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ANTONIO MACHADO

Meta fiscal é baixa frente a gastos de R$ 1 trilhão, mas será mais


difícil que ganhar na Mega-Sena

Receita projetada é menor que o gasto contratado. E quanto menor o gasto


público mais débil será a economia, portanto, a arrecadação tributária
10/1/2015 - 23:59 - Antonio Machado

Vestidos de vermelho, mas como bombeiros para apagar os incêndios deixados pelo
governo passado, não para agradar ao PT, os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e
do Planejamento, Nelson Barbosa, fazem o que podem, e podem muito pouco, para
gerir o orçamento federal de receita e despesa de modo a resultar até o fim de 2015
uma poupança de R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). E algo não
abaixo de 2% do PIB em 2016, ambas as metas sem maquilagens.
Em 2014, tal economia, chamada tecnicamente de superávit primário, foi deficitária,
apesar do puxa-estica contábil da equipe anterior. Nas simulações do economista
Fernando Montero, o resultado primário deve ter fechado 2014 com déficit de pouco
mais de R$ 7 bilhões – e isso contando com alguns pagamentos empurrados para
2015. Só depois das eleições o governo passou a admitir que não conseguiria chegar
ao superávit fiscal prometido. O dado oficial sairá no fim do mês.
A meta de 1,2% do PIB não é grandiosa para um governo autorizado a gastar mais de
R$ 1 trilhão em 2015, quase 22% do PIB, mas vai ser mais difícil que ganhar na Mega-
Sena, já que a receita projetada é menor que o gasto contratado. E, quanto menor o
gasto público, mais débil será a economia (portanto, a arrecadação tributária), apesar
de ser esta a terapia para tirá-la da prostração em médio prazo.
Esse é o conflito que levou Dilma Rousseff a andar pelo mau caminho do gasto
público no primeiro mandato, ao supor que ativismo fiscal fizesse o crescimento
econômico deslanchar e o contrário o levasse a refluir. Deu errado, ainda que a
correção de rota nos termos do que está sendo feito agora também implique
desaceleração econômica. Mas num primeiro momento, tal como a febre em reação a
uma vacina.
O problema do novo comando da política econômica é que a formação anterior
colocou as contas fiscais numa camisa de força. No padrão orçamentário brasileiro, em
que o grosso do gasto é mandatório, a margem para cortes é diminuta sem aprovação
de projetos de lei e de emendas constitucionais. O governo dificilmente chegará a
tanto.
Outro constrangimento, e sem que Barbosa e Levy possam enfatizá-lo para não
embaraçar a presidente, são os ônus das decisões passadas, como as que levaram à
virtual insolvência do setor elétrico e os créditos já comprometidos pela banca pública
com fundos originados na promessa de aportes do Tesouro. Tal fonte secou. Ficou a
dívida.
Onde o terreno é frágil
Exceto por problemas localizados, como as sequelas do estouro da bolha das
commodities, sobretudo de minérios e petróleo, a economia real (definida como o
campo de atuação do setor privado) está firme e é promissora, caso se adeque ao
cenário de redução dos subsídios fiscais e financeiros e ao viés de menor
protecionismo, além de se esforçar a atingir os padrões de eficiência dos mercados
emergentes (como China e Coréia) e dos países avançados (EUA, Alemanha etc.).
O terreno está frágil é no setor público, devido tanto ao quanto se errou com a
formulação econômica como aos compromissos de gasto fiscal assumidos na
presunção de que a política estava certa e que o crescimento econômico (5,5% ao
ano, segundo o cenário do Plano Plurianual, PPA, de 2012 a 2015) não sofresse
nenhuma frustração.
Missão fiscal e limites
O PIB de 2015, conforme o PPA de Dilma, chegaria a R$ 6,1 trilhões (R$ 600 bilhões
acima do mais provável), com a inflação na meta de 4,5% (e fechou 2014 com alta de
6,41%), Selic de 8% (está em 11,75% e subindo) e dólar a R$ 1,77 (R$ 2,64 na sexta-
feira).
O erro não está nesses chutes, mas na temeridade de levar o gasto público,
sobretudo com transferências de renda, a crescer como se não houvesse limite.
Levy e Barbosa foram chamados para por ordem na gestão guiada pela ênfase social
do PT, de preferência sem precisar testar a lealdade da base parlamentar de apoio
nem ameaçar o que Dilma chamou em seu discurso de posse de direitos. Tal limite foi
a medida provisória, baixada na véspera da posse, endurecendo a concessão de
benefícios, como o seguro-desemprego, o abono salarial e a pensão por morte.
As condições do aperto
O ministro Barbosa estimou uma economia com tais mexidas de R$ 18 bilhões já este
ano, o que parece superestimado. Talvez de 2016 em diante. O grosso do aperto fiscal
para levar ao superávit primário de 1,2% do PIB virá mesmo é do adiamento (ou
“contingenciamento”) de gastos do orçamento de 2015, que nem foi votado pelo
Congresso (razão pela qual o governo baixou o limite de gasto mensal possível antes
dessa lei aprovada), e do aumento de alguns impostos.
É mínimo o espaço de atuação da nova política econômica, mas pode ser o suficiente
para mudar as expectativas ruins do empresariado e do mercado se ficar constatado o
apoio de Dilma e suas bases. Antes disso, Levy talvez tenha de rever a sua filosofia
fiscal e instruir o Tesouro a atender demandas pontuais, devido a orientações que não
mais se aplicam, do BNDES e da Caixa. O que está em jogo também tem a ver com
ajuste fiscal: o crescimento pontuado pelo investimento.
Do que precisamos falar
Supondo-se que o plano de ajuste fiscal seja bem-sucedido e que o Banco Central
traga ao fim de 2016 a inflação para a meta, tudo vai passar-se como se o governo
capinasse um terreno para que terceiros venham a usufruí-lo. Desenvolvimento é o
efeito esperado.
Mas, nos termos de uma política econômica que vai apoiar interesses privados só em
“situações muito especiais”, segundo o ministro da Fazenda, ou as empresas se
reinventam ou a economia não sairá do lugar.
Essa discussão ainda precisa acontecer, apesar de não estar claro quem possa
catalisá-la, considerando-se a baixa representatividade dos grêmios empresariais. As
economias mais vitoriosas no mundo têm o governo como aliado, sem implicar
dirigismo e compadrio. Nos EUA, Alemanha, Japão, nos países asiáticos com indústria
pujante, há, no mínimo, objetivos afins entre o público e o privado.
A intimidade cria distorções, mas a separação absoluta não cria nada.

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