Você está na página 1de 13

MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia

ISSN 2318-0811
Volume II, Número 2 (Edição 4) Julho-Dezembro 2014: 425-437

A Teoria do Trabalho e as Preferências de Remuneração a


partir de uma Perspectiva Austríaca*
Martín Krause**

Resumo: A teoria econômica dos recursos humanos possibilita uma melhor


compreensão dos sistemas de remuneração em face dos problemas gerados pela
relação principal – agente, em que os indivíduos buscam a satisfação de seus interesses
pessoais, o que torna necessário um mecanismo que promova o alinhamento dos
interesses no interior das organizações. O prosseguimento dos estudos nessa área
acabou determinando uma simplificação dos pressupostos da teoria. A teoria
econômica da Escola Austríaca, ao enfatizar o valor subjetivo e a criatividade
empresarial, fornece o aparato conceitual apropriado para a análise das preferências
dos indivíduos em matéria de incentivos.

Palavras-Chave: Teoria do trabalho, Escola Austríaca de Economia, Remuneração,


Incentivos, Pecuniários, Não Pecuniários, Valor Subjetivo, Heterogeneidade.

Austrian Labor Theory and Preferences Over Compensation

Abstract: Personnel Economics has allowed us to better understand compensation


schemes in face of the problems coming out of the principal-agent relationship, with
individuals pursuing their own private interests making necessary a mechanism
to promote the alignment of interests within the organization. The theory had to
simplify its assumptions. Austrian Economics Theory, emphasizing subjective value
and entrepreneurial creativity gives a convenient background to consider individuals’
preferences over incentives.

Keywords: Labor Theory, Austrian Economics, Compensation, Incentives, Monetary,


Non-monetary; Subjective Value; Heterogeneity.

Classificação JEL: B53; D86; J00; J3; J33; M12; M52

*
O presente artigo foi elaborado com exclusividade para a MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia.
Traduzido do original inglês para o português por Evandro Ferreira e Silva.
**
Martin Krause é professor titular de Economia da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales e professor adjunto de
História do Pensamento Econômico na Universidad de Buenos Aires (UBA), na Argentina, professor visitante de Economia
Institucional na Universidad Francisco Marroquín (UFM), na Guatemala, professor visitante da Swiss Management Center,
na Suíça, pesquisador adjunto do Cato Institute, nos Estados Unidos, e membro da Mont Pelerin Society. Cursou a graduação
em Contabilidade Pública na UBA e o doutorado em Administração na Universidad Católica de La Plata. Foi professor titular
de Políticas Econômicas e Políticas Públicas da ESEADE, onde, também, ocupo as funções de Centro de Investigaciones de
Instituciones y Mercados de Argentina (CIIMA), vice-reitor e reitor. Atuou como diretor executivo da Fundación Libertad y
Democracia e consultor de comércio exterior da subsecretaria de indústria do ministério da economia na província de Buenos
Aires. É autor de diferentes artigos em revistas acadêmicas publicados na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa,
bem como dos Proyectos por una sociedad abierta (Abeledo-Perrot, 1993), Democracia directa (Abeledo-Perrot, 1997),
En defensa de los más necesitados (Atlántida, 1998), La economía explicada a mis hijos (Aguilar, 2003), Economía para
emprendedores (Aguilar, 2004), Análisis Económico del Derecho: Aplicación a Fallos Judiciales (La Ley, 2006), Por el ojo
de una aguja: Ética, negocios y dinero en el mundo de hoy (Aguilar, 2007), Elementos de Economía Política (La Ley, 2007)
e Economía, Instituciones y Políticas Públicas (La Ley, 2011).
E-mail: mkrause@derecho.uba.ar
426 A Teoria do Trabalho e as Preferências de Remuneração a partir de uma Perspectiva Austríaca

Introdução pecuniárias que afetam suas preferências,


então a função de utilidade toma a forma u(x,
Nas últimas décadas, a teoria econômica y). Se não há um “efeito riqueza”, sempre se
neoclássica registrou grandes avanços no considera que exista um valor de equivalência
estudo dos incentivos e da remuneração, pecuniária aplicável às variáveis não
também chamado por alguns autores de pecuniárias (y) e, então, a função de utilidade
“Economia dos recursos humanos”1. Chegou- pode ser expressa como u(x, y) = x + v(y), onde
se, assim, a uma nova compreensão da v(y) é o equivalente em dinheiro de todas as
mecânica da remuneração e introduziu-se outras variáveis não pecuniárias que afetam a
uma série de inovações nessa área de estudos. decisão do indivíduo.
Nesse contexto, viu-se que a maior parte das O chamado efeito riqueza é aquela
questões relativas à motivação derivam de situação em que, dadas duas possíveis
problemas no relacionamento entre principal decisões diferentes d1 e d2, existe uma quantia
e agente, pressupondo-se que os indivíduos de dinheiro definida, M, suficiente para que
busquem a satisfação de seus próprios o indivíduo se manifeste indiferente quanto a
interesses e que seja necessário algum tipo qual das duas decisões tomar. Se o sujeito da
de mecanismo que promova o alinhamento decisão recebesse antes uma quantia adicional
desses interesses com aqueles da companhia. de riqueza, isso não mudaria a quantia
A exemplo de todas as demais teorias necessária para provocar sua indiferença;
econômicas, esta também teve de simplificar além disso, ele deve possuir dinheiro
seus pressupostos para poder atingir um suficiente para que os pagamentos exigidos
nível mais alto de formalização e rigor; no se desloquem da opção menos atraente para
que obteve um sucesso considerável quanto à a opção preferida.
formulação dos problemas, mas muito menor No universo conceitual específico dos
quanto à oferta de soluções, considerando-se sistemas de remuneração, isso se aplica da
o foco limitado da pesquisa2. mesma forma, convertendo-se os elementos
Em muitos trabalhos nesta área, trata-se não pecuniários da remuneração em seus
dos sistemas de remuneração com o objetivo equivalentes pecuniários3.
de complementar a teoria básica segundo Neste artigo, procuraremos mostrar que
a qual cada trabalhador recebe um salário a perspectiva “austríaca” é o caminho mais
competitivo estipulado pelo mercado, sem, profícuo que uma teoria da remuneração
contudo, entrar-se em detalhes quanto à deve tomar com vistas a eliminar tal restrição
forma dessa remuneração, como ela muda ao e passar a ter em conta as diferentes reações
longo do tempo e de que modo se explicam os dos indivíduos “dentro” de uma companhia
diferentes incentivos ligados às inumeráveis quando submetidos a cada um desses tipos de
posições e funções ocupadas dentro de uma incentivo. Isto é, a visão subjetivista do valor
companhia.
Um dos pressupostos simplificadores 3
[...] as teorias econômicas são plenamente capazes
é a redução do princípio da maximização de integrar em seus modelos todos os aspectos da
da utilidade a um valor pecuniário. Se x é remuneração. Não é necessário que a remuneração
assuma formas pecuniárias. A renda psíquica derivada
o limite orçamentário de um indivíduo ou
dos benefícios de um cargo, do status, das condições
a quantidade de riqueza monetária de que de trabalho, entre outros fatores, são facilmente
este dispõe e y, todas as outras variáveis não incorporáveis na análise convencional. O que
distingue a abordagem econômica daquelas de outras
disciplinas é o fato de os componentes não pecuniários
1
LAZEAR, Edward P. Personnel Economics. In: The
serem convertidos em seus equivalentes monetários
Wicksell Lectures. Cambridge, Mass: The MIT Press,
no decorrer da análise. Como resultado disso, os
1996.
economistas tornam-se aptos a discutir esses fatores de
2
Idem. Ibidem., p. 2. maneira concreta e rigorosa. (Idem. Ibidem., p. 4).
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Martín Krause 427

que é própria da Escola Austríaca permite de remuneração6 e explicava as diferenças


eliminar o pressuposto da heterogeneidade salariais pelas características diversas de cada
dos agentes e, assim, abre o caminho para cargo. Na base da teoria que mais tarde se
uma teoria da remuneração mais realista desenvolveria estava o reconhecimento de
e elaborada, capaz de levar em conta as que tais diferenças salariais são necessárias
preferências subjetivas dos agentes em função para o nivelamento do conjunto dos atributos
de sua remuneração. pecuniários e não pecuniários entre os
diferentes cargos. Com base nisso, ressaltava-
se que a maximização dos resultados exigia o
I - O Modelo Neoclássico Básico alinhamento do tipo certo de trabalhador com
o tipo certo de companhia, designando-se
Seguindo-se um modelo básico de cada trabalhador para um “nicho” específico,
remuneração, costuma-se enunciar que seja dentro de uma empresa, seja entre duas
o nível de esforço e escolhido por um empresas7.
empregado pode ser relacionado a uma Um caso típico disso é a segurança do
variável mensurável, por exemplo, em termos trabalho. Pode-se “comprar” um certo nível
de horas de trabalho ou produção; medida de risco no trabalho mediante o pagamento
que é sempre imperfeita, pois estas podem ser de um determinado salário, para uma
afetadas por circunstâncias alheias à vontade determinada função, ceteris paribus8.
do empregado.
A formalização de variáveis não 6
Os salários em dinheiro e o lucro, na realidade,
pecuniárias em seus equivalentes pecuniários são extremamente diferentes em toda a Europa, de
iniciou-se com o trabalho de Sherwin Rosen acordo com os diferentes empregos de mão-de-obra
(1938-2001), em que o autor chama “preços e de capital. Essa diferença tem origem, em parte, em
hedônicos”4 aos valores implícitos de certas circunstâncias ou fatores inerentes aos próprios
empregos, fatores esses que, realmente ou ao menos na
atributos revelados aos indivíduos através imaginação das pessoas, respondem por um pequeno
dos preços de diferentes produtos e do ganho pecuniário em alguns, e contrabalançam um
número de atributos associados a cada um grande ganho em outros – e em parte na política
deles. Nos estudos da remuneração, chama- vigente na Europa, que em nenhum lugar permite que
se a isso “diferenciais de remuneração”, as coisas ocorram com plena liberdade.
[...]
transformando-se os componentes não São cinco as principais circunstâncias que, segundo
pecuniários em seu equivalente pecuniário5. tenho podido observar, respondem por um
Adam Smith (1723-1790) já enxergava pequeno ganho pecuniário em alguns empregos e
claramente a importância das variáveis contrabalançam um ganho grande em outros: primeiro,
pecuniárias e não pecuniárias como o caráter agradável ou desagradável dos próprios
empregos; segundo, a facilidade e o pouco dispêndio,
componentes daquilo que hoje chamamos ou a dificuldade e o alto dispêndio exigidos para a
aprendizagem dos empregos; terceiro, a constância ou
inconstância desses empregos; quarto, o grau pequeno
ou grande de confiança, colocado naqueles que os
ocupam; quinto, a probabilidade ou improbabilidade
4
ROSEN, Sherwin. Hedonic Prices and Implicit
de ter sucesso neles. (SMITH, Adam. A Riqueza das
Markets: Product Differentiation in Pure Competition.
Nações: Investigação Sobre sua Natureza e suas
The Journal of Political Economy, Vol. 82, No. 1. (jan.-
Causas. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo:
feb. 1974): 34-55.
Nova Cultural, 1996).
5
ROSEN, Sherwin. Substitution and Division of 7
ROSEN. The Theory of Equalising Differences.
Labour. Economica, Vol. 45 (1978): 235-250; ROSEN,
Sherwin. The Theory of Equalising Differences. In: 8
HÜBLER, Dominik & HÜBLER, Olaf. The Link
ASHENFELTER, O. & LAYARD, R. (Orgs.). Handbook between Job Security and Wages: A Comparison
of Labor Economics, Vol. 1, Chap. 12. New York: between Germany and the UK. SBR, Vol. 62 (jan. 2010):
Elsevier Science Publishers, 1986. 45-67.
428 A Teoria do Trabalho e as Preferências de Remuneração a partir de uma Perspectiva Austríaca

Quando se trata de incentivos gerados do empregador, principalmente em médias e


através de remuneração, o modelo básico grandes empresas; mas se a empresa assumisse
pressupõe que o nível de esforço e escolhido todo o risco, o empregado não teria incentivos
pelo empregado pode ser medido (em horas para buscar os melhores resultados possíveis
de trabalho, por exemplo), mas não pode ser e não se esforçaria - como acontece quando o
observado diretamente, uma vez que sofre a salário é fixo e o emprego é totalmente estável.
influência de outros fatores. As observações, Devido à diversidade de parâmetros
portanto, representam mensurações de e envolvidos em um contrato, estabelece-
distorcidas por fatores aleatórios que fogem se um equivalente pecuniário que inclui o
ao controle do agente. Por exemplo, o salário esperado, menos o custo de provisão
volume de vendas pode fornecer informações do esforço necessário, bem como um
relacionadas aos esforços despendidos, prêmio de risco9. Esses elementos podem ser
mas o resultado é afetado por fatores não modificados, mantendo-se o total inalterado
relacionados ao nível de esforço do agente. - a isso chamamos, anteriormente, “efeito
Nesse caso, teríamos: riqueza”. De acordo com o princípio de
(1) V = e + x maximização, um contrato eficiente é aquele
que especifique parâmetros que maximizem
...onde o volume de vendas depende do a soma equivalente das receitas, tanto para
esforço, bem como de uma variável x não o empregado como para o empregador.
observável separadamente, mas apenas Os contratos, no entanto, são incompletos.
integrada ao resultado geral V. Esse volume Estabelecem apenas o nível de esforço
pode crescer com o aumento do esforço, mas acordado entre as partes como compatível
também com o aumento do consumo, ou como com a remuneração, e vimos que este não
resultado de um concorrente estar passando pode ser observado diretamente, sendo
por dificuldades etc. A variável x não é escolhido pelo empregado, que continuará
observável, mas pressupomos que ela esteja despendendo esforços enquanto o benefício
relacionada a uma outra que o seja, como a marginal da remuneração superar o custo
demanda total do setor. A remuneração linear marginal.
se expressaria pela seguinte fórmula: Segundo se presume nessa análise, o
(2) S = B + β (V + py) empregador estipula o nível de esforço e, e
então procura ajustar os parâmetros B, β e p
Onde B é o salário-base, β é a medida de para tentar realizar o processo ao menor custo
intensidade do incentivo e p, o peso da possível; o que é conhecido como “problema
variável y. Como x não é observável, a da implementação”. Deduz-se também que,
remuneração consistirá em um salário fixo ao se projetar sistemas de remuneração,
e uma variável composta da porcentagem o valor total aumenta quando se introduz
das vendas ponderada pela evolução da variáveis de desempenho que reduzam a
demanda. Certamente que a remuneração variabilidade de outros fatores (x e y). Se x e y
linear não é a única fórmula possível. forem independentes, então não fará sentido
Os contratos de trabalho incluem outras usar y. Se, no entanto, a covariância for
variáveis, considerando-as como uma série
de parâmetros a estipular o nível de esforço 9
Presumindo-se que os valores de x e y sejam zero e que r
esperado do funcionário e a forma como este seja o coeficiente de risco do empregado, a equivalência
será remunerado conforme seu desempenho. é = B + βe - C(e) - ½β2 Var (x + py); (MILGROM, Paul
A natureza aleatória de x submete o & ROBERTS, John. Economics, Organization and
empregado a uma certa quantidade de risco. Management. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1992. p.
217). Há uma fórmula de equivalência também para o
O modelo básico pressupõe que a capacidade empregador, mas dado o foco da presente análise, aqui
do empregado de assumir riscos é inferior à nos preocupamos apenas com o agente.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Martín Krause 429

positiva, dever-se-á estipular um y negativo Em último lugar, o princípio da


para contrabalançar um fator de “sorte” a remuneração igual trata do caso em que o
afetar a quantidade de remuneração total. Da empregado tem de desempenhar diferentes
mesma forma, se a covariância for negativa, tarefas, algumas das quais podem ser medidas
um y postivo deverá ser estipulado10. com precisão, enquanto outras não podem.
Já quanto à intensidade do incentivo, esta Nesse caso, a introdução de um mecanismo
dependeria de quatro fatores: o crescimento de remuneração baseado na mensuração
nos lucros gerado pelo aumento do esforço, de uma atividade implicaria menor atenção
a precisão da mensuração do desempenho, prestada às outras.
a aversão ao risco da parte do agente e Embora o modelo básico sucintamente
o nível de reação deste aos incentivos11. apresentado leve em conta os incentivos não
Aqui encontramos, pela primeira vez, uma pecuniários (ainda que apenas através de
referência à heterogeneidade dos agentes, seu equivalente monetário), os economistas
a qual se introduz no processo na medida quase sempre se concentraram na análise
em que está relacionada a uma diferença na dos sistemas de recompensa baseados em
aversão ao risco, considerando-se que quanto remunerações pecuniárias13. Nesse sentido,
maior a tolerância, menor o risco assumido foram confrontados por uma série de autores,
pelo agente cujos incentivos estão mais particularmente do campo da psicologia,
intimamente ligados aos resultados. Mas bastante críticos em relação aos incentivos
isso é tudo, uma vez que o quarto fator (a pecuniários. Deci apresenta os resultados de
reação do agente a incentivos) está ligado às um projeto de pesquisa de acordo com o qual
características do emprego e à possibilidade a motivação extrínseca − incluindo-se aqui não
ou impossibilidade de o agente produzir
mais como reação a um incentivo; o que, por
sua vez, depende de seu poder de ingerência 13
Os modelos econômicos de remuneração geralmente
em questões como ritmo de trabalho, assumem que um desempenho superior exige esforços
maiores, ou que esse desempenho esteja associado,
cronogramas, ferramentas e equipamentos de alguma outra forma, à desutilidade da parte dos
etc. trabalhadores. Quando se trata de fornecer incentivos,
O princípio da intensidade do esses modelos preveem a existência de sistemas de
monitoramento12 introduz no modelo básico recompensa que estruturam a remuneração de modo a
os custos de controle, obtidos pela redução que a expectativa de utilidade de um trabalhador se eleve
conforme a produtividade observada. As recompensas
do tamanho dos grupos sob o controle de um podem assumir muitas formas diferentes, incluindo-se
supervisor, pela introdução de novas formas o elogio por parte dos superiores e dos companheiros
de controle de qualidade, ou, ainda, pela de trabalho, promessas implícitas de oportunidades
verificação da satisfação do cliente. Todas futuras de promoção, sentimentos de autoestima
essas alternativas, é claro, implicam um custo. provenientes de um maior reconhecimento pelos
colegas e do sucesso acima da média no desempenho
Portanto, a eficiência de seu uso será maior, das tarefas, além de gratificações em dinheiro - no
quanto mais a remuneração do agente estiver presente e no futuro - relacionadas ao desempenho.
vinculada a resultados. Embora reconheçam a possível importância das
recompensas não pecuniárias por desempenho, os
economistas tendem a concentrar-se nas pecuniárias
10
HOLMSTROM, Bengt. Moral Hazard and porque os indivíduos estão dispostos a substituir
Observability. The Bell Journal of Economics, Vol. 10, as recompensas não pecuniárias pelas pecuniárias
No. 1, (Spring 1979): 74-91. e porque o dinheiro representa uma demanda por
receita em termos gerais e costuma ser mais estimado
11
PRENDERGAST, Canice. The Provision of Incentives
que o pagamento de seu equivalente em mercadorias
in Firms. Journal of Economic Literature Vol 37 (1999):
ou gêneros (BAKER, George G. ; JENSEN. Michael C.
7-63.
& MURPHY, Kevin J. Compensation and Incentives:
12
MILGROM & ROBERTS. Economics, Organization Practice vs. Theory. The Journal of Finance, Vol. XLIII,
and Management. p. 221. No. 3 (1988). p. 594).
430 A Teoria do Trabalho e as Preferências de Remuneração a partir de uma Perspectiva Austríaca

apenas pagamentos condicionais em espécie, de inteligência17. Quando o pagamento era


como também ameaças de punição por mau por peça, o desempenho mostrava-se inferior
desempenho ou avaliações negativas – reduz a quando não havia o pagamento, ainda
as motivações “intrínsecas”14. Conforme que o pagamento por peça representasse
se verificou, pagamentos condicionais um resultado melhor quando superior.
não elevavam a motivação, enquanto os Para os autores, o método de pagamento
incentivos verbais cumpriam esse objetivo. (sem pagamento, pequenos pagamentos, ou
Frederick Herzberg (1923-2000), por sua vez, grandes pagamentos) representava uma pista
classifica os incentivos em duas categorias: quanto à meta do experimentador. Quando
a dos fatores “motivantes”, incluindo o os participantes recebiam o pagamento antes
reconhecimento de metas cumpridas, do experimento, interpretava-se que eles já
o próprio cargo, a responsabilidade e o haviam sido remunerados e que deveriam
crescimento ou desenvolvimento pessoal; e a esforçar-se o máximo possível. Se, entretanto,
dos fatores que buscam evitar a insatisfação, o pagamento fosse “por peça”, interpretava-se
como a política da empresa, a supervisão, que o objetivo do experimento era o dinheiro
as relações interpessoais, as condições de e o resultado mostrava-se pior quando o valor
trabalho, o status e a segurança15. Com base pago era baixo, embora melhorasse quando o
numa amostragem de 1685 empregados, valor pago era alto. Para Roland Bénabou e
observou-se que os fatores do primeiro Jean Tirole, o experimento demonstra o “efeito
tipo representavam a fonte principal de deslocamento” dos incentivos pecuniários
insatisfação. Mais especificamente, o sobre os não pecuniários18. No universo
cumprimento de metas teve um índice de conceitual de um modelo de tipo “principal
seleção de 40%, o reconhecimento, de 30%, – agente”, o principal conhece melhor as
enquanto os salários não chegaram a 10%. Já capacidades do agente ou as características
para Alfie Kohn, a remuneração pecuniária do emprego, e ambos conhecem essa
não é um fator motivador, mas sim uma diferença. Nesse caso, o incentivo pecuniário
punição, quando não se recebe um prêmio vinculado à produtividade seria um mau
pela realização de alguma tarefa16. Essa sinal, pois apontaria para a necessidade de
punição deteriora as relações de cooperação, oferecer incentivos monetários devido à baixa
ignorando as razões por que os empregados capacidade do agente ou às características
não tiveram o desempenho esperado, negativas do emprego.
desencoraja a assunção de riscos e destrói o Roberta Dessi e Aldo Rustichini
interesse do empregado pelo seu trabalho. realizaram uma pesquisa para verificar a
Mais recentemente, o debate deslocou- validade dessas duas teorias19. Conforme
se para o campo da economia experimental: afirmam os autores em suas conclusões, para
Uri Gneeze e Aldo Rustichini descobriram tarefas que demandam talento, é melhor “não
uma relação “não-monotônica” entre o haver pagamento algum” quando a motivação
pagamento por peça produzida e um teste intrínseca for suficientemente alta; pois,

14
DECI, Edward. The Effects of Contingent and 17
GNEEZY, Uri & RUSTICHINI, Aldo. Pay Enough or
Non-contingent Rewards and Controls On Intrinsic don’t Pay at All. Quarterly Journal of Economics, Vol.
Motivation. Organizational Behavior and Human 115, No. 3 (2000): 791-810.
Performance, Vol. 8 (1972): 217-229. 18
BÉNABOU, Roland & TIROLE, Jean. Intrinsic and
15
HERZBERG, Frederick. One more time: How do you Extrinsic Motivation. Review of Economic Studies,
motivate employees? Harvard Business Review (sep.- Vol. 70 (2003): 489-520.
oct. 1987). 19
DESSI, Roberta & RUSTICHINI, Aldo. Work for
KOHN, Alfie. Why Incentive Plans Cannot Work.
16
Image and Work for Pay. IDEI, Relatório de trabalho
Harvard Business Review, Sep-Oct 1993. No. 683 (Setembro de 2011).
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Martín Krause 431

nesse caso, incentivos pecuniários suscitam e John List, por sua vez, confirmam o mesmo
demasiado empenho e pouco desempenho. resultado com um experimento semelhante22;
Por outro lado, deve-se pagar “o bastante” ressaltando, entretanto, que tal conduta
quando os estímulos intrínsecos forem persiste após o período inicial, embora os
insuficientes para motivar os indivíduos resultados posteriores sejam iguais.
talentosos. Na mesma trilha do já citado Frederick
Em uma pesquisa realizada por Sebastian Herzberg, outro ramo desse campo de estudos
Kube, Michel André Maréchal e Clemens enfatiza o ato de “projetar” as tarefas como
Puppe em um ambiente natural, contrataram- um importante fator motivador. J. Richard
se empregados para catalogar livros em uma Hackman (1940-2013) e Greg R. Oldham
biblioteca por um período limitado de tempo, desenvolveram o “modelo das características
oferecendo-se 12 euros por hora20. Num do emprego”, afirmando que estas
segundo momento, foi implementado um representam um incentivo intrínseco: quando
aumento salarial imprevisto de quase 20%. o trabalho é “importante”, os empregados se
Posteriormente, substitui-se o aumento por comprometem mais, concentram-se mais nos
um presente de valor equivalente a este e, objetivos, prestam mais atenção, raciocinam
finalmente, numa quarta fase, os empregados mais cuidadosamente e trabalham mais23.
foram informados do valor exato em A réplica dos economistas a essa contes-
dinheiro do presente recebido. Os resultados tação traz à tona questões interessantes. Para
demonstraram que o aumento no valor
pago teve um impacto insignificante sobre a
produtividade dos empregados, enquanto era garantido, ou prometido com confiabilidade,
antes de o esforço ser realizado. Os resultados dão
o presente de valor equivalente gerou um respaldo à perspectiva que admite a existência de
aumento de 30% na produção, que perdurou dois mercados distintos: quando o pagamento era
por todo o período. O resultado manteve- oferecido na forma de presentes (doces), ou quando
se inalterado quando se informou aos não se o mencionava, os esforços pareciam advir de
empregados o valor do presente. O contraste motivos altruísticos e eram altamente insensíveis à
magnitude do pagamento. Em contrapartida, quando
comportamental foi confirmado por um o pagamento era em dinheiro, os esforços pareciam
questionário distribuído em seguida, através derivar da reciprocidade e se revelavam sensíveis
do qual se descobriu que o presente tende à magnitude da quantia paga. Finalmente, em um
muito mais a sinalizar boas intenções do que o mercado misto (quando o pagamento era na forma de
aumento salarial, o que leva os funcionários a presentes, mas o custo destes era informado), a simples
menção do pagamento pecuniário era suficiente para
retribuírem com o aumento da produtividade. deslocar a visão que se tinha do relacionamento, de
É o valor simbólico do presente que gera a uma perspectiva mais social para uma outra, mais
reação. Resultados semelhantes foram obtidos mercadológica e monetária. Isto é, o próprio dinheiro
por James Heyman e Dan Ariely com 614 pode representar uma indicação do tipo de intercâmbio
estudantes de Berkeley e do MIT21. Uri Gneezy do qual os indivíduos se consideram participantes, o
que, por sua vez, influencia sua disposição para exercer
esforço (HEYMAN, James & ARIELY, Dan. Effort
for Payment: A Tale of Two Markets. Psychological
20
KUBE, Sebastian; MARÉCHAL, Michel André &
Science, Vol. 15, No. 11 (November 2004): 787-793. p.
PUPPE, Clemens. The Currency of Reciprocity: Gift-
791).
Exchange in the Workplace. Working Paper Series,
Relatório de trabalho No. 377. Institute for Empirical 22
GNEEZY, Uri & LIST, John A. Putting Behavioral
Research in Economics. Universidade de Zurique Economics to Work: Testing for Gift Exchange in Labor
(2008). Markets using Field Experiments. Econometrica, Vol.
74, No. 5 (September 2006): 1365–1384.
21
Duas experiências envolvendo comportamento
real e uma envolvendo comportamento hipotético 23
HACKMAN, J. Richard & OLDHAM, Greg R.
foram conduzidas em um ambiente genérico em Motivation through the design of work: test of a theory.
que os indivíduos participavam de jogos em que se Organizational Behavior and Human Performance,
tinha apenas uma chance de vencer. O pagamento Vol. 16, No. 2 (1976): 250-279.
432 A Teoria do Trabalho e as Preferências de Remuneração a partir de uma Perspectiva Austríaca

George G. Baker, Michael C. Jensen e Kevin Entre os trabalhos mais recentes que
J. Murphy, as críticas aos sistemas de paga- defendem o pagamento por desempenho,
mento por desempenho não provam que es- pode-se citar o ensaio de Edward P. Lazear
tes sejam ineficazes, mas sim que são eficazes e Kathryn L. Shaw28 e o estudo de Edward
demais, pois motivam as pessoas a fazer exa- P. Lazear, Steffen Altmann e Klaus F.
tamente aquilo que se mandou que elas fizes- Zimmermann29.
sem; embora às vezes gerem conseqüências
imprevistas, por ser difícil especificar o que
as pessoas devem fazer e, logo, como se deve II - A Teoria do Trabalho
medir seu desempenho24. Segundo G. Bennett
Stewart III, o sistema de preços faz com que os da Escola Austríaca e a
recursos escassos sejam distribuídos eficiente- Heterogeneidade dos Agentes
mente, ao recompensar quem conserva e pe-
nalizar quem não reage aos estímulos. Nesse Todo esse debate, no entanto, concentra-
contexto, pergunta o autor: “será verdade que se nos incentivos desde o ponto de vista
as pessoas reagem a incentivos pecuniários quando da “oferta”, direcionados a um conjunto
gastam sua renda, mas não quando a ganham, homogêneo de agentes e com vistas a melhorar
como parece pensar Kohn?”25. o desempenho; subestimando-se os incentivos
Ao comentar alguns estudos sobre cria- tomados desde a perspectiva da “demanda”.
tividade realizados com artistas, Amabile et al Uma visão “austríaca” nos levaria a considerar
e Amabile observam que, embora os artistas o problema da heterogeneidade.
realmente prefiram trabalhos não encomen- Desde o surgimento da Escola Austríaca,
dados, o que mais afeta a criatividade são as seus economistas sempre se preocuparam
cláusulas restritivas que podem aparecer no com a remuneração do trabalho. Mais
contrato quando se encomenda um trabalho26. especificamente, desenvolveram a teoria
Exceto por esse problema, os artistas são re- da utilidade marginal e da produtividade
ceptivos a esse tipo de trabalho: marginal do trabalho, para explicar a
Kohn documenta com precisão as provas remuneração do trabalho em geral30. O
de que as recompensas podem comprome- primeiro a confrontar as teorias do valor-
ter a criatividade. Não menciona, contudo, trabalho foi Eugen von Böhm-Bawerk (1851-
as provas de que as recompensas tangíveis 1914), no Livro V de sua obra Capital e Juros,
podem, na verdade, aumentar a criativida-
onde critica as teorias do juro baseadas
de em certas circunstâncias, principalmente
no trabalho, as quais classificava em três
quando o foco principal do indivíduo é o
valor intrínseco do próprio trabalho27. grupos: o grupo inglês de James Mill (1773-
1836) e John Ramsey McCulloch (1789-1864),
daqueles que pretendem explicar o juro e, ao
24
BAKER ; JENSEN & MURPHY. Compensation and
Incentives: Practice vs. Theory. p. 597.
LAZEAR, Edward P. & SHAW, Kathryn L. Personnel
28

25
STEWART, G. Bennett III. Rethinking Rewards. Economics: The Economist’s View of Human Resources.
Harvard Business Review, Perspectives, (nov.-dec. NBER, Relatório de trabalho No. 13653. Cambridge,
1993). p. 4. MA: National Bureau of Economic Research, 2007.
26
AMABILE, Teresa M.; HENNESSEY, Beth Ann 29
LAZEAR, Edward P.; ALTMANN, Steffen
& GROSSMAN, Barbara S. Social Influences on & ZIMMERMANN, Klaus F. Inside the Firm:
Creativity: The Effects of Contracted-for Reward. Contributions to Personnel Economics. Oxford:
Journal of Personality and Social Psychology, Vol. 50, Oxford University Press, 2011.
No. 1 (1986): 14-23; AMABILE, Teresa M. Rethinking 30
BOETTKE, Peter J. & LUTHER, William J. Labor
Rewards. Harvard Business Review, Perspectives
Economics from an Austrian Perspective. Relatório
(nov.-dec. 1993).
de Trabalho No. 12-4. Departamento de Economia da
27
Idem. Ibidem., p. 7. Universidade George Mason (2012).
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Martín Krause 433

mesmo tempo, sustentar uma teoria do valor- As condições necessárias ao surgimento


trabalho; o grupo francês de Jean Gustave do prazer podem ser consideradas mais
Courcelle-Seneuil (1813-1892), segundo o “homogêneas” no caso da primeira categoria
qual há dois tipos de trabalho, o “vigoroso” e da terceira, menos um pouco no caso da
e o “poupador”, caracterizado pela “recusa segunda e menos ainda para a quarta.
de qualquer gratificação por um determinado Não obstante, conforme afirmaremos
período de tempo”; e o grupo alemão aqui, mesmo essas condições mais “homogê-
(formado pelos ditos socialistas de cátedra31), neas” devem ser consideradas “heterogêne-
inspirado por Johann Karl Rodbertus (1805- as” entre diferentes agentes, e isso também
1875), a quem Böhm-Bawerk dedica uma tem a ver com a evolução recente das relações
seção inteira do Livro VI, seguida de sua industriais. Para Mises, o industrialismo não
crítica a Karl Marx (1818-1883). se interessou em aumentar a alegria do tra-
Depois disso, foi Ludwig von Mises balho. Como forma de incentivar o trabalha-
(1881-1973) quem aprofundou essas idéias dor, o sistema fiou-se no progresso material
em um capítulo (No XXI, “Trabalho e advindo da remuneração pecuniária. Mas sa-
Salários”) caracterizado por uma perspectiva bemos que isso mudou.
claramente subjetivista do início ao fim. Mises sustenta que a “alegria” não
Considerando a “desutilidade do trabalho”, faz as pessoas trabalharem melhor, pois o
Mises fornece quatro razões (subjetivas) por que elas querem é gratificação mediata do
que um indivíduo a superaria: para manter trabalho e “A única maneira de fazer um homem
sua mente e seu corpo fortes (como quando se trabalhar mais e melhor é pela oferta de uma maior
pratica um esporte), para servir a Deus, para recompensa”33, embora uma recompensa possa
evitar maiores inconvenientes ou “porque ser pecuniária ou não. Além disso, sua análise
prefere o produto que é capaz de obter com o seu inclui claramente a “heterogeneidade” das
esforço à desutilidade do trabalho e aos prazeres condições de trabalho: “Não existe um tipo
do ócio”32. Os três primeiros tipos de trabalho uniforme de trabalho ou um nível geral de salários.
são gratificantes por si mesmos e Mises os O trabalho varia em qualidade e cada tipo de
chama de “introvertidos”, enquanto o quarto trabalho presta serviços diferentes”34. Até aqui,
é dito “extrovertido”. Para Mises, apenas o essa heterogeneidade do trabalho não difere
último diz respeito à “cataláxia”. Isso inclui daquela da perspectiva neoclássica. Ainda
a “alegria” de realizar um certo trabalho, assim, uma justificação coerente da valoração
não como “bem de consumo” em si mesmo, subjetiva deve implicar a heterogeneidade na
mas sempre como uma forma de gratificação demanda por diferentes tipos de remuneração.
indireta, cujas fontes são: “a antecipação do prazer No capítulo supracitado, Mises apre-
representado pelo reconhecimento de um trabalho senta toda uma gama de perspectivas clássi-
bem feito e sua correspondente remuneração”, “o cas e austríacas acerca de diversas questões
prazer da experiência estética proporcionado pela que envolvem o trabalho: a determinação
sua habilidade e pela sua obra”; o “prazer por dos salários enquanto fator de produção
ter superado com êxito o esforço e aborrecimento como qualquer outro, a conexão entre todos
necessários à sua execução”; e a satisfação de os tipos de mão-de-obra e de salários atra-
“determinados desejos”, como os eróticos. vés do mercado, a suposta “combinação”
entre os empregadores para manter baixos
os salários, o desemprego cataláctico e o
31
“Katheder-socialisten” em alemão. (N. do T.) institucional, os salários brutos e líquidos,
32
Os trechos traduzidos aqui seguem a seguinte edição os salários e a subsistência, o papel dos sin-
brasileira: MISES, Ludwig von. Ação Humana: Um
Tratado de Economia. Trad. Donald Stewart Jr. São 33
Idem. Ibidem., p. 592.
Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 3a ed., 2010.
p. 588. 34
Idem. Ibidem., p. 593.
434 A Teoria do Trabalho e as Preferências de Remuneração a partir de uma Perspectiva Austríaca

dicatos, a oferta de mão-de-obra e a Revolu- O modelo não leva em conta questões de


ção Industrial. remuneração, mas passa direto à consideração
Os estudos mais recentes da Escola do desemprego não-cíclico e cíclico (neste
Austríaca são mormente empíricos35 e tratam último caso, introduz-se ali a teoria dos ciclos
do impacto do salário mínimo instituído por lei, econômicos, da Escola Austríaca).
bem como da questão da heterogeneidade, mas
desde uma perspectiva diferente daquela aqui
adotada. “Os economistas da Escola Austríaca
III - Uma Visão “Austríaca”
costumam enfatizar fortemente que a força de
trabalho se compõe de agentes heterogêneos. da Remuneração
No contexto das diferenças salariais entre
o Norte e o Sul dos Estados Unidos, Don Para além de todos os subsídios
Bellante recorre à heterogeneidade da mão- apresentados, procuramos sustentar aqui
de-obra para explicar a alta correlação entre que uma contribuição austríaca à teoria da
a imigração e a emigração entre as duas remuneração deve ressaltar a heterogeneidade
regiões36. Por presumirem a força de trabalho dos agentes.
como homogênea, muitos observadores Do ponto de vista “neoclássico”, a
ficavam intrigados com o fato de a emigração heterogeneidade advém do fato de que as
do Sul (região de salários mais baixos) era empresas, ao proclamarem sua cultura interna
folgadamente compensada pela emigração do e seu sistema de remuneração, entre outras
Norte (onde os salários eram mais altos). Em coisas, podem desencadear um processo
contraposição, para Bellante, os trabalhadores imperfeito de auto-seleção da parte das
– cujos perfis se caracterizam por combinações pessoas interessadas em trabalhar com elas.
específicas de trabalho bruto, educação Ao fim, então, terminam contratando agentes
formal, treinamento profissional e experiência que nutrem preferências preconcebidas de
– mudam-se para áreas onde o salário real diversos tipos39, quando não conseguem
é mais alto para eles (e não para onde o contratar com vistas a um resultado específico.
salário seja mais alto em média)37. Assim, os Os estudiosos da área não costumam
deslocamentos cruzados da força de trabalho tratar muito desse tipo de heterogeneidade
observados aumentam a eficiência mediante e, quando o fazem, consideram apenas as
o aprimoramento do amálgama de tipos de diferenças de habilidade40 e seu possível
mão-de-obra em cada região. impacto sobre o sistema de planejamento
Posteriormente, Peter J. Boettke e da remuneração; ou as reações gerais dos
William J. Luther apresentam seu próprio indivíduos durante o desempenho de certas
modelo “austríaco” dos mercados de tarefas e funções, embora os incentivos
trabalho, que trata dos custos de prospecção pecuniários só exerçam efeito sobre alguns
de um trabalhador com base em um modelo deles41.
desenvolvido por Stigler e que pressupõe
um processo competitivo de mercado38. 39
PRENDERGAST, Canice. Intrinsic Motivation and
Incentives. American Economic Review, Papers &
Proceedings, Vol. 98, No. 2 (2008): 201-205.
35
BOETTKE & LUTHER. Labor Economics from an
Austrian Perspective. p. 15. 40
BALAFOUTAS, Loukas ; DUTCHER, Glenn ;
LINDNER, Florian & RYVKIN, Dmitry. To reward
36
BELLANTE, Don. The North-South Differential and
the best or to punish the worst? A comparison of two
the Migration of Heterogeneous Labor. American
tournament mechanisms with heterogeneous agents.
Economic Review, Vol. 69, No. 1 (1979): 166-175.
Working Papers in Economics and Statistics, 2012-08.
37
Idem. Ibidem. University of Innsbruck (2012).
38
BOETTKE & LUTHER. Labor Economics from an 41
Em muitas tarefas, a presença de incentivos
Austrian Perspective. p. 21. financeiros e sua quantidade parecem realmente
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Martín Krause 435

Na análise daquele a que se costuma Nossa hipótese essencial quanto a esse


chamar “modelo hedônico”42, chega-se problema é que os agentes se caracterizam
a tratar dos benefícios pecuniários e da necessariamente pela heterogeneidade no
heterogeneidade do agente, mas apenas como que concerne a suas preferências quanto
elementos externos que afetam a empresa. aos diferentes sistemas de motivação e
Sua manifestação permite que os agentes se remuneração; e isso, por sua vez, exercerá
selecionem conforme as próprias preferências, grande impacto sobre a eficiências desses
mas mesmo neste caso, e considerando- sistemas. À parte o debate sobre qual tipo
se a diversidade de tarefas dentro de uma de incentivo é preferível, se o pecuniário ou
empresa, a heterogeneidade será inevitável. o não pecuniário, sempre haverá, dentro de
A necessidade de introduzir a análise da uma empresa, agentes mais motivados por
heterogeneidade “dentro” das empresas um ou outro desses tipos de incentivo, ou por
parece ser um fato incontornável. diferentes combinações deles. Nesse sentido,
o sistema de motivação e remuneração mais
afetar o desempenho geral, sobretudo quando
“eficiente” será aquele que promova o mais
exigem capacidade de julgamento e quando o alto grau de esforço da parte do agente, para
esforço é influenciado por incentivos (o que se cumprir as metas estipuladas pelo principal.
mede independentemente, por exemplo, através Um sistema geral se aproximará das
do tempo de reação da pessoa e da dilatação de sua condições ideais, mas nunca satisfará todas as
pupila) e quando o aumento dos esforços melhora o
desempenho. Entre os casos desse tipo, estão as tarefas
preferências individuais. Isso só seria possível
de memorização ou rememoração (nas quais o ato de com um sistema que as levasse em conta e que
prestar atenção é de grande ajuda); as de pareamento se adaptasse a elas.
de probabilidades e aprendizagem probabilística Um sistema como este enfrentaria o pro-
envolvendo múltiplos sinais (em que a capacidade de blema das limitações do conhecimento43. De-
registrar cuidadosamente os testes anteriores torna
mais precisas as previsões); e as tarefas ‘burocráticas’
senvolver um sistema de motivação e remu-
(por exemplo, compilar palavras e montar objetos), tão neração adaptado às preferências individuais
triviais que a recompensa pecuniária leva a pessoa a de cada agente seria não apenas altamente
aplicar-se persistentemente em sua execução, mesmo dispendioso para uma empresa, como tam-
depois de a motivação se esgotar. Para inúmeras tarefas, bém lhe faltaria o conhecimento necessário
os incentivos não fazem diferença, provavelmente por
haver motivação intrínseca suficiente para garantir
para tanto44. Essas limitações de conhecimen-
um bom desempenho, ou então por ser inútil esforçar-
se mais, o que acontece quando a tarefa é difícil 43
HAYEK, Friedrich A. The Use of Knowledge in Society.
demais ou tem um limite de retorno proporcional. American Economic Review, Vol. XXXV, No. 4 (1945):
Para outras tarefas, os incentivos podem ser mesmo 519-530. Em português, o artigo foi publicado como
prejudiciais. Sua intensificação pode levar as pessoas HAYEK, F.A. O Uso do Conhecimento na Sociedade.
a sobreaprenderem uma heurística (no caso de tarefas Trad. Philippe A. Gebara Tavares. MISES: Revista
de resolução de problemas envolvendo criatividade), a Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia, Vol.
reagir de forma exagerada às informações recebidas (no I. No. 1 (jan.-jun. 2013): 153-162.
caso de algumas tarefas de previsão), ou a exercerem 44
O caráter peculiar do problema da ordem econômica
‘esforço demais’ em circunstâncias nas quais bastaria
racional é determinado precisamente pelo fato de que o
um pequeno esforço habitual (asfixia durante a prática
conhecimento das circunstâncias, do qual devemos fazer
de esportes). O mesmo acontece quando a excitação
uso, nunca existe de forma concentrada e integrada,
causada pelo incentivo intensifica a autoconsciência
mas apenas como pedaços dispersos de conhecimento
da pessoa (por exemplo, no caso do aluno que fica
incompleto e frequentemente contraditório que
ansioso na hora de fazer uma prova). (CAMERER,
todos os indivíduos isolados possuem. O problema
Colin F. HOGARTH, Robin M. The Effects of Financial
econômico da sociedade não é, portanto, somente
Incentives in Experiments: A Review and Capital-
um problema de como alocar recursos “dados” -
Labor-Production Framework. Journal of Risk and
se por um “dado” entende-se aquilo que é dado a
Uncertainty, Vol. 19, No. 1-3 (1999): 7-42; 489-520. p. 1.)
uma única mente que resolveria reflexivamente o
42
LAZEAR & SHAW. Personnel Economics: The problema posto pelos “dados de input”. É mais uma
Economist’s View of Human Resources. questão de como assegurar o melhor uso dos recursos
436 A Teoria do Trabalho e as Preferências de Remuneração a partir de uma Perspectiva Austríaca

to não implicam, entretanto, que o principal informações privadas, mas não preferências
deva excluir qualquer tentativa de alinhar individuais. Descobrir quais são essas
os métodos de incentivo de cada empregado preferências é uma tarefa não apenas muito
com aqueles da empresa em geral. Da mesma dispendiosa, como praticamente impossível,
forma, o caráter disperso do conhecimento dada a natureza subjetiva destas e a escassez
não impede a existência de um sistema desig- de relações de troca que as revelem. Ainda
nado a transmiti-lo, por mais imperfeito que assim, e embora também tenha o seu custo,
este seja. Esta é a função do sistema de pre- o menu representa uma solução alternativa,
ços, no qual as preferências dos consumidores ao propor justamente o estabelecimento de
e as dos produtores se revelam e transmitem relações de troca.
informações que permitem uma coordenação Os planos existentes são geralmente
entre as decisões desses dois agentes. conhecidos como de “estilo cafeteria”,
No que diz respeito ao mercado externo, ou planos de benefícios flexíveis, dada a
portanto, a heterogeneidade das preferências chance de escolher entre um menu de
permitirá somente a existência de sinais que opções oferecido46. Um plano desse tipo é
os agentes usarão para selecionar a si mesmos. oferecido, por exemplo, pela Universidade
Por ora, a única maneira conhecida de fazer de Delaware, que dá a seus funcionários
isso chama-se “menu de contratos”. “Udollars” a serem gastos em uma pletora
de benefícios não pecuniários. Há até mesmo
a possibilidade de comprar mais benefícios
IV - Menu de Contratos do que o permitido pela quantidade de
“Udollars” recebida, pagando-se o excedente
Os problemas descritos acima costu- em dólares ainda isentos de impostos. Se o
mam ser apresentados - acertadamente, a nos- empregado gastar menos que os “Udollars”
so ver − como parte da necessidade de obter, que possui, recebe a diferença também em
dos agentes, informações “privadas” às quais dólares ainda isentos47.
o principal não tem acesso, tais como o po- Este, contudo, não é o único setor em
tencial de desempenho em determinada tare- que se pode dar opções aos empregados. Já
fa, ou os resultados alcançáveis de diferentes mencionamos aqui que o ato de “projetar”
projetos. Quanto ao uso de tais informações a tarefa pode ser motivador para o agente,
privadas, dois mecanismos são propostos: os e nesse caso há também muita variedade,
menus de contratos e a administração por me- conforme vimos. A empresa de consultoria
tas45. No segundo caso, o agente e o principal McKinsey, organiza um torneio em
(podendo este ser um supervisor que, por sua parceria com a Management Innovation and
vez, é um agente perante outros níveis da es- eXchange, de Gary Hammel, e a Harvard
trutura hierárquica) negociam entre si alguns Business Review. Na edição de 2012, um dos
critérios e parâmetros de avaliação do desem- vencedores foi um grupo da Microsoft e o
penho do primeiro. prêmio foi a possibilidade de os membros
No que se refere ao agente, o menu de do grupo escolherem sua próxima tarefa.
contratos é considerado um meio de revelar
46
“Implementing a Cafeteria-style benefits plan”:
http://www.cbsnews.com/8301-505125_162-
conhecidos para todos os membros da sociedade, para 51064280/implementing-a-cafeteria-style-benefits-
fins cuja importância relativa apenas estes indivíduos plan/ . Ver também BAYTOS, L. M. The Employee
conheceriam. Ou, para sintetizar, este é um problema Benefit Smorgasbord: Its Potential and Limitations.
sobre a utilização do conhecimento que não é dado a Compensation Benefits Review, Vol. 2, No. 1 (January
ninguém em sua totalidade (Idem. Ibidem. p. 154). 1970): 16-28.
45
MILGROM & ROBERTS. Economics, Organization 47
http://www.udel.edu/ExecVP/policies personnel
and Management. p. 401. /4-73.htm
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Martín Krause 437

Outro exemplo semelhante é o que acontece individuais e um nível mais elevado de efici-
na Semco, uma empresa brasileira48. ência, ou de qualquer outro mecanismo pro-
Um dos motivos por que as empresas jetado pelos empreendedores. No entanto, até
relutam em adotar sistemas como esses são o presente momento, a gestão de um sistema
os altos custos administrativos e contábeis. assim é dispendiosa em si mesma, mais que
Outra razão é que uma parte dos benefícios a de um outro que não leve em conta todos
concedidos vêm sob a forma de seguros e é mais esses fatores. As limitações informacionais
difícil fazer uma estimativa deles, pois não se implicam custos potencialmente elevados.
sabe antecipadamente quantos empregados os Uma empresa só adotará sistemas desse tipo
escolherão. Mas não se trata de um problema quando os benefícios em matéria de produ-
insolúvel. Os custos administrativos podem- tividade forem maiores que os custos de sua
se reduzir através de iniciativas inovadores implementação. Na medida em que esses cus-
por parte da empresa, ou pela terceirização, tos se reduzam, o emprego de tais sistemas
no caso dos fornecedores. Estes, entretanto, se tornará mais amplamente difundido, ou
geralmente são afetados também por uma então se desenvolverão outras alternativas.
grande quantidade de regulamentações Nesse sentido, a maioria das leis trabalhistas
trabalhistas e fiscais49. funciona como barreiras à inovação empresa-
rial no campo da remuneração.
A Escola Austríaca fornece todo um apa-
Conclusão rato conceitual para a análise da diversidade
das preferências e para a exclusão da homo-
A adoção de uma visão “austríaca”, fun- geneidade dos agentes como pressuposto te-
dada no valor subjetivo, das preferências con- órico. Os indivíduos são diferentes entre si e
cernentes aos tipos de incentivo, e a introdu- também avaliam de formas diversas os tipos
ção da heterogeneidade dos agentes na aná- de incentivo a que são submetidos. Já é tempo
lise dos sistemas de remuneração adotados de a teoria da remuneração avançar, passan-
pelas empresas, tudo isso nos permite ter em do a levar em conta essa diversidade no inte-
conta as diferentes preferências dos agentes rior das organizações.
quanto aos componentes pecuniários e não
pecuniários, excluindo-se assim a suposta
equivalência monetária de ambos.
Essa diversidade traz à tona o problema
das limitações informacionais e da impossi-
bilidade de o principal conhecê-las em cada
caso específico, posto não haver relações de
troca que as revelem.
Essas trocas podem resultar da imple-
mentação de um menu de contratos que per-
mita uma melhor adaptação às preferências

48
SIEHL, Caren ; KILLIAN, Delly & PEREZ,
Francisco. Ricardo Semler and Semco S.A. Harvard
Business Review Case. Thunderbird School of Global
Management (1999).
49
ATCHISON, Thomas J. ; BELCHER, David W.
& THOMSEN, David J. Internet-Based Benefits
& Compensation Administration. ERI Economic
Research Institute (2010).

Você também pode gostar