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OS ZUAVOS BAIANOS

Por Sionei Ricardo Leão*

Este artigo é um dos desdobramentos do Projeto Kamba´Racê - notas sobe a questão racial no
Exército Brasileiro - defendida no ano de 2000, no Curso de Pós-Graduação em
Comportamento Político, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O assunto foi
transformado em roteiro de documentário em vídeo, apoiado pelo Fundo de Incentivo à
Cultura de Mato Grosso do Sul, em 2002 e distinguido pelo Prêmio Palmares de Comunicação,
em fevereiro deste ano (2005), na categoria Movimento Negro Contemporâneo.

O escopo, portanto, tem por foco o Exército do Brasil, instituição que zela por sua imagem
interna e externa nessa temática racial, ressaltando o Século XVII, por ocasião das batalhas
realizadas para expulsar do território do então Brasil-Colônia os efetivos holandeses, que
dominavam à época parte do território nordestino. Neste caso, projeta o personagem histórico
Henrique Dias – ex-escravo que pegou em armas para dar combate aos calvinistas
comandados por Maurício de Nassau.

No entanto, no que se refere às relações raciais, provavelmente, a Guerra do Paraguai por


conta da grande participação de negros (livres e escravos) tenha tido maior relevo para a
população afrodescendente. Não será demasiado relacionar a trajetória dos Zuavos Baianos
como a de tantos outros contingentes de que tomaram parte os negros no evento, na ainda
que tardia, Abolição.

O Exército, no que se refere à questão racial brasileira tem o mérito de ter colaborado
decisivamente na Abolição da escravidão. Isto por conta de a participação de numerosos
negros, livres e cativos na Guerra do Paraguai - campanha para qual foram criadas as unidades
de Zuavos Baianos - ter despontado uma cumplicidade de posições contrárias ao regime servil
por parte do Exército enquanto corporação. O sociólogo Otavio Ianni explicou que desde
meados do século XIX, o Exército, enquanto instituição, "não estava mais disposto a dar
cobertura a uma instituição condenada moral e politicamente".
Tomaram parte na Guerra do Paraguai, nos Corpos de Voluntários da Pátria, unidades, valor
companhia, chamadas de Zuavos Baianos, cujo sacrifício faz parte dessa conquista social pela
cidadania. Organizadas entre negros do Nordeste, de acordo com o que relata o general Paulo
de Queiroz Duarte instituíram-se com "grande entusiasmo". Todos os componentes dessas
unidades eram afrodescendentes, dos soldados aos oficiais.

O General Dionísio Cerqueira - que integrou as tropas brasileiras que combateram no Paraguai,
na condição de jovem oficial - escreveu que em dezembro de 1865, no campo de Lagoa Brava,
próximo da cidade de Corrientes, a tropa foi reforçada por grande número de Corpos de
Voluntários, que haviam ali chegado subindo, embarcados, o rio Paraná.

"Fui visitar os acampamentos dos recém chegados e encontrei amigos, colegas de colégio, que
vinham partilhar nossa vida honrosa. Havia entre os voluntários, um corpo de uniforme
estranho; - "largas bombachas vermelhas presas por polainas que chegavam à curva da perna,
jaqueta azul, aberta, com bordados de trança amarela, guarda-peito do mesmo pano, o
pescoço limpo sem colarinho nem gravata e um fêz na cabeça. Eram todos negros e chamavam
- Zuavos baianos. Os oficiais também eram negros".

A primeira Companhia de Zuavos Baianos foi despachada de Salvador, na Bahia, pelo


Desembargador Baltazar de Araújo Bulcão, nos termos do Decreto nº 3.371 de 7 de janeiro de
1865, para a Corte do Rio de Janeiro.
Os uniformes dos zuavos brasileiros tiveram como modelos a vestimenta dos corpos franceses
existentes na Argélia. Na cabeça usavam o fez barrete de forma troncocônica, geralmente
vermelho. Porém viria da Turquia a tradição em se organizar esse tipo de tropa. Naquele país
usavam um turbante verde, cor sagrada do profeta, que só certos sacerdotes, "os imans",
podiam usar. Até 1926 o "fez era de uso obrigatório aos funcionários civis e soldados do
exército turco", complementou Paulo de Queiroz Duarte.

Citando Gustavo Barroso, Queiroz Duarte afirma, sobre o princípio dessa tradição, que os
zuaguais e zuagos eram belicosos membros de uma tribo das montanhas que separavam a
Argélia da Tunísia. Os turcos, quando dominavam as duas regiões barbarescas, não podendo
submeter esses montanheses, ofereceram-lhes serviços no exército otomano. Ao
conquistarem a Argélia, em 1830, os franceses imitaram a organização militar turca nesse
ponto, oferecendo aos montanheses de Zuaga o serviço militar. Em 1831, existiam doze
batalhões enquadrados por oficiais e sargentos franceses e especializados no emprego de
tropas ligeiras.

Em 1854, o Império Francês já possuía quatro Regimentos


de Zuavos, sendo um da Guarda Imperial de Napoleão III,
que se distinguia pelo turbante branco, em lugar da
chechia vermelha. O Papa também contou com
cavalheiros Zuavos Pontifícios, que lutaram em
Castelfidardo, em 1860, e em Mentana, em 1867, contra
Garibaldi.

A razão alegada para a recriação no Brasil da tradição


zuava, se explica por Paulo de Queiroz Duarte, pelo fato de

na Guerra da Criméia, no dia 8 de novembro de 1855, data Zuavos franceses


da tomada da Torre de Malakof, ter morrido combatendo
à frente de sua companhia, um brasileiro, o tenente do 1º Regimento de Zuavos, Eduardo de
Villeneuve. De origem francesa, nasceu no Rio de Janeiro, sendo irmão do Conde de
Villeneuve, que foi Ministro Plenipotenciário do Império do Brasil na Bélgica. Paulo de Queiroz
Duarte cita também a presença de Zuavos na Guerra de Secessão nos Estados Unidos, nos
anos de 1861 a 1865.
No Brasil existiram quatro unidades de Zuavos Baianos. A primeira foi criada pela iniciativa de
Quirino Antônio do Espírito Santo. A iniciativa contou com o apoio do escritório do Diário da
Bahia, onde funcionava a subscrição para aquisição do fardamento apropriado. Seu
comandante foi o capitão Joaquim José de Sant`Ana Gomes. A Primeira Companhia de Zuavos
Baianos partiu de Salvador no dia 22 de março a bordo do vapor São Francisco rumo ao Rio de
Janeiro, levando 82 homens de efetivo.

A 2ª Companhia de Zuavos foi ativada em 5 de abril, também por vontade do Presidente da


Província baiana. Para chefiá-la foi escolhido o sargento Marcolino José Dias, nomeado alferes
em comissão. Em 1º de maio de 1865 embarcou no paquete inglês Paraná, com oito oficiais e
150 praças, navio que transportou o 5º Corpo de Voluntários, também organizado na Província
da Bahia. O Comando das Armas da Bahia registrou na sua ordem do dia n.º 38 o seguinte:

"Hoje embarca a 2ª Companhia de Zuavos Baiano, ao mando do


Senhor Tenente Marcolino José Dias; o Marechal-de-Campo,
Comandante das Armas, cumpre o grato dever em dirigir-lhe o
merecido louvor e bem assim aos mais oficiais e `as respectivas
praças, pela dedicação e galhardia com que marcham para a
guerra. Ide, meus briosos camaradas e amigos zuavos !

Depois de permanecer por quinze dias Rio de Janeiro, a 2ª Companhia de Zuavos foi reunida à
primeira. Ambas deixaram a Corte, em 21 de maio, a bordo do vapor Imperador, seguindo
destino a Montevidéu para incorporar-se ao Exército do Brigadeiro Manoel Luís Osório. "O ato,
que foi muito concorrido e durante o qual o povo manifestou grande entusiasmo, teve a
presença do Imperador, do Duque de Saxe, Ministro da Guerra, Senador Ângelo Muniz da Silva
Ferraz, e muitas altas autoridades de terra e mar", narrou Paulo de Queiroz Duarte.

Os documentos disponíveis dão a entender que a Terceira Companhia de Zuavos foi recebida
em dezembro de 1865, no acampamento de Lagoa Brava. A Ordem do Dia nº 478, de 11 de
outubro, da Repartição da Ajudância-General, declarava como comandante da companhia o
Tenente Nicolau Beraldo Ribeiro, do 41º Corpo de Voluntários da Pátria.

A Quarta Companhia, de acordo ainda com Paulo de Queiroz Duarte, foi organizada por
iniciativa do Barão de Porto Alegre, em dezembro de 1866. A Ordem do Dia n.º 41 foi expedida
do Quartel General em São Borja, no Rio Grande do Sul. A chefia coube ao Tenente Francisco
do Espírito Santo.

Apesar do interesse que causou o surgimento e deslocamento do Corpo de Zuavos, o general


Osório decidiu por não empregá-los como tropas operacionais, designando-os ao serviço de
saúde, que na visão dos chefes militares reunia os soldados "menos aptos para as fadigas do
serviço ativo", escreveu Anfrísio Fialho, oficial que serviu no 1º Corpo do Exército, vindo mais
tarde registrar suas memórias sob o título de "Recordações".

A respeito da decisão de Osório, o general Dionísio Cerqueira, em seu livro Reminiscências da


Guerra do Paraguai, avaliou que o chefe militar poderia "tirar grande partido daquela gente
forte e brava; mas não o fez, por não se lembrar talvez naquele momento do heroísmo e altos
feitos com que os imortais terços de Henrique Dias, o heroico capitão negro, ilustraram a
história da Pátria." Para Paulo de Queiroz Duarte, "é quase certo que Osório quisesse eliminar
a permanência em seu exército de uma tropa que diferenciava soldados pela cor da
epiderme."
"Gente forte e brava", General Dionísio Cerqueira "Em pouco
tempo" transformou-o (General Deodoro da Fonseca) em um
"dos melhores corpos do Exército"

General Dionísio Cerqueira

"A mais linda tropa do Exército" com seus oficiais


"inteiramente a par de todos os pormenores do serviço e
orgulhosos de seu Batalhão"

Conde D´Eu

"Uma vez na guerra, empenhados na luta, todos se


distinguiam pelo valor, salientando-se (...) o zuavo Galvão,
que, como recompensa de seus feitos, mereceu as honras de
alferes do exército"

Moraes Filho

"Fui arrojando os meus denodos de bravura não com


interesse do leproso ouro causador de todas as desgraças
aos infelizes que pelos maus princípios são aconselhados (...),
mas sim como esteve sempre em minha mente, que quando
voltasse destes campos de batalha queria ver o meu
monarca coberto de glória, e tapizando os troféus do tirano
que audazmente nos tirou a luva"

Dom Obá II d’África


Bibliografia

Cerqueira, Dionísio. Reminisciências da Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar,


1949.

Chiavenatto, José Júlio. Genocídio americano: A Guerra do Paraguai. São Paulo: Editora
Brasiliense, 17ª Edição, 1979.

Duarte, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria. Volume 2 - Tomo V, O Comando de Osório.


Biblioteca do Exército Editora. Rio de Janeiro, 1986.

Ianni, Octávio. Raças e classes sociais no Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1987, 3ª edição.
Sales, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do exército. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1990.

Doratioto. Francisco. Maldita Guerra - Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.

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