Você está na página 1de 6

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

Plano de Ensino

Prof. Dr. Leonel Ribeiro dos Santos, Professor Visitante

FIL 3371 - SEMINÁRIO AVANÇADO DE ONTOLOGIA II

Semestre: 2014/1

04 créditos

Tema:

Leitura e Interpretação da Crítica do Juízo de Kant


[Técnica da Natureza, Sistema, Finalidade]

1. Ideia e Objectivos

A Crítica do Juízo (Kritik der Urteilskraft, 1790) foi das grandes obras de Kant aquela
que na época teve mais magra recepção. E esse precoce destino manteve-se
praticamente idêntico ao longo de quase dois séculos até décadas recentes. De um
modo geral, os que dela se ocupavam não foram capazes de perceber o intuito que
levara o seu autor a juntar sob um mesmo princípio transcendental e uma mesma
faculdade do espírito dois domínios que tradicionalmente sempre haviam sido
tratados – quando o eram – separadamente. Já no fim da segunda década do século
XIX encontramos eco dessa estranheza e incompreensão em Schopenhauer.

Quase pela mesma altura, porém, houve um outro destacado representante da


cultura alemã que sim conseguiu perceber a profunda e fecunda intuição que terá
presidido ao autor da obra. Foi Goethe, que não tinha percebido a pertinência das
duas outras Críticas do filósofo de Königsberg, mas que descreve a sua impressão de
leitura dessa obra de Kant como uma súbita percepção de que a intuição que presidia
aos seus trabalhos era no fundo aquela que Kant expunha na sua terceira Crítica, a de
uma afinidade entre Arte e Natureza.
A recepção posterior da obra alinhou-se mais do lado de Schopenhauer do que do
lado de Goethe. Poucos, muito poucos foram os que conseguiram vislumbrar a
unidade da obra. Em contrapartida, os estudos sobre ela ou se debruçavam sobre a
sua segunda parte ou sobre a primeira parte, a maior parte deles sem cuidar de saber
o que se passava na parte não estudada e o que podia ela ter de importante para
aquela que estudavam. De facto, a relativamente escassa produção de literatura que
foi dedicada a essa obra ao longo do século XIX e primeira metade do século XX só
confirma essa leitura desgarrada: alguns tratam dos temas da sua Primeira Parte
considerados relevantes para a Estética; outros abordam temas da Segunda Parte
relevantes para a filosofia do biológico e do mundo orgânico. Mas nesses estudos, com
raríssima excepção, está omissa qual poderia ser a razão que levara o sexagenário
filósofo a associar precisamente a Estética e a Teleologia, a peculiar produção da arte e
a peculiar produção da natureza.

O que se pretende: reconhecer a unidade da obra e compreender a sua complexa


arquitectónica. O que dá razão a Kant para a supor? A fecundidade da estranha
associação entre estética e teleologia: a arte como natureza e a natureza como arte. A
arte da natureza ou «técnica da natureza».

Na proposta leitura e Interpretação da Crítica do Juízo de Kant serão identificados,


analisados e discutidos os principais núcleos problemáticos da obra de Kant. Particular
atenção analítica e hermenêutica merecerá o texto da Primeira e Segunda Introduções
àquela obra.

2. Principais tópicos:

1. Topografia e tipologia das recepções da obra, desde o tempo de Kant à


actualidade (da escassa atenção ao reconhecimento da sua importância nas
últimas décadas).
2. Problemas de interpretação da obra: sua génese aporética e relação com as
obras anteriores (nomeadamente a Crítica da razão pura e a Crítica da razão
prática) e com as reflexões mais tardias do filósofo (Opus postumum), a sua
problemática unidade e complexa arquitectónica. As duas Introduções da obra:
dois pontos de vista diferentes do autor sobre a sua obra? O feixe de
problemas que a obra se propõe resolver: a Zweckmässigkeit der Natur e a
Technik der Natur, o sistema da natureza na sua variedade e multiplicidade, a
lógica do novo e do singular (do irracional) na arte (do génio) ou na natureza
(organismos), a passagem ou Übergang entre a legislação ética livre e finalizada
da razão e a legislação mecânica e determinista do entendimento (entre a
teleologia da natureza e a teleologia moral).
3. A concepção kantiana da experiência estética: novidade, tensões e equilíbrios.
O pensamento estético de Kant situado entre dois regimes do pensamento
estético: a estética do gosto e a estética do génio.
4. Alcance da experiência estética para a ética e a política: a mediação estética ou
o «belo como símbolo da moralidade» e o papel do gosto na formação da
disposição para a moralidade (Kant e Friedrich Schiller); o juízo estético ou de
gosto como matriz da experiência política (Herbert Marcuse, Hannah Arendt,
Jean-François Lyotard); matriz e génese estética da civilização humana: «um
homem sozinho não cuidaria de embelezar a sua cabana nem se enfeitaria de
penas ou pintaria o seu rosto e o seu corpo».
5. Primado e privilégio da experiência estética da natureza sobre a experiência
estética da arte: a natureza como arte, a arte como natureza. O «interesse»
ético que se insinua na experiência do belo natural e do sublime da natureza.
6. O pensamento biológico de Kant, sua formação e seu significado epistémico-
filosófico. A peculiar lógica do vivo e dos organismos e sua irredutibilidade ao
mecanicismo da simples matéria. Da Naturbeschreibung à Naturgeschichte: o
papel de Kant na transformação da «História Natural» setecentista em Biologia
moderna: Kant, Johann Friedrich Blumenbach e Georg Forster.
7. A natureza como vasto «sistema de fins» (System der Zwecke) e como
intrincada «cadeia de seres» (Kette der Wesen): significado da recuperação e
refundação crítica da visão teleológica para a superação do mecanicismo
moderno; a ideia kantiana de uma «técnica da natureza, seus antecedentes na
história do pensamento e seu significado heurístico para as ciências da
natureza; alcance da visão teleológica kantiana da natureza para o actual
pensamento ecológico.
8. O problema da Übergang entre o domínio da liberdade e o domínio da
natureza: a acoplagem entre a teleologia da natureza e a teleologia moral. O
problema do «fim final» (Endzweck) da criação ou o significado do
antropocentrismo ético kantiano (§87). Ou a resposta de Kant à questão: Quem
há que, sendo também um ser mundano, possa dar um sentido final ao
mundo? A solidariedade antropocósmica: o homem como elo e mediador na
cadeia dos seres e no sistema dos fins.

3. Bibliografia

Amoroso, Leonardo – Ratio & Aesthetica. La nascita dell’estetica e la filosofia moderna, Pisa:
ETS, 2008 (2ª ed.).

Baeumler, Alfred – Das Irrationalitätsproblem in der Ästhetik und Logik des 18. Jahrhunderts bis
zur «Kritik der Urteilskraft» [1923], reimpr: Darmstadt: WBG, 1975.

Baumanns, Peter – Das Problem der organischen Zweckmässigkeit, Bonn: Bouvier, 1965.
Bertoletti, Stefano Fabbri – Impulso, formazione e organismo. Per una storia del concetto di
Bildungstrieb nella cultura tedesca, Firenze: Olschki, 1990.

Coleman, F. X. J. – The Harmony of Reason. A Study of Kantian Aesthetics, Pittsburgh/ London,


1974.

Delbos, Victor – «Les harmonies de la pensée kantienne d’après la Critique de la Faculté de


Juger», Revue de Métaphysique et de Morale, 12 (1904), pp.551-558.

Di Sanza, Silvia del Luján – Arte y Naturaleza. El concepto de “Técnica de la Naturaleza” en la


Kritik der Urteilskraft de Kant, Ediciones Del Signo, Buenos Aires, 2010.

Eco, Umberto – Kant e l’ornitorinco, Milano : Bompiani, 1997.

Garroni, Emilio – Estetica ed Epistemologia. Riflessioni sulla «Critica del Giudizio», Roma, 1976.

Ginsborg, Hannah – The Role of Taste in Kant’s Theory of Cognition, New York: Garland, 1990.

____ – «Kant on Understanding Organisms as Natural Purposes», in: E. Warkins (ed.), Kant and
the Sciences, Oxford: Oxford University Press, 2001.

Hinske, Norbert – «Zur Geschichte des Textes» <der EE in die KdU>, in: Immanuel Kant, Erste
Einleitung in die Kritik der Urteilskraft, Faksimile und Transkription, Stuttgart-Bad Cannstatt: F.
Frommann Verlag, 1965, pp.3-12.

Huneman , Philippe – Métaphysique et Biologie. Kant et la constitution du concept d’organisme,


Paris : Éditions Kimé, 2008.

_____ – «Reflexive Judgment and Wolffian Embryology: Kant’s Shift between the First and the
Third Critiques», in: Idem (Ed.) - Understanding Purpose: Kant and the Philosophy of Biology, New York:
University of Rochester Press, 2007, pp.75-100.

Karja, Harald – Heuristische Elemente der «Kritik der teleologischen Urteilskraft», Heidelberg
(Diss.), 1975.

Kukla, Rebbeca (Ed.) – Aesthetics and Cognition in Kant’s Critical Philosophy, New York:
Cambridge University Press, 2006.

Kuypers, Karel – Kants Kunsttheorie und die Einheit der «Kritik der Urteilskraft»,
Amsterdam/London: North-Holland Publishing Co,, 1972.

La Rocca, Claudio - «Giudizi provvisori. Sulla logica euristica del processo conoscitivo in Kant»,
in: Materiali per un lessico della raggione, Pisa:ETS, 2011, pp.265-310.

Lehmann, Gerhard – «Die Technik der Natur», in: Idem, Beiträge zur Geschichte und
Interpretation der Philosophie Kants, Berlin: Walter de Gruyter, 1969, pp.289-294.

____ – «Einleitung» à edição da Erste Einleitung in die Kritik der Urteilskraft, Hamburg: Felix
Meiner, 1927, 1970,1977.

Lenoir, Timothy – «Kant, Blumenbach, and Vital Materialism in German Biology», Isis, 71 (1980),
77-108.

Lepenies, Wolf – Das Ende der Naturgeschichte. Wandel kultureller Selbstverständlichkeiten in


den Wissenschaften des 18. und 19 Jahrhunbderts, Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1978.
Loparic, Zeljko – «Heurística Kantiana», Cadernos de História e Filosofia da Ciência, nº 5, 1983,
pp.73-89.

Lovejoy, Arthur O. – The Great Chain of Being. A Study of the History of an Idea, Cambridge,
Mas., 1961.

Löw, Reinhard – Philosophie des Lebendigen. Der Begriff des Organischen bei Kant, sein Grund
und seine Aktualität, Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1980.

Makkreel, Rudolf – Imagination and Interpretation in Kant. The Hermeneutical Import of the
«Critique of Judgment», Chicago / London: Chicago University Press, 1990.

Marcucci, Silvestro – Aspetti epistemologici della finalità in Kant, Firenze, 1972.

____ – «La dimensione scientifica ed epistemologica del giudizio teleologico in Kant», in: AAVV,
Giudizio e interpretazione in Kant, Genova, 1992, pp.24-28.

____ – «Kant e l’immaginazione conoscitiva nella Critica del Giudizio», Studi Kantiani, III, 1990,
pp.24-27.

Marques, Ubirajara R. de Azevedo (Coord.) – Kant e a Biologia, São Paulo: Editora Barcarolla,
2012.

____ – (coord.) – Kant e a Música, Barcarolla, São Paulo, 2010.

McLaughlin, Peter – Kant’s Kritik of Teleology in Biological Explanation. Antinomy and


Teleology, Lewiston: The Edwin Mellen Press, 1990.

Mertens, Helga – Kommentar zur Ersten Einleitung in Kants Kritik der Urteilskraft, München,
1975.

Parret, Herman (Ed.) – Kants Ästhetik / Kant’s Aesthetics / L’Esthétique de Kant, Berlin: Walter
de Gruyter, 1998.

Ribeiro dos Santos, Leonel – A razão sensível. Estudos kantianos, Lisboa: Colibri, 1994.

____ – Ideia de uma Heurística Transcendental. Ensaios de Meta-Epistemologia Kantiana,


Lisboa: Esfera do Caos, 2012.

____ – Metáforas da Razão ou economia poética do pensar kantiano (FLUL, 1989), Lisboa: F. C.
Gulbenkian/JNICT, 1994.

____ – «Kant e o regresso à Natureza como paradigma estético», in Adriana Veríssimo Serrão
(org.) – Filosofia da Paisagem. Um Manual, Lisboa: CFUL, 2012, pp.

____ – «Da experiência estético-teleológica da Natureza à consciência ecológica. Uma leitura da


Crítica do Juízo», Trans/Form/Ação, 29 (2006), pp.7-29.

____ – «A concepção kantiana da experiência estética: novidade, tensões e equilíbrios»,


Trans/Form/Ação, 33 (2010), pp.35-77.

____ – «Da estética como filosofia política: Hannah Arendt e a sua interpretação da Crítica do
Juízo», in: Maria Luísa Ribeiro Ferreira, C. Beckert e Margarida Amaral (coord.), Hannah Arendt: Luz e
Sombra, Lisboa: CFUL, 2007, pp. 157-192.
____ – Regresso a Kant. Ética, Estética, Filosofia Política, Lisboa: INCM, 2012 (estão aí
recolhidos alguns dos ensaios anteriormente referidos).

____ – O espírito da letra. Ensaios de hermenêutica da Modernidade, Lisboa: INCM, 2008


(nomeadamente, os ensaios sobre Schiller e a ‘educação estética’ aí recolhidos).

____ – «Karl Rosenkranz e a confirmação do Feio como categoria estética», in: Adriana
Veríssimo Serrão (coord.), O Feio para além do Belo, Lisboa: CFUL, 2012, pp.87-110.

____ – «Kant e o regresso à natureza como paradigma estético», in: Adriana Veríssimo Serrão
(Coord.), Filosofia e Arquitectura da Paisagem. Um Manual, Lisboa: CFUL, 2012, pp. 73-92 (versão
revista do ensaio acima referido, agora em publicação antológica).

____ – «Kants Naturästhetik und seine Bedeutung für das ökologische Bewusstsein»,
philosophy@lisbon, n.2, 2012, pp.11-24.

____ – «A “vontade de aparência” ou o Kantismo de Nietzsche segundo Vaihinger», O que nos


faz pensar, PUCRJ, nº 32, Dezembro de 2012, pp. 227-243.

____ – «Kant e a ideia de uma Poética da Natureza», in: Adriana Veríssimo Serrão (Coord.),
Filosofia e Arquitectura da Paisagem. Intervenções, Lisboa: CFUL, 2013, pp. 17-32.

Sánchez Madrid, Nuria – «Contingencia y Trascendentalidad. La Primera Introducción de la


Crítica del Juicio y la Catábasis reflexiva de la Lógica Trascendental», In: Immanuel Kant, Primera
Introducción de la Critica del Juicio, Edición bilingüe, Introducción, Edición crítica y traducción de N.
Sánchez Madrid, Madrid: Escolar y Mayo Editores, 2011, pp. 11-84.

Santozki, Ulrike – «Kants ‘Technik der Natur’ in der Kritik der Urteilskraft. Eine Studie zur
Herkunft und Bedeutung einer Wortverbindung», Archiv für Begriffsgeschichte, 47 (2005), pp.89-121.

Sgarbi, Marco – La logica dell’irrazionale. Studio sul significato e sui problema della «Kritik der
Urteilskraft», Mimesis: Milano, 2010.

Stepanenko, P. – «Sistematicidad y Unidad de la Experiencia en Kant», Dianóia, v. 42, 1996,


pp.91-105.

Terra, Ricardo (org.) – Duas Introduções à Crítica do Juízo, São Paulo: Iluminuras, 1995. Com
uma Introdução: «Reflexão e sistema: as duas Introduções à Crítica do Juízo».

Tonelli, Giorgio – «La formazione del testo della Kritik der Urteilskraft». Revue Internationale de
Philosophie, v. 8, n.4, 1954, pp.423-448.

Zammito, John H. – The Genesis of Kant’s «Critique of Judgment», Chicago /London: Chicago
University Press, 1992.

Você também pode gostar