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CAMPINAS
2017
Resumo
Esta pesquisa pretende analisar o desenvolvimento da ordenação feminina no
protestantismo, especialmente na ramificação evangélica Igreja Adventista do Sétimo Dia
(IASD) entre os anos de 1872-2015. O conceito protestante de sacerdócio universal,
cunhado por Lutero há exatos quinhentos anos, elimina o privilégio do clero no exercício
do ofício sagrado, fundamental para apropriação da prática litúrgica pelos crentes,
homens e mulheres. Porém a experiência não acompanha a ideia, já que a própria Reforma
depois de institucionalizada, obedece aos moldes sociais e culturais próprios de seu
tempo, produzindo a limitação histórica de acesso da mulher ao ministério ordenado.
Durante o século XIX estadunidense, no meio protestante evangélico, ainda que lugar
conservador e resistente às transformações dos papéis da mulher na sociedade e religião,
podem ser observadas situações de liberdade e conquista de espaços que estiveram e ainda
estão em disputa. Exemplo disso é a primeira credencial feminina ao ministério pastoral,
da Igreja Adventista em 1872, oito anos após sua institucionalização. Por meio de análise
historiográfica e dos yearbooks; dos números da revista Review and Herald e Ministry,
todos digitalizados pelo ASTR (Office of Archives, Statistics, and Research, da
Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia), procuraremos entender como este
espaço de credencial estava (e está) em constante luta. De que modo a recém organizada
instituição reconhece ou não o espaço da mulher no ministério pastoral; quem foram e
como agiram as primeiras pastoras adventistas; como ao longo dos anos os espaços foram
ocupados pelo homem; quais são as organizações femininas que lutam pela emancipação
do gênero dentro da igreja; essas questões compõem o horizonte de nossos objetivos.
Apresentação e Justificativa
1
Scott, 1988 apud Elaine Moura da Silva
2
Atualmente a Igreja Adventista do Sétimo Dia é dividida como instituição da seguinte forma: a igreja
local- um corpo organizado e unido de membros e membras individuais; a associação/missão- um corpo
organizado e unido de igrejas de um determinado território ou campo; a união, um corpo organizado e
unido de associações/missões; por fim a Associação Geral, a maior unidade da organização, que abrange
todas as uniões em todas as partes do mundo. As Divisões são seções da Associação Geral, com
responsabilidade administrativa a elas atribuída em determinadas áreas geográficas.
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Como, então, disse-nos o apóstolo que o homem é a imagem de Deus e, por conseguinte, está proibido
de cobrir sua cabeça, mas que a mulher não o é e, por conseguinte, se lhe ordena que cubra a cabeça? A
menos, certamente, de acordo com aquilo que eu já disse quando tratava da natureza da mente humana,
que a mulher, junto com seu próprio marido, seja a imagem de Deus, de modo que a substância toda
possa ser uma única imagem, mas, quando se faz referência a ela como companheira e ajudante, o que
concerne somente à mulher, então ela não é a imagem de Deus, mas, no que concerne somente ao
foi sacralizada na memória das instituições cristãs, estabelecendo um histórico
distanciamento entre a mulher e os seus espaços (das instituições) de poder e liderança.
O distanciamento entre a religião e ciência, próprio do secularismo produzido no
século XIX ocidental, modificou a forma como as pessoas enxergavam e explicavam o
mundo. Essa nova cosmovisão valorizou as iniciativas individuais, fazendo frente às
propostas institucionalizadas, essencialmente cristãs como normativas de comportamento
e crença. Essa concorrência, largamente sabida, pode ser vista desde a Reforma até às
ideias e revoluções iluministas dos fins dos setecentos e ao longo dos oitocentos. Segundo
Michel De Certeau, o protestantismo tem papel central no estabelecimento da
concorrência religiosa6, a Igreja Católica então rivalizava com a crescente ideia
cientificista e com o cisma protestante.
Sob a ótica darwinista, a grosso modo, cria-se uma hierarquia social sobre cultura
e religião, esta última agora dessacralizada7, também é passível de estudo, como qualquer
outro objeto. Já na década de 1890, podemos encontrar literatura que não raro classifica
a magia como própria dos povos primitivos, e a religião institucional- dos civilizados.8
Assim, estudar religião era sinônimo de diferenciar o que era magia, e seu posterior
desenvolvimento civilizatório. Segundo Karina Bellotti, nesta visão cientificista, somente
seria religião se o objeto se enquadrasse em uma organização social e hierárquica
complexa de rituais e crenças, “espelhando-se na experiência cristã europeia e norte-
americana, como também na tradição judaico-cristã, monoteísta patriarcal.”9
Na virada do século XIX alguns expoentes superaram a visão evolucionista da
observação de cultura e religião. Nesse distanciamento, segundo Marcello Massenzio,
destaca-se Durkheim, que é pioneiro em muitos sentidos. Para ele, “os primeiros sistemas
de representação do mundo elaborados pelo homem são de origem religiosa: essa
afirmação é indicativa do espírito com que o autor (Durkheim) olha a religião, colocando
de lado não somente o redutivismo dos evolucionistas, mas também as avaliações do
fenômeno feitas em termos totalmente irracionais e emotivos”.10 Para Durkheim, as
crenças religiosas primitivas, antes tratadas como não-evoluídas ou não-civilizadas,
ganham novo sentido e valor.
homem, ele é a imagem de Deus de maneira tão plena e completa como quando a mulher também está
juntada a ele em um. (De Trinitate, 7, 10
6
Karina Kosicki Bellotti
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P.104
A representação de mundo, para Massenzio, é a “visão cultural que cada
sociedade projeta sobre a realidade exterior”11, produzindo novo conteúdo do simbolismo
religioso, passível do estudo histórico-cultural. Vale ressaltar que para ele as
representações coletivas religiosas podem criar ou ressignificar noções como o próprio
tempo. A relação homem-tempo, pode ser completamente distinta se for considerada a
questão da representação coletiva de mundo, própria das religiões. “O tempo torna-se
concebível na condição de poder distinguir momentos diversos, de poder mensurá-lo e
exprimi-lo por signos objetivos. ” Assim, a palavra “primitiva” para Durkheim, não
significa um estágio inicial num desenvolvimento religioso, mas talvez um estágio
cronológico, pois “as noções de tempo, espaço, número, causa ‘constituem a ossatura da
inteligência’: segundo Durkheim as crenças religiosas primitivas possuem as principais
dentre essas noções. ”12
Estes conceitos são de primeira importância para a análise do objeto de estudo
desta pesquisa. Os movimentos apocalípticos, neo-protestantes do século XIX norte-
americano, possuem um modo próprio de se relacionar com o tempo. Segundo Roger
Chartier, “ainda que esteja em constante processo de ressignificação, a representação
pode levar à generalização de uma ideia ou imaginário específico como uma verdade
absoluta, criando estigmas e estereótipos, paradigmas que se renovam e persistem por
anos. ”13 Considerando estes conceitos, em particular os adventistas do sétimo dia,
carregam em seu nome essa relação própria com o tempo, essa representação generalizada
e absoluta, no advento do fim e na santificação do sétimo dia como o Sabbah do primeiro
testamento bíblico.14
A historiografia das religiões ganha corpo, força e fôlego com a terceira geração
dos Annales, e a preconização do retorno da narrativa histórica. A multidisciplinaridade,
se tornou essencial para os estudos pois possibilitaria captar os acontecimentos de um
panorama ainda maior, (De Certeau, 1995, p.8), já que o historiador produz seu trabalho
a partir do presente, das preocupações com a realidade. (de Certeau 1995 p.224)
A preocupação desta pesquisa se deu pela recente agitação no meio evangélico-
protestante, sobre a ordenação de mulheres. É um assunto que está na pauta das agendas
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12
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CHARTIER, Roger. “O mundo como representação”. Revista Estudos Avançados. Vol.5 n.11. São Paulo,
Jan./Abr. 1991
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eu
das igrejas, polarizando alas conservadoras e progressistas.15 Em 2015, na última
conferência geral16 dos adventistas do sétimo dia, a expectativa geral dos acontecimentos
girava entorno do voto sobre a ordenação de mulheres. Naquele ano, a igreja escolheria
se cada divisão administrativa teria autonomia para ordenar mulheres em seus respectivos
campos. Votou-se pela proibição. Não era a primeira vez que o assunto tinha sido tratado
no concílio mundial, e o voto se repetiu.
O trabalho de grande fôlego de Aleida Aussmann, representa bem a questão
multidisciplinar trazida pelos Annales. Em Espaços da Recordação: formas e
transformações da memória cultural17, a problemática da memória em nossos dias, o
excesso de informações e os meios de armazenamento são colocados em debate sob
oposição à afirmação de Pierre Nora: “só se fala de memória, porque ela não existe
mais.”18
Para a autora, os modos de recordar são definidos culturalmente e são alterados
em relação ao tempo. A memória recompõe cenas do passado, ou as reconstrói? Ergue-
se a partir tão somente de um esforço deliberado, ou também de forma involuntária?
Formam-se apenas com lembranças, ou também a partir do esquecimento?19 Na formação
dos estados nacionais, se tornou necessária a documentação de todas informações que
circundavam o universo da identidade nacional. Logo, a partir da construção dessa
memória com suas inclusões e esquecimentos, produz quem se é. Apesar desse quase
monopólio do estado em busca de uma identidade, segundo a autora, a memória jamais
foi exclusiva do especialista, “jamais foi enquadrada pela história”.
As formas de acesso ao passado, são apresentadas como originárias da antiguidade
e do Renascimento. A memória dos mortos, a busca pela fama, e a lembrança histórica,
são exemplos dessas formas. A procura da justificação do presente pelo passado, não é
exclusiva dos estados nacionais. Nesse sentido, nasce a necessidade de proteger, arquivar,
catalogar, inspecionar tudo que pudesse simbolizar e legitimar uma tradição.
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Inclusive, na redação desta proposta de pesquisa, o concílio mundial está considerando um pedido de
reconsideração do último voto da IASD
16
Explicar a organização
17
Citar o livro
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O livro de Aussmann foi produzido em meio ao rompimento do silêncio sobre o nazismo e na esteira
da crescente digitalização da mídia. Aussmann questiona posições que apontam o fim da memória nas
últimas décadas, sobretudo a obra Les Lieux des Mémoire, de Pierre Nora, que obteve grande
repercussão internacional ao proclamar a subsunção da memória pela história.
19
Copiei do caderno
Para Aussmann os armazenadores, são centrais no processo de arquivamento
intencional. Ali, segundo ela, é a morada da história, da memória, dos vestígios do
passado, fruto de uma relação íntima com o poder.20 Nos arquivos, se escolhe o que deve
ser lembrado e o que deve ser esquecido, eles compõem a memória intencional, que é
própria das instituições.
Como a identidade religiosa protestante e adventista se consolidou entre o século
XIX e XX, como o ofício pastoral se tornou, majoritariamente masculino, são partes da
motivação deste estudo. A IASD possui larga documentação digitalizada por meio do
ASTR, órgão da Associação Geral. São atas de reuniões, concílios e encontros anuais,
jornais e revistas, imagens, que podem sugerir outras identidades que façam frente ao
padrão cultural dos dias atuais.
Se o século XIX testemunhou inúmeras conquistas e emancipações femininas nos
EUA, o meio religioso, apesar de ser lugar binário e ambíguo entre avanço e resistência21,
também verificou acentuada movimentação de mulheres em busca da participação no
centro da agenda das igrejas. O papel ambíguo da religião estava num pretensioso
moralismo em que na sociedade se refletia uma imagem da posição da mulher na igreja.
Em contrapartida, no despertar religioso do século XIX, eram elas que preenchiam as
maiorias das fileiras de campais, organizavam campanhas, e exerciam cargos de
liderança, excedendo a vida no lar, da qual era atribuído seu domínio.22 O contexto
histórico da Guerra Civil Americana (1860-1865), também foi fator importante de
conquista do espaço feminino com a crescente participação nas lutas político-sociais, tais
como pela abolição.23 Para este trabalho, a visão e debate trazidos pela historiadora Elaine
Moura da Silva é de primeira importância. Segundo ela:
O lar, a igreja e os encontros campais formam a trilogia dessa
cultura evangélica: atitudes religiosas domésticas de leitura bíblica e
orações diárias; a pequena igreja e sua comunidade de fiéis em torno de
um pastor e seus sermões doutrinários e sobre regras de conduta moral;
os encontros de reavivamento celebrando numa escala mais ampla os
valores centrados no lar e na igreja e permitindo um contato mais amplo
entre pessoas de diferentes locais; tais elementos compunham o
conjunto da cultura evangélica, com forte inserção e participação de
20
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Elaine Moura da Silva, página 24
22
Elaine Moura da Silva,
23
Idem
mulheres de diferentes níveis sociais e culturais. A fé religiosa expressa
em discursos, artigos, livros, correspondências apareceu como fator
essencial, senão o fundamental, da vida pública e privada dessas
mulheres, que se consideravam, em vários momentos, marginais à
própria sociedade em que viviam. A identidade religiosa foi a base de
seu trabalho. Reformar o mundo era uma missão tanto na prática
religiosa como na teologia.
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Explicar os mileitas
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“Resolved, That females possessing the necessary
qualifications to fill that position, may, with perfect propriety, be set
apart by ordination to the work of the Christian ministry.
“This was discussed by J.O. Corliss, A.C. Bordeau, E.R. Jones,
D.H. Lamson. W.H. Littlejohn, A.S. Hutchins, D.M. Canright, and J.N.
Loughborough, and referred to the General Conference Committee.”30
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Na preparação de 1985 percebe-se, a tentativa e esforço em se criar uma teologia da
ordenação, com pesquisas bíblicas, a fim de que o tema fosse melhor discutido em quatro
anos. Na última reunião, quatro anos depois, o grupo descreve a não-recomendação da
ordenação ao ministério pastoral:
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Para organização da igreja, ver nota
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Objetivos
Considerando a atualidade e importância do tema, esta pesquisa pretende avaliar
sob os conceitos de identidade e memória religiosa entre os protestantes, especialmente
os adventistas do sétimo dia. O propósito fundamental do trabalho é análise do paulatino
processo de afastamento da mulher do ofício pastoral, e como a memória da igreja sobre
a figura pastoral se consolidou pelo estereótipo masculino, tanto pela tradição como pela
sacralização desta memória. Para isso pretendemos:
Para construção deste projeto, realizamos por meio de consultas via Internet, um
levantamento preliminar de fontes. Priorizamos os assuntos que estejam diretamente
relacionados ao tema da ordenação de mulheres na IASD.
24 de novembro de 1879
25 de novembro de 1879
5 de dezembro de 1881
20 de novembro de 1885
23 de novembro de 1885
24 de novembro de 1885
4 de junho de 1941
6 de junho de 1941
20 de julho 1950
16 de julho de 1976
18 de julho de 1975
4 de julho de 1985
5 de julho de 1985
10 de julho de 1990
11 de julho de 1990
2 de julho de 1995
3 de julho de 1995
5 de julho de 1995
5 de julho de 2005
2 de julho de 2010
Atas
Exame de Qualificação X
Reestruturação da dissertação, X X
complementação de leituras e de
análise conforme sugestão da
Banca de
Qualificação