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UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

FILY ROBSON BLANCO CASTRO

A Questão Agrária em Chiapas e a Insurgência


Zapatista

São Paulo
2017

UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO


DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

FILY ROBSON BLANCO CASTRO

A Questão Agrária em Chiapas e a Insurgência


Zapatista

Projeto de Trabalho de Conclusão de


Curso de Licenciatura em Ciências
Sociais apresentado à disciplina TCC, sob
orientação do Prof. Dr. José Eduardo de
Oliveira Santos
São Paulo
2017
AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família pela dedicação nas horas boas e difíceis. Especialmente
ao meu pai e minha mãe. A todos meus amigos que me ajudaram nessa trajetória,
seja no convívio diário ou no virtual, e aos professores da UNINOVE que me
levaram à reflexão e à autocrítica.
RESUMO

Os indígenas da região hoje conhecida como Estado do México tiveram seus


territórios usurpados desde a colonização espanhola iniciada no século XVI, assim
como sua cultura e modo de vida, profundamente vinculados à terra. Com o advento
da independência e da República, em 1823, tal situação não foi resolvida, ao
contrário, os problemas para os nativos se ampliaram por terem de fazer parte da
construção da nação mexicana, modelada pela cultura e a política dos ex-
colonizadores e seus descendentes. A revolução mexicana de 1910 levantou a
questão da terra, mas com a morte de Zapata a referência para a luta de resistência
foi esquecida. Chiapas é um dos estados mais ricos em recursos do território
mexicano e que possui uma população indígena muito grande, no entanto,
apresenta níveis de pobreza e desigualdade mais extremos. A insurgência que
passa a se organizar em Chiapas na década de 1970, gerando o zapatismo, é a
reação indígena à tomada de suas terras. Esta monografia aborda a movimento de
insurgência zapatista em suas relações com a questão da terra em Chiapas, com
base em pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Chiapas. Insurgência Zapatista. Movimentos Indígenas. Questão


da Terra
SUMÁRIO

Introdução...................................................................................................................6

CAPÍTULO I

O Problema da Terra em Chiapas e a Destruição do Universo Indígena............10

Aspectos da Revolução Mexicana e o Levante Zapatista....................................14

CAPÍTULO II

O Estado de Chiapas no Período Pós–Revolucionário........................................24

A Situação Social Contemporânea de Chiapas.....................................................27

CAPÍTULO III

Os Movimentos Indígenas: uma Breve História....................................................28

O Levante Zapatista e o Começo da História........................................................30

Considerações Finais..............................................................................................33

Referências Bibliográficas......................................................................................36
7

INTRODUÇÃO

A questão da terra no México sempre foi um fator de extrema disputa. Desde


a chegada dos espanhóis, as diversas etnias tiveram suas terras usurpadas e, com
elas, sua cultura e modo de vida. Para Quijano (2005), o encontro dos dois mundos
tornou um hegemônico e outro, subalterno; a concepção de mundo e saber provinha
dos conquistadores e, nesse projeto de poder, foi abarcada toda a diversidade étnica
em um único termo: índio. Na narrativa histórica dos colonizadores não se
diferenciavam as etnias nem se consideravam saberes distintos pré-existentes. O
imaginário coletivo foi sendo formado a partir da narrativa dos conquistadores, e não
da dos “vencidos”. Esse pensamento eurocêntrico vai permanecer na construção do
Estado-Nação mexicano. Mariátegui (2007) analisa o período pós-independência na
América Latina e conclui que aqueles que realizaram a independência, os criollos1,
foram de uma forma geral, os mesmos que criaram os Estados-Nação latino-
americanos. Assim, o poder se manteve no mesmo âmbito étnico e político - um
Estado liberal com pensamento liberal.

Para a historiadora Wobeser (2011), a luta pela independência iniciou em


1810, com o levantamento de Hidalgo juntamente com indígenas e camponeses. Na
época, grande parte da população era constituída de etnias indígenas. O término da
luta pela independência ocorreu em 1821, mas os indígenas e camponeses que
lutaram bravamente não tiveram seus direitos reconhecidos.

Em 1823 a doutrina Monroe é formulada com o lema: “América para os


americanos”, e dessa forma os Estados Unidos se tornam o “guardião” das nações
consolidadas no pós-independência. Posteriormente, em 1848, após a guerra contra
o México, parte significativa do seu território é anexada pelos Estados Unidos
2
(AYERBE, 2003), outros comprados. Os Estados Unidos vão ser influentes no
decorrer da história mexicana, muitas empresas serão instaladas no país com o
objetivo de levar o “progresso”.

1
Para Noli (2010), os criollos descendiam dos conquistadores espanhóis, isso no caso da America – Hispana. No
período da independência eles se tornaram referência, na luta pela emancipação. Após a conquista
independentista, os criollos ocupam todos os postos de controle. Dessa forma a colonialidade do poder se
mantêm. Quijano (2005)
2
O Texas foi anexado, já a Califórnia e Nuevo México foram cedidos.
8

No ano de 1856, é decretada a Lei Lerdo, que tinha como objetivo a


privatização das terras clericais e comunitárias. Para o capitalismo, grandes
extensões de terra sem atividade lucrativa não trazem “progresso” à nação. Os
indígenas viviam de forma comunitária e sua organização econômica e social era
baseada no coletivismo, toda produção era em benefício da comunidade, não do
indivíduo. Essa lei pode ser compreendida como uma forma de deslegitimar a
atuação política dentro das comunidades, já que as formas de resistência se davam
no âmbito coletivo.

O caso do estado de Chiapas é um tanto intrigante, pois é imensamente rico


e possui uma diversidade imensa de recursos naturais, que, no entanto são
destinados a poucos. As diversas etnias que habitam o estado se encontravam na
marginalização, sem acesso às melhores terras cultiváveis. Para Anibal Quijano
(2005), a terra faz parte do universo simbólico dos indígenas, da forma como se
organizam, de sua identidade cultural coletiva. Com a criação do Estado-Nação
tratou-se de criar uma identidade nacional e, assim, realizar a mexicanização dos
povos originários.

A Revolução Mexicana (1910-1919) foi um marco que abrangeu toda a


sociedade. Para os historiadores como Camin e Meyer (2000) as distintas classes
atuaram de forma antagônica, uma para manter os privilégios e a outra para garantir
direitos. Nesse cenário surge Emiliano Zapata, que se converte na grande figura da
Revolução, liderando o exército dos que nunca tiveram voz, camponeses e
indígenas lutando pela restituição de suas terras ancestrais. Com a morte de Zapata,
a expressão política desse universo simbólico se rompe e a Revolução se perde
pela história. Na Constituição Mexicana de 1917, a reforma agrária era garantida,
mas a partir do Estado e não dos agentes. Essa foi uma forma de calar os
insurgentes (CAMIN; MEYER, 2000). Os movimentos indígenas continuaram a
persistir na busca de seus direitos, mas não de forma unificada.

É apenas no ano de 1983 que se forma o EZLN, uma junção de diversas


etnias que não possuem um poder central, pois todos decidem em comunidade. Em
1994, o mundo conhece os zapatistas e seu movimento insurgente, que ocupou e
queimou fazendas e prédios públicos, em reação ao não cumprimento, pelo Estado,
9

de seu papel na distribuição das terras. O governo logo os considerou terroristas e,


com a alteração do Artigo 27 º da Constituição, a reforma agrária foi suprimida.

Assim, o conflito estava posto e foi o que nos interessou pesquisar quando
assistimos vídeos e lemos textos sobre esse problema. A luta indígena é secular e
isso nos motivou a estudar o fenômeno: um grupo indígena / camponês desafiando
o poder estatal. A autonomia foi uma resposta ao descaso que sofriam tanto no
âmbito econômico quanto no cultural.

Estabelecida essa problemática da terra em Chiapas e da insurgência do


Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), adotamos, neste trabalho, a
seguinte questão de pesquisa: Quais as articulações históricas estabelecidas entre a
questão da terra e a insurgência zapatista?

Para responder a essa questão definimos como objetivo geral analisar a


plataforma e as estratégias políticas do Movimento Zapatista relacionadas à questão
da terra. O objetivo específico é compreender o porquê de os Zapatistas se
levantarem em armas.

Nosso objeto de estudo são as articulações historicamente estabelecidas


entre esses dois temas: a questão da terra em Chiapas e o levante zapatista.

A pesquisa é do tipo qualitativa, baseada em bibliografia acadêmica: livros e


artigos que debatem a questão da terra no México e a insurgência zapatista. Para
tanto, consultamos os bancos de dados do Sistema Scielo e a página eletrônica do
Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), especializada nos temas
de sociologia, política e história da América Latina.

Como referencial teórico que ajuda a analisar nosso objeto, utilizamos Anibal
Quijano, Mariátegui e Camin e Meyer, como eixo teórico. Quijano aborda a
colonialidade do poder e de como ela se mantem vigente nas sociedades latino-
americanas; Mariátegui possui analisa a questão indígena pelo materialismo
histórico, expressando a luta de classes entre proprietários e indígenas, e ainda nos
mostra que as formas de dominação coloniais ainda se mantêm; Camin e Meyer
abordam a história mexicana, trazendo à tona os fatos históricos que culminaram os
fatos atuais. Cruz aborda os movimentos indígenas e suas especificidades, já
Guevara analisa pelas questões econômicas e sociais.
10

Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, abordamos a


destruição do universo indígena e a revolução mexicana. No segundo, o período pós
– revolucionário, e a situação social e econômica de Chiapas. No terceiro, os
movimentos indígenas e a insurgência zapatista.
11

O Problema da Terra em Chiapas e a destruição do Universo indígena

A problemática da terra em Chiapas deve ser analisada de uma perspectiva


histórica. Com a chegada dos colonizadores espanhóis, os indígenas, de donos da
terra, tornaram-se colonizados. A Alcadia Mayor de Chiapa fazia parte da Capitania
da Nova Espanha3, já o centro administrativo estava vinculado à Capitania-Geral da
Guatemala, dois países atualmente fronteiriços. Na região habitavam 7 etnias
indígenas: Chol, Tzotzil, Tzeltal, Tojolabal, Zoque, Chiapaneco e Lacandones.
(ALKMIN, 2015)

Quijano (2005) avalia que a colonização ibero-americana não foi apenas no


sentido físico, mas no universo simbólico. As diferentes etnias que existiam no
continente foram denominadas de índios, um termo que não distingue as formas
culturais e saberes que as distintas etnias possuíam. Desse modo se criou um
imaginário e um pensamento unilinear, já que a história é contada pelos
conquistadores e não pelos conquistados. Todo o saber indígena será suprimido e
considerado bárbaro, e um modelo eurocêntrico de sociedade será implantado.

Para esse autor, novas identidades foram criadas a partir da “descoberta”


do Novo Mundo, sendo a hierarquização pela identidade dada pelo conquistador
preponderante nessa nova formação social:

A formação de relações sociais fundadas nessa ideia produziu na América


identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços e
redefiniu outras. Assim, termos como espanhol e português, e mais tarde
europeu, que até então indicavam apenas procedência geográfica os país
de origem, desde então adquiriram também, em relação às novas
identidades, uma conotação racial. E na medida em que as relações sociais
que se estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades
foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes,
com constitutivas delas, e, consequentemente, ao padrão de dominação
que se impunha. Em outras palavras, raça e identidade racial foram
estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da
população. (QUIJANO, 2005, p. 117)

Após a conquista dos territórios e do genocídio de sua população, os


indígenas tiveram dois destinos: a encomienda ou o repartimiento. A encomienda era
o pagamento de tributos, em trabalho e posteriormente em espécie; já o
repartimiento era o trabalho sazonal nas haciendas. Ambos foram usadas para
legitimar a dominação sobre os indígenas (AlKMIN, 2015). Para Quijano (2005), a
divisão racial do trabalho foi dada pela destruição simbólica do indígena, que, como
3
Atualmente corresponde ao Estado do México
12

derrotado, foi colocado em estado de servidão, já que o saber ocidental era superior
ao seu, especialmente no sentido militar. Não obstante, para manter o controle dos
indígenas, o colonizador permitia que a nobreza indígena gozasse de certos
privilégios e, dessa forma, os “índios” não se rebelariam:

As novas identidades históricas produzidas sobre a ideia de raça foram


associadas à natureza dos papéis e lugares na nova estrutura global de
controle do trabalho (...). Desse modo, impôs – se uma sistemática divisão
racial do trabalho. (...) As que viviam em suas comunidades, foi – lhes
permitida à prática de sua antiga reciprocidade – isto é, o intercâmbio de
força de trabalho e de trabalho sem mercado – como uma forma de
reproduzir sua força de trabalho como servos. Em alguns casos, a nobreza
indígena, uma reduzida minoria, foi eximida da servidão e recebeu um
tratamento especial, devido a seus papéis como intermediária com a raça
dominante (...) (QUIJANO, 2005, p. 118)

A servidão indígena é distinta da europeia, pois os indígenas não recebiam a


proteção de um senhor feudal: “A servidão dos índios na América não pode ser, por
outro lado, simplesmente equiparada à servidão no feudalismo europeu, já que não
incluía a suposta proteção de nenhum senhor feudal, nem sempre, nem
necessariamente, a posse de uma porção de terra para cultivar, no lugar de salário.
(...)” (QUIJANO, 2005, p. 120) Os indígenas tinham que trabalhar nas terras dos
terratenientes4 e em troca moravam na propriedade, ocupando um pequeno pedaço
de terra no qual plantavam e colhiam para sua subsistência.

Para Jan de Vos (2010), após frei Bartolome de Las Casas denunciar a
superexploração dos indígenas a igreja se posiciona, o que faz com que a ordem
dos dominicanos os proteja, causando assim o controle do corpo, da mente e das
terras dos indígenas. A organização política e social também é modificada, pois os
dominicanos criam pequenas vilas, onde podem controlar e aculturar as etnias.

As propriedades no México possuíam três tipos de posse: “A propriedade


fundiária dos colonos espanhóis, a propriedade da igreja e a propriedade das aldeias
indígenas.” (NUNES, 1975, p. 16) Com a “proteção” dos grupos indígenas, pela
ordem dos dominicanos, em pequenas vilas, suas terras ficaram desprotegidas, o
que deu espaço para a criação de haciendas5 e a ocupação da terra pela igreja. As
tribos aguerridas que resistiam viviam de forma comunal.

4
Proprietários de extensas terras que possuíam influência política e econômica
5
Fazendas
13

Nos séculos XVII e XVIII a igreja e os haciendados vão se tornar os grandes


proprietários das terras. O recolhimento de tributos, primeiramente, era em produtos
agrícolas, até o ano de 1747, “Quando indígenas tornaram-se obrigados pela Coroa
a pagar a totalidade de seus tributos em dinheiro, não sendo mais válidos os
pagamentos em produtos.” (ALKIMIN, 2015, p.82) Os tributos que eram em
produtos, são cobrados em espécie, as comunidades não fabricavam “dinheiro”,
levando os indígenas a buscarem trabalho nas fazendas. Essa dependência da
Coroa e dos fazendeiros faz com que o corpo seja parte da propriedade. Em muitas
ocasiões, cobravam-se dívidas fraudulentas e, em muitos casos, a dívida se
prolongava por várias gerações.

Após a independência do México em 1810 e a anexação do estado de


Chiapas pelo novo Estado-Nação, o poder estatal não teve alternância, as mesmas
pessoas que elaboraram a independência se mantiveram no poder ocupando cargos
públicos. (ALKIMIN, 2015) Tal efeito predominou em toda a América Latina, como
diria Mariátegui (2007); já para Anibal Quijano (2005), a crise do Estado-Nação tem,
a ver com a não identificação dos grupos oprimidos (negros, indígenas) com o
Estado unitário (idioma, religião e leis), pois após a consolidação das
independências criou-se um modelo de Estado a partir do ponto de vista do
colonizador. Quijano (2005) diz que o contato entre os dois mundos produziu um
poder hegemônico, isso no que tange tanto ao saber quanto à forma organizacional
do poder. No caso do Estado Mexicano, os indígenas passaram a ser chamados de
mexicanos. Nesse período foi realizada a demarcação de fronteiras e o
estabelecimento de territórios. No que concerne à situação indígena, pode-se dizer
que houve um agravamento, pois na época colonial muitas etnias ainda se
encontravam em regiões de difícil acesso, o que as mantinha sem contato com os
brancos e mestiços. Com a independência, no entanto, a demarcação do território
acelerou e ampliou esses contatos. No caso Chiapaneco, “Chiapas desvincula-se da
Guatemala para então anexar-se ao México.” (ALKIMIM, 2015, p. 83)

Para Bórquez e Garcia (2006, p. 35), o período pós-independência não


representou melhorias para a problemática indígena:

Os feitos ocorridos durante o século XIX não significou mudanças para os


indígenas Chiapanecos. As constantes rebeliões indígenas pressionavam os
Governos Liberais para a devolução de suas terras. No ano de 1820,
Chiapas encontrava – se na mais absoluta pobreza; o movimento
14

independentista teve pouco eco na entidade. Um grupo de ricos


fazendeiros, finqueiros, exercia o poder político, ideológico, econômico e
social do estado. De esta maneira, a história de Chiapas se vinculava as
rebeliões indígenas e as famílias ricas Chiapanecas, muitas delas
relevantes nos dias atuais.

Conservadores e liberais tinham opiniões distintas em relação à nação: para


os conservadores, a grande propriedade e o trabalho compulsório dos indígenas era
algo benéfico ao desenvolvimento; para os liberais, a grande propriedade era um
entrave ao desenvolvimento capitalista, mas mesmo eles entendiam o “índio” como
uma cultura atrasada e a “mexicanização” como algo necessário para a unidade do
país. Assim, liberais e conservadores possuíam opiniões similares no que se refere
ao universo indígena (CAMIN; MEYER, 2000). Para Quijano (2005), o universo
hegemônico ocidental se consolidou com a colonização e o genocídio, tanto no
sentido físico quanto no cultural, sendo toda a sabedoria indígena suprimida pela
ciência europeia.

A alternância de poder esteve entre liberais e conservadores, que por sua


vez tinham projetos de nação que por vezes convergiam e por vezes divergiam. A
igreja possuía grandes extensões de terras e os liberais, no momento em que
emergem ao poder, criam leis para destituir essa concentração de terras, como a Lei
Lerdo, de 1856, que desamortizou 6 os bens da igreja, ou como as leis agrárias de
1844, pelas quais era necessária a comprovação de títulos de propriedade. Os
indígenas, por não possuir instrução, não tinham como comprovar os títulos de
propriedade. Nesse período também houve a expropriação de terras: as
comunidades indígenas, de proprietárias, passaram a ser peones de las hacienda. A
peonage se assemelha ao sistema escravista, já que é um trabalho insalubre e
compulsório. (ALKIMIN, 2015)

A questão da terra perdura desde a colônia até o período pós-


independência. Indígenas e camponeses somente serão visíveis no momento em
que realizarem a sua própria revolução.

Aspectos da Revolução Mexicana e o Levante Zapatista

O Governo de Porfírio Diaz (1876 - 1911) se mantinha no poder há mais de


30 anos. Esse período é conhecido como Porfiriano, pois o centralismo foi uma

6
A desamortização de terras é a expropriação mediante o Estado. No México a desamortização surge para
legitimar o Estado, grandes extensões de terras eram propriedades da igreja.
15

característica desse governante, assim como o caciquismo (CAMIN; MEYER, 2000).


Com o advento da indústria, Diaz acompanha o “progresso” e investe em setores
estratégicos:

O México viveu uma reestruturação produtiva nos trinta anos que


antecederam a Revolução de 1910, que consolidou sua fronteira
setentrional – uma região crítica tendo em vista a expansão norte –
americana – e definiu sua incorporação no mercado mundial. Em
consequência dessa mudança, o investimento estrangeiro cresceu de 110
milhões de pesos, em 1884, para 3,4 milhões em 1910. Um terço dessa
injeção de recursos alimentou a maior revolução tecnológica do México
porfiriano: a construção de quase 20 mil quilômetros de ferrovias. Um quarto
do investimento estrangeiro foi para a mineração, que teve sua produção
multiplicada de 40 milhões de pesos, em 1893, para quatro vezes mais em
1906. (CAMIN; MEYER, 2000, p.14)

O México encontrava-se em pleno desenvolvimento, no que tange às


indústrias, mas no social estava estagnado. O poder de decisão na esfera política
era apenas destinado às camadas oligárquicas e latifundiárias, que controlavam
grandes extensões de terra e mantinham influência nos municípios. (CAMIN;
MEYER, 2000)

No período porfiriano existiam grandes plantações que se utilizavam do


trabalho servil, sendo o latifúndio legitimado pelas leis e pelo poder governamental.
Muitos camponeses despojados de suas terras buscavam trabalho nas haciendas. O
trabalho era sazonal e muitos migravam de fazenda em fazenda para buscar
trabalho, outros iam à cidade. (CAMIN; MEYER, 2000)

Mariátegui (2007, p. 40) analisa o latifúndio peruano, o que traz muitas


similaridades com o México:

A política de desamortização da propriedade agrária iniciada pela revolução


da independência – como uma consequência lógica de sua ideologia -, não
conduziu o desenvolvimento da pequena propriedade. A velha classe
terratenente não havia perdido seu predomínio. A sobrevivência de um
regime de latifundiários produziu, na prática, a manutenção do latifúndio. A
desamortização atacou a comunidade (indígena). E o feito é que, durante
um século de República, a grande propriedade agrária se reforçou e
engrandeceu a despeito do liberalismo teórico de nossa Constituição e das
necessidades práticas do desenvolvimento de nossa economia Capitalista.

O autor analisa a pós-independência e chega à conclusão que não houve


alternância de poder, as mesmas pessoas que encabeçaram os ideais libertários se
mantiveram subjugando os povos originários. A desamortização de terras afetou as
comunidades indígenas e camponesas, o que seria improcedente para um país com
uma Constituição liberal. No caso mexicano, como dito, foi criada a Lei Lerdo (1856),
16

que tinha como eixo central a privatização de terras comunais e clericais, assim
como a igualdade civil e jurídica, mas que mantinha as grandes extensões de terras
improdutivas da igreja. As comunidades indígenas se organizavam em ejidos, ou
seja, toda a colheita era realizada de forma coletiva, mas a lei não contemplava a
forma organizacional indígena. Essa medida também pode ser analisada como uma
forma de criar um Estado unitário, pois com a privatização da terra o indígena se
tornaria “mexicano”. (MOREIRA, 2012)

No que concerne à lei, podemos dizer que liberais e conservadores


possuíam concordância:

As medidas desamortizadoras da legislação agrária mexicana, lançadas ao


longo do século XIX e intensificadas a partir da lei lerdo, exalam a
preocupação da elite política em constituir um mercado de terras e de
trabalho no país. Assim, apesar das diferenças e disputas no interior dela, a
privatização das terras comunais conseguiu apoio entre liberais e
conservadores, pois a medida era importante para a modernização
mexicana, ao permitir a circulação no mercado das terras e dos braços
indígenas. (MOREIRA, 2012, p.78)

O processo de desamortização e privatização das terras de indígenas e


camponeses acabava com toda forma jurídica e política que possuíam em
comunidade. No período porfiriano a desamortização causou um tremendo impacto
social nas comunidades indígenas:

Em 1895, estimulado pelo impacto da ferrovia sobre o preço da terra, o


regime porfiriano abriu uma nova onda de desamortização, com a Lei de
terras Devolutas e Ociosas, que facilitava a denúncia e apropriação de
terras improdutivas. O efeito dessa nova liberalização da terra na
organização social e na economia das comunidades camponesas foi sentido
com particular virulência: o consumo per capita de milho, no México, caiu
dez quilogramas entre 1895 e 1910 (de 150 para 140 quilogramas); a média
de vida nesses quinze anos caiu de 31 para 30, 5 anos; nos cinco anos
finais do século XIX, a mortalidade infantil cresceu de 304 para 335 por mil.
(CAMIN; MEYER, 2000, p.16-17)
As comunidades camponesas e indígenas foram as maiores prejudicadas
nesse período. No centro-sul da República, mais precisamente no estado de
Morelos, surgia um líder que iria comandar uma das maiores revoluções agrárias da
América Latina. Seu nome: Emiliano Zapata. (CAMIN; MEYER, 2000)

Na região Norte, outra forma organizacional ocorria: “(...) os membros das


comunidades nortistas, herdeiros das antigas colônias militares que pontilhavam os
territórios fronteiriços durante o século XIX (...) eram comunidades edificadas no
isolomento, na auto defesa e no orgulho nacional.” (CAMIN; MEYER, 2000, p.17)
17

Para esses autores, duas frentes revolucionárias estavam em formação, ambas


formadas pelos despojadas de suas terras. Tal insatisfação não atingia somente os
setores rurais:

No início do século XX, novos grupos governantes haviam assumido o


controle da maior parte das regiões do país. A essa altura, as famílias e
patriarcas, alijados nos anos de 1880, renovaram – se numa nova geração.
Os filhos e netos dos caciques juaristas, rebentos ansiosos de famílias de
renome, tentavam agora redirecionar o curso dos fatos e abrir caminho para
um novo período de dominação, ou, pelo menos, para uma participação
subordinada nos negócios locais e nacionais. Mas em vez de oportunidades
encontraram vias fechadas, dinastias porfirianas (...). A consolidação dessas
oligarquias regionais nos estados nortistas empurrou muitos desses
baluartes de famílias ilustres para a oposição. (CAMIN; MEYER, 2000,
p.26)
Diferentes setores demonstravam o descontentamento no Governo Diaz,
uns por terem suas terras expropriadas e outros por falta de participação política.
“Na virada do século XX, Francisco Madero havia formado e liderado uma coalizão
de ricos proprietários na região de La laguna para tentar barrar as tentativas da
Anglo American Tlahualilo Company de monopolizar os direitos sobre a água
daquela área dependente da irrigação.” (CAMIN; MEYER, 2000, p.26) Com a
desamortização de terras muitas empresas estrangeiras foram beneficiadas, já que
trariam o “progresso”7 ao país.

Havia conflitos sociais e políticos, mas o estopim ocorreu no ano de 1908.


Nesse ano houve uma crise econômica em diferentes setores: Manufatura,
mineração e metalurgia, todos esses fatores contribuíram para a deslegetimidade do
Governo Diaz. (CAMIN; MEYER, 2000).

Por outro lado Porfírio sempre obteve apoio dos Estados Unidos, já que
muitas empresas estavam instaladas no país, mas esse respaldo sofreu uma
ruptura:

O evidente favoritismo governamental mostrado pela concessão de terras


em Chiapas, Tabasco, Veracruz, San Luis Potosi e Tamaulipas à companhia
britânica foi uma declaração de guerra aos poderosos interesses norte –
americanos. Isto foi especialmente verdadeiro porque, naqueles anos, o
México estava começando a se tornar um país produtor de petróleo de
primeiro time: a produção de 3,3 milhões de barris em 1910 subiu para 14
milhões em 1911, um salto enorme que subitamente colocou o país em
terceiro lugar entre os países produtores de petróleo do mundo. (CAMIN;
MEYER, 2000, p.29)
7
O termo se refere ao avanço em uma perspectiva liberal, já que com a industrialização o México se tornaria
um país competitivo. Por outro lado, esse avanço suprimia toda formação cultural indígena.
18

A relação de Diaz com os Estados Unidos começou com divergências no


final de 1870, pela incursão de tropas norte-americanas à procura dos Apaches.
Duas décadas depois a relação encontraria uma ruptura por interesses econômicos.
Em uma declaração a um jornal norte-americano, em 1908, Porfírio declara que o
México estava pronto para a democracia e para a criação de um partido de
oposição. Essa declaração repercutiu em diferentes jornais e reacendeu o fervor
político (CAMIN; MEYER, 2000). A oposição já tinha um nome e uma personalidade:

Em 1909, Madero era, acima de tudo, um pregador, membro de uma


opulenta família latifundiária de Coahuila, autor de um denso livro sobre
questões históricas e ativo organizador de grupos oposicionistas
comprometidos com a inaudita estratégia de viajar pela República para
promover sua cruzada – uma cruzada pela democracia e contra a reeleição,
cujo caráter político resumia – se perfeitamente em um dos slogans de sua
campanha: “O povo não quer pão, mas liberdade´.” (CAMIN; MEYER,
2000, p. 30-31)
Madero começa uma campanha pelo país, em diferentes estados, ganhando
assim notoriedade por onde passava, organizando passeatas e comícios. Massas de
descontentes se juntavam à sua causa, setores que foram calados no tempo
porfiriano viam na figura de Madero a possibilidade de ascensão social. O
funcionalismo público era indicado pela oligarquia local, ocasionando assim a
estagnação de diferentes setores (CAMIN; MEYER, 2000). De todo modo, Madero
tinha apoio heterogêneo da sociedade mexicana:

Fazendeiros com tradição, mas sem futuro, comunidades que resistiam à


usurpação de suas terras, profissionais sem cargo, professores revoltados
pela miséria e o halo heróico da história da pátria, políticos e militares em
conserva. E esta crucial pequena burguesia provinciana: lojistas,
farmacêuticos, rancheiros ansiosos, pequenos agricultores e parceiros,
todos afogados pelo duplo jugo de suas aspirações locais e da nulidade
creditícia e social de suas modestas empresas. (CAMIN; MEYER,
2000, p.32-33)
Nas eleições de 1910 Madero já é visto como uma ameaça ao regime de
Diaz. Em um discurso feito é acusado de “tentativas de rebelião e insulto às
autoridades” (CAMIN e MEYER, 2000, p.33), sendo detido em pleno período
eleitoral. Dessa forma, Porfírio é reeleito e Madero consegue liberdade condicional,
passando a planejar uma revolução, quando expede o Plano de San Luis, base de
suas reivindicações (CAMIN; MEYER, 2000), cujos principais artigos reproduzimos
abaixo:
19

1º Se declaram nulas as eleições para Presidente e Vice-Presidente da


República, Magistrados da Suprema Corte de Justiça da nação e Deputados
e Senadores, realizadas em Junho e Julho do ano em questão.

3º (...) Abusando da lei de terras ociosas, muitos pequenos proprietários, em


sua maioria indígenas, foram despojados de seus terrenos, sendo por
acordo da Secretaria de Fomento, ou por ordem do Tribunal da República,
sendo de toda justiça restituir os seus antigos proprietários, os terrenos do
qual foram despojados de uma forma tão imoral, ou a seus herdeiros, que
restituam os seus primitivos proprietários, que também será pago uma
indenização pelos prejuízos sofridos [...). (MATUTE, 1993, p.47)

San Luis Potosi, 5 Outubro de 1910

Francisco I. Madero

Dessa forma, Madero não reconhece as eleições na qual Diaz se sagrara


governante; por outro lado, o 3º artigo contempla as demandas camponesas e
indígenas. A estratégia maderista é cooptar os setores do sul e do norte, nos quais já
se demonstrava uma organização social e política. Villa e Zapata são as grandes
referências dos setores marginalizados e injustiçados. A tropa de Villa é formada por
diversos setores: camponeses, pequenos proprietários de terra e trabalhadores que
se encontravam sem ocupação formal; os camponeses, por sua vez, formam a
guerrilha zapatista. O norte tinha composição mais diversificada, incluía setores
industriais, diferentemente do sul em que a agricultura era predominante. (CAMIN;
MEYER, 2000)

A revolução maderista tem início no ano de 1911 nas “minas e montanhas”


(CAMIN; MEYER, 2000, p.35). Os enfrentamentos duraram pouco tempo, tendo em
vista que o exército federal fora derrotado em diversas localidades, resultando assim
na rendição de Diaz, que se exila. Madero ganha popularidade decorrente do conflito
e “em 7 de junho de 1911, seguido por mais de cem mil adeptos, Madero entrou
triunfalmente na Cidade do México.” (CAMIN; MEYER, 2000, p.38)

Já no dia 24 de junho, em pronunciamento público, Madero indica o que faria


no governo:

Caracteristicamente, Madero prometeu que faria tudo o que fosse possível


para aliviar as necessidades das classes econômicas mais fracas, mas não
anunciou uma melhoria salarial; expressou sua solidariedade aos
despossuídos, mas também sua convicção de que apenas o trabalho duro
os redimiria. Por outro lado, também provocou a incerteza entre os
empresários ao adverti – los de que não poderiam mais contar com a
“impunidade de que gozavam nos tempos passados os privilegiados pela
fortuna, para os quais a lei era tão ampla quanto era estreita para os
desafortunatos´.” (CAMIN; MEYER, 2000, p.39)
20

O Plano de San Luis garante a restituição da terra para as pessoas que


foram prejudicadas pela Lei Lerdo (1856), mas em seu pronunciamento Madero
muda de posição ao não mencionar o 3º artigo estabelecido na revolução maderista,
a devolução de terras aos camponeses e indígenas ; por outro lado, ele adverte os
empresários e deixa claro que não gozarão de privilégios. Nas palavras de um dos
mais íntimos colaboradores de Madero a respeito de seu pronunciamento, ele se
comportava como “o apóstolo e o caudillo, mas nunca o Governante.” (CAMIN;
MEYER, 2000, p.39)

Um governo interino é estabelecido e começa uma campanha de


desmobilização, mas muitos focos revolucionários não estavam atrelados ao poder
central, o que ocasiona pequenos levantes em diferentes regiões do país. O Estado
se utiliza do exército federal para estabelecer a “paz”. As forças zapatistas são as
mais proeminentes em questão organizacional e territorial. Eles estavam localizados
no centro-sul, próximos à capital, e contavam com um comando centralizado.
Negavam-se a entregar as armas enquanto não recebessem suas terras (CAMIN;
MEYER, 2000). É assim que, nas eleições de 1911,

Madero foi eleito presidente em 1º outubro de 1911 por uma votação


esmagadora de 98 por cento dos votos nas eleições mais livres que o
México conhecera até então. (...) Ele já não era o apostolo universal e
inconteste que havia sido quando entrara na capital, em 6 de junho,
aclamado pelas massas. Era um homem que voltara as costas a muitos de
seus apoiadores. (CAMIM; MEYER, 2000, p.42).

Com a política de desmobilização, Madero se contrariava, já que muitos


focos camponeses, apenas almejavam o cumprimento do Plan de San Luis - a velha
forma porfiriana de fazer política apenas havia alternado de mãos, para uma figura
mais jovem. A aliança com antigos colaboradores de Diaz não demonstrava sinais
de progresso, já que o regime é caracterizado pela limitação dos direitos individuais
(CAMIN; MEYER, 2000). O governo de Madero era aberto às liberdades de
imprensa, do parlamento e de eleições e “extraordinariamente fechado com respeito
a reformas sociais e à transformação dos privilégios hereditários da velha ordem.”
(CAMIN; MEYER, 2000, p. 43) As necessidades imediatas de grande parte da
população, especialmente a propriedade das terras indígenas, foram esquecidas, e
dessa forma Madero rompe com quem o apoiou em sua revolução personalista.
21

Os zapatistas apoiaram a destituição de Diaz, acreditando que com Madero


suas demandas seriam atendidas, mas com o decorrer da revolução sentiram a
traição de Madero a sua causa inicial, pois ele se volta contra os zapatistas usando
a força repressiva do exército federal. As comunidades zapatistas “adotaram um
documento que estabelecia o significado e as metas de sua luta, o Plano de Ayala, e
reiniciaram a guerra com aquele outro mundo que, com sutis nuanças de diferença,
Madero, seus soldados e seus projetos de reforma ainda apresentavam.” (CAMIN;
MEYER, 2000, p. 43) Os principais artigos do Plano de Ayala eram:

2º Se desconhece como chefe da revolução ao C. Francisco I. Madero e


como Presidente da República, por essas razões que se expressam,
procurando a destituição desse funcionário.

5º A junta Revolucionária do Estado de Morelos. Não admitirá transações


nem pactos até não conseguir a destituição dos elementos ditatoriais de
Porfírio Diaz e Don Francisco I. Madero, pois a nação está cansada de
homens falaciosos e traidores que fazem promessas como libertadores,
mas que, ao chegar ao poder, se esquecem delas e se constituem em
tiranos.

7º Em virtude da imensa maioria e cidadãos mexicanos não serem mais


donos da terra que pisam, sofrendo os horrores da miséria sem poder
melhorar em nada sua condição social nem poder dedicar-se à indústria ou
à agricultura por estarem monopolizadas em poucas mãos: as terras, monte
e água, por esse motivo se expropriará a terceira parte desse monopólio (...)
será destinado aos ejidos, colônias e fundos legais para o povo.

Ayala, Nov. 28 – 1911

O Plano de Ayala rompe com o Governo de Madero pelo não cumprimento


do Plan de San Luis, perdendo toda legitimidade antes conquistada com a oposição
a Porfirio Diaz. Os setores afetados pela Lei Lerdo foram os camponeses e
indígenas, lei à qual o Plan de Ayala se opõe, e com o artigo 7º afirmam a causa
revolucionária.

Sucessivas batalhas foram realizadas nas montanhas e campos mexicanos:


de norte a sul a revolução emanava de distintas frentes, o exército federal
apresentava diversas derrotas frente aos revolucionários, até a chegada do general
Victoriano Huerta, que conseguiu restabelecer a legitimidade de Diaz: “os interesses
estrangeiros começaram a ver em Huerta o homem forte capaz de salvar a
alquebrada democracia de Madero.” (CAMIN; MEYER, 2000, p.49)

Nas indústrias e no setor têxtil, o maderismo começou a realizar mudanças,


com o governo em processo de estabilização:
22

Em outras frentes, as coisas não iam mal. Depois de um ano de greves e


tensões com os trabalhadores, particularmente no corredor industrial de
fábricas têxteis Veracruz-Puebla-Distrito Federal, o governo maderista
conseguira satisfazer às necessidades básicas dos trabalhadores: redução
da jornada de trabalho, aumento geral dos salários, pondo um fim à
impunidade de castigos, descontos e reprimendas que faziam do interior
das fábricas, uma cultura de latifúndio rural. Os industriais obtiveram, em
troca, uma regulamentação mais estrita das condições de trabalho, horários,
descanso e responsabilidades e maiores possibilidades de um aumento da
produtividade. (CAMIN; MEYER, 2000, p.50)

Na questão agrária, Madero estudava um projeto de restituição das terras


expropriadas no período porfiriano, tudo caminhando para uma lenta reforma
agrária. “As câmaras de deputados e senadores, eleitas nas eleições abertas de 30
de junho de 1912, foram o centro da contra-revolução institucionalizada e da divisão
maderista.” (CAMIN; MEYER, 2000, p.51) Eles exigiam do novo regime as mesmas
garantias e interesses do antigo regime. Os jornais colaboraram com a campanha
anti-maderista, com reportagens que demonstravam um México imerso no caos e na
desordem, criando assim um consenso sobre a ineficácia do governo. (CAMIN;
MEYER, 2000)

O embaixador norte americano, Henry Lane Wilson, juntamente com o


exército, vinha planejando uma conspiração contra Madero. Ele contara ao seu
governo que os cidadãos americanos estavam aterrorizados e inseguros, pois suas
propriedades e interesses estavam correndo risco. Também acusava Francisco de
ser antiamericano e “que, em sua campanha contra os interesses norte-americanos
no México, Madero decretaria confiscos e leis injustas.” (CAMIN; MEYER, 2000, p.
52) O Presidente dos Estados Unidos, o secretário de estado e o embaixador
chegam a um acordo, pois o Governo de Madero não garantia estabilidade aos
interesses norte-americanos:

(...) e, numa longa conversa com o presidente Taft e o secretário de Estado


Knox, Wilson propusera a tomada de parte do território e sua conservação
ou a derrubada do regime de Madero. O presidente Taft estava predisposto
às duas coisas, mas Knox manifestou sua oposição a ideia de ocupar
território mexicano. Os três concordaram então em subverter o governo de
madero. Com este fim, eles usariam a ameaça de intervenção, promessas
de cargos e honrarias e propinas em dinheiro vivo. (CAMIN; MEYER,
2000, p. 52)
O governo de Madero perdera toda legitimidade junto àqueles que o haviam
apoiado. Um conflito interno ocorreu dentro do exército, libertando políticos
renomados como Félix Diaz e Bernardo Reyes. Para mediar o conflito, Huerta é
23

convocado, já que obteve êxito nas demais ocasiões. O embaixador promete a


Huerta que Washington reconheceria “qualquer governo capaz de estabelecer a paz
e a ordem no lugar do señor Madero.” (CAMIN; MEYER, 2000, p.53) Francisco se
encontra sem legitimidade com os políticos e com os revolucionários, a imprensa o
culpa pela instabilidade e o Governo norte-americano o julga incapaz de defender o
interesse dos Estados Unidos. O embaixador o ameaça com uma intervenção e dias
depois o próprio media um acordo de paz com os “golpistas”: “Wilson reuniu o corpo
diplomático para propor um voto de confiança em Huerta e no exército.” (CAMIN;
MEYER, 2000, p.54) Dessa forma, Huerta ganha legitimidade por reestabelecer a
paz, já Madero é preso e assassinado.

A população, que se encontrava aterrorizada, recebe a notícia da paz


reestabelecida e da deposição de Madero com certa euforia:

No princípio, ninguém se mexeu. Os habitantes da capital do país – e de


outras capitais provinciais – comemoraram nas ruas o fim do bombardeio e
terror, decoraram as fachadas de suas casas e leram nos jornais as razões
de seu próprio júbilo pela queda de Madero. (CAMIN; MEYER, 2000,
p. 55)
Huerta assume a presidência mediante um golpe e logo mostra sua face
ditatorial, dissolvendo o congresso e detendo vários legisladores, assim rompendo
com vários apoiadores. A única base de apoio que possuía era o exército, as demais
não o consideravam como governante. A frente revolucionária se reerguia ao sul,
onde os zapatistas “prosseguiram com sua guerra e lançaram uma proclamação
convocando às armas contra Huerta que só seria retirada se o Plano de Ayala fosse
executado.” (CAMIN; MEYER, 2000, p. 56-57). Ao norte, Villa se consagrava como
um líder dos despossuídos e comandaria a revolução na região. Por outro lado,
surgiam os constitucionalistas, tendo como expoente Venustiano Carranza, que
rejeitavam a federação e também os governos estaduais. O governo sofre inúmeras
derrotas e de diferentes regiões do país camponeses, indígenas, pequenos
comerciantes e alguns latifundiários não reconhecem Huerta como presidente. O
golpe letal foi no âmbito político:

Paralelamente à derrocada militar de 1913 e 1914, o huertismo sofreu uma


derrocada política cujo eixo, ironicamente, foi o mesmo que respaldou seu
assalto ao poder: o intervencionismo norte-americano [...]. Woodrow Wilson
foi empossado em 4 de março de 1913 [...] e, imediatamente iniciou uma
nova política frente ao México. Ele queria uma nação estável como vizinho,
24

baseada na livre empresa e na democracia parlamentar . (CAMIN;


MEYER, 2000, p.65)
Com todas essas adversidades, o exército federal é vencido e o país
encontra-se divido e sem liderança governamental: o norte é liderado por Villa, o sul
por Zapata e o exército constitucionalista por Carranza. Villa não possui um projeto
de nação, Zapata somente quer a restituição da terra dos camponeses mediante o
Plano de Ayala, e para Carranza “o país era uma totalidade conceitual, política e
administrativa da qual ele acreditava ser o único representante legítimo, sem lhe
importar no momento o quanto desse território controlava.” (CAMIN; MEYER, 2000,
p. 79)

O governo provisório de Carranza é marcado pelo favorecimento aos


hacendados e a restituição de fazendas ocupadas pelos Zapatistas. Em 1915 é
promulgada uma lei agrária para a devolução de terra aos camponeses e às
comunidades, mas “nos cinco anos seguintes de poder Carrancista, apenas 173 mil
hectares seriam distribuídos a 44 mil camponeses.” (CAMIN; MEYER, 2000, p. 81)

No ano de 1917 é promulgada a Constituição, que em grande parte


correspondia aos anseios dos setores insurgentes. O artigo 27 º da Constituição
garante a reforma agrária, a partir do Estado e não dos agentes: “Corresponde à
nação a repartição dos bens, e a expropriação mediante a indenização”. Esse artigo
também pode ser analisado como uma forma de dissolver o movimento zapatista,
pois com a repartição de terras muitos camponeses abandonariam as armas.

Carranza consegue inúmeras vitórias frente às forças do sul e norte, e no


ano de 1919 Zapata é morto em uma emboscada, cessando assim a luta pela terra
dos camponeses e indígenas por muitos anos à frente.

O Estado de Chiapas no Período Pós-Revolucionário

O período pós-revolucionário não significou mudanças estruturais para as


camadas camponesas e indígenas. O artigo 27º contemplava uma repartição pelo
Estado e os bens da nação ficariam restritos à mesma, ou seja, as terras que
possuíssem alguma riqueza seriam propriedade do Estado, ou de alguma empresa
que as explorasse economicamente (BÓRQUEZ; GARCIA, 2006). Muitas fazendas
25

eram ocupadas por estrangeiros que, no período porfiriano, as receberam ou


adquiriram mediante compra. (Vide Cuadro)

Cuadro 1. Naciolidad de los proprietarios

de 94 plantaciones cafetaleras, 1927 – 1928

Fonte: Waibel, 1946, p. 188, en Antonio Garcia de León, p. 183

O Cuadro 1 mostra a predominância de proprietários alemães e de outros


países da Europa, assim como de 10,64% de estadunidenses; a parte que
corresponde aos mexicanos pode ser considerada baixa, na proporção de 94
proprietários (BÓRQUEZ; GARCIA, 2006). Mariátegui (2007) analisa essa posse
como uma manutenção do poder colonial, por não ter havido ruptura com o poder
hegemônico. Para Quijano (2005), a criação do Estado-Nação não considerou os
indígenas como cidadãos, privando-os de seus direitos fundamentais.

A correlação de forças se manteve, pois como descreve Bórquez e Garcia


(2006), os camponeses dependiam do fazendeiro para a sua subsistência. O
camponês podia plantar na propriedade, desde que extraísse ervas daninhas e
posteriormente plantasse o pasto para o gado. Essa relação se manteve em muitas
regiões, pois os grandes proprietários se aproveitavam da situação do indígena para
usar seu trabalho braçal e não remunerado. O lucro da venda do gado e da carne
não eram destinados à população local, seus produtores, mas sim à exportação e ao
consumo nacional. O gado necessita de grande extensão de terra e em muitos
casos havia a invasão das comunidades indígenas e ejidos. 8

Essa situação pode ser analisada de outra perspectiva. Após as revoluções


independentistas liberais, os postos de comando se mantiveram com os
descendentes dos criollos. Juízes, políticos e altos postos institucionais seguiam a
8
Os ejidos são propriedades comunais, no qual cada pessoa possui um pedaço de terra.
26

visão de mundo ocidental, assim como a forma do saber científico. Dessa maneira,
as demandas camponesas e indígenas seriam suprimidas. (QUIJANO, 2005;
MARIÁTEGUI, 2007)

A posse da terra em Chiapas é formada por “setor privado, cujas terras


pertencem a particulares, e o setor social. O setor social está integrado pelo setor
comunal, constituído pelas comunidades indígenas e o setor ejidal, que pertencem
aos camponeses ejidatarios.” (Bórquez; Garcia, 2006, p. 39) Existe uma diversidade
na posse da terra, mas essa detenção da terra não é uniforme em hectares.

As demandas do setor social são advindas da revolução de 1910, mas a


repartição está a cargo do Estado. O Partido Revolucionário Institucional (PRI)
manteve muitas alianças com os setores camponeses como forma de
institucionalizar os movimentos sociais. A radicalização certamente não viria dos
setores institucionais. A devolução de terras se dava mediante os ejidos e bens
comunais. (BÓRQUEZ; GARCIA, 2006)

A reforma agrária era aplicada pelo Estado, mas sua efetividade não atendia
a todos os solicitantes, e havia setores favorecidos:

Entre 1920 e 1984, a superfície concedida por resolução presidencial foi de


3 099 275 hectares, as resoluções executadas foram de 2 952 652 hectares
e, a concedida e não executada nesse período, é dizer, que não se entregou
as demandantes, foi de 146 636 hectares. Desde outra perspectiva, em
1988 existiam em Chiapas 503 402 hectares de terras nacionais nas mãos
de proprietários privados, 17 171 com títulos que representavam 3,4 por
cento y 486 231 sem títulos, equivalente a 96,6 por cento. (BÓRQUEZ;
GARCIA, 2006, p.40)

Cuadro 2. Reparto de tierras em Chiapas, beneficiados (1920 – 1984)


27

Fonte: Secretaria de la reforma agrária, Chiapas. Elaborado a partir del


anexo estadístico del libro de Maria Eugenia Reyes, El reparto de tierras y
la política agraria em Chiapas, 1914 – 1988, unam, Mexico, 1992.

A repartição de terras ocorreu de forma conflituosa, os indígenas se


organizavam de forma comunitária e sua plantação não tinha como objetivo o lucro,
pois semeavam para a sua subsistência o feijão e milho; já as grandes propriedades
produziam para o mercado interno e a exportação. A criação de gado ocasionou a
invasão de muitas comunidades. Segundo o Censo Agrícola de Chiapas de 1970, a
distribuição de terras não era igualitária, muitos fazendeiros detinham grandes
extensões de terra, dessa forma favorecendo o setor bovino:

As grandes extensões privadas, maiores de 1 000 hectares, representavam


11,5 por cento da superfície e estavam em mãos de 0,5 por cento dos
proprietários, com uma média de 1 724 hectares. Cinco proprietários tinham
extensões maiores de 7 000 hectares e 149 tinham extensões de 1 684
hectares em média, extensões que se existissem atualmente estariam
divididas entre familiares. Ainda assim, a parte da superfície correspondente
a cada família, possivelmente representaria uma enorme extensão, ao lado
das parcelas que possuem a maioria da população indígena e camponesa,
máxime que para os primeiros, aproximadamente 11,4 por cento dos
proprietários, a possessão da terra é uma forma de acumular riqueza
mediante o desenvolvimento de múltiplas atividades e para os ejidatarios,
comunidades e colonos, que são 88,6 por cento dos produtores, representa
a sobrevivência e a reprodução social. (BÓRQUEZ; GARCIA, 2006,
p. 43)
Para esses autores, a repartição de terras, amparada no artículo 27º da
Constituição de 1917, ocorria, mas de forma fragmentada: enquanto poucos setores
recebiam terras produtivas, os indígenas e camponeses recebiam terras inóspitas,
de difícil acesso e plantação. E a terra, para seus nativos, representava o universo
simbólico de sua vida, a forma econômica e social de reprodução. Para Quijano
28

(2005), o indígena e camponês, ao se verem usurpados, vão assimilar a identidade


do colonizador e a sua forma de viver e reproduzir em um espaço social.

A Situação Social Contemporânea de Chiapas

O estado de Chiapas é um dos mais ricos da nação, mas essa riqueza não é
usufruída por todos, pois as diferentes etnias indígenas foram privadas dos serviços
básicos e se encontram na marginalidade. O acesso à educação é privilégio de
poucos. (GUEVARA, 1995)

Para esse autor, a riqueza chiapaneca é detida por uma pequena parcela da
população que se apropriou das maiores riquezas da terra. O Estado mexicano criou
um programa chamado Pronasol que tinha como objetivo a erradicação da pobreza,
contudo, esse programa não atendia a toda a população, que era privada de seus
direitos:

O Pronasol, programa criado no México para lutar contra a pobreza, se


converteu em um parco projeto. Não obstante o Governo Federal e os
Governos dos estados investiram nele, durante o período 1988 – 1993, a
quantidade de 37 milhões de novos pesos contribuindo o 67,5% e o 32,5%,
respectivamente. Com esta quantidade só se beneficiaram 9.8 milhões de
mexicanos (pobres), gasto social que “favoreceu” ao 24,5% de pessoas que
se encontravam no âmbito da pobreza (40 milhões) e 65,5% que vivem na
extrema pobreza (14.9 milhões), permitindo que somente 300 000 pessoas
“saíssem” da extrema pobreza, mas não da pobreza. (Guevara, 1995, p.
41)
O programa não tinha como objetivo a erradicação da pobreza, tendo em
vista que não atingia a todas as pessoas que se encontravam em situação de
pobreza e extrema pobreza, e os indígenas estão entre os grupos mais vulneráveis
dentre os afetados. No âmbito político, os programas sociais têm como objetivo a
cooptação de votos.

As riquezas petrolíferas representavam um dos maiores bens naturais do


Estado, a exploração estava a cargo da empresa estatal Pemex, que monopolizava
o “ouro negro”. Em contrapartida, Chiapas é um dos mais pobres do país. A Pemex
não representava investimento significativo para a região chiapaneca: “em Chiapas
no ano de 1992 o investimento foi de 3,8%, a menor proporção se for comparada
aos outros estados petrolíferos, como Campeche, onde se investiu 18,3%, Veracruz,
onde foi de 17,6%, e Tabasco, onde foi de 15,1 por cento.” (GUEVARA, 1995, p. 55)
29

A empresa somente explorava a região, mas não investia em recursos básicos como
educação e saúde.

O artigo 123 da Constituição Mexicana garante o trabalho digno a todos


mexicanos, sem distinção de etnia ou classe social. No estado de Chiapas o artigo
123 não era contemplado:

Em 1990 contava com uma população total de 3 210 496 habitantes, dos
quais a população economicamente ativa (PEA), apta para o trabalho,
representava o 63,5%, é dizer, 2 037 245 pessoas tinham o direito de contar
com o trabalho. Segundo dados do XI Censo Geral de 1990, da PEA
somente tinham trabalho o 27,7% (888 457 pessoas) do total de
Chiapanecos, isto é, o 43,6% da população apta para o trabalho. Por outro
lado, a população economicamente ativa (PAI) e os que não tinham trabalho
representavam o 37,2%, do total de habitantes, que somados chegavam a 1
193 350 pessoas. (GUEVARA, 1995, p. 59)

Chiapas, sendo um estado rico em recursos naturais e terras férteis, possui


muitas disparidades sociais e econômicas. Os grupos mais prejudicados são os
camponeses e indígenas. A Revolução Mexicana logrou aprovar a Constituição de
1917, mas a sua efetividade estava atrelada à correlação de forças do período, com
a manutenção do poder nas mãos das oligarquias locais. O não rompimento com a
colonialidade faz com que o Estado-Nação não veja os camponeses e indígenas
como cidadãos. (QUIJANO, 2005)

Os Movimentos Indígenas - uma breve história

A resistência ocorreu desde a chegada dos europeus ao “Novo Mundo”:


levantes armados, manutenção do idioma e da forma organizacional, entre outros
expedientes. Os indígenas nunca estiveram totalmente calados, ou passivos, ou
submissos. As expressões culturais e as religiões foram formas de se opor ao poder
dominante. (PIÑEROS; SILVA, 1987)

Após a revolução mexicana de 1910, o Estado mexicano cria o indigenismo,


com o objetivo de mediar os conflitos dos indígenas e atenuar as suas demandas
pela posse da terra (PIÑEROS; SILVA, 1987). Para Cruz (2003), o Estado cria o
movimento para dar participação política aos indígenas de diferentes etnias, e dessa
forma são criadas diferentes organizações:

Certamente, entre 1940 e 1970 o indigenismo - que é a política oficial do


Estado mexicano pós – revolucionário para os indígenas do país – abriu um
canal de participação que permitiu que os indígenas tivessem a
oportunidade de se organizar como tais, como sucedeu por exemplo com o
30

Conselho Supremo da Raça Tarahumara (CSRT), a Confederação Nacional


de Jovens Indígenas (CNJI), a Confederação Nacional de Jovens e
Comunidades Indígenas (CNJyCI), a União Nacional de Organizações
Indígenas (UNOI), a Associação Mexicana de Profissionais e Intelectuais
Indígenas (AMPAII). (CRUZ, 2003, p. 124)

Os indígenas se organizam de diferentes maneiras, sempre sob a mediação


do Estado, uma radicalização dos movimentos seria impossível dentro de uma
institucionalidade. Para Piñeros e Silva (1987), os movimentos indígenas se dividem
por períodos. Entre o ano de 1917 e 1934 não podiam se auto intitular com sua
identificação étnica, pois o Estado proibia qualquer partido ou organização com
nomes religiosos e indígenas. Nesse mesmo período são criados diversos
departamentos para a educação dos “índios”, a educação os levaria ao “progresso”.
De 1940 a 1970, a política de Estado é voltada para a questão agrária, mas foi
fracamente insuficiente pelo fato de muitos plantarem apenas para a subsistência.

Cruz (2003), Piñeros e Silva (1987) convergem ao dizer que a partir da


década de 70 os movimentos se tornaram agentes principais de suas reivindicações.
No México, o indianismo estava ganhando espaço entre os movimentos, pois
constituía uma concepção de mundo na perspectiva dos indígenas e representava o
resgate de sua cultura, mas muitos movimentos romperam com o Governo (CRUZ,
2003). Para Piñeros e Silva (1987), a crise interna da produção do maiz, alimento
primordial para as populações nativas, foi um fato que estimulou a radicalização de
muitos movimentos. O artigo 27º da Constituição mexicana do ano de 1992, que
estabelecia a reforma agrária, teve seu conteúdo modificado. O governo de Salinas
de Gortari autorizou a venda de terras indígenas e cessou com a repartição agrária.
(CRUZ, 2003)

Os movimentos indígenas estavam majoritariamente localizados em regiões


com maiores concentrações indígenas, como o estado de Chiapas. Com a mudança
do artigo 27 º da Constituição, os pueblos índios já organizados se tornaram os
protagonistas de sua própria história. Para Piñeros e Silva (1987) a resistência
começou com o contato com os brancos, os levantes que ocorreram são produto de
500 anos de luta.
31

O Levante Zapatista e o Começo da História

Em 1989, com a queda do muro de Berlim, Fukuyama advoga o “fim da


história”. Para o autor, a partir de então, o mundo se tornaria política e
economicamente linear, com o avanço das democracias liberais e a derrocada do
comunismo e do anarquismo. (LIMA, 1996)

Para Lênin, as revoluções surgiriam da periferia do capitalismo. Parte dos


países europeus já estava em processo de industrialização e conquistando direitos
sociais quando da eclosão da primeira guerra. Lênin analisa a conjuntura mundial e,
para ele, o caminho mais fácil para ir a Europa passaria por Calcutá. Uma revolução
emanaria dos países pobres e não dos industrializados. (PIETTRE, p. 1969)

Na década de 80 um grupo de intelectuais marxistas se instala no estado de


Chiapas, uma linha política desse grupo sendo voltada aos problemas do México.
No ano de 1983 se forma o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional), no
princípio constituído por poucas pessoas (MIRALLES, 2004). No ano de 1985, eles
entram em contato com grupos indígenas politizados e, assim, com o correr do
tempo, as demandas indígenas se tornam prioritárias. O treinamento militar servia
de base de apoio, já que muitas comunidades indígenas sofriam invasões e
violência.

Para Miralles (2004) o crescimento do grupo se deve a distintos fatores: a


fraude das eleições de 1988, a queda do preço do café e as epidemias nas quais
morreram muitas crianças. Em 1989 já eram centenas de zapatistas:

Do ano 1989 a 1990 o EZLN passou de algumas centenas a milhares de


combatentes. “E los pueblos en que algunas familias nos ayudaban ahora
pasan a ser pueblos enteros, cañadas, parajes, regiones de parajes
totalmente Zapatistas”. Então o EZLN não se prepara somente para
combater, mas também começa a trabalhar nas milpas coletivas, na
construção de clínicas, centros de reunião, centros esportivos, parques
infantis, tudo em prol das comunidades. (MIRALLES, 2004, p. 33)

A legitimidade criada dentro do movimento foi construída tanto pelos


mestiços vindos da capital quanto pelas lideranças das comunidades indígenas.
Para Cruz (2003), as comunidades de Chiapas já estavam organizadas desde a
década de 80. O EZLN se incorpora a esses movimentos organizados e passa a ser
um elemento a mais na luta indígena / camponesa.
32

Salinas de Gortari, no ano de 1992, modificara o artigo 27º da Constituição


mexicana. Esse artigo estabelecia a repartição de terras pelo Estado, que o cumpria
de forma fragmentada. Com a mudança, as terras passariam a ser comercializadas,
dando abertura ao agronegócio (CRUZ, 2003). Em 1994 seriam colocadas em
prática tais mudanças constitucionais, no entanto, o movimento zapatista já estava
articulado. Para Miralles (2004), no momento em que decidem resistir em armas é
que se entendem como um grupo de resistência, numa decisão de todos os
membros das comunidades zapatistas. No ano novo de 1994, o movimento surge
para o mundo, os Zapatistas ocupam diversos prédios do estado de Chiapas,
queimam e ocupam diversas fazendas. O exército federal os reprimiu, num combate
que dura 12 dias e deixa mortos de ambos os lados. (MIRALLES, 2004)

O movimento Zapatista pode ser compreendido pela identificação étnica que


todos possuem e pela luta por terra, uma luta coletiva que emana a partir da ligação
dos indígenas com a terra e suas formas organizacionais ancestrais. Quando o
Comandante Marcos diz: “somos produto de 500 anos de história”, ele se refere à
luta histórica que os povos indígenas travam desde a chegada dos espanhóis.
(ALKMIN, 2015)

As demandas Zapatistas são: autonomia, democracia, justiça e liberdade. A


autonomia é algo que os povos indígenas já exerciam antes da conquista, cada etnia
possuindo sua forma de viver, seu idioma e território. Os zapatistas retomam essas
bandeiras de luta (SANCHEZ, 2015). Nas primeiras negociações com o governo -
nos acordos de San Andres, de 1996, e no de 2001 - os insurgentes exigem a
autonomia. No ano de 2003 o Governo emite uma lei derrubando os acordos feitos.
No mesmo ano, o EZLN rompe totalmente com o governo federal. (SANCHEZ,
2015)

Quijano (2005) diz que o universo indígena é formado pela forma


organizacional e modo de vida, assim, a retomada de suas terras é a retomada do
seu universo simbólico. Os indígenas não eram mexicanos nem possuíam
nacionalidade, que lhes foi atribuída pelo Estado-Nação criado pelos brancos e seus
descendentes.

Dado o rompimento com o governo os zapatistas criaram sua própria


autonomia. Eles decidem internamente para o bem da comunidade sobre as
33

questões da comunidade, assim como, por exemplo, seu modelo educativo. As


crianças zapatistas aprendem a partir deles e de suas necessidades (ALKMIN,
2015). Quijano (2005) nos lembra que a colonialidade do poder está vinculada à
colonialidade dos saberes e do imaginário coletivo. Os zapatistas rompem com o
modelo educacional do Estado e com sua forma organizacional. O levante zapatista
e a autonomia estão vinculados ao imaginário dos pueblos.

Fukuyama analisa a história ignorando os focos de resistência indígena.


Desde a colônia as comunidades resistiram de diferentes formas. As democracias
liberais latino-americanas nunca tiveram seu projeto de nação respeitando a
diversidade das etnias. Os indígenas, com a insurgência, se tornaram os
protagonistas de sua história.
34

Considerações Finais

A questão agrária em Chiapas teve seu início com a colonização, de donos


da terra passaram a ser os “vencidos”. As etnias se transformaram em “índios”. Para
Quijano (2005), essa perda simbólica significa a perda da identidade e a
incorporação a uma identidade dada pelo conquistador. O saber nativo foi
considerado bárbaro e as ideias eurocêntricas foram transformadas na única
explicação do mundo. A razão era a do branco, ser indígena era estar condenado ao
atrasado e à marginalidade.

Com a perda de suas terras, os indígenas perderam também seu universo


simbólico, sua identidade. Muitos indígenas incorporaram a identidade dada pelo
“vencedor”, mas muitas etnias mantiveram sua identidade e organização social.
Após a independência de 1810, não houve a ruptura colonial. Para Mariátegui
(2007), a criação das repúblicas liberais apenas transferiu o poder: já não eram os
espanhóis os detentores do poder, mas seus filhos, os criollos, estes irão governar
inspirados nas luzes europeias. Ora, o que é moderno, falar dialeto ou espanhol?

O Estado-Nação delimita espaços e fronteiras, assim como forma uma


identidade nacional. As diversas etnias passaram a ser chamadas de mexicanas,
termo que exclui toda diversidade e saberes que cada povo possuía. Os indígenas,
desde o momento da conquista, nunca estiveram calados. Desde a chegada do
invasor houve resistência. Piñeros e Silva (1987) analisam essa resistência e a
criação dos movimentos indígenas organizados. Para Camin e Meyer (2000) a
revolução Mexicana foi o antagonismo de classes, uma queria se manter no poder,
outra queria mudanças.

O levante Zapatista de 1911 foi o retrato da luta de classes, um exército


formado por indígenas e camponeses contra a oligarquia. O levante pode ser
compreendido como uma busca de retomada das terras para assim retomar seu
universo simbólico, dado que a maior reivindicação zapatista era a posse da terra,
que remonta às raízes ancestrais e ao modo de vida comunitário.

A Constituição Mexicana de 1917 surge em um momento de conflito, mas foi


um atenuante à revolta que estava ocorrendo. O artigo 27º garantia a repartição de
terras, mas mediante o Estado. Qualquer “radicalização” seria improvável. O Estado
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cria órgãos para a questão indígena, mas as decisões partiam de cima pra baixo e
não dos agentes principais. Cruz (2003) e Guevara (1995) dizem que os indígenas
são a camada mais pobre da população e convergem ao dizer que mesmo o Estado
criando programas e organizações, a situação permanece a mesma: o abandono.

Chiapas, sendo um estado tão rico e ao mesmo tempo tão pobre, abriga
diversas etnias, que se encontravam na marginalidade - o EZLN é um produto dessa
conjuntura. Após 500 anos, como diria o subcomandante Marcos, eles resolveram
mostrar-se ao mundo.

Após a queda do muro de Berlim o mundo perdeu a sua referência de luta.


Fukuyama afirmou que a democracia liberal seria hegemônica no mundo; já Lênin
inspira o contraponto a essa posição e diz que as revoluções emanariam da periferia
do capitalismo.

Em um mundo sem inspiração, o EZLN se torna uma referência para os


oprimidos e esquecidos, os marginalizados. O rompimento com o governo nada
mais é, do que a busca pela autonomia. A autonomia zapatista é construída a partir
das bases. Para Quijano (2005) a colonialidade do poder inibe saberes e a
reprodução social. A educação zapatista rompe com a institucionalidade e busca
restaurar a luta e o aprendizado a partir de suas experiências e realidades. A
organização social possui suas particularidades, os zapatistas mandam
obedecendo, suas decisões são tomadas em coletividade, todos participam na
construção da democracia. Será que dessa forma podem romper com a
colonialidade do poder?

Os indígenas sempre resistiram, seja mantendo seu idioma, organização


social ou religião. Após 500 anos de lutas, conquistas e derrotas, a luta persiste.
Muitas comunidades se reorganizaram e o campo de luta está aberto. As etnias se
unificaram e definiram perspectivas a partir deles próprios. Enquanto existir
hierarquia de poder, a luta não cessa. Liberais e conservadores possuem o mesmo
projeto de nação.

A experiência zapatista nos mostra que outro horizonte é possível, seres


humanos historicamente situados fazem história. A história mundial nos faz refletir
que as mudanças só ocorreram com as insurgências populares. Revolução
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Francesa, os levantes Aymaras e Quechuas na Bolívia, a revolução cubana e tantas


outras que não são contadas, pois a história do povo não é contada, mas transmitida
pelos vitoriosos.

A resistência zapatista mostrou ao mundo que a história não é determinada


e sim construída, seja para a mudança ou para a manutenção do poder dominante.
Os zapatistas são o produto de 500 anos de história!
37

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