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O ESPÍRITO SANTO FAZ A ALMA PENETRAR NOS MISTÉRIOS REVELADOS

(1 Cor 2, 14)

“O homem não espiritual não percebe as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucura.
Nem as pode compreender, porque é segundo o Espírito que se devem ponderar”.

O texto original diz “o homem psíquico”, que dificilmente é exprimível em português. Algumas
versões dizem “homem animal” seguindo a literalidade da Neo-vulgata. Trata-se do homem
que atua unicamente segundo as suas faculdades – inteligência e vontade – humanas, e não
pode, portanto, julgar mais que das coisas da terra. O homem espiritual é o cristão regenerado
pela graça de Deus; as suas faculdades são elevadas de tal forma que possa realizar ações de
valor sobrenatural: atos de fé, de esperança e de caridade. O homem na graça de Deus tem
assim a possibilidade de perceber as coisas de Deus, porque leva o ESPÍRITO SANTO na sua
alma em graça e tem a mente, o pensamento, de Cristo.

Escreve São Josemaría Escrivá: “Não existe outra alternativa. Só são possíveis dois modos de
viver na terra: ou se vive vida sobrenatural ou vida animal. E tu e eu não podemos viver senão
a vida de Deus, a vida sobrenatural”.

São João Crisóstomo explicava graficamente o contraste entre as possibilidades do homem


espiritual e do animal, para julgar sobre os planos salvíficos de Deus: “O que vê claro, vê tudo,
inclusive o que não vê; pelo contrário, o que não vê não pode ver o que se refere ao que vê
claro. Nós, os cristãos, compreendemos a nossa condição e a situação dos infiéis; os infiéis,
contudo, não entendem a nossa. Nós sabemos como eles e melhor do que eles qual é a
natureza das coisas presentes; os infiéis não conhecerão senão um dia as excelências das
coisas futuras, enquanto nós vemos desde agora os sofrimentos dos malvados e as coroas
destinadas aos bons”. E Santo Tomás de Aquino escreve: “Aquele que está desperto julga
retamente tanto de que ele está desperto como de que outro dorme; mas o adormecido não
tem um juízo reto nem de si mesmo nem daquele que está desperto. Portanto, as coisas não
são tal como são vistas pelo adormecido, mas como são vistas pelo desperto (...). E segundo
isto diz o Apóstolo que ‘o homem espiritual julga de tudo’: porque o homem que tem o
entendimento iluminado e o afeto ordenado pelo Espírito Santo, julga retamente das coisas
particulares que têm relação com a salvação. Aquele que não é espiritual tem o entendimento
obscurecido e o afeto desordenado para os bens espirituais, e, portanto, o homem espiritual
não pode ser julgado pelo não espiritual, como também não o desperto pelo adormecido”.

O DOM DO ENTENDIMENTO

Cada página da Sagrada Escritura é uma manifestação da solicitude com que Deus se inclina
para nós a fim de nos guiar para a santidade. O Senhor mostra-se no Antigo Testamento como
a verdadeira luz de Israel, sem a qual o povo se extravia e tropeça na escuridão. Os grandes
personagens do Antigo Testamento dirigem-se constantemente a Deus pedindo-Lhe que os
conduza nas horas difíceis: Dá-me a conhecer os teus caminhos (Ex 33, 13), pede Moisés para
guiar o povo até a Terra da

Promissão. Sem o ensinamento divino, sente-se perdido. E o rei Davi suplica: Ensina-me a
observar a tua lei e a guardá-la de todo o coração (Sl 118, 34).

Jesus promete o Espírito da verdade, que terá a missão de iluminar toda a Igreja (Jo 16, 13).
Com o envio do Paráclito, completa a revelação e a culmina e confirma com testemunho divino
(Concílio Vaticano II). Os próprios Apóstolos compreenderão mais tarde o sentido das palavras
do Senhor que antes de Pentecostes se lhes apresentavam obscuras. Ele é a alma desta Igreja -
ensina Paulo VI -. É Ele quem explica aos fiéis o sentido profundo dos ensinamentos de Jesus e
o seu mistério.

O Paráclito conduz-nos das primeiras luzes da fé à inteligência mais profunda da Revelação.


Mediante o dom do entendimento, concede ao fiel cristão um conhecimento mais profundo
dos mistérios revelados, iluminando-lhe a inteligência com uma luz poderosíssima:
Conhecemos esses mistérios há muito tempo; ouvimo-los e até meditamos neles muitas vezes,
mas, num dado momento, sacodem o nosso espírito de uma maneira nova, como se até então
nunca tivéssemos compreendido a verdade (A. Riaud). Sob este influxo, a alma adquire uma
certeza muito maior das verdades sobrenaturais que se lhe tornam mais claras, e experimenta
uma alegria indescritível, que é antecipação da visão beatífica.
O dom do entendimento permite que a alma participe com facilidade desse olhar de Jesus que
tudo penetra e que incita a reverenciar a grandeza de Deus, a dedicar-Lhe um afeto filial, a
ponderar adequadamente o valor das coisas criadas... Pouco a pouco, à medida que o amor vai
crescendo na alma, a inteligência do homem resplandece mais e mais sob a própria luz de
Deus (M. M. Philipon) e dá-nos uma grande familiaridade com os mistérios divinos. Para
chegarmos a este conhecimento, não nos bastam as luzes habituais da fé; precisamos de uma
especial efusão do ESPÍRITO SANTO, que recebemos na medida em que correspondemos à
graça, começando por purificar o coração. No Decenário do ESPÍRITO SANTO, podemos
examinar como são os nossos desejos de purificação, se nos levam especialmente a aproveitar
muito bem as graças de cada confissão, a recorrer a ela com periodicidade, a pedir ajuda ao
Paráclito para fomentar a contrição e um grande desejo de nos afastarmos de todo o pecado e
das faltas deliberadas.

Mediante o dom do entendimento, o ESPÍRITO SANTO faz a alma penetrar de muitas maneiras
nos mistérios revelados. De uma forma sobrenatural e, portanto, gratuita, ensina no íntimo do
coração o alcance das verdades mais profundas da fé. É como se alguém, sem ter aprendido
nem trabalhado nada para saber ler, nem mesmo estudado coisa alguma — explica Santa
Teresa de Jesus —, se visse na posse de toda a ciência, sem saber como e donde lhe veio, pois
jamais se esforçou sequer por aprender o abecedário. Esta última comparação parece-me
explicar em parte este dom celestial, porque, de um momento para outro, a alma se vê tão
instruída no mistério da Santíssima Trindade e em outras coisas muito subidas, que não há
teólogo com quem não se atreva a discutir sobre a verdade dessas grandezas.

O dom do entendimento leva a captar o sentido mais profundo da Sagrada Escritura, a vida da
graça, a presença de Cristo em cada sacramento e, de uma maneira real e substancial, na
Sagrada Eucaristia. É um dom que confere como que um instinto divino para o que há de
sobrenatural no mundo. Ante o olhar daquele que crê, iluminado pelo Espírito, surge um
universo totalmente novo. Os mistérios da Santíssima Trindade, da Encarnação, da Redenção,
da Igreja, convertem-se em realidades extraordinariamente vivas e atuais, que orientam toda a
vida do cristão e influem decisivamente no seu trabalho, na família, nos amigos... Chega-se a
ver Deus no meio das tarefas habituais, nos acontecimentos agradáveis ou dolorosos da vida
diária.

O caminho para chegarmos à plenitude deste dom é a oração pessoal, em que contemplamos
as verdades da fé, bem como a luta, alegre e amorosa, por manter-nos na presença de Deus ao
longo do dia. Não se trata de uma ajuda sobrenatural extraordinária, reservada a pessoas
muito excepcionais, mas de um dom que o Senhor concede a todos aqueles que queiram ser-
lhe fiéis no lugar em que se encontram, santificando as suas alegrias e dores, o seu trabalho e
o seu descanso.
Para progredir neste caminho de santidade é necessário fomentar o recolhimento interior, a
mortificação dos sentidos internos e externos, a procura diligente da presença de Deus nos
acontecimentos e percalços de cada dia.

É preciso, sobretudo, purificar o coração, pois somente os limpos de coração têm capacidade
para ver a Deus (Mt 5, 8). A impureza, o apego aos bens terrenos, a facilidade em conceder ao
corpo todos os seus caprichos embotam a alma para as coisas de Deus: O homem não
espiritual não percebe as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucura. Nem as pode
compreender, porque é segundo o Espírito que se devem ponderar (1 Cor 2, 14). Homem
espiritual é o cristão que traz o Espírito Santo na sua alma em graça, e tem o pensamento
posto em Cristo. A sua vida limpa, sóbria e mortificada é a melhor preparação para ser digna
morada do Espírito que nele habitará com todos os seus dons.

Quando o ESPÍRITO SANTO encontra uma alma assim, vai-se apossando dela e conduzindo-a
por caminhos de uma oração sempre mais profunda, até que as palavras se tornam pobres..., e
se dá passagem à intimidade divina, num olhar para Deus sem descanso e sem cansaço.
Vivemos então como cativos, como prisioneiros. Enquanto realizamos com a maior perfeição
possível, dentro dos nossos erros e limitações, as tarefas próprias da nossa condição e do
nosso ofício, a alma anseia por escapar. Vai-se rumo a Deus, como o ferro atraído pela força do
ímã. Começa-se a amar Jesus de forma mais eficaz, com um doce sobressalto (São Josemaría
Escrivá).

São Josemaría Escrivá descreve aqui o caminho que as almas percorrem — no meio das
ocupações mais normais da sua vida e seja qual for a sua cultura, profissão, estado... — até
chegarem à oração contemplativa. Para muitos, esse caminho parte da consideração
frequente da Santíssima Humanidade do Senhor, a que se chega através da Virgem —
passando necessariamente pela Cruz —, e que acaba na Santíssima Trindade: O coração
necessita então de distinguir e adorar cada uma das Pessoas divinas. De certa maneira, o que a
alma realiza na vida sobrenatural é uma descoberta semelhante às de uma criaturinha que vai
abrindo os olhos à existência. E entretém-se amorosamente com o Pai e com o Filho e com o
Espírito Santo; e submete-se facilmente à atividade do Paráclito vivificador, que se nos entrega
sem o merecermos: os dons e as virtudes sobrenaturais! (São Josemaría Escrivá).

Oração
Reconheço, dileto Jesus, que nenhum fruto espiritual pode amadurecer em mim se não for
irrigado pelo orvalho do vosso Espírito, se não for aquecido pela força do vosso amor. Tende,
portanto, misericórdia de mim, recebei-me nos braços de vossa caridade, abrasai-me todo
com vosso Espírito!

Vinde, Santo Espírito! Vinde, Deus amor! Enchei meu coração, infelizmente vazio de todo bem.
Abrasai-me, a fim de que vos ame. Iluminai-me, para que vos conheça. Atraí-me, para que
encontre em vós minhas delícias! Possuí-me, para que goze de vós.

Ó Onipotente divino Paráclito, por aquele amor com que me reservastes para vós... concedei-
me amar-vos com todo o coração, aderir a vós com toda a alma, empenhar todas as minhas
forças no vosso amor e serviço, viver segundo a vossa vontade e, preparado por vós, entrar,
imaculado, no banquete celeste. Amém.

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 08 de julho de 2014

Bibliografia
Sagrada Escritura

Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 4 e 5

Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina

Pe. Francisco Fernández Carvajal, Falar com Deus

Santa Gertrudes, Exercícios 2

Paulo VI, Exortação Apostólica, Evangelii nuntiandi, 8-12-1975

A. Riaud, La acción del Espíritu Santo em las almas

M. M. Philipon, Los dones del Espíritu Santo

Santa Teresa de Jesus, Vida, 27, 8-9

São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 200, 296 e 306

Edições Theologica

São João Crisóstomo, Homilia sobre 1 Coríntios 7, ad loc.

Santo Tomás de Aquino, Comentário sobre 1 Coríntios, ad loc

Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura


Pe. Lorenzo Turrado, Bíblia comentada

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