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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

LARISSA REDUCINO DA SILVA

O PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA


PARA O ENSINO MÉDIO (PIBIC-EM): A POLÍTICA PÚBLICA, A CIÊNCIA E A
CIDADANIA

CAMPINAS
2016
Larissa Reducino da Silva

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio


(PIBIC-EM): A política pública, a ciência e a cidadania

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de


Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob a
orientação da Profª. Dra. Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis, como
requisito para a conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia.

CAMPINAS
2016
Aprovado em dezembro de 2016

_____________________________________________
Profª Drª Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis

_____________________________________________
Segunda Leitora: Profª Drª Selma Borghi Venco
Dedico ao meu tio Antenor Carlos da Silva que tanto investiu em
minha formação, tornando os meus sonhos possíveis, e que hoje vive
em nossos corações.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, aos meus avôs que me acompanharam durante todo o meu
processo de formação, sempre me dedicando muito carinho. Agradeço por me permitirem
sonhar, fazendo parte deste sonho comigo.
Agradeço também aos meus pais pela paciência e companheirismo durante todos estes
anos. Agradeço por acreditarem no meu sucesso e pelo constante incentivo. Agradeço aos
meus pais pelo amor incondicional que me fez crescer priorizando o respeito pelos outros.
Agradeço ao meu primo Matheus por estar sempre presente, mesmo estando longe,
contribuindo para a minha formação e para a minha paz interior.
Agradeço à minha irmã Clara pelo caminho que percorremos juntas nestes quatro
anos. Agradeço pela relação que construímos de respeito, carinho e amor. Agradeço por
acreditar no meu sucesso e por me oferecer condições para continuar lutando pelos meus
sonhos.
Agradeço à minha amiga Evelise por me mostrar as belezas e os possíveis caminhos
para esta pesquisa. Agradeço por me incentivar a continuar lutando por aquilo que acredito.
Agradeço à minha amiga Amanda, pelos momentos divididos vivendo intensamente
aquilo que a Universidade nos ofereceu. Agradeço pela leveza e pela paz que você nos
ofereceu, alimentando os nossos sonhos. Afinal, os sonhos são imprescindíveis e são eles que
realçam a beleza do ser humano.
Agradeço aos bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
para o Ensino Médio (PIBIC-EM) – Fabrício, Victória, Carolaine, Ana Carolina, Lídia Maria,
Heloisa e Beatriz – por fazerem parte deste momento tão importante para a minha formação e
por me ensinarem tanto. Agradeço por me permitirem fazer parte da vida de vocês enquanto
educadora e amiga.
Agradeço à Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP/UNICAMP) pela disposição e apoio em
fornecer os dados para que este trabalho fosse possível.
Agradeço à minha ilustre orientadora pela dedicação e compromisso assumidos com
este trabalho que tanto significou em minha vida. Agradeço também por me acolher, quando
tudo parecia perdido, me oferecendo novas possibilidades e me acompanhando, sempre com
muita paciência, nestes novos caminhos. Agradeço pelas oportunidades que me foram
oferecidas e que me fizeram entender que este é o meu lugar certo. Agradeço pela amizade e
confiança.
Agradeço à minha segunda leitora pelas oportunidades que tive ao longo da graduação
de aprender com a sua experiência. Agradeço pela sua ilustre contribuição para a
concretização deste trabalho.
Por fim, agradeço aos meus novos e velhos amigos – Carlos, Maria, Micaela,
Nichollas e Josué – por me ensinarem que a amizade fortalece. Agradeço por estarem comigo
dividindo suas experiências que tanto contribuíram para a minha formação humana.
A casa dos viajantes

Minha casa é tão singela


Não tem luz, não tem janela
É simples, mas aconchegante
Acolhe cada viajante
Que por aqui deseja passar

Embora não tenha requinte


Já passaram mais de vinte
Não sei se por sorte ou azar
Muitos não podem ficar
E vão pelo mundo a fora

Mas permanecem comigo


Aqueles que foram amigos
Ficam por toda vida
Nessa casa enternecida
Que se chama coração (Fabrício Falcão Ansante)
RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo analisar a organização do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação Científica para o Ensino Médio (PIBIC-EM) na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) e a sua contribuição para a formação crítica dos estudantes do nível
médio das escolas públicas no que diz respeito à ciência e cidadania. As experiências dos
projetos desenvolvidos no Laboratório de Políticas Públicas e Planejamento Educacional
(LaPPlanE) serviram de lócus de busca de material. A pesquisa, de caráter exploratório, foi
feita com análise bibliográfica e documental, discutindo o programa e a sua contribuição para
a efetivação de um diálogo entre a Educação Básica e o Ensino Superior.

Palavras Chave: PIBIC-EM; Iniciação Científica; Ensino Médio; Ciência; Cidadania.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 11

1 PIBIC-EM: O PROGRAMA E SUA ORGANIZAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL


DE CAMPINAS (UNICAMP) ........................................................................................................ 14
1.1 PIBIC-EM: o Programa ........................................................................................................ 14

1.2 O PIBIC-EM na UNICAMP: contexto e organização .......................................................... 18

2 CIÊNCIA E CIDADANIA.......................................................................................................... 23

2.1 Ciências ou ciência? .............................................................................................................. 23

2.2 Por uma cidadania no Brasil ................................................................................................. 27

3 AS EXPERIÊNCIAS DO PIBIC-EM NO LABORATÓRIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E


PLANEJAMENTO EDUCACIONAL (LAPPLANE) ................................................................. 33

3.1 As atividades dos projetos “Judicialização do Direito à Educação” e “Ciência, Pesquisa e


Cidadania”.................................................................................................................................. 34

3.2 O PIBIC-EM: A ciência e a cidadania .................................................................................. 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 47

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 49

APÊNDICE A .................................................................................................................................. 51
11

INTRODUÇÃO

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) criou, em


2003, a Iniciação Científica Júnior (ICJ) que tinha como objetivo o desenvolvimento de
projetos de educação científica para os estudantes do ensino fundamental, médio e
profissional das redes públicas de ensino.
Em 2010, com uma nova reformulação, o CNPq passou a oferecer bolsas por uma
nova modalidade de iniciação científica júnior: o Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica para o Ensino Médio (PIBIC-EM). O programa apresenta os mesmos
objetivos da ICJ, porém voltado exclusivamente para os estudantes do ensino médio das redes
municipais, estaduais e federais de ensino.
Para realizar um levantamento sobre a iniciação científica júnior pelo CNPq foi
realizada uma busca com as palavras-chave (PIBIC-EM; Iniciação Científica; Ensino Médio;
Ciência; Cidadania) nas principais bases nacionais de dados (CAPES, SCIELO, UNICAMP E
USP) e constatou-se que poucas são as contribuições teóricas sobre esses programas.
Como resultado da busca feita nas bases de dados, encontramos o trabalho de Ferreira
(2003), que discute a orientação acadêmica de alunos do ensino médio que participaram do
Programa de Vocação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (Provoc3/Fiocruz) ressaltando a
atuação dos pesquisadores como orientadores dos jovens que ainda não fizeram suas escolhas
profissionais. O mesmo foco foi dado por Filipecki (2006) ao apresentar as opiniões dos
orientadores/pesquisadores do Provoc no Rio de Janeiro.
Sobre os programas do CNPq encontramos duas referências que se dedicaram à
vivência que a IC trouxe para os estudantes, como fez Castro (2003) na sua dissertação de
mestrado:
Essa pesquisa apoiou-se nessa vivência, objetivando refletir sobre as
apropriações feitas por estudantes de ensino médio durante sua participação
em pesquisas científica, visando identificar o impacto da parceria da
Universidade e escola para estes alunos (CASTRO, 2003, p. 13).

Ainda sobre a vivência, Sousa (2012) relata em seu artigo o processo de construção de
três projetos que envolveram a participação de estudantes bolsistas do PIBIC-Jr, evidenciando
como a Universidade Estadual do Piauí contribui para a formação dos alunos do ensino
médio.
O levantamento feito usando as palavras-chave (PIBIC-EM; Iniciação Científica;
Ensino Médio; Ciência; Cidadania) demonstrou que pouco se discutiu sobre como esses
12

programas influenciam a vida do educando levando-se em consideração as finalidades do


Ensino Médio previstas na Lei nº9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A escolha do tema desta pesquisa foi feita ao constatar que são poucas as referências sobre
o PIBIC-EM e levando-se em consideração a importância do programa como política pública para
a educação básica e o ensino superior. A discussão sobre o diálogo que podemos estabelecer entre
a Educação Básica e o Ensino Superior com o programa, favorece a ampliação e a troca de
experiências entre as várias etapas de ensino.
A pesquisa teve como objetivo analisar a organização e a contribuição do PIBIC-EM
na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) no que tange à formação crítica dos
estudantes do nível médio das escolas públicas no que diz respeito à ciência e à cidadania.
Esta pesquisa classifica-se como uma pesquisa exploratória que, segundo Gil (2008),
tem como finalidade o desenvolvimento e o aprimoramento acerca do tema escolhido,
proporcionando uma visão geral deste. Esse tipo de pesquisa é especialmente utilizado quando
o tema escolhido é pouco explorado, exigindo do pesquisador, como primeira etapa, uma
investigação mais ampla. Nesse sentido, tendo como tema o PIBIC-EM, identificamos,
conforme relatado anteriormente, que poucos resultados foram obtidos no levantamento feito
nas bases de dados exigindo uma análise mais detalhada e minuciosa sobre o programa.
No que diz respeito ao delineamento da pesquisa, o estudo teve como método a
pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental.
A primeira delas se utiliza das contribuições de diversos autores sobre o tema
pesquisado, sendo a pesquisa desenvolvida com base em materiais já elaborados. Os estudos
exploratórios, em sua maioria, são delineados com esses procedimentos técnicos de análise e
coleta de dados (GIL, 2010). As atividades de levantamento e fichamento foram feitas com
livros que buscam proporcionar conhecimentos científicos sobre o tema. Para tal atividade,
foram utilizados os livros de Santos (2010) e Carvalho (2016) para conceituar ciência e
cidadania respectivamente.
Para a pesquisa documental foram utilizados documentos “de primeira mão que não
receberam nenhum tratamento analítico” e “os documentos de segunda mão, que de alguma
forma já foram analisados” (GIL, 2010, p. 46). Para essa análise a pesquisa contou com os
documentos oficiais do programa, fornecidos pelo CNPq e pela Pró-Reitoria de Pesquisa
(PRP/UNICAMP), e com os relatórios de pesquisa dos projetos desenvolvidos no Laboratório
de Políticas Públicas e Planejamento Educacional (LaPPlanE).
No Capítulo 1 o PIBIC-EM é apresentado, no âmbito do CNPq, identificando sua
proposta enquanto iniciação científica para a Educação Básica, seus objetivos, seus requisitos
13

para concessão de bolsas, além de outros detalhes burocráticos. Ainda neste capítulo,
apresenta-se o histórico do Programa na UNICAMP identificando a sua organização e
funcionamento na trajetória de atendimento aos estudantes bolsistas desde 2008.
No Capítulo 2 apresentam-se as concepções teóricas adotadas sobre ciência e
cidadania. Para tratar de ciência foram utilizadas as contribuições de Santos (2010) que em
seu livro apresenta uma compilação histórica sobre a noção que se criou de ciência ao longo
dos últimos séculos, culminando na emersão do paradigma emergente. Para tratar de
cidadania as contribuições de Carvalho (2016) auxiliaram na concepção do conceito histórico
que se apresenta em constante transformação e que envolve a aquisição de direitos
fundamentais.
Por fim, no capítulo 3 o calendário das atividades dos projetos desenvolvidos no
LaPPlanE é apresentado. As atividades dos projetos, “Judicialização do Direito à Educação” e
“Ciência, Pesquisa e Cidadania”, são apresentadas junto com os seus objetivos. Também no
terceiro capítulo, busca-se entender as contribuições destas atividades para a formação crítica
dos estudantes bolsistas do Programa no que diz respeito à ciência e cidadania.
O trabalho se encerra com considerações finais que ponderam sobre a perspectiva
crítica de ciência, adotada ao longo das atividades, que contribuiu para a formação dos
estudantes ao adotarem o diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento como sendo
primordial para que criassem novas relações e possibilidades para o exercício pleno da
cidadania.
14

CAPÍTULO 1
PIBIC-EM: O PROGRAMA E A SUA ORGANIZAÇÃO NA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE CAMPINAS

1.1 PIBIC-EM: O PROGRAMA

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico1 (CNPq), criado


em 1951, tem como missão a promoção, o fomento e a divulgação do desenvolvimento
científico e tecnológico no Brasil. Entre 1951 e 1992 o CNPq, pioneiro da modalidade de
bolsas para a Iniciação Científica (IC), foi o único responsável pela administração de bolsas
desta modalidade no país (OLIVEIRA, 2015).
Em 1993 o CNPq criou o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC), por meio da Resolução Normativa (RN) 05/1993, atualmente normatizado pela
RN/017/2006, que tem como finalidade a promoção do pensamento crítico e a iniciação em
atividades de pesquisa por estudantes da graduação do ensino superior (item 3.1 CNPq, 2006
s/n). O PIBIC tem como objetivos:
3.2 Objetivos Gerais
a) contribuir para a formação de recursos humanos para a pesquisa;
b) contribuir para a formação científica de recursos humanos que se
dedicarão a qualquer atividade profissional; e
c) contribuir para reduzir o tempo médio da permanência dos alunos na
pós-graduação (CNPq, 2006 s/n).

Como objetivos específicos para as instituições de ensino é colocado o incentivo à


formulação de uma política de iniciação científica, a interação entre a graduação e a pós-
graduação e a qualificação de estudantes para seguirem seus estudos na academia (item 3.3.1
CNPq, 2006 s/n). Para os orientadores, considera-se como objetivos específicos do Programa,
o estimulo para envolverem os estudantes da graduação nas atividades científicas,
tecnológicas, profissionais e artístico-culturais (item 3.3.2 CNPq, 2006 s/n). Enquanto isso,
para os bolsistas PIBIC os objetivos são:

3.3 Objetivos Específicos

[...]

3.3.3 – Em relação aos bolsistas:

- proporcionar ao bolsista, orientado por pesquisador qualificado, a


aprendizagem de técnicas e métodos de pesquisa, bem como estimular o
desenvolvimento do pensar cientificamente e da criatividade, decorrentes das

1
Atualmente o CNPq está vinculado ao Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTI).
15

condições criadas pelo confronto direto com os problemas de pesquisa


(CNPq, 2006 s/n).

No que se refere à organização do Programa, no âmbito do CNPq, as bolsas são


concedidas às instituições públicas, comunitárias ou privadas, com ou sem curso de
graduação, que desenvolvem pesquisa e que contam com instalações próprias para tais
atividades de iniciação científica (item 3.4.1 CNPq, 2006 s/n). As bolsas devem ser
distribuídas segundo critérios que assegurem a orientação dos bolsistas por pesquisadores
qualificados, que possuam título de doutor, e que estejam exercendo plena atividade de
pesquisa na instituição (item 3.4.5 CNPq, 2006 s/n).
Na RN também institui que as instituições não podem adotar certas disposições quanto
a limitação de bolsas:
3.5.7 – A instituição não poderá limitar o acesso a bolsas adotando medidas
não autorizadas pelo CNPq, tais como:
a) restrições quanto à idade;
b) restrições ao fato de um aluno de graduação já ser graduado por outro
curso;
c) restrições quanto ao número de renovações para o mesmo bolsista;
d) restrições quanto ao semestre/ano de ingresso do aluno na instituição;
e) interferir ou opor restrições à escolha do bolsista pelo orientador,
desde que o aluno indicado atenda ao perfil e ao desempenho acadêmico
compatíveis com as atividades previstas;
f) restrições ou favorecimento a raça, gênero, ideologia ou convicção
religiosa (CNPq, 2006 s/n).

Como requisitos e compromissos do bolsista o CNPq coloca que o estudante deve


estar matriculado legalmente em curso de graduação do ensino superior, não estar vinculado
ao mercado de trabalho e dedicar-se às atividades de pesquisa científica, assim como também
das atividades acadêmicas. Em suas apresentações e publicações o estudante deve apresentar
sua condição de bolsista CNPq. Não é permitido o acúmulo de bolsas da mesma modalidade,
não sendo considerado acúmulo quando as bolsas são concedidas com objetivos assistenciais
(item 3.7 CNPq, 2006 s/n).
As instituições contempladas com a quota de bolsas do Programa assumem o
compromisso de terem uma política para a iniciação científica e acolherem estudantes de
outras instituições e professores pesquisadores aposentados e/ou visitantes. A instituição
contemplada deve nomear um Coordenador Institucional de Iniciação Científica, assim como
um Comitê Institucional que se responsabilizará pelo gerenciamento do Programa (item 3.5
CNPq, 2006 s/n).
16

Todo ano as instituições contempladas devem receber um Comitê Externo, integrado


por pesquisadores com bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq, para cooperarem no
processo de avaliação do Programa (item 3.5.5 CNPq, 2006 s/n). Este Comitê Externo fica
responsável pela avaliação do Programa durante o seminário ou congresso que a instituição
deve promover, como processo de avaliação no qual os estudantes bolsistas devem apresentar
os seus trabalhos de iniciação científica em forma de banner, resumos e/ou comunicação oral
(item 3.5.10 CNPq, 2006 s/n).
É compromisso das instituições o empenho para a ampliação do número de bolsas do
Programa com meio de recursos próprios, assim como o financiamento do seminário ou
congresso de iniciação científica e o incentivo e viabilização da participação dos bolsistas em
eventos científicos para apresentação dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Programa
(item 3.5.11 CNPq, 2006 s/n)
Para efeito interno, as instituições ficam responsáveis por criarem critérios com a
finalidade de avaliarem e acompanharem o desenvolvimento do Programa (item 3.5.9 CNPq,
2006 s/n).
A duração da quota institucional, assim como a duração das bolsas, é de doze meses.
As instituições que tiverem interesse na renovação, ampliação ou redução das quotas devem
se manifestarem por meio do relatório anual incorporado ao relatório do Comitê Externo. Os
dois relatórios elucidam os processos de seleção e avaliação do Programa na instituição
doravante (item 3.4.5 CNPq, 2006 s/n).
Em 2003 a proposta se amplia aos estudantes da Educação Básica, quando o CNPq
cria a Iniciação Científica Júnior (ICJ), também normatizada pela RN 017/2006, que tem
como objetivo o desenvolvimento de projetos de educação científica para os estudantes do
ensino fundamental, médio e profissional das redes públicas de ensino. A proposta
apresentada pretende incentivar e possibilitar a participação dos estudantes da educação
básica nas atividades de pesquisa científica ou tecnológica orientadas por pesquisadores das
instituições de ensino superior ou centros de pesquisa (CNPq, 2006 s/n).
O CNPq promove quotas de bolsas, para tal modalidade de iniciação cientifica, às
entidades estaduais de incentivo à pesquisa (Fundações de Amparo à Pesquisa ou Secretarias
Estaduais) e “outras instituições, doravante denominadas entidades parceiras, por meio de
Acordo de Cooperação Técnica, sem repasse de recursos, ou por Convênio, com repasse”
(item 5.2.1 CNPq, 2006 s/n).
As instituições que tiverem interesse em oferecer bolsas de ICJ devem, de preferência,
estarem vinculadas ao PIBIC e/ou ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em
17

Desenvolvimento Tecnológico e Inovação2 (PIBITI), como também ter infraestrutura devida e


oferecer, quando for preciso, transporte e alimentação aos bolsistas assumindo a
responsabilidade pela segurança e integridade dos estudantes (CNPq, 2006). Sobre a
segurança e a integridade física e mental dos bolsistas a RN 017/2006 coloca que:
5.10.5 – O CNPq não se responsabilizará por qualquer dano físico ou mental
causado a bolsista de iniciação científica júnior da instituição empregado na
execução de suas atividades de pesquisa, ficando a critério da instituição de
execução das atividades a oferta de seguro-saúde ou equivalente que dê
cobertura de despesas médicas e hospitalares ao bolsista, nos eventuais casos
de acidentes e sinistros que possam ocorrer em suas instalações (CNPq, 2006
s/n).

Como requisitos e condições a RN 017/2006 institui que os estudantes interessados no


Programa devem estar regularmente matriculados no ensino fundamental, médio ou
profissional de escolas públicas e possuírem frequência mínima de 80% (oitenta por cento).
Os estudantes precisam estar desvinculados do mercado de trabalho e devem apresentar o
histórico escolar (item 5.5.1 CNPq, 2006 s/n).
No contrato de iniciação científica o estudante assume os seguintes compromissos:

5.7 Implementação da Bolsa


[...]
5.7.2 – No contrato, deverão ser assumidos, fundamentalmente, os seguintes
compromissos:
[...]
5.7.2.2 Pelo estudante:
a) executar o plano de atividades com dedicação mínima de oito horas
semanais;
b) elaborar relatório de suas atividades semestralmente, e ao final de sua
participação;
c) apresentar os resultados parciais e finais da atividade, sob forma de
painel ou exposição oral, acompanhados de relatório, nos encontros de
iniciação científica e tecnológica promovidos pela instituição;
d) estar matriculado em escola pública de nível fundamental, médio ou
profissional;
e) estar desvinculado do mercado de trabalho (CNPq, 2006, s/n).

Os orientadores devem possuir vínculo formal com a instituição de ensino superior


e/ou pesquisa, ter produção científica divulgada e o currículo atualizado na Plataforma Lattes.
A indicação é que os orientadores tenham, no mínimo, o título de mestre ou perfil científico

2
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI) é uma
das modalidades de bolsas oferecidas pelo CNPq que tem por finalidade estimular estudantes do ensino técnico e
superior ao desenvolvimento e transferência de novas tecnologias e inovação.
18

equivalente demonstrando experiência com atividades de pesquisa, cultura, arte e/ou


desenvolvimento tecnológico (item 5.5.2 CNPq, 2006 s/n).
Como compromisso, é necessário que os orientadores orientem os bolsistas em todas
as fases da pesquisa inclusive o processo de elaboração dos relatórios para apresentação dos
resultados das pesquisas, incentivando a participação destes nos eventos de iniciação
científica e tecnológica, avaliando o desempenho dos estudantes e comunicando quaisquer
infortúnios a instituição responsável pelo Programa (item 5.7.2.1 CNPq, 2006 s/n)
O acompanhamento e a avaliação do estudante, enquanto bolsista de iniciação
científica, é feita por meio dos relatórios individuais e da participação dos estudantes nos
eventos acadêmicos previstos (item 5.8 CNPq, 2006 s/n).
Como disposições finais, o CNPq orienta que haja participação dos professores do
ensino fundamental, médio ou profissional no planejamento das atividades de trabalho dos
bolsistas sob orientação dos pesquisadores incentivando o diálogo entre a Educação Básica e
o Ensino Superior (item 5.10 CNPq, 2006 s/n).
Atualmente o CNPq oferece três modalidade de bolsas de iniciação científica para a
Educação Básica, a saber: Programa de Iniciação Científica Júnior (PIC Jr), instituído em
2003; Programa de Iniciação Científica da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas
Públicas (PIC-OBMEP), criado em 2006; e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica para o Ensino Médio (PIBIC-EM), instituído em 2010.
O PIBIC-EM, objeto principal desta pesquisa, apresenta os mesmos objetivos da ICJ,
porém exclusivamente para os estudantes do ensino médio da rede pública.

1.2 O PIBIC-EM NA UNICAMP: CONTEXTO E ORGANIZAÇÃO

Na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) a ICJ foi instituída em


21/12/2007, pelo Processo CNPq nº 610057/2007-3 (PRÓ-REITORIA DE PESQUISA DA
UNICAMP, 2016b), com o apoio do CNPq no oferecimento de bolsas. Em maio de 2008 a
Universidade iniciou as suas atividades com o Programa de Iniciação Científica Junior (PIC
Jr) com 119 alunos selecionados de um grupo de 488 provenientes de 43 escolas públicas das
cidades de Campinas (Diretoria de Ensino Região Leste e Oeste – Jaguariúna, Valinhos e
Vinhedo), Limeira e Piracicaba. Neste mesmo ano, os estudantes selecionados foram
distribuídos em 50 projetos nas áreas de humanas, exatas, tecnológicas e biomédicas (PRÓ-
REIRORIA DE PESQUISA DA UNICAMP, 2016b).
19

No segundo ano do programa na UNICAMP, em 2009, foram 750 estudantes inscritos


oriundos de 79 escolas. No total foram selecionados 144 alunos, inseridos nos 54 projetos
submetidos à Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP/UNICAMP). Com a demanda crescente pela IC-
Jr a PRP passou a incentivar os professores orientadores com o auxílio financeiro no valor de
R$3.000,003 (três mil reais) para custeio das atividades nos laboratórios de pesquisa
envolvidos no programa4 (PRÓ-REITORIA DE PESQUISA DA UNICAMP, 2016b).
Em 2010 a PRP/UNICAMP apontou um aumento de 68%, se comparado ao ano
anterior, no número de projetos submetidos pelos docentes da Universidade. Com o aumento
da procura pelos docentes, por meio da submissão de projetos, a PRP/UNICAMP agregou
com recursos próprios mais 30 bolsas de estudos às outras 150 da quota do CNPq. Neste
mesmo ano, a UNICAMP foi contemplada com 150 bolsas pelo Edital do PIBIC-EM,
somando 300 bolsas de iniciação científica para os programas voltados aos estudantes do
nível médio das escolas públicas (PRÓ-REITORIA DE PESQUISA DA UNICAMP, 2016b).
A nova cota de bolsas do CNPq teria vigência a partir de 1 de outubro de 2010 até 30
de setembro de 2011, isso provocou um descompasso entre o calendário do PIC Jr e do
PIBIC-EM. Para ajustar o calendário dos dois Programas, com autorização do CNPq, os dois
tiveram início em agosto de 2011 com encerramento em janeiro de 2013. Neste período de
adaptação, o número de alunos dobrou, em comparação ao ano de 2009, e o número de
projetos se manteve, porém eles foram melhor distribuídos entre as áreas do conhecimento
(PRÓ-REITORIA DE PESQUISA DA UNICAMP, 2016b).

Em 2013, com o fim do Processo CNPq nº 610057/2007-3 houve a diminuição de 150


bolsas de ICJ, e para evitar danos aos estudantes a PRP assumiu a continuidade destas bolsas
com recursos próprios da Universidade (PRÓ-REITORIA DE PESQUISA DA UNICAMP,
2016b).
Para a cota de 2014 e 2015 a UNICAMP concedeu com recursos próprios 160 bolsas e
as outras 140 foram concedidas por meio do Edital PIBIC-EM/CNPq. Já para a cota de 2016
– 2017 o CNPq concedeu 134 bolsas, reflexo dos cortes de bolsas anunciados no início do
segundo semestre de 2016 (PRÓ-REITORIA DE PESQUISA DA UNICAMP, 2016a). Para
atender a demanda crescente pelo programa, a UNICAMP aumentou em 20% o número de

3
Desde 2015 o auxílio financeiro passou a ser de R$4.000,00 (quatro mil reais), quando o projeto acolhe no
mínimo três bolsistas, na rubrica de material de consumo nacional ou prestação de serviços.
4
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) também apoiou os projetos, vinculados a
instituição de fomento, por meio de custeio.
20

bolsas para 2016 – 2017, somando 220 bolsas concedidas com recursos próprios (PRÓ-
REITORIA DE PESQUISA DA UNICAMP, 2016b).
Tabela 1 – NÚMERO DE ESTUDANTES E ESCOLAS INSCRITAS NO PIBIC-
EM/UNICAMP

2014
2015 2016
2011- 2013- -
Ano 2008 2009 2010 20125 20147 - -
2012 20146 2015
8 2016 2017
Estudantes
488 750 555 823 325 1026 376 473 573 606
indicados
Estudantes
119 144 180 300 300 300 300 300 300 360
selecionados
Estudantes
0 0 0 0 0 0 0 6 4 10
voluntários5
Escolas
43 79 82 105 107 111 97 85 92 102
inscritas
Fonte: Tabela disponibilizada pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP/UNICAMP)

Nos quatro primeiros anos de iniciação científica para a Educação Básica na


UNICAMP a trajetória foi de crescimento em relação ao número de bolsas concedidas,
atingindo 300 alunos selecionados para o programa em 2011 devido a divulgação do Edital do
PIBIC-EM em 2010. Com o aumento de 20% das bolsas, a UNICAMP somou 360 alunos
selecionados para quota 2016-2017.

Percebemos uma grande oscilação em relação ao número de alunos indicados para o


Programa. Entre 2013 e 2014 a Pró-Reitoria de Pesquisa recebeu 1026 indicações de alunos
no total, sendo 10 alunos por escola inscrita.

O número de escolas inscritas também cresceu durante os primeiros seis anos do


Programa, apresentando números decrescentes somente em 2014. Talvez seja possível afirmar

5
2012: agosto/2012 a janeiro/2013 (6 meses) - prorrogação de da quota 2011-2012 pelo CNPq (CNPq, 2016b
s/n).
6
2013-2014: fevereiro/2013 a janeiro/2014 – Aumento de indicações por escola: 10 alunos/ escola (CNPq,
2016b s/n).
7
2014: fevereiro a julho/2014 (6 meses) – prorrogação da quota 2013-2014 pelo CNPq (CNPq, 2016b s/n).
8
2014-2015: Diminuição de indicações por escola: 6 alunos/ escola; Alunos voluntários: Desde a quota 2014-
2015, o PIBIC-EM aceita alunos do 3º ano do ensino médio, em caráter excepcional, na modalidade Voluntário,
desde que tenha manifestação favorável do orientador de projeto aprovado na quota. Essa modalidade não é
considerada no total de bolsas institucionais. Não há pagamento de bolsa, alimentação e transporte para o aluno
voluntário, exceto o seguro de acidentes pessoais e atendimento médico/ odontológico, em caso de emergência,
no CECOM/UNICAMP. O aluno voluntário deve atender aos compromissos apresentados no Edital (CNPq,
2016b s/n).
21

que o aumento de escolas inscritas, ao longo dos seis primeiros anos, seja consequência da
efetividade dos meios de divulgação adotados pelo Programa.

Desde a quota 2014 – 2015 a Pró-Reitoria de Pesquisa recebe alunos voluntários, em


caráter excepcional, atrelados a projeto de pesquisa no PIBIC-EM na Universidade com
prévia autorização do professor orientador. Os alunos voluntários, estudantes do último ano
do ensino médio, não entram no total de bolsas distribuídas. Estes alunos não recebem bolsa,
alimentação e transporte, somente o seguro de acidentes pessoais e o atendimento
médico/odontológico, em casos de emergências, no Centro de Saúde da Comunidade
(CECOM/UNICAMP).

Na UNICAMP os estudantes selecionados para o PIBIC-EM recebem uma bolsa no


valor de R$100,00 (cem reais) mais o transporte fretado, uma refeição por dia no restaurante
universitário, o seguro de acidentes pessoais e o atendimento de emergência
médico/odontológico no Hospital das Clínicas9.
O calendário do Programa10 tem a duração de doze meses11, tempo em que os
estudantes permanecem nas atividades de pesquisa cientifica e tecnológica na Universidade.
O desenvolvimento dos projetos de pesquisa devem seguir periodicamente oito horas
semanais em dias e horários definidos pelos orientadores. O Programa não prevê férias,
interrompendo suas atividades somente no período de recesso no final do ano.

Ao longo do projeto os estudantes entregam dois relatórios sobre as atividades


desenvolvidas. O primeiro relatório, chamado de relatório parcial, abrange as atividades de
agosto até janeiro. Já o relatório final abrange as atividades de fevereiro até julho.

No final do mês de julho a Pró-Reitoria de Pesquisa da UNICAMP organiza uma


cerimônia de encerramento dos projetos, na qual os estudantes recebem seus certificados de
iniciação científica. Nesta mesma cerimônia os estudantes selecionados para o próximo ano
são recebidos na Universidade.

No segundo semestre do ano a UNICAMP organiza o Congresso de Iniciação


Científica que dura três dias e neste evento os estudantes da graduação, com ou sem

9
Os estudantes que participam dos projetos no campus de Campinas são atendidos no Hospital das Clínicas da
UNICAMP em casos de emergências. Em Limeira e Piracicaba os estudantes são atendidos nos ambulatórios das
unidades.
10
A experiência que serviu de lócus para esta pesquisa vem sendo desenvolvida desde 2014, o calendário
apresentado se refere a esse período (2014 – 2017).
11
1 de agosto a 31 de julho.
22

financiamento, e do ensino médio apresentam suas pesquisas em forma de painel. É


obrigatória a participação dos bolsistas PIBIC-EM no evento.

Sobre o processo de inscrição e seleção dos bolsistas, o Edital PIBIC-EM nº 01/2016


de março de 2016 da PRP/UNICAMP coloca que as inscrições devem ser feitas pelas escolas
públicas e que cada uma pode inscrever no máximo seis estudantes. Anexado ao formulário
eletrônico deve constar o histórico escolar do 6º ao 9º anos do ensino fundamental de cada
estudante em arquivo PDF.
A classificação dos estudantes é feita por cada escola considerando o seu histórico
escolar do ensino fundamental, assim as indicações devem ser feitas seguindo a ordem dos
colocados. O primeiro estudante deve ser o primeiro colocado e assim sucessivamente.
O número de estudantes selecionados pela UNICAMP é determinado pelo número de
bolsas e pelo número de projetos submitidos à PRP. Os resultados são divulgados por
chamadas.
Por se tratar de menores de idade, na cerimônia de abertura do Programa os estudantes
devem apresentar a autorização assinada pelos responsáveis para que possam desenvolver as
atividades dentro do campus.
Ao final do Programa os bolsistas, orientadores, colaboradores e monitores recebem
um certificado emitido pela Pró-Reitoria de Pesquisa referente à participação nas atividades
desenvolvidas nos projetos.
23

CAPÍTULO 2
CIÊNCIA E CIDADANIA

Para problematizar as possíveis relações entre ciência e cidadania e o Programa na


UNICAMP, tendo como base os projetos desenvolvidos no Laboratório de Políticas Públicas
e Planejamento Educacional (LaPPlanE), primeiramente torna-se importante conceituar os
dois termos que foram prioridade nos projetos “Judicialização do Direito à Educação” e
“Ciência, Pesquisa e Cidadania”
Nos dois projetos desenvolvidos no LaPPlanE os conceitos estiveram presentes nos
objetivos específicos que aprofundarei no próximo capítulo desta pesquisa.

2.1 CIÊNCIAS OU CIÊNCIA?


Para abordar o conceito de ciência terei como referência o autor português Boaventura
de Sousa Santos que em seu livro Um Discurso Sobre as Ciências (2010) apresenta um
apanhado histórico sobre a noção de ciência que se criou desde o século XVI, com o início da
revolução científica, até o século XXI.

O autor trata da influência de um novo paradigma que teve início com a manifestação
de um novo modelo de “racionalidade científica” (SANTOS, 2010, p. 10) que se encaminhava
de maneira excludente e que entendia que todo o conhecimento que não fosse científico seria
irracional e inexato. Ele explica que, “o modelo de racionalidade que preside à ciência
moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos
séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais” (SANTOS, 2010, p. 10).

A revolução científica, segundo o mesmo autor, teve início com os estudos de Einstein
e se apresentou sob o controle das ciências naturais. Foi só no século XIX que a revolução
científica se expandiu para os domínios das ciências sociais, apontadas até então como uma
ciência emergente.

A partir de então pode falar-se de um modelo global de racionalidade


científica que admite variedade interna mas que se distingue e defende, por
via de fronteiras ostensivas e ostensivamente policiadas, de duas formas de
conhecimento não científico (e, portanto, irracional) potencialmente
perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou
estudos humanísticos (em que se incluíram, entre outros, os estudos
históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos)
(SANTOS, 2010, p. 10).
24

Este paradigma posto como o dominante entre as ciências, acompanhado do novo


modelo de “racionalidade científica” (SANTOS, 2010, p. 10), recusa todas as formas de
conhecimento que não se subordinarem às determinações desta ciência pautada em leis e
princípios. Este é um modelo que apostou no rigor como sendo sinônimo de segurança e
temperança, desconfiando dos indícios imediatos da experiência humana, incentivando assim
uma rigorosa distinção entre o homem e a natureza.

Em primeiro lugar, conhecer significa quantificar [...] O que não é


quantificável é cientificamente irrelevante. Em segundo lugar, o método
científico assenta na redução da complexidade. O mundo é complicado e a
mente humana não o pode compreender completamente (SANTOS, 2010, p.
15).
Segundo Santos (2010), o conhecimento científico é considerado preponderante sob
todas as outras formas de conhecimento, sendo o controlador da natureza, concebendo o
mundo como sendo uma máquina que pode ser monitorada por meio de leis e regras
imutáveis. O “paradigma dominante” (SANTOS, 2010, p. 10) reconhece apenas duas formas
de conhecimento: “as disciplinas formais da lógica e da matemática e as ciências empíricas
segundo o modelo mecanicista das ciências naturais” (SANTOS, 2010, p. 18) nesta última
incluídas as ciências sociais.

Neste sentido, as ciências sociais também ficam submetidas a tais leis que, de certa
maneira, buscam uma forma de conhecimento puramente pragmático. O paradigma
dominante, da ciência moderna, preza por uma maior propensão em alterar e imperar, do que
pela capacidade de compreender intimamente a realidade.

O autor aponta para uma crise irremediável do paradigma dominante, acrescentando


que ainda vivemos um período de revolução científica que não tem estimativas para acabar,
sendo que a única certeza é a de que as principais características do paradigma tido como
dominante entraram em colapso (SANTOS, 2010).

Para Santos (2010) há uma diversidade de condições, sociais e teóricas, que


propiciaram a crise do “paradigma dominante”. O “paradigma científico moderno”
(SANTOS, 2010, p. 24) favoreceu um grande avanço nas ciências que identificou as suas
barreiras e as suas deficiências basilares, como o que aconteceu com a mecânica quântica:

Se Einstein relativizou o rigor das leis de Newton no domínio da astrofísica,


a mecânica quântica fê-lo no domínio da microfísica. Heisenberg e Bohr
demonstraram que não é possível observar ou medir um objecto sem
interferir nele, sem o alterar, e a tal ponto que o objecto que sai de um
processo de medição não é o mesmo que lá entrou (SANTOS, 2010, p. 25).
25

Os estudos da mecânica quântica de Heisenberg e Bohr fazem parte do grupo de


condições teóricas que levaram à crise, porém tal crise também se deu por condições
sociológicas. Um exemplo dessas condições sociológicas é o que encontramos na
“industrialização da ciência” (SANTOS, 2010, p. 35), se até o momento o conhecimento
caminhava pelo interesse dos próprios pesquisadores, com este fenômeno passa a responder
aos interesses da sociedade, em especial os econômicos, que acabam determinando não só a
forma de se fazer ciência, como definindo sua aplicação. Santos (2010) pondera, ainda, que
essa industrialização alterou as aplicações e o modo de fazer ciência tanto em sociedades
capitalistas quanto em sociedades socialistas.

Quanto às aplicações, as bombas de Hiroshima e Nagasaki foram um sinal


trágico, a princípio visto como acidental e fortuito, mas hoje, perante a
catástrofe ecológica e o perigo do holocausto nuclear, cada vez mais visto
como manifestação de um modo de produção da ciência inclinado a
transformar acidentes em ocorrências sistemáticas (SANTOS, 2010, p. 35).
Quanto à organização do trabalho científico, tal industrialização científica provocou
alguns efeitos: Primeiramente a comunidade científica desestruturou-se, transformando as
relações entre os cientistas contrárias e arbitrárias. Além disso, “a esmagadora maioria dos
cientistas foi submetida a um processo de proletarização no interior dos laboratórios e dos
centros de investigação” (SANTOS, 2010, p. 35). Estes efeitos acarretaram também, no
aumento do custo para se fazer ciência, prejudicando o acesso à determinados equipamentos.

A crise trouxe à tona o “paradigma emergente” (SANTOS, 2010, p. 36), que por sua
vez vem acompanhado por quatro teses definidas por Santos (2010), são elas: 1) “Todo
conhecimento científico-natural é científico-social” (SANTOS, 2010, p. 37); 2) “Todo o
conhecimento é local e total” (SANTOS, 2010, p. 46); 3) “Todo o conhecimento é
autoconhecimento” (SANTOS, 2010, p. 50); 4) “Todo o conhecimento científico visa
constituir-se em senso comum” (SANTOS, 2010, p. 55).

Com a primeira tese o autor defende que ao surgir este novo paradigma deixa de fazer
sentido a distinção entre as ciências naturais e sociais, colocando que: “Esta distinção assenta
numa concepção mecanicista de matéria e da natureza a que contrapõe, com pressuposta
evidência, os conceitos de ser humano, cultura e sociedade” (SANTOS, 2010, p. 37).

Negando a lógica da ciência moderna, as ciências sociais, com a revalorização dos


estudos humanísticos, deveriam assumir a posição de catalisador das ciências. Quando o autor
fala de catalisador ele não se refere a uma ciência unificada e excludente, mas em um
26

conhecimento que reconheça a importância dos conceitos das ciências sociais (SANTOS,
2010).

Para o autor, se observarmos o percorrer das ciências da natureza ficará nítido como
esta ciência fez uso de conceitos que presidem as ciências sociais. Tendo a física percorrido
um caminho no qual se apropriou das teorias e conceitos das ciências sociais, não faz mais
sentido insistir nesta distinção entre as áreas do conhecimento. Trata-se de aceitar que as
ciências estão interligadas, são teorias que fazem parte de um fenômeno não isolado.

A segunda tese, “todo conhecimento é local e total” parte do pressuposto de que a


ciência moderna avança pela especialização, sendo o conhecimento mais rigoroso aquele que
for o mais restrito possível sobre o seu objeto de análise. Porém, essa profunda especialização
impede uma formação mais ampla e complexa. A crítica que se faz é ao reducionismo
arbitrário.

“No paradigma emergente o conhecimento é total, tem como horizonte a totalidade


universal de que fala Wigner ou a totalidade indivisa de que fala Bohm” (SANTOS, 2010, p.
47). Sendo total, ele é também local. É reconhecer que o conhecimento está vinculado a
questões que podem ser próprias a um indivíduo ou a um grupo de pessoas, mas que, ao
mesmo tempo, podem guardar relações com questões mais amplas diretamente referentes, ou
não, a estes indivíduos e grupos. Neste sentido, a ciência será tão mais avançada, quanto mais
amplo for seu objeto, pois reconhece na particularidade, não só a relação, mas a existência de
uma totalidade.

No que diz respeito a terceira tese, “todo conhecimento é autoconhecimento”, o


conhecimento científico orienta o ser humano a viver compreendendo-se em um saber prático
que enriquece toda a nossa trajetória, sendo a prova mais intima daquilo que somos.

Santos (2010) indica que existem as distâncias epistemológica e empírica entre sujeito
e objeto, de forma que a primeira deve ser articulada com a segunda. Para isso Santos (2010)
coloca que na antropologia essa distância empírica era enorme, uma vez que o sujeito era o
antropólogo europeu analisando o seu objeto, o outro povo primitivo e tido como selvagem.
Neste caso, metodologias foram adotadas para que a distância sujeito/objeto fosse encurtada
garantindo maior intimidade com o objeto de análise.

Diferente do que aconteceu na sociologia, que tinha o europeu analisando o seu


próprio povo. Nessa situação a distância epistemológica era mínima, fazendo com que o
27

sociólogo adotasse metodologias de distanciamento para garantir uma distância entre


sujeito/objeto.

O autor português parafraseia Clausewitz dizendo que:

(...) podemos afirmar hoje que o objecto é a continuação do sujeito por


outros meios. Por isso, todo o conhecimento científico é autoconhecimento.
A ciência não descobre, cria, e o acto criativo protagonizado por cada
cientista e pela comunidade científica no seu conjunto tem de se conhecer
intimamente antes que conheça o que com ele se conhece do real (SANTOS,
2010, p. 52).

Os pressupostos que o cientista carrega com ele como suas crenças, valores e visões de
mundo fazem parte da sua explicação científica, seja sobre a natureza ou sobre a sociedade.

A última tese aponta que “todo conhecimento científico visa constituir-se em senso
comum”, fazendo uso do conhecimento que até então era tido como vulgar e ilusório. A
ciência moderna acredita que o senso comum é imediatista e guarda maior relação com as
questões práticas, desenvolvendo-se da trajetória e das experiências de vida de determinados
grupos sociais; ao que podemos chamar de resultado de uma ação espontânea não orientada.

Segundo o paradigma emergente, são essas características que consagram a virtude


antecipatória do senso comum e através desta virtude, acompanhada do conhecimento
científico, é que uma nova racionalidade surgirá.

A ciência pós-moderna busca adotar o conhecimento vulgar que todo ser humano
carrega consigo, sendo parte integrante da produção do conhecimento científico.

2.2 POR UMA CIDADANIA NO BRASIL


Para discutir a formação cidadã dos estudantes do nível médio é preciso identificar o
que entendemos por cidadania, para isso utilizamos as contribuições teóricas do historiador
José Murilo de Carvalho em seu livro, Cidadania no Brasil – O longo caminho (2016). O
autor não propõe um conceito, mas o apresenta como algo que vem sendo construído
historicamente e que permanece em constante transformação, o que nos atraiu mais do que
uma determinação acabada, haja vista ir ao encontro da própria proposta de Santos (2010)
acerca da terceira tese “todo conhecimento é autoconhecimento”.
Se é preciso superar a dicotomia sujeito/objeto, de forma que os objetos são distintas e
possíveis continuidades do sujeito, falar do conceito de cidadania é, antes de mais nada, falar
de cada um de nós, de forma que saber o que nos compõe, consequentemente, o que compõe a
28

cidadania, torna-se mais importante do que poder dizer o que se é ao final, já que nesta lógica,
sujeito é também objeto.
Nesse sentido, falando de cidadania – de nós –, Carvalho (2016) destaca que no Brasil,
com o fim da ditadura militar de 1985, o país enfrentou a labuta de (re)construção da
democracia. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, conhecida como
Constituição Cidadã12, o “entusiasmo cívico” (CARVALHO, 2016, p. 13) culminou no
equívoco de acreditar que o exercício de certos direitos levaria as pessoas a usufruírem
imediatamente de outros diretos.
O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não
gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O
exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos
problemas básicos da população. Dito de outra maneira: a liberdade e a
participação não levam automaticamente, ou rapidamente, à resolução de
problemas sociais (CARVALHO, 2016, p. 14).

Passados vinte e oito anos da promulgação da Constituição Cidadã, mesmo com o


avanços dos últimos dez anos na elaboração de políticas públicas voltadas às camadas
populares, o Brasil ainda enfrenta problemas centrais na sociedade. Problemas tais como a
violência urbana, o desemprego, a má qualidade dos sistemas públicos de saúde e educação,
como também problemas de desigualdades sociais e econômicas. Como consequência do
ritmo oscilante das mudanças, o cidadão perde a confiança nos mecanismos e agentes do
sistema democrático, como as eleições, o Congresso e os partidos (CARVALHO, 2016).
É o que observamos nas eleições municipais de 2016 que anunciou uma porcentagem
significativa de votos brancos e nulos em grande parte dos municípios brasileiros, em especial
nas principais capitais do país.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, no primeiro turno das eleições municipais, a


cidade de São Paulo totalizou 1.940.454 (21,8%) abstenções em um total eleitoral de
8.886.195. No total foram 5,29% de votos em branco e 11,39% de votos nulos.

É importante contextualizar que o Brasil vivencia um momento de retrocesso no que


diz respeito aos direitos conquistados ao longo dos anos. O contexto é de crise política e
econômica, em um cenário de governo aqui compreendido como ilegítimo posto que se
empossou por meio de um processo antidemocrático de impeachment que destituiu a

12
A CF/88 salienta que a República Federativa do Brasil –união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal – constitui-se como Estado Democrático de Direito e tem como principal fundamento a
cidadania.
29

presidenta reeleita com 54,5 milhões de votos. Este processo foi aprovado no Congresso sobre
declarações nacionalistas e fascistas ao ponto de ser homenageado o primeiro militar a ser
reconhecido pela Justiça como torturador durante o regime militar, o coronel Carlos Alberto
Brilhante Ustra.

É neste cenário que o governo tido como ilegítimo assume e em seu discurso se
apresenta como sendo a favor do desenvolvimento do país, adotando um programa de
governo que suprimi os direitos sociais conquistados ao longo dos últimos anos. Como
exemplo de medidas tomadas temos a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) nº 55 que congela os investimentos do governo federal por vinte anos em áreas como
saúde e educação.

Outro exemplo do programa de governo são as mudanças na previdência social e nas


leis trabalhistas, sempre com o intuito de diminuir os investimentos. Na área da Educação os
programas sociais também deixam de ser prioridade, interferindo nos programas de acesso ao
ensino superior como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES).

A falta de perspectivas, a curto prazo, para tais problemas da sociedade, inclusive pela
dependência do Brasil em relação à ordem econômica internacional, tem gerado um clima de
inquietação no país pelo sofrimento humano e pelo medo de soluções que signifiquem o
retrocesso de longas e parcas conquistas. A respeito podemos resgatar as manifestações
organizadas por todo o país durante os últimos três anos que tiveram como pauta a melhoria
nas áreas de saúde e educação, assim como também o fim da corrupção no Brasil.

Por esse motivo, Carvalho (2016) aponta a importância de uma reflexão sobre a
cidadania em uma perspectiva histórica incluindo as suas várias dimensões. O autor brasileiro
desdobra a cidadania em três direitos, a saber: os direitos civis, os direitos políticos e os
direitos sociais.

O primeiro deles, os direitos civis, aparecem na CF/88 no art. 5º do Capítulo I que


dispõe sobre os direitos e deveres individuais e coletivos. Tendo como pressuposto que todos
são iguais perante a lei, os direitos civis são aqueles invioláveis que garantem o direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (CF/88, art. 5º).

Os direitos civis se desdobram em mais de setenta incisos na CF/88, como exemplo:


na igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, na livre manifestação do
pensamento, na casa como asilo inviolável, na livre escolha de trabalho e no direito de ir e vir.
30

A garantia destes direitos se baseia em uma justiça independente, eficiente, barata e


acessível a todos (CARVALHO, 2016). Com o desenvolvimento da sociedade capitalista a
existência da sociedade civil depende de relações civilizadas que são garantidas pela
existência dos direitos civis.

O segundo deles, os direitos políticos, apontam para a soberania popular por meio da
participação do cidadão no governo da sociedade via voto direto, sem mediações ou
intermediações, e secreto. Apreende-se que a conquista do voto direto aumentou a
abrangência dos direitos políticos ao dar o mesmo peso ao voto de cada indivíduo,
possibilitando ao eleitor votar diretamente no candidato que escolheu ao cargo.

Este é um direito com exercício limitado, podendo ser facultativo para algumas
parcelas da sociedade como para os analfabetos, maiores de setenta anos e os maiores de
dezesseis e menores de dezoito anos (CF/88, art. 14).

Os direitos políticos se desdobram nas demonstrações políticas, na organização de


partidos e no voto. A cassação destes direitos é vedada e a perda ou suspensão só se dará nos
casos especificados na legislação:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;


II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus
efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa,
nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. (CF/88, art. 15)

Por fim, o terceiro deles, os direitos sociais são “a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e a à infância, a assistência aos desamparados” (art. 6º, CF/88) regidos pelas
normas da CF/88.

No caso do direito à educação o Brasil dispõe de leis complementares que garantem a


manutenção deste direito como a Lei nº 8.069, conhecida como o Estatuto da Criança e do
Adolescente, e a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Os direitos sociais são direitos que garantem a participação na riqueza coletiva e a sua
garantia se dá por meio da existência de uma máquina administrativa do Poder Executivo,
buscando a diminuição das desigualdades sociais para assegurar o mínimo de bem-estar
(CARVALHO, 2016).
31

O cidadão pleno seria aquele titular dos três direitos, o incompleto seria titular apenas
de um direito e o não cidadão não se beneficiaria de nenhum deles.

José Murilo de Carvalho (2016) aponta que é possível haver direitos civis sem direitos
políticos, porém o contrário não é possível uma vez que sem a liberdade de opinião e
organização o direito ao voto fica esvaziado de sentido, servindo apenas para justificar
governos. Já os direitos sociais não dependem dos outros dois, mas sem eles seu alcance e o
seu conteúdo tendem a ser reduzidos a interesses específicos.

Ele também aponta que para Marshall o desenvolvimento da cidadania se dá por meio
de uma sequência lógica e cronológica. Na Inglaterra, por exemplo, a cidadania se
desenvolveu com muita lentidão tendo no século XVIII a conquista dos direitos civis, para no
século XIX conquistar os direitos políticos e por fim, no século XX, os direitos sociais.

Foi com base nas liberdades civis que os ingleses reivindicaram o direito ao voto e ao
votar eles elegeram operários que criaram o Partido Trabalhista, responsável por introduzir os
direitos sociais.

Diferente do que aconteceu na Inglaterra, no Brasil, o desenvolvimento e a


constituição da cidadania seguiu uma outra cronologia. Primeiramente conquistamos os
direitos sociais, implementados em um sinuoso período de supressão dos direitos políticos e
de redução dos direitos civis por uma ditadura popular.

Na Era Vargas (1930 – 1945) houveram grandes avanços trabalhistas e sociais que
culminaram na promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), influenciadas por
correntes positivistas que permaneceram fieis ao pensamento de Augusto Comte: “No que se
refere à questão social, Comte dizia que o principal objetivo da política moderna era
incorporar o proletariado à sociedade por meio de medidas de proteção ao trabalhador e a sua
família” (CARVALHO, 2016, p. 115).

É importante ressaltar que os avanços, no que diz respeito ao direitos sociais, em pleno
Estado Novo, se consolidaram em um ambiente de pouca participação política e de frágil
vigência dos direitos civis. A conquista dos direitos sociais se consolidou de maneira a
questionar o seu caráter democrático, o que impediu o exercício de uma “cidadania ativa”
(CARVALHO, 2016, p. 114).

Com a derrubada de Vargas em 1945 o Brasil experimentou sua primeira experiência


democrática com a convocação das eleições presidenciais e legislativas convocadas em
32

dezembro daquele ano. O período de 1945 – 1964 representou uma fase de grande
participação e resistência da população brasileira, havendo a conquista dos direitos políticos.

Com o Golpe de Estado de 1964, que interrompeu o governo do então presidente João
Goulart, o país enfrentou o início de um período de confrontos e o fim da democracia.

Foi só com a redemocratização do país na década de 80, com o fim da ditadura civil
militar, que a população voltou a construir e a conquistar os seus direitos civis garantidos
então pela Constituição Federal de 1988. A situação estabelecida ainda é frágil, não só por
considerarmos que o conceito está em constante transformação, mas em especial pela
juventude democrática de nosso país, que sofre com perturbações causadas nos âmbitos dos
direitos políticos e civis.

Por fim, ao adotarmos o conceito de ciência apresentado por Santos (2010) buscamos
estabelecer uma relação dialógica com a noção de cidadania discutida por Carvalho (2012). O
diálogo científico, entre as diferentes áreas do conhecimento, levará os indivíduos à
ampliação de seus campos de discurso aumentando as chances de expandirmos os nossos
direitos civis, políticos e sociais enquanto cidadãos plenos. Essa relação é o ponto chave para
a análise das atividades do Programa que será feita no capítulo que se segue.
33

CAPÍTULO 3
AS EXPERIÊNCIAS DO PIBIC-EM NO LABORATÓRIO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS E PLANEJAMENTO EDUCACIONAL (LAPPLANE)

O Laboratório de Políticas Públicas e Planejamento Educacional (LaPPlanE)13, da


Faculdade de Educação (FE), recebeu nos últimos dois anos dez bolsistas do PIBIC-EM. Em
2014 acolheu três bolsistas que participaram das atividades de pesquisa durante um ano no
projeto “Judicialização do Direito à Educação”14. No ano seguinte quatro bolsistas integraram
o projeto “Ciência, Pesquisa e Cidadania”15 e neste ano, três bolsistas iniciaram suas
atividades no segundo semestre no projeto “Pesquisa e Cidadania: Aprendendo com jogos,
arte e ciência”16.

Esta pesquisa teve como lócus de busca de material os dois primeiros projetos
desenvolvidos no LaPPlanE, por este motivo procuramos explicar a organização destes
projetos para contextualizar tal experiência.

As atividades dos dois primeiros projetos foram vinculadas a um dos objetivos


específicos da pesquisa interdisciplinar “Judicialização do Direito à Educação”17, a saber:
consolidar o diálogo entre as ciências, primordial para compreender as políticas públicas
educacionais, desenvolvendo conhecimento sobre a temática que envolve também uma
convivência numa sociedade democrática.

Desta forma o projeto contribui também com a formação do estudante no que tange a
duas das finalidades do Ensino Médio previstas no artigo 35, incisos II e III da Lei nº
9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional:

Art. 35: O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração
mínima de três anos, terá como finalidades:
(...)
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

13
Para mais informações sobre o Laboratório de Políticas Públicas e Planejamento Educacional (LaPPlanE),
acessar: https://www.lapplane.fe.unicamp.br/
14
O projeto “Judicialização do Direito à Educação” teve início em agosto de 2014 e terminou em julho de 2015.
15
O projeto “Ciência, Pesquisa e Cidadania” teve início em agosto de 2015 e termino em julho de 2016.
16
O projeto em andamento “Pesquisa e Cidadania: Aprendendo com jogos, arte e ciência” iniciou-se em agosto
de 2016 e tem previsão, segundo o calendário da PRP, para terminar em julho de 2017.
17
A pesquisa em andamento da Profa. Dra. Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis tem como principal objetivo
investigar as decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entre os anos de 1988 e 2013 com o
propósito de reconhecer sua participação diante do controle de políticas públicas educacionais para a efetivação
do direito à educação sob o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na aquisição da vaga escolar.
34

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a


formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico (BRASIL, 1996).
Com estes pressupostos o objetivo geral do trabalho com os estudantes bolsistas do
PIBIC-EM era conhecer os possíveis diálogos entre as várias áreas do conhecimento, tendo
como objetivos específicos identificá-las, pesquisar as características marcantes das principais
correntes de pesquisa e estabelecer relações dialógicas entre as áreas e as correntes de
pesquisa com base no material levantado e nas leituras indicadas.

Os projetos previam atividades acadêmicas envolvendo fundamentação teórica e


atividades fora do ambiente acadêmico, a fim de desfrutar espaços de convivência que a
Universidade oferece e que contribuem para a formação ética dos alunos, desenvolvendo
autonomia intelectual e pensamento crítico dos mesmos.

Neste contexto apresento a seguir as atividades desenvolvidas nos projetos do PIBIC-


EM no LaPPlanE entre 2014 e 2016.

3.1 As atividades dos projetos “Judicialização do Direito à Educação” e “Ciência,


Pesquisa e Cidadania”

No primeiro contato com os estudantes bolsistas fazíamos uma sondagem, por meio de
um questionário18, para identificarmos aquilo que eles conheciam sobre a Universidade e o
Programa. Com o questionário percebemos que a universidade era de início para estes
estudantes um lugar desconhecido e inalcançável, longe da realidade de cada um, no qual a
principal e única atividade é a produção e a troca de conhecimento.

Os bolsistas chegavam com uma visão muito limitada sobre a UNICAMP e a FE,
colocando em discussão a distância entre o Ensino Superior e a Educação Básica que ainda
persiste, interferindo nesta visão construída da universidade como sendo algo inatingível. Os
bolsistas demonstravam medo e insegurança quando o assunto era o vestibular da UNICAMP,
declarando que a Universidade não era para todos. Além disso, pouco sabiam sobre as
atividades que acontecem dentro da UNICAMP, declarando conhecerem apenas alguns
cursos. Sendo assim, entendemos que seria de extrema importância apresentar a UNICAMP
para os estudantes bolsistas com vistas a conhecer os aspectos de pesquisa, ensino e extensão
enquanto indissociáveis (art. 207, CF/88) e formadores do tripé universitário.

18
Questionário no Apêndice A.
35

Este primeiro contato com a UNICAMP foi estabelecido por intermédio de uma visita
virtual e outra presencial ao campus de Campinas. Os encontros dos projetos aconteciam duas
vezes por semana, sendo assim reservamos um dia para visitas presenciais nas diversas
unidades e o outro para visitas virtuais.

Os estudantes conheceram os institutos do campus de Campinas, conhecendo os


cursos de graduação, visitando bibliotecas e laboratórios. Além disso, conheceram espaços de
vivência como o Museu Exploratório de Ciências – UNICAMP19, o qual coloca à disposição
da comunidade um espaço de educação e lazer de maneira multidisciplinar, e a Casa do
Lago20.

Nas visitas virtuais, com a ajuda dos monitores21, os bolsistas tiveram a oportunidade
de conhecer os grupos de estudos e pesquisas das várias faculdades e institutos, bem como as
propostas de intercâmbio oferecidas pela Vice-Reitoria de Relações Internacionais (VRERI) e
as bolsas oferecidas pelo Serviço de Apoio ao Estudante (SAE).

Ao final do mês de agosto, com o fim das visitas, os estudantes foram incentivados a
refletir sobre a organização e a proposta da Universidade. Para encerrar essa primeira
atividade eles produziram um mapa mental representativo no qual apresentaram a
Universidade levando-se em conta tudo o que para eles foi significativo.

19
https://www.mc.unicamp.br/
20
http://www.casadolago.preac.unicamp.br/
21
Os monitores são estudantes da graduação da UNICAMP e de outras instituições de ensino, como a Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS). A divulgação das vagas para monitoria é feita por meio
das redes sociais e e-mail institucional e a seleção é feita em uma reunião com a professora responsável.
36

Figura 1: Mapa Mental produzido com as impressões dos alunos do PIBIC-EM no projeto
“Judicialização do Direito à Educação”

Figura 2: Mapa Mental produzido com as impressões dos alunos do PIBIC-EM no projeto “Ciência,
Pesquisa e Cidadania”

O mapa mental (BUZAN, 1994) é um diagrama voltado para a gestão de informações


e trata-se de um método para planejamento e registro gráfico oriundo da socialização das
37

ideias de todos os envolvidos no processo. Foi escolhido para o desenvolvimento da maioria


das atividades do projeto por demandar trabalho coletivo dinâmico, de forma a aproximar-se
da realidade comunicativa dos jovens de hoje.

Os três meses seguintes foram dedicados a identificar a relação da universidade com


as áreas e a produção do conhecimento via leitura e discussão do livro “Um Discurso sobre as
Ciências” (2010) do autor Boaventura de Sousa Santos.

Para trabalharmos com o livro dividimos as atividades em três momentos: 1. Leitura,


2. Discussão e 3. Mapa mental.

Ao identificarmos o estranhamento e a dificuldade dos estudantes com a leitura do


livro, julgamos que seria crucial explorar as experiências de leitura dividindo o primeiro
momento em dois. Em casa os estudantes faziam uma leitura prévia do livro elaborando um
glossário com as palavras que eles não conheciam ou que tinham dúvidas sobre o seu
significado. Além disso, os estudantes arrolavam os vários autores citados no livro com o
intuito de pesquisarem e conhecerem suas teorias e contribuições para a ciência.

A estratégia adotada favoreceu o entendimento do livro quando fazíamos leituras em


grande grupo nos encontros no laboratório. A leitura conjunta era feita em voz alta e cada
membro do grupo ficava responsável por ler um trecho ou parágrafo do livro. Esta estratégia
colaborou com o desenvolvimento dos estudantes no que diz respeito à desenvoltura na leitura
e na comunicação.

Ao final das atividades com o livro de Santos (2010), os estudantes entregaram uma
resenha individual na qual eles escolheram uma tese do paradigma emergente para
discorrerem e relacionarem com situações do cotidiano de cada um. Com esta atividade os
estudantes demonstraram que as teses se relacionavam com situações do cotidiano escolar e
familiar, aderindo assim significado a elas.

Em uma das resenhas um dos estudante escolheu a última tese, 4) “todo conhecimento
científico visa constituir-se em senso comum” (SANTOS, 2010, p. 55), para explicar e
relacionar com situações do cotidiano familiar no qual alguns saberes eram passados de pai
para filho sem nenhuma comprovação científica, sendo assim um conhecimento tido como
vulgar. É como o chá de camomila para acalmar e aliviar o estresse que são receitas caseiras,
passadas de geração para geração, sem decorrerem do rigor científico do “paradigma
dominante” (SANTOS, 2010, p. 10).
38

Após a entrega das resenhas individuais os estudantes se organizaram para elaborarem


uma resenha coletiva, abordando os aspectos mais importantes do livro para eles. Foi uma
atividade que uniu o grupo e trabalhou com as especificidades de cada um. As atividades
coletivas, feitas em grandes grupos, foram essenciais para que os estudantes entendessem e
respeitassem as características e dificuldades de cada integrante dos projetos.

Com o fim das férias do final do ano os estudantes retomaram suas atividades em
janeiro com o objetivo de pesquisar e conhecer as principais correntes de pesquisa
estabelecendo uma relação dessas com o processo de ensino-aprendizagem de cada aluno, em
suas respectivas realidades, criando um diálogo entre as metodologias de pesquisa e as áreas
do conhecimento.

Tal atividade teve como base no livro “Metodologia do Trabalho Científico: Métodos
e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico” (PRODANOV & FREITAS, 2013).

Incluímos nas atividades com o e-book22 uma roda de conversa com estudantes de
graduação e pós-graduação que participaram de atividades de pesquisa. No período das
atividades dos dois projetos recebemos alunos da UNICAMP e da Universidade de São Paulo
(USP). Além de compartilharem suas experiências, relatando as etapas de uma pesquisa
cientifica, os estudantes convidados discutiram com os bolsistas questões sobre educação e o
ensino superior.

Com o início do mês de fevereiro os bolsistas PIBIC-EM concluíram o relatório


parcial exigido pela PRP/UNICAMP, como forma de avaliação, que começou a ser elaborado
antes das férias de dezembro. O relatório exigia a abordagem das atividades desenvolvidas
entre agosto e fevereiro, sempre com o objetivo de entender como estas atividades
contribuíram para a formação dos bolsistas.

Depois de entregarem o relatório parcial os estudantes prosseguiram as atividades com


os métodos de abordagem. Em um dia da semana havia a discussão sobre um método e no
encontro seguinte a confecção de um mapa mental sobre o método de abordagem estudado
naquela semana.

Com o fim dos métodos de abordagem iniciou-se a leitura dos métodos de


procedimento e nessa etapa eles assumiram a responsabilidade de guiar os encontros. Em cada
encontro um estudante ficava responsável por apresentar aos colegas uma aula sobre o método
22
O e-book está disponível para download pelo site da Universidade Feevale
<https://www.feevale.br/cultura/editora-feevale/metodologia-do-trabalho-cientifico---2-edicao>.
39

de procedimento escolhido. Os monitores incentivavam os bolsistas a utilizarem novos


recursos para as apresentações, como: a lousa, os computadores e o datashow disponíveis nas
salas de aula da Faculdade de Educação. Além de incentivarem a utilização de outras
linguagens de comunicação, como vídeos, dança, jogos e brincadeiras.

Para o método estatístico, por exemplo, eles organizaram uma pesquisa informal com
os colegas da escola com o intuito de coletar dados para descobrir o número de estudantes do
ensino médio que pretendem cursar o ensino superior. Já para o método experimental, a
bolsista responsável pela apresentação organizou uma aula expositiva e ao final uma
experiência prática envolvendo física e química. Para o método observacional uma roda de
conversa foi organizada para apresentar os conceitos teóricos do método e na sequência uma
brincadeira de observação foi criada.

Essa foi mais uma das atividades que contribuiu para o desenvolvimento da autonomia
e da capacidade de lidar com situações fora do cotidiano. Para fazerem a apresentação do
método de procedimento um planejamento foi feito com o auxílio dos monitores para que
cada um pudesse estudar e ensaiar sua apresentação. A orientação encaminhada para os
estudantes foi de usarem a criatividade e o amplo referencial teórico disponível nas
bibliotecas para o desafio posto.

Com o fim da leitura do e-book iniciamos um novo ciclo de atividades com a Árvore
de Problemas. Nesta etapa os bolsistas levantaram e socializaram problemas de ordem local
em suas respectivas escolas para, a partir deles, discutirem e identificarem situações em que o
diálogo científico entre as áreas dos conhecimentos pudessem ajudar a buscar possíveis
soluções.
40

Figura 3: Árvore de Problema, “O uso de drogas nas escolas”, elaborada no projeto “Ciência,
Pesquisa e Cidadania”
41

Figura 4: Árvore de Problema, “O uso de drogas nas escolas”, elaborada no projeto “Ciência,
Pesquisa e Cidadania”

Figura 5: Árvore de Problema, “O uso de drogas nas escolas”, elaborada no projeto “Ciência,
Pesquisa e Cidadania”
42

A confecção da Árvore e a busca por possíveis soluções envolvia o uso de todas as


disciplinas escolares presentes no currículo do nível médio da rede estadual paulista de
ensino. Em uma destas atividades o problema levantado foi o uso constante de drogas ilícitas
nas escolas e junto com a elaboração da Árvore uma roda de conversa sobre o assunto
aconteceu no laboratório.

No mais, ao longo dos projetos, outras estratégias foram utilizadas para aproximação e
discussão. Rodas de conversa com professores pesquisadores da UNICAMP e de outras
instituições de ensino superior foram organizadas para discutirmos questões referentes ao
momento político e econômico que o Brasil vive atualmente, como exemplo o processo de
impeachment da presidenta Dilma Rousseff e as implicações da crise na área da educação.
Além disso, criamos espaços de socialização e trocas de experiências com o caderno “Fica a
Dica” e a página em uma rede social.

O caderno funcionou como um diário coletivo e guarda dicas e mensagens que os


estudantes deixam como registro para os colegas. No “Fica a Dica” encontramos receitas de
bolo, playlist23, mensagens motivadoras, poemas e desenhos. Na página da rede social os
estudantes compartilharam suas experiências no projeto, como as atividades e as discussões.

Ao final de todas as atividades o calendário do projeto se encerra com a elaboração do


relatório final, que abrange as atividades de fevereiro a julho, e com a confecção do pôster a
ser apresentado no Congresso de Iniciação Científica da UNICAMP.

O encerramento do projeto se dá por uma confraternização no LaPPlanE e ao final da


última semana uma cerimônia formal é organizada pela PRP/UNICAMP no Centro de
Convenções da Universidade.

3.2 O PIBIC-EM: A ciência e a cidadania

Nossa Universidade atual forma, pelo mundo afora, uma proporção


demasiado grande de especialistas em disciplinas predeterminadas,
portanto artificialmente delimitadas, enquanto uma grande parte das
atividades sociais, como o próprio desenvolvimento da ciência, exige
homens capazes de um ângulo de visão muito mais amplo, e, ao
mesmo tempo, de um enfoque dos problemas em profundidade, além
de novos progressos que transgridam as fronteiras históricas das
disciplinas (LICHNEROWICZ apud MORIN, 2014, p. 13).

23
Termo inglês utilizado para se referir a uma lista de músicas.
43

Depois de apresentar o cronograma dos projetos desenvolvidos no LaPPlanE é


necessário estabelecer uma relação dialógica entre estas atividades e a abordagem teórica, ou
seja, a perspectiva de ciência e cidadania conceituadas no capítulo anterior por meio da
análise de Santos (2010) e Carvalho (2016).

Os estudantes bolsistas do Programa, oriundos da rede pública de ensino, carregavam


com eles visões limitadas sobre a universidade e sobre a produção do conhecimento. Na
sondagem feita no início das atividades de cada projeto observamos que os estudantes
criavam uma relação entre a universidade e a mobilidade social, por eles denominada “subir
na vida”, os bolsistas entendiam que a universidade era o espaço no qual o estudar levaria ao
mercado de trabalho criando novas oportunidade para uma ascensão financeira e social. A
universidade era tida como a melhor oportunidade de ter acesso ao conhecimento, exigindo de
quem tivesse acesso à ela responsabilidade e comprometimento.

Além disso, ao serem questionados sobre a UNICAMP as visões apresentadas por eles
também eram limitadas. Os estudantes associavam primeiramente a Universidade ao Hospital
das Clínicas, um dos principais hospitais de referência de atendimento público do estado de
São Paulo, depois associavam mais uma vez à formação profissional com o intuito de formar
para o mercado de trabalho. Não havia o reconhecimento do tripé universitário nos aspectos
de pesquisa, ensino e extensão.

Para falar de ciência os estudantes afirmavam que o conceito se referia ao estudo


aprofundado sobre algo ou sobre alguma área, entendendo a ciência como o caminho para o
conhecimento. Por fim, o conceito que apresentava o maior número de definições por eles é o
de cidadania. A palavra era entendida como a ação de pensar individualmente, o saber
conviver em sociedade e o ajudar o próximo.

Não devemos desconsiderar as representações e assimilações por eles feitas, uma vez
que são resultado daquilo que são enquanto sujeitos históricos. A visão distinta sobre os
conceitos também se deve ao fato de que hoje há uma ampla discussão na academia sobre
ciência e cidadania, enquanto conceitos distintos, mas sem uma discussão crítica sobre eles. O
levantamento bibliográfico nas principais bases de dados (CAPES, SCIELO, UNICAMP E
USP) evidenciaram a falta de discussões que articulassem tais conceitos.

Como relatado anteriormente, para que os estudantes conhecessem a Universidade,


fazendo-se conhecer o seu tripé, as atividades tiveram início com as visitas virtuais e
presenciais ao campus de Campinas. Conhecer e vivenciar a Universidade era essencial para
44

que os estudantes entendessem que este espaço não se limita à produção sistematizada do
conhecimento.

Entendemos que a universidade, assim como a escola e outras instâncias da sociedade,


fazem parte do grupo de espaços propícios para que o indivíduo possa desfrutar e exercer sua
cidadania, uma vez que instiga não só o conhecimento, mas também a conscientização
política, social e cultural.

Enquanto estudantes do Ensino Médio, inseridos nos espaços da Universidade, os


bolsistas do Programa tinham acesso aos espaços de convivência e de discussões políticas.
Espaços estes que fazem parte daquilo que consideramos como espaços públicos, mas que
mesmo sendo espaços da sociedade são pouco ocupados pela comunidade externa à
UNICAMP.

Para ampliar a visão de Universidade, fazendo-se conhecer os diferentes espaços da


UNICAMP, os estudantes participaram de atividades organizadas pelo Centro Acadêmico da
Pedagogia. Uma destas atividades foi a Semana de Educação24 organizada todo ano pelos
estudantes do curso de pedagogia e de licenciatura-integrada em química e física. A Semana
de Educação propõe discussões que envolvem o contexto regional e nacional no que diz
respeito à educação. Atividades são organizadas para discutir financiamento da educação,
racismo, LGBTfobia, cotas raciais, arte e cultura.

As duas turmas de PIBIC-EM que desenvolveram atividades no LaPPlanE


vivenciaram a Universidade em um contexto de greve. A primeira turma, do projeto
“Judicialização do Direito à Educação”, iniciou as suas atividades no contexto de greve e a
última, do projeto “Ciência, Pesquisa e Cidadania”, encerrou suas atividades em um período
de greve na UNICAMP. Para que os estudantes entendessem o contexto das greves rodas de
conversa foram organizadas, com representantes do movimento de greve, para discutirem as
pautas de reinvindicações das três categorias (funcionários, estudantes e docentes).

A participação dos estudantes bolsistas do Programa nestas discussões, que envolvem


questões de interesse da Universidade e da comunidade externa, auxiliou na ampliação do
debate sobre a convivência em um sociedade democrática o que consequentemente contribuiu
para a conscientização do papel deles enquanto sujeitos de direitos. Estas atividades resgatam
a ideia de Morin (2012) de que a educação deveria se preocupar com a possibilidade de

24
Em 2014 os estudantes bolsistas participaram de algumas atividades da Semana de Educação que tinha como
tema “Sem Grades” e em 2015 “Quem Educa a Pátria Educadora?”.
45

ensinar a compreensão. Essa compreensão, mútua e planetária, deve acontecer em todos os


níveis educativos e em todas as idades. A compreensão é vital para que as relações humanas
deixem o seu “estado bárbaro de incompreensão” (MORIN, 2012, p. 18). Disso decorre a
necessidade de estudar as raízes e os efeitos da incompreensão, constitui uma das bases mais
seguras da educação para a paz, porque aborda temas como o racismo, explorando suas
causas, não seus sintomas.

Já para discutir ciência e o papel do conhecimento em nossa sociedade tivemos


contato com a obra de Santos (2010), que problematiza a noção que se criou de ciência por
uma perspectiva crítica.

Deixou de fazer sentido um conhecimento compartimentado, dando espaço para um


conhecimento que fosse desenvolvido de uma maneira que possibilitasse o diálogo entre as
diferentes áreas do conhecimento. Criando, neste sentido, a possibilidade de tornar real aquilo
que é apresentado por Morin (2012):

Torna-se necessário, portanto, promover a circulação de saberes que nos


motivem a romper com a fragmentação do conhecimento que nosso modo de
viver ocasiona. Trata-se da oportunidade de conduzir o homem a encontro
consigo mesmo e em todas as suas dimensões, ou seja, da oportunidade de
celebrar o encontro entre pessoa e natureza como expressões de uma única
manifestação da vida, sem dicotomias e sem espaço para um existir
predatório e desagregador (2012, p. 11)
Os estudos feitos sobre as quatro teses do paradigma emergente, apresentadas por
Santos (2010), foram feitos buscando uma aprendizagem significativa para que os bolsistas do
Programa atribuíssem sentido e relacionassem todo o conhecimento com questões cotidianas
da vida de cada um. Ao conseguirem relacionar as teses com questões corriqueiras do
cotidiano deles, foi possível entender que ciência não se limita ao conhecimento engessado
produzido sistematicamente nas instituições de pesquisa e ensino superior. A produção do
conhecimento deixou de ter como cenário principal a Universidade e passou a ser protagonista
também em espaços como a escola, a comunidade e o lar.

Rompeu-se com a ideia de que a produção científica é um conhecimento único e


acabado. A preocupação foi reconhecer, conforme expressão de Morin (2012), as “cegueiras
do conhecimento”, as cegueiras da educação, que visam transmitir conhecimentos, em relação
ao significado do que é o conhecimento humano. Isto é, a educação não se preocupa em fazer
conhecer o que é conhecer. Por tanto, a educação deveria se preocupar em trabalhar com o
desenvolvimento “das características cerebrais, mentais, culturais, dos conhecimentos
46

humanos, de seus processos e suas modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto
culturais que o conduzem ao erro e à ilusão” (MORIN, 2012, p. 15). Ademais, o
desenvolvimento das ciências trouxe certezas, mas também uma zona de incertezas. A
educação, para Morin (2012), deveria passar a incluir o ensino dessas incertezas que surgem
nas ciências físicas, biológicas e históricas. Para o autor, “seria preciso ensinar princípios de
estratégias que permitissem enfrentar os imprevistos, o inesperado e as incertezas” (MORIN,
2012, p. 17).

Nos relatórios enviados para a PRP/UNICAMP, ao final de cada semestre, ficou


evidente como essa discussão marcou aquilo que eles entendiam por ciência, pesquisa e
conhecimento. A criticidade ao tratar do assunto produziu questões sobre o reconhecimento
das incertezas do conhecimento e do diálogo entre as ciências como forma de promover a
igualdade de oportunidades.

Deixou de fazer sentido para o grupo a valorização de certos saberes sobre outros,
como a atribuída à matemática e à língua portuguesa no currículo da Educação Básica
deixando com carga horária reduzida disciplinas tão importantes quanto. A solução
encontrada por eles, foi a possibilidade de trabalhar tais conhecimentos de forma
interdisciplinar prevalecendo a valorização de todas as áreas.

Também deixou de fazer sentido, a hierarquia produzida no campo científico daqueles


que sabem menos e daqueles que sabem mais. Como colocado pelo educador brasileiro: “Não
há saber mais, nem saber menos, há saberes diferentes” (FREIRE, 1987, p. 68).

Por fim, no que tange à formação cidadã dos bolsistas, o PIBIC-EM enquanto um
programa que objetiva despertar a vocação científica abriu possibilidades para que os
estudantes do nível médio de ensino fossem incentivados a dar continuidade à formação após
a conclusão da Educação Básica. Os projetos incentivaram os estudantes a pensarem no
ensino superior como uma das possibilidades, e não a única, de dar continuidade à formação.
Ao instigar os bolsistas a pensarem sobre o futuro, os problemas locais nas escolas, as
inquietações de toda uma sociedade fez com que eles desenvolvessem um pensamento crítico
sobre o mundo.
47

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos relatórios e nas atividades produzidas pelos estudantes tornou-se visível
como estas discussões contribuíram significativamente para a formação deles. No que diz
respeito ao pensamento crítico sobre a noção de ciência percebemos que os estudantes
passaram a questionar os caminhos e os resultados do conhecimento científico.

Já no que diz respeito ao reconhecimento do papel deles enquanto cidadãos foi


impressionante a postura que assumiram como sujeitos capazes de reivindicarem seus
direitos, enquanto estudantes da rede pública de ensino.

Neste caminho os estudantes passaram a assumir uma visão crítica sobre os problemas
locais das escolas da rede estadual de ensino. Eles assumiram o papel de protagonistas pela
reivindicação de melhorias na escola e em outros espaços também. O reconhecimento da
educação como um direito social adquirido ao longo dos anos, por meio de muitas lutas, foi
essencial para que eles assumissem a postura de protagonistas.

O reconhecimento da livre manifestação do pensamento e da igualdade entre homens e


mulheres também foram essenciais para que os estudantes desenvolvessem conversas que
despertaram discussões dialógicas.

Enquanto sujeitos dotados de direitos políticos os estudantes passaram a assumir


liderança em espaços de decisões.

A percepção daquilo que seria ciência e conhecimento, apresentada pela leitura do


livro de Santos (2010), fez com o projeto acreditasse em uma produção científica que prezasse
pelas relações de troca entre as diferentes áreas do conhecimento. Essa percepção que mantém
a ideia de que não há distinção entre as áreas do conhecimento, que entende que a ciência nos
ensina viver, que o conhecimento local também é total e que o senso comum constitui uma
nova racionalidade científica fez com os estudantes buscassem soluções para os problemas
através do diálogo. Soluções que levassem em consideração as realidades locais e as
possibilidades de criar e recriar o conhecimento.

Assumindo essas posturas os estudantes aumentam suas chances de ocuparem com


sucesso os espaços nos quais desfrutarão da sua cidadania. É preciso conhecer, entender e
lutar por aquilo que se acredita com bons argumentos. A ciência nos auxilia na busca por
esses conhecimentos que serviram de alicerce para os nossos argumentos.
48

A abordagem teórica utilizada para tratar de ciência foi o primeiro passo para que os
estudantes envolvidos nas atividades de pesquisa caminhassem para o exercício pleno da
cidadania. Retomando a ideia de Carvalho (2016), o cidadão pleno é aquele que consegue
desfrutar dos seus direitos civis, políticos e sociais. Sabemos que muitos destes direitos são
negados e negligenciados pelo Estado, porém o projeto acredita que instigando o pensamento
crítico sobre o mundo, os indivíduos cada vez mais estarão aptos a lutarem pela efetivação
destes direitos. Desta forma o projeto aposta no diálogo entre as diferentes áreas do
conhecimento como forma de exercer plenamente sua cidadania enquanto sujeitos de uma
sociedade do saber.
49

REFERÊNCIAS

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em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm> Acesso em: 12 novembro de
2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em:
12 novembro de 2016.

___________. Lei nº 8.069 Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: 18 de
novembro de 2016.

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CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

CNPq – Bolsas por Quota no País. RN – 017/2006. Disponível em: <


http://www.cnpq.br/web/guest/view/-/journal_content/56_INSTANCE_0oED/10157/100352>
Acesso em: 03 de julho de 2016.

CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO.


Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio – PIBIC
EM. Disponível em: <http://www.memoria.cnpq.br/programas/pibic_em/index.htm>. Acesso
em: 28 setembro 2015.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo, SP: Atlas,
2010. 184 p.

___________. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2008. 200
p.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução
de Eloa Jacobina. 21. ed. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil, 2014, c1999. 128 p.

MORIN, E..Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 2003.

OLIVEIRA, Adriano de. A iniciação científica júnior (ICJ): aproximações da educação


superior com a educação básica. 2015. 322 f. Tese (Doutorado) Universidade Federal de
Santa Catarina, 2015.

PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do Trabalho


Científico: Métodos e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico. 2ªed. Novo
Hamburgo, RS: Feevale, 2013.
50

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA UNICAMP. Programas. PIBIC-EM. Disponível em:


<http://www.prp.unicamp.br/index.php/pibic-em>. Acesso em: 28 setembro 2015.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. São Paulo, SP: Cortez,
2010.

SILVA, Larissa Reducino.; ASSIS, Ana Elisa Spaolonzi Queiroz . Educação, Pesquisa e
Cidadania: Uma Experiência com Alunos Bolsistas do PIBIC-EM. In: X Simpósio do
Laboratório de Gestão Educacional, 2015, Campinas. Educação e Cidadania: Gestão e
Práticas Educacionais, 2015.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA ELEITORAL. Eleições 2016. Divulgação dos Resultados de


Eleições. Disponível em: < http://divulga.tse.jus.br/oficial/index.html>. Acesso em: 18 de
novembro de 2016.
51

APÊNDICE A – Questionário para sondagem

1. Como você ficou sabendo do Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação Científica


para o Ensino Médio (PIBIC-EM)?

________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________

2. O que você entende por universidade?

________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________

3. O que você sabe sobre a UNICAMP?

________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________

4. O que você sabe sobre a Faculdade de Educação da UNICAMP?

________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________

5. O que você sabe sobre o direito à educação?

________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________

5.1. O que você entende por ciência, pesquisa e cidadania?

________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________

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