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Medidas de Desempenho: Um Estudo sobre a Importância do Lucro Contábil e do Fluxo

de Caixa das Operações no Mercado de Capitais Brasileiro


Autoria: Moisés Ferreira da Cunha, Paulo Roberto Barbosa Lustosa

Resumo:
Existe controvérsia nas pesquisas internacionais sobre qual é a medida contábil do
desempenho da empresa mais útil para o mercado estabelecer previsões de fluxos de caixa
futuros, representado no preço das ações: o lucro ou o fluxo de caixa das operações. Os
recentes acontecimentos envolvendo fraudes contábeis, onde o gerenciamento do lucro
contábil por parte dos administradores ocupa o centro das discussões, têm aquecido esse
debate. Este artigo contribui para essa discussão no Brasil, ao testar a hipótese de que o lucro
contábil tem maior relação com o retorno das ações do que o fluxo de caixa das operações no
curto prazo, mas que para períodos de tempo mais longos essa situação pode se inverter.
Foram aplicados testes pelo método de dados em painel, efeitos fixos, de empresas abertas
brasileiras entre os anos de 1995 a 2004. Os resultados indicam que o lucro contábil aparece
como melhor medida de desempenho em períodos trimestrais, mas ao se prolongar o intervalo
de tempo analisado (anual) o fluxo de caixa das operações apresenta maior relação com o
retorno das ações. Testes de robustez reforçam a consistência dos resultados.
1. INTRODUÇÃO
A abordagem da informação contábil no mercado de capitais tem se tornado fonte de
muitas pesquisas nos últimos anos. Nesse contexto o lucro contábil é tido como a principal
variável contábil para expressar o desempenho da empresa. Internacionalmente pesquisas
apontam que o lucro contábil é a medida de desempenho que resume melhor as variações de
preços das ações. Mas, nos últimos anos, escândalos envolvendo fraudes contábeis colocaram
esta medida no centro das discussões, onde pesquisadores a colocam como uma variável
gerenciável pelos administradores e levantaram a necessidade de outras medidas de
desempenho que melhor expliquem o retorno das ações.
Por outro lado o sucesso de uma empresa depende, também, da sua capacidade de
gerar recebimentos em excesso aos desembolsos de caixa, e nesse sentido o fluxo de caixa das
operações surge como uma medida de desempenho menos gerenciável pelos administradores
e que pode explicar e predizer o retorno das ações.
O regime de competência é aquele que guia a apuração do lucro contábil, enquanto
que o regime de caixa apura o fluxo de caixa das operações. Assim, é senso comum que este
sofre mais de problemas de confrontação e volatilidade do que o lucro contábil. A presença de
accruals1na apuração do lucro contábil suaviza estes problemas. Por outro lado quando se
prolonga o intervalo de tempo analisado os accruals perdem importância e os problemas de
confrontação receitas-despesas e grande volatilidade inerentes ao fluxo de caixa são
suavizados, fazendo com que o poder relativo entre o fluxo de caixa das operações e o retorno
das ações convirja para mais próximo deste mesmo retorno com o lucro contábil.
O presente artigo procura contribuir para esta discussão, investigando qual medida de
desempenho – lucro contábil ou fluxo de caixa das operações – tem maior relação com o
retorno das ações. Assim, o objetivo desta pesquisa é verificar como reage o Mercado de
Capitais Brasileiro (MCB), em termos relativo e incremental, às variáveis contábeis lucro e
fluxo de caixa das operações, sob diferentes intervalos de tempo.
A motivação do estudo deriva do crescente destaque que o assunto vem tendo no meio
empresarial, entre participantes do mercado de capitais e pesquisadores, além do potencial
interesse dos órgãos responsáveis pela adoção de práticas contábeis, em especial a proposta
por tornar obrigatória a apresentação da Demonstração do Fluxo de Caixa pelas empresas.
Os testes empíricos têm por base as companhias abertas brasileiras listadas na Bolsa
de Valores de São Paulo (Bovespa), considerando o período entre o primeiro trimestre de
1
1997 e o quarto trimestre de 2004. O artigo está organizado na seguinte seqüência: a seção 2
apresenta a fundamentação teórica das hipóteses para a realização dos testes empíricos; a
seção 3 detalha a metodologia utilizada na pesquisa; a seção 4 apresenta e discute os
resultados; e as conclusões estão expostas na seção 5.

2. DESENVOLVIMENTO DAS HIPÓTESES

2.1 Hipótese 1
Há tempos existe grande interesse por parte dos participantes do mercado de capitais
por variáveis capazes de explicar e predizer o desempenho da empresa. São muitos os estudos
na literatura estrangeira, na chamada abordagem da informação, que investigam o impacto
que as informações contábeis produzem no mercado de capitais. Observa-se que os estudos se
concentram em analisar a reação dos preços dos títulos, sobretudo das ações, a essas
informações. O lucro contábil e o fluxo de caixa das operações são tidas como medidas
contábeis que sintetizam o desempenho da empresa ao longo de certo período de tempo.
Importantes revisões e investigações da importância destes estudos são feitas por LEV (1989);
DECHOW (1994) HOLTHAUSEN e WATTS (2001); KOTHARI (2001); NICHOLS e
WAHLEN (2004).
A maioria dos estudos que abordam o poder informacional de variáveis contábeis
assume que as informações são incorporadas no preço das ações no momento em que são
divulgadas. Esta premissa, conhecida como Hipótese do Mercado Eficiente (HME),
originalmente anunciada por Fama (1970), em geral é aceita como verdadeira. Isso implica
que o mercado incorpora antecipadamente as informações contábeis esperadas ao preço das
ações, e estes somente se alterariam, posteriormente, se houvesse surpresas no momento da
divulgação das informações, uma vez que novas informações não esperadas estariam sendo
divulgadas para o mercado.
O lucro contábil é a principal variável de desempenho do sistema de contabilidade
pelo regime de competência, por isso muitas pesquisas investigam a relação dessa variável
com o o preço das ações. Entretanto, a apuração do lucro contábil pode conter muitas
informações arbitrárias de receitas e despesas no período, denominados accruals, que podem
distorcer e tornar o lucro uma medida gerenciável pelos administradores (WATTS e
ZIMMERMAN,1986; DECHOW, 1994). Porém esse gerenciamento nem sempre é percebido
pelos participantes do mercado (pelo menos acima de pequenos intervalos de tempo), estes
então desejam uma medida de desempenho que seja mais confiável e verificável pelas
auditorias.
Nesse sentido, muitos analistas financeiros consideram o fluxo de caixa operacional
como uma medida de desempenho mais confiável do que o lucro contábil, já que aquele é
menos subjetivo e é menos sujeito às distorções decorrentes de diferentes práticas contábeis.
Assim, o poder informacional do lucro contábil e do fluxo de caixa das operações deve ser
analisado separadamente ou conjuntamente. Na literatura estrangeira desse tipo de pesquisa,
quando se compara informações produzidas entre variáveis, usa-se a terminologia “poder
relativo”. Por outro lado, quando se investiga se a informação produzida por uma variável tem
poder informativo além do que já é produzida pela outra, usa-se a expressão “poder
incremental” (BIDDLE, SEOW e SIEGEL, 1995)
Teoricamente, o fluxo de caixa das operações deveria ser a expressão financeira do
lucro contábil operacional. Caso fosse, o seu valor acumulado seria igual ao lucro operacional
do mesmo período total, quando a empresa descontinuasse. Mas isso não ocorre, porque nem
todas as receitas e despesas que compõem o lucro são classificadas, quando recebidas e pagas,
no grupo das operações na Demonstração de Fluxos de Caixa (DFC). Exemplos disso são as
despesas de depreciação e amortização, cujo desembolso de caixa, ocorrido no momento da

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aquisição do bem, é lançado no grupo das atividades de investimento. Um levantamento das
receitas e despesas cujos efeitos no caixa não são classificados como fluxo de caixa
operacional foi feito por Lustosa e Santos (2006).
Pode-se esperar que o conteúdo informacional do fluxo de caixa das operações se
aproxime do lucro contábil à medida que se for aumentando o período de apuração desses
fluxos. Consoante, quanto menor for o período de tempo de apuração dessas variáveis, menor
será a relação entre elas. Essa premissa se baseia nas diferenças de confrontação dos fluxos de
entrada e saídas e na conseqüente volatilidade entre as variáveis (DECHOW, 1994;
COLLINS, SHANKEN e SLOAN, 1994).
A confrontação entre receitas e despesas - regime da competência - presente na
apuração do lucro contábil torna a variabilidade desta relativamente pequena. E essa
variabilidade pode ser gerenciada, na medida em que o gestor tem a discrição de dimensionar
o volume de certas alocações de despesas (accruals) que ele deseja confrontar com as receitas
(DECHOW, KOTHARI e WATTS, 1998).
Em períodos pequenos, o fluxo de caixa das operações (FCO) tende a apresentar maior
volatilidade do que o lucro contábil, porque a confrontação dos fluxos de recebimentos com
os de pagamentos tende a apresentar um comportamento mais errático. Assim, o FCO pode
ser entendido como o lucro do período apurado pelo regime de caixa. A sua diferença para o
lucro é apenas temporal. Assim, à medida em que se aumenta o período de tempo
considerado, a diferença diminui de tal forma que no final da vida da empresa o lucro contábil
e o fluxo de caixa das operações são iguais, ressalvado os problemas de classificação
(DECHOW, 1994; CHARITOU e CLUBB, 1999).
O fluxo de caixa das operações captura o recebimento de receitas antes reconhecidas
no lucro, em períodos anteriores ou no próprio período (vendas a prazo, por exemplo), e até
mesmo receitas que só serão reconhecidas no futuro (recebimento antecipado para entrega
futura do produto). Similarmente, os fluxos do período corrente podem conter despesas que
passaram pelo lucro em períodos anteriores e no período atual, ou que passarão pelo lucro em
períodos futuros. Em períodos longos, esse processo tende a ter maior correlação com o lucro,
apesar das diferenças temporais, porque aumentariam as chances de que a maior parte das
receitas e despesas reconhecidas no lucro no período atual sejam também recebidas e pagas
no mesmo período (MARTINS, 2001).
Quando se aumenta o período de tempo, o fluxo de caixa das operações se aproxima
mais rapidamente do lucro e se torna menos volátil, embora preservando as diferenças
temporais e permanentes com este, conforme discutido anteriormente. Por outro lado, o lucro
perde importância para o mercado, pois é visto com maior desconfiança em razão da maior
probabilidade de alocações arbitrárias de despesas que pode conter. Talvez por isso, pesquisas
empíricas têm demonstrado que o uso do fluxo de caixa das operações é superior ao lucro
contábil para prever fluxos de caixa futuros, para períodos de tempo maiores (LEV, LI e
SOUGIANNIS, 2005; LUSTOSA e SANTOS, 2006).
Para verificar empiricamente essa racionalidade, serão testadas as duas hipóteses a
seguir, que se complementam.

H1a: Há uma maior relação entre o retorno das ações e o lucro contábil do que entre esse
mesmo retorno e o fluxo de caixa das operações, em intervalos pequenos de tempo.

H1b: À medida que se aumenta o período de tempo considerado, a relação entre o retorno das
ações e o fluxo de caixa das operações converge para mais próximo da relação entre esse
mesmo retorno e o lucro contábil.

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2.2 Hipótese 2
Como discutido anteriormente, o fluxo de caixa das operações é aproximadamente
uma medida do lucro periódico da empresa apurado pelo regime de caixa. Investidores e
credores tendem a observar o caixa gerado pelas operações da empresa, sobretudo em
períodos mais longos, adicionalmente ao lucro contábil, pois este tende a ser gerenciado
através das múltiplas alocações ativas e passivas que estão sob a poder discricionário do
gestor. A lógica do regime contábil é reconhecer os ativos não monetários pelos seus custos
de aquisição e a expiração desses custos, sob a forma de despesas, se dá apenas quando a
receita é realizada, em geral no momento da venda dos produtos. Desse modo, o princípio da
confrontação receitas versus despesas, no Brasil incorporado no regime de competência e nos
Estados Unidos tratado como um princípio contábil separado produz um processo de
smoothing, isto é, a suavização da volatilidade do lucro.
Se, por um lado, a suavização reduz a volatilidade do lucro, por outro contribui para
que haja alocações arbitrárias, desprovidas de um fundamento econômico que as justifiquem.
Por isso, o mercado pode se interessar também por acompanhar o fluxo de caixa das
operações da empresa, em conjunto com o lucro contábil, sobretudo para períodos de tempo
maiores, quando as alocações tendem a se distanciar mais do caixa. Um exemplo disso são as
despesas de depreciação e amortização de investimentos. Nos primeiros meses após os gastos
com os investimentos que são depreciados e amortizados, a expiração dos seus custos sob a
forma de despesa ainda está próxima do caixa desembolsado quando da aquisição. À medida
que o tempo passa ou que se alarga o período de tempo para alocação proporcional desse
custo ao resultado, a despesa respectiva tem pouco ou quase nenhum sentido econômico,
posto que o seu efeito financeiro pertence ao passado. Deve-se esperar, pois, que o mercado
acompanhe tanto o fluxo de caixa das operações quanto o lucro contábil, e que este perca
importância quanto maior for o seu período de apuração. Segue desse raciocínio a hipótese
abaixo:

H2: Quanto maior for o período de apuração do lucro contábil maior será o incremento
informacional que a medida do fluxo de caixa das operações trará ao lucro.

3. METODOLOGIA

3.1 Premissas e Testes das Hipóteses


Assumindo a premissa de que o mercado seja eficiente, conforme discussão anterior
espera-se que os preços capturem as informações esperadas pelo mercado de forma
diferenciada, segundo o intervalo de tempo considerado para apurar o lucro contábil e o fluxo
de caixa das operações: curto ou longo prazo. Tendo em vista que a informação nova e,
portanto, relevante, é a parcela não antecipada do lucro contábil (representado pelo lucro
operacional e lucro líquido) e fluxo de caixa das operações, então as mudanças nos preços das
ações devem relacionar-se com as parcelas não esperadas pelo mercado.
Em períodos de tempo pequenos, a relação do fluxo de caixa das operações com os
preços deverá ser menor do que a do lucro contábil, já que este sendo menos volátil é mais
fácil de ser predito do que aquele (CHARITOU e CLUBB, 1999). Sendo menores os erros de
previsão do lucro, haveria uma maior correlação das informações não esperadas na previsão
do lucro com o ajuste nos preços que essas surpresas provocam. Ao contrário, a alta
volatilidade do fluxo de caixa das operações para períodos de tempo pequenos torna essa
variável difícil de ser predita. Haveria maiores erros de previsão positivos e negativos, que
tenderiam a se anular produzindo baixa variação média nos preços e, portanto, pequena
correlação do ajuste médio destes com o fluxo de caixa das operações (EASTON e OHLSON,
1992). Segundo Biddle, Seow e Siegel (1995) uma abordagem padrão para avaliar o conteúdo

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informacional consiste no exame da significância estatística do coeficiente de resposta da
variável contábil.
Para testar a hipótese1 (H1a) as variáveis contábeis – lucro líquido não esperado
(LNE), lucro operacional não esperado (LONE) e fluxo de caixa operacional não esperado
(FCONE) – são examinadas separadamente. Formalmente, para não rejeitar H1a, o coeficiente
de resposta do lucro contábil deve ser maior do que o coeficiente de resposta do fluxo de
caixa das operações nos intervalos de tempo analisados, então H1a pode ser enunciado como
βLNE e βLONE > βFCONE.
Sendo H1a verdadeira, (βLNE / βFCONE) >1 e (βLONE / βFCONE) > 1. Isso mede o
poder relativo (BIDDLE; SEOW e SIEGEL, 1995). Além disto, deve-se esperar também que
a magnitude do R2, do lucro contábil seja maior do que o R2 do fluxo de caixa das operações,
assim, (R2 LNE / R2 FCONE) >1 e (R2 LONE / R2 FCONE) > 1.
H1b: Será quantificada pela razão expressa nas equações abaixo:
R 2 FCONE
R 2 LNE
R 2 FCONE
R 2 LONE

A razão acima será comparada sob diferentes intervalos de tempo (trimestral, anual e
bienal), com expectativa de que ela decresça à medida que se aumenta o intervalo de tempo.
Para testar a hipótese 2 (H2), as variáveis contábeis serão examinadas conjuntamente,
e comparada aos resultados obtidos delas separadamente. Convencionalmente, para não
rejeitar H2, os coeficientes de resposta do lucro contábil e do fluxo de caixa das operações da
equação conjunta devem ser maiores do que os coeficientes de resposta do fluxo de caixa das
operações e do lucro contábil das equações separadas. Também devem ser estatisticamente
mais significante nos intervalos de tempo trimestral, anual e bienal. Isso mede o poder
incremental da variável (BIDDLE; SEOW e SIEGEL, 1995).

3.2 Modelos Empíricos


O estudo utiliza-se de dados em painel correspondendo tanto a séries temporais quanto
a dados em corte transversal. A aplicação dos testes empíricos considera a especificação de
regressões lineares, a partir das quais é possível se concluir sobre a relação entre o fluxo de
caixa das operações e/ou lucro contábil e o retorno das ações.
A partir das premissas levantadas anteriormente tem-se que a expressão matemática da
relação entre o retorno não esperado das ações e o lucro líquido não esperado e/ou lucro
operacional não esperado e/ou fluxo de caixa das operações não esperado, assume a seguinte
função:

RNE i , t = ƒ(LNE i , t ; LONE i , t ; FCONE i , t ) (3.1)


onde:
RNEi,,t = Retorno não esperado da empresa i, no período t.
LNEi,t = Lucro líquido não esperado da empresa i, no período t.
LONEi,t = Lucro operacional não esperado da empresa i, no período t.
FCONEi,t = Fluxo de caixa das operações não esperado da empresa i, no período t.
Seguindo este raciocínio, o modelo de referência para avaliar a relação entre a variável
explicada (RNE) com as variáveis explicativas (LNE, LONE, e FCONE), distintamente,
assumem a definição expressa pela equação (3.2):

RNE i , t = α i + β i (X) i , t + μ i , t (3.2)


Onde:

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αi = Coeficiente do intercepto da regressão quando a variável independente for igual a zero.
βi = Coeficiente de inclinação da regressão, relacionado com a variável dependente;
X = LNE ou LONE ou FCONE; e
μi,t = Termo de perturbação ou erro, assumindo a normalidade dos resíduos, ou seja, ~N(0,σ2)
Para examinar a relação entre a variável dependente (RNE) com as variáveis
independentes (LNE, LONE e FCONE), conjuntamente, assume a definição matemática
expressa na equação (3.3):

RNE i , t = α i + β i LNE i , t + γ i LONE i , t + ρ i FCONE i , t + μ i , t (3.3)

3.3 Definição das Variáveis


O estudo investiga se o lucro contábil (LNE, LONE) fornece um conteúdo
informacional maior do que o fluxo de caixa das operações (FCONE). O retorno não esperado
da ação (RNE) atua como variável dependente, enquanto que as medidas de desempenho
(LNE, LONE e FCONE) atuam como variáveis independentes. Ressalta-se que as variáveis
contábeis usadas nos testes empíricos são tomadas em uma base por ativos. Para Bujaki e
Richardson (1997), isto evita correlação espúria devido aos diferentes tamanhos das empresas,
e reduz problemas com heteroscedasticidade.

3.3.1 Estimação da variável dependente (retorno não esperado)


A diferença entre o retorno esperado (RE) pelo modelo CAPM e o retorno real (RR)
da ação em determinado período é denominada de retorno não esperado (RNE), (também
chamado de anormal, ou inesperado). Encontra-se da seguinte forma:
RNE i , t = RR i , t − RE i , t (3.4)
O primeiro passo é estabelecer a sistemática a ser considerada para a mensuração do
retorno realizado da ação. Segundo Brooks (2002, p. 6-7), existem dois métodos usados para
o cálculo do retorno de uma série de preços, a forma de capitalização discreta ou a de
capitalização contínua. Brooks (2002, p.7) adiciona que a literatura acadêmica de finanças
emprega geralmente a capitalização contínua, e partindo da premissa de que os preços das
ações observam um comportamento random walk que, segundo Fama (1965), tem como
pressuposto que os preços futuros das ações seguem um passeio aleatório, não sofrendo
interferência dos preços passados, a probabilidade de subida e queda é a mesma, assim,
reforça a melhor adequação do procedimento de cálculo com base na capitalização contínua.
Portanto, a presente pesquisa adota o método de apuração do retorno das ações com base no
processo logarítmico ou de capitalização contínua, definido abaixo:
⎛ Pi , t ⎞
R i , t = ln⎜⎜ ⎟ = ln p i , t − ln p i , t −1

P
⎝ i , t −1 ⎠
Onde:
Ri,,t = Retorno da ação i, no período t.
Pi,t = Preço da ação i, no período t.
Pi,t-1 = Preço da ação i, no período t-1.
Estabelecido o retorno realizado da ação, resta estabelecer a metodologia de avaliação
do retorno esperado das ações, o que pode ser obtido por diversos modelos (SOARES;
ROSTAGNO e SOARES, 2002). O modelo escolhido foi o Capital Asset Pricing Model
(CAPM), em razão de este combinar o risco da própria ação com o risco do mercado
descontado pela taxa de retorno livre de risco, além da disponibilidade de longas séries
temporais de retornos do mercado, representados pelo índice BOVESPA (Ibov) e de retorno
das ações específicas.
Vale ressaltar que pesquisas realizadas no mercado de capitais brasileiro têm discutido
qual taxa livre de risco é a mais adequada na previsão de retornos de títulos. Por exemplo,

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Rochman e Eid (2006) utilizam tanto a taxa Selic, a taxa da poupança, e a taxa do CDI
(Certificado de depósito interfinanceiro) na comparação de desempenho de fundos, e
concluíram que a taxa Selic e a do CDI geram melhores resultados. Nesta pesquisa utiliza-se a
taxa Selic como taxa livre de risco. Assim:

E(Ra i ,t ) t = α i + β i (Rm t − Rf t ) + ε i , t (3.5)


Onde:
Rai ,t = retorno da ação da empresa i, no tempo t, com capitalização contínua;
Rf t = taxa de retorno livre de risco, obtido pela taxa Selic t .
αi = Coeficiente linear da regressão; no caso, corresponde à taxa livre de risco da empresa, obtida
empiricamente.
βi = Coeficiente angular da regressão; no caso, corresponde ao beta2 da empresa no período considerado, obtido
empiricamente.
Rmt = retorno do mercado, obtido pela Ibov t , com capitalização contínua.
ε i,t = Termo de perturbação ou erro, ~N(0,σ2)
O Ibov t foi obtido através da forma de capitalização contínua. A equação (3.5) foi
obtida empiricamente para cada empresa utilizando dados mensais de janeiro de 1995 a
dezembro de 1996, como janela temporal, para calcular a projeção do retorno esperado a
partir de janeiro de 1997. Ressalta-se que a janela temporal foi apenas de dois anos para que a
amostra bienal tenha pelo menos quatro observações por empresa.
Por último, para formar a amostra, trimestral, anual e bienal foram acumulados os
resultados através do somatório dos retornos não esperados mensais.

3.3.2 Estimação das variáveis independente (LNE, LONE e FCONE)


O lucro líquido não esperado (LNE), o lucro operacional não esperado (LONE), e o
fluxo de caixa operacional não esperado (FCONE) são obtidos pela diferença entre os
resultados realizados no período (LR, LOR e FCOR) e os esperados pelo mercado (LE, LOE e
FCOE), assim:
LNE i , t = LR i , t − LE i , t (3.6)
LONE i , t = LOR i , t − LOE i , t (3.7)
FCONE i , t = FCOR i , t − FCOE i , t (3.8)
Para a mensuração dos lucros e fluxo de caixa operacional esperados, foi utilizado o naive
model (modelo ingênuo), inicialmente indicado por Ball e Brown (1968). Conforme Watts e
Zimmernam (1986), naive model consiste num modelo aleatório simples (random walk
model). Esse modelo prevê que o valor esperado no momento t será o realizado no momento
t-1, estabelecendo que o erro de previsão é simplesmente a variação entre o período atual e o
anterior. Deste modo as parcelas esperadas (LE, LOE e FCOE) são definidas da seguinte
forma:
LE i , t = LR i , t −1 (3.9)
LOE i , t = LOR i , t −1 (3.10)
FCOE i , t = FCOR i , t −1 (3.11)
Algumas proxies usadas em estudos de conteúdo de informação contábil incluem
projeções de analistas, modelos de regressões e modelo random walk. Para Watts e Leftwich
(1977), o random walk tem sido popular por evitar estimação de parâmetros, diferentemente
das outras abordagens, e se mostra ser descritivelmente mais robusto.
Os lucros realizados (LR e LOR) são obtidos na demonstração do resultado do
exercício. Entretanto, o banco de dados da Economática não fornece o fluxo de caixa

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operacional realizado (FCOR) diretamente. Esse valor foi calculado através da seguinte
expressão matemática:
FCORi ,t = CCLop i ,t ± Δ i ,t ( AC − Disp ) ± Δ i ,t (PC − FinCP − DCP − DivPg ) (3.12)
Onde:
FCORi ,t = fluxo de caixa das operações da empresa i, no período t, apurado segundo a norma americana SFAS-
95, método indireto;
CCLop i ,t = capital circulante liquido das operações, da empresa i, no tempo t, obtido na demonstração das
origens e aplicações de recursos (DOAR);
Δ i ,t ( AC − Disp ) = variação do ativo circulante menos as disponibilidades, da empresa i no momento t.
Δ i ,t (PC − FinCP − DCP − DivPg ) = variação do passivo circulante menos os financiamentos de curto prazo,
menos debêntures de curto prazo e menos os dividendos a pagar, da empresa i, no período t.
Vale ressaltar que o valor obtido para FCOR por essa expressão é uma proxy bastante
aproximada do seu valor verdadeiro, deixando-se de fora apenas algumas contas do realizável
a longo prazo e exigível a longo prazo que podem sensibilizar o fluxo de caixa das operações.
Por fim, para a amostra bienal foram acumulados os retornos anuais, tanto para as variáveis de
lucros, quanto para fluxo de caixa operacional.

3.4 Amostra e coleta de dados


A pesquisa tem como premissa inicial a incorporação de combinação empresa-ação,
além da disponibilidade de dados contábeis e de preços das ações, referentes ao período
considerado no banco de dados da Economática. A amostra inicial consistia de todas as
empresas listadas na Bovespa, na data-base de 14.01.06, o que representava uma amostra
equivalente a 483 empresas-ações. Destas, foram excluídos os setores econômicos de finanças
e seguros e fundos, tratados por este banco de dados, o que passou a representar uma amostra
equivalente a 275 empresa-ação, sendo ainda, excluídas as empresas que não tinham dados
disponíveis durante todo o período considerado – 1995 a 2004 –, proporcionando uma
amostra final de 92 empresas-ação.
As demonstrações contábeis referentes ao período de 1995 a dezembro de 2004
formam a base de dados utilizada para estimação das variáveis, lucro contábil e fluxo de caixa
das operações. Na definição do período, procurou-se contemplar os aspectos de estabilização
monetária, condição que permite um melhor grau de comparabilidade, e, dentro dessa
delimitação, o maior número possível de observações. Três intervalos de tempo serão
examinados: trimestral, anual e bienal. Em relação à variável retorno das ações, são
considerados os dados mensais de preço de fechamento. Tendo por referência as empresas
que atendam às condições estabelecidas acima, serão tomadas empresas que negociam ações
ordinárias (ON) ou preferenciais (PN) com o maior volume de negociação no período, já que
empresas que tiveram pouca liquidez foram excluídas inicialmente por falta de dados
disponíveis.

4. RESULTADOS

4.1 Estatísticas Descritivas


Tendo como referência os modelos definidos na seção anterior e a periodicidade
trimestral, anual e bienal, são apuradas as variáveis de retorno não esperado, as variáveis de
lucros não esperado e as variáveis de fluxo de caixa das operações não esperado de cada
combinação empresa-ação integrante da amostra. A tabela 1 apresenta um resumo da
estatística descritiva das variáveis usadas na análise.

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Tabela 1. Estatísticas Descritivas das Variáveis.
Variáveis RNE LNE LONE FCONE
Trimestral = 2.944 Obs.
Média 0,0480 0,0001 -0,0023 0,0014
Mediana 0,0374 -0,0002 -0,0006 0,0011
Máximo 3,6161 20,2210 20,2215 39,3435
Mínimo -1,5565 -20,3301 -20,3301 -38,6767
Dev. Padrão 0,2655 0,6040 0,6182 1,0472
C.V 5,5242 3798,836 265,000 747,4889
Anual = 736 Obs.
Média 0,1922 -0,0021 -0,0159 0,0200
Mediana 0,1510 0,0080 0,0037 0,0083
Máximo 3,7893 43,0229 43,0241 50,1914
Mínimo -2,0145 -52,4552 -52,4552 -50,3550
Dev. Padrão 0,5432 2,5413 2,5508 2,6507
C.V 2,8254 1186,450 160,1412 132,1040
Bienal = 368 Obs.
Média 0,3845 -0,0042 -0,0318 0,0401
Mediana 0,3285 0,0140 0,0114 0,0200
Máximo 3,1630 47,0598 36,1687 50,6041
Mínimo -2,0728 -52,5494 -52,5494 -50,3682
Dev. Padrão 0,7736 3,6924 3,3390 3,7601
C.V 2,0118 861,9063 104,8119 93,6937
Todas as variáveis contábeis estão divididas pelo ativo da empresa no início do período
analisado. As observações foram do primeiro trimestre de 1997 ao quarto trimestre de
2004.
C.V = coeficiente de variação obtido através do desvio padrão (Desv. Padrão) dividido
pela média.
O FCO tem a média mais alta em todos os intervalos de tempo em relação aos lucros.
Isto era esperado já que uma importante despesa das empresas, a depreciação, integra o lucro
mas não faz parte do FCO, sendo esta uma das diferenças permanentes entre essas duas
variáveis, conforme documentado por Lustosa e Santos (2006). Adicionalmente, de todas as
variáveis, o FCO é o que apresenta maior amplitude (diferença entre o valor máximo e
mínimo) em todos os intervalos de tempo, sendo refletido também em seu desvio padrão
(1,0472; 2,6507 e 3,7601, respectivamente). A variável contábil que apresentou menor
variabilidade do desvio padrão foi a do lucro líquido, sendo que para intervalos trimestrais e
anuais tanto o lucro líquido quanto o lucro operacional são muito próximos, não tendo
diferenças de amplitude significativa, entretanto, para o intervalo bienal, o lucro operacional
teve menor variabilidade em relação ao lucro líquido.
Como visto, a variabilidade do desvio padrão de FCO é ligeiramente maior do que a
de lucros nos intervalos anuais e bienais, e apresenta uma variabilidade muito maior nos
dados trimestrais, uma vez que uma das características do regime de competência é dissolver
no tempo os desembolsos concentrados de caixa que ocorrem nas decisões de investimento.
Mas a variabilidade do fluxo de caixa tende a acompanhar a dos lucros, já que as receitas e
despesas reconhecidas no período corrente somente sensibilizarão o fluxo de caixa do período
posterior sendo de certa forma compensado por parcelas de despesas e receitas reconhecidas
no período anterior, mas cujos efeitos no fluxo de caixa ocorrem somente no corrente.
Observa-se que o lucro operacional apresenta menor coeficiente de variação no
período trimestral, porém o FCO, no período anual e bienal, tem menor coeficiente de
variação. Vale ressaltar que à medida que aumenta o intervalo de tempo analisado, o
coeficiente de variação diminui consideravelmente, tendo maior redução relativa do período
trimestral para o anual, comparado à redução do anual para bienal.
As variáveis apresentam, para o período trimestral, o mesmo padrão de assimetria
positiva indicado pela mediana menor do que a média. Entretanto, para os períodos anuais e

9
bienais, os padrões de assimetria são alternados: as variáveis de lucro (LNE e LONE)
apresentam assimetria negativa, como se pode ver pela mediana maior do que a média, e
mediana menor do que a média nas duas outras variáveis (RNE e FCONE), indicando
assimetria positiva.
Estes resultados estão coerentes com a teoria apresentada anteriormente, a de que o
FCO sofre mais de volatilidade do que o lucro, uma vez que a lógica da confrontação despesa
versus receita, característica do regime de competência, presente no lucro e não no fluxo de
caixa, dissolve as variabilidades do lucro no tempo. Entretanto, se o desvio padrão do fluxo de
caixa das operações aumenta com o aumento do intervalo de tempo, um movimento inverso
ocorre com o coeficiente de variação (C.V), relação desvio padrão dividido pela média, que
diminui com o intervalo de tempo, explicado pelo aumento superior da média em relação ao
desvio padrão.

4.2 Hipótese 1
O conteúdo informacional relativo das variáveis LNE, LONE e FCONE em explicar o
comportamento da variável RNE, nos intervalos trimestral, anual e bienal é apresentado na
tabela 2, a seguir, tendo como foco a preocupação com a dimensão da relevância da estatística
t relacionada com a variável independente, além do coeficiente de determinação – R2.
Tabela 2. Resumo dos testes das medidas de desempenho separadamente (Hipóteses 1a e 1b)
Variáveis LNE LONE FCONE
Trimestral = 2.944 Observações.
Coeficiente 0,0061 0,0073 0,0015
Estatística t 1,5703 2,3550 0,7038
Valor P 0,1164 0,0186 0,4816
Erro padrão 0,0039 0,0031 0,0021
R2 0,1679 0,1780 0,1678
R2_aj 0,1316 0,1417 0,1315
Anual = 736 Observações.
Coeficiente 0,0141 0,0156 0,0160
Estatística t 4,6103 5,6902 11,2134
Valor P 0,0000 0,0000 0,0000
Erro padrão 0,0030 0,0027 0,0014
R2 0,3441 0,3449 0,3555
R2_aj 0,2420 0,2430 0,2536
Bienal = 368 Observações.
Coeficiente -0,0012 -0,0007 -0,0017
Estatística t -0,7749 -0,4025 -1,3833
Valor P 0,4390 0,6876 0,1677
Erro padrão 0,0016 0,0019 0,0013
R2 0,6201 0,6200 0,6301
R2_aj 0,4874 0,4874 0,4975
Os parâmetros estimados foram obtidos através das regressões nos intervalos de tempo trimestral, anual
e bienal dos modelos:
RNEi ,t = α i + β i LNE i ,t + μ i ,t ;
RNEi ,t = α i + β i LONEi ,t + μ i ,t ; e
RNEi ,t = α i + β i FCONEi ,t + μ i ,t .
A pesquisa compara as variáveis (LNE), (LONE) e (FCONE) com objetivo de avaliar
a medida contábil mais útil para explicar a parcela não esperada (anormal) do retorno das
ações. A cada intervalo de medida os R2 aumentam tanto para lucros quanto para fluxo de
caixa das operações. O R2 para observações trimestrais é 16,79% para o LNE, 17,80% para o
LONE e 16,78% para o FCONE. O R2 aumenta para 34,41% para LNE, 34,49% para LONE e
35,55% para FCONE, para o intervalo anual. No biênio, os R2 são de 62,01% para o LNE,
62,00% para LONE e 63,01% para FCONE.

10
As estatísticas t mostradas na tabela acima revelam para o intervalo de medida
trimestral que somente a variável independente – LONE – é estatisticamente relevante (nível
de confiança de 95%) para explicar o comportamento da variável dependente RNE, enquanto
que o LNE e o FCONE não o são. O valor P apurado nos três modelos mostra que o LONE é
o mais relevante da relação avaliada (98,14% de nível de confiança). Enquanto que o LNE e o
FCO não são significantes nem mesmo a 90% de nível de confiança.
Para o intervalo de medida anual, as estatísticas t mostram que todas as variáveis
contábeis – LNE, LONE, e FCONE – são estatisticamente relevantes para explicar o
comportamento da variável RNE, sendo o FCONE a variável que tem maior poder de
explicação (35,55%), seguida pelo LONE e LNE, respectivamente. O valor P (0.0000)
apurado nos três modelos também reforça a relevância da relação avaliada.
No intervalo de medida em biênio, as estatísticas t mostram que todas as variáveis
contábeis não são estatisticamente relevantes para explicar o RNE em um nível de
significância (p=5% ou p=10%). A variável FCONE foi a de maior coeficiente de resposta (-
0,001799), seguida pelo LNE e LONE, respectivamente.
Observou-se, ainda, que o sinal dos coeficientes de resposta das variáveis contábeis
(LNE, LONE e FCONE) nos intervalos trimestrais e anuais, onde existe relação significativa,
é positivo, indicando relação direta entre o retorno das ações e as medidas contábeis, mas para
o intervalo bienal as variáveis contábeis já não são importantes para explicar o retorno e,
nesse caso, os coeficientes de resposta foram negativos.
Estes resultados mostram que o LONE é superior ao FCONE para explicar o RNE no
trimestre e a medida que aumenta este intervalo para um e dois anos o FCONE passa a ter
maior relação com o RNE, sendo mais significativo no ano, o que suporta parcialmente H1a,
onde a hipótese foi que o lucro seria mais informacional do que o FCO tanto em intervalos
trimestrais quanto anuais.
Para H1b, o resultado da razão entre R2FCONE / R2LONE foi de 0,94 para o trimestre,
de 1,03 para o ano e 1,02 para o biênio. A razão entre o R2FCONE / R2LNE para o trimestre
foi de 0,99, no intervalo anual aumentou para 1,03 e no biênio foi também de 1,03. Estes
resultados suportam H1b e corroboram com as discussões na seção 2, pois à medida que
aumenta o intervalo de mensuração o poder de explicação relativa das variáveis aumenta,
corroborando com EASTON E OHLSON (1992); DECHOW (1994); KOTARI (2001).

4.3 Hipótese 2
Através do modelo (3.3) é investigado se as variáveis contábeis, em conjunto,
provêem conteúdo informacional incremental ao retorno das ações além da contida nas
variáveis separadamente.
A tabela 3, a seguir, apresenta um resumo dos resultados apurados tendo como foco a
preocupação com a dimensão dos coeficientes e valor P relacionados com a variável
independente, além do coeficiente de determinação – R2_ajustado.
Tabela 3. Resumo dos Testes das medidas de desempenho conjuntamente (Hipóteses 2)
Variáveis LNE LONE FCONE
Trimestral = 2.944 Observações.
Coeficiente 0,0005 0,0147 -0,0056
Estatística t 0,0364 1,9861 -0,9530
Valor P 0,9710 0,0471 0,5407
Valor P* 0,1164 0,0186 0,4816
Estatística F 4,5568
Valor P 0,0000
R2_aj 0,1312

11
Anual = 736 Observações.
Coeficiente -0,1112 0,0660 0,0563
Estatística t -3,4924 2,0240 1,1887
Valor P 0,0005 0,0434 0,2350
Valor P* 0,0000 0,0000 0,0000
Estatística F 3,4265
Valor P 0,0000
R2_aj 0,2500
Bienal = 368 Observações.
Coeficiente 0,0888 0,0155 -0,1032
Estatística t 0,8731 0,3997 -1,5338
Valor P 0,3833 0,6866 0,1262
Valor P* 0,4390 0,6876 0,1677
Estatística F 4,6441
Valor P 0,0000
R2_aj 0,4906
Valor P* = valores obtidos nos modelos (3.2), nos intervalos trimestral, anual e bienal.
Os parâmetros estimados foram obtidos através das regressões nos intervalos de tempo trimestral, anual e bienal
do modelo (3.3) RNEi ,t = α i + β i LNEi ,t + γ i LONEi ,t + ρ i FCONEi ,t + μ i ,t .
A cada intervalo de medida o R2_ajustado aumenta. O R2_ajustado para observações
trimestrais é 13,12%, 25,00% para o intervalo anual. No biênio, o R2_ajustado aumenta para
49,06%. As estatísticas F mostram que para os intervalos de medida trimestral, anual e bienal
(4,5568, 3,4265 e 4,6441, respectivamente), o modelo (3.3) é estatisticamente relevante para
explicar o comportamento da variável dependente RNE. O valor P (0,0000) apurado nos três
intervalos reforça a relevância da associação.
No intervalo de medida trimestral, o valor P das variáveis LNE (0,9710), LONE
(0,0471) e FCONE (0,5407) indicam a significância estatística (nível de confiança de 95%)
individualmente para o LONE em relação às outras medidas contábeis, porém são maiores do
que os obtidos pelos modelos (3.2). Assim, nenhuma medida contábil (LNE, LONE e
FCONE) fornece informação incremental para explicar o RNE no trimestre.
Para o intervalo anual, o valor P das variáveis de lucro (LNE = 0,0005 e LONE =
0,0434) demonstra significância estatística, enquanto que o FCONE (0,2350) resulta em não
significante. Porém, estes valores são maiores do que os obtidos pelos modelos (3.2),
indicando que no intervalo anual as medidas contábeis analisadas não fornecem informações
incrementais.
Os valores P das variáveis contábeis obtidos no modelo (3.3) para o intervalo bienal,
apesar de serem menores do que os encontrados nos modelos (3.2), ainda não são
significativos estatisticamente.
Estes resultados demonstram que o fluxo de caixa das operações não provê informação
incremental juntamente com o lucro contábil em intervalos de tempo trimestral, anual e
bienal, o que leva a rejeição de H2. Assim, nenhuma variável contábil (LNE, LONE e
FCONE) trouxe informação além das contidas quando regredidas individualmente, apesar da
relação ser estatisticamente relevante nos três intervalos mensurados para o modelo (3.3)
como um todo.

4.4 Testes de Robustez

4.4.1 Teste de raízes unitárias


O objetivo do teste de raízes unitárias é verificar a estacionaridade das séries
consideradas nos testes empíricos, de forma a evitar a ocorrência de regressões espúrias. Para
verificar a estacionaridade das séries temporais, foram realizados os testes de Dickey-Fuller
Aumentado (ADF). A tabela 4 apresenta os resultados.

12
Tabela 4. Resumo dos Testes de Raízes Unitárias
Variáveis RNE LNE LONE FCONE
Trimestral
ADF - Fisher Chi-square 1669,86 2419,63 2389,85 2472,04
p_value 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000

Anual
ADF - Fisher Chi-square 503,586 580,289 570,433 653,884
p_value 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000
Bienal
ADF - Fisher Chi-square 362,645 478,470 450,665 381,027
p_value 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000
Fonte: preparado pelo autor com utilização do Eviews 5.0
A hipótese nula do teste ADF é a de que as séries analisadas possuem raízes unitárias.
As estatísticas calculadas pelos testes ADF rejeitam a hipótese nula em todas as séries e
períodos analisados. Portanto, os resultados comprovam, estatisticamente, que as séries
temporais analisadas são estacionárias, o que permite afirmar que as regressões não podem ser
consideradas espúrias, sinalizando a robustez dos modelos.

4.4.2 Teste de heterocedasticidade dos resíduos


Os testes quanto à existência de heteroscedasticidade nos resíduos, têm por objetivo
avaliar se há o atendimento às hipóteses para que os estimadores possam ser considerados
Melhor Estimador Linear Não Viesado. Para tal fim foi utilizada a versão de Bickel (1978)
para o teste de Breusch-Pagan de heteroscedasticidade, que tem como hipótese nula a
presença de homocedasticidade. Assim, os resultados são apresentados na tabela 5, a seguir:
Tabela 5. Resumo dos Testes de Heteroscedasticidade dos Resíduos
Modelo/Período Trimestral * Anual * Bienal *
LNE 1,283454 2.458847 8.769834
LONE 1.283354 2.458768 8.768965
FCONE 1.284565 2.458765 8.767658
LNE x LONE x FCONE 1.294567 2.463547 8.867834
Fonte: preparado pelo autor com utilização do Eviews 5.0
* F-Stat (p=5)
Conforme demonstrado na tabela 5, a Hipótese nula de homocedasticidade não é
rejeitada para todos os modelos nos períodos trimestral e anual, concluindo-se pela ausência
de heteroscedasticidade. Entretanto no período bienal a Hipótese nula de homocedasticidade é
rejeitada para todos os modelos, o que revela a presença de heterosedasticidade.
Vale ressaltar que no período bienal os modelos (3.2) analisados foram estatisticamente não
significativos e o modelo (3.3) apesar da significância estatística, individualmente as variáveis
foram estatisticamente não significativas, assim nas conclusões da pesquisa não pode ser
levado em consideração esse período analisado.

4.4.3 Testes de autocorrelação dos resíduos


Este teste visa verificar se os resíduos dos modelos possuem autocorrelação, o que, se
for confirmado, constitui o não atendimento a uma das hipóteses para que os estimadores
possam ser considerados como Melhor Estimador Linear Não Viesado. Para tal fim foi
adotado o teste de Durbin-Watson (DW). A tabela 6 apresenta os resultados obtidos.

13
Tabela 6. Resumo dos Testes DW de Autocorrelação dos Resíduos
Modelo/Período Trimestral Anual Bienal
LNE 1.998958 2.228147 2.932656
LONE 1.998951 2.229078 2.932932
FCONE 1.999203 2.225097 2.932358
LNE x LONE x FCONE 1.999162 2.230559 2.975088
Fonte: preparado pelo autor com utilização do Eviews 5.0
A hipótese nula a ser testada é a de que os resíduos das regressões são
autocorrelacionados, assim, rejeita a hipótese nula para todos os modelos nos períodos
trimestrais e anuais, ou seja, não há evidência de autocorrelação. Para o período bienal não
rejeita a hipótese nula, onde há evidêcia de autocorrelação. A pesquisa não trata esse
problema de autocorrelação tendo em vista não ter apresentado significância estatística nos
testes desta amostra.

5. CONCLUSÕES
A pesquisa se propôs a estudar qual medida de desempenho (lucro contábil e/ou fluxo
de caixa das operações) possui maior poder informacional, em termos relativo e incremental,
para o mercado de capitais brasileiro, em diferentes intervalos de tempo. A preocupação em
comparar a informação contábil do lucro com o fluxo de caixa das operações ganhou grande
importância internacional a partir da adoção da Demonstração de Fluxo de Caixa pelo FASB,
através da SFAS-95. No Brasil, este relatório ainda não é obrigatório, mas tudo caminha para
que venha a sê-lo, devido às orientações já divulgadas por parte dos órgãos reguladores, como
a Comissão de Valores Mobiliários, e o Projeto de Lei de alteração da Lei 6.404/76, em
discussão no Congresso Nacional.
Internacionalmente, principalmente em países tidos como de mercado de capitais bem
desenvolvidos e muito eficientes, esse assunto é muito pesquisado e os resultados colocam a
informação do lucro contábil superior à do fluxo de caixa das operações para explicar o
retorno das ações, sobretudo em intervalos pequenos. A ausência de estudos sobre esse ponto
no Brasil motivou a elaboração desta pesquisa.
Os resultados dos testes realizados, considerando-se a combinação dos dados
apresentados em três painéis (trimestral, anual e bienal), e analisados no modelo de efeitos
fixos, evidenciam que, no mercado de capitais brasileiro, em períodos trimestrais, o LONE é
estatisticamente mais informacional do que o FCONE e o LNE para explicar o
comportamento da variável dependente - RNE. Porém, quando o intervalo de tempo
mensurado aumenta para um ano, o FCONE se torna mais relevante do que o lucro, em
termos de conteúdo de informação relativo. Isto leva a concluir pela não rejeição parcial de
H1a, e a não rejeição de H1b, pois o FCONE se torna mais relevante do que o lucro quando se
aumenta o intervalo de tempo para um ano.
As conclusões desta pesquisa confirmam parcialmente as hipóteses inicialmente
discutidas, e são consistentes com resultados de pesquisas em mercados de capitais mais
desenvolvidos e eficientes do que o brasileiro (por exemplo, DECHOW, 1994; NICHOLS e
WAHLEN, 2004), e corroboram os resultados de (LEV, LI e SOUGIANNIS, 2005).
Outras conclusões do estudo são de que tanto o lucro como o fluxo de caixa das
operações melhora o poder de explicação, do retorno das ações, quando o intervalo de tempo
mensurado é prolongado para um ano. Porém, nenhuma medida contábil analisada no estudo
provê informação incremental, levando a rejeição de H2, indicando que os participantes do
mercado de capitais brasileiro observam o lucro contábil ou o fluxo de caixa das operações,
ou seja, as duas variáveis parecem não ser observadas conjuntamente. Infere-se, ainda, que os
participantes do mercado costumam dar maior ênfase aos resultados antes dos eventos

14
extraordinários (resultado operacional) do que ao lucro líquido. Esta conclusão corrobora os
estudos realizados por (LEV,1989; e RAMESH e THIAGARAJAN,1993).

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Prentice Hall, 1986.

1
Alguns termos estrangeiros são adotados ao longo desta pesquisa em seu idioma natural, dado a dificuldade de
traduzi-los sem a perda do sentido pretendido, um exemplo é o termo accruals que decorre da adoção do
princípio da competência (reconhecimento da receita e confrontação de despesas, ou, em inglês – accrual basis),
o qual difere do regime de caixa (cash basis). Alguns autores traduzem accruals como acumulação, ou ainda
provisões, posto que deriva do verbo latino accrescere. Essa tradução não é adotada neste trabalho por dois
motivos: entende-se que o termo traduzido não retrata adequadamente todo o conteúdo semântico do termo
original (accruals); e o termo original já vem sendo amplamente adotado na literatura nacional especializada.
2
O beta é uma medida do risco relativo da empresa em relação ao risco do mercado.

16

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