desta visão com tendências espontaneístas de Derdyk chego
a algumas hipóteses. A primeira delas diz respeito a sua autora de referência, Florence de
Mèredieu, que defende fervorosamente uma visão espontânea e original do desenho da
criança, mesmo afirmando que “é preciso acabar com um certo mito da espontaneidade
infantil”136. Mèredieu é fruto de uma época137 em que provavelmente a escola tradicional ainda
era a realidade mais frequente, e talvez por isso o seu tom livre-expressionista. Creio que parte
da influência de Mèredieu sobre Derdyk se deva a valorização que a autora francesa faz dos
movimentos empreendidos pela arte contemporânea em direção a uma arte menos
representativa e mais expressiva, no sentido de deixar a linguagem visual falar por si, sem que
a temática expressa tome a dianteira na definição de significados. Ambas autoras ressaltam um
paralelismo entre a liberdade de criação do artista contemporâneo (e também do moderno) e a
criança.
No entanto, Iavelberg ressalta que é

136
MÈREDIEU, 2004, p. 102
137
A edição do livro de Mèredieu presente na bibliografia de 1994 de Formas de pensar o desenho data de 1974.

119
interessante observar que a autora [Mèredieu] valoriza os movimentos de
recuperação da gestualidade da Arte Contemporânea ao mesmo tempo em que situa a
criança à margem da produção social, como se sua produção fosse paralela e se
comportasse de maneira alienada em relação aos modelos e ideias sobre arte
presentes no meio em que convive.138

E com Derdyk se dá o mesmo. A autora chega a posicionar imagens de artistas em meio


aos capítulos sobre o desenvolvimento do grafismo infantil (Fig. 151, 152, 153 e 154), ato que
entendi como uma forma de comparar os resultados das duas produções, mas ao mesmo tempo
ela não entende como positiva a influência que a criança sofre deste mesmo meio.
Toda essa resistência em aceitar a influência que o meio sociocultural pode exercer
sobre a criança, é compreensível pensando no gigantesco empreendimento que as artes visuais
de extração europeia operaram de meados do século XIX até, em certa medida, hoje em dia,
para retirar do centro do interesse e do topo da hierarquia, os valores atrelados a representação
fidedigna da realidade. Pensando, portanto, que “o grande trunfo da arte moderna é a aquisição
do pensamento sobre a construção da linguagem”139 e que a arte contemporânea é “cada vez
mais a reflexão de seu próprio fazer, exprimindo, de maneira evidente, o seu projeto formativo
e poético”140, fica mais claro de onde pode vir a visão negativa de Derdyk (e de Mèredieu)
sobre a influência da cultura como imposição das convenções as quais o campo da arte quer se
livrar. O fato de Derdyk atuar também como artista visual pode ter feito com que as questões
do campo da arte se misturassem (e se sobrepusessem) as do campo da aprendizagem.
Uma outra razão aventada para a tendência espontaneísta de Derdyk é o contexto dos
professores de artes visuais, mas não necessariamente das pesquisas acadêmicas em arte-
educação, na época da formação e da escrita de seus livros. Derdyk se forma em licenciatura
em artes na FAAP-SP em 1980, quando, como afirma Ana Mae Barbosa (2002), os cursos de
licenciatura formavam professores para “lecionar música, teatro, artes visuais, desenho, dança
e desenho geométrico, tudo ao mesmo tempo, da primeira à oitava série, e em alguns casos,
até o 2º grau.”141 Ou seja, a formação era bastante genérica e marcada pela ausência de
disciplinas que tratavam da metodologia de ensino, de teorias da aprendizagem e de teorias de
criatividade, conforme afirma Barbosa142. O grande centro formador dos docentes de artes
visuais desde o fim da década de 1940 eram as Escolinhas de Arte, cuja orientação era
marcadamente livre-expressionista, mas cujo contingente formado não podia atuar nas escolas

138
IAVELBERG, 2008, p. 45
139
DERDYK, 1990, p. 62
140
Ibid., p. 62
141
BARBOSA, 2002, p.10
142
Ibid., p. 11

120
formais em razão de uma exigência legislativa143 que requeria formação superior e específica
ao professor de arte da rede de ensino. Desta forma, segundo Barbosa144 era muito comum que
os professores de arte, – e neste caso não afirmo que este tenha sido o caso de Derdyk, mas
sim que possa ter sido um provável contexto com o qual a autora tenha se deparado – ,
tivessem como objetivo de suas aulas o desenvolvimento da criatividade, e conceituassem esta
palavra em termos do senso comum que a atrelava a auto-liberação, a originalidade e
espontaneidade. Restava-lhes o senso comum, haja visto que o material acadêmico mais
recente sobre as pesquisas acerca destes assuntos eram simplesmente inexistentes nos
instrumentos formais de transmissão de conhecimento da época.
No entanto, se a opção da autora pode soar estranha ao ser vinculada as ideias
desenvolvidas no campo da arte educação na década de 1990, parece ainda mais intrigante que
ela tenha mantido inalterado o texto sobre o desenvolvimento do desenho infantil na edição de
2010. Creio que além de tentar rastrear as origens do ponto de vista de Derdyk, e buscar
contextualizá-lo para melhor compreender suas opções, é necessário refletir sobre as
implicações da perspectiva de Derdyk. As razões que levaram a autora a optar por essa
abordagem são relevantes na medida em que ajudam ao professor a localizar a rede que
estrutura seu pensamento e, assim, podem auxiliar a criar os sentidos adequados.
Mas o que parece igualmente importante é pensar nas potenciais consequências
didáticas que sua abordagem sugere. Neste sentido, entender como negativa a influência dos
fatores socioculturais no desenho infantil parece ser relegar o papel do professor ao plano do
acompanhamento de um processo natural de desenvolvimento, que aconteceria ele estando ou
não ali. Deste ponto de vista sua presença, inclusive, poderia mais atrapalhar do que realmente
possibilitar um processo de aprendizagem. Trata-se, parece, de fechar os olhos para toda a
potencialidade do entorno enquanto referência para a aprendizagem de novos conteúdos,
procedimentos e usos. Considero problemático não dar relevância ao fato de que, como afirma
Iavelberg (1995, p. 5), a criança aprende na interação com o meio sociocultural e por meio de
sua ação sobre desenhos.

Um outro aspecto a retomar é a relação deste posicionamento que tende ao


espontaneísmo a uma imagem romantizada sobre a criança, visto que, segundo a investigação
de Brent Wilson e Marjorie Wilson,

143
Lei Federal nº 5692 de Diretrizes e Bases da Educação de 1971
144
BARBOSA, 2002, p. 10-1

121
encorajamos as crianças a produzirem a nossa imagem de uma arte infantil “natural”,
“criativa” e “espontânea” ao mesmo tempo em que fechamos os olhos para os
desenhos reais – os copiados – que poderiam revelar a verdadeira natureza do
aprendizado artístico.145

Entender que o processo de construção do desenho na criança seja influenciado


prioritariamente por aspectos internos parece ser a valorização de uma noção de sujeito puro e
intocado cuja socialização irá corromper. Esta discussão já se apresenta academicamente
desgastada, mas suas consequências didáticas ainda são visíveis na prática de muitas escolas
da rede básica146. Além, é claro, de permear o senso comum da mídia, mesmo em tempos de
criação em rede e de internet.
Por outro lado, não se trata de desvalorizar os aspectos internos da criança no processo
de aprendizagem do desenho, pois acredito que isso poderia levar a consequências igualmente
problemáticas.
Portanto, as críticas não significam um descarte das ideias que priorizam os fatores de
cunho interno. Nem Iavelberg nem Wilson e Wilson descartam ou minimizam a importância
dos fatores internos. Até porque são estes fatores que garantem as condições concretas para
que as crianças sejam capazes de atuar e se socializarem. Portanto, entende-se como
fundamental as contribuições no âmbito da percepção, da motricidade e dos aspectos
psíquicos. Importa, apenas, ampliar esses fatores e reconhecer as necessárias trocas sociais.
No âmbito do desenho, como escreve Iavelberg, “além de memória e de domínio na realização
de esquemas de desenho construídos através da interação com pares e produtos das culturas,
ocorre um processo interno muito importante de transformação das representações que a
criança tem sobre o que é desenho147”
Pensando, portanto, numa possível combinação entre os fatores internos e os externos
de promoção das mudanças nos desenhos infantis a partir da qual o professor possa
compreender a natureza da aquisição infantil do desenho, quero considerar um possível
equilíbrio entre os fatores concorrentes nas mudanças dos desenhos das crianças. Neste
sentido, como afirmam Wilson e Wilson, em tradução de Iavelberg (2008), o professor deve
levar em conta os 5 fatores importantes que determinam o desenvolvimento do desenho:
145
WILSON e WILSON, 1997, p. 58
146
Em 2008 ofereci uma palestra sobre artes visuais na escola para professores da educação infantil e ensino fundamental I
da rede municipal de Itupeva, no interior de São Paulo e entre 2006 e 2009 realizei um programa de formação em artes
visuais com as professoras de sala da escola particular em que trabalhava em São Paulo e em ambos os casos era muito
comum ouvir relatos sobre dúvidas ligadas a contaminação do desenho “puro” das crianças pelas cópias de gibis ou por
esquemas ensinados por crianças mais velhas ou adultos.
147
IAVELBERG, 2008, p. 54

122
1. Todos os seres humanos nasceram com uma tendência para desenhar objetos tão
simples quanto possível, para cobrir formas, para captar coisas de pontos de vista
característicos e ordenar linhas e formas em ângulos corretos.

2.O desenvolvimento em desenho deve estar relacionado ao processo de crescimento


orgânico quando de tempos em tempos uma nova imagem emerge lentamente de uma
anterior, e outras vezes imagens mudam abruptamente por intermédio de uma
oportunidade descoberta nas linhas acidentais e formas que alguém desenha.

3. O desenvolvimento do desenho depende de empréstimo e uso de imagens da arte


e da cultura.

4. A realização de desenho depende das habilidades individuais e peculiaridades,


incluindo o desejo de desenhar, memória visual, habilidades de observação e
motoras, imaginação, inventividade e preferências estéticas.

5. Finalmente, como alguém que desenha é afetado por oportunidades para aprender
e aplicar habilidades desenhistas, pelas quantidade de encorajamento para desenhar e
o tipo de instrução que cada um recebe.148

Desta perspectiva, o professor deve levar em conta tanto os aspectos internos, motores
e psíquicos, e isso implica em constantes estudos de teorias da aprendizagem e da criação -
quanto os fatores externos, socioculturais, na hora de construir sua lógica de ensino.
Mas além do conhecimento sobre os variados modos de aprender de cada aluno, o
professor deve dominar também o objeto de conhecimento com o qual lida, objeto que Derdyk
traz abundantemente em ambos os livros analisados: o desenho e seus usos nas artes visuais.
É pensando o uso das imagens, e das informações que Derdyk relaciona a elas, que construo a
segunda categoria de análise apresentada a seguir.

148
WILSON e WILSON, 1987 apud IAVELBERG, 2008, p. 55 – tradução da autora.

123
■.■.■
CAPÍTULO 5: CATEGORIA DE ANÁLISE 2 -
USOS DE IMAGEM E INFORMAÇÕES
NOS LIVROS DE EDITH DERDYK
■.■.■

A diferença de postura de Edith Derdyk em relação ao uso da imagem como referência


para o aprendizado do professor e da criança, leva à segunda categoria de análise: como a
autora usa a imagem para a formação do professor e que tipo de informação extrai ou agrega
nas leituras que realiza. Tal categoria refere-se ao outro aspecto dos processos de ensino-
aprendizagem, igualmente importante na reflexão do professor sobre a construção de sua
lógica de trabalho: o objeto de conhecimento em Artes Visuais.

5.1 ■ SOBRE IMAGENS E SUAS INFORMAÇÕES

O objeto de conhecimento nos livros analisados é o desenho e seus usos singulares nas
artes visuais. Parece claro, então, que a imagem além de ser o objeto de estudo em si, seja
também, um recurso fundamental para a construção do discurso da autora. Afinal, para estudar
as imagens usamos as palavras, mas não podemos prescindir das próprias imagens.
Um dado anteriormente mencionado precisa ser retomado e enfatizado: a autora
apresenta, investiga e explicita aspectos das imagens para mostrá-los especificamente ao
professor. E por mais que haja alguns poucos trechos em que Derdyk sugere um uso da
imagem para o trabalho com as crianças como no excerto “em nosso caso, a história da
representação da figura humana abre a possibilidade, para a criança, de uma exploração

124
inventiva de seu próprio corpo”1, o foco da autora é a formação do professor. Portanto, toda a
análise realizada nesta pesquisa baseou-se nesta perspectiva: o uso da imagem na formação de
repertório dos docentes2.
Neste sentido, a simples exposição do professor às imagens não encerra o tipo de
abordagem proposta por Derdyk. Afinal, seus livros não são simplesmente séries aleatórias ou
cronologicamente organizadas de reproduções de obras de arte ou imagens da cultura. Derdyk
dispõe e articula as imagens de forma a criar um percurso de significados para o professor
ressaltando a diversidade com que o ser humano usou e usa a linguagem do desenho nas mais
variadas épocas, sociedades e áreas do saber.
Ao pensar que uma imagem pode ser utilizada para infinitos fins e pode ser analisada
sob diversas abordagens, considero que as imagens do universo das artes visuais, em especial,
podem ser usadas para estudar a sociedade em que a obra foi feita e as atuais organizações
sociais; para conhecer as formas de pensar visualmente em outras épocas e culturas; para
conhecer a si mesmo pela percepção de preferências de cores, temas, formas, etc; para
conhecer o artista; para compreender a psicologia do ser humano (como registro das opções,
limitações e potencialidades); e, dentre vários outros usos, também para estudar as lógicas de
sua própria construção. Nesse sentido, guardadas as devidas diferenças, a imagem pode
funcionar como um idioma, que é em si a mostra do funcionamento de sua lógica operativa, e
é também o suporte para se conhecer outros assuntos.
As perspectivas de entrar em contato com uma imagem também são muito variáveis.
Pode-se olhar uma imagem e atentar para os materiais usados; ter uma experiência sensorial
pouco racionalizada; lembrar de acontecimentos da infância; procurar relacionar o trabalho a
trechos da vida do artista; analisar sua estrutura formal; atentar aos assuntos representados;
pode-se pesquisar a permanência de uma forma no decorrer de imagens de várias épocas ou
povos; agregar informações para complementar a produção de significados; extrair
informações das obras para a produção de sentidos; comparar obras do mesmo autor ou
comparar obras de autores diferentes. Enfim, cada abordagem direcionará o sentido produzido
e o ponto de vista pelo qual se olhará uma obra3. Um exemplo desta relação é proposto pelo
1
DERDYK, 1990, p. 126
2
Não havia como investigar, deste modo, o que Derdyk sugere que o professor transmita às crianças, visto que sua
perspectiva sobre o desenho infantil não prevê o ensino propriamente dito de conteúdos, mas a adequação das situações
para que as crianças se desenvolvam o mais livre e plenamente possível.
3
Derdyk trabalha, na grande maioria dos seus exemplos, com reproduções de obras bidimensionais, salvo algumas
exceções em que o desenho representado está em um suporte tridimensional, como um vaso grego ou uma parede rochosa.
No entanto, mesmo nestes casos, compreendo que trata-se de mostrar a imagem bidimensional e não de ressaltar a
tridimensionalidade do suporte. A autora também não aborda mídias eletrônicas, performances e outras linguagens
contemporâneas multidimensionais. Contudo, quando me refiro ao termo “imagem” no decorrer do texto, me refiro a todo

125
professor de filosofia Charles Feitosa quando sugere que olhemos a capela de Notre-Dame-du
Haut4:

Fig. 116: Capela de Notre-Dame-du Haut.


Fonte: <http://www.demel.net/fs-ronchamp.html> Acesso em 21 de junho
de 2012.

Um turista pode apreciar as formas arrojadas, o estilo incomum, assimétrico e


curvilíneo, e dizer que o prédio é belo ou feio. Um fiel, alheio às máquinas
fotográficas, buscaria na luminosidade incomum da nave inspiração para uma oração.
Já um arquiteto poderia prestar mais atenção na realização do projeto, (...) concluindo
finalmente que a obra é boa, ou seja, apropriada para os fins a que foi destinada.
Finalmente um engenheiro, chamado para realizar um parecer técnico sobre o
edifício, poderia descrevê-lo como sendo uma estrutura côncava de concreto apoiada
sobre três colunas de pedra, medindo 22 metros de altura, com paredes brancas,
portas e janelas coloridas.5

A partir deste exemplo é possível notar que o tipo de informação que o espectador
extrai ou agrega é definidor da forma como ele se relacionará com a obra. Portanto, em relação
aos livros de Derdyk em análise, considero que o tipo de informação que ela agrega e/ou extrai
das imagens pode ser entendido como o seu ponto de vista específico. Logo, não se trata de
analisar os níveis de compreensão estética6 da autora ou de propô-los para os docentes-leitores,
pois a pesquisa não está lidando com essas questões. Mas trata-se de pensar como a natureza
da informação agregada ou extraída das imagens pode se ligar a uma forma de compreensão
das obras e, consequentemente, a um uso da imagem. Este uso, no caso das publicações de
Derdy, destina-se à aquisição de repertório pessoal do professor, mas esta pesquisa questiona
a possibilidade de uso também no trabalho com as crianças.

tipo de produção visual, seja ela bi ou tridimensional; performática; digital; analógica; cinematográfica ou produzida em
qualquer suporte ou linguagem.
4
Construída entre 1950 e 1955 em Ronchamp, na França, segundo o projeto do renomado arquiteto francês Le Corbusier
(1887 – 1965).
5
FEITOSA, 2004, p.47
6
Cf. HOUSEN apud IAVELBERG, 2003, p. 88-92

126
5.2 ■ CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA

Proponho, então, o uso dos verbos agregar e extrair para pensar as origens das
informações relacionadas às imagens. Agregar, segundo o dicionário Houaiss (2001), significa
“acrescentar, anexar”, ou seja, trata-se de adicionar um dado para a construção de significados
que não estava aparente na imagem. Neste sentido, por exemplo, se o intento de um
pesquisador é investigar um tema geral, como o papel político da mulher na França do séc
XIX, ele poderá usar pinturas para entender em que condições e funções a mulher foi retratada
na época, que tipos sociais apareciam, etc.; mas será necessário também agregar informações
que não aparecem nas imagens, como dados políticos e culturais. Neste caso, a pintura está
sendo usada como ferramenta para pesquisar um dado sócio- histórico. Tipo de pesquisa que
pode ou não levar em conta aspectos específicos do campo das artes visuais, como a
estruturação do espaço ou as técnicas empregadas nas pinturas.
Já o verbo extrair, segundo o dicionário Houaiss (2001), significa “retirar de dentro de
onde estava, colher, tirar”, implicando numa operação de coleta daquilo que a imagem
apresenta como materialidade, temática e conceito. O que não acarreta percepções
simplesmente formalistas, pois segundo Barbosa (2002a), a relação de observação de uma
imagem “não se resume apenas à análise de forma, cor, linha, volume, equilíbrio, movimento,
ritmo, mas principalmente é centrada na significação que esses atributos, em diferentes
contextos, conferem à imagem”7. Barbosa dá um exemplo preciso de como a extração dessas
relações formais podem ser fundamentais para a construção de sentidos quando fala da mão
espalmada de Niemeyer no Memorial da América Latina, na cidade de São Paulo,

da qual escorre sangue formando uma poça em vermelho na base do punho. A


obviedade de significado a constitui num statement e não numa obra de arte,
enquanto a Guernica de Picasso, embora tenha um enunciado evidente, a destruição
da cidade de Guernica durante a guerra civil espanhola, possui um intrincado de
relações formais que propõem múltiplos e particulares significados, individualizáveis
de acordo com o observador.8

Neste sentido, ao dados extraídos da imagem são elementos de significação mas


também podem ser fontes para a pesquisa de sua própria constituição. Então, por exemplo, se
um pesquisador deseja investigar a construção do espaço pictórico no decorrer dos séculos

7
BARBOSA, 2002a, p. 18
8
BARBOSA, 2002, p. 42

127
XIX ao XXI na pintura japonesa, será necessário extrair das imagens informações de natureza
formal, técnica, conceitual, filosófica. O que não significa que o pesquisador dispensará
informações externas às imagens, como dados sociais e históricos da cultura japonesa no
período. Portanto, o processo de construção de um repertório imagético para o professor,
intento expresso de Derdyk9, parece necessitar destes movimentos de extrair e agregar, de
coleta e adição de dados.
Ao refletir sobre as relações que Derdyk estabelece entre texto e imagem, considero
que a autora não constrói uma metodologia de leitura de imagens, mas abre um leque que
permite ao professor-leitor vislumbrar diversas formas de utilizar a imagem.
Portanto, justifica-se um exame sobre as formas como Derdyk relaciona imagens e
texto em seus livros pela crença de que, além de ter a oportunidade de conhecer diferentes
tipos de imagem, seja necessário para o professor - seu público-alvo - compreender a
perspectiva da autora diante dos objetos culturais desenho e artes visuais. Não se trata, no
entanto, de avaliar o conceito de arte da autora ou suas preferências poéticas, mas de analisar
qual o lugar que Derdyk dá para a imagem dentro do seu discurso sobre a imagem no ensino
de desenho. E mais especificamente, que tipo de informações extrai e/ou agrega às imagens.
Mesmo considerando que ela não sugere imagens para o trabalho com as crianças, a
importância da análise reside na possibilidade de pensar que o modo do professor construir seu
repertório e a qualidade das informações que possui, refletem suas concepções e valores,
influenciando a maneira deste lidar com a criança. Especialmente nos dias de hoje, quando a
crescente saturação de imagens e o acesso agigantado a elas pelos meios eletrônicos permite
contato com potencialmente quase todas as imagens já produzidas e sistematizadas pelo
homem, o que absolutamente não garante a qualidade do olhar10.
Se a perspectiva sob a qual o professor-expectador irá entrar em contato com a imagem
é um dos elementos fundamentais para a construção dos significados, parece fundamental
analisar o quê define a perspectiva de Derdyk: ou seja, que tipo de informações agrega e/ou
extrai das imagens nos livros Formas de pensar o desenho (1994) e Desenho da Figura
Humana (1990).
Logicamente, Derdyk não é a primeira autora a usar imagens para a formação docente
em arte. Ver imagens já foi a ferramenta privilegiada de se entender como o mestre havia
trabalhado determinado elemento em sua obra, mas também já foi entendida como forma de
9
DERDYK, 1994, p. 8 e 1990, p. 7
10
Se na época de edição de 1989 de Formas de pensar o desenho, o excesso de imagens na mídia já era notável, este fato se
expande no contexto em que surge a edição de 2010.

128
imposição e aprendizagem mecânica para o aprendiz. Há alguns anos, pesquisas e propostas
como a Proposta Triangular de Ensino de Arte11 sistematizada por Ana Mae Barbosa, e mais
recentemente, o ensino de arte para a compreensão da cultural visual, pensado, entre outros,
por Fernando Hernandez12, reconhecem o lugar da imagem no processo de ensino e
aprendizagem na formação da criança e também do professor.
Analiso o conteúdo proposto por Derdyk com base na Proposta Triangular, ou seja,
observando de que forma o material de Derdyk pode propiciar as ações que a proposta entende
como apropriadas para uma completa e complexa aprendizagem em artes visuais. Tal
abordagem,
originalmente denominada Metodologia Triangular do Ensino de Arte e
posteriormente corrigida para Abordagem ou Proposta pela sua própria
sistematizadora, a professora e pesquisadora Ana Mae Barbosa no final dos anos
1980. É o produto de sua reflexão a partir do estudo de três abordagens
epistemológicas13: as Escuelas al Aire Libre, mexicanas; o critical studies, inglês; e o
Discipline Based Art Education (DBAE), americano.
Foi desenvolvida e testada no Museu de Arte Contemporânea da USP 14, onde foi
diretora de 1987 a 1993, e no Projeto Arte na Escola, iniciado em 1989 pela
Fundação Iochpe, com as professoras Denyse Vieira e Analice Dutra Pillar (...) 15

As Escuelas al Aire Libre parecem ter influenciado a Proposta Triangular na medida em


que foram o primeiro movimento modernista (começaram pós Revolução Mexicana em 1910)
que reconhecia a arte como expressão mas também como cultura. A ideia central era
revalorizar os padrões estéticos indígenas tradicionais, submetidos aos valores europeus de
beleza e sentido. Já o critical studies foi o motivador para que Barbosa pensasse que somente
o fazer não era suficiente para emergir a importância da reflexão crítica sobre arte no processo
de aprendizagem, visto que, “a ausência de contato com padrões avaliativos da arte, através de
sua história, impede que aquele que apenas realiza sua catarse emocional através da arte seja
capaz de ser um consumidor crítico da arte não só de agora mas da arte do futuro também.” 16 E
o DBAE sistematizou o conhecimento sobre arte em quatro disciplinas distintas, propondo que
uma aprendizagem complexa em arte só acontece na inter-relação das quatro áreas: produção

11
BARBOSA, 2002
12
HERNANDEZ, 2000
13
Para aprofundamento nas três abordagens epistemológicas ver BARBOSA, 2002, p. 34-43
14
“A primeira experiência no Ensino de Arte no Brasil com inter-relacionamento do ver, do fqzer e da análise crítica,
posteriormente designada contextualização, se deu no Festival de Inverno de Campos do Jordão de 1983. (N. da. O)”
(RIZZI, 2008, p. 335)
15
RIZZI, 2008, p. 335 – grifos da autora
16
BARBOSA, 2002, p. 41

129
de arte, crítica de arte, estética e história da arte.
A diferença básica entre o DBAE e a Proposta Triangular é que esta última não
organiza o ensino em disciplinas, mas em ações que agrupam os conteúdos das artes visuais.
Sendo assim, trata-se do “cruzamento entre experimentação, codificação e informação”17, ou
em outras palavras: do fazer arte, do ver arte e do contextualizar/refletir sobre arte. E
“considera como sendo seu objeto de conhecimento, a pesquisa e a compreensão das questões
que envolvem o modo de inter-relacionamento entre arte e público”. 18 Segundo Rizzi, a
Proposta Triangular ao “relacionar as três ações básicas e suas respectivas áreas do
conhecimento considera arte como cognição e expressão. Pode ser operacionalizada a partir da
articulação pertinente, orgânica e significativa dos domínios do conhecimento.”19
Como é possível perceber, a presença da imagem e de informações que se relacionem a
ela têm lugar central na metodologia sistematizada por Barbosa; cujo objetivo não é negar as
conquistas expressivas do modernismo do ensino de arte, mas ser “uma ampliação dos
princípios de expressão individual que marcaram a modernização do ensino de arte” 20
expandindo-o “para incluir a conceituação de arte como cultura” 21. Neste sentido , Rizzi
(2008) acrescenta que a imagem nas artes visuais é reconhecida como expressão e cognição,
ou seja, como fenômeno coletivo portador de conhecimentos sistematizáveis e também como
expressão pessoal do produtor.
Mas este reconhecimento não encerra a questão, pois a forma de abordar a imagem,
seja a das artes visuais ou a de outras áreas, e a relação dessa abordagem com seus usos, como
explicitado acima, ainda podem render extensas pesquisas.

5.3 ■ O USO DAS IMAGENS EM DERDYK

Derdyk (1990 e 1994) informa que seu objetivo, no uso das imagens das artes visuais é
a sensibilização do professor para com o desenho infantil, mostrando que o desenho,
17
RIZZI, 2008, p. 337
18
Ibid., p. 337
19
Ibid., p. 338
20
BARBOSA, 2002, p. 107
21
Ibid., p. 107

130
especialmente neste campo, pode ir muito além da representação fotográfica da realidade. A
autora mostra também que a criança pode ir além desta função, principalmente quando não é
direcionada ou induzida à produção meramente figurativa. Como quando diz que irá “capturar
alguns segmentos da produção cultural que possam se relacionar com determinadas fases da
produção gráfica infantil”, ou quando propõe que “resgatar a gênese da figura humana na
História da Arte pode proporcionar um espelhamento do processo construtivo do aparecimento
da figura humana no desenho infantil.22”
No intuito de ampliar a noção de desenho, minimizando a sua função representativa em
prol dos seus vários outros usos (usos e funções que nem sempre o professor da rede básica
tem conhecimento), Derdyk traz, como visto no capítulo 1, um amplo conjunto de imagens de
naturezas, origens e datas diversas23. Interpreto esta amplitude como uma forma de
redefinição da linguagem visual que não se restringe ao contexto cultural da autora – ocidental
de extração europeia – para inseri-la num país de economia emergente como o Brasil, onde os
aparatos culturais são em sua maioria precários. Trata-se, portanto, de um rico repertório ao
professor, mesmo àquele que já possui algum contato24 com desenho e/ou com artes visuais25.
Segundo Iavelberg, “o convívio com obras de distintas culturas também pode flexibilizar e
relativizar a existência de padrões, mostrando sua mobilidade no tempo e sua variedade nos
diferentes grupos sociais.”26
A partir da análise do uso das imagens em relação ao texto identifico três
circunstâncias de uso. Uma delas é apresentar uma ideia, sendo que a mais enfaticamente
apresentada por meio das imagens é a do conceito de desenho como linguagem para “a arte, a
ciência e a técnica27”. Neste sentido, é difícil dizer se Derdyk amplia o sentido do texto verbal
com a adição das imagens ou se complementa as imagens com o texto escrito, dada a
importância de ambos na construção do discurso.

22
DERDYK, 1990, p. 126
23
Ver apêndice 1 e 2 desta pesquisa para conhecer os tipos de imagens.
24
Lembro de minha grata surpresa ao conhecer a obra de Saul Steinberg por meio do livro Formas de pensar o desenho há
muitos anos atrás. Hoje em dia, Steinberg é uma de minhas referências artísticas mais importantes.
25
Por esse motivo considero a supressão de diversas imagens na edição de 2010 de Formas de pensar o desenho tão
prejudicial à construção de um repertório inicial ao professor. Por mais que os nomes e os textos dos artistas do capítulo
Breve passeio no tempo de 1994 tenham sido mantidos e novos tenham sido adicionados, considero que o discurso se
enfraquece com a ausência das imagens.
26
IAVELBERG, 1995, p. 15
27
DERDYK, 1994, p. 20

131
Fig. 118: Índio navajo desenhando com areia colorida.
México. Fonte: DERDYK, 1994, p. 27

Fig. 117: Celebração do Pongal.


Índia.
Festa da colheita. Fonte: DERDYK, 1994,
p. 26
Fig. 119: Pintura de rosto. Tribo Nuba.
Sudão, África. Fonte: DERDYK, 1994, p. 27

Fig. 120: Inscrições em pedra.


Ilhas dos Corais, Santa Catarina. Fonte:
DERDYK, 1994, p. 28

Fig. 122: Carruagem. França, séc. XIX.


Movida por máquina, sistema Lenoir. Fonte:
DERDYK, 1994, p. 28

Fig. 121: Millôr Fernandes (detalhe), 1957.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 29

Fig. 123: Projetos para poltrona,


Oscar Niemeyer.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 28 132
Fig. 125: Leonardo Da Vinci. S/ data.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 31

Fig. 124: Leonardo Da Vinci. S/ data.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 30

Fig. 126: Leonardo Da Vinci. S/ data.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 31

Fig. 127: Paul Klee,


estudos. S/ data.
Fonte: DERDYK, 1994,
p. 34

Fig. 128: Manuscrito persa Fig. 129: Rodin, estudo


(estudo anatômico). S/ data para escultura, 1885.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 34 Fonte: DERDYK, 1994,
p. 34

Fig. 130: Henry Moore,


estudos. S/ data.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 34

Fig. 131: Ingres. S/ data.


Fonte: DERDYK, 1994, p.
35

133
Fig. 132: Avenida Paulista. Fotografia de Fig. 133: Fotografia de Gal Oppido, 1987.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 36
Carlos Fadon, 1983.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 36

Fig. 134: Steinberg, 1946.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 37

Fig. 135: E. Sweerts, ilustração da


Florilegium novum, 1612.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 39

Fig. 136: Portão de ferro art noveau, 1900.


Barcelona. Fonte: DERDYK, 1994, p. 39

Fig. 137: Paul Klee, estudos. S/ data.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 39

134
Fig. 140: Calder, estudo. S/ data.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 42
Fig. 138: Samuel Colman, estudo
Fig. 139: Foto de fóssil de folha.
geométrico de uma flor. Fonte: DERDYK, 1994, p. 41
Vista de cima e elevação. Fonte:
DERDYK, 1994, p. 40.

Fig. 141: Steinberg, 1958. S/ data. Fig. 142: D. M. Andreson, Alfabeto maiúsculo com
Fonte: DERDYK, 1994, p. 43 letras de diferentes estilos.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 44.

Fig. 143: Kazuo Ohno, estudo coreográfico, 1986.


Bailarino japonês. Fonte: DERDYK, 1994, p. 45 Fig. 144: Lasar Segall, baixo relevo em gesso e
estudo em nanquim, 1950.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 45

135
No conjunto acima, é notável a variedade de áreas do conhecimento que as originam.
Outra circunstância de uso é referenciar um conceito, ou seja, usar a imagem de forma
mais ou menos literal para demonstrar ou exemplificar um assunto, uma questão, um aspecto
que a autora aponta verbalmente. Novamente, fica difícil saber se a primazia é da escrita ou da
imagem, dado o abundante uso que Derdyk faz desta última. Um dos exemplos de relação
literal entre imagem e texto são as reproduções de desenhos infantis que a autora coloca em
cada parte do capítulo sobre o desenvolvimento do desenho da criança, para exemplificar
formas e estruturas descritas por Derdyk verbalmente , como nos dois exemplos abaixo:

Fig. 145: Desenho de Íris (sem notação da idade). Fig. 146: Desenho de Yara (4 anos)
Fonte: DERDYK, 1994, p. 78.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 79.

A figura 145, presente na página 78 do livro Formas de pensar o desenho, é


acompanhada do seguinte texto: “No começo, a criança não possui nenhuma noção de espaço
análoga à nossa. É como se ela nadasse na água à maneira de um peixe. O alto e o baixo, a
esquerda e a direita não existem para ela.28”
Já o texto que se situa logo acima da fig. 146, localizada na página 79 do mesmo livro
diz: “É a expressão do conteúdo emocional ou simbólico da criança manifestado pela maneira
de representar, figurar e nos apresentar os membros de sua família”.29 Como é possível notar,
em ambos os textos existe uma relação direta com a imagem que os cercam.

28
Marthe Bernson citado por Florence Mèredieu apud DERDYK, 1994, p. 78
29
DERDYK, 1994, p. 79

136
O mesmo ocorre com algumas imagens do
capítulo A representação da figura humana no desenho
infantil do livro Desenho da figura humana. O texto
que acompanha a página 113 da publicação (Fig. 147),
por exemplo, é o seguinte:

A criança desenha a figura sem pé, ora uma


cabeçorra sem mão, ora o braço saindo da cabeça,
ora os pés, ora os braços sem dedos (…) ora pés e
cabelos raiados, mas uma coisa é certa: não existe
figura sem cabeça, a sede dos sentidos.
A presença da cabeça, representada através de uma
forma oval, retangular, quadrada, triangular, seja
qual for, é fundamental para animar e significar o
ser vivo que a criança aponta naquele sinal gráfico.
(...)30
Fig. 147: página 113 do livro Desenho da
figura humana (1990)

Outros exemplos de referenciação encontram-se nas imagens presentes nos textos que
Derdyk escreve sobre os quatro artistas em Formas de pensar o desenho, como por exemplo
nas figuras 148, 149 e 150 que acompanham o texto sobre Steinberg. Texto no qual a autora,
além de descrever características da imagem, traz conceitos importantes referentes a sua obra.
Céus feitos de traços de caneta ritmicamente repetidos em ziguezagues e rabiscos,
campos compostos de linhas horizontais e paralelas. Às vezes, seus desenhos
lembram garatujas feitas desatentamente no canto do papel, enquanto conversamos
pelo telefone. Steinberg eleva e dignifica o simples ato de rabiscar, gesto ao alcance
de qualquer indivíduo. O ato de desenhar esconde uma simplicidade e,
concomitantemente, um filosofar.

Fig. 148: Steinberg, s/ data. Fig. 149: Steinberg, 1966.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 160 Fonte: DERDYK, 1994, p. 161

30
DERDYK, 1990, p. 113

137
Fig. 150: Steinberg, s/ data.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 161

Uma terceira circunstância é a comparação de procedimentos e resultados, como


quando compara práticas e resultados de obras artísticas com as das crianças. Um exemplo são
as figuras 151 e 152, posicionadas em uma dupla de páginas do subtítulo “O grafismo e o
gesto”31 do livro Formas de pensar o desenho, que mostram Picasso aos 68 anos desenhando
um centauro no ar utilizando-se de uma lanterna (fig. 151), e à direita imagens de desenhos
infantis de caráter marcadamente gestual (fig. 152).

Fig. 151: À esquerda. Picasso trabalhando.


Fig. 152: À direita, desenho de Lua Maria (3 ano e 4 meses) e detalhes.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 58-59

31
DERDYK, 1994, p. 55-62

138
Encontrei um segundo exemplo no subítulo “O corpo é a ponta do lápis” 32 do mesmo
livro. Como é possível observar nas figuras 153 e 154, Derdyk posiciona lado a lado uma foto
do artista norte-americano Jackson Pollock em plena ação (Fig. 153) e três desenhos infantis
cuja aparência se assemelha à pintura que Pollock realiza (Fig. 154).

Fig. 153: à esquerda Jackon Pollock trabalhando em seu ateliê, s/ data.


Fig. 154: à direita três desenhos infantis. De cima para baixo: Íris (3 anos); Íris (3 anos e 6 meses) e André (1 ano
e 10 meses).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 66-67

Identifiquei ainda um terceiro exemplo, quando Derdyk sugere imagens para serem
referências dos exercícios que propõe no livro Formas de pensar o desenho. As figuras 155 e
156 são as duas duplas de páginas da terceira proposta de exercício que a autora sugere.
As quatro imagens da figura 155 são referências para a execução do exercício, onde as
duas imagens acima são obras de arte e as duas de baixo são desenhos infantis.

32
DERDYK, 1994, p. 63-67

139
Fig. 155: páginas 206 e 207 do livro Formas de pensar o desenho (1994).
Fonte: DERDYK, 1994, p. 206-7

Já na figura 156 Derdyk apresenta os resultados dos exercícios realizados por adultos.
A autora sugere que tais imagens possam ser usadas de comparativa, caso o leitor realize suas
propostas.

Fig. 156: páginas 208 e 209 do livro Formas de pensar o desenho (1994)
Fonte: DERDYK, 1994, p. 208-9

140
Conclusivamente, Derdyk trabalha imagens e texto de forma quase equânime, tentando
valorizar ambos na construção de seu discurso. O que pode indicar a importância que a autora
confere à presença da imagem quando se trata de estudar a própria imagem. A abundância de
imagens nos livros de Derdyk é uma característica nem sempre possível nos livros de
formação de professores de arte, já que muitas vezes tal opção é vetada por questões
econômicas da editora, de direitos autorais ou de direitos de reprodução de imagem, enfim,
vários aspectos que acabam prejudicando a formação docente. Fato agravado ao se pensar que
o livro muitas vezes é o principal meio de contato do professor com a obra, haja visto a
escassez e fragilidade dos aparatos culturais no Brasil, que não permitem que público e arte se
encontrem com a frequência e qualidade devidas.

5.4 ■ TIPOS DE INFORMAÇÃO EXTRAÍDAS OU AGREGADAS ÀS IMAGENS

A partir das circunstâncias acima enumeradas, identifico dois grandes grupos de


informações que Derdyk relaciona às imagens para produzir os significados que deseja: as de
cunho externo a imagem e as de cunho interno. Dentro do grupo referente aos dados externos
identifico informações sobre os usos sociais do desenho, os dados biográficos dos artistas e
dados históricos e sociais da época de execução das obras. Já em relação as questões internas
da obras, ou seja, sobre os elementos que a constituem, elenco dados sobre materiais, técnicas,
temáticas, suportes e ferramentas, interpretações pessoais e questões conceituais advindas de
questões técnicas ou materiais e, finalmente, dados sobre os procedimentos de criação.
Em cada uma das três circunstâncias de uso identificadas - apresentação de uma ideia,
referenciação e comparação -, pode-se encontrar concomitantemente informações relacionadas
a aspectos externos e internos. Como por exemplo, na referenciação a um procedimento de
criação de Picasso, sobre o qual Derdyk extrai dados a respeito de como o artista usou a
linguagem do desenho em Guernica e agrega informações externas a materialidade da obra,
como as questões históricas que motivaram sua produção.

141
5.4.1 . Aspectos externos: dados sobre os usos sociais do desenho

Fig. 157: pág. 28 e 29 do livro Formas de pensar o desenho (1994)


Fonte: DERDYK, 1994, p. 28-9

Seja no significado mágico que o desenho assumiu para o homem das cavernas, seja
no desenvolvimento do desenho para a construção de maquinários no início da era
industrial, seja na sua aplicação mais elaborada para o desenho industrial e a
arquitetura, seja na função de comunicação que o desenho exerce na ilustração, na
história em quadrinhos, o desenho reclama a sua autonomia e sua capacidade de
abrangência como um meio de comunicação, expressão e conhecimento.33

Como pode-se perceber pelo exemplo da fig. 157, o primeiro tipo de informação
expressa na obra e agregada a ela diz respeito a descrição dos usos sociais do desenho.
Portanto, informações extraídas da natureza do campo de saber ao qual se referem. É este tipo
de informação que Derdyk extrai e/ou agrega nos capítulos em que define desenho
(2.Conceitos e pré-conceitos ) e seus usos nas artes visuais (4.Breve passeio no tempo) no
livro Formas de pensar o desenho e nos capítulos em que explicita questões conceituais da
representação da figura humana (1. O corpo e a figura; 2. A geometria do corpo; 3.
Percepção, conceito e estilo; 4. Representação e Figuração; 5. O tempo da História) no livro
Desenho da Figura Humana. Também é possível encontrar este tipo de informação no Índice
Iconográfico deste último livro.

33
DERDYK, 1994, p. 29

142
Em ambos os casos, a autora apresenta imagens
coletadas e organizadas para falar de suas funções e relações
externas, não sendo relevante neste momento se foram feitas
em determinadas técnicas, por este ou aquele produtor, em
tais ou tais dimensões; já que o que está em jogo é mostrar
um panorama mais geral da variedade de como o homem
usou a linguagem do desenho e “verificar como o homem,
em sua passagem pelo círculo de tempo terrestre, se percebe,
se representa e se apresenta ao mundo”34 (Fig. 158).
Estes dados podem ser entendidos, portanto, como
Fig. 158: pág. 14 do livro Desenho contextuais e conceituais; no primeiro caso, por apresentarem
da figura humana (1990)
um contexto sintético e geral da produção humana em
desenho, e no segundo, por explorarem diferentes sentidos para o desenho; são importantes
para que o professor-leitor conheça a amplitude da linguagem e possa flexibilizar suas
concepções.

5.4.2 . Aspectos externos: dados biográficos e profissionais dos artistas

Os dados de natureza biográfica dos artistas também têm sentido contextual, surgindo
nos livros de Derdyk de duas formas: dados da vida pessoal e da vida profissional. Com
relação aos dados pessoais é bastante comum encontrar livros para crianças e até mesmo para
adultos que agregam este tipo de informação e constroem sentidos para as obras baseando-se
prioritariamente nelas35. Como é possível averiguar no artigo que a pesquisadora Maria Isabel
Leite (2004) realizou sobre o conteúdo de livros de arte para criança, onde apontou que
Mühlberger (1993), autor do livro O que faz de Degas um Degas?, da editora CosacNaify,
procura, de certa forma, justificar a pintura de Degas colando-a em sua história ou
em seus gostos e interesses. Segundo o Autor, os quadros de balé “testemunham”36 a
paixão do pintor pela dança (...); cada quadro apresentado seria decorrência direta de
alguma experiência pessoal. (...) Todo o processo de criação é, necessariamente, um
processo de recriação. Mas daí a buscarmos uma relação direta de causa-efeito fica
complicado37.

34
DERDYK, 1990, p. 15
35
Como a Coleção Crianças Famosas, Ed. Callis ou O que faz de um... um...? da Editora CosacNaify e como alguns livros
sobre artistas da Editora Taschen.
36
MÜHLBERGER, 1993, p. 45 apud LEITE, 2004, p. 12 (grifos da autora)
37
LEITE, 2004, p. 12

143
Portanto, se em muitos casos existe uma relação concreta entre os eventos da vida do
artista38 e suas obras, outras vezes a relação não é tão objetiva (como no exemplo acima de
Degas) e pode gerar interpretações distorcidas.
No caso dos dados profissionais, por mais que se possa dizer que possuem ligação mais
direta ao fazer do artista, também são apenas elementos cuja influência na produção e
compreensão da obra pode-se apenas sugerir, sem estabelecimento ou definição precisa.
Contudo, tanto os dados pessoais quanto os profissionais são importantes por
adicionarem elementos de uma natureza nem sempre acessível na imagem finalizada, sendo
que podem ter sido peças relevantes para a construção e consequentemente podem ser
importantes para compreensão da obra. No entanto, tornam-se problemáticos quando usados
isolada e prioritariamente para estabelecer ou definir um significado para a obra. Visto que,
como citado acima, o movimento que relaciona uma obra ao evento da vida do artista é cheio
de nuances e pontos fora do controle deste, tornando essa relação de causa e efeito um critério
que pode construir uma falácia na organização de um processo educativo de leitura de imagens
e produção de sentido.
Não temos – nem eu nem os leitores - acesso aos motivos que fizeram Derdyk optar por
esta ou aquela direção, o fato é que a autora coloca apenas dados biográficos e profissionais
básicos em seus livros, apenas aqueles que apresentam minimamente quem foi o artista.

Fig. 160: Saul Steinberg.


Romênia, 1914; Estados Unidos,
1999. Fonte: DERDYK, 1994, p. 156

Fig. 159: Paul Klee.


Suíça, 1879-1940. Fonte:
DERDYK, 1994, p. 147

Fig. 161: Vincent Van Gogh,


autorretrato.
Holanda, 1853; França, 1890.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 174
38
Como nos trabalhos da artista Sophie Calle, especialmente na obra Cuide de você, em que a artista, após receber uma carta
de rompimento de um ex-namorado, convida 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão, para interpretar a carta
do ponto de vista profissional. As respostas foram dadas em linguagem verbal, cênica e/ou musical. Foram feitas análises,
comentários, recriações e todas as respostas foram reunidas numa exposição multimídia da artista.

144
Nos quatro textos do livro Formas de pensar o desenho nos
quais Derdyk analisa as obras dos artistas, a autora os apresenta com
uma pequena foto ou, no caso de Van Gogh, com um autorretrato
pintado. Todas essas imagens vêm legendadas com local e data de
nascimento e morte39. Basicamente são estes os dados pessoais que
Derdyk traz. Com relação a Klee, a única informação adicional é de
cunho profissional e diz que “paralelamente à sua atividade artística,

Fig. 162: Pablo Picasso.


poética e por que não filosófica, Klee desenvolveu pesquisas
Espanha, 1881; França, 1973.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 184
didáticas ministrando aulas na Bauhaus.40” Sobre Steinberg, Derdyk
não adiciona nenhuma informação pessoal ou profissional além de
sua foto e da legenda. Em relação à Van Gogh, cuja vida é tão recheada de polêmicas e
histórias lendárias, Derdyk traz apenas uma descrição do próprio artista sobre si: “As emoções
são, por vezes, tão fortes que trabalho sem ter consciência de estar trabalhando... e as
pinceladas acodem com um sequência e coerência idênticas às das palavras numa fala ou
numa carta.”41 E sobre Picasso, Derdyk traz apenas uma informação profissional, mas que tem
total relação com a obra em questão: “Em janeiro de 1937, o governo espanhol encomendou a
Picasso um mural que representaria a Espanha na Exposição Internacional de Paris.”42

Fig. 163: Prancha 24: Fig. 164: Prancha 70: Victor


Oswald Tschirtner, Pessoas Brecheret, Composição: nu
ajoelhadas, 1972. feminino com leque, 1924.
Pena e nanquim sobre papel. Lápis sobre papel. Fonte:
Fonte: DERDYK, 1990, p. DERDYK, 1990, p. 52/151
22/140
39
Esta apresentação do rosto dos artista e dos locais e datas de nascimento e, quando for o caso, morte, foi suprimida da
edição de 2010.
40
DERDYK, 1994, p. 153
41
VAN GOGH in GOMBRICH apud DERDYK, 1994, p. 180
42
DERDYK, 1994, p. 185

145
No Índice Iconográfico do livro Desenho da figura humana (1990) Derdyk traz
informações biográficas em seis pranchas. Dentre elas exponho dois exemplos: na prancha 24
(Fig. 163), Pessoas ajoelhadas de Oswald Tschirtner, na qual Derdyk diz sobre o artista que,
“por volta de 1946, Tschirtner deu mostras de comportamento esquizofrênico. Internado num
hospital psiquiátrico, começou a desenhar por sugestão de seu terapeuta.”43
E na prancha 70 (Fig. 164), Composição: nu feminino com leque, de Victor Brecheret
(1894-1955), imagem sobre a qual Derdyk agrega a informação de que
este desenho foi realizado na França, no período em que Brecheret (escultor
participante do grupo modernista) se encontrava na Europa, graças a uma pensão do
governo brasileiro. Vários artistas modernistas estiveram naquele continente e foram
profundamente influenciados pela efervescência cultural do período.44

Como é possível perceber, tanto em Formas de pensar o desenho como em Desenho da


Figura Humana, as informações biográficas, sejam de caráter pessoal ou profissional, não são
usadas como justificativa para um significado na obra, criando sentidos por vezes distorcidos,
como ressalta Leite (2004). No entanto, não se trata de dispensar os dados biográficos, pois
não só são importantes nos casos em que a obra possui íntima relação com os eventos vividos
pelo artista, mas como informações que podem contextualizar a produção do artista dentro de
seu percurso pessoal.

5.4.3 . Aspectos externos: dados históricos e sociais

Derdyk introduz algumas informações desta natureza (tanto da história das artes visuais
quanto da História geral) que ajudam o leitor a localizar a importância histórica de alguns
artistas ou a compreender a origem de algumas obras.
Como em Klee, em Formas de pensar o desenho, sobre o qual comenta que o uso da
linha, por sua natureza conceitual, nos conduz a uma concepção de desenho como
atividade mental. Esta noção inusitada da linha coincide com toda a história da arte
moderna em seu esforço e empenho para desvencilhar-se do “ilusionismo”,
adquirindo suas próprias dimensões45.
Oferece, desta forma, um panorama breve, porém fundamental, para entender uma
questão central da arte moderna europeia que irá influenciar todo o seu desenvolvimento
posterior. E dimensiona a importância de Klee frente a esta questão. Sobre Steinberg e Van

43
DERDYK, 1994, p. 140
44
Ibid., p. 151
45
Ibid., p. 152

146
Gogh, Derdyk não oferece dados sociais ou históricos. Já em Picasso, cuja obra analisada é
fruto de um evento sócio-histórico de grande dimensão: o bombardeio da cidade de Guernica.
As informações que Derdyk agrega são dados objetivos sobre a relação entre o bombardeio e a
construção da obra.
A história do mural tem uma função objetiva e documental: evocar a memória frente
ao bombardeio militar dos alemães nazistas, ocorrido em 1937, na cidade espanhola
de Guernica.46 (…) Em janeiro de 1937, o governo espanhol encomendou a Picasso
um mural que representaria a Espanha na Exposição Internacional de Paris. O
bombardeio em Guernica aconteceu em 26 de abril desse mesmo ano, devastando a
comunidade civil na região, numa manifestação da brutalidade fascista.47

Da mesma forma, no Índice Iconográfico do livro Desenho da Figura Humana


encontra-se informações provenientes da história da artes visuais e da história social e política.
Dados sobre a história da arte são encontrados em várias pranchas, como por exemplo:

Fig. 165: Prancha 13: Peter


Fig. 166: Prancha 23:
Paul Rubens, Dama de Fig. 167: Prancha 3:
Oskar Schelemmer,
companhia da infanta Paracelso, 1577.
Organismo técnico,
Isabella. S/ data. Desenho extraído do livro
Pastel e giz vermelho,
desenho de figurino, Aurora thesauresque
acentuado com branco. Fonte: 1925. philosophorum. Desenho que
DERDYK, 1990, p. 14/137 Nanquim sobre papel. representa “uma fornalha do
Fonte: DERDYK, 1990, p. corpo com uma régua para o
21/139 estudo da urina no
diagnóstico de doenças.”
Fonte: DERDYK,
1990, p. 8/135
Prancha 13 (Fig. 165): Dama de companhia da infanta Isabella, de Peter Paul Rubens
(1577-1640), a respeito da qual a autora escreve que “antes da invenção da fotografia, o retrato
foi um meio de subsistência importante para muitos artistas. Sua técnica exige uma
sensibilidade que capte as proporções da forma, a fim de estabelecer uma semelhança com o
retratado.”48

46
DERDYK, 1994, p. 185
47
Ibid.,185-6
48
DERDYK, 1990, p. 137

147
E na Prancha 23 (Fig. 166): Organismo técnico, de Oskar Schlemmer (1888-1943).
Sobre este artista, Derdyk explica que
Schlemmer foi um artista gráfico que atuou como professor da Bauhaus - escola
alemã voltada basicamente para o ensino e a fundamentação teórico-prática (m) do
design industrial, ampliando o seu campo de atuação para abarcar artesãos,
escultores, pintores, desenhistas e arquitetos. Instituição pioneira, funcionou
aproximadamente de 1911 a 1939.49

E um exemplo das pranchas que apresentam informações da História geral:


Prancha 3 (Fig. 168), com Desenho extraído do livro Aurora thesauresque
philosophorum, 1577 de Paracelso (1493-1541) 'Paracelso foi um alquimista europeu
da época da Reforma. A alquimia estabelece uma afinidade entre o microcosmo,
simbolizado pelo corpo humano, e o macrocosmo, representado pela natureza'.50

Os tipos de informação ligados as realidades externas da imagem formam um conjunto


de dados que auxilia o professor-fruidor a ampliar a compreensão da obra no sentido do seu
contexto de produção e no contexto atual de fruição. Contextualização que Barbosa (2002,
2008) entende como fundamental para um conhecimento efetivo em arte. Os três tipos de
informações - usos sociais, informações biográficas e os dados históricos muitas vezes
precisam ser agregados para que se possa compreender melhor determinado uso de material,
construção formal ou temática. Ou ainda compreender o impacto de certas obras para a
sociedade em que foi criada e para a atual. Neste sentido a história das artes visuais ajuda “a
entender algo do lugar e tempo nos quais as obras de arte são situadas. Nenhuma forma de arte
existe no vácuo: parte do significado de qualquer obra depende do entendimento de seu
contexto.”51
De forma semelhante ao livro Formas de pensar o desenho, no Índice Iconográfico,
Derdyk utiliza as informações de caráter externo em concomitância com os aspectos internos
da imagem, ou seja, àqueles que tratam de sua constituição material, temática e formal. A
própria Derdyk traz Rudolf Arnheim para justificar o uso conjunto de uma informação
histórica e dos elementos formais como recursos de compreensão, por exemplo, da obra
Guernica, de Picasso:
Ignorar a auto-suficiência dos acontecimentos representados na pintura seria
inapropriado como ignorar seu tratamento de formas e espaço e tomar a pintura
simplesmente por um documento de reportagem bélica. Ambos níveis de realidade, a
das forças psíquicas e da crônica histórica, reverberam na pintura e enriquecem os
sobretons de seu significado.52

Os tipos de informação ligados as questões internas serão explicitados a seguir.


49
DERDYK, 1990, p. 139
50
Ibid., p. 135
51
BARBOSA, 2002, p. 37
52
ARNHEIM apud DERDYK, 1994, p. 185

148
5.4.4 . Aspectos internos: dados materiais e técnicos

Neste caso, trata-se de apontar elementos do funcionamento operacional (entenda-se


formal, material, instrumental, composicional, técnico e das consequentes questões conceituais
relativas a estes elementos) da imagem. Este tipo de relação é encontrada especialmente nas
análises das obras dos artistas no capítulo 4. Breve passeio no tempo do livro Formas de
pensar o desenho e no Índice Iconográfico de Desenho da Figura Humana.
Assim como uma significativa parcela dos livros de artes visuais, sejam eles para
formação de professores ou para divulgação geral, os livros de Derdyk trazem informações
sobre os materiais, técnicas, suportes e ferramentas com os quais as obras foram feitas. No
caso de Formas de pensar o desenho, nos textos sobre os artistas, a autora apenas indica que
em Klee e em Steinberg trata-se do uso de instrumentos de desenho como lápis e caneta (no
caso de Steinberg).53 Sendo que em Van Gogh e Picasso, estes dados são fundamentais para a
compreensão dos aspectos que Derdyk ressalta em cada um. Como quando diz sobre Van
Gogh, que
A arte de Van Gogh habita uma região limítrofe entre a pintura e o desenho. Van
Gogh utiliza o pincel como se fosse lápis, a linha se associa integralmente à cor, a
matéria é construída pela trama gráfica, a luz é cor: são transgressões quanto ao uso
do instrumento e do suporte.54

Em Picasso, a autora ressalta como as técnicas foram usadas para os fins necessários
em cada caso no processo de confecção do mural Guernica.
A maioria dos estudos referentes ao mural são desenhos. O desenho responde mais
prontamente à urgência expressiva, por sua característica natural de rápida execução.
Mas (…) Picasso, nestes estudos, também se utilizou da pintura e da gravura como
meios de expressão. Essas técnicas, por sua natureza material, possuem um tempo
mais lento de execução. A agilidade e fluência de Picasso promoveu um significado
processual à pintura e à gravura da mesma maneira que redimensionou o desenho
como linguagem. 55

No Índice Iconográfico, do livro Desenho da Figura Humana, todas as imagens estão


acompanhadas de informações sobre os materiais ou técnicas com as quais foram produzidas.
Como na prancha 68 (Fig. 169) – Estudo para a pintura Acrobatas e músicos de Fernand
Léger, cujo técnica foi desenho a bico-de-pena e nanquim, feito em 1945.56 E na prancha 69
53
DERDYK, 1994.
54
DERDYK, 1994, p. 177
55
Ibid., p. 186
56
DERDYK, 1990, p. 151

149
(Fig.168) – que não traz o título mas já dá diretamente o suporte de execução do trabalho:
desenho sobre fragmento de ferro, 19 X 22 cm de 1936, feito por Joan Miró (1893 – 1988). A
exceção fica para algumas imagens pré-históricas ou de antigas civilizações cujas informações
não foram possíveis de ser acessadas. Entre estas ausências estão a prancha 10 (Fig.170) que
mostra uma imagem de bosquímanos da África do Sul, sem data ou técnica conhecidas.

Fig. 168: Prancha 68: Fernand Léger, estudo para a


pintura Acrobatas e músicos. 1945. Fig. 169: Prancha 69: Joan Miró, desenho sobre
Desenho a bico-de-pena e nanquim. Fonte: DERDYK,
fragmento de ferro, 1936.
1990, p. 50/151
Fonte: DERDYK, 1990, p. 52/151

Fig. 170: Prancha 10: Dança. Bosquímanos, África do Sul.


Data e técnica desconhecidas. Fonte: DERDYK, 1990, p. 13/136

5.4.5 . Aspectos internos: dados conceituais e interpretações pessoais

Nos livros de Derdyk, as informações materiais e técnicas parecem ser uma das bases
para as construções conceituais e as interpretações pessoais que a autora realiza. Reúno-os
num mesmo item por identificar semelhanças entre estes dois tipos de elementos. Percebo tal

150
semelhança porque ambos aparentam se referir a uma construção reflexiva – que reúne dados
internos e externos à obra – da autora sobre a obra, e não, por exemplo, a uma mera descrição
dos elementos formais e materiais ou uma vinculação direta da temática da obra a algum
evento sócio-histórico.
No entanto, identifico também diferenças entre uma
informação conceitual e uma interpretação pessoal. Por
mais que eu considere que ambas tenham um caráter
interpretativo, compreendo que o dado conceitual pareça
ser mais objetivo, sendo construído quase como uma
averiguação da informação na concretude da obra. Como
por exemplo, quando Derdyk escreve, logo abaixo da
figura 171, que em Paul Klee, “a linha não se esforça em
representar, referenciar o mundo visível e material
figurando seres, animais, objetos. A linha simplesmente
Fig. 171: Paul Klee, 1938.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 148 é57”.
Já na interpretação pessoal, o tom da escrita parece tornar-se mais poetizado, uma
criação da autora sobre a obra do artista. Como por exemplo, quando Derdyk comenta uma
descrição do próprio Klee58 sobre um de seus trabalhos, dizendo que “está aí uma descrição
completa da excursão da linha por zonas desconhecidas. Ou então: uma partitura do passeio
poético da linha no papel.”59
Tanto as informações conceituais advindas de questões da linguagem, aspectos técnicos
ou materiais, quanto as interpretações pessoais estão presentes em todos os textos sobre os
quatro artistas e parte significativa das imagens do Índice Iconográfico.
a concepção da linha apenas como atributo e propriedade do objeto em si dá lugar à
manifestação do leque de possibilidades de existência da linha como entidade no
papel. Paul Klee exerce plenamente a autonomia da linha, que adquire uma dimensão
e uma função poética dentro da linguagem. A linha vive o seu poder no bio-de-pena
de Klee.60

No texto de Steinberg, quase totalmente dedicado às construções conceituais que


Derdyk realiza ou que o próprio artista constrói com seus desenhos, a autora traz, por
exemplo, uma interpretação pessoal de Steinberg sobre seu próprio trabalho, que diz que

57
DERDYK, 1994, p. 148
58
Para conhecer a descrição, ver DERDYK, 1994, p. 147
59
DERDYK, 1994, p. 148.
60
Ibid., p. 150

151
“minha linha quer me lembrar constantemente que é feita de tinta”61. Sobre o trabalho deste
artista, Derdyk cria também interpretações pessoais como quando diz, por exemplo, que “a
arte de Steinberg é o artifício, o homem inventando e sendo inventado. Seus desenhos
parodiam, são ficções que acaba se tornando realidade. A matéria essencial para a criação
deste universo é a linha mutante, camaleônica, ágil e bem-humorada.”62 Mas a autora traz
também informações conceituais sobre a obra do artista, como é possível averiguar nas figuras
148, 149 e 150 e no trecho a seguir:

Céus feitos de traços de caneta ritmicamente repetidos em ziguezagues e rabiscos,


campos compostos de linhas horizontais e paralelas. Às vezes, seus desenhos
lembram garatujas feitas desatentamente no canto do papel, enquanto conversamos
pelo telefone. Steinberg eleva e dignifica o simples ato de rabiscar, gesto ao alcance
de qualquer indivíduo.63

No texto de Van Gogh encontrei ambos os dados em diversos momentos, como neste
exemplo: “são mapas territoriais: os gestos compõem ritmos, cadenciando um universo em
cada pedacinho do papel. É um desenho orgânico. Cada gesto é uma célula que vive numa
pequena comunidade gráfica. (...) O olho se perde no meio da atribulação gráfica 64”. Ao
observar os desenhos de Van Gogh desta maneira, considero que Derdyk esteja criando uma
interpretação poetizada daquilo que vê nas obras do artista. Mas quando diz no mesmo
parágrafo que “(...) não existem centros de atenção, focos de interesse específico (...) cada
espaçozinho do papel é pontuado pelo lápis, pela tinta, pelo pincel, pela cor, matéria e linha” 65,
compreendo que se trata de um dado conceitual, passível inclusive de verificação nas imagens
que a autora traz de Van Gogh (Fig. 21 e 22).
Já em Picasso, não encontrei nenhum tipo de interpretação pessoal, apenas informações
conceituais. Estas concentram-se na parte final do texto, quando Derdyk explicita as maneiras
como Picasso trabalhou.
[Ele] experimentou em “Guernica” vários agrupamentos possíveis das personagens:
houve mudanças de ênfase e de valor, de tratamento, de proporção. Estes numerosos
experimentos visam uma procura no escuro de conteúdos e significados, formais e
simbólicos. As personagens se distribuem entre figuras humanas e animais, todos
dotados do mesmo nível de importância.(…) Enfim, existe um leque de significações
aí embutidas. O pensamento visual exerce plenamente a sua capacidade de tornar
visível uma visão.66

61
DERDYK, 1994, p. 162
62
Ibid., p. 171
63
Ibid., p. 160
64
Ibid., p. 174
65
Ibid., p. 174
66
Ibid., p. 189

152
No Índice Iconográfico do livro Desenho da figura humana (1990), há informações
conceituais como na prancha 68 (Fig.168), que é um estudo para a pintura Acrobatas e
músicos, sobre a qual Derdyk diz que “nesse desenho, os volumes contracenam com as
texturas gráficas, e o denso agrupamento no primeiríssimo plano sugere a supremacia gráfica
na forma de estrutura a imagem”.67 Ou na prancha 72 (Fig. 172), Antônio e Cleópatra, de
Charles Lapicque (1898-1888) sobre o qual a autora escreve que “o caminho livre da linha e
do gesto pelo papel demonstra um certo desapego à forma da figura, emergindo daí outros
conteúdos expressivos.”68

Fig. 173: Prancha 30: William Harvey,


Demonstração das válvulas nas veias, 1628.
Fig. 172: Prancha 72: Charles Ilustração do livro De motus cordis, que trata da
circulação sanguínea. Fonte: DERDYK, 1990, p.
Lapicque, Antônio e
25/141
Cleópatra, s/ data. Fig. 174: Prancha 61: Leonardo
Pastel oleoso. Fonte: DERDYK, Da Vinci, Anotações anatômicas
1990, p. 54/152 sobre feto humano, s/ data.
Fonte: DERDYK, 1990, p. 47/149

Também encontrei interpretações pessoais da autora, como por exemplo, na descrição


da Prancha 30, na qual descarta o tipo de expressividade da linha usada na figura 173, por se
tratar de um uso mais regular e homogêneo. Para ressaltar o tipo de linha que considera
expressiva, compara a prancha 30 com a 61 (Fig. 174), sobre as quais diz:
Prancha 30 - Ilustração do livro De motus cordis, 1628, que trata da circulação
sanguínea. Ao demonstrar um determinado funcionamento da mecânica do corpo, o
desenho assume um objetivo científico específico, de certa forma anulando a
natureza expressiva da linha gráfica. Observar a prancha 61, na qual o desenho de
Leonardo da Vinci também serve como instrumento de conhecimento científico, mas
sem perder sua natureza expressiva.69

Não considero a presença de interpretações pessoais em meio a textos de formação de


professores necessariamente algo ruim, pois, podem agregar significados sobre a obra

67
DERDYK, 1990, p. 151
68
Ibid., p. 139
69
Ibid., p. 141

153
interessantes ao professor. No entanto, acredito ser necessário cuidado para que este dado não
seja um determinante do olhar do professor, direcionando suas interpretações somente para
aquilo que o autor do texto compreende a respeito da obra do artista. No caso de Derdyk, não
interpreto que seja esse o caso. A maneira como mescla os variados tipos de dados oferece ao
professor várias perspectivas a partir das quais ele pode construir por si próprio múltiplas
significações. Além disso, o tom de suas interpretações não parece tangenciar a imposição de
verdades irretocáveis, apresentando-se sempre como sugestões flexíveis e abertas.
No caso da formulação conceitual, sendo conhecimento específico do modo como a
linguagem visual produz significados, entendo que se trate de um dado de fundamental
importância para que o professor-leitor compreenda as formas de operar a linguagem a partir
da manipulação de seus elementos. O grau de importância deste tipo de conhecimento para o
professor é mensurável quando concebemos a linguagem não como suporte neutro de
conteúdos diversos, mas, segundo Rosalind Krauss (1996) como um sistema significante, ou
seja, como um conjunto de condições materiais e formais, derivadas da natureza da linguagem
que constroem uma lógica interna própria, também portadora de significado. Desta
perspectiva, ser capaz de construir conceitos a partir de elementos da linguagem é uma tarefa
importante para o processo de leitura e compreensão de imagens.
E segundo Barbosa, estudar arte “envolve análise crítica da materialidade da obra e
princípios estéticos ou semiológicos, ou gestálticos ou iconográficos” 70, entendendo que a
“crítica de arte desenvolve a habilidade de ver e não apenas olhar as qualidades que
constituem o mundo visual, um mundo que inclui e excede as obras de arte.” 71 Portanto, este
tipo de informação, segundo Barbosa, é uma das bases do conhecimento e da aprendizagem
em arte.

5.4.6 . Aspectos internos: procedimentos de criação.

Na mesma direção das informações conceituais acima explicitadas, identifico um


último tipo de informação extraída ou agregada às imagens, estas relativas as ações ou atitudes
concretas dos artistas frente a seus trabalhos: os seus procedimentos de criação. E dimensiono
sua importância para o professor-leitor, baseando-me numa frase da própria Derdyk sobre a
obra de Picasso: “Os mecanismos de invenção por meio da evolução gráfica, utilizados por
70
BARBOSA, 2002, p. 37
71
Ibid., p. 37

154
Picasso, são um instrumento que podemos incorporar para aprender a fruir, a “ler”, a produzir
e criar imagens.”72 Ou seja, tratam-se de dados extraídos das imagens ou pesquisados em
outras fontes e que podem ser usados como referências de procedimentos para o exercício da
criação de novas imagens. Este tipo de informação, segundo a teórica e crítica de arte Rosalind
Krauss (1996) desmistifica o fazer artístico, pois, esmiúça os pormenores dos atos que
concretizam uma obra de arte, podendo mostrar ao professor-leitor que tem pouco contato com
a prática criativa, que um trabalho artístico não nasce por mágica ou pura inspiração, mas é
fruto de acertos, erros, idas e vindas, recortes, escolhas, arrependimentos, enfim, de muito
trabalho.
Defino procedimentos de criação, portanto, segundo Duarte (2001), como “indicações
de ações (modos operativos) para obtenção de determinado produto 'artístico'”73; operações
singulares que os artistas empreendem, concretizam e pelas quais constroem suas poéticas.
Entendendo poética pela definição de Luigi Pareyson citado por Duarte (2001) que diz ser “o
caráter operativo da arte e os modos de produção, além da expressão de um determinado 'ideal
de arte'”74.
A partir da conceituação de Duarte, considero que este parece ser o tipo de informação
que Derdyk prioriza nos quatro textos sobre os artistas em Formas de pensar o desenho. Como
há muitos trechos referentes a este tipo de informação, realizei um recorte de alguns deles.
Passo, então, a apresentar meus recortes agregando a eles a concepção de “procedimento de
criação” oferecida por Duarte (2001) que será retomada adiante.
No texto sobre Paul Klee, a autora começa justamente com uma descrição do próprio
artista sobre um de seus procedimentos de criação.
Situado mais além de um ponto morto, começa o primeiro ato de movimento (a
linha). Por um breve instante se recolhe (linha interrompida ou articulada através de
repetidas detenções). Um olhar retrospectivo para examinar até onde chegamos
(movimento contrário). Refletir mentalmente caminhos nessa ou naquela direção
(frases lineares). Um rio corta caminho, nos servimos de um bote (movimentos
ondulados). Mais acima encontramos uma ponte (série de arcos). (KLEE apud
DERDYK, 1994, p. 147)

O trecho fala de um procedimento de Klee em relação a maneira como ele usa a linha
para criar imagens sem se fixar à representação fotográfica da realidade, como identifico
acontecer na figura 14.
Sobre Steinberg, Derdyk explicita vários procedimentos com a linha e com os

72
DERDYK, 1994, p. 189
73
DUARTE, 2001, p. 33
74
PAREYSON,1997, p. 15 e ss apud DUARTE, 2001, p. 33

155
elementos da linguagem, como quando diz que “ele trabalha a troca entre o verbal e o visual,
elaborando planos de múltiplos significados. Seus monólogos artísticos transformam as
palavras em entres gráficos adquirindo a solidez das coisas”75 (Fig. 15 e 16).
Também quando a autora ressalta o uso de diversos estilos artísticos em um só desenho,
“incorporando e referenciando ao cartoom, aos desenhos infantis, rabiscos anônimos, fac-
símiles, desenhos técnicos, carimbos e decalques.(...) Steinberg imita, parodia, reinventa”76.
Ou ainda quando especifica a forma como o artista usa os elementos da linguagem de forma a
reordenar o familiar como um “recurso da imaginação, causando estranheza em relação aos
elementos do cotidiano”77 (Fig. 18 e 19).
Sobre os procedimentos de Van Gogh na pintura
Quarto em Arles, de 1888 (Fig. 175), Derdyk traz as
palavras do próprio artista para descrevê-los
Nesse quarto nada existe que sugira penumbra,
cortinas corridas. As linhas amplas do mobiliário,
repito, devem expressar absoluto repouso. (…)
Trabalhei nele o dia inteiro, mas você vê como a
concepção é simples. As gradações de cor e as
sombras estão suprimidas, o quadro será pintado em
camadas leves e planas de tinta, jogada livremente
Fig. 175: Van Gogh, Quarto em Arles,1888 como nas gravuras japonesas.78
Pintura a óleo. Fonte: DERDYK, 1994, p. 178

E quando fala dos elementos da gravuras japonesas que Van Gogh utilizava como
referência, indicando que um dos procedimentos do artista envolvia uma espécie de modelo:
“Van Gogh se interessava tremendamente pelas gravuras orientais. A construção espacial
destas gravuras considera o branco, fisicamente presente, como um elemento essencial, tanto
plástica e formalmente, quanto conteudisticamente.”79
Já em Picasso, o texto todo refere-se a procedimentos de criação do artista inseridos
num processo de produção de uma obra. Portanto, a autora ressalta não só as ações, mas
algumas questões implicadas num processo criativo. E toda essa explanação é justificada por
Derdyk acreditar que “observar um artista em pleno processo de trabalho pode ser
extremamente revelador. Os desenhos são testemunhas da investigação, da experimentação,
das dúvidas e certezas, da forma de pensar a criação.”

75
DERDYK, 1994, p.156
76
Ibid., p. 173
77
Ibid., p. 158
78
Ibid., p. 178
79
Ibid., p. 180

156
Fig. 176: Picasso, estudos numerados e datados para Guernica, 1937.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 184

Uma ação que Derdyk descreve em Picasso é o uso do desenho como instrumento para
diversas funções do pensamento, onde “ora o desenho se presta a um pensamento sintético,
analógico, ora se presta a um pensamento analítico, descritivo.”80 A palavra do próprio artista é
utilizada para acrescentar informações sobre a natureza dos procedimentos de fatura de uma
pintura. “Uma pintura não é baseada e decidida de antemão. Mesmo quando se está fazendo,
muda como mudam os pensamentos de cada um.” (PICASSO apud DERDYK, 1994, p. 191)
Com foco no aprofundamento nas ações e acontecimentos passíveis de ocorrência num
processo de trabalho artístico, Derdyk traz as palavras de Marcel Duchamp81 para falar da
relevância do registro em relação a um aspecto muito importante dos processos criativos: a
diferença entre intenção do artista e aquilo que de fato foi possível realizar.
'existe um corte que representa a impossibilidade para o artista de expressar
completamente a intenção, esta diferença entre o que havia projetado realizar e o que
realizou é o coeficiente artístico pessoal contido na obra.'
'Em outros termos, o coeficiente artístico pessoal é uma relação aritmética entre 'o
que está inexpresso, mas estava projetado' e 'o que está expresso intencionalmente'.
( DUCHAMP apud DERDYK, 1994, p. 187)

Penso que este é um dado de extrema importância para o professor-leitor por explicitar
um fenômeno fundamental do processo de criação e que, além de não ser evidente para quem
nunca passou por um processo criativo, é muito frequente nos processos infantis. Mesmo
sendo um fenômeno de difícil explicação por outra via que não a prática com a linguagem, o
alerta de sua existência pode ajudar o professor a entender algumas condutas infantis em
relação a suas produções.
Além dos procedimentos de criação explicitados nos textos dos artistas, toda a parte
dos exercícios apresentados no capítulo 5. Exercícios de interpretação do livro Formas de
pensar o desenho, é de certa maneira, uma relação entre a imagem de referência e os
procedimentos de criação sugeridos nos enunciados dos exercícios.
80
DERDYK. 1994, p. 188
81
A artista francês de vanguarda do começo do século XX

157
Fig. 177: Matisse, s/ título e s/ data.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 206
Fig. 178: Steinberg, s/ título, 1960.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 207

Como as figuras 177 e 178 que foram usadas como referências para o enunciado:
A linha é uma personagem que passeia continuamente pelo espaço do papel. Num
primeiro momento, sem tirar a mão do papel, experimentar direções distintas e
variações de tempo: ora a linha caminha rapidamente, ora caminha lentamente pelo
papel; ora a linha caminha na superfície, ora caminha “dentro” do papel.82

Ou os desenhos de Flávio Motta (Fig. 103) usados como “reproduções para orientar a
5ª proposta”83
Pesquisar formas, inventando formas abertas ou fechadas, simples ou complexas.
Formas que se contêm, formas que se equilibram, formas que se relacionam
compondo um todo feito de partes. Repetir algumas das formas, observando suas
alterações formais.84

No Índice Iconográfico, os procedimentos de criação e uso da linguagem também estão


presentes na maior parte das pranchas e trazem informações importantes para compreender
como a imagem foi construída. Em muitas pranchas esta informação vem acompanhada dos
sentidos produzidos pelo procedimento.
Há os procedimentos de criação que indicam como o artista usou a matéria para criar.
Como na prancha 42 (Fig. 114) – Pour Käte, de Kurt Schwitters (1887-1948)

Colagem, 10,5X13cm. A colagem utiliza um pedaço de envelope de carta e vários


fragmentos de história em quadrinhos. Observar as várias operações que essa técnica
proporciona, gerando novos significados para a imagem impressa reutilizada:
justaposição, sobreposição, recorte, transparência, multiplicação.85

82
DERDYK, 1994, p. 206
83
Ibid., p. 214
84
Ibid., p. 214
85
Idem, 1990, p. 144

158
E há também informações sobre a operação conceitual
implicada num procedimento de criação. Como na prancha 27 (Fig.
179) – Condessa de Noailles: silhueta de Jean Cocteau (1889-1963),
na qual o artista fala sobre uma atitude sua: “Eu concebo um quadro
mentalmente e tento copiar esta concepção tão fielmente quanto
possível.”86; e Derdyk depois a compara com um procedimento
realizado pela pintura japonesa tradicional:
Fig. 179: Prancha 27: Jean Podemos relacionar essa questão com o procedimento adotado pela
Cocteau, Condessa de pintura japonesa, segundo o qual deve-se cristalizar a imagem no
Noailles: silhueta, 1910. pensamento antes de pegar no pincel. A observação é introjetada.
Bico-de-pena e nanquim Quando o artista coloca o instrumento sobre o suporte, desenha a
sobre papel. Fonte:
DERDYK, 1990, p. 24/140
imagem criada no olho de sua mente.87
Com este último tipo de informação concluo que Derdyk oferece ao professor
ferramentas verbais e visuais para que ele crie um repertório onde se entrecruzam elementos
do pensar arte (como os dados conceituais e materiais sobre as obras), do contextualizá-la
(com as informações sobre os usos sociais, as históricas e as biográficas) e também do fazer
arte, já que Derdyk extrai das imagens, além de materiais, suportes e técnicas, os modos de
operar criativamente utilizados pelos artistas.
Estas três ações identificadas a partir do material que Derdyk oferece relacionam-se
diretamente com a proposta metodológica de Ana Mae Barbosa para pensar a aprendizagem
das artes visuais e o papel das imagens neste processo. Por mais que a proposta de Barbosa
(2002) tenha sido construída para o ensino de crianças, é uma abordagem que a própria autora
valida para todas as situações de ensino e aprendizagem, guardadas, claramente, as
singularidades de cada situação didática.

. APONTAMENTOS .

Ressalto o fato de que Derdyk oferece ao professor não só um conjunto amplo de


imagens, mas uma abordagem de olhá-las que traz consigo uma rede de informações que não
são descrições literais das mesmas, nem são puramente as interpretações subjetivas de Derdyk,
mas um conjunto de dados que podem contribuir para o professor-leitor enriquecer de fato
seus conhecimentos sobre arte. Trata-se, portanto, de utilizar a imagem e as informações dela
86
Jean Cocteau, Drawings, Dover, Nova Iorque, 1972 apud DERDYK, 1990, p. 140
87
DERDYK, 1990, p. 140

159
extraídas ou a ela agregadas de uma maneira benéfica ao aprendizado do professor. Não se
trata de apresentar as imagens como fórmulas rígidas a serem seguidas ou estruturas
engessantes de se olhar ou fazer arte, mas sim uma elaboração de fontes de ideias, temáticas,
formas de pensar visualmente, e, especialmente, fontes de procedimentos de criação,
desmistificando, desta forma, os meandros do criar. Derdyk, intencionalmente ou não, traz
todos os elementos para um trabalho de cunho mais contemporâneo de ensino de arte a partir
de imagens, como foi possível averiguar acima. É muito provável que com todo este
repertório, o objetivo de Derdyk – sensibilizar o professor para olhar o desenho infantil – seja
atingido.
Mas o que permanece dissonante em suas proposições é a seguinte questão: se a autora
reconhece que as imagens artísticas podem ser tão benéficas à aprendizagem do professor, por
que ela não incentiva também o uso dessas imagens no processo de aprendizagem e
desenvolvimento do desenho da criança? Não como modelos a serem estritamente copiados ou
fórmulas de sucesso a serem seguidas, mas como ferramentas de construção de imagens cujos
resultados já foram experimentados pelos artistas e podem auxiliar a criança em suas dúvidas,
angústias e dificuldades. A própria autora explica que “quando desenhamos, existe uma
“conversa” implícita entre o fazer individual e o fazer da história.88” Sua perspectiva entende a
história como “fonte de investigação, experimentação, exploração89”, propondo práticas que
exercitem “a relação entre a produção gráfica infantil e a produção gráfica cultural”90. Deste
modo, ao mesmo tempo que Derdyk oferece a possibilidade do professor-leitor extrair das
imagens diversos procedimentos de criação que poderiam ser usados na ação pedagógica, a
autora, ao priorizar o caráter natural do desenvolvimento do desenho infantil, não deixa claro
de que maneira essa relação com o professor e com o objeto cultural pode beneficiar a criança.
Não se trata de priorizar exclusivamente o conteúdo do objeto de ensino como foco do
trabalho educativo, mas ao levar em consideração ambos os fatores - múltiplas formas de
aprendizagem e o objeto de conhecimento - , tentar, como propõe Barbosa (2002), um
“equilíbrio entre as duas teorias curriculares dominantes: a que centra na criança os conteúdos
e a que considera as disciplinas autônomas com uma integridade intelectual a ser
preservada.”91
Ao observar o conteúdo que Derdyk apresenta em seus dois livros na perspectiva da

88
DERDYK,1994, p. 194
89
Ibid., p. 194
90
Ibid., p. 195
91
BARBOSA, 2002, p. 35

160
história do ensino de artes visuais considero a questão acima explicitada como um
entrelaçamento de concepções um tanto contraditórias. Vejamos: 1) ela defende uma visão de
desenho infantil que tende a livre-expressão, que conforme esclarece Rizzi:
(…) vincula-se historicamente à modernidade, pois enfatiza a visão pessoal como
forma de interpretar a realidade; a emoção como principal conteúdo da expressão e a
busca do novo, do original como um ideal a ser alcançado, o que resultou, segundo
seus críticos, em uma defasagem entre a arte produzida no período e a arte ensinada
nas escolas.92

2) apresenta também um amplo material sobre desenho e artes visuais para o professor
que, segundo Rizzi, vincula-se precisamente a estratégias contemporâneas de ensino e
aprendizagem:
(...)a visão mais contemporânea no ensino de arte (…) valoriza por sua vez a
construção e a elaboração como procedimento artístico, enfatiza a cognição relativa à
emoção e procura acrescentar à dimensão do fazer artístico a possibilidade de acesso
e compreensão do patrimônio cultural da humanidade.93

Entretanto, ao mesmo tempo que essa divergência de postura em relação a apresentação


de um universo referencial para o aprendizado do professor e não para a criança pode ser
entendida como uma contradição, autores como Teixeira Coelho (1995) entendem que trata-se
de uma característica de nossa época contemporânea. Contemporaneidade que envolve a
noção de convivência no mesmo tempo cronológico, sem que com isso estejam garantidas
quaisquer coerência entre os traços (pós ou hiper) modernos e as práticas (pós ou hiper)
modernistas. “O moderno não é necessariamente contemporâneo. Nem essa é a real questão.
Interessa é saber o que é contemporâneo do quê (...).”94
De acordo com este autor, portanto, o que interessa não é estabelecer definições e
encaixes de determinadas ideias em determinadas faixas temporais, mas compreender como é
possível a convivência entre as ideias por meio da atualização dos conceitos que já não se
apresentam tão adequados mas que também não devem ser totalmente descartados apenas por
sua data de origem.
Sobre esse uso e atualização de ideias, Yves-Alain Bois (2009) auxilia a pensar por
meio de sua formulação de um princípio de resistência aos modismos intelectuais que,
segundo o autor, entendem “as ideias como mercadorias: ficam velhas, maltratadas e gastas.”95
Para Bois, o princípio da resistência
92
RIZZI, 2002, p. 337
93
Ibid., p. 337
94
COELHO, 1995, p. 39 (grifo do autor)
95
BOIS, 2009, p. XVII

161
assegura o direito de armazenar e a possibilidade de reter partes de um sistema sem
ter que aceitá-lo em sua totalidade. Como Roland Barthes frequentemente dizia a
seus alunos, as ideias críticas não devem ser abandonadas prematuramente (…):
sempre é possível pedir socorro a uma ideia “velha” quando um modelo teórico
“novo” não consegue nos fazer compreender com clareza o objeto que estamos
tentando interpretar.96

Com apoio nestes autores considero que mesmo a partir da identificação da dissonância
entre as formulações de Derdyk a respeito das duas instâncias do processo de ensino e
aprendizagem em desenho e em artes visuais – as formas de aprender e conteúdos do objeto de
conhecimento – é possível elaborar uma proposição que utilize o material construído pela
autora para auxiliar o professor no trabalho com as dúvidas, angústias e dificuldades infantis
acerca de seus desenhos. Mesmo, como evidenciado na introdução da pesquisa, em situações
de inclusão de crianças com necessidades especiais. No entanto, é importante ressaltar que o
uso das artes visuais para o ensino das questões do desenho não implica entender o desenho
infantil como uma produção natureza de artística, mas que mesmo em seu caráter esquemático
e comunicacional97, pode haver grandes avanços no uso de elementos das artes visuais como
fontes de conhecimento. Em outras palavras, considero que o conteúdo de ensino de artes
visuais é útil para o ensino de desenho nas suas diferentes áreas de aplicabilidade.
É sobre esta proposição que trata o próximo capítulo.

96
BOIS, 2009, p. XVIII
97
Cf. Duarte, 2004, 2008a, 2009

162
■∙■∙■
CAPÍTULO 6:
ESTRATÉGIAS DE ENSINO A PARTIR DE DERDYK
■.■.■

Após a análise realizada nos capítulos 4 e 5, que englobou questões referentes às duas
instâncias fundamentais do processo de ensino-aprendizagem de artes visuais, ou seja, as
formas de aprender e os conteúdos do objeto de conhecimento, identifiquei em cada categoria
analisada uma dissonância interna. No que diz respeito à instância da aprendizagem, ou seja,
aos fatores promotores de mudanças no desenho infantil, identifiquei que apesar dos livros
serem escritos para professores – os agentes privilegiados dessas mudanças –; do
reconhecimento de que os fatores socioculturais podem influenciar o desenho infantil; e da
presença maciça de referências imagéticas em ambos os livros, a visão da autora tende a ser
negativa em relação a esses fatores e interferências. Anteriormente, também levantei algumas
hipóteses sobre as razões pelas quais Derdyk não explora ou explicita esses fatores e
interferências com a mesma profundidade e importância com que faz com os fatores internos,
ou seja, os de cunho motor, psíquico e perceptivo, mesmo que reconheça o papel dos fatores
externos, socioculturais, nas mudanças do desenho infantil. Essa ambivalência em relação aos
fatores socioculturais promotores de mudanças pode colocar o professor num lugar pouco
potente em relação ao seu papel de agente em situações de aprendizagem, como transmissor de
informações e construtor de conhecimentos sobre artes visuais.
Em relação à outra instância, a que se refere aos conteúdos do objeto de conhecimento
a ser estudado, a dissonância foi identificada em relação ao objetivo do material oferecido.
Derdyk constrói nos dois livros analisados – Formas de pensar o desenho (Ed. de 1994) e
Desenho da figura humana –, uma lógica de apresentar o material textual e verbal que contém,

163
ainda que a autora não faça referências, elementos das três instâncias da Proposta Triangular (a
relação entre o fazer, o ver e o refletir/contextualizar). Além deste dado, é notável a alta
qualidade das imagens, informações e relações que ela realiza como uma introdução ao
professor sobre os assuntos desenho e artes visuais. Apresenta uma seleção ampla e
multicultural de imagens nas quais o desenho é apresentado sob suas mais diversas formas.
Além da seleção e organização das imagens, Edith Derdyk elabora um conjunto de dados com
informações adicionadas às imagens e/ou extraídas delas, auxiliando o professor a construir
um corpo básico, mas consistente, de conhecimentos sobre a linguagem do desenho e o campo
das artes visuais. A adição de assuntos intimamente ligados à natureza do processo de criação,
como o “coeficiente artístico pessoal” (DUCHAMP apud DERDYK, 1994, p. 187),
demonstram uma preocupação da autora em trazer para o professor informações específicas
dessa área e que de fato possam aproximá-lo do fazer artístico. No entanto, todo esse conjunto
qualitativo é indicado apenas para a formação do professor, para que ele perceba como a obra
de arte pode ir além da representação fotográfica do real e para que ele se instrumentalize para
acompanhar o desenvolvimento do desenho infantil sem valorizar ou induzir essa
representatividade realística. Derdyk não indica ou sugere que o professor possa usar a sua
lógica de apresentação ou todo esse material que organiza como conteúdo de ensino à criança,
para que, além do conhecimento enriquecedor que se pode ter com o aprendizado das artes
visuais, esse conjunto possa ser uma forma de auxílio às dúvidas e dificuldades infantis com o
desenho. Refiro-me aqui às dúvidas e empecilhos que, como explicitado a partir de Iavelberg
(1995, 2008) e Wilson e Wilson (1997), as crianças não conseguem resolver sozinhas. Esse
direcionamento do conteúdo estritamente à formação do professor vai ao encontro de sua
concepção de desenho infantil com tendências espontaneístas, e pode levar a interpretações de
que a criança já possua tudo o que precisa para criar e que as intervenções docentes podem
prejudicar mais do que auxiliar.
Contudo, como diz Yves-Alain Bois (2009), não se trata de abandonar toda uma
proposta se há partes dela que ainda servem para se pensar o objeto de pesquisa. Como por
meio desta análise busco refletir como o conhecimento sobre as artes visuais pode contribuir
no trabalho do professor com as questões que as crianças apresentam em relação a seus
desenhos, penso que ao construir algumas relações com outros autores do desenho infantil e ao
propor uma ampliação do pensamento de Derdyk, estendendo o uso de seu material às práticas
infantis, proponho, também, um modo de alcançar os objetivos do ensino de artes visuais.

164
Passo a apresentar possibilidades de utilização diferenciada de alguns aspectos tratados
por Derdyk, como a adição dos fatores sociais nas mudanças do desenho infantil, e,
especialmente, a sugestão de adaptações de sua lógica de apresentação dos conteúdos de
desenho e artes visuais, assim como do uso dos próprios conteúdos, para o ensino às crianças.
Tais sugestões serão construídas a partir das duas categorias de análise já trabalhadas:
as formas de aprender e os conteúdos do objeto de estudo. A respeito dos fatores promotores
de mudanças no desenho infantil, antes de estabelecer relações com autores que defendem a
inter-relação entre fatores de cunho interno e os externos, desejo ressaltar aspectos presentes
na proposta teórica de Derdyk que contribuem para essa questão. São eles: os conteúdos
vivenciais como critério de organização para compreensão do desenvolvimento do desenho
infantil e o papel da participação integral do corpo nos vários momentos do percurso gráfico
infantil.

6.1 ■ SOBRE A CATEGORIA DA APRENDIZAGEM/DESENVOLVIMENTO

O fato de Derdyk pensar em “conteúdos vivenciais”1 que alteram o desenho infantil,


assim como, pensar que o desenho pode alterar vivências das crianças, parece um critério
muito apropriado para construir uma situação didática com heterogeneidade de faixas etárias e
até, possivelmente, com diferentes necessidades especiais. Primeiro porque o fato da autora
não estabelecer correspondência direta entre o surgimento de uma forma ou de uma atitude
gráfica a uma idade permite compreender que numa mesma faixa etária possam existir
crianças com momentos gráficos muito diversos, sem que com isso haja necessariamente
atraso cognitivo; assim como podem existir crianças com diferentes idades passando pelas
mesmas questões gráficas, afinal, como explicitado no capítulo anterior, não é somente o
amadurecimento biológico que influencia no desenhar da criança. O conhecimento de tal
informação evitaria uma série de “diagnósticos” psicológicos e pedagógicos de professores de
sala que relacionam de forma rígida as mudanças dos desenhos a determinadas faixas etárias.
Por outro lado, não se pode cair num extremismo de não criar nenhuma relação entre a atitude
gráfica e a idade, afinal o desenho também pode indicar limitações de diversas naturezas2.
1
DERDYK, 1994, p. 50
2
Como um caso vivido com uma menina que em 2009 estava no 1o ano (6 anos) e que por conta de suas dificuldades para
criar formas fechadas (ela expressava verbalmente a intenção de desenhar figuras humanas), não conseguia criar formas
para representar a cabeça, os olhos, e as outras partes que tinha consciência que precisava e queria desenhar. Isso sempre

165
Especialmente no caso das crianças com necessidades especiais, pensar em termos de
conteúdos vivenciais ajuda tanto o professor quanto pode auxiliar a criança a compreender que
o processo de amadurecimento e aprendizagem acontece dentro da lógica de cada um. Neste
sentido, se o menino de 15 anos, cujo caso relatei anteriormente, estava passando naquele
momento por um processo de relacionar intenção verbal com a imagem gráfica, isso pode ser
considerado um avanço para o seu caso, mesmo que em termos de idade, esta seja uma
necessidade bem diferente daquelas de seus colegas de sala. Começar a pensar as mudanças
do desenho também em termos de conteúdos vivenciais (além de levar em conta os outros
critérios já explicitados no capítulo 2) pode trazer ao professor uma tranquilidade de não
estabelecer os mesmos patamares gráficos para todas as crianças.
Se o meu aluno de 15 anos demorar muito tempo para conseguir figurar uma pessoa
com formas fechadas e uma menina de 3 anos o fizer muito antes de seus colegas de turma?
Acredito que a própria condição escolar – que deve lidar concomitantemente com a instância
individual e coletiva do processo de ensino e aprendizagem – requer um olhar que faça esse
movimento do indivíduo para o grupo, e vice-versa, para adequar suas situações de ensino as
mais variadas condições das turmas. Isso implica não supervalorizar cada processo
individualizadamente, já que não há tempo e condições para isso, e nem negligenciar as
individualidades em nome da coletividade. Penso que a difícil tarefa do professor seja fazer,
sempre, o exercício do equilíbrio.
Um outro aspecto interessante provocado pela análise empreendida nessa pesquisa diz
respeito ainda à ideia de conteúdos vivencias. Derdyk entende que assim como uma vivência
pode alterar o curso da atividade do desenho, a construção de um desenho ou de um percurso
de desenho pode alterar questões internas das crianças. Essa perspectiva posiciona o desenho
num patamar de importância que o iguala à brincadeira no processo de construção do sujeito.
“A brincadeira lida com as experiência através de situações artificialmente criadas, no ensejo
de dominar a realidade.”3 Dentro desta lógica, o desenho permite a criança uma série de
vivências e permite também alterar experiências em sua vida concreta. Isso ocorre não
somente quando as crianças simbolizam temas presentes em suas vivências e “resolvem” suas
questões via representação, mas quando se percebem capazes de enfrentar um desafio gráfico;
gerava grande frustração na menina que passou paulatinamente a se recusar a desenhar nas minhas aulas e a arranjar
desculpas para não desenhar na sala regular. Eu e a professora de sala passamos a observá-la e percebemos que se tratava
possivelmente de uma questão motora, motivada por razões que precisavam ser estudadas por um profissional.
Encaminhamos o caso para a coordenação que entrou em contato com os pais e pediu um encaminhamento. Após
consultas e exames, foi detectada uma dificuldade motora fina, que praticamente a impedia de realizar os movimentos de
pinça e que estava atrasando seu desenvolvimento cognitivo.
3
WINNICOT apud DERDYK, 1994, p. 51

166
quando conseguem realizar uma imagem que antes não conseguiam; quando percebem que
seus desenhos estão mudando para algo mais próximo do que desejam; quando percebem que,
apesar de argumentarem que não sabem desenhar, descobrem que com alguma dedicação,
sabem sim. Este ponto de vista oferecido por Derdyk desconstrói as ideias que atrelam o
desenho na escola a uma mera atividade de passatempo ou de descanso entre aulas “mais
sérias e pesadas”. Estas ideias estão ainda hoje mais presentes no cotidiano escolar
contemporâneo do que se poderia esperar.
Um terceiro aspecto a ser abordado é que as vivências que atuam nas mudanças do
desenho infantil podem se repetir em diferentes momentos da vida da criança, provocando
resultados gráficos diferentes a cada período, ou resultando nos mesmos grafismos. Em minha
experiência docente tive a oportunidade de acompanhar como o nascimento de um irmãozinho
pode resultar em termos gráficos4 para uma criança de 5, 6 ou 7 anos, num retorno ao garatujar
e numa recusa em criar formas complexas como costumava fazer antes da chegada do irmão.
Ou num processo inverso: o de querer criar imagens cada vez mais complexas num curto
espaço de tempo para que possa, por exemplo, ensinar aos irmãos mais novos “como se faz”
para desenhar um animal ou um herói que a criança goste.
No entanto, um dos aspectos problemáticos de os professores se orientarem pelos
conteúdos vivenciais é que, além das dificuldades de se relacionar vida e grafismo diretamente
como causa e consequência, o professor frequentemente não tem acesso ao que a criança passa
fora do âmbito da sala de aula. Mesmo que tivesse, não seria possível lidar com toda a
bagagem trazida por uma quantidade imensa de crianças com as quais o professor especialista
geralmente tem que trabalhar. Talvez essa seja uma prática mais viável ao professor de sala,
que tem contato mais frequente com as crianças e seus pais ou responsáveis, assim como lida
com um número menor de crianças, tornando possível um aprofundamento nas relações.
Ao professor especialista em artes visuais há a possibilidade de lidar com aquilo que
ele percebe em suas aulas e procurar investigar, na medida do possível, com pais, professores
de sala e coordenadores, o que se passa com suas crianças nos mais diversos âmbitos de seu
crescimento. Diferencio, ainda, as situações de ensino informal no qual o professor de artes
visuais tem outras condições de trabalho e acompanha os processos de um número menor de
crianças, como parece se constituir a experiência de Edith Derdyk.
O segundo aspecto que quero ressaltar sobre a aprendizagem do desenho infantil, e que

4
Lembrando constantemente que um estabelecimento de relações diretas de causa e consequência entre vivência e grafismo
é algo delicado e nem sempre ao alcance do professor.

167
é pertinente a esta pesquisa, é a relevância que Derdyk estabelece para o corpo no processo do
desenvolvimento gráfico. A autora ressalta não só as relações mais evidentes entre mão-
cérebro-olho, mas principalmente a participação integral da fisicalidade na ação de desenhar,
na forma como pode provocar mudanças nos desenhos e na temática das produções gráficas. O
fato das questões motoras, sejam aquelas dos movimentos amplos ou da motricidade fina, dos
membros superiores influenciarem no desenho é um dado óbvio. Mas o que chamou minha
atenção e que talvez não seja uma informação de conhecimento amplo dos professores, é que o
corpo todo está atuando na realização de um desenho, assim como a percepção que a criança
tem do seu próprio corpo e do corpo do outro também atua neste processo. O conhecimento
destes dados pode contribuir para a compreensão de crianças que necessitam se movimentar
durante o processo de desenhar ou que não conseguem realizar determinadas tarefas não por
questões motoras relacionadas às mãos, mas ao equilíbrio geral do corpo. Esse dados podem
contribuir também, e de forma fundamental, para o planejamento e organização de salas e
ateliês com espaço suficientes para a promoção de diferentes situações físicas nas atividades
de artes visuais. Derdyk (1994, p. 64) sugere que as diferentes posições corporais e
organizações espaciais propiciam o desenvolvimento de novas habilidades motoras e a
realização de novas formas configuracionais.
No caso de crianças com necessidades especiais, sejam suas limitações motoras ou de
outra ordem, a consciência da própria condição corporal e o conhecimento de que seu corpo
todo participa do processo de desenhar permite não só um processo de autoconhecimento desta
criança, com intento de fazê-las descobrir potencialidades e não apenas limitações, mas pode
proporcionar situações didáticas em que as crianças standards sejam desafiadas a vivenciar o
mundo a partir de uma condição física apresentada pela criança portadora da necessidade
especial. Dentro desta lógica, faria sentido propor às crianças atividades em que elas
desenhassem com a mão que não estão acostumadas (para perceberem como é difícil o
controle motor com o outro membro), desenhar e se movimentar de olhos vendados (para
conhecer um pouco de como as crianças invisuais experimentam o mundo), comunicar-se
apenas por gestos ou imagens sem falas ou escritas (como meus alunos autistas), enfim,
exercitar uma série de condições físicas e espaciais em que pudessem vivenciar, mesmo que
brevemente, a circunstância do outro.

Por fim, a relevância dada a integridade do corpo como contribuinte contínuo numa
ação que é vista principalmente como algo da mente foi por mim entendida como uma

168
tentativa de minimizar a clássica dicotomia entre corpo x mente, razão x intuição, razão x
emoção, biológico x cultural, ordem x desordem. Neste sentido, arrisco-me a dizer, de forma
extremamente resumida, que este aspecto da proposição de Derdyk pode se alinhar à teoria da
complexidade de Morin que propõe uma aceitação da condição múltipla e complexa do ser
humano e do mundo, onde não há corpo x mente, razão x intuição, razão x emoção, biológico
x cultural, ordem x desordem, mas o ser humano deve ser concebido de forma aberta (Morin,
2007), como corpo e mente, razão e emoção, natureza e cultura. Igualmente ele propõe que o
mundo seja entendido em ordem e desordem, precisão e imprecisão, previsibilidade e acaso.
O sujeito deve permanecer aberto, desprovido de um princípio de decidibilidade nele
próprio; o objeto deve permanecer aberto, de um lado sobre o sujeito, de outro lado
sobre seu meio ambiente, que, por sua vez, se abre necessariamente e continua a
abrir-se para além dos limites de nosso entendimento.5

O princípio da complexidade que, entre vários outros aspectos, propõe a convivência


das dicotomias como uma característica do mundo e não como algo a ser combatido, pode
auxiliar a compreender as crianças com necessidades especiais principalmente em suas
potencialidades, mas sem desconsiderar suas limitações. As potencialidades são construídas
pela mistura de sua condição concreta - qualidades, habilidades, limitações - e daquilo que
desejam para si, da forma como se inventam, se renovam e potencializam seu próprio devir.
Ao entendermos que todos somos insuficientes, incompletos e também íntegros, autônomos,
complexos, não seria preciso isolar a diferença nem dissolvê-la. Seria preciso garantir o direito
à diferença e, ao mesmo tempo, o direito à igualdade.
Somado aos dois aspectos acima apontados, acredito que o material de Derdyk sobre o
desenvolvimento do desenho infantil possa ser ampliado com autores que pesquisam os fatores
socioculturais de influência no desenho e assim atender às questões que me coloco. Como
explicitado anteriormente, as opções teóricas para este trabalho foram os textos de Rosa
Iavelberg (1995 e 2008) e Brent e Marjorie Wilson (1987, 1997). Mas há autores clássicos
como Vigotsky (1979, 1984 e 2009) que há muito tempo já pesquisavam como os fatores
sociais atuam no desenvolvimento da criança e, inclusive, no desenho.

5
MORIN, 2007, p. 44

169
6.2 ■ SOBRE A CATEGORIA DO OBJETO DE CONHECIMENTO

Busco aqui sugerir que o professor utilize a lógica de Derdyk na apresentação do


material sobre desenho e artes visuais como base para estratégias de ensino, assim como,
utilize o conteúdo apresentado como material a ser trabalhado com as crianças, especialmente
no que diz respeito às dúvidas e dificuldades que trazem sobre a linguagem do desenho.
A respeito dos elementos utilizados por Derdyk para a apresentação dos conteúdos
sobre desenho e artes visuais aos professores, cheguei a conclusão, como já anunciei, de que
há uma grande proximidade com os elementos e ações que ela utiliza e aqueles que estruturam
a Proposta Triangular (fazer, ler e refletir/contextualizar arte), sistematizada por Ana Mae
Barbosa. Para Barbosa (2002), um dos objetivos e focos do ensino “aspira influir
positivamente do desenvolvimento cultural dos estudantes pelo ensino/aprendizagem da
Arte”6, ou seja, trata-se do desenvolvimento da compreensão do objeto de conhecimento. Essa
compreensão não se dá somente pelas atividades práticas de artes visuais. Trata-se de uma
metodologia entendida pelo campo da arte-educação, segundo Barbosa (2002, 2008), como
pós-moderna ou contemporânea, pois, articula a arte como expressão (objetivo mais vinculado
ao modernismo do ensino de arte no Brasil) e como cultura. Neste sentido, os novos rumos da
Arte- Educação favorecem
(...) o conhecimento nas e sobre Artes Visuais, organizado de forma a relacionar
produção artística com análise, informação histórica e contextualização. Nas Artes
Visuais, estar apto a produzir uma imagem e ser capaz de ler uma imagem e seu
contexto são duas habilidades inter-relacionadas, o desenvolvimento de uma
ajudando no desenvolvimento da outra.7

Simultaneamente, Imanol Aguirre (2005), chama a atenção para a forma como


pesquisas realizadas nos campos da psicologia cognitiva, especialmente por H. Gardner,
reacenderam o debate sobre os processos cognitivos na educação artística,
devolvendo ao sujeito criador e aos aspectos processuais e criativos da educação
artística o protagonismo que as orientações disciplinares lhe haviam tirado. A
especial atenção que Gardner e seu grupo têm prestado à educação artística, por
entender que esta constitui um âmbito curricular cujas peculiares estratégias de
conhecer estão pouco mediadas pelo pensamento lógico-racional, resultou no
aparecimento cada vez maior de propostas curriculares de tipo disciplinar baseadas
em critérios que levem em conta as disposições psicológicas ou os tipos de
inteligência dos alunos. Assim, na educação artística, pouco a pouco vão se fundindo
as perceptivas curriculares que apostam na sistematização dos saberes com aquelas
que enfatizam a atenção aos processos de conhecimento.8

6
BARBOSA, 2002a, p. 17
7
Analice D. Pillar e Denise Vieira, 1990 apud BARBOSA, 2002a, p. 15
8
AGIRRE, 2005, p. 85-6

170
Entendo, segundo Aguirre portanto, que contemporaneamente há tanto estratégias de
ensino de artes visuais baseadas nas questões da aprendizagem, como outras fundamentadas
nas lógicas do objeto de estudo e ainda aquelas que tentam equilibrar ambas instâncias.
Em minha prática docente, as tentativas de estruturar programas de ensino de desenho
e/ou de artes visuais baseando-me nas diferentes formas de aprendizagem, não surtiram os
efeitos desejados. Agora, vislumbro a existência de diversas hipóteses para o insucesso:
primeiramente eu não conseguia precisar quais estratégias de aprendizagem cada criança
possuía em cada momento. Por exemplo, crianças que até pouco tempo repetiam para
apreender uma figura, passavam a não gostar mais de repetir desenhos; ou em outros casos,
crianças que até então só conseguiam trabalhar em uma imagem por vez, agora precisavam
fazer duas ou mais ao mesmo tempo para que pudesse visualizar suas ideias e escolher a que
mais lhe agradava. Isto é, a todo momento eram muitas variantes, em muitas crianças, para
que eu pudesse compreender a forma como aprendiam e criar atividades baseadas em suas
aprendizagens. Além disso, eu enfrentava a falta de uma formação que desse conta de todas as
necessidades especiais com as quais eu tinha que lidar; a falta de tempo para estudar cada uma
das necessidades e a dificuldade (ou até mesmo a inexistência) de acesso a materiais sobre
artes visuais adaptados à diferentes necessidades especiais.
Por estes motivos, a partir da análise dos livros de Edith Derdyk, sugiro uma estratégia
de ensino baseada nas lógicas do objeto de conhecimento: a linguagem do desenho e seus usos
nas artes visuais. Não quero, contudo, deixar de atentar às diferentes aprendizagens, mas
entendê-las como a condição do trabalho didático e não exatamente como o foco de uma
estratégia de ensino.
Barbosa defende que a Proposta Triangular viria ao encontro desta necessidade. Ela
afirma que
um currículo que interligasse o fazer artístico, a história da arte e as análise da obra
de arte estaria se organizando de maneira que a criança, suas necessidades, seus
interesses e seu desenvolvimento estariam sendo respeitados e, ao mesmo tempo,
estaria sendo respeitada a matéria a ser aprendida, seus valores, sua estrutura e sua
contribuição específica para a cultura.9

Contudo, primeiramente considero importante relembrar que a hipótese de usar as artes


visuais para o ensino de desenho para crianças não implica em considerar a atividade gráfica
infantil como algo de natureza artística. Em relação a este assunto, autores como Wilson e

9
BARBOSA, 2002, p. 35

171
Wilson (1997) afirmam que “não estivemos estudando a realização da arte, mas antes
estivemos olhando alguns aspectos da construção de signos convencionais”10; assim como
Duarte (1995-2009) vem pesquisando esse desenhar infantil que “escapa aos limites poéticos
da Arte e ganha o espaço escolar, familiar e social como um recurso de utilidade primeira,
considerado como uma ferramenta comunicacional e cognitiva.”11 Duarte (2008) afirma
baseada em suas pesquisas que o desenho infantil é uma síntese gráfica dos elementos mais
típicos e relevantes do objeto de referência 12. A autora cita também que, apesar da
representação infantil possuir muitos elementos obtidos pela visualidade, a forma como a
criança os concretiza graficamente não necessariamente segue uma lógica da pura reprodução
visual das aparências. E é justamente neste procedimento de desenhar elementos básicos e
típicos dos objetos com uma lógica que não reproduz puramente a aparência visual dos
mesmos que a criança está aprendendo sobre as diferentes categorias de objetos do mundo.
Neste sentido, ao desenhar é como se perguntasse: “o que é” este objeto e não somente “como
ele se parece”. Duarte com suporte em Rosch, Darras e Richard 13, entende que a condição
original do desenho da criança é a de descoberta do mundo e de comunicação, assim como
compreende que uma de suas funções mais básicas seja o aprendizado das diferenças entre as
categorias de objetos do mundo. Portanto, dentro da lógica desta autora, a natureza poética ou
artística não é algo prioritário no desenhar infantil.
Todavia, desejo pensar justamente o papel que o professor de artes visuais e a escola
podem desempenhar concomitantemente na produção de desenhos por crianças standards e
pelas portadoras de necessidades especiais. Iavelberg auxilia afirmando que “a possibilidade
de proposição de poéticas é um fato cultural que, uma vez assimilado pelo paradigma
educacional, torna-se uma possibilidade de criação para a criança. O papel da educação nesse
sentido é promover essas mudanças.”14 Ou seja, a possibilidade de criação artística não está
necessariamente presente de forma natural na criança, mas pode ser trabalhada justamente no
âmbito escolar, adicionando a sua prática gráfica um elemento de complexidade: os usos
poéticos da linguagem.
Mas como e por que as artes visuais podem auxiliar a produção de desenhos infantis,
mesmo em seu caráter comunicativo? Para Wilson et. al. (1987) “a relação íntima com grandes

10
WILSON e WILSON, 1997, p. 72
11
DUARTE, 2009, p. 2
12
Sobre o desenho infantil ser a representação dos elementos mais típicos e básicos dos objetos ver também Arnheim
(1954/1997) e Gombrich (1999).
13
Ver para isso Duarte, 2011.
14
IAVELBERG, 1995, p. 14-5

172
modelos criativos achados nas artes visuais pode elevar a individualidade, a originalidade e a
inventividade dos estudantes.”15 E a escola formal, para estes autores, como instituição
designada pela sociedade para transmissão e produção de conhecimentos por ela considerados
importantes nas mais variadas áreas, tem papel fundamental nesta tarefa, já que “em seus
desenhos feitos em casa, as crianças são livres para se basear em ideias vindas das mídias
populares. Desenhos feitos na escola, por outro lado, deveriam refletir o rico conteúdo e as
qualidades estéticas encontradas nos trabalhos produzidos por artistas.”16
Wilson et al. (1987) apresentam variadas razões pelas quais o ensino de artes visuais
pode contribuir para o avanço dos desenhos infantis. A primeira delas é que os autores
acreditam que desenhos infantis surgem de outros desenhos (de colegas ou da cultura), assim
como trabalhos de arte são criados a partir de obras anteriores, onde “as visões de mundo
criadas pelos estudantes nas aulas de arte serão de certa forma recriações, isto é, extensões,
recombinações, modificações e reações daquelas já criadas”17. Dentro desta lógica, porque a
escola deveria deixar de aproveitar a qualidade dos exemplos vindos do campo das artes para
o ensino do desenho?
A segunda razão proposta por estes autores é que o universo das artes inevitavelmente
expande as maneiras de ver o mundo daqueles que passam a ter contato significativo com ele.
“Desenhos e outros trabalhos de arte são como janelas-para-o-mundo. Através deles nós
podemos ver e criar visões de nós mesmos e de nossos universos, nossas preocupações,
sonhos, emoções, nosso senso de beleza e qualidade.”18
Uma terceira razão seria que os trabalhos artísticos lidam com todo tipo de experiência
de vida, inclusive com questões da vida cotidiana e “por meio do desenho, pessoas jovens,
independente da idade, podem de fato lidar com importantes aspectos do mundo – os padrões
e contornos que já foram experimentados por artistas.”19
O último motivo apresentado relembra que:
Estudantes deveriam obter conhecimentos gráficos e estéticos de uma ampla série de
atividades de desenho nas quais eles pudessem formar suas próprias ideias sobre o
mundo recriando, estendendo e recombinando as ideias dos artistas. Trabalhos de arte
não revelam apenas visões de mundo mas também fornecem os conteúdos básicos
para programas de desenho. Um programa escolar de desenho deveria ser baseado
nos temas, ideias, assuntos, qualidades expressivas, estilos, suportes, processos,
técnicas, problemas e soluções encontradas nos trabalhos dos artistas.20
15
WILSON et al., 1987, p. 7 – tradução minha
16
Ibid., p. 8 – tradução minha
17
Ibid., p. 12 – tradução minha
18
Ibid., p. 11 – tradução minha
19
Ibid., p. 13 – tradução minha
20
Ibid., p. 13 – tradução minha, grifo dos autores

173
6.3 ■ ESTRATÉGIAS DE ENSINO DE DESENHO E ARTES VISUAIS PROPOSTAS A
PARTIR DE DERDYK

Pensando, portanto, que as artes visuais podem contribuir com as dúvidas e


dificuldades infantis com seus desenhos por meio das diferentes lógicas sob as quais opera,
revejo a forma de Edith Derdyk estruturar em seus livros o discurso sobre o desenho nas artes
visuais como uma sugestão de estratégia de ensino. Tal organização de pensamento é
possibilitada pela combinação de conhecimentos que ela oferece: sobre a linguagem do
desenho em relação aos seus fatores externos (usos sociais e históricos), e outros relativos à
operacionalidade interna da linguagem gráfica (formas de usar os elementos gráficos, os
materiais, a composição, a criação de espacialidades, etc). Neste último quesito, Derdyk
estrutura seu discurso da seguinte forma: mostra imagens que apresentam os procedimentos de
criação21 que deseja ressaltar, aponta as tais operações poéticas verbalmente e cria
significações a partir destas informações somadas aos dados contextuais.
A apresentação dos procedimentos de criação, como se mostrou anteriormente, não é o
único tipo de informação que Derdyk traz para o professor. No entanto, acredito que a
presença deste tipo de informação seja uma das peculiaridades dos livros de Derdyk, já que é
um tipo de dado que pouco se encontra nos livros para formação de professores de artes
visuais. Destaco este tipo de informação e explicito-o, mesmo a revelia da autora, por entender
que seja de extrema importância para professores que, mesmo sem saber, perceber ou
objetivar, estão lidando com este âmbito de proposição durante grande parte do processo de
suas aulas.
Pensando sobre o que o professor de artes visuais pode ou não ensinar, a pesquisadora
Maria Lucia Batezat Duarte22, chegou a conclusão de a escola pode empreender processos
criativos dentro de sua lógica de funcionamento disciplinar, mas que nem todas as partes dos
processos de criação estão ao alcance do trabalho escolar. Duarte (2001) acredita que

21
Continuo aqui anexando a categoria de Duarte (2001) ao discurso de Derdyk.
22
Possui graduação em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980), mestrado em Ciências da
Comunicação pela Universidade de São Paulo (1989), doutorado em Artes pela Universidade de São Paulo (1995) e pós-
doutorado na Université Paris-1, Sorbonne (2006) . Atualmente é professora doutora da Universidade do Estado de Santa
Catarina. É membro do Centre de Recherche Image, Culture et Cognition, CRICC, Université Paris-1, Sorbonne. É líder
do Grupo de Pesquisa "Imagem, arte e desenho na escola". Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Ensino de
Artes Visuais, atuando principalmente nos seguintes temas: desenho infantil, desenvolvimento gráfico, desenho e
cognição, esquemas gráficos comunicacionais, desenho de crianças e adolescentes cegos e educação tátil-visual inclusiva.
Informações obtidas em http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=P891601 Acesso em 07 de fevereiro
de 2012

174
justamente os procedimentos de criação sejam uma das partes ensináveis dos processos
criativos. A autora diferencia dois dos termos acima - processo de criação e procedimento de
criação – e usa também a palavra poética, no caso, para designar o modus operandi geral do
artista (Duarte, 2001). Ela define “processo de criação” como “os caminhos percorridos pelo
sujeito (autor/fazedor de arte) até a conclusão de sua obra (o produto artístico). 23” A partir
desta definição, se a autora prevê que o processo é tudo o que acontece no trajeto, pode-se
dizer que incluem-se aí elementos fora do controle do sujeito que cria; assim como, que estes
elementos incontroláveis são provenientes tanto das circunstâncias externas quanto internas do
indivíduo. Em relação às internas, Duarte usa Freud para pensar sobre o espaço obscuro,
inarticulado de nossa mente, onde residem “representações e afetos guardados em desordem
no sótão ou porão da nossa morada”24 Ela utiliza a formulação de Silvano Arieti 25, para
dividir o processo de criação (em todas as áreas, não só no campo artístico) em dois aspectos
principais no âmbito do funcionamento mental: “1) o Processo Primário, mais intuitivo,
primitivo, de domínio inconsciente (o sótão em desordem) e 2) o Processo Secundário, mais
consciente e racional, onde o fazedor/criador elabora os conhecimentos técnicos e teóricos
adquiridos.” (ARIETI, 1976 apud DUARTE, 2001, p. 31)
O processo criativo seria, portanto, da perspectiva do sujeito que cria, o movimento de
interação entre estas duas instâncias mentais, e seu imbricamento é que provocaria a “'síntese
mágica', isto é, a concepção final do produto inovador.26”
A autora utiliza a concepção de Arieti para explicitar os aspectos do processo criativo
passíveis de trabalho em âmbito educacional. Neste sentido, a pesquisadora argumenta que
tudo o que acontece em termos de processo primário está fora do alcance do trabalho escolar,
pois diz respeito a articulações que possivelmente nem o próprio sujeito teria acesso
consciente. No entanto, justifica que aquilo que se encontra no âmbito dos processos
secundários pode – e deve – ser matéria de trabalho do ensino de arte. A partir desta
compreensão, a autora elabora uma definição de procedimento de criação (Duarte, 2001, p. 31)
e entende que além dos conteúdos da história das artes visuais, das técnicas materiais e das
questões conceituais de construção da imagem, das teorias de leitura das obras, há um
elemento fundamental no ensino: as poéticas artísticas, as quais são construídas pelos
procedimentos de criação.

23
DUARTE, 2001, p. 31
24
Ibid., p. 31
25
Psicanalista norte-americano
26
DUARTE, 2001, p. 31

175
Neste sentido, como sucintamente apresentado anteriormente, a pesquisadora define
procedimento como “sequências de ações propostas e executadas, atitudes adotadas, com
determinada finalidade.”27 e acrescenta a palavra criação em razão de estar tratando do campo
das artes visuais, onde criar é o cerne do campo de saber. Para fundamentar sua conceituação
ela utiliza a definição de Luigi Pareyson28 para poética, como sendo o “'caráter programático e
operativo' de um determinado programa de arte”, ou seja, diz respeito ao “modo, a
metodologia empregada nessa produção. Assim, ela relaciona o termo “poética” utilizado por
Pareyson à categoria “procedimentos de criação”, e propõe que passe a ser parte do
planejamento de ensino, passando a dar exemplos e organizando categorias de procedimentos
de criação29.
Pode-se dizer, a partir de Duarte, que o procedimento de criação não representa todo o
processo criativo, mas que todo processo criativo é composto por uma série de procedimentos
de criação, que juntos constroem partes consideráveis da poética do artista.
A partir desta definição de procedimento de criação, revejo os aspectos que Derdyk
ressalta ao apresentar artistas e obras. A autora mostra trabalhos dos artistas, apresentando
somente a maneira como ele usou a linguagem do desenho em determinadas situações, ou seja,
ela não apresenta um panorama geral da obra ou ressalta apenas as temáticas de cada um deles,
mas especialmente mostra, por imagens e informações verbais, os procedimentos de criação
utilizados pelos quatro artistas que analisa em Formas de pensar o desenho (1994).
Como quando fala sobre o desenho de Klee:
Nos desenhos de Paul Klee, a linha assume total autonomia
quanto ao seu poder de decisão ao se transformar em
personagens mutáveis. Personagens estas que representam a
natureza essencial da linha, a linha em estado puro.
A linha não se esforça em representar, referenciar o mundo
visível e material figurando seres, animais, objetos. A linha
simplesmente é.30

Portanto, entendo que neste caso o procedimento de


criação do artista tenha sido usar a linha de forma a não
subordiná-la ao contorno fidedigno das aparências da
realidade, mesmo quando a ideia era representar algo
Fig. 180: Paul Klee, 1938. figurativo. A citação acima encontra-se em uma página aonde
Fonte: DERDYK, 1994, p. 148
27
DUARTE, 2001, p. 31
28
PAREYSON, 1997, p. 15 e ss apud DUARTE, 2001, p. 33
29
DUARTE, 2001, p. 32-39
30
DERDYK, 1994, p. 148

176
também posiciona a figura 180.
O conjunto de imagens e texto constrói um tecido consistente para o professor entender
quais foram as operações do artista com o desenho. Durante todo o texto, como já citado, não
há menção sobre outras linguagens e técnicas usadas pelo artista, como suas pinturas a óleo, as
aquarelas ou as gravuras. Também não aparecem informações sobre a vida pessoal de Klee,
aspectos de sua saúde, mudanças de moradia ou coisas do gênero. Derdyk se concentra em
falar sobre os usos que este artista faz dos elementos da linguagem específica do desenho. Se
por um lado, o professor que conhece pouco o artista pode acreditar que sua obra se resume ao
desenho, por outro, não há dispersão com informações não se relacionam com o objetivo
principal da autora: falar do desenho nas artes visuais. Por entender que o material de Derdyk
dirige-se a uma introdução sobre o assunto, sem a pretensão de dar conta da amplitude de
possibilidades do conjunto das obras de cada artista apresentado, as “lacunas” de informação
podem ser interpretadas como estímulos à pesquisa sobre os mesmos e sobre outros artistas.
Junto com esta primeira estruturação da informação, Derdyk ainda acrescenta algumas
significações possíveis derivadas de tais procedimentos recorrendo a outros autores. Como,
por exemplo, quando traz Bergson citado por Merleau-Ponty (apud DERDYK, 1994, p. 152-3)
para falar da linha de Klee:
A linha ondulosa pode não ser nenhuma das linhas visíveis na figura, ela não está
mais aqui nem ali e, no entanto, dá a chave de tudo. Ela está no limiar desse
descobrimento importante e surpreendente de que não há linhas visíveis da figura,
que ela não está mais ali do que ali, de que nem o contorno da maçã, nem o limite do
campo está aqui ou ali, de que sempre está para cá ou para lá do ponto de onde se
olha, sempre entre ou por trás daquilo que se fita, indicadas, implicadas e mesmo
imperiosissimamente exigidas pelas coisas, sem que, todavia, sejam coisas elas
próprias. Pensava-se que elas circunscreviam a maçã ou a campina, porém a maçã e a
campina formam-se por si mesmas e descem ao visível como vindas de um velho
mundo pré-espacial... ora, a contestação da linha prosaica de modo nenhum exclui
toda a linha da pintura. Trata-se só de liberá-la, fazer reviver o seu poder constituinte
e é sem nenhuma contradição que a vemos reaparecer e triunfar em pintores como
Klee ou Matisse. Nunca, antes de Klee, havia-se deixado uma linha sonhar.

Ou ainda quando contextualiza o artista mostrando como tais procedimentos


implicaram em importantes mudanças históricas no campo das artes visuais, dizendo que “a
linha, por sua natureza conceitual, nos conduz a uma concepção de desenho como atividade
mental. Esta noção inusitada da linha coincide com toda a história da arte moderna em seu
esforço e empenho para desvencilhar-se do “ilusionismo”, adquirindo suas próprias
dimensões.”31

31
DERDYK, 1994, p. 152

177
Com relação ao trabalho com as significações derivadas do uso da linguagem e dos
procedimentos de criação, Barbosa (2002a) afirma que
a leitura do discurso visual, que não se resume apenas à análise de forma, cor, linha,
volume, equilíbrio, movimento, ritmo, mas principalmente é centrada na significação
que esses atributos, em diferentes contextos, conferem à imagem é um imperativo da
contemporaneidade. Os modos de recepção da obra de Arte e da imagem ao
ampliarem o significado da própria obra a ela se incorporam.
Não se trata mais de perguntar o que o artista quis dizer em uma obra, mas o que a
obra nos diz, aqui e agora em nosso contexto e o que disse em outros contextos
históricos a outros leitores.32

Entendo que a produção de significações a partir dos elementos citados redirecione não
só a leitura de imagens como a prática das crianças. Dentro desta lógica, ao invés de perguntar
“o que você acha ou sente sobre esta obra?” ou “qual a intenção do artista?”, pode-se
perguntar: “como a forma deste artista usar tal elemento gerou este ou aquele significado hoje
em dia? Será que na época em que a obra foi feita gera os mesmos significados?” ou “Por que
usar uma linha fina, delicada e clara implica em significados diferentes de se usar uma linha
grossa, escura e rústica para se fazer um retrato?” ou então, “Quais são os significados
possíveis das diferentes formas como algumas culturas representam o espaço de forma não
perspectivada?” E parece claro que estas questões possam se direcionar aos trabalhos práticos
das crianças.

Destaco, portanto, quatro movimentos que estruturam o discurso de Derdyk e que


sugiro servirem de base para um planejamento de ensino de artes visuais com foco no
desenvolvimento de aspectos técnicos, conceituais e procedimentos de criação na produção de
desenhos por parte das crianças. 1) Articulação entre informações verbais contextuais (podem
ser informações faladas e/ou escritas) e visuais; 2) apresentação das obras do artista apenas
dentro no enfoque/recorte desejado; 3) apresentação dos procedimentos de criação; 4)
atribuição de sentido a partir dos usos da linguagem, do contexto e dos procedimentos de
criação. Trata-se, então, de propor a prática de exercícios com base nestas operações. As
operações se mesclam e não necessariamente acontecem na ordem acima organizada, trata-se
apenas de uma tentativa de esclarecimento da estrutura por mim identificada e retrabalhada a
partir dos livros de Derdyk. A apresentação de significações não implica na imposição de
sentidos ou na aplicação do sentido “verdadeiro”, mas num direcionamento do olhar para que
as crianças possam aprender a extrair e/ou agregar informações às obras e criar significações a
32
BARBOSA, 2002a, p. 18-9

178
partir de tais informações. Isso não elimina significações temáticas ou de qualquer outra
ordem, destaco estas apenas por tê-las encontrado no material de Derdyk.
Acredito que o trabalho de ensino centrado nos procedimentos de criação diminuiria
uma relação com a arte pautada pela mistificação do ato criativo, pois poderia esclarecer
algumas das possibilidades sobre o processo de criação que não são explícitas para aqueles
que nunca se envolveram em processos desta natureza. Entendo que a mitificação ocorre
devido ao fato de que a omissão dos elementos e das ações envolvidas num processo criativo
pode reforçar a imagem do criar como ato privilegiado de alguns ou como ação inspirada,
isenta de esforço, de aspectos negativos e de trabalho sistemático e metodológico.
Neste sentido, Barbosa afirma que
para o Modernismo, dos fatores envolvidos na criatividade o de máximo valor era a
originalidade. Atualmente, a elaboração e a flexibilidade são extremamente
valorizados. Desconstruir para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecido
e modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade são processos criadores. 33

Trabalhar as questões do desenho tendo como referências os procedimentos de criação


que identifiquei nos livros de Derdyk pode não só ajudar a criança a resolver algumas de suas
dúvidas em relação às suas produções, como pode auxiliá-las, por exemplo, a perceber que
mesmo os adultos que trabalham com desenho passam por dificuldades e dúvidas para criar,
como Picasso, que realizou muitos estudos antes de definir quais seriam os desenhos finais de
seu mural Guernica. Ensinar diferentes procedimentos de criação pode contribuir para o
repertório técnico e poético da criança, para a complexificação de seus esquemas de desenho
e, principalmente, de suas habilidades criativas, pois poderá adquirir ações que extrapolem o
senso comum no uso da linguagem do desenho.
A sugestão de experimentar uma estratégia de ensino baseada em algumas das lógicas
do objeto de estudo, tendo como premissa e condição didática a construção de situações onde
as diversas formas de aprender sejam exercitadas, pode atender também uma reivindicação de
autores ligados ao campo da inclusão no ensino de artes, de que os conteúdos de artes visuais
sejam trabalhados de acordo com a natureza específica da área, principalmente porque, como
aponta Reily (2010), muitas vezes o conteúdo ministrado tem caráter terapêutico.

33
BARBOSA, 2002a, p. 18

179
Com base em nossa experiência profissional, atuando na educação especial no campo
da arte, consideramos que é possível afirmar que muitos dos programas de arte
desenvolvidos em contextos institucionais sofrem de um viés terapêutico. Nessa
perspectiva, o desenho e a pintura são utilizados como técnicas expressivas, como
instrumentos diagnósticos, como meios de desenvolvimento de coordenação manual,
voltados para trabalhar a autoestima e a socialização. Muitas vezes, a arte trabalha
como um braço da terapia ocupacional ou da pedagogia, dando suporte ao
treinamento em artesanato ou no desenvolvimento gráfico, tendo em vista a escrita na
sua dimensão motora, como vemos em Castro (2001). Não pretendemos, com isso,
criticar tais pesquisas, que, certamente, poderão subsidiar questões técnicas, inclusive
para o trabalho do professor de arte. Entretanto, é preciso incentivar a produção de
conhecimento que traga suporte para o professor de arte que atua com um alunado
altamente heterogêneo, de modo a servir de apoio para a escola no seu processo de
aprendizagem, sem o viés clínico.34

Sobre o conceito de inclusão adotado nesta proposição, ressalto a dificuldade de


definição em razão da natureza polissêmica do conceito, como Fonseca da Silva (2009)
aponta,
nessa variação de sentidos do termo inclusão, consolida-se uma mescla entre os
discursos oficiais e acadêmicos, os desejos do movimento social e das vozes das
pessoas com deficiência além do pensamento presente no senso comum.35

A polissemia é vista, portanto, como problemática por dificultar a precisão necessária


nas escolhas de objetos e sujeitos dos estudos. No entanto, dentre os vários sentidos que o
termo inclusão sugere, Anjos, Andrade e Pereira (2009) ao construírem uma leitura dos
discursos docentes coletados em sua pesquisa, ressaltam alguns conceitos básicos ligados à
presença de pessoas com necessidades especiais na escola formal e, dentre eles, a inclusão
aparece de dois modos diferentes: como processo e como produto. As autoras indicam que,
“ao ser definida como processo, inclusão implica tentativas, erros e acertos de todas as pessoas
envolvidas; ao ser definida como produto acabado, cabe às pessoas aceitá-la ou não.”36 No
primeiro caso, ao ser entendida como processo, é possível construir estratégias de mudança
para que a situação inclusiva melhore constantemente; já, ao ser concebida como produto, não
há possibilidade de transformação, somente de aceitação ou recusa. Neste sentido, esta
pesquisa entende a questão da inclusão como processo.
Portanto, como utilizar na prática a lógica de apresentação de material artístico
proposta por Derdyk para trabalhar simultaneamente questões sobre desenho vindas de
condições de aprendizagem tão diferentes? Construo sugestões baseando-me na estrutura
acima explicitada e tendo como metodologia a Proposta Triangular, ou seja, articulando fazer,

34
REILY, 2010, p. 90
35
FONSECA DA SILVA, 2009 p. 34-35
36
ANJO, ANDRADE E PEREIRA, 2009, p. 120

180
ler e refletir/contextualizar:
– Apresentar a obra do artista focalizando um ou mais dos procedimentos de criação que
ele utilizava (ou utiliza) para produzir os seus desenhos (apresentar somente estes
modos neste momento).
– Mostrar imagens que contenham os procedimentos de criação em questão e trabalhar a
compreensão dos mesmos a partir da leitura das imagens; ou agregar informações
verbais sobre os procedimentos vindas de fontes como textos críticos, relatos do
próprio artista, cartas, etc.
– Adicionar outras informações-chave (biográficas, técnicas, procedimentais, sociais,
históricas, etc) para a construção de significações por parte das crianças.
– Trabalhar a gama de significações derivadas dos procedimentos de criação
identificados.
– Realizar atividades práticas de desenho usando os procedimentos de criação estudados.
– Observar e conversar sobre as produções das crianças, apontando, dentre outras coisas,
as soluções técnicas e os procedimentos de criação que usaram.
Tais ações poderão ser realizadas em diversas condições de aprendizagem: exercícios
individuais, em duplas ou grupos, com ou sem consulta a imagens de livros ou internet (caso
haja acesso), com tempos de execução variados (quem terminar mais rápido poderá fazer mais
desenhos, quem demora mais, terá tempo garantido), com possibilidade de repetição do
exercício em casa (a depender das condições materiais e técnicas), tentando, na medida do
possível dentro da mesma atividade e das condições da sala, proporcionar variadas condições
espaciais para acomodar as crianças (desenhar em pranchetas sentados no chão, sentados em
bancos para desenhar apoiando-se nas mesas, com o papel grudado na parede para desenharem
em pé, em carteiras individuais, etc), entre outras necessidades que surgirem. Procurar acolher
e explorar ao máximo a potencialidade do uso corpo todo na construção do desenho e
considerar a gama de conteúdos vivenciais possíveis de atuação nos diferentes momentos de
desenvolvimento da criança. Isso implica em não exigir dela coisas que o professor perceba
que sua maturidade global ainda não permite. Outra estratégia que visa trabalhar
concomitantemente com crianças standards e portadoras de necessidades especiais é buscar no
grupo as significações que se pretende trabalhar usando vocabulário e conceitos acessíveis no
intuito de propiciar, no devido tempo, a compreensão de outros mais complexos. Nesse
sentido, acredito ser necessário, em determinados casos, perguntar as mesmas coisas de formas

181
diferentes e explicar os mesmos conteúdos de formas diferentes, quantas vezes forem
necessárias.
Penso numa estrutura básica para trabalhar com as condições que eu tinha na escola
aonde lecionava, como se eu fosse colocar em prática as sequências aqui explicitadas. Esta
proposta, por ter sido organizada e pensada para a experimentação e teste também de outros
professores, deverá ser adaptada às idades, às condições arquitetônicas e organizacionais da
classe, às condições materiais da escola e à quantidade de crianças de cada turma, assim como,
é claro, à necessidade especial apresentada pela criança. A ideia base é que os exercícios aqui
sugeridos possam atender as potencialidades, e não só aponte as limitações, de todas as
crianças da turma: as standards e as portadoras das necessidades especiais.
Um exemplo possível a partir de um artista trabalhado pela própria Derdyk são alguns
dos procedimentos de Saul Steinberg.

Fig. 181: Steinberg, s/ título (Cães), 1949-1954.


Fonte: SARAIVA, 2011.
Fig. 182: Steinberg, s/ título, s/ data.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 161

Fig. 183: Steinberg, s/ título, 1966.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 163

182
Penso numa sequência de atividades para exercitar seu procedimento de criação usando
rabiscos comuns na criação de paisagens, personagens e situações variadas. Essa operação é
apropriada à minha condição com crianças portadoras de necessidades especiais, pois o
rabisco é algo acessível a praticamente todas as crianças. Outro foco do trabalho é pensar
como esse procedimento, deste artista específico, traz um tom levemente cômico aos seus
desenhos. Tratam-se de dois aspectos: de um procedimento de desenho diferente daquele em
que se usa o contorno para criar uma forma e de uma operação conceitual com a linguagem:
usá-la para produzir imagens com tom cômico.
Os objetivos são, portanto, aprender a maneira como um artista consegue criar formas
por meio de rabiscos e não contornos; e aprender como essa maneira pode criar imagens com
tons engraçados, tristes, assustadores ou o que as crianças desejarem.
Não penso que haja uma faixa etária adequada para esta sequência, mas acredito que
seja necessário que as crianças já dominem a figuração, assim como consigam entender
operações de linguagem como a comicidade ou a ironia.
Os materiais e suportes podem ser lápis grafite e borrachas e folhas de papel de
tamanho A4 e A3. E será necessário um aparato didático para mostrar as imagens: reproduções
em tamanho proporcional ao original e grandes o suficientes para que a turma toda consiga ver
em roda, ou várias reproduções da mesma imagem para que vejam em grupos. Também é
possível usar um projetor.
Primeiramente, ao mostrar as imagens acima (que são apenas sugestões) eu orientaria a
conversa apontando os aspectos que desejo trabalhar: as formas criadas pelas linha nos
desenhos e que tipo de traço o artista usou para criá-las. Conversaria também sobre a data e
local de nascimento e morte do artista e do país - Estados Unidos - onde viveu a maior parte de
sua vida. Afinal, este aspecto geopolítico tem relação direta com suas obras. Trabalharia como
o artista se utiliza do recurso de rabiscos de modos diferentes para criar significados distintos,
como quando dá um tom cômico a algumas das imagens. Conversaria se todos concordam que
as imagens parecem um pouco engraçadas. “Por que será que consideramos engraçadas?”; “O
que faz com que não pareçam tristes ou assustadoras?”. Conversaria, por fim, sobre o sentido
de se criar e produzir significados a partir das artes visuais.
Depois, conversaria sobre os próprios rabiscos e as suas infinitas variedades; sobre o
fato dos rabiscos configurarem desenhos que todos conseguem fazer e repetiria os conceitos e

183
a proposta quantas vezes forem necessárias. Aqui já caberia uma atividade prática. Eu a
chamaria de “Coleção de Rabiscos”. Consistiria em produzir e organizar um arquivo de vários
tipos de rabiscos usando variados movimentos dos dedos, da mão, do pulso, do braço todo, da
mão que não escreve, enfim, uma coleta que possa servir inclusive para as atividades
seguintes. Os critérios de organização dos rabiscos arquivados também é algo que poderia ser
discutido com as crianças. As crianças portadoras de necessidades especiais com as quais
trabalhei seriam absolutamente capazes de produzir uma coleção de rabiscos sem que suas
diferenças e/ou limitações fossem um aspecto negativo. Os meus alunos com espinha bífida,
por exemplo, por terem de se posicionar de forma diferente das standards quando sentados ou
em pé poderiam produzir rabiscos que as crianças standards talvez não fossem capazes de
produzir.
Outras atividades derivadas da “Coleção” poderiam ser a proposição de diferentes
configurações imagéticas a partir de um ou mais tipos de rabiscos. Poderiam ser organizadas
várias aulas em que diferentes experiências seriam realizadas, provocando as crianças a
pensarem sobre quais formas em seus rabiscos implicam em sentidos cômicos, tristes,
assustadores e etc. A gradação de complexidade da construção das imagens é algo que deveria
ser avaliado pelo professor. Entendo que construir uma forma básica e isolada tende a ser mais
simples que a construção de uma paisagem detalhada, ainda mais quando se está exercitando
uma forma de desenhar que não é de domínio usual das crianças, por mais que elas geralmente
tenham vasta experiência em rabiscar. Creio que este procedimento de criação de Steinberg
seja interessante inclusive para trabalhar certos preconceitos sobre o rabisco ser “desenho de
bebê” (como eu costumava ouvir). Com esse artista, as crianças aprenderiam que rabisco é
desenho de todas as idades.
No desenvolvimento de diferentes rabiscos, várias habilidades seriam exercitadas e nas
conversas sobre as diferentes formas de usá-los com intenção de criar diferentes significados,
acredito que o professor estaria contribuindo para que as crianças compreendessem que fora
do campo das artes visuais, um simples rabisco pode ser entendido como algo banal, quase
invisível e sem valor, mas dentro deste campo é possível utilizá-lo para uma ampla gama de
significados. Para finalizar cada ciclo de produção, deveriam ocorrer conversas sobre os
processos e resultados, conquistas, dificuldades e aspectos a serem resolvidos nas próximas
atividades.
Dentre os outros muitos procedimentos de criação deste artista, outros dois citados por

184
Derdyk e passíveis de trabalhar com as mesmas condições que estou propondo são o uso de
carimbos na construção de figuras (fig. 184 e 18537) e a transformação dos elementos da
linguagem do desenho em entidades sólidas, carregadas de fisicalidade e vida (fig. 186).

Fig. 184: Steinberg, s/ título, 1954. Fig. 185: Steinberg, s/ título, 1954.
Fonte: SARAIVA, 2011. Fonte: SARAIVA, 2011.

Fig. 186: Steinberg, s/ título, 1952.


Fonte: <http://www.musees-strasbourg.org/sites_expos/steinberg/fr/mots.php>
Acesso em 21 de maio de 2012.

37
As figuras 185 e 186 fazem parte de uma série de desenhos que Steinberg realizou numa agenda de 1954 (Standard Daily
Journal, 1954). Foram publicadas pela primeira vez na revista serrote #1 (2009) e reproduzidas em SARAIVA, 2011.

185
Estas 3 últimas imagens podem ser os exemplos para trabalhar algumas questões sobre
desenho que eram frequentemente trazidas por meus alunos. Geralmente eram questões
relativas à representação mais realista de um determinado objeto ou situação. Uma destas
questões, geralmente trazida por crianças a partir dos 7 ou 8 anos, se referia às convenções do
desenho para fazer com que uma coisa ou personagem parecesse estar atrás de outra. Nas
figuras 184 e 185 é bem clara a forma como o artista interrompe o traço de um das figuras
para dar a impressão de que está atrás da outra. Essa estratégia, tão imediatamente lida mesmo
por crianças bem pequenas, não é tão obviamente transposta para os desenhos das crianças
porque o fato de reconhecerem visualmente a sobreposição de um objeto pelo outro não
implica em saberem como resolver esse problema na prática. A partir desta questão e das
imagens de Steinberg seria possível criar uma série de exercícios para experimentar como é
possível dar a impressão de que uma coisa está atrás da outra na representação bidimensional.
(Alguns de meus alunos com necessidades especiais percebiam essa estratégia de linguagem,
outras como os meninos autistas, não demonstravam perceber essa convenção nas imagens, o
que implica num trabalho de análise e conversa mais detalhada sobre essa convenção e
exercícios a partir de formas simples que eles consigam fazer, como círculos atrás de círculos
ou mesmo a partir de recortes de papel colorido, onde a relação de frente/atrás é concreta).
Em termos de estratégias de aprendizagem, estas práticas com carimbos, elementos e
convenções da linguagem permitiriam organizações de duplas e grupos para trabalho conjunto;
seria possível disponibilizar livros ou internet (caso haja acesso e condições de pesquisa no
ateliê de artes visuais da escola) para o empréstimo de ideias a partir de outras imagens, enfim,
usar as estratégias de aprendizagem e experimentação ao alcance das crianças ou aquelas que
o professor perceber necessárias. A classe poderia ser organizada com mesas individuais ou
agrupamentos. Seria possível desenhar com prancheta e sentar-se no chão ou até mesmo em pé
com o papel grudado na parede.
Desta forma, creio que estaria sendo proposta uma sequencia de atividades onde
algumas das potencialidades de todas as crianças seriam utilizadas.
Para continuar pensando em sequências a partir dos artistas que Derdyk usou em
Formas de pensar o desenho, proponho agora uma atividade a partir das questões levantadas

186
sobre Van Gogh. Essas atividades poderiam inclusive ser uma continuação ao trabalho com
Steinberg. O objetivo agora seria entender como Van Gogh criou espacialidades e diferentes
situações imagéticas numa mesma imagem a partir texturas, com poucas linhas de contorno.

Fig. 187: Van Gogh, s/ título, 1888.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 177

Fig. 188: Van Gogh, s/ título, 1888.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 176

Fig. 189: Van Gogh, Starry Night Stemennacht,


1889.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 174.

Nesta sequência seria necessário conversar, a partir da observação das imagens, sobre o
que são texturas e qual a diferença de produzir texturas e rabiscos. A apresentação do artista
incluiria, além de seus dados básicos de data e local de nascimento e morte, dizer que durante
sua vida – 1853 a 1890 – a fotografia já havia sido inventada (1826) e começava a se
desenvolver como forma de registrar a realidade. Este fato, estava começando a mudar a
função da pintura, que até então era uma das principais responsáveis por retratar o mundo. Só
este dado já seria conteúdo para uma série de conversas sobre o mundo de hoje – saturado de
imagens – e o mundo de antigamente, onde ter um retrato era artigo de luxo.
Aqui um primeiro exercício prático poderia ser, assim como na sequência proposta a

187
partir de Steinberg, brincar com a ideia de coleção de unidades gráficas bases para texturas.
Mas a diferença é que a textura implica numa repetição mais ou menos regular de um
determinado traço, diferente do rabisco, que pode ser mais irregular. “Como é que se constrói
uma textura gráfica?”; “Qual a diferença entre as texturas gráficas e a texturas naturais?”; “O
que se precisa fazer para criar uma textura?”; “Para quê elas podem servir no meu desenho?”,
seriam perguntas a serem feitas às crianças durante as conversas sobre as imagens e antes e
durante os primeiros exercícios práticos.
Para conversar sobre as diferenças de significação no uso de diferentes texturas seria
possível comparar os desenho de Van Gogh com aqueles em que Steinberg constrói a imagem
com texturas finas ou emaranhados densos, como por exemplo as figuras 190 e 191.

Fig. 191: Steinberg, Galinha, 1945.


Fig. 190: Steinberg, Casacos de pele, 1951. Fonte: SARAIVA, 2011.
Fonte: SARAIVA, 2011.

“Que tipo de gesto parece que Van Gogh precisou usar para fazer os diferentes tipos de
textura?”; “As texturas de Van Gogh passam uma sensação de quê para vocês?”; “E as de
Steinberg?”; “Agora vamos imaginar se Van Gogh tivesse feito esse mar todo de traços retos e
regulares, será que a impressão seria a mesma?”. Essas, entre outras, seriam perguntas a serem
feitas numa conversa sobre significação das obras com base nos procedimentos de criação
trabalhados. Os exercícios práticos consistiriam na construção de imagens com diferentes
graus de complexidade em que as crianças deveriam usar duas ou mais texturas para criar
diferenças nas formas sem precisar usar o contorno. Para pensar em diferentes significações,
seria sugerido que as crianças adaptassem alguns de seus próprios desenhos antigos para
recriá-los só com texturas. Outra possibilidade seria inventar uma adaptação de textura para o

188
desenho de um amigo. Caso fossem necessários referências de como configurar objetos,
personagens ou paisagens, estariam dispostos exemplos das mais diversas fontes: livros de arte
para adultos e para crianças, livros infantis ilustrados, internet (a depender das condições,
como anteriormente citado), gibis.
Aqui, como na sequência sobre Steinberg, as limitações das crianças com necessidades
especiais não necessariamente precisariam estar em evidência, já que este trabalho com
texturas requer esforços semelhantes aos da sequência de Steinberg. A repetição de traços
poderia ser proposta como um desafio.
Já sobre Picasso seria proposto, além do uso dos desenhos como registro dos próprios
processos no decorrer das aulas, por exemplo, de um semestre ou de um ano, a forma como ele
distorce as figuras e os elementos que as compõem. Seriam dois objetivos: entender como o
nosso próprio desenho pode ser a história dele mesmo, ou seja, como podem ser parte de uma
pesquisa e avaliação de como eles mudaram com o tempo; e como é possível criar expressões
humanas diferenciadas sem precisar reproduzir fotograficamente o rosto das pessoas.
O processo didático seria semelhante aos anteriores: observação de imagens;
apontamento dos procedimentos de criação; divulgação de informações biográficas ou
históricas a depender do exercícios a ser realizado; realização de diversas práticas, algumas
mais metódicas e técnicas, outras mais experimentais, e, ainda, conversas sobre as produções.
A partir da observação da sequência de esboços de Picasso para Guernica seria possível
discutir uma série de questões sobre como podemos aproveitar ideias de um desenho para
outro; sobre como o aprimoramento do desenho depende de exercitação e insistência, erros e
acertos, paciência, tempo, vontade; sobre como um bom desenhista não nasce de um dia para
outro; entre outras questões que envolvessem o que pode acontecer num processo de
construção de um trabalho de criação. Seria possível também criar uma espécie de arquivo
pessoal para guardar os desenhos durante um tempo previamente combinado e depois avaliar
todos juntos, verificando quais foram as mudanças observáveis e o que ainda precisa ser
melhorado.

189
Fig. 192: Picasso, estudos para Guernica, 1937.
Fonte: DERDYK, 1994, p. 184

Fig. 193: Picasso, estudo para


Guernica,1937.
Fonte:Disponível em
<http://www.lasalle.es/santander
apuntes/arte/siglo_xx/pintura/picasso/leyenda/g
uernica /guernica_bocetos.htm > Acesso em 22
de maio de 2012.

Fig. 194: Picasso, estudo para Guernica,1937.


Fonte:Fonte:Disponível em
<http://www.lasalle.es/santander
apuntes/arte/siglo_xx/pintura/picasso/leyenda/guern
ica /guernica_bocetos.htm > Acesso em 22 de maio
de 2012.

Fig. 195: Picasso, estudos para Guernica, 1937.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 185

Fig. 196: Picasso, estudo para Guernica, 1937


Fonte: <http://100swallows.wordpress.com/2010/07/
05/picassos-guernica/ > Acesso em 22 de maio de 2012.

Fig. 197: Picasso, estudo para Guernica,1937.


Fonte: Disponível em <http://www.lasalle.es/santander
apuntes/arte/siglo_xx/pintura/picasso/leyenda/guernica
/guernica_bocetos.htm > Acesso em 22 de maio de 2012.

190
Fig. 198: Picasso, estudo para Guernica,1937.
Fig. 199: Picasso, estudo para Guernica,1937.
Fonte:Disponível em <http://www.lasalle.es/santander
Fonte:Disponível em <http://www.lasalle.es/santander
apuntes/arte/siglo_xx/pintura/picasso/leyenda/guernica
apuntes/arte/siglo_xx/pintura/picasso/leyenda/guernica
/guernica_bocetos.htm > Acesso em 22 de maio de 2012.
/guernica_bocetos.htm > Acesso em 22 de maio de 2012.

Fig. 200: Picasso, estudo para Guernica, 1937.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 188.

Fig. 201: Picasso, estudo para Guernica, 1937.


Fonte: DERDYK, 1994, p. 189.

Fig. 202: Picasso pintando Guernica.


Fonte: Disponível em <http://cultura.elpais.com/
cultura/2012/05/09/actualidad/1336593232_046008.
html > Acesso em 22 de maio de 2012.
191
Na observação destes esboços (Fig. 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200 e 201)
seriam questionados aspectos como: “Que figuras Picasso aproveitou de um desenho para
outro?”; “Como ele misturou as figuras para compor imagens mais complexas: sobrepôs,
recortou, copiou? É possível perceber isso só olhando para os desenhos?”; “O que ele faz com
as figuras para que elas expressem os horrores do bombardeio da cidade de Guernica?”;
“Como um artista pode influenciar a comunidade em que vive?”.
Em relação às expressões faciais construídas para este quadro (Fig. 203), as perguntas
a serem feitas ao comparar os retratos seriam: “Qual é a expressão do rosto nestas pinturas?”;
“O que faz com que nesta pintura a pessoa retratada pareça triste ou desesperada se ela não é
feita de elementos iguais à realidade?”
É possível também exercitar expressões faciais com as crianças, atentando para os
detalhes na face que fazem com que pareçamos felizes, bravos, tristes, irritados, desesperados,
assustados, etc. E como essas expressões podem ser lidas de maneiras diferentes de pessoa
para pessoa. Outra ideia é comparar as obras de Picasso com obras realistas e conversar sobre
quais as diferenças de efeito de se tratar as expressões humanas de modos tão diferentes.
Depois exercitar graficamente diferentes recursos de linguagem para criar rostos com
expressões diferentes.
Um outro exemplo que Derdyk traz e
que pode ser adaptado ao uso simultâneo
com crianças standards e portadoras de
necessidades especiais é a organização das
imagens que a autora propõe no Índice
Iconográfico do livro Desenho da Figura
Humana (1990). Uma ideia seria a
realização de variados trabalhos de leitura
de imagem comparando as diferentes
formas de representar o ser humano nas
Fig. 203: Picasso, estudos para Guernica, 1937. diferentes culturas e épocas38, que poderiam
Fonte: Disponível em <http://www.institutojoaogoulart.org.br/
noticia.php?id=5617 > Acesso em 22 de maio de 2012. gerar discussões sobre diferenças culturais
e individuais e exercícios, para dar apenas um exemplo, onde as crianças desenhariam o corpo
humano sob diferentes critérios e lógicas (como pensar o que a criança precisaria adaptar em
sua forma de desenhar uma figura humana se o critério fosse desenhá-la toda quadrada; ou
38
Como apresentado no capítulo 3.2.

192
como seu desenho ficaria se a brincadeira fosse trocar as partes do corpo de lugar).
Uma outra opção seria trabalhar diferentes critérios de organização das imagens e depois
discutir os critérios construídos pelas crianças. Após o exercício de leitura, e construção de
conceitos, os critérios levantados poderiam gerar novos exercícios práticos de desenho. Então,
por exemplo, se um conjunto de imagens é organizado porque todas apresentam figuras de
animais e o outro é unido porque apresentam a cor amarela em cada imagem, a tarefa prática
pode ser a observação do que é diferente na forma como cada imagem representa o animal.
Depois, experimentar imitar algumas dessas formas de representação. No caso da cor amarela,
como ela é usada em cada imagem? Qual sua função? Como eu posso criar diferentes funções
para uma mesma cor no meu desenho? Esse pode ser o desafio, a ser realizado a partir de
desenhos novos ou de antigos.
Este tipo de exercício demanda o preparo de materiais pedagógicos específicos como
reproduções das imagens em quantidade e qualidade suficientes para que os grupos possam
manuseá-las.
Por fim, construo um exemplo de atividade cujo objeto seria apresentar conhecimentos
sociais sobre a linguagem do desenho: mostrar que o desenho serve para várias coisas na nossa
sociedade. E que o modo como ele é feito muitas vezes tem a ver com o seu uso. Uma
atividade que poderia começar com exercícios de leitura de imagens. Mostraria, por exemplo,
como o desenho técnico da arquitetura e da engenharia precisa de determinadas qualidades que
não fazem o menor sentido no desenho de botânica. De como o esboço feito por um
coreógrafo contém qualidades e códigos que não serão compreensíveis para um astrônomo que
usa o desenho para registrar o posicionamento das estrelas.
O exercício prático poderia ser a experimentação do desenho a partir de uma dessas
lógicas. Pensando na linguagem com uma lógica que não a da arte. Então como seria pensar o
desenho na matemática? E na geografia? E na história? Como poderíamos inventar uma lógica
diferente da que estamos acostumados para criar uma série de desenhos?
Conversar sobre o fato de que um determinado procedimento de criação pode fazer
muito sentido dentro da lógica de um artista ou de uma área de conhecimento e não de outra.
Neste sentido, como já citado, propor que todos trabalhem a partir de uma premissa presente
na criança com necessidades especiais pode ser uma forma de fazer com que os outros
entendam um pouco do lugar daquela criança. Entendam suas estratégias de pensar e desenhar.
Então, como seria se comunicar sem falar (como minhas crianças autistas), só pelo desenho?

193
Como seria desenhar com a outra mão? Ou se movimentar de olhos vendados? Ou entender
uma instrução sem ouvi-la, apenas visualmente?
Retomando o princípio da complexidade de Morin, é pensar em metodologias que
integrem as dicotomias, reconhecendo intuição e razão como partes de um mesmo processo de
construção e não como entidades estanques e separadas; considerando que a razão pode ser
parte fundamental do processo de construção artística assim como a criatividade pode ser uma
parcela indissociável do processo de criação científica.
Trata-se ao menos de reconhecer o que é sempre silenciado nas teorias da evolução: a
inventividade e a criatividade. A criatividade foi reconhecida por Chomsky como um
fenômeno antropológico de base. É preciso acrescentar que a criatividade marca
todas as evoluções biológicas (...) (MORIN, 2007, p. 53)

Assim não se trata somente de adaptar as metodologias de ensino para que esses
sujeitos acessem os conhecimentos produzidos pelos “normais”, mas também de adaptar as
metodologias “normais” para que possamos acessar conhecimentos produzidos pelas
diferentes perspectivas. Creio que o material de Derdyk, apesar das dissonâncias internas, ao
ser aproximado à Proposta Triangular e aos procedimentos de criação das artes visuais, pode
constituir um caminho a ser trilhado na construção de estratégias de ensino de desenho que,
além de lidar com as dúvidas e dificuldades em relação ao desenhar, trabalhem com as
potencialidades tanto das crianças standards como das portadoras de necessidades especiais.

194
■∙■∙■
CONSIDERAÇÕES FINAIS
■.■.■

Nesta pesquisa analisei dois livros da artista e educadora paulistana Edith Derdyk.
Dentre as publicações da autora, selecionei Formas de pensar o desenho (1994) e Desenho da
figura humana (1990) devido ao fato de serem os livros mais conhecidos e usados pelos
professores da Educação Básica. Nestes livros, Derdyk, além de explicitar sua concepção
sobre o desenvolvimento do desenho infantil, expõe sua maneira de compreender a linguagem
do desenho e discorre sobre seu uso nas artes visuais direcionando-se especialmente ao
público docente. Em Formas de pensar o desenho (1994), a autora apresenta uma concepção
de desenho que abarca sua potencialidade como instrumento de construção de conhecimento
para as artes, para a técnica e para as ciências. Derdyk também discorre detalhadamente sobre
sua concepção de desenvolvimento do desenho infantil e sobre como entende a influência da
escolarização neste processo. A autora conclui esta publicação com exemplos de como o
desenho foi e pode ser utilizado no campo das artes visuais. Em Desenho da figura humana,
apesar de manter e expandir a ideia de desenho como linguagem para as artes, a técnica e as
ciências, Derdyk enfatiza o gênero específico de representação que dá título ao livro. A ênfase
no desenho da figura humana se estende inclusive ao trecho em que discorre sobre o desenho
infantil. Nesta obra, a autora trabalha o percurso gráfico da criança focando-se
especificamente na maneira como ela constrói a representação da figura humana. Um dos
pontos em comum entre as duas publicações é o amplo uso que Derdyk faz de imagens das
mais variadas fontes na construção de seu discurso. Ao longo de minha análise considerei esse
conjunto de imagens um consistente repertório inicial para o professor.
A investigação realizada na pesquisa se deu por meio da construção de duas categorias
de análise referentes a duas instâncias do processo de ensino e aprendizagem. Em fatores

195
promotores das mudanças nos desenhos infantis, categoria relacionada ao âmbito da
aprendizagem, analisei o que Derdyk compreende como os elementos provocadores das
transformações gráficas nas produções das crianças. Na categoria de análise referente ao
conteúdo de ensino de desenho e artes visuais - usos de imagem e informações -, analisei as
maneiras com as quais Derdyk relaciona imagem e texto em ambos os livros e quais os tipos
de informações que a autora agrega ou extrai das obras que utiliza e comenta no decorrer das
publicações.
O que observei durante a análise foi a presença de uma dissonância interna em cada
categoria.
Sobre os fatores promotores das mudanças nos desenhos infantis, pude apontar, a partir
de autores como Iavelberg (1995 e 2008) e Wilson e Wilson (1987 e 1997), que Derdyk
compreende os fatores externos (os socioculturais) como necessária influência no desenhar
infantil. Mas, em consonância com autores como Arnheim (1954/1997) e Mèredieu
(1974/2004), Derdyk valoriza especialmente os fatores internos (os perceptivos, motores e
psíquicos) no desenvolvimento gráfico da criança, chegando a verbalizar certa negatividade
em relação aos fatores socioculturais. Interpretei que essa simultaneidade de reconhecimento e
negação de Derdyk em relação a influência de fatores externos, pode gerar uma visão de
desenho infantil que relacionei ao que autores como Rizzi (2008) e Barbosa (2002 e 2008)
chamam de espontaneísmo no ensino de arte. A corrente espontaneísta tende a acreditar que a
criança já possui toda (ou quase toda) criatividade que necessita para a construção de seus
desenhos e que qualquer influência externa irá atrapalhar seu fluxo criador espontâneo e
original, tornando-a uma mera reprodutora de modelos. Penso que essa contradição poderia ser
diminuída caso a autora alertasse aos seus leitores que, apesar do reconhecimento dos fatores
externos, seu foco se encontra na investigação dos fatores internos de influência.
Na segunda categoria de análise, indiquei que Derdyk relaciona imagem e texto de
forma a potencializar os dois recursos discursivos. Mostrei que a autora cria significados na
inter-relação entre discurso verbal e o visual que ultrapassam o uso literal de uma imagem
como mera ilustração do texto, ou deste como mera legenda descritiva da imagem. Um
exemplo desta construção de significados são as figuras 154 e 155, que mostram uma dupla de
páginas do livro Formas de pensar o desenho (1994) onde Derdyk posiciona lado a lado, em
meio a um texto sobre o desenvolvimento do desenho infantil, uma fotografia do artista
Jackson Pollock trabalhando e três desenhos infantis cujas aparências se assemelham a pintura

196
que o artista está realizando na fotografia. Neste exemplo, a maneira de Derdyk organizar o
conteúdo verbal e o visual foi por mim interpretada como uma espécie de afirmação de que o
desenho infantil pode ter a mesma natureza artística da prática adulta com arte. Esta concepção
eu refutei argumentando, baseada em Duarte (1995-2011) e Wilson e Wilson (1997), que o
caráter do desenho infantil, sendo fundamentalmente comunicacional, é muito diverso da
natureza da prática artística adulta.
Além de apontar as maneiras como Derdyk tece a relação entre discurso verbal e visual,
eu analisei os vários tipos de informações que a autora relaciona às imagens. Construí
basicamente dois grandes grupos de dados: os externos e os internos às imagens. Os dados
externos referem-se àquelas informações nem sempre diretamente encontradas na
materialidade da obra, como os usos sociais do desenho, dados biográficos e profissionais dos
artistas e dados históricos e sociais do contexto em que a obra foi criada. Já as informações
que denominei de internas referem-se àquelas que o fruidor pode geralmente obter ou construir
no contato direto com a imagem, como dados materiais e técnicos perceptíveis a partir da
observação, questões conceituais e interpretações pessoais elaboradas pelo fruidor, e,
finalmente, as ações criativas empreendidas pelos artistas na concretização das obras e
perceptíveis na imagem finalizada. Esta categorização das informações não pretendeu ser
demasiadamente rígida ou diretiva, pois, compreendo que a fonte das informações atreladas a
uma imagem varia imensamente. Neste sentido, um dado externo à obra como um evento
histórico, pode estar presente em sua materialidade na forma da temática representada, assim
como um dado interno, como alguns aspectos técnicos, pode precisar ser pesquisado em fontes
além da própria obra.
A estruturação dos conteúdos sobre desenho e artes visuais elaborada por Derdyk foi
por mim relacionada às propostas contemporâneas de ensino de artes visuais como a Proposta
Triangular de Barbosa (2002 e 2008). Entretanto, entendi como dissonância o fato de Derdyk
não sugerir que tal estruturação seja usada para o ensino das crianças, apenas para a formação
dos professores.
No decorrer de minha análise identifiquei que a soma das duas dissonâncias gerava
uma terceira, que formulei como a coexistência de uma visão modernista sobre a criança e seu
desenho e, ao mesmo tempo, uma visão mais contemporânea dos objetos de conhecimento
desenho e artes visuais.
Relacionei o entendimento da criança como alguém portador de uma criatividade

197
intocada e corrompível pela sociedade e cultura com uma das características do modernismo
no ensino de arte no Brasil, a partir das formulações de Rizzi (2008) e Barbosa (2002 e 2008).
Este aspecto transparece, também, como um receio de se usar imagens para o ensino de artes
visuais. Além destes dois elementos, o uso de perspectivas teóricas oriundas da psicologia para
justificar algumas das mudanças no desenho infantil é outra característica, segundo Barbosa
(2008), relativa às perspectivas modernistas de ensino de arte no Brasil.
No entanto, considerei que o problema não se apresentava na coexistência entre
posicionamentos teóricos de correntes diferentes do pensamento em ensino de arte, mas na
manutenção de algumas concepções que entendi como insuficientes para as atuais
circunstâncias culturais e conceituais de trabalho com as crianças. Um exemplo seria o uso,
por parte das crianças, de referências midiáticas na construção de seus desenhos. Questionei
como seria hoje tentar evitar que as crianças desenhem com base nestas referências culturais.
Nos dias atuais parece-me ingênuo simplesmente ignorar a influência da profusão de exemplos
na TV, nos gibis e em tutoriais de internet que ensinam com precisão como se faz qualquer
tipo de coisa.
A partir de Teixeira Coelho (1995) pude sugerir que essa concomitância de visões
nomeáveis como modernistas e contemporâneas talvez possa ser entendida como a própria
condição da vida contemporânea, condição na qual perspectivas divergentes, e por vezes
contraditórias, conviveriam no mesmo espaço sem que a existência de uma significasse,
necessariamente, a exclusão da outra. No entanto, entendi que para o professor-leitor das obras
de Derdyk essa coexistência de divergências pode implicar numa confusão em relação ao
papel do docente no processo de ensino-aprendizagem. Especialmente porque na perspectiva
modernista, a concepção de criança e da sua aprendizagem implica no posicionamento do
professor como um mero acompanhante ou, na melhor das hipóteses, como um organizador de
condições espaciais e materiais para que o processo natural de desenvolvimento infantil se dê
de forma fluida e plena. Já na visão mais contemporânea, o professor é uma peça fundamental
no processo de ensino e aprendizagem, pois entende-se que a criança necessita das interações
socioculturais para se desenvolver.
À parte das dissonâncias, identifiquei uma série de concepções relevantes à formação
do professor, seja ele um especialista em artes visuais ou um generalista. A primeira delas é o
consistente material de referência verbal e visual para a aprendizagem do desenho e das artes
visuais. Considerei a compilação realizada por Derdyk em ambos os livros analisados como

198
um excelente ponto de partida sobre este campo do conhecimento, especialmente em razão de
Derdyk não ter utilizado somente imagens do universo cultural europeu ou norte-americano,
mas interligando referências das mais diversas fontes culturais, sociais e temporais. Outro
aspecto que apontei como importante em relação às referências que a autora traz é que seu
conceito de desenho não o trata como uma área para especialistas, mas como um instrumento
de conhecimento com uma maneira específica de operar. Essa concepção pareceu-me muito
apropriada para se refletir sobre o modo como as escolas formais encaram o ensino e o uso do
desenho em suas diversas disciplinas.
Sendo o desenho um instrumento de conhecido uso em variados campos do saber, a
escola poderia criar espaços de ensino de desenho que se direcionassem às especifidades dos
usos em cada disciplina. Neste sentido, as ciências biológicas poderiam se responsabilizar pelo
ensino de estratégias de representação gráfica relevantes às suas práticas de registro e
sistematização de conhecimento; na área de línguas, o trabalho com criação de estórias
ilustradas poderia englobar a relação entre imagem e palavra e ensinar estratégias de interação
entre essas duas linguagens. Enfim, apenas exemplos de como cada disciplina requer
qualidades específicas do desenho e cuja amplitude de estratégias creio não poder ficar
somente sob a responsabilidade das aulas de artes visuais. Esta disciplina, como Derdyk
demonstrou, tem maneiras específicas de utilizar o desenho como ferramenta de conhecimento
e criação e sua aprendizagem, segundo Duarte (2001), envolve procedimentos que podem e
devem ser ensinados às crianças.
Ainda dentro da concepção de desenho, apontei a maneira de a autora tratar os aspectos
da linguagem gráfica sem valorizar exclusivamente a representação fidedigna da realidade,
como quando explicita a potência de significação dos elementos da linguagem por si, mesmo
quando não figuram nada. Essa valorização dos elementos de linguagem pode ser interessante
para ampliar as concepções acerca do desenho das pessoas que não possuem contato muito
aprofundado com o assunto. Ressalto, então, que mostrar o desenho como algo mais do que
um retrato fotográfico pode ser um dado extremamente básico para os professores
especialistas, mas algo revelador aos professores generalistas.
No entanto, interpretei que o fato de Derdyk minimizar o aspecto representativo do
desenho, inclusive do desenho infantil, pode dar a entender que esse não seja um aspecto
importante para o desenho da criança ou que não deva ser incentivado pelos professores,
constituindo-se apenas como uma má influência recebida dos adultos e da mídia. Refutei esta

199
ideia, baseando-me em autores como Luquet (1927/1969), que afirma que a criança desenha
propositalmente de forma realista, e Duarte (2008a), que afirma que a criança o faz porque
quer se comunicar e quer aprender sobre o mundo que a cerca. Neste sentido, considerei que
minimizar o potencial representativo e figurativo do desenho infantil pode ser negar-lhe uma
característica básica e necessária a seu desenvolvimento.
Outra ideia que considerei relevante foi a maneira como Derdyk propõe a atuação
integral do corpo da criança em suas construções gráficas. Compreendi, com auxílio de Morin
(2007), que essa visão integradora pode ser uma tentativa de minimizar a clássica dicotomia
mente X corpo.
Uma concepção igualmente determinante referiu-se à sua sistematização do
desenvolvimento do desenho infantil em conteúdos vivenciais. Considerei importante Derdyk
ter apontado aos professores que o desenho da criança é transformado por suas vivências tanto
quanto a criança pode ser transformada pela prática do desenho. Neste domínio importa
salientar a consideração da autora a respeito de que os conteúdos vivenciais não ocorrem numa
ordem etária preestabelecida, podendo ocorrer, inclusive, que um mesmo conteúdo vivencial
reincida em faixas etárias diferentes. Assim como conteúdos vivenciais diferentes podem
suceder numa mesma época da vida da criança. Ponderei apenas que essa maneira de pensar o
desenvolvimento do desenho infantil implica no conhecimento de uma ampla gama de
aspectos da vida de cada criança, o que considerei algo potencialmente impossível ao
professor especialista em artes visuais. Isto porque ele é, frequentemente, responsável por
trabalhar com um grande número de alunos e em curtos períodos de tempo. Além desta
questão, penso que trabalhar com o desenhar infantil através das possíveis vivências geradoras
de conteúdos nas crianças, pode direcionar a leitura do professor em relação às produções
infantis, a interpretações de cunho excessivamente psicológico. Compreendi esse
direcionamento como algo problemático considerando a frequente ausência de formação
especializada na área da psicologia por parte do professor.
Gostaria de indicar a maneira como Derdyk expõe as ações e obras de artistas como
algo notadamente relevante. Percebi nesta exposição algo muito diverso de outros livros de
ensino de arte pois traz ao professor elementos específicos da prática artística, como por
exemplo, a noção de “coeficiente artístico” do artista Marcel Duchamp. Compreendo que a
explicitação destas especificidades dos processos criativos em artes visuais são extremamente
úteis à formação dos professores, pois entre outros benefícios, desmistificam o fazer artístico.

200
Necessário acrescentar que Derdyk recomenda enfaticamente ao professor, especialmente no
que diz respeito a prática do desenho que ele mantenha a sua própria produção artística.
Após a análise dos dois livros nas duas categorias e pensando o ensino de desenho com
base nas referências fornecidas por Derdyk, adaptei a estrutura de apresentação que a autora
utiliza em relação aos conteúdos sobre desenho e artes visuais para criar estratégias de ensino
para crianças. Utilizei como questão central a ser trabalhada a concepção de procedimentos de
criação formulada por Duarte (2001). Relacionei este conceito de Duarte (2001) àquilo que
Derdyk entende como as ações que os artistas realizam para construir suas obras.
Desta maneira, acredito ter construído estratégias de ensino de desenho e artes visuais
para crianças que, além de trabalhar as dúvidas e dificuldades em relação ao desenho,
pudessem potencializar numa mesma estratégia de ensino as capacidades de crianças
standards e das portadoras de necessidades especiais. Neste processo, torna-se condição sine
qua non considerar as potencialidades e limitações de aprendizagem e criação de todas elas.
Esta complexa simultaneidade de condições de aprendizagem que vivi na prática docente foi a
geradora da questão central desta pesquisa: como pensar em estratégias de ensino alternativas
que pudessem contribuir concomitantemente com a diversidade de dúvidas e dificuldades que
crianças standards e portadoras de necessidades especiais apresentam em relação aos seus
desenhos.
Acredito que, com esta pesquisa, para além da análise e revalorização da obra de
Derdyk, pude sugerir a possibilidade de estratégias de ensino que possam levar para a sala de
aula de artes visuais aquilo que Brent Wilson e Marjorie Wilson denominam “a útil carne da
arte”. Creio que um trabalho de divulgação dos resultados desta pesquisa dentre professores da
rede básica poderia proporcionar uma saudável aproximação entre a realidade da academia e a
concretude da sala de aula da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Trata-se de uma
aproximação de realidades que considero fundamental para a melhoria do ensino brasileiro.
Acredito que minha sugestão de pensar estratégias de ensino baseadas na estruturação
de Derdyk, enfatizando o que Duarte (2001) chama de “procedimentos de criação” tanto na
leitura das obras quanto nas propostas práticas, pode contribuir de modo a ensinar as crianças
as maneiras específicas do campo das artes visuais operarem a linguagem do desenho. Creio
que o desvendamento dessas estratégias provavelmente ampliarão ideias e poderão contribuir
com o desenho das crianças.
Como sugestão para pesquisas futuras gostaria de apontar:

201
1. A estruturação de uma pesquisa prática de avaliação de minha proposição de
estratégias de ensino para averiguar sua validade, viabilidade e realização dos ajustes
certamente necessários para a plena concretização de seus objetivos pedagógicos.
2. Uma pesquisa que comparasse as concepções teóricas de diversos autores (nacionais
e/ou internacionais) que versam sobre o desenho infantil. Acredito que uma pesquisa desta
natureza poderia auxiliar o professor a perceber as possibilidades teóricas existentes e, diante
deste quadro, escolher quais teorias poderiam melhor apoiá-lo em sua prática docente.
3. A organização de diálogos com artistas – como aquele que eu lastimo agora não ter
realizado com Edith Derdyk – a fim de que seus processos de criação, na medida do possível,
e especialmente seus procedimentos de criação possam ser divulgados e utilizados como
estratégias de ensino e aprendizagem nas salas de aula de artes visuais.
Creio finalmente, que foi a experiência como artista que proporcionou à Edith Derdyk a
qualidade dos conteúdos sobre desenho e artes visuais construídos. Essa qualidade fruto da
experiência, mesmo com as dissonâncias que apresentei, oferece uma perspectiva tão aberta do
conteúdo de ensino de artes visuais que tornou possível a construção das estratégias de ensino
que propus.

202
■∙■∙■
Referências Bibliográficas
■.■.■

AGUIRRE, Imanol. Teorías y prácticas en educación artística – Ideas para una revisión
pragmatista de la experiencia estética. Barcelona: Ediciones Octaedro/EUB – Universidad
Pública de Navarra, 2005.

ANDRADE, Mario de. Do desenho. In Aspectos das artes plásticas no Brasil. São Paulo:
Martins, 1965. Texto divulgado pela primeira vez, na Revista do Sphan em 1937. Informação
extraída de http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?
fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=2723&cd_item=2&cd_idioma=28555> Acesso em
17 de abril de 2012

ANJOS, Hildete Pereira dos; ANDRADE, Emmanuele Pereira de; PEREIRA, Mirian Rosa. A
inclusão escolar do ponto de vista dos professores: o processo de constituição de um discurso.
In Revista Brasileira de Educação. Campinas/SP: Autores Associados. v.14, nº 40, p. 116-
140 jan/abril 2009.

ARTIGAS, Vilanova. O desenho. In Sobre desenho. São Paulo: FAU/USP, 1975. Versão on
line disponível em <http://www.g-arquitetura.com.br/odesenho.html>. Acesso em 24 de
março de 2012.

ARNHEIM, Rudolf. [1954] Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São
Paulo: Pioneira e Ed. da Universidade de São Paulo,1997. 11a ed. Trad. Ivonne Terezinha de
Faria.
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: Anos oitenta e novos tempos. 5ª São
Paulo: Perspectiva, 2002. 134 p. (Col. Estudos). Dir. por J. Guinsburg.
___________________. As mutações do conceito e da prática. In BARBOSA, A.M.(org.)
Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo, Cortez, 2002a.
___________________. Entre Memória e História. In: BARBOSA, Ana Mae (org.) et al.
Ensino da arte: memória e história. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 1-26. (Col. Estudos).
Dir. por J. Guinsburg.
BOIS, Yves-Alain. A Pintura como Modelo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. Trad.
Fernando Santos (Col. Mundo da Arte)
COELHO, Teixeira. Moderno Pós Moderno: Modos & Versões. 3ª São Paulo: Iluminuras,
1995. 227 p.
COUTINHO, Rejane Galvão. Mário de Andrade e os Desenhos Infantis. In BARBOSA, Ana
Mae (org.) et al. Ensino da arte: memória a história. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 1-26.

203
(Col. Estudos). Dir. por J. Guinsburg.

DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho – desenvolvimento do grafismo infantil. São


Paulo: Scipione, 1994.

______________. O desenho da figura humana. São Paulo: Scipione, 1990.

______________. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. 4.ed.


Rev. Ampl. Porto Alegre, RS: Zouk, 2010.

DUARTE, Maria Lucia Batezat. O desenho do pré-adolescente: características e tipificação.


Dos aspectos gráficos à significação nos desenhos de narrativa. Tese (Doutoramento) –
ECA/USP, São Paulo, 1995.

_________________________. Arte, ensino e procedimentos de criação. Tuiuti: Ciência e


Cultura, n. 23, FCHLA 03, p. 27-42, Curitiba, out. 2001.

_________________________. O desenho como elemento de cognição e comunicação:


Ensinando crianças cegas. In PORTO, Tânia M. Esperon. (org) Sociedade, democracia e
educação: Qual universidade? ANPEd, GT16, Goiânia: UFG, 2004. pp. 109-126.

_________________________. Representação, categoria cognitiva e desenho infantil. In:


ROCHA, Cleomar (Org) Anais do 15° encontro Nacional da ANPAP Arte: limites e
contaminações. Salvador: ANPAP, 2007. p.468-481.

_________________________. Sobre o desenho infantil e o nível cognitivo de base. In


OLIVEIRA, S.R.R.; MAKOWIECKY, S. (Org.)Anais do 17° Encontro Nacional da ANPAP.
Florianópolis: ANPAP/ UDESC, 2008a.

_______________________. A imitação sensoriomotora como uma possibilidade de


aprendizagem do desenho por crianças cegas. In Ciências & Cognição, v. 13, n.2, p. 14-26.
2008b. Disponível em <
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/article/view/211 > Acesso em 23 de
maio de 2012.

_______________________. Desenho infantil e pesquisa: fundamentos teóricos e


metodológicos. In: Anais do 19º CONFAEB - Congresso Latinoamericano e Caribenho de
Arte/Educação e Encontro Nacional de Arte/Educação, Cultura e Cidadania. Escola de Belas
Artes: UFMG, Belo Horizonte, 2009.

_______________________. Desenho infantil e cognição: um estudo sobre as propriedades


formais dos objetos e a elaboração de categorias cognitivas. In: MENDES, G. M. L;
FONSECA DA SILVA, M. C. da R. (orgs.) Educação, arte e inclusão: trajetórias de
pesquisa. 1ª ed. Florianópolis: Ed. da UDESC, 2009b.

_______________________. Desenho infantil e seu ensino a crianças cegas: razões e


métodos. Curitiba – PR: Editora Insight, 2011.

204
FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
FONSECA DA SILVA, M.C.da R. Ensino de arte e inclusão: um recorte metodológico a
partir de uma pesquisa com professores de arte. In: FONSECA DA SILVA, M.C. da R.;
MAKOWIECKY, Sandra (Org.). Linhas Cruzadas: Artes Visuais em Debate. Florianópolis:
Ed. da Udesc, 2009. p. 31-53.

_________________________. Os processos artísticos das pessoas com deficiência: o


que nos diz a escola? In Anais do 18º Encontro da ANPAP - Transversalidades nas Artes
Visuais Salvador : EDUFBA, 2009a. v. 01. p. 3586-3601.

FREINET, Célestin. O método natural: a aprendizagem do desenho. Lisboa: Estampa,


1977, v. II

GOMBRICH, E. H. Meditações sobre um cavalinho de pau e outros ensaios sobre a teoria


da arte. São Paulo: EDUSP, 1999. Trad: Geraldo Gerson de Souza.

GOODNOW, Jacqueline. El dibujo infantil. Madrid: Ediciones Morata, 1979.

HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho.


Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. Trad. Jussara Haubert Rodrigues.

IAVELBERG, Rosa. O Desenho Cultivado na Criança. In: CAVALCANTI, Zélia. Artes na


Sala de Aula. São Paulo: Artes Médicas, 1995. p. 3-32.

________________. O desenho cultivado da criança – prática e formação de educadores. 2


ed. Porto Alegre: Zouk, 2008.

INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0.


Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001. 1 Cd-rom.

KELLOGG, Rhoda. Analyzing children's art. Palo Alto, California, Mayfield Publishing
Comp., 1969.

KRAUSS, Rosalind E.. La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid:


Alianza Editorial, 1996. Versión española de Adolfo Gómez Cedillo.

LEITE, Maria Isabel. Livros de arte para crianças: um desafio na apropriação de imagens e
ampliação de olhares. In: ANAIS da ANPEd. Caxambu/MG : ANPEd, 2004.

LOWENFELD, V.; BRITTAIN, W.L.. [1947] Desarrollo de la capacidad creadora. Editorial


Kapelusz, Buenos Aires, 1972, 6ª ed.

LUQUET, George-Henri. [1927] O desenho infantil. Barcelos (Portugal): Cia Ed. do Minho,
1969. Trad. Maria Teresa Gonçalves de Azevedo.

MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, Maria Terezinha Telles. A língua
do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte.. São Paulo: Ftd, 1998. Col. Didática do Ensino.

205
MÈREDIEU, Florence de. [1974] O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2004. 10ª ed.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. 120 p.
Tradução de Eliane Lisboa.

MOTTA, Flávio. Desenho e emancipação. In: Sobre desenho. São Paulo: FAU/USP, 1975. Versão
on line disponível em <http://winstonsmith.free.fr/textos/desenhoE-FLM.html > Acesso em 24 de
março de 2012

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1978.

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1975.

PILLAR, Analice Dutra. Desenho e Escrita como Sistema de Representação. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1996a.

___________________. Desenho e Construção de Conhecimento na Criança. Porto Alegre:


Artes Médicas, 1996b.

READ, Herbert. A educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes, 1982.

REILY, Lúcia. O ensino de artes visuais na escola no contexto da inclusão. In Caderno Cedes,
Campinas, vol. 30, n. 80, p. 84-102, jan.-abr. 2010. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>

RHODA KELLOGG CHILD ART COLLECTION – Disponível em <http://www.early-


pictures.ch/kellogg/archive/en/?cat=K-B . Acesso em 19 de abril de 2012

RIZZI, Maria Christina de Souza Lima. Reflexões sobre a Abordagem Triangular do Ensino da
Arte. In BARBOSA, Ana Mae (org.). Ensino da arte – memória e história. São Paulo:
Perspectiva, 2008. (Col. Estudos 248/Dirigida por J. Guinsburg)

SARAIVA, Roberta (org.) Saul Steinberg: As aventuras da linha. São Paulo: Instituto Moreira
Salles e Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2011.

VYGOTSKY, L.S., [1934] Pensamento e Linguagem. Lisboa: Ed. Antídoto, 1979.

VYGOTSKY, L.S., [1935] A formação social da mente. São Paulo: Ed. Livraria Martins Fontes,
1984.

VIGOTSKY1, L.S. [1930] Imaginação e criação na infância - ensaio psicológico : livro para
professores. (Org.: SMOLKA, Ana Luiza B.) São Paulo: Ática, 2009.

WILSON, Brent; HURTWITZ, Al; WILSON, Marjorie. Teaching Drawing from Art. Worcester
(Massachussets): Dave Publications, 1987.

WILSON, Brent; WILSON, Marjorie. Uma visão iconoclasta das fontes de imagem nos desenhos
de crianças. In BARBOSA, Ana Mae (org.) Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo:
Cortez, 1997.

YIN, Robert. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
Trad. Daniel Grassi.

1
A forma de escrever o sobrenome do autor seguiu a grafia da publicação dos livros.

206
Apêndice 1 – TABELAS COM TIPOS DE IMAGENS EDIÇÕES DE 1994 E 2010
– Formas de Pensar o Desenho, Edith Derdyk

Em ordem alfabética presentes no Capítulo 2: Conceitos e Pré-conceitos


Edição de 1994

TIPO/ÉPOCA QUANTIDADE FUNÇÃO/PAPEL/ ARTISTA/ORIGEM/


LUGAR DO DESENHO CULTURA/POVO
Arabesco de 1 Design Art Noveau – Barcelona
portão art noveau (p.39) 1900
Arte contemporânea brasileira 1 Marcas gestuais que lembram Arturo Camassi, 1979
(p. 25) uma espécie de escrita.
Desenho gestual, desenho
escritura. Escrita como
espécie de desenho.
Arte indígena dos navajos 1 Desenho com areia, material Navajos, México
(p. 27) diferente de desenho. Não fala
sobre a função do desenho
para os Navajos.
Desenho de bailarina 1 Esboço, estudo de forma, Edgar Degas, 1874
Arte moderna européia (p. 19) posição corporal,
representação da luz.
Desenho moderno europeu 2 Expressividade da própria Paul Klee, 1934, s/ data, s/
(p. 25,34, 39) linha, desenho abstrato cujo data.
sentido se constrói em sua
materialidade; estudos com a
linha
Desenho moderno europeu 1 Estudos para esculturas Henry Moore, s/ data.
(p. 34)
Arte neoclássica (p.35) 1 Precisão da linha e Ingres (s/ data)
verosimilhança da
representação da figura
humana. Linguagem de
representação,
Arte pré-moderna Européia 1 Estudo para escultura Auguste Rodin, 1885
(p. 34)
Arte Renascentista 5 Estudos de anatomia de Leonardo Da Vinci
(p. 30-1) cavalo com medições
geométricas das proporções; 3
estudos de funcionamento de
rodas ou coisa parecida;
imagem de texturas, parece
um estudo para pintura.
Baixo-relevo brasileiro e seu 1 Desenho como algo Lasar Segall, 1950.
estudo em nanquim tridimensional e como projeto
(p. 45) para relevo
Desenho botânico (p. 38) 1 Registro de planta, ferramenta E. Sweerts, ilustração da
de conhecimento para a Florilegium novum, 1612,
ciência
Desenho de comunicação 1 Forma urbana de Gal Oppido, fotografia,
urbana (p. 36) comunicação 1987.
Formas encontradas na 5-1 Definição de desenho como Fotografia de vista aérea

207
natureza – estrada na floresta algo encontrável na natureza.
(p. 20) Ampliação da definição de
desenho.
Formas encontradas na 5–1 Ampliação da definição de Fotografia aérea.
natureza – oásis no Saara desenho. Marcas naturais que
(p. 21) identificamos como formas e
traçados.
Formas encontradas na 5 -1 Ampliação da definição de Fotografia
natureza – caminhos de desenho. Marcas naturais que
animais (p. 21) identificamos como formas e
traçados.
Formas encontradas na 5 -1 Ampliação da definição de Não aparece legenda, mas
natureza – céu estrelado (p. desenho. Marcas naturais que parece uma foto de satélite.
21) identificamos como formas e
traçados.
Formas encontradas na 5-1 Ampliação da definição de Fotografia. Não tem
natureza – fóssil de folha (p. desenho. Marcas naturais que legenda.
40) identificamos como formas e
traçados.
Desenho espontâneo urbano 1 Como o desenho é índice da Carlos Fadon, Avenida
(p.36) passagem humana também Paulista, fotografia, 1983.
sem que seja desenho
intencionalmente
Desenho interpretativo das 1 Ferramenta de estudo da Povo indígena huichol –
estrelas (p. 21) natureza índios americanos
Desenho rupestre – cena de 1 Aparentemente registrar uma Povos pré-históricos em
batalha (p. 24) cena de batalha. Mostra que o Castellón, Espanha.
desenho está na humanidade
há muito tempo.
Desenho rupestre – inscrição 1 Forma de comunicação Ilha dos Corais, Santa
aparentemente abstrata (p.28) registro, enfeite, simbologia Catarina.
primitiva. Suporte pedra.
Desenho técnico de 1 Demonstração de produto em França, século XIX
carruagem do séc. XIX (p. 28) detalhes, projeto.
Desenho tipográfico (p. 44) 1 Desenho para o design de D.M. Anderson. s/ data.
formas sociais
Design brasileiro de poltrona 1 Esboço, primeiras ideias, Oscar Niemeyer
(p. 28) projeto
Enfeite de festa indiana 1 Celebração de colheita. Forma Foto de vista superior de
(p.26) de festejar, de enfeitar, de celebração do Pongal na
preparação para ocasião Índia
especial. Material e suporte
diferentes de desenho: pós
sobre a rua.
Esboço (p. 42) 1 Desenho rápido de gato Calder, s/ data.
Estudo científico (p. 40) 2 Ferramenta de conhecimento Samuel Colman, estudo
para a ciência. Geometrização geométrico de uma flor,
de flor vista de cima e elevação. S/
data.
Estudo coreográfico (p. 45) 1 Uso do desenho para a dança; Kazuo Ohno, 1986
ferramenta de trabalho;
projeto; forma de pensar
graficamente
Ilustração - Steinberg (p. 23, 4 Desenho como convenção: a Saul Steinberg, 1966, 1946,
37, 43 e 46) linha e o plano não existem na 1958 e 1954.

208
natureza, são frutos da
invenção humana. Desenho
não precisa ser só
representação, pode ser
invenção.
Ilustração – Millor (p. 29) 1 Diferentes formas de Millôr Fernandes, 1957
representação, construção
complexa mesmo que só com
linhas. Os vários sentidos da
linha.
Manuscrito Persa (p. 34) 1 Estudo anatômico. Ferramenta Civilização Persa, s/ data.
de conhecimento. Forma
diferente da Ocidental de
representação.
Mapa do zodíaco (p.22) 1 Construção e interpretação de Não possui identificação de
conhecimentos sobre o mundo autoria nem de data.
natural
Marca da passagem do 1 Identificação da ideia de Foto da pegada da pegada
homem (p. 20) desenho com a de indício do do homem na Lua
humano
Pintura de rosto de tribo 1 Enfeite corporal, distintivo de Tribo Nuba, Sudão, África.
africana (p. 27) várias espécies, atrativo,
decoração simbólica ou não
para festejos.
Planta arquitetônica moderna 1 Projeção, planejamento de Mies Van Der Rohe, Berlim,
(p. 19) construção 1919.

Edição de 2010

TIPO/ÉPOCA QUANTIDADE TIPO/ÉPOCA QUANTIDADE


Arabesco de 1 Desenho tipográfico 1
portão art noveau
Arte contemporânea 1 Enfeite de festa indiana 1
Arte contemporânea brasileira 1 Estudo coreográfico 1
Arte indígena dos navajos 1 Mapa do zodíaco 1
Desenho botânico 1 Marca da passagem do 1
homem
Desenho encontrado na 4 Pintura de rosto de tribo 4
natureza africana
Desenho indígena huichol – 1 Página de livro budista 1
índios americanos
Desenho rupestre 2 Planta arquitetônica 1
renascentista
Desenho técnico de carruagem 1
do séc. XIX

209
Apêndice 2 – TABELA COM TIPOS DE IMAGENS DO ÍNDICE
ICONOGRÁFICO em Desenho da Figura Humana, Edith Derdyk
Em ordem de aparição no Índice Iconográfico.

TIPO/ÉPOCA QUANTIDADE TIPO/ÉPOCA QUANTIDADE


Desenho modernista brasileiro 4 Arte Renascentista 10

Figura ancestral: 7 Ilustração de processo alquímico - 2


- decoração em vaso chinês (2200-1700 1625; séc. XVI
a. C.); inscrição na pedra URSS
(5000-1500 a.C.); mosaico
madrepérola na Mesopotâmia (2500
a.C.); 2 imgs de bosquímanos da
África do Sul (s/ data); img religiosa
do norte da Sibéria (s/ data); imagem
de ilha da Melanésia (séc. XIX);

Imagem científica – (1577; séc. 8 Livro de modelos de uma abadia 1


XVIII; 1711; 1628; 1543; 1632; beneditina suíça (séc. XII);
1559; 1559)
Demônio esquimó – sem data 1 Arte bizantina 1

Pintura navajo – sem data 1 Arte medieval – entre 1225 e 1


1250
Tapeçaria peruana – sem data 1 Arte hindu – 1920; séc. XIX; 2

Desenho japonês - sem data 1 Registro documental de 1


vestimentas do séc. XV.
Arte contemporânea europeia – 5 Arte tradicional indiana (sem 3
década de 1960 data); cerca de 1820; 1820;
Arte contemporânea Norte- 4 Incisão em pedra da pré-história 1
Americana – déc. 1960 e 70 brasileira – sem data
Ilustração – 1967; 1974; 5 Arte grega antiga 3
1966; 1568; 1978.
Arte pré-moderna 5 Arte gótica – sem data 1
europeia – décs. 1870 a 1890
Arte moderna europeia – 27 Arte moderna latino-americana 2
décs. 1910 a 1950;
Amuleto persa tughra - 1 Impressão obtida soprando 1
sem data pigmento sobre a mão. Era
Glacial.
Incisão em concha 1 Arte simbolista – sem data 1
pertencente a um ritual spiro da
América do Norte – entre 1200 a
1600 d. C.
Pintura etrusca sobre 1 Estandarte de Ur – mosaico de 1
cerâmica – IV a.C. conchas, lápis-lázuli e cormalina
– cemitério de Ur – cerca de
2685/2645 a.C.
Arte Barroca europeia - entre 3 Arte contemporânea brasileira 1
1577 e 1640
Desenho de figurino – 3 Arte paleolítica 1
1925; 1913; 1922;
Desenho terapêutico de 1 Arte apache – sem data 1

210
esquizofrênico – sem data
Arte Romântica - 1830 1 Mapa asteca – anterior a 1350 d. 1
C.
Arte Neoclássica – 1815; 1783; 2 Máscara satimbe – sem data 1

Imagem religiosa oriental: 3 História em quadrinhos 1


- indiana (1780);
- tântrica cerca do séc.
XVIII;
- rosário de oração
budista chinês (séc. XIII);
Ilustração Art Noveau - sem data 1 Desenho em concha em sítio pré- 1
colombiano na América do Norte
– entre 1000 e 1600 d.C.
Arte egípcia 4

211
APÊNDICE 3 – Pesquisa com professores da rede básica sobre os livros de
ensino de arte mais influentes em suas formações

A pesquisa empírica a seguir foi realizada para averiguação da presença dos livros de
Edith Derdyk na formação acadêmica ou informal de professores da rede básica de ensino.
Foram convidadas a participar da pesquisa 28 professoras da rede básica (pública e particular),
sendo que 14 são professoras de artes visuais (cursaram Licenciatura em Artes Plásticas ou
Visuais em Universidades públicas ou particulares) e 14 são professoras de sala da educação
infantil ou da educação fundamental I (cursaram Pedagogia em Universidades públicas e
particulares). 21 trabalham na cidade de São Paulo, 5 no Estado de Santa Catarina e 2 na
cidade de Curitiba. Os sujeitos da pesquisa fazem parte de um círculo de profissionais que
atuaram comigo em diferentes instituições escolares ou estudaram no mesmo programa de
pós-graduação. Portanto, não fizeram a graduação na mesma instituição em que fiz. Alguns
profissionais passaram pelos mesmos programas de formação de professores em ensino de
artes visuais pelos quais passei, pois, foram promovidos pelas escolas aonde trabalhávamos,
mas não vejo este dado como problemático, pois, a equivalência na instituição formadora não
garante que as mesmas obras tenham sido relevantes para todos os profissionais. Por conta
deste vínculo, conheço alguns dados não perguntados na entrevista como a faixa etária entre
25 e 45 anos e o período de conclusão da faculdade entre 1998 e 2009.
Os convites para participar da pesquisa foram enviados por e-mail uma única vez com
o seguinte texto:
---- Mensagem encaminhada -----
De: audrey hojda <audreyhojda@yahoo.com.br>
Para:Eu Mesma <audreyhojda@yahoo.com.br>
Enviadas:Segunda-feira, 9 de Abril de 2012 21:08

“Professoras,

algumas de vocês sabem bem que estou na reta final do mestrado, outras nem devem saber que entrei no
mestrado! De qualquer modo estou precisando da participação de vocês na minha pesquisa!
É só me responder, por este email ou ao vivo (agendamos um encontro), até o começo de maio, a seguinte
pergunta:
Cite os 4 principais - ou seja, os mais marcantes - livros de ensino de arte que vocês leram na formação
universitária, em cursos livres ou por indicação da coordenação ou assessoria de escolas ou instituições culturais
em que trabalharam. Por favor indiquem, se lembrarem, em quais destas situações vocês leram cada livro.
Os nomes de vocês não aparecerão na pesquisa!
Muito obrigada pela ajuda!
Atenciosamente,

Audrey”

212
Das 28 convidadas apenas 14 responderam a questão, sendo que 7 por e-mail e 7 ao
vivo. Das participantes, 12 são paulistanas (5 são professoras de sala e 7 de artes visuais), 1 é
catarinense e 1 é curitibana (ambas são professoras de artes visuais). As que não participaram
não chegaram nem a responder o e-mail com os motivos pelos quais não participariam. Todas
as paulistanas e a curitibana trabalham em escolas particulares e a catarinense dá aulas na rede
estadual. Uma semelhança nas respostas foi o esquecimento ou a confusão em relação a
circunstância em que conheceram as obras citadas. De forma geral, as professoras especialistas
em artes visuais tenderam a relacionar os livros com sua formação universitária e as
professoras de sala, formadas em pedagogia, tenderam a relacionar com os programas de
formação nas escolas onde trabalharam. Mas como todas as participantes tiveram algum tipo
de formação em artes visuais na universidade e/ou em cursos informais, não puderam precisar
tal informação em relação aos quatro livros indicados. Apenas uma mencionou cursos de
formação para o trabalho em instituições culturais ou ONGs como fonte de indicação dos
livros.
A seguir os livros citados:

Livros Paulistanas Catarinense1 Paranaense

Ensino da arte: 4 1
memória e história, de
Ana Mae Barbosa (2008)
Inquietações e mudanças no 7 1
ensino da arte, de Ana Mae
Barbosa (2002)
John Dewey e o ensino da 1 1
arte no Brasil, de A. M.
Barbosa (2001)
Arte-educação:leituras no 2 1 1
subsolo, de A. M. Barbosa
(1997)
Arte na educação escolar - 1
Metodologia do ensino de
arte, de Maria F. de R. e
Fusari, Maria Heloísa C. de T.
Ferraz. (1992)
A educação pela arte., de 1
Herbert Read (1958- 1ªed.)
Fazer e Pensar Arte, de Anne 3
Marie Holm (2005)
Educação pela arte e artes na 1

1
A professora catarinense citou também os materiais da rede Arte na Escola.

213
educação., de e Alberto B.
Sousa (2003)
Universos da Arte, de Fayga 2
Ostrower (1983 – 1ª ed)
Arte como experiência, de 3
John Dewey (1985 – Versão
em português da coleção Os
pensadores)
Desenvolvimento da 2
Capacidade Criadora, de V.
Lowenfeld e L. Brittain. (1947
-1ª ed)
Formas de Pensar o Desenho, 7
de Edith Derdyk (1989 – 1a ed.)
Desenho da figura humana, 1
de Edith Derdyk (1990 – 1ª ed.)
A Paixão de Conhecer o 1
Mundo, de Madalena Freire
Welfort. (1986 – 4ª ed.)
Arte e Percepção Visual, de 1
Rudolf Arnheim (1954 – 1ª ed.)

As cem linguagens da 3
criança: A abordagem de
Reggio Emilia na educação da
primeira infância, de Carolyn
Edwards, Lella Gandini e
George Forman (1999)
O desenho infantil, de 6 1
Florence de Mèredieu (1974 –
1ª ed.)
A língua do mundo: poetizar, 3 1
fruir e conhecer arte, de
Miriam C. Martins, Gisa
Picosque e M. Terezinha T.
Guerra (1998)

Como é possível observar pelos dados coletados, as três autoras mais citadas foram Ana
Mae Barbosa, Edith Derdyk e Florence de Mèredieu. Sem dúvida a autora mais conhecida no
campo é Barbosa, que possui muitos livros na área, além de uma militância política na área
defendendo direitos de professores e brigando para a melhoria das condições de trabalho. No
entanto, sua obra versa sobre o ensino da arte como um todo, sem pesquisar as inter-relações
com o desenho infantil. Relações observáveis nas outras duas autoras mais citadas.
É notável, portanto, que os livros de Derdyk figurem entre os mais lembrados sobre
ensino de artes visuais dentre as professoras pesquisadas, indicando alguma relevância de sua
obra na formação docente dentro dos parâmetros analisados.

214
APÊNDICE 4 – Lista dos artigos da ANPAP 2007-2011 sobre
desenvolvimento e/ou aprendizagem e ensino do desenho para crianças

Artigos coletados no Comitê de Ensino-Aprendizagem da Arte ou Ensino das Artes Visuais dos
Anais eletrônicos da ANPAP. O critério de escolha foi a presença concomitante de grupos de palavras
no título e/ou no resumo. Os grupos foram: desenho e infantil ou crianças; desenho e infantil e/ou
crianças e aprendizagem; desenho e infantil e/ou crianças e ensino; desenho e pedagogia; grafismo
e/ou gráfico e infantil ou crianças; desenvolvimento e/ou aquisição e linguagem e/ou gráfica e/ou
desenho. Também atentou-se para uma ideia geral no resumo que se referisse ao ensino-aprendizagem
específico do desenho para crianças ou que o envolvesse em algum processo de aprendizagem de outro
conteúdo. Entendo que os aspectos da aprendizagem estejam totalmente atrelados aos do ensino.
Contudo, divido os artigos entre aqueles que lidam com os aspectos da aprendizagem e os que falam
sobre estratégias de ensino para conhecer em que medida as pesquisas específicas sobre ensino de
desenho estão sendo empreendidas. Portanto, além de contabilizar quantos artigos sobre o processo de
ensino e aprendizagem do desenho para crianças foram apresentados nos últimos 5 anos da ANPAP,
desejo saber quantos se debruçam sobre a aprendizagem ou o desenvolvimento do desenho infantil e
quantos versam sobre estratégias de ensino de desenho para as crianças.

2007 – 60 artigos no Comitê de Ensino-Aprendizagem da Arte

A CONCEPÇÃO DE “REALISMO” EM GEORGES-HENRI LUQUET1


Autora: Maria Lúcia Batezat Duarte, UDESC/CAPES
Resumo: Frente a tantas e históricas controvérsias, pretende-se neste texto rever com
base nos argumentos do próprio autor, a concepção de realismo utilizada por
Georges-Henri Luquet para conceituar o desenho infantil.

Comentário: artigo sobre concepções teóricas relacionadas ao desenvolvimento do desenho


infantil. Relaciono-o, portanto, ao campo da aprendizagem/desenvolvimento do desenho.

CARTOGRAFIAS DO OLHAR E O DESENHO INFANTIL2


Autora: Marice Kincheski Fassina - UDESC
Resumo: Discute-se neste artigo a importância das pesquisas sobre a memória
perceptiva, observando entre alguns teóricos e suas proposições como a imagem se
forma na mente e como se dá por meio desta dinâmica o processo de representação
no desenho infantil.
Comentário: como o próprio resumo já diz, artigo relacionado ao campo da

1
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2007/2007/artigos/098.pdf > Acesso em 17 de maio de 2012.
2
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2007/2007/artigos/100.pdf>. Acesso em 17 de maio de 2012.

215
aprendizagem/desenvolvimento do desenho na criança.

CULTURA VISUAL E IDENTIDADE(S) NO DESENHO PEDAGÓGICO3


Autores: Alexandre Adalberto Pereira (FAV – UFG) e Raimundo Martins (FAV – UFG)
Resumo: este estudo tem como objeto o desenho pedagógico compreendendo-o como
representação imagética a partir da perspectiva teórica da cultura visual. Discute o
caráter ideológico do desenho analisando o modo como ele cria generalizações e
estereótipos que inventam e anulam o jogo da diferença. Examina a relação entre
desenho e identidade cultural refletindo criticamente sobre suas representações como
identidade fixas, centradas e normalizantes.
Comentário: por se tratar da análise de uma estratégia de ensino – o uso do desenho pedagógico
– interpreto que este artigo verse especificamente sobre o campo do ensino.

REFLEXÕES SOBRE DESENHO ESCOLAR E CULTURA4


Autora: Camilla Carpanezzi La Pastina. UDESC e Prof. da Fac. Educ. da Lapa
(FAEL/EDUCON).
Resumo: o presente artigo aborda o desenho infantil como um código de cultura.
Utilizando as definições de Paul Claval, estabelecemos diversas relações entre
desenho e cultura. Cada cultura dita suas regras através de um sistema de valores,
perceptível ou não, mas sempre presente. É desta forma que as crianças aprendem o
que é desenho em nossa sociedade. O desenho é um código de cultura, assim como a
comunicação oral e gestual, a escrita e as novas mídias. Os códigos de cultura são
transmitidos de geração a geração e de lugar a lugar. A mídia é responsável por uma
difusão de grande e rápido alcance. Sua influência está presente desde cedo, mas
aparece mais fortemente após a entrada no Ensino Fundamental, como mostram
alguns desenhos de crianças de 7 e 8 anos da cidade de Curitiba-PR.
Comentários: por se tratar de um fator de influência no desenho infantil – os produtos culturais
que circundam a criança - interpreto que este artigo esteja tratando do campo da
aprendizagem/desenvolvimento do desenho infantil.
Considerações sobre os Anais de 2007
Dos 60 artigos do Comitê de Ensino-Aprendizagem da Arte apenas 4 se referiam ao desenho
infantil e destes 3 falavam sobre aspectos da aprendizagem e/ou desenvolvimento e 1 sobre estratégias
de ensino.

2008 – 60 artigos no Comitê de Ensino-Aprendizagem da Arte

DESENHO E VIDA: ARTE E EXISTÊNCIA EM PROCESSO5


Autores: Prof. Dr. César Cola – Universidade Federal do Espírito Santo e Prof. João Porto –
Arte Educador – Universidade Federal do Espírito Santo

3
Disponível em < http://www.anpap.org.br/anais/2007/2007/artigos/061.pdf > Acesso em 19 de maio de 2012.
4
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2007/2007/artigos/074.pdf > Acesso em 17 de maio de 2012.
5
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2008/artigos/093.pdf > Acesso em 19 de maio de 2012.

216
Resumo: essa experiência em desenho foi idealizada e realizada em Furquim, Distrito
de Mariana, MG, no outono de 2006. Os escritos foram realizados em Vitória, ES,
entre primavera de 2006 e verão de 2007. Trata de uma vivência fora do âmbito
escolar, contando com a participação de Netinho (11 anos) e Gustavo (13 anos). Os
dois participantes desenharam em papel fornecido por um dos pesquisadores,
observando uma imagem da História da Arte, bem como também de forma livre.
Após tal prática, os dois pesquisadores analisaram os textos visuais produzidos,
aferindo influências da imagem da obra de arte observada, bem como intervenientes
comuns entre os desenhos realizados.
Comentário: a partir do resumo é possível identificar que a dupla de pesquisadores propôs uma
estratégia de ensino – a prática do desenho de forma livre e a partir da observação de imagens da
História da Arte, mas não é possível concluir, sem a leitura completa do artigo, se as considerações
finais versaram sobre aspectos da aprendizagem, de estratégias de ensino ou de ambos. Opto por
localizar este artigo em relação ao campo do ensino, pois é esta a informação que está presente no
resumo.

DESENHO INFANTIL: UMA ESTRATÉGIA DE INTEGRAÇÃO E INTERAÇÃO


SOCIAL6
Autora: Marice Kincheski Fassina, Mestranda em Artes Visuais, UDESC
Resumo: O presente artigo é um relato de investigação, recorte da primeira fase da
pesquisa denominada “Desenhação”: um estudo sobre o desenho infantil como fonte
de múltiplas possibilidades no ensino fundamental. Nele, discute-se a relevância do
desenho infantil como um auxiliar de significação na interação dialética homem-
mundo. Parte-se da análise da evolução gráfica do desenho, com ênfase na
construção da figura humana, percebendo as relações estéticas e éticas que vão
surgindo nessa construção.

Comentários: a ideia de usar o desenho infantil como fonte de múltiplas possibilidades no


ensino fundamental não deixa claro se o artigo trata dos aspectos de seu desenvolvimento que podem
ser aproveitados para outras áreas do currículo ou se o seu ensino pode ser útil para o trabalho com
outras disciplinas. Mas a segunda parte do texto parece incliná-lo ao campo da
aprendizagem/desenvolvimento, já que trata da análise de sua evolução gráfica.

“QUERO APRENDER A DESENHAR!” O DESENHO INFANTIL A PARTIR DOS 8


ANOS7
Autora: Camilla Carpanezzi La Pastina Mestranda em Artes Visuais UDESC. Prof. Fac. Educ.
da Lapa (FAEL/EADCON).
Resumo: O desenho da criança a partir dos 8 anos apresenta mudanças significativas
em relação a períodos anteriores. A espontaneidade e largueza do gesto dão lugar a
um desenho pensado e elaborado. Pouco a pouco as crianças tornam-se inseguras e
hesitantes, apagando o desenho e solicitando réguas na busca de um acabamento
perfeito. Ao final da média infância, muitas crianças perdem o interesse por essa
atividade, afirmando que não sabem desenhar. O modo como vemos este momento,
6
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2008/artigos/118.pdf > Acesso em 19 de maio de 2012.
7
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2008/artigos/088.pdf > Acesso em 19 de maio de 2012.

217
conhecido como “período de crise”, tem implicações pedagógicas. Em nossa opinião,
é necessário ver este momento como um novo modo de desenhar, não como um
declínio, mas como uma mudança. Pode-se encarar este período sob um aspecto
positivo, o momento em que a criança deseja aprender a desenhar.

Comentário: trata-se de um artigo sobre a aprendizagem/desenvolvimento de um período


específico do desenhar infantil.

SOBRE O DESENHO INFANTIL E O NÍVEL COGNITIVO DE BASE8


Autora: Maria Lúcia Batezat Duarte, UDESC
Resumo: Neste artigo o desenho infantil é relacionado aos esquemas do nível
cognitivo de base. O objetivo é apresentar argumentos sobre a importância do
desenho nos processos mentais de memorização, categorização e conhecimento. A
teoria dos níveis de categorização cognitiva de Eleanor Rosch e a teoria da “imageria
inicial” de Bernard Darras, são as principais referências juntamente com os desenhos
de Gabriel, coletados por Giselle Ventura (2006) e arquivados no LabDIA.

Comentário: artigo relacionado à aprendizagem/desenvolvimento do desenho infantil.

Considerações sobre os artigos de 2008


Dos 60 artigos no Comitê de Ensino-Aprendizagem da Arte, 4 versam sobre o desenho infantil
e destes 3 falam de aspectos da aprendizagem e 1 de estratégias de ensino.

2009 – 73 artigos no Comitê de Educação em Artes Visuais

O ENSINO DO DESENHO: THEODORO BRAGA E A ESCOLA BRASILEIRA DE


ARTE9
Autora: Ana Mae Tavares Bastos Barbosa – USP - São Paulo
Resumo: Venho pesquisando atualmente o período de Modernização do Ensino do
Desenho e da Arte no Brasil entre 1922 (Semana de Arte Moderna) e 1948 (criação
da Escolinha de Arte do Brasil a História). Neste período o ensino do Desenho era
concebido como Arte e como Desenho Industrial ou Desenho Decorativo. A palavra
design só vai aparecer na Educação no Brasil a partir da década de 60 quando a
concepção de ensino da Arte como expressão espontânea já estava estabelecida e o
Design passou a ter o sentido de projeto, saindo da vala comum das Artes Industriais
e do Decorativo. A fonte de minhas pesquisas são os jornais da época, grandes
divulgadores das conquistas educacionais. Theodoro Braga foi uma das
personalidades destacadas na luta por um design nacionalista. Este artigo trata da
Escola Brasileira de Arte (São Paulo, 1929), criada por Sebastiana Teixeira de
Carvalho, onde Theodoro Braga, como destacado professor, experimentou suas idéias
sobre Ensino do Desenho. É através da recepção nos jornais, encadeando notícias,
que traçarei a historia da criação desta escola.
Comentário: por mais que este artigo possa ser incluso numa categoria de História do Ensino de

8
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2008/artigos/117.pdf >. Acesso em 19 de maio de 2012.
9
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2009/pdf/ceav/ana_mae_tavares.pdf > Acesso em 19 de maio de 2012.

218
Artes Visuais, trata especificamente sobre o ensino de desenho. Portanto, creio ser possível incluí-lo
neste campo.

DESENHO INFANTIL E INVISUALIDADE: FATORES EDUCACIONAIS E


10
COMUNICATIVOS
Autoras: Maria Lúcia Batezat Duarte e Mari Ines Piekas
Resumo: Neste artigo buscamos enfatizar as possibilidades comunicacionais e
educacionais da aprendizagem do desenho por crianças cegas. Apresentaremos a
análise de duas investigações: a primeira usa como instrumento a entrevista
estruturada e demonstra as respostas obtidas com três crianças e um adolescente
cegos sobre suas experiências com desenho tátil; a segunda apresenta as descobertas
realizadas por uma menina de 13 anos, deficiente visual grave, após uma sessão de
desenho. Esperamos que essas duas investigações possam esclarecer algumas
questões sobre as relações da criança cega com a imagem visual e o desenho.
Comentário: compreendo que o artigo trata da análise de aspectos da aprendizagem do desenho
por parte das crianças invisuais.

A PALAVRA E O DESENHO INFANTIL: UM ESTUDO DO DESENHO NA SURDEZ


PROFUNDA11
Autoras: Maria Lúcia Batezat Duarte, UDESC e Liane Carvalho Oleques, UDESC
Resumo: Buscamos, nesse artigo, lançar bases para o estudo em realização (Oleques,
2008, Análise do repertório gráfico de uma criança não ouvinte) sobre a produção de
imagens visuais (desenhos) em situação de privação da palavra por deficiência
auditiva profunda. Na primeira parte do texto apresentamos os fundamentos do ponto
de vista gráfico, comunicacional e cognitivo que orientam a investigação. Na
segunda parte as questões relativas à surdez e ao ato desenhar ganham relevância.
Comentários: interpreto que o artigo trate de aspectos do processo de desenvolvimento do
desenho infantil.
Considerações sobre os anais de 2009
Dentre os 73 artigos, apenas 3 tratam do desenho infantil e destes 2 falam de
aprendizagem/desenvolvimento e 1 trata de aspectos do ensino.

2010 – 56 artigos no Comitê Educação em Artes Visuais

DESENHO E PALAVRA: ANALISANDO O DESENHO DE UMA CRIANÇA COM


SURDEZ PROFUNDA12
Autora: Liane C. Oleques - UDESC

10
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2009/pdf/ceav/mari_ines_piekas.pdf > Acesso em 19 de maio de 2012.
11
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2009/pdf/ceav/maria_lucia_batezat_duarte.pdf > Acesso em 19 de maio
de 2012.
12
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2010/pdf/ceav/liane_carvalho_oleques.pdf > Acesso em 19 de maio de
2012.

219
Resumo: neste artigo busca-se refletir sobre os termos representação e representação
gráfica, segundo os estudos de Wallon (1979), dando base aos estudos referentes ao
desenhar de uma criança surda. Considera-se que o desenho de um objeto, assim
como a palavra, carrega em si os elementos principais constituintes do conceito deste
objeto. Num segundo momento será apresentada uma pequena análise trazendo os
desenhos de uma criança surda em paralelo com os desenhos uma criança ouvinte.
Comentários: por se tratar de uma análise comparativa entre os modos como duas crianças com
condições de audição diferentes desenham, considero que trate-se de um artigo sobre a natureza do
desenvolvimento do desenho.

UM ESTUDO SOBRE ‘ELEMENTOS DE DESENHO’ USADOS NA CONSTRUÇÃO


DE ESQUEMAS GRÁFICOS INFANTIS13
Autora: Mari Ines Piekas - UDESC/Brasil
Resumo: este artigo apresenta um estudo de campo piloto e os dados obtidos na
construção de esquemas gráficos realizados por crianças com visualidade e faz parte
da dissertação de mestrado que investiga uma nova proposta metodológica de ensino
de desenho para crianças cegas, no âmbito comunicacional. Compreende a
identificação de linhas e figuras geométricas básicas presentes nos esquemas gráficos
e a escolha de três objetos para um exercício de desconstrução da forma. Apresenta
também um quadro com elementos de desenho e esquemas gráficos adaptados em
linha de relevo tátil, que foram posteriormente utilizados na coleta de dados com
alunos cegos.
Comentários: como o próprio resumo traz, trata-se de um artigo sobre estratégias de ensino de
desenho para crianças cegas.

SOBRE LINGUAGEM, CÓDIGOS, E ENSINO DE DESENHO PARA CRIANÇAS


INVISUAIS - TRÊS HISTORINHAS GEOMÉTRICAS14
Autora: Maria Lúcia Batezat Duarte, UDESC
Resumo: No âmbito das Artes Visuais, o desenho infantil revela um conjunto de
códigos a ponto de poder ser ensinado como uma “linguagem”? Como ensinar
desenho para crianças invisuais? Essas questões compõem a principal discussão
esboçada nesse artigo as quais segue a apresentação de três historinhas geométricas
que constituem uma proposta de ensino de desenho por meio da percepção tátil.
Comentários: como no artigo anterior, trata-se de um artigo a respeito de estratégias de ensino
de desenho para crianças.

O DESENHO DA CRIANÇA E O IMAGÉTICO MÓVEL URBANO15


Autores: César Pereira Cola – PPGE/UFES e Moema Martins Rebouças - PPGE/UFES
Resumo: o artigo pesquisa o ato criativo na linguagem visual do desenho que se
manifesta na Educação Infantil. Aborda aspectos solipsistas e questões do entorno ou
abscahttungen segundo teorias contidas no pensamento de Merleau-Ponty. Considera
13
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2010/pdf/ceav/mari_ines_piekas.pdf > Acesso em 19 de maio de 2012.
14
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2010/pdf/ceav/maria_lucia_batezat_duarte.pdf > Acesso em 19 de maio
de 2012.
15
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2010/pdf/ ceav/moema_martins_reboucas.pdf > Acesso em 19 de maio de
2012.

220
nuances alusivas ao desenho da criança tendo como lucus de observação o município
de Fundão, localizado no estado do Espírito Santo. As escolhas imagéticas
selecionadas pelas crianças nos textos visuais são investigadas levando-se em conta a
urbanidade rodoviária (automóveis) e ferroviária (trens) que transitam pelo município
em contraste com o bucolismo rural também presente na região. Objetos que não
pertencem ao convívio cotidiano das crianças, mesmo quando solicitado que os
representassem visualmente, estão ausentes nos desenhos ou aparecem em tamanho
reduzido, com poucos detalhes formais, reafirmando pesquisas realizadas por
Freeman, Wilson, Kellogg, Cola, Rebouças, Pillar, Iavelberg, outros.
Comentários: artigo sobre as maneiras como a criança inclui as referências de seu contexto em
seus desenhos; interpreto que trate-se de um artigo sobre a aprendizagem/desenvolvimento do desenho
infantil.
Considerações sobre os Anais de 2010
Em meio aos 56 artigos apresentados neste Comitê em 2010, encontrei 4 que tratavam do
desenho infantil. Entre os quais 2 trabalhavam aspectos do ensino e 2 aspectos da
aprendizagem/desenvolvimento.

2011 - 87 artigos no Comitê de Educação em Artes Visuais

APREENSÃO DE SENTIDO E SIGNIFICADO NA PRODUÇÃO GRÁFICA DE UMA


CRIANÇA SURDA16
Autora: Liane Carvalho Oleques - UDESC
Resumo: apresenta-se aqui um recorte da pesquisa de mestrado defendida no ano de
2010, na Universidade do Estado de Santa Catarina. Nesta pesquisa abordou-se o
desenho de uma criança surda objetivando uma maior compreensão da atividade
gráfica exercida por ela, tendo em vista, relações de significado, sentido, visualidade,
cognição e comunicação. Neste panorama, buscou-se, entre outros, apreender
relações de sentido e significado no desenho desta criança, a partir das percepções de
Vigotski acerca da linguagem. Do mesmo modo, são analisadas as relações sobre
desenho infantil e surdez.
Comentários: de acordo com a descrição do resumo, trata-se de um artigo sobre o
desenvolvimento do desenho da criança.

CRIANÇAS E DESENHOS: LEITURAS DAS IMAGENS A PARTIR EM DIÁLOGO


COM KANDINSKY.17
Autoras: Maria Christina de Souza Lina Rizzi – USP e Margarete B. N. Soares – USP.
Resumo: leitura de imagens de desenhos infantis, de crianças de 6 a 9 anos,
dialogando com as ideias contidas no livro Do Espiritual na Arte de Kandinsky.

16
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/ceav/liane_carvalho_oleques.pdf > Acesso em 19 de maio de
2012.
17
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/ceav/maria_christina_de_souza_lima_rizzi.pdf > Acesso em 19
de maio de 2012.

221
Comentários: somente a partir do resumo, não creio ser possível relacionar o artigo ao campo
do ensino ou da aprendizagem em artes visuais. Talvez seja possível relacioná-lo ao campo da teoria da
imagem da arte.

DESENHO INFANTIL E VISUALIDADE - UMA CONCEPÇÃO DE ESQUEMA


GRÁFICO E DE ESQUEMA GRÁFICO TÁTIL-VISUAL18
Autora: Maria Lúcia Batezat Duarte - UDESC
Resumo: neste artigo busco compreender o ato de ver e a transformação da
visualidade em desenho a fim de, a partir dessa compreensão, apresentar as
concepções de esquema gráfico e de esquema gráfico tátil-visual. A síntese e a
generalização da forma são discutidas como recursos de comunicação, cognição e,
especialmente, com conceituação e classificação dos objetos do mundo na infância.

Comentários: por se tratar de um artigo sobre a forma de operar de uma das


características do desenho infantil, interpreto que se trate de um texto sobre
desenvolvimento/aprendizagem.

DESENHAÇÃO – UM ESTUDO O DESENHO INFANTIL COMO FONTE DE


MÚLTIPLAS POSSIBILIDADES NO ENSINO FUNDAMENTAL19
Autora: Marice Kincheski Fassina – UDESC/ PMC - SME Curitiba
Resumo: este artigo é o recorte da tese de mestrado apresentada no ano de 2008 à
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC e dedica-se a analisar a
construção e o desenvolvimento do desenho infantil durante a alfabetização nas
séries iniciais do Ensino Fundamental. A investigação acompanhou o desenhar de
Amon, Laura, Mariana e Jefferson, do pré-escolar iniciado em março de 2006 até o
final da primeira série, em novembro de 2007. O objetivo central desta investigação
residiu em pesquisar qual a contribuição do desenho infantil na alfabetização em dois
ambientes distintos, percebendo quais as relações que se estabelecem nesse processo.
Comentários: entendo que se trate de um artigo sobre a aprendizagem/desenvolvimento do
desenho da criança na escola formal.

O DESENHO INFANTIL E OS OBJETOS DO MUNDO: CONSTRUINDO UM


MÉTODO DE ENSINO NO ÂMBITO DA INVISUALIDADE20
Autora: Mari Ines Piekas – UDESC
Resumo: este artigo1 apresenta parte da investigação de Maria Lúcia Batezat Duarte
sobre desenho infantil e ensino de desenho para crianças cegas. Aborda o período de
seu trabalho desde 1995 até 2009, e os dados levantados, principalmente de seu
estudo longitudinal com Manuella, uma menina cega, são apresentados seguindo uma
ordem cronológica. Diante da escassez de estudos nessa área, sua pesquisa pode
18
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/ceav/maria_lucia_batezat_duarte.pdf > Acesso em 21 de maio
de 2012.
19
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/ceav/marice_kincheski_fassina.pdf >. Acesso em 21 de maio de
2012.
20
Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/ceav/mari_ines_piekas.pdf >. Acesso em 21 de maio de 2012.

222
contribuir consideravelmente para a discussão de métodos de ensino de desenho no
âmbito da invisualidade.
Comentários: artigo sobre estratégias de ensino de desenho a crianças cegas.

Considerações sobre os Anais de 2011


Este foi o ano com mais artigos no Comitê de Ensino de Artes Visuais desde 2007. Foram
contabilizados 87 textos. No entanto, não observei um aumento proporcional dos textos sobre desenho
infantil: 5, sendo que 3 deles tratam do desenvolvimento/aprendizagem, 1 fala sobre estratégias de
ensino e 1 eu interpretei como algo passível de se relacionar com o campo da teoria da imagem da arte.

APONTAMENTOS
De 2007 a 2011 não observei aumento considerável de artigos sobre o desenho infantil. A
proporção entre os textos sobre aprendizagem/desenvolvimento e aqueles sobre estratégias de ensino
só foi equivalente em 2010 (2 para 2), pois nas outras edições, apenas 1 artigo por ano sobre ensino de
desenho foi apresentado. Sobre os autores, pude notar uma concentração de pesquisas sobre ensino-
aprendizagem de desenho no Programa de Pós-graduação da UDESC, como mostra a tabela abaixo:
Autor Instituição Ano(s) de participação na ANPAP
Maria Lúcia Batezat Duarte UDESC 2007, 2008, 2009 (2), 2010 e 2011
Marice Kincheski Fassina UDESC e PMC - SME Curitiba 2007, 2008, 2011

Alexandre Adalberto Pereira e Raimundo FAV – UFG – Universidade Federal de Goiás 2007
Martins
Camilla Carpanezzi La Pastina. UDESC e Profª. da Fac. Educ. da Lapa 2007, 2008
(FAEL/EDUCON)
Prof. Dr. César Cola e Prof. João Porto Faculdade de Artes Visuais - Universidade 2008
Federal do Espírito Santo
Ana Mae Tavares Bastos Barbosa USP - São Paulo 2009
Liane Carvalho Oleques UDESC 2009, 2010, 2011
Mari Ines Piekas UDESC 2009, 2010, 2011
César Pereira Cola e Moema Martins Programa de Pós-Graduação em Educação da 2010
Rebouças - Universidade Federal do Espírito Santo
Maria Christina de Souza Lina Rizzi e USP 2011
Margarete B. N. Soares

Dos 20 artigos encontrados sobre desenho infantil, 15 são da UDESC (sendo que 2 deles são
escritos em parceria entre pesquisadores). É um número bastante expressivo. Esta breve pesquisa nos
anais eletrônicos da ANPAP veio comprovar a quantidade reduzida de pesquisas sobre o desenho
infantil e o número ainda mais reduzido de artigos (6) sobre estratégias de ensino de desenho para
crianças, apontando para a necessidade de aumentar o número de pesquisas e as apresentações nos
encontros da ANPAP.

223

Você também pode gostar