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SaFilhoCACInfluenciadasTIC PDF
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Dissertação de mestrado
Universidade de São Paulo
Escola de Engenharia São Carlos
Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo
São Carlos
2006
2
Catalogação na publicação
Escola de Engenharia São Carlos
Universidade de São Paulo
Agradecimentos
À instituição Marista, em especial a Jorge Gaio, Gilberto Rocha, José Luiz Grande
Galindo, Luiz Carlos Siena, Berta Krabe e aos membros do Centro Social Marista de
Ribeirão Preto, que acreditaram em mim e nesta pesquisa.
A meu orientador, Azael Rangel Camargo, pela condução firme e pela sinceridade
constante.
Aos amigos e mestres que iluminaram o caminho, com sua presença e apoio:
Adriana Palma do Amaral, Alessandra Martins de Faria, Andrea Versutti,
Anja Pratschke, Augusto Caccia-Bava, Casemiro M. U. de Oliveira, Cesar Rocha
Muniz, Clarissa Ribeiro, Denise Mônaco dos Santos, Edson Salerno,
Gabrielle Costa Santos, Ildebrando Moraes de Souza, Jefferson e Marilena
Barcellos, José Carlos Fain Bezzon, Juliano Cecílio Oliveira, Lia Laguna Castelli,
Lisiane Marques, Marcelo Ribeiro Dias, Marcelo Souza, Marcelo Tramontano,
Marcos Pires, Maura Donizetti Souza Cortez, Renato Andrade Vieira, Rodrigo
Firmino e Sergio Amadeu Silveira.
Aos colaboradores: Ana Perlatti, Giovana Vivi, João Paulo Souza e Silvia Akiyama.
"Os jovens querem computador, mas com alguém pra orientar. Não adianta só
ter pra usar se a gente não souber como usar melhor. Nós, que já tivemos o
curso de informática, podemos agora ensinar os outros da comunidade."
Rafael Gila, 16 anos, educando do Centro Social Marista de Ribeirão Preto, SP.
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11
Resumo
Sá Filho, Carlos Alberto Cordeiro de. Influência das TIC na dinâmica cultural e
política de comunidades. Dissertação de Mestrado. São Carlos: Escola de
Engenharia São Carlos, Universidade de São Paulo, 2006.
Abstract
Sá Filho, Carlos Alberto Cordeiro de. Influence of the ICT (Information and
Communication Technologies) on the cultural and political development of
communities. Master Degree’s Dissertation. São Carlos, São Carlos School of
Engineering, University of São Paulo, 2006.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO E METODOLOGIA 17
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO 17
1.2.1 Motivação 28
5 CONCLUSÃO 265
BIBLIOGRAFIA 279
16
17
1. INTRODUÇÃO E METODOLOGIA
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
estudos científicos.
ambientes virtuais.
estáveis e abastadas.
indiretos na vida das pessoas e seus grupos, esta pesquisa se interessa por duas
mais vulneráveis.
paralelo, mas como uma produção humana que é utilizada em sinergia com as
profundidade e velocidade. Logo, longe de ser uma dimensão à parte, cuja idéia
tratado aqui como parte integrante da vida humana, configurado, nas palavras de
(1997:49):
uso de objetos, edifícios e da própria cidade. Cabe lembrar que a internet foi
especializados dos Estados Unidos, a “rede” já toca milhares de usuários por todo o
tecnológica, suas instituições foram capazes de mobilizar suas forças para criar
circulando continuamente pelo mundo. Além disso, por seu contato direto com o
1
Nas últimas duas décadas do século XX, os bancos, que antes necessitavam de grandes salões para poderem abrigar filas
intermináveis, foram diminuindo de tamanho, alterando seus lay-outs e dando lugar a quiosques eletrônicos. Hoje, podem ser
resumidos ao computador pessoal do cliente ou mesmo a seu telefone celular. Com o aporte das TIC, o prédio, que era uma
referência urbana, como a torre da igreja, por exemplo, acabou por se tornar um acessório de bolso.
20
quotidiano urbano que muitas vezes pode passar despercebida. Seja nos serviços
urbana que também se estabelece não apenas pelas TIC, mas também pela nova
desenvolvido por Virilio (1993: 110): mesmo que esteja parado em frente a um
usuário pode estar em estado de forte mobilidade mental. Tal situação também se
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serviços pode ocorrer praticamente de qualquer parte para qualquer parte do globo,
máxima”, desde que tenham acesso a aparelhos telefônicos celulares, por exemplo.
espaço físico e virtual (em um sentido mais amplo, englobando o mundo simbólico
“invenção” contemporânea.
espaço é uma das primeiras formas de expressão da sociedade. Assim, como será
ambientes virtuais, talvez seja possível afirmar que o ciberespaço ou sua integração
com o espaço físico estejam a configurar novos Lugares e mesmo Territórios para a
humanidade.
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mesmo território físico, assim reconhecido por seus membros, e por laços de
local, dependendo de sua estruturação. Este conceito que será aqui discutido, de
segundo o modelo de pirâmide, que atrai o poder de decisão e o acesso aos bens e
massa que forma sua base. Hoje, também com a profusão do ciberespaço e sua
povo.
mas a utilização das mesmas altera sua abrangência geográfica e seus limites
temporais.
associada a esse termo, é preciso lembrar que as redes são estruturas de troca de
projetos comuns, criadas e mantidas por pessoas que, servidas pelas novas
mais vulneráveis é visível em iniciativas que têm ocorrido por todo o país e pelo
Digital (CID) de Ribeirão Preto, ou mesmo o programa Internet Livre, do SESC São
econômico.
conhecidas. Mesmo que esse enfoque muitas vezes possa vir a tomar vulto nos
forma geral, continua-se a acreditar que o contato físico ainda seja de suma
ciberespaço.
população usuária retomasse seus laços sociais em meio físico. O programa Internet
Livre, do SESC SP, propicia atividades culturais e define o lay-out de suas salas de
contato direto entre seus participantes. A divisão de horários por faixas etárias e
argumenta:
para que o uso do ciberespaço, como elemento potencial da indústria cultural, não
pode ser causado pelo contato despreparado das culturas locais com as TIC. Para
consciente dos símbolos culturais, seja pela participação nos processos ativos de
decisão, seja pelo conhecimento dos códigos fonte2, pois a dominação cultural seria
Tudo leva a crer que, se for pretendida uma participação crítica e ativa da
esteja norteado pela passividade, mas pela universalização e pela crítica, em uma
1.2.1 Motivação
2
“Código fonte” é um termo utilizado neste momento para remeter desde o sentido da comunicação tradicional até a
elaboração de softwares e sistemas.
29
Comunicação Social.
inquietações relativas ao tema deste trabalho vinham sendo muito estimuladas por
TIC e por temas que versam sobre a resistência à dominação cultural e política,
acesso às novas tecnologias e suas respostas aos problemas até então colocados,
que unisse esses dois interesses e que, de certa forma, colaborasse positivamente
para essa reflexão. Grande foi o incentivo nesse sentido quando soube que a
pesquisa.
Social Marista “Ir. Rui Leopoldo Depiné”, uma reconhecida instituição educacional
com a vida urbana, com foco na influência das TIC sobre o universo cultural de
central foi compreender e discutir a influência das redes comunitárias físicas e/ou
comunidades, mas persistia uma grande dúvida que, durante o curso de disciplinas
redes locais que se interligam a redes globais. Dois elementos críticos que se
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valorizaram desde o início do trabalho foram a utilização das TIC tecnológicas como
discutir o papel do uso das TIC no processo de criação e manutenção das redes
destes grupos. Ficou claro no decorrer do trabalho que seria fundamental averiguar
3
Entendeu-se a indústria cultural, ou cultura de massa, como a definição de Caldas (1986: 30): “uma cultura estandartizada
cujo objetivo é agradar o gosto médio de uma audiência indiferenciada”.
4
Exclusão no sentido direto de impossibilidade de acesso às TIC pela indisponibilidade de hardware e/ou falta de
conhecimento operacional do mesmo ou de softwares, e a falta de mecanismos que habilitassem a comunidade a receber e
produzir informações e conteúdo de forma crítica, livre e também experimental.
33
inicial poderia se perder, por ser demasiado generalizante ou até mesmo ambiciosa
recorte que a direcionasse a uma questão mais clara, buscando maior eficiência e
crítica.
são os seguintes:
perceber que esta já é uma tendência mais comum e antiga e, portanto, mais segura
(2005: 01), considerou-se que, apesar da difusão dos aparelhos celulares e de seu
meio destas tecnologias ainda depende muito das mensagens de texto e tem
optou-se pelo recorte de seu universo, visando à objetivação do trabalho para evitar
colocou.
apropriação das TIC. Optou-se por assumir o termo “inclusão digital” como a
necessário observar o que se entende por cultura e indústria cultural que, neste
forma pragmática, para que fosse possível definir melhor um quadro teórico, não se
37
comunidades.
esvaziamento dos estudos pela extinção das mesmas ou por qualquer outra
que poderia levar o trabalho à deriva, ao poder demandar mais investimentos para
sua elaboração e tomar mais importância que o levantamento teórico, que foi o
constatação de que, nesta fase da história, as ações têm sido pontuais e estanques
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pelo levantamento de várias ações que, mesmo sob abordagem mais sutil ou
Canadá; a MSN Street, na Inglaterra; Birigui; Praia do Pipa, Solonópole, Piraí, São
levantar, em cada experiência, pelo menos um ponto específico dentro dos assuntos
5
Guarda-se a breve exceção de Birigui, que foi uma experiência de uso de software livre para uso do setor calçadista local, ou
seja, a experiência é voltada diretamente para uma comunidade socialmente estável, apesar de ter forte impacto na vida das
outras comunidades locais.
39
sociais;
assistencialistas;
imperante no Brasil, acredita-se ser possível afirmar que estas experiências sejam
comunidades.
dissertação.
a pesquisa. Para tanto, recorreu-se à obra de Tönnies, comentada por autores como
cotidianas.
pessimista. Essa estrutura, movida pelo que hoje talvez se pudesse chamar de “Leis
aparências. Para o autor, o progresso, que não deve ser confundido com a
Comunidade e Sociedade”.
observação e relativização com o cenário estabelecido pelas TIC. Assim, foi possível
interações com o mundo físico, que foi descrito, sob essa ótica, no item 2.2, “As
sociedade contemporânea”.
sendo esta uma fase preparatória, como apoio ao entendimento dos conceitos mais
constantemente. Não se tratou o assunto como uma disputa entre universos, e, sim,
como uma união que pode ser utilizada para alcançar um objetivo de otimização,
ampliação e melhoria da vida humana em todos os seus níveis. Esta discussão abriu
mundo físico no bojo da discussão sobre comunidades, como poderá ser observado
a seguir. Esse caminho foi ao encontro de Augè, Duarte e Montaner e dos conceitos
analogias que permitiram uma colocação mais crítica frente ao ponto. Também se
virtual. Nesse momento, o contraponto conceitual do Não-Lugar foi útil para se tratar
interesse comum na definição das mesmas que, agora, não mais dependem
prática, aqui bastante norteados por Horan, e sobre a importância do julgamento dos
próprios membros de uma comunidade sobre seus laços internos. Levy defende
simbólica do virtual pelas pessoas em geral, talvez pudessem recriar essa relação
Castells e Chauí, cujas obras consultadas serviram como ponte ou amarração das
mercado global que teve seu início ainda no Renascimento, como é afirmado por
Gómez. Essa colocação se fez importante para que se pudesse desvelar a idéia de
que este não trata de um fenômeno apenas contemporâneo. A partir dos novos
economia global uma nova realidade histórica, que seria diferente de uma economia
que serão mais bem dispostos no capítulo posterior, que toca a necessidade de
marketing e pela imprensa para ser usado como vocábulo recorrente do discurso
Nota-se que as TIC e suas mídias devem ser consideradas pelo poder de influência
redemocratização dos anos 1980, como é lembrado por Saule Jr., que situa o
cenário brasileiro em seu discurso. Percebe-se, como colocado por Gómez, que há
pela definição do conceito clássico de Cultura e sua variação histórica, tanto em sua
condição teórica quanto em sua aplicação prática e relativa aos assuntos relevantes
algo que iria além dessas colocações, ao se estabelecer como um ponto de ligação
cultural com um grupo maior, continente – nesse sentido, a sociedade também pode
apresentado.
destruição das mesmas por outros grupos dominadores e, ao mesmo tempo, talvez
Assim, foi dada grande importância aos processos de difusão cultural e aculturação,
processo de produção. Para Coelho, o público usuário deve também ser o condutor
animação cultural é uma idéia que se poderia definir como mais centralizadora que a
ação cultural parece ser uma ferramenta mais interessante para o fortalecimento dos
desdobramentos.
popular (termo que neste contexto específico foi relacionado, como poderá ser visto,
perceber que tanto a cultura popular quanto a erudita podem ser niveladas pelas
ações da indústria cultural, que, por sua vez, está nas mãos dos grupos detentores
dos meios de produção e difusão de bens culturais. Também se somou a esse ponto
interferindo mais nas culturas das classes dominantes do que o contrário. Um dos
Popular”. Os autores centrais desse tópico são: Coutinho, Chauí, Hobbes, Caccia
Bava, Vouga, Oliveira e Chomsky, que é citado de forma discreta, mas cuja
origem grega, não coube praticamente como uma condição universal, mas que
Zoòn Politikòn, geralmente traduzido para animal político ou social, mas que talvez
fosse mais bem vertido no sentido de “animal da pólis”. Pólis seria, então, o hábitat
ato.
cedo foi possível encontrar a cidadania condicionada à propriedade, o que fazia com
a que a Democracia fosse para os mais abastados. Essa etapa do estudo procura
partir do momento em que os conceitos são condicionantes uns dos outros e levam
consumo reduz a democracia ao voto e, nesse caso, como lembra Chomsky, permite
que muitos escolham, entre poucos pré-escolhidos, quem será seu representante no
preocupação, talvez o modelo atual, que se considera como democracia, seja uma
dominantes.
conhecimento sobre o contexto histórico nacional podem tornar ainda mais fácil que
haja dominação direta ou por meio de ilusões de participação. Com a redução das
Civis, que defendem o cidadão contra o Estado, Direitos Políticos, que garantem os
nas riquezas material e espiritual, que podem ser entendidas de forma ampla como
obras que balizaram essa etapa do trabalho foram de Serra, Rolnik, Kowarick e
sociais foram excluídos dos processos participativos, simplesmente por não serem
notáveis da história nacional do último século para buscar essa compreensão linear
Sagmacs.
perceber grande sintonia entre suas colocações e a linha de raciocínio que já vinha
luta e perseguições ideológicas – até mesmo da própria Igreja – por causa de suas
parece ter encontrado eco para suas idéias no Brasil e aqui ter conseguido campo
para colocar em prática uma série de inovações metodológicas. Suas idéias, além
dessa mecânica.
de uma vida solidária para todos, que satisfaria as necessidades autênticas de todos
vida intelectual, artística, moral e espiritual. Para Lebret, seria possível, a partir daí,
articulação política que, por sua vez, são facilitados pela Comunidade e ameaçados
pela Sociedade. O uso do ciberespaço mais uma vez pareceu poder surgir como
políticas públicas que visem ao desenvolvimento social por meio das TIC.
de trabalho em rede, pode-se crer que estejam intimamente ligadas e que seu uso
tenha sido favorável a e favorecido por essa forma de organização das atividades
organizada que já funcionam como redes, mesmo sem o aporte das TIC. De certa
atendidas e que visem à apropriação das TIC como meio de manutenção cultural e
que fecha a dissertação. Além dos autores de referência, optou-se pela citação e
59
referência foram Chauí, Jambeiro e Silva, Gómez, Bucci, Caccia Bava, Santos, Sorj
democracia atual pode ser traduzida pelo acúmulo exacerbado de poder para
Guedes a crítica necessária para se reforçar a idéia de que o paradigma das TIC
mesmas. Por outro lado, com apoio da visão humanista dos autores citados, buscou-
fortalecer a afirmação de que o trabalho ou a vida em rede, que já seriam uma forma
de organização antiga, têm ganhado força e visibilidade por meio do potencial que
mesmas, percebeu-se a importância, defendida por Caccia Bava, de que haja não
tempo e suas forças para a sobrevivência diária e para o acesso aos parcos
recursos e serviços oferecidos pelo Estado, como é lembrado por Jambeiro e Silva,
o uso da internet poderia reduzir esses esforços, o que poderia reservar tempo e
Por fim, houve uma referência importante a Gramsci, que poderá servir de
categorização das comunidades frente às TIC, para, depois, se entender, com base
em Silveira, o nível de interação das mesmas. O item 4.2, “As TIC e a revisão da
constatação de Reingold, de que nos dias de hoje certamente não há mais apenas
categorização desse tipo como um modelo teórico, pois não seria possível isolar, na
prática, as comunidades, como aqui se fez de forma ideal. A opção por esse
Orkut e Gazzag; 4.2.1.3, “Comunidades ampliadas locais”, que têm alguns websites
uso das TIC nas comunidades e sociedade brasileira. Durante o evento, Silveira
originado nesse discurso de Silveira e foi dividido em: 4.2.2.1, “Ações pelo uso e
Preto, São Paulo e dos Telecentros paulistanos para se colocar este primeiro nível,
que seria o contato inicial e mais passivo com as TIC; 4.2.2.2, “Ações de
pois o primeiro nível é bastante valorizado por gestores de políticas públicas que não
estão muito isoladas e nem sempre são participativas, o que dificultaria o sucesso
Por fim, o texto foi direcionado para o tópico 4.3, “Políticas públicas para
como opções políticas mais amplas, que podem apresentar o poder de definir os
mundial e híbrido. O texto foi iniciado pela memória histórica de momentos que se
colocações de Chauí, para quem tanto será possível criar um espaço de divisão
relação teórica que se faz entre essa inclusão e a luta pela democratização e contra
pedagógicos e sociais.
ponte entre receptor e transmissor, que podem trocar de lugar a qualquer momento,
como é defendido por diversos autores, a capacidade que o usuário comum teria de
públicas nesta área de interesse. Acredita-se, como fazem Jambeiro e Silva (2004),
Solonópole, Ceará, no início dos anos 2000, esperando-se promover a reflexão pelo
uso do software livre quanto pela inclusão digital, se mostrou ilusória. No entanto,
que apenas o acesso e o uso das TIC, mesmo que por softwares livres abertos, não
defendida foi a orientação por uma educação humanista e libertadora que poderia
projeto dessas ações pareceu merecer grande atenção para que não se caia no
propícia quando se percebeu que a educação, seja formal ou informal, seria a base
frente ao tema foi a experiência do Laob, uma instituição baiana centenária que teve
toda sua linha pedagógica revista em 2002, sofrendo atualizações para inclusão das
TIC como ferramentas de ensino. Essa foi uma iniciativa escolhida por Jambeiro e
Silva (2004) para seus estudos por ser uma organização não-governamental que
inclusive porque os autores deixam clara sua opinião de que, apesar dos esforços
Guedes e Coelho levaram a crer que, além das preocupações com o uso e difusão
do software livre aberto com aporte educacional, também seria necessário estudar a
ciberespaço”.
chegada até os serviços públicos, como pontos de contato com a internet, por
exemplo. Nesse sentido, foram observados alguns dos limites que se colocam nos
falta de tempo para acesso aos mesmos. Pelos autores são colocadas alternativas
neste último ponto, 4.3.4, “Conteúdos gerais para políticas públicas integradas”.
69
Como revisão geral dos tópicos abordados, para o fechamento do texto, retomou-se
Plano Nacional de Direitos Humanos II (PNDH II) e o exemplo descrito por Coelho,
inclusão digital, como é o caso do projeto da Infovia do Rio de Janeiro, que também
ensino nesse processo. Além disso, a cidade envolve as suas diversas esferas
Conforme é afirmado por Silva, o plano de Piraí tem obtido sucesso por
2004 – se refere à iniciativa como inovadora e humanista. Fica clara a utilização das
TIC como meio e a criação da cultura do trabalho em rede como fim. Nesse sentido,
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esta rápida descrição final pareceu ser oportuna como uma referência que traduz as
este texto buscou a reflexão estabelecida pelo cientista alemão Ferdinand Tönnies,
que foi o primeiro cientista a definir parâmetros claros para essa questão. Tönnies
elaborou um modelo teórico, para o qual cunhou dois termos ideais para descrever
valia para a estruturação de um ponto de vista voltado para o tema de forma mais
concreta e estruturada.
território alemão ainda estava longe de sofrer os impactos diretos da nova realidade
(1980:145-154), essa vivência muito influenciou sua obra que, inclusive, foi
requerida para sua investigação adequada. Para eles, a conceituação de Tönnies foi
que foi levada em consideração ao se escolher esta linha teórica como referência.
com sua realidade tradicional. Marano (documento digital) esclarece que para
Talvez seja possível afirmar que o modelo de Tönnies seja marcado pelo
mas afirma, no entanto, que mesmo que a mudança social ocasionasse o progresso
técnico, este progresso não poderia ser confundido com o progresso da humanidade
espiritual e material à terra e à família, ao grupo e ao território físico por ele ocupado.
comunidade, por sua vez, implica, para o autor, cumplicidade, uma compreensão
mútua e natural entre seus membros sobre o estado das coisas e idéias em sua
seus integrantes.
74
Serra (1995: documento digital) explica que, por sua vez, Gesellschaft, ou
o artesão em operário, que seria apenas mais uma parte de uma cadeia impessoal
núcleos rurais que, para ele, representam e mantêm as relações afetivas genuínas
autor ainda relembra que, assim, Tönnies defende a Pólis como o ponto de encontro
de uma comunidade intensa, “sem indivíduos isolados, mas de homens ligados por
uma cultura comum, que, iluminada pelos valores humanos, conduz e assegura o
bem coletivo”.
“Os sociados sentem que a formação de uma sociedade como tal é um valor; são
para satisfazer seus interesses pessoais e coletivos. Os interesses que unem uma
comunidade são profundos e gerais, e não devem ser confundidos com desejos
vez, também parece ser importante para manter a coesão e a confiança do grupo e
necessários para sua realização, mesmo que tudo seja momentâneo. Sociabilidade
sociedade em si.
raciocínio, talvez seja possível afirmar que, no caso, então, o que verdadeiramente
até mesmo ser entendida como uma questão de sobrevivência e adaptação ao meio.
hesitantes do que as ações isoladas dos indivíduos. Segundo o autor, para o gênero
verdadeiro progresso econômico e social não pode ser atingido sem planejamento
seus membros. Essa “constituição” internalizada faz com que cada um seja o todo
de Eubank (1932:02) 6:
para a valorização do ser individual isolado, mas ao grupo formado por esses
indivíduos. Isso pode demonstrar que o grupo não deve ser entendido como a
por ser visto como um todo diferente, apesar de partir de e se refletir em suas
unidades.
interesse comum do grupo também não pode ser tomado como a simples soma ou
interesse. Esse ponto coloca o interesse comum coletivo acima dos interesses
6
EUBANK, E.E. Concepts of Sociology, Boston: Health, 1932. p. 02 apud FERREIRA, F. P. Teoria social da comunidade. São
Paulo: Editora Helder, 1968. p. 163.
79
permite que o interesse comum, sempre voltado ao bem do coletivo, também supra
sua vontade, que consiste na existência da concórdia, está por sua vez alicerçada
no saber popular e nas tradições, inclusive religiosas e místicas, que podem aflorar
relações se valoram por si mesmas, os nexos sociais são intensos, têm valor
Assim, cada indivíduo recebe sua parte desse todo comum, que se manifesta em
seria a de um fractal, corpo geométrico em que cada parte remete ao todo e vice-
sociais se completa e a ação social obedece a e se motiva por fins exteriores, sendo
abordagem seja notar que o tipo de vontade que impera no grupo é o fator
instrumentais ou com fins definidos (presente nas sociedades). Com base nessa
linha divisória, Truzzi (1971) explica que a comunidade seria percebida como uma
entidade natural e durável, que contém sua mística – pois teria sido originalmente
capitalista. No mesmo sentido, deixa claro que o conflito entre o costume e a lei
irreversível.
Truzzi (1971) discute que, para Tönnies, a sociedade faz com que a
essência do espírito comum se torne tão fraca e a ligação a valores do grupo tão
familiares e cooperativas, surgem relações entre indivíduos isolados nas quais não
aos outros, ou, havendo articulação em torno de uma possível grande vantagem,
Nesse caso, a ordem é a lei natural, lei como tradição. A lei com o
significado daquilo que se deve fazer ou de como se deve ser, do que é ordenado ou
permitido constitui um objeto de desejo social para a coesão dos grupos e, por isso,
e enobrecida pelo saber popular, tradições e religião, e uma outra ordem que, sendo
afirmam:
outras máquinas mais evoluídas a cada nova geração, na mesma medida em que
sendo despertados.
forma tão dinâmica quanto os avanços da tecnologia, que correm a olhos vistos.
mesma velocidade com que são criadas. Ao mesmo tempo em que os aparelhos
“novo” dura um átimo, pois ao ser tocado envelhece, como se o toque de Midas
estivesse às avessas.
Para Negroponte (1995: 157), até mesmo a crítica pode não acompanhar
a evolução dos estados da arte: “Se discute há tanto tempo a transição da era
industrial para uma era pós-industrial ou da informação, que é possível que não
e meios antes impossíveis, podendo até alçar vôo, ir das profundezas oceânicas à
(1995) defende que as tecnologias teriam sido desenvolvidas como uma forma
84
levados ao rei em bigas pelas vias romanas, ou algo similar, mais tarde seria
européias para quem quer que soubesse ler os textos ou interpretar figuras. Logo, o
influencia populações inteiras e age sobre elas. Isso muda suas atitudes e suas
histórico, pode até ser considerado como natural pelo senso comum.
tecnológica, é também cultural, social e política. Parece ser cada vez mais
impõe não só altera os limites humanos, como também altera a própria noção de
limites, que têm sido extrapolados a cada dia, propondo à humanidade não mais a
Espaço, que, de maneira geral, não poderia ser reconhecido como Lugar, no sentido
de não permitir claramente sua significação pelo Homem. Montaner (1997) cita,
como exemplo, os Espaços Midiáticos, nos quais mais importa o que é comunicado
mensagem. Outro exemplo categorizado pelo autor são os Espaços de eventos que
Não-Lugares.
A palavra cyberspace foi criada, nos anos 1980, pelo escritor de ficção
1984, e Count Zero, de 1987. Logo, o termo passou a ser utilizado para designar os
realidade levaria o usuário para dentro de um novo mundo, agora virtual. Nessa
linha, Montaner (1997: 49) afirma que “não há dúvida de que o espaço virtual
enquanto sua mente viajaria pelos mais variados universos. O fixo, que seria o
pois se optou pela postura de que não seria prudente rotular as relações entre o
urbano, ampliando-o e por ele sendo ampliado, propicia novos parâmetros para as
relações humanas, que são muitas vezes por ele mediadas e mediatizadas. O
espaço virtual pode ser encarado como tão real quanto o espaço físico. Não caberia,
equivalentes as palavras que formam a expressão realidade virtual, então faz mais
em estruturas de codificação. Para ele, “através das interfaces que dão acesso ao
materialidade.
Com isso, ressalta que o ciberespaço não seria uma fonte, mas um receptáculo de
projeções de imagens existentes “no qual não se trata mais de pensar como a
imagem representa a realidade, mas sim de pensar um real que só existe em função
ao afirmar que não compreende por que a ficção produzida pelas novas tecnologias
seria mais alienante do que qualquer outra forma de fabulação, ressaltando que a
Grau e Ingeborg Reichle, lembra que a busca pela realidade virtual, refletida no
90
apesar da crítica pessimista, neste ponto talvez seja importante compreender que,
para o autor, a comunicação por via eletrônica foi claramente favorecida pela cultura
sentido, a relação de causa e efeito pode até ser invertida ao se perceber que o
EUA, um projeto de reurbanização do local. O inusitado, até então, foi que Moore fez
91
tomam conta do mercado e da vida de cidades do mundo todo, talvez possa parecer
que a convergência de mídias seja algo novo. Mas um dos primeiros contatos mais
ambiente virtual incipiente foi ainda na chamada “Era do Rádio”, com a participação
popular nos programas radiofônicos via telefones comuns. Nota-se, no entanto, não
somente pelo exemplo de Del Rio, mas também nos relatos de Negroponte (1995)
MIT, que a idéia de mesclar várias mídias com apoio da telemática, para que
Segunda Grande Guerra, com a corrida tecnológica disparada pela Guerra Fria entre
exemplo, sem nenhum artefato tecnológico avançado, mas favorecida por sua
se comunicava aos gritos. Quando uma tribo tinha algo a comunicar às outras, seus
tribos soubessem o que estava acontecendo. Essa estranha, mas eficiente rede de
7
Atualmente, objetos híbridos funcionam como aparelhos telefônicos celulares que gravam, filmam, fotografam e distribuem
arquivos de imagem, som e texto pela internet ao toque de um botão ou por um simples comando de voz.
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comunicação funcionou muito bem por séculos e atingia todos os habitantes de seu
Talvez seja possível afirmar que, apesar do alarde realizado sobre as TIC,
velocidade tão grande, que realmente criam um novo paradigma. Nesse sentido,
também fortalecem a reflexão ingênua que faz crer que tudo que foi feito ou pensado
do patrão nas vilas operárias que eram projetadas para este fim, junto às fábricas.
possuem menor poder aquisitivo de bens e serviços – seja por dispositivos portáteis
estrutura de comunicação global e local, seja pela falta de acesso ao código gerador
por inúmeros outros fatores. Estar excluído do mundo digital pode, em breve,
chegar até onde a pessoa estiver, por meio dos mais diversos dispositivos. Assim,
pode-se afirmar que, longe de ser um mundo paralelo e à parte, saído de um sci-fi
pelo tráfego mundial de informações via internet, estaria criando um tecido global,
94
neste sentido, sim, inteiramente novo. Mitchell (1997: 49) também aborda esta
há, na vida urbana atual, e principalmente nas metrópoles, serviço que não seja
otimizado e que até não tenha sido renovado ou substituído por seus pares
sobretudo a forma como pode ser acessada, percebida e memorizada é que parece
tornar o ciberespaço tão atraente. Hoje, a relação existente entre a cidade física e o
como é lembrado por Nie e Erbring (2002: documento digital), o ciberespaço pode
comunitária:
cômodo da casa pode não mais significar isolamento, mas sim conexão com o resto
autor propõe que, para que não se perca a oportunidade de exploração deste novo
mundo em sua diferença, e talvez até mesmo com o reforço da gradual adaptação à
conceitual”.
desfazem quando se observa Castells (1999), que afirma que não existe separação
percepção de que a realidade sempre passa pelo filtro do virtual que, neste ponto
simples produto da sociedade, e, sim, sua expressão pura, o que pode ser entendido
embasadas têm tido cada vez mais características modificadas pela desarticulação
viabilizadas pela internet, a ponto de Lévy (1999: 123) afirmar que “os veículos não
estão mais no espaço, mas o espaço se torna o grande e virtuoso canal interativo”.
Este novo paradigma pode ter impacto direto na vida comunitária, social, política,
destaca Lynch (1981: 112), para os Futuristas como Sant´Elia, cada geração deveria
construir a sua própria cidade. Talvez hoje, com o advento do ciberespaço, essa
movimento moderno são tão atuais quanto no século passado e podem até mesmo
97
ajudar na reflexão sobre que caminhos o ciberespaço pode tomar para que
moral.
difícil não tentar relacionar as linhas anteriores com o que se observa acontecer
menos neste momento histórico imediato, com o surgimento do que Mitchell (1997)
conhecimento técnico pode ser adquirido no próprio espaço virtual, podem até
desde a transgressão dos hackers, que Negroponte (1995) nomeia como os “novos
diretamente em culturas diversas, seja pela simples divulgação de fatos e idéias via
ocorrer a médio e longo prazo com comunidades e culturas locais sob o impacto das
8
A pirataria é, hoje, difundida e aceita naturalmente por muitos usuários, como se percebe pelo uso crescente de estruturas de
troca de arquivos como o já histórico Napster, o Kazaa ou o E-mule, que vêm causando balbúrdia em questões antes
intocáveis, como o sigilo sobre informações e os direitos de veiculação de produtos culturais.
99
públicas alinhadas com essa tendência, como vem ocorrendo com os projetos de
comunidades virtuais com base no espaço físico local em todo o mundo. Dessa
9
NORBERG-SCHULZ, C. Genius Loci. Londres: Academy Editions, 1980. apud DEL RIO, Vicente. Introdução ao desenho
urbano no processo de planejamento. São Paulo: Pini, 1990, p.40.
100
espaço físico:
estará mais embasada se forem consideradas as influências das TIC nos processos
ou mesmo sem nenhuma relação presencial entre seus membros, são percebidas
urbano físico. Desde os anos 1960, o estudo das relações urbanas tem-se voltado
ele. Paralelamente, como explica Del Rio (1990: 19), as tecnologias telemáticas se
alguns, essas comunidades teriam sua pedra angular nos interesses comuns, e não
outros, como Hall (2001), as comunidades se formam, sim, pelo interesse, mas se
e espaciais.
TIC é tocada diretamente por Lévy (1999: 195), que afirma: “As instituições
deste ponto:
entre a comunicação e a localização geográfica fica mais clara. De acordo com Park
10
(1937:03) , “a sociedade existe na comunicação e por meio dela”. Logo, com o
10
PARK, R. E. A Comunidade Urbana como configuração espacial e ordem moral. Estudos de Ecologia Urbana TI Biblioteca
de Ciências Sociais. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1937. v.1. p.03 apud FERREIRA, F. P. Teoria social da comunidade.
São Paulo: Editora Helder, 1968.
102
alteração do paradigma existente até então e que coloca em xeque até as próprias
técnica”.
mudanças nos modos de viver, habitar e até de consumir a cidade são observados
caráter temporário, que pode fazer com que sua existência esteja fadada a
ressoem seus reflexos no mundo físico. Sobre a relação entre o mundo dito físico e
a realidade virtual, Santos (1997) afirma que a questão está mal colocada, porque
divide e polariza os mundos, com uma visão negativa de sua diferenciação, que
103
para novas formas de organização dos grupos, algo aparentemente diferente das
‘comunidade’ for formada por pessoas que interagem e que se relacionam em torno
dos interesses compartilhados, isto pode ocorrer on-line”. Os autores ainda levantam
uma nova forma de organização social, e oportunizem estruturas que não sejam
neoliberal.
O termo comunidade virtual tem sido utilizado para definir grupos que
espaço e reconhecido como lugar de encontro ou referência, por meio de MSN, ICQ,
condição de espaço limitado – de forma não concreta, mas simbólica – para que a
virtual”.
virtual. Ainda afirma que a interatividade se dá pela relação entre mensagens e pela
comunidades, formando uma rede. Por sua vez, a rede comunitária pode se
encontrar com outras redes externas, formando uma rede de redes. Nas palavras de
Mitchell (1997: 65), “em breve, todo o mundo será um palco eletrônico”.
que o desenvolvimento das TIC se encontra com a evolução das tecnologias visuais
12
LYNCH, K. The image of the city. Cambridge: MIT Press, 1960 apud HORAN, T. Digital Places: Building our City of Bits.
Washington: ULI-the Urban Institute, 2000, p 11.
106
no capítulo 4). Desta forma, acredita-se que esse novo paradigma colocado pela
seu contexto de reconhecimento espacial, pois é perceptível que tem sido reduzido o
peso da limitação geográfica para a formação das mesmas. A base física agora é
formação de laços comunitários por meio de interesses comuns que podem, ou não,
estar relacionados à mesma, mas que podem ser fomentados pelas interações no
meio virtual.
107
Espaço, em si, parece não existir se não houver referências físicas para abarcá-lo.
Zevi (1994: 25), apesar de afirmar que o espaço arquitetônico não se esgotaria em
arquitetura pura que se prolonga pela cidade, em espaços definidos, “onde quer que
a obra do homem tenha limitado vazios”. Sua definição, nesse momento, trata de um
idéia do espaço como algo que necessita estar inserido em um contorno claro e
ocupado, o que poderia até soar como contra-senso aos observadores mais críticos.
Dessa forma, seria possível afirmar que o espaço seria o nada que se
forma ou que se revela entre as coisas que realmente existem. Mas há, contudo,
108
definições mais complexas sobre o tema, que merecem ser levantadas para
pelas TIC.
e amorfo, que seria a matriz de tudo o que há. O Khôra forneceria constituição e
ciberespaço, no sentido de conter e ser contido pelos elementos aos quais provê o
sentido de realidade.
entre sistemas de ações e sistemas de objetos. O autor conclui que não seriam os
objetos a formar o espaço, mas o contrário, pois a lógica própria do espaço é que
encontrado na obra de Castells (2000) de que o espaço seja constituído por fixos e
originalmente suportam os fluxos, que seriam as ações e informações que por eles
Duarte (2002: 48-49) propõe que o Espaço seja formado pela relação
entre objetos (fixos), ações (fluxos) e seres humanos. São estes últimos os
longa noite de sonhos, tem-se consciência de sua existência pelos fluxos e fixos que
fixo não necessariamente apresenta consistência física, o que implica afirmar que
apenas deve ser reconhecido pelo Homem como suporte de fluxos para ser
torna-se possível afirmar que o Espaço talvez dependa menos de uma existência
material do que da construção ideal definida pela percepção humana, que ultrapassa
Espaço como uma construção mental. Ferrara (1993: 107) afirma que o Espaço está
também varia de indivíduo para indivíduo e de grupo para grupo, já que, nesse caso,
que o Espaço seja percebido por filtros culturais, que teriam componentes biológicos
Na linha proposta por Virilio (1993), Duarte (2000) lembra que um mesmo
indivíduo pode perceber e vivenciar diferentes Espaços ao mesmo tempo, ainda que
de seu telescópio. Nas palavras de Duarte (2002: 58), caberia ainda ao homem o
Ainda com apoio nesta metáfora, outro ponto levantado por Duarte (2002)
sentidos acabam por permitir a inclusão de ações e objetos até então estranhos no
Utilizando uma outra metáfora próxima, Virilio (1993: 46) fortalece a idéia
constitui pelo código, pela troca de senhas durante a convivência, que torna
O Espaço estaria para o plano como o Lugar estaria para uma figura geométrica
111
estampado e o amanhã projetado. Segundo Duarte (2002: 73), pode-se afirmar que
é no Lugar que “todos os elementos que passaram pelos filtros culturais tendem a
firmar sua existência na lógica que anima o espaço. Isso é válido também
individualmente”.
de pedra ou uma intervenção urbana mais efêmera, como uma pichação, por
dessa forma, com o passar do tempo, o fluxo original pode até se perder, sendo
substituído por novos fluxos originados dos novos valores ou visões de mundo das
coletiva balizada por um patrimônio cultural. Assim, por sua característica simbólica,
o Lugar se aproxima de uma relação direta com o corpo humano e é, por excelência,
condição ideal, o conceito de Lugar possui um caráter estabelecido pelo uso, que se
ao afirmar que o conceito “vem definido por substantivos, pelas qualidades das
coisas e dos elementos, por valores simbólicos e históricos”. Augé (1997: 76) inclui
em suas definições de Lugar “as possibilidades dos percursos que nele se efetuam,
Logo, seguindo por essa linha, é difícil associar o Lugar apenas ao espaço
físico, sendo importante a noção de que ambientes virtuais também poderiam ser
estabelecidos e reconhecidos como tal. Horan (2000: 16) afirma que “pesquisas
interatividade total, pode ser possível presumir que, em um futuro breve, esta
discussão se dissipe, pois a simulação será tão perfeita que não poderá mais ser
14
FERRARA, L. D. Arquitetura e linguagem: investigação contínua. In: FECHINE, Y. e FECHINE, A. C. (org.). Visualidade
Urbanidade Intertextualidade. São Paulo: Hacker. 1993. p153.
113
Panonfsky (1994: 11) lembra que, “para Platão, não era o artista, e sim o
dialético que tinha a função de revelar o Mundo das Idéias”. A partir daí, pode-se
Ideal, e o Lugar ao mundo físico ou humano. Nessa linha, talvez seja possível
Para o filósofo, cada coisa tem seu lugar a ocupar e tende a reocupá-lo sempre. O
mesmo segmento do Espaço pode ou não ser tido como Lugar e pode se apresentar
passar pelo processo de aculturação para ser tomado por Lugar sofre maior
que pode enganar os desatentos. Pode-se afirmar que o Lugar está, portanto, sob
inquantificável de códigos e signos que são regidos por uma infinidade de filtros
114
culturais, que são povoados por diferentes fluxos e que ressaltam ou suprimem os
fixos existentes.
reconhecimento (Lugar) que o grupo deve realizar com a parte do espaço que
desenvolve, para manter sua organização e ordem naturais, uma série de normas de
conduta geral compartilhada entre seus membros. Nesse momento, o Lugar passa a
ao instituir locais públicos como praças e temer por seu abandono. Em outro
esteja muito ligada à sua utilização como meio de comunicação e troca. Essa
nas aldeias indígenas, nas quais todos vêem e são vistos e os códigos espaciais se
seguindo essa relação de referência, já é possível afirmar que um grupo que utilize
regularmente um mesmo ambiente virtual para contato, como, por exemplo, um chat,
como já se discutiu anteriormente. Nessa linha, pode-se até mesmo ousar comparar
forma que mantenham suas funções originais, mas que combinem em seus serviços
pode significar que não se comunique nada, ou seja: atualmente, as pessoas seriam
apesar de não se poder afirmar categoricamente que sejam seus antônimos, seriam
118
justamente aqueles espaços utilizados que não são referendados por nenhuma
aqui, também os ambientes virtuais. São locais que formam sistemas nos quais a
vida urbana se apóia, mas que não abrigam o verdadeiro jogo social, como define
Augé (1994). Enquanto Montaner (1997: 48) afirma que “a figura do viajante é o
Não-Lugares são espaços pelos quais o usuário, nas palavras de Montaner (1997:
47), “deseja passar o mais rápido possível”. Para Augé (1994), os Não-Lugares são
produzidos para serem funcionais e não acolhem pessoas, no sentido mais puro da
regras para neles serem aceitos – é preciso tirar o passaporte, comprar o bilhete,
universal, mas que, na prática, selecionam seus usuários. Segundo Augé (1994), é
preciso que o indivíduo esteja sempre em relação contratual com o Não-Lugar e que
119
prove sua identidade e até mesmo sua inocência, constantemente. Pode-se mesmo
Enquanto Benjamin afirmava que para se conhecer a cidade seria interessante nela
se perder e descobrir cada esquina com a mesma tensão causada pelo barulho de
indivíduo neles se perca e nem que se encontre em um sentido mais amplo. Para
Espaço nunca é estanque e única. A leitura de um aeroporto para quem por ele
passa apenas quando em férias pode ser diferente da que faz um profissional que o
utiliza diariamente para transitar de casa para o trabalho e ainda daquele indivíduo
que lá trabalha e, passando nesse ambiente a maior parte de seu tempo útil,
120
constrói ali uma gama complexa de relações pessoais, até reconhecê-lo como lugar
e nele se reconhecer.
Existe evidentemente o Não-Lugar como o Lugar: ele nunca existe sob uma
forma pura; Lugares se recompõem nele; as relações se reconstituem nele;
as ‘astúcias milenares’ da ‘invenção do cotidiano’ e das ‘artes do fazer’ [...]
podem abrir nele caminho para si e aí desenvolver suas estratégias. [...] O
Lugar e o Não-Lugar são, antes, polaridades fugidias: o primeiro nunca é
completamente apagado, o segundo nunca se realiza totalmente –
palimpsestos em que se reinscreve, sem cessar, o jogo embaralhado da
identidade e da relação. (AUGÉ, 1994: 74).
própria), tornando-se apenas mais um ser anônimo quando nele adentra. Nesse
momento, o Espaço que não propicia o jogo social, ou de passagem rápida, poderia
pessoal. Os Não-Lugares geralmente são locais de solidão, que podem ser medidos
Isso pode fazer com que se deseje classificar o ciberespaço como Lugar de
uso que se estabeleça. Mesmo que essa postura possa ser entendida como
prematura, não parece ser possível negar o potencial crescente do ciberespaço para
tanto, da mesma maneira como é notável que a evolução das TIC e das tecnologias
híbridos formados pelo encontro entre o virtual e o físico. Logo, parece ser difícil
manter o discurso de que não haja nenhuma relação simbólica sendo construída
(2002: 177) defende que os fluxos alcançaram uma liberdade praticamente irrestrita
com relação aos fixos que os determinam. Segundo ele, “na verdade, [os fluxos] são
como Não-Lugar, pois, como lembram Wellman e Hogan (documento digital), longe
íntimos, pode ser o website Orkut, que interliga redes de amigos e é, em diversos
124
de “e-diáspora”, que, segundo eles, ocorre quando migrantes utilizam a internet para
de seu local de origem por meio da leitura de jornais on-line, e nela interferindo por
vêem, ouvem, cheiram e tocam umas às outras – tão bem como habilita a
trocar objetos físicos. (WELLMAN e HOGAN: documento digital).
conhecimento adquirido.
aspectos: (1) Lugares significativos, que trazem sem seu bojo a necessidade de se
15
Wenger, E. McDermott, R. and Snyder W. Cultivating Communities of Practice, Boston, MA: Harvard Business School Press,
2002 p.29. apud Horan, T. e Wells, K. (2005). Digital Communities of Practice: Investigation of Actionable Knowledge for Local
Information NetworksKnowledge, Technology and Policy.
126
focar o projeto no território físico preferido dos sistemas da comunidade local para
comunidades virtuais vivas. Para tanto, parece ser necessário que se estabeleça
forte e clara relação com a comunidade física e seu ambiente e, ao mesmo tempo,
127
patrimônio cultural, seja pelo contato físico, seja por processos mediados pelas TIC,
ambiente, mas por seu impacto direto no usuário e pelos ecos relativos à sua
conseqüente intensificação das relações entre diferentes culturas e povos, teve seu
Gómez (1997) acredita que o termo não seja adequado, pois é muito
conhecimento. O autor ainda lembra que McLuhan, nos anos 1960, já havia criado a
metáfora da aldeia global, que remeteria ao resultado das TIC nos processos
humanos.
pelo mundo, realmente existe no Ocidente desde o século XVI. Mas a economia
global seria diferente, justamente por sua capacidade de, em tempo real, funcionar
como uma unidade em escala planetária. Para o autor, mesmo que a expansão
contínua e a busca pela ruptura dos limites espaciais e temporais sejam marcas do
econômico”. Ainda nos anos 1960, McLuhan (1999) já afirmava que a “era elétrica”
estabelecia uma “rede global”. Para ele, essa rede seria muito próxima, uma
extensão do sistema nervoso central humano: “Nosso sistema nervoso central não é
(MCLUHAN, 1999:390).
apresentada por Castells (1999), seria explicada por Canclini (1999) como uma
humanas dos grupos aos quais abrange. Quando existe uma direção geral no
entendimento e sentido da realidade para uma sociedade, não como ações diretas
lógica de mercado, hegemônica e irrestrita, faz com que cada vez mais a
constantes das forças de mercado. Da mesma forma, o autor acredita que a crise do
sistemas dominantes.
tecnológica. Castells (1, 1999: 114) descreve a estrutura industrial global como uma
teia, uma rede. Nesse tipo de organização, para o autor, ocorre uma disseminação
territorial planetária que tem sua geometria alterada de forma constante, no todo e
produtos e projetos, planejadas para o melhor ganho competitivo para sua posição
relativa. Essa condição faz com que a estrutura tenda a se reproduzir e expandir
estariam em posição desfavorável frente aos outros, seja em nível local ou global.
organizações do poder. Castells (2, 1999: 409) lembra que a democracia e o Estado
que, nesse caso, poderia ser julgado como um ponto positivo e construtivo nos
cidades.
criar identidades nacionais coerentes, mas aponta a falta de poder que detêm para
sem as barreiras da distância [...] que permitem a cada um dos conectados fazer o
que quiser”. Pode-se notar, segundo essas afirmações, o impacto das TIC na vida e
fechá-lo em torno do reforço de sua identidade – étnica, por exemplo. Gómez (1997)
diferentes níveis”. Nesse ponto, talvez seja pertinente retomar a idéia já definida no
ferramentas e, como tal, pode ser utilizado de acordo com as opções políticas e
definidos e limitados dentro de uma mesma e única matriz, podem também ser
seguinte observação:
obstante, muitas vezes pode ser possível observar a utilização da palavra cultura
Talvez seja viável traçar aqui uma linha de encontro entre cultura e o que
defesa dos bens culturais próprios ou do que se entende por patrimônio cultural é
uma qualidade importante para a manutenção das comunidades. Sob essa luz, a
ganhar mais clareza e fundamentação. De acordo com Castells (1, 1999, 394),
Cuche (2002: 57) lembra que, para Durkheim, o grupo tinha prioridade
indivíduos participantes do grupo em questão ou, no caso, por sua cultura. Para ele,
comum que a vida social não pode ter outro substrato senão a consciência
que com tanta facilidade julgamos inadmissível ao se tratar dos fatos sociais. Todas
desencadeiam fenômenos novos, não se pode deixar de conceber que estes podem
ser contidos não nos elementos, mas no todo formado pela referida união
(DURKHEIM :1994:25).
A Cultura surge, para Cuche (2002), como uma entidade nova e superior,
sociabilidade talvez também possa ter a qualidade intrínseca de, além de manter o
grupo em si, defender sua dinâmica cultural própria durante seus processos
naturais. O autor lembra que não se deve confundir Cultura e Identidade Cultural,
mesmo apesar de sua ligação clara e estabelecida, pois a cultura pode existir sem a
No final do século XIII, foi transposta também para o significado de parcela de terra
cultivada. Três séculos depois, no início do século XVI, o termo se tornou verbo, e
cultura não mais significava apenas um estado do objeto ou coisa cultivada, mas, a
partir daí, a ação ou fato de cultivar a terra. Já no meio do mesmo século, houve
desenvolver a mesma. Em seu estudo, Cuche ainda destaca o termo kultur, que
139
teria surgido na língua alemã no século XVIII, e julga que seria uma transposição
escreve que, no século XVIII e início do XIX, a palavra kultur era utilizada como um
Cultura:
Laraia (2001: 45), “o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado”.
esforço histórico da comunidade em que vive e com a qual partilha seus bens
comunidade e dos bens culturais próprios possa ser mais claramente identificada e
contraste e visibilidade das alterações ainda ficam mais fortes com a interferência
patrimônio cultural para que surjam novos bens simbólicos ou físicos a partir dessa
ações individuais. Laraia afirma que mesmo a ação individual pontual é um resultado
mais simples, como as posturas corporais, são produtos de uma herança cultural
grupos, aparentemente esse fenômeno pode ser observado não apenas entre
forma mais lenta, ora mais aceleradamente, parece ser alterado não somente pela
colonialismo.
Cascudo (1973: 429) afirma que “não existe Civilização original e isenta de
não pelas sementes unitárias”. Para o autor, a imitação é um processo até mesmo
inevitável para a ampliação técnica, que não mutila as relações originais do grupo, já
que ocorre de forma gradual e muitas vezes despercebida, desde que a unidade
organização e produção cultural é que deve ser seguido. Mesmo dentro de uma
mesma sociedade ocorre esse fenômeno. Para Laraia (2001) e Cuche (2002), dessa
Boas, antropólogo do século XIX que foi um dos pioneiros na definição de conceitos
e discussões sobre igualdade racial e étnica. Afirma que as tensões entre culturas
diversidades. Nesse sentido, afirma que Boas defendia que, na medida em que cada
submetidas, são mais suscetíveis a este tipo de influência, que aqui se julga
negativa.
dominada, cada qual com seus traços e cabedal culturais próprios, o que faria com
culturas das classes dominadas e dominantes. Mas o autor também destaca que,
alienada.
cultura da elite não seria nem melhor nem pior que a cultura do povo e sofreria como
compõem. Para Chauí (2001:88), a cultura popular, ou cultura do povo, por exemplo,
não sofre diferenciação por sua origem histórica ou manifestação artística peculiar,
mas sim por seu modo de perceber e conceber o mundo, que contrasta com o modo
da elite. Até mesmo a cultura popular, para a autora, não é homogênea, já que é
possível observar que muitas vezes a cultura dos dominados pode influenciar
A autora, no entanto, destaca que a cultura popular pode ser, sim, a manifestação
cultural é idêntica nos dois casos, mesmo que em espaços diferentes. Nesse
hegemonia:
Uma ilustração cabível para a posição dos autores pode ser a questão do
dominação cultural necessitam ser constantes, pois o processo nunca seria total ou
real da cultura popular é que ela não pode e não deve ser explicada pela
enumeração dos seus elementos formadores”. Nesse sentido, o autor defende que o
146
todo não corresponde à soma das partes, por se tornar maior, o que se explica pela
existência nos grupos daquilo que considera uma “inteligência perceptiva que nunca
em processos de aculturação e difusão. Seria esta uma outra definição que muito se
sentimentos do povo, realizada tanto por aqueles que se identificam com a cultura
do povo ou por aqueles que são o povo. O povo, neste momento, pode ser
ser excluído de seus direitos à cidadania. Por isso, no contexto desta dissertação,
optou-se pela utilização do termo cultura popular voltado para a cultura das
ainda detém seus traços culturais e processos muito próprios, mesmo que em fase
natural de aculturação.
para a massa. A cultura de massa que reduz os dados culturais não se refere à
massa. Uma expressão similar seria “indústria cultural”, que talvez traduza melhor,
mesma forma que pode descaracterizar a cultura do povo, a Indústria Cultural faz o
147
meios de produção dessa indústria para, dessa forma, também ampliar seu poder
Por sua vez, Canclini (1999) acredita que os repertórios culturais locais,
que há de mais atual em termos de tecnologia dentro de seu patrimônio cultural para
defender-se e atacar.
séculos XVIII e XIX eram levadas a cabo para persuadir os indivíduos a adotarem
novos pontos de vista, um de cada vez. Mas a persuasão elétrica, pela fotografia, o
escreve que, como os vocábulos que formam, o termo parece ter vários significados
identificando. Esta definição estaria, no entanto, muito mais próxima dos produtos da
Indústria Cultural, dos bens das culturas populares em sua complexidade intrínseca.
2001:88).
16
Segundo Chauí (2001: 89), “Gramsci vai muito longe nesta questão, pois declara que há uma diferença entre o intelectual-
político e o intelectual-artista. O primeiro deve estar atento a todos os detalhes da vida social, a todas as diferenças e
150
elaborador da mudança do estado da arte, não necessariamente tem que fazer parte
da elite. O artista surge no texto de Chauí (2001) como o indivíduo que se expressa
em meio ao coletivo, mas com base na história e cabedal do grupo. Na mesma linha,
característica ainda mais clara de defesa das características culturais, não apenas
máquinas como o fonógrafo e o cinematógrafo, que foram fatos que realçaram esse
contradições e não deve possuir qualquer imagem fixada a priori. Em contrapartida, o segundo, justamente por sua função
pedagógica, deve fixar imagens, generalizar, descrever e narrar o que é e existe, situando-se num registro temporal diferente
daquele do intelectual-político que visa o que deve ser e existir, o futuro”.
151
agora os bens culturais, como no exemplo específico dos objetos da arte, passavam
emergia genuinamente do povo, mas era agora para ele construída por meio do
para substituí-las pelo entretenimento e lazer. O efeito seria ainda mais sensível
complexidade intrínseca, conseguem “dialogar” com a maior parte das massas, mas
gênero.
destaca ainda que todas as mensagens disponíveis no sistema definido pelas TIC,
comum que captará a maior parte das expressões culturais”. Castells (1999) assim
pela ação cultural, define o conceito afirmando que o agente cultural, que seria o
próprio, cujo fim não pode ser previsto nem controlado, pois as etapas práticas vão
“Fabricação significa, como num de seus sentidos originais em latim, engano, intriga,
artifício, dolo”. O autor ainda lembra que o termo ação cultural anteriormente era
definido, desde seus primórdios franceses, como animação cultural. Para ele, no
processo, já que o agente cultural seria o animador, ou aquele que promove a vida.
Do animador partiria toda a ação e, nesse sentido, ele seria o único responsável e
pela ação cultural, no sentido aplicado por Coelho (2001), parece ser a mesma que
faz Silveira (2001) ao discutir e promover a participação popular nas esferas cultural
culturais para as pessoas e para o seu contato com os bens culturais, não mais
apenas para os bens em si, como era até então. “A atenção se desvia da obra para
(COELHO, 2001: 37). Por fim, ao final da década de 1960, após os levantes jovens
e autonomia.
último enfoque, talvez seja possível afirmar que a ação cultural seja realmente uma
conflito, que aparentemente podem ser desenvolvidos por políticas de ação cultural,
parecem ser para Chauí (2005: 24) o grande desafio das sociedades ditas
apropriar dos produtos da elite, recorrendo aos mais diversos meios de cópia e
nos valores culturais estabelecidos pelo outro grupo, e não em seu patrimônio
espaço da mídia e pela mídia, destacando que “os meios de comunicação não são
os detentores do poder”. Logo, pode-se crer que quem detenha o poder sejam os
símbolos por meio das “relações entre atores sociais, instituições e movimentos
culturais”.
ser agora desligadas do espaço e do tempo (geografia e história) para ser mediadas
com que a geração da imagem seja também geração de poder, pois a liderança
culturas popular e das elites é uma linha frágil. Ao mesmo tempo em que critica as
aponta algumas inversões e um ponto que considera benéfico, quando afirma que a
originalmente pode ser caracterizado para a elite, em função de seu preço, por
exemplo. Seguindo essa linha de raciocínio, talvez seja possível afirmar que o
inverso também pode ser verdade, quando objetos oriundos da produção para
consumo popular são promovidos a bens da elite, quando a eles são aplicadas
estratégias específicas para tanto. Na visão de autores como Castells (2001), essa
alienação é tão forte que a sua exclusão atribui às pessoas a condição de alienados.
Daí a sua força e o seu papel perversamente motor na sociedade atual”. Um ponto
aparentemente importante é destacado por Cascudo (1973: 436), que marca uma
dominação cultural por redução ou simplificação, Cuche (2002: 159) defende que ao
discursos e as imagens difundidos, mas sim “prestar tanta ou até mais atenção ao
que os consumidores fazem com o que eles consomem”. Para Puterman (1994, 30),
original, também agiriam, como já definia McLuhan (1999), reduzindo a ação das
pelos mesmos teria, inserida no contexto capitalista, o mesmo efeito dos sistemas
práticos e intelectuais.
para consumo que, em vez de banalizar dados culturais dos grupos, tornando-os
seus bens e produtos culturais, terão mais chances de impor sua cultura aos outros
Como não acreditar que uma poderosa organização do poder, com seus
suportes de propaganda, suas mídias e suas tecnologias, atue de modo a
produzir clichês que circulem do exterior ao interior das pessoas, de tal
maneira que cada um possua clichês psíquicos dentro de si, por meio dos
quais acredita pensar e sentir, quando apenas reproduz as verdades
preestabelecidas?
chamado de cultura digital, não existe a separação entre o que o senso comum
comunicam todas as realidades. Esse deslocamento faz com que, de certa forma, a
dos anteriores, o novo sistema de comunicação gera a “virtualidade real” e que isso
garantia a participação apenas dos cidadãos nos atos de governo e que a cidadania,
ou ser cidadão, era uma característica restrita. De acordo com Coutinho (1997: 146),
Aristóteles definiu o cidadão como aquele que tinha o direito e o conseqüente dever
Ágora, o grande espaço do debate e participação, só era possível para aqueles que
exemplo, poderia ser delegado apenas a uma parte do todo. Na época, segundo
restringia o grupo votante, como fazia Montesquieu, no “Espírito das Leis”. Votaria
quem tivesse direito a voto, quem demonstrasse interesse na coisa pública e quem
conseqüente prejuízo.
parece ser possível afirmar que apenas será coerente discutir democracia se o
plena e universal. Por sua vez, cidadania seria, dentro de uma democracia ideal, a
minorias. Chauí (2005: 25) considera a democracia uma forma sociopolítica que
democracia parece suscitar graves reflexões e revisões para que o discurso não se
esvazie.
reais e efetivos de participação, seja pela classificação e seleção clara do grupo que
detém este poder, como no caso grego, ou por mecanismos talvez mais implícitos
econômico e do poder político, em uma operação considerada pelo autor como “de
debate os negócios privados, o que abriria espaço para que os detentores do poder
rapidamente tocado no capítulo anterior sobre o projeto das antigas vilas operárias.
Para Oliveira (2005), apenas no final do século XIX e início do século XX,
discutir sua posição. Pode-se lembrar que após a Segunda Guerra Mundial, no início
166
que uma nação que cedesse ao novo regime influenciaria seus vizinhos e assim por
tiveram como mentores e consultores instituições como a CIA. O autor destaca que
por regimes de democracia formal. Para Caccia Bava (2005, palestra), isso ocorreu
dominadores. Como também defende Vouga (2004:10), o processo, ainda uma vez,
É claro que sobretudo nos países mais importantes a dinâmica interna das
sociedades tem um papel fundamental, fica entretanto a sensação de que a
luta pela democracia foi apenas um ato do teatro da política de potência
167
determinantes. Citando Marx17, Vouga (2004) afirma que o mercado nada mais é do
parte do mundo natural, mas configura, nesse contexto, uma relação social de
país que tem sua herança antidemocrática como lastro histórico e faz parte do que o
excluídos. Chauí (2005: 24) critica o sistema capitalista atual referindo-se aos
17
MARX, K. Le Capital. Paris: Editions Sociales. 1959.
168
instâncias. Coutinho (1997: 153) lembra que a primeira constituição da França pós-
uma distinção entre cidadãos que tinham direito de votar e ser votados e outros
do governo. Há casos recentes em que tal distinção ainda é clara, como no Brasil,
deficiência eram excluídos do direito ao voto, antes pela lei, e depois pela
novos direitos gerados pelas demandas sociais e políticas. “Por esse motivo, a
vez que faz surgir o novo como parte de sua existência.” Para a autora, a
delegado ao governante pelo povo e a ele deve se orientar. Logo, as eleições, além
de alternar o poder, “assinalam que o poder está sempre vazio, que seu detentor é a
temporário para isso”. Segundo Chauí (2005), essa característica marca e afirma os
temporários.
súditos diretos, já era destacada por Hobbes (1998: 199). Segundo ele, os homens
assume a administração do governo tem uma relação de dívida natural que, negada
ou não aceita, acarretaria pecado contra a própria natureza, já que este ato
da ameaça contra seu modo de vida ou sua sobrevivência. Essa seria uma
obterá a libertação das formas estabelecidas de governo, pois, para ele, o governo é
ainda afirma que ”devemos ser em primeiro lugar homens, e só então súditos”.
(THOREAU,1984: 37).
realizar a ação do voto, ainda caberia certa preocupação. É importante lembrar que,
como foi visto no capítulo anterior, Truzzi (1971) defende que a opinião pública pode
cabível supor que a manipulação da opinião pública se estabeleça como uma das
importância dada pela classe política à comunicação de massa e sua influência nos
primeira fala pública do eleito e ainda então não empossado presidente Luiz Inácio
população, o povo iludido, seria então apenas chamada a participar das decisões
sobreposição dos mundos físico e virtual, Castells (2, 1999) destaca a viabilização e
18
Caccia Bava, A. Solidariedade, sociabilidade e ética política: temas clássicos ou contemporâneos? in D´INCAO, M. A. (org.)
Sociabilidade, Espaço e Sociedade. São Paulo; Grupo Editores, 1999.
172
(CASTELLS, 2 1999: 410). Esta, por sua vez, já seria sentida nos meios eletrônicos
convergentes, ora divergentes”. Nesse caso, o autor acredita que a “política on-line”
de forma perpétua ou como uma qualidade inata. Em vez disso, é uma conquista
1948, os indivíduos não nascem com direitos que seriam, portanto, fenômenos
173
culmina nos direitos sociais. Coutinho (1997: 147-153) segue seu discurso
humanos. De acordo com o seu texto, a expressão original dos direitos são
propriedade. Coutinho (1997) pondera que estes são direitos do indivíduo contra o
Estado, que defendem a vida privada do cidadão dos abusos do governo, pois esses
Por sua vez, os direitos políticos são os direitos de votar e ser votado e,
de suas esferas. De acordo com Chauí (2005: 25), a cidadania se constitui nos
Por fim, os direitos sociais são, para Coutinho (1997), o terceiro nível de
universal, laica e gratuita, saúde, habitação (não confundir com a garantia de direito
Estado do Bem-Estar.
culturais, seriam, então, os meios para que os cidadãos assegurem o gozo dos
acomodação e violariam as leis do mercado. “Não é assim casual que esses direitos
a definição liberal da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das
assim estabelecida. Para ela, essa definição implica a redução da liberdade plena
baseadas na violência. Para ela, a desigualdade que até então polariza a sociedade
do país entre o privilégio e a carência tende a se ampliar cada vez mais, dentro do
exemplo):
176
Se, como cremos, a democracia tem um valor intrínseco e não uma mera
utilidade instrumental, esse valor não pode sem mais assumir-se como
universal. Está inscrito em uma constelação cultural específica, a da
modernidade ocidental, e essa constelação, por coexistir com outras em um
mundo que agora se reconhece como multicultural, não pode, sem mais,
reivindicar a universalidade dos seus valores. Sabemos hoje que, se essa
reivindicação se recusar a dar as razões que a sustentam e a dialogar com
outras que eventualmente a contestam, só se imporá por força de
circunstâncias estranhas a ela e que, como tal, a transformam em uma
reivindicação imperial.
condição democrática não se garante na prática. Parece ser preciso que haja um
para que todos, de baixo para cima, possam reconhecê-los, compreender sua
Para Castells (3, 1999: 416), o surgimento de uma nova sociedade está
cultura.
direita e de esquerda. A autora explica que a concepção de direita tende a ser liberal
civil e/ou política e vive em uma sociedade civil que é determinada pelas regras e
grupos sociais. Por sua vez, participação é entendida por Chauí (2005) como
intervenção direta nas ações políticas, como interlocução social que determina,
orienta e controla a ação dos representantes do povo nas esferas de poder e pela
conflitos.
existência e manutenção dos direitos, são tolerados pelas classes dominantes (que
capitalismo são geralmente iniciadas por uma reação de resistência aos movimentos
acaba por gerar a conquista da manutenção dos direitos dos dominados ou, como já
que será mais bem discutido a seguir, parece ser uma alternativa viável de
âmbito democrático.
rumos da vida das comunidades, talvez seja importante refletir o que ou quem se
No Brasil, ao final do século XIX e início do século XX, por exemplo, talvez
divisão de classes, a exclusão e o preconceito – basta lembrar que por muito tempo
trazida pelos navios de imigrantes, continuaria tomando maior vulto com o decorrer
classes populares eram meras fontes de dados, a inovação estava em ouvi-las, pois
presidente/ditador que ficaria conhecido como “o pai dos pobres”. Se, antes, os
política populista da época não permitia que se excluíssem as classes populares por
Bonduki (1988), as políticas públicas desenvolvidas até o golpe militar de 1964, seja
Humanisme, chegou ao Brasil o padre dominicano Louis Joseph Lebret, que viria
da sociedade através das ciências naturais e que estivesse atrelado à ação imediata
e à pesquisa empírica. Ainda em sua primeira viagem ao Brasil, Lebret fundou aqui o
No final dos anos 1950, Lebret (1959: 5-6) publicou seu Manifesto por uma
civilização solidária. Segundo o autor, sua obra seria o resultado de anos de trabalho
artística, moral e espiritual. Para o autor, no entanto, a economia humana parece ser
fundamental do ser humano “ser mais do que é, a partir de tudo que já adquiriu, das
potencialidades que estão nele ou daquelas que lhe são apresentadas por seu meio
necessidade é sempre relativo para cada grupo, pessoa, lugar e ambiente. Isso
idéia era buscar o modo de apropriação dos meios de produção e dos avanços
183
(1950:18), não deveria ser uma revolução imediata e inflamada, nem mesmo uma
que pudesse de qualquer modo ser julgado como contrário ao sistema estabelecido.
184
segundo seu texto, uma “crença no poder quase que mágico da participação
amplia o número dos atores sociais envolvidos no debate, também fica visível a sua
descentralização de poder:
Estado não deixou de ser capitalista, mas se alterou o modo como ainda faz valer os
Franco considerou que, nos anos 1970, a sociedade civil resistia à ditadura militar.
Nos anos 1980, o papel das organizações já era novamente aceito pelo governo e
empresas.
atenção central na articulação das lutas sociais direcionada para dentro dos planos
moral e ético.
subgrupos diferentes dentro de um grupo maior não deve gerar qualquer tipo de
posição de atores:
A cidadania tutelada começa a ser substituída por uma outra, ainda não
plena porque os grupos organizados com autonomia e autodeterminação
são raros, mas sem dúvida uma cidadania moderna, fundada na noção do
direito à diferença – não apenas o direito à vida mas também o direito de
autodeterminação em questões como as de gênero, raça, idade,
manifestação sexual etc. Reivindica-se a participação na sociedade – civil e
política –, no mercado de bens e produtos de consumo, mas reivindica-se
também a manutenção dos valores culturais. (GOHN, 2001:208-209).
seus processos. Sampaio (2005: 49) defende que o declínio dos processos de
popular, pois, para o autor, quando o Estado perde força, a participação popular
declina.
Gohn (2001) lembra que, mesmo que tenham surgido “curtos verões de esperança”
nos anos 1990, como o caso que cita da mobilização em torno do “Movimento pela
Fernando Collor de Melo, as elites políticas não elaboraram um pacto social que
fosse capaz de reordenar alternativas para a crise que se estendeu pelas instâncias
sobre a existência atual de uma situação que reconhece como uma crise de
legitimidade dos sentidos e funções das instituições da era industrial. Entre elas, o
informação. Para Castells (2, 1999: 418), “neste fim de milênio, o rei e a rainha, o
Estado e a sociedade civil estão todos nus, e seus filhos-cidadãos estão vagando
conhecimento.
Vale a força dos argumentos [nas redes]. Isto é um avanço em relação aos
modelos de democracia do passado. Construir redes de participação
democrática do povo é o desafio que está posto para os que desejam
transformar a nossa sociedade em uma nação justa, prospera e fraterna.
(SAMPAIO 2005: 50).
membro, ou Nó, é responsável por suas próprias ações, enquanto a informação são
com o grupo e com sua capacidade de comunicação efetiva com o todo. Para o
autor, na rede não deve haver circuitos únicos ou exclusivos, para que o eventual
continue a circular livre de forma ubíqua para todos. Enquanto em uma organização
piramidal o nível de participação democrática ainda pode ser medido pela forma de
escolha de representantes e pelo seu contato com suas bases, na rede essa
questão nem se coloca. Cada membro da rede é representante do todo e pelo todo
e esperar pelas “ordens de serviço”, nas redes espera-se mais de cada integrante. É
preciso que cada Nó se defina como ativo e que procure desenvolver-se junto com a
piramidal.
Moinet (documento digital) defendem que as pirâmides são mais usuais porque
de riquezas:
ordens “descem”, e sugestões, que quase sempre são definidas por questionários
cultura de favores e pela burocratização. Essa análise parece tanto valer para uma
por exemplo, já que este modelo, como as redes, é um padrão que pode ser
ordenada das cidades, sendo utilizadas apenas como fonte de informação técnica e
Por outro lado, percebe-se que próprio modelo das pirâmides, no entanto,
redes. De acordo com Whitaker (documento digital), embora as redes pareçam ser o
situações em que as pirâmides parecem ser mais adequadas que as redes. Podem-
lembrar que as pirâmides ainda são o modelo seguido pelos partidos políticos,
participação popular.
194
que ainda não seja plena como condição ou em qualidade, dados os vestígios da
destaca que “os conflitos sociais contemporâneos têm encontrado novas formas de
pessoal”. Por seu discurso, percebe-se o surgimento recente dos Conselhos, que
considera como órgãos de mediação povo-poder, como uma das estruturas que
propostos ainda nos anos 1970 e1980, a partir da organização da sociedade civil, e
têm âmbito territorial local, como as associações de bairro, por exemplo. Conselhos
cada instância, mas são coordenados pelo poder público e são formados por cargos
1988. São definidos pela lei e, teoricamente, abrangem todos os cidadãos, não
audiências públicas. Mas, conforme explica Gohn (2001: 211), “na realidade é o jogo
estruturas que talvez possam ser consideradas como pirâmides formadas por redes,
nas quais ainda há as figuras centrais e polarizadoras, mas que mantêm e garantem
pela formação de subgrupos de estudos e trabalho, que propõem ações para o todo
Nós que se encontrem presencialmente, e que também conte com outros que não
necessariamente tenham contato físico com os mesmos ou entre si. Este é o caso
país19.
19
Diretrizes Nacionais para a Política de atenção integral à infância e à adolescência. Presidência da República, Secretaria
especial dos Direitos Humanos, CONANDA. Brasília: 2003:43.
196
experiência humana, Castells (1, 1999:497) afirma concluir que, “como tendência
vez mais organizados em torno de redes”. Para ele, as redes não são apenas
ainda lembra que a organização social em redes não é novidade, pois já ocorreu em
outras épocas, mas afirma que o novo paradigma das TIC fornece a base material
para “sua expansão penetrante em toda a estrutura social”. Castells (1, 1999: 498)
Santos Jr. (2005: 43), que constata que a participação política no Brasil fica restrita a
individualização dos trabalhadores faria com que os mesmos perdessem sua força
assistência social. Pode-se crer que, mesmo que a esfera das relações capitalistas
deliberadas para tanto, o que poderia, então, ser fomentado pelas redes.
ação humana, Wittmann afirma que “somente com uma organização de forma
básicas da população”. Nesse mesmo sentido, a rede também seria uma alternativa
de direitos, para que sejam o fim e o meio do trabalho em rede. Nesse ponto, vale
lembrar Camargo (1997:09), que afirma que ainda persiste, como em outros tempos,
tecido vivo de contatos e vínculos. Nesta última definição, pode-se apontar a sombra
sociedade civil. Neste sentido e pelas discussões já levantadas, talvez seja possível
fragilizadas. Conforme explicam Sorj e Guedes (2005), a pobreza não pode ser
capitalista pode fazer com que a posse e utilização dos mesmos se tornem
promovida pela indústria cultural, e fazem com que aqueles que não os possuem,
Uma das preocupações que Gómez (1997) torna clara é o impacto que
essa nova forma de encarar a realidade pode criar nas relações internacionais,
grande valia para o design de ações locais, em um contexto em que micro e macro
regime socialista. Principalmente esses dois fatores, dentre outros, teriam provocado
regimes autoritários.
Mas um dos fatos destacados pelo autor que maior interesse despertou
período da história atual é comandado pelo capital financeiro, que é controlado pelas
concentrado em tão poucas e tão poderosas mãos”. Caccia Bava (2004) ainda
capacidade crítica de manipulação das TIC se desenham como alicerces, tanto para
inclusão digital por si só não garanta a inclusão social, apesar de colaborar com o
alternativas para isto. Entretanto, talvez seja possível afirmar com maior segurança
social e da perda dos referenciais culturais, por meio de ampliação de sua força e
sem a interferência clara das TIC. É o caso que pode ser constatado na observação
domínio e, neste caso especificamente das TIC, deva ser o lastro para este desejo
205
favorecer a inclusão social”. Bucci (2001) comenta que as políticas públicas são, ao
que são, segundo ele, “os principais agentes de transformação social” em apoio à
estabelece Caccia Bava (2004), a inclusão social não significa apenas atendimento
usufruir, de forma justa, os bens produzidos por sua coletividade. Para que isso
ocorra, o indivíduo deve poder ser acolhido no coletivo a ponto de desenvolver seu
Internet”:
nas três esferas de governo e com aporte dos segundo e terceiro setores.
direitos. Nesse sentido, para Bucci (2001), políticas públicas seriam atualmente
dos direitos humanos. O autor ainda afirma que o aumento sensível do número e da
Da mesma forma, Saule Jr. (2001: 22) também afirma que um dos pontos
sobre políticas públicas, e isto ocorre, fundamentalmente, em nível local, para depois
deliberações.
alternativas ao status quo. Chauí (2005) destaca dois pontos que levam à reflexão
ideologia não tarda a sair da indústria e caminhar para a vida pública, fadando as
quando se aceita a constatação de que a sociedade atual não está mais fundada no
dos grupos.
tecnológicos e culturais que o contato com as TIC podem proporcionar aos grupos, a
inclusão digital em massa pode ser tomada como uma “ação social de grande
não são considerados pelos governos e muitas vezes, nem mesmo pela iniciativa
colaborar com outros processos edificadores da vida humana, tais como a própria
211
– que pode levar, então, à inclusão social e à garantia de defesa dos patrimônios
fundamental de pensar e de saber se orientar na vida. Para tanto, segundo sua linha
utilidade para a instrução e a cultura públicas” e, por isso, afirma que deveriam ser
mercado: ”Os teatros existem na medida em que são um negócio comercial: não são
As TIC têm interferido na estrutura das comunidades que podem, por meio
acreditam que hoje a internet possa vir a ser uma ameaça de redução dos contatos
menos tempo elas gastam com seres humanos reais.” No entanto, Wellman e Hogan
trazem para perto”. Esta idéia ainda é reforçada pela constatação dos mesmos
autores de que, além de tudo, os usuários da internet apresentam perfil que favorece
Também como discute Reingold (1994), nos dias de hoje certamente não
poderiam ser estipuladas, inclusive, de acordo com a utilização das TIC. Percebe-se
que mesmo essas categorias não podem ser tomadas como divisões estanques,
pois abrigariam subdivisões, já que uma mesma pessoa ou grupo de pessoas pode
têm se tornado cada vez mais raros e peculiares. Estabelecem-se de acordo com os
grupos religiosos asiáticos para os quais não há valoração cultural das TIC.
relacionados aos telefones fixo e móvel. Assim, mesmo que essas comunidades não
problema parece ocorrer quando a apropriação das TIC ocorre de forma não
virtual. Assim, estas comunidades dependeriam totalmente das TIC para sua
existência e manutenção.
reconhecem com base no interesse comum que, no caso, pode até mesmo ser a
soma dos interesses individuais, que devem ser rapidamente satisfeitos. Nesses
afirmar, segundo o discurso aqui traçado, que há, em certa escala e nível,
as vezes de “Lugar”.
das redes comunitárias virtuais. Um dos fortes argumentos em defesa deste tipo de
pelas TIC para ampliação de seus fluxos internos, fortalecendo seus laços de
dos casos, como já se discutiu. Pode-se, no entanto, entender como exemplos desta
uma intranet a ser animada por agentes locais ou pelos residentes da rua. Os
mesmo para o fortalecimento dos laços de amizade entre eles. A tendência, afirma o
autor, é de que, em experiências como essa, as pessoas sintam seus laços mais
estreitados e que um encontro face a face posterior à experiência digital seja mais
caloroso. Esse ponto pode demonstrar que, em vez de inibir o contato presencial e
comunidade local.
exerceu sobretudo nos jovens ávidos pela linguagem dos videogames da época, a
meio físico, culminando em encontros presenciais entre pessoas vizinhas que mal se
cumprimentavam.
abertamente a internet e, por meio dela, abrir a comunidade física para outros
unidos pelo interesse e pela prática comuns. Assim, com os membros distantes, os
quais podem ou não chegar a ter contato presencial ou físico com a comunidade
que apresenta uma estrutura similar à que se deseja clarificar, mas que possui outra
escala e porte, seria o fenômeno que ocorre na chamada “Cidade Global”, formada
24 horas por dia, influenciando diretamente a vida de pessoas dessas cidades e, por
21
http:// www.telecentros.sp.gov.br. Documento digital acessado em mar. 2003;
http:// www.solonopole.ce.gov.br. Documento digital acessado em mar. 2003;
http://www.piraidigital.com.br/ Acessado em 18 mar. 2006.
220
comunidades e as TIC. Pode-se, por meio dela, inclusive avaliar níveis de impacto,
área.
a preocupação das comunidades está mais voltada a um tipo de inclusão digital que
poderia ser considerado como mais passivo ou receptivo do que os próximos que
grandes variações.
uma atividade ocorrida em Ribeirão Preto no início dos anos 2000. O projeto de
modular, as BAC que foram instaladas (cerca de 10) tinham seu espaço interno
que, aparentemente, pouco podem colaborar com os usuários, a não ser para o
funcionamento.
de São Paulo, no final dos anos 1990, como salas com capacidade para cerca de
222
vinte computadores ligados à internet, com acesso por banda larga, disponíveis
Complementados por iniciativas como o programa estadual Acessa São Paulo22, por
softwares e um aporte maior dos esforços logísticos, pois são criados ou ampliados
serviços e atividades a partir do acesso e uso das TIC. Neste patamar, pode ser
Avançados, IEA, da USP, e tendo à sua frente o economista e sociólogo Dr. Gilson
caso, foi dada atenção especial, sobretudo, ao turismo, que é uma de suas mais
núcleo de ações que tem objetivado inserir a localidade no contexto atual global.
23
O Seminário ocorreu entre 23 e 24 de outubro de 2003 e foi uma iniciativa conjunta de FEA/USP, Departamento de
Biblioteconomia e Documentação, ECA/USP.
224
sobreposição ou fusão das instâncias local e global de uma comunidade por meio da
chamando-o de “Glocalização”.
principalmente com relação aos eixos saúde, educação, promoção social, emprego
e cultura, e o projeto foi definido com as seguintes faces, enumeradas por Schwartz
(2003):
Paulo”, Schwartz (2005) relatou o que avaliou como sucesso do projeto que, entre
e 10 toques para telefones celulares para a operadora “Oi”. O projeto constatou que
há mercado para esse tipo de produto e deve ampliar sua carteira de parceiros
de tela são pinturas e desenhos que tratam do povo, do artesanato e das paisagens
locais, os toques são trechos do Coco de Zambê, música folclórica local que é
originada nas cantigas dos escravos e foi executada pelo conjunto musical de
torno do interesse comum, que, no caso, pode ser observado na geração de renda e
De acordo com Silveira (2005), autor que fornece este quadro analítico, o
último estágio da apropriação das TIC pelas comunidades seria este, no qual a
seriam fundamentais.
Um exemplo citado por Silveira (2005) e que também foi foco de atenção
do jornal “Estado de S. Paulo”, no mesmo ano, é o caso da rede formada pelo setor
24
Documento digital disponível em http://www.sindicato.org.br/. Acessado em janeiro de 2006.
227
Preto, o consultor do Sebrae Gilberto Alvaro Campião citou o caso de Birigui quando
cidades até então concorrentes, como Jaú, Franca, Santa Gertrudes, Jundiaí, São
softwares pode levar aos códigos livres abertos e à implantação de ações que dão
visibilidade à importância das TIC, gerando uma reação em cadeia em prol de sua
provavelmente ações desse tipo devem ficar mais comuns. No entanto, como lembra
específico. Uso este determinado pelo receptor. Assim, pode-se afirmar que,
sociedade brasileira.
Talvez dois momentos históricos que ocorreram por volta do ano 1500
Gutenberg. Após a primeira impressão, não por acaso uma Bíblia, e juntamente com
humanidade.
229
Um pouco mais tarde, Lutero realizou uma de suas ações pontuais mais
simbólicas de sua luta para a modificação da Igreja, ao traduzir a Bíblia do latim para
o alemão. Mesmo não tendo sido o primeiro tradutor, a forma como o fez e a
seu livro chave ao repertório dos receptores, que não mais precisariam do clero
pode-se destacar mais uma vez que a idéia de apropriação universal, crítica e
essa condição da rede possibilita o acesso público ao mesmo tempo em que limita
das TIC pelas mais diversas populações, possivelmente pela flexibilidade da sua
230
estrutura. Por outro lado, o autor não omite a opinião de que, mesmo sob essa
domínio eletrônico.
entre indivíduos e grupos. O autor ainda lembra que, agora, a rede já estimula a
digital e exclusão social. O autor também acredita que as definições sobre os rumos
da tecnologia são opções políticas, sempre. Silveira (2005) defende a idéia de que a
abertura pois ainda não havia se concebido a sua potencial utilização para a
denominam como cidadania. A problemática ainda fica mais explícita quando não
sociais, nos quais possam ter qualidade de vida, e não na pura ausência de acesso
a bens e serviços”.
231
intervir diretamente na cultura política da sociedade e que, talvez por isso, seus
auto-sustentável e duradoura.
situação ilusória de sucesso. Parece ser mais fácil e rápido promover números, com
ser relacionada com o discurso de MacLuhan (1999), que aponta para o fato de que
232
o meio de divulgação das mensagens tem tanta ou até mais importância do que o
conteúdo das mesmas – característica que faz com que o meio influencie tanto na
que comenta o autor citado, a cada época as novas tecnologias alteram também o
anteriormente, não eram por elas alcançados. Pode-se assim supor que, dentro do
apenas pela estratégia escolhida pelo transmissor, mas também pela capacidade do
entre os indivíduos usuários da rede. Castells (1 1999) prevê que não apenas
haverá a restrição da opção multimídia ao grupo formado pelos indivíduos que forem
considerados pelo mercado como público potencial, que será o grupo detentor de
acesso, mas o saber sobre o que procurar e como sintetizar e utilizar a informação
pelo que o autor chama de “mídia de massa personalizada”. “Essa é a nova fase da
2001: 17).
Chauí (2005), uma divisão social e de trabalho balizada pelo conhecimento, em que
também aqueles formados por indivíduos que não serão capazes sequer de acessar
Esse é o atual estado de coisas, a menos que ocorra uma mudança nas leis
que regem o universo informacional do capitalismo, pois, ao contrário das
forças cósmicas, a ação deliberada do homem pode efetivamente mudar as
regras da estrutura social, inclusive as que levam à exclusão social.
(CASTELLS, 3 1999:192).
pela imposição do novo paradigma econômico baseado nas TIC. Maior atenção dos
necessária para a dimensão de revolução apresentada pelas TIC, que tanto pode
industriais”.
ampliados.
ciberespaço é uma questão que fica destacada ao se atentar para o fato de que,
constante de informações se torna imprescindível dia após dia, pois tudo tem levado
globais.
sistemas, o software livre aberto tem se colocado como uma alternativa de opção
direito fundamental de todos e acredita que a internet não deva ser entendida como
uma ferramenta do mercado capitalista, mas sim recuperando parte de seu espírito
236
Mitchell (1997) deixa claro que o verdadeiro poder está na capacidade de controlar o
código.
237
poder exercer para que se alcance a essência do uso dos chamados softwares livres
utilização para qualquer propósito, com (3) acesso ao código fonte que possibilita
software livre aberto é utilizado por uma comunidade específica para sua própria
início dos anos 2000. Considerada como “pioneira” e alardeada por muitos
divulgou uma série de ações que visavam informatizar a cidade. Contando com a
exposto no website da cidade25, foi possível notar que muito do que se afirmava não
25
http://www.solonopole.gov.ce.br – acessado de abril a junho de 2003.
239
plataforma GNU/LINUX seria universal não era verdadeira. Nos pontos de acesso
chamou a atenção foi a existência do que se poderia supor ser uma espécie de
política. A Câmara municipal, que tinha sua maioria de vereadores na oposição, não
tinha liberação de acesso à internet, até conseguir obtê-la por meio da Justiça. O
Ausentes”, presente no portal municipal. Em uma época em que não havia websites
para que os mesmos pudessem reencontrar ou manter contato com seus parentes e
amigos que tentavam a vida em locais distantes. Sistemas de e-mail e chat públicos
forma centralizada, filtrada pelo órgão competente da prefeitura municipal. Por fim,
O que se deseja demonstrar com este breve relato é que, mesmo que a
cidade toda fosse servida por sistemas livres e abertos, não seria possível afirmar
240
que a política pública de inclusão digital de Solonópole tivesse sido orientada para a
possível afirmar que se tratava de uma estratégia que teve seus méritos e que
cidade e de seu povo, mas que foi, fundamentalmente, direcionada para fins político-
anterior à opção pelo software aberto livre, está a opção política de determinação
parece ser a pedra angular da inclusão social. Isso se explicaria pelo fato da
apontam para a introdução das questões relativas às TIC nesse âmbito, afirmando
que o acesso aos computadores (ou, atualmente, a outros artefatos que já não
operar máquinas e sistemas, que seria uma categoria apenas funcional, como
sociedade”. Em outras palavras, isso significaria educar o indivíduo a lidar com sua
que haja a preparação dos usuários para que estejam habilitados para tanto. Em
para uma educação adequada aos novos tempos, Silveira (2001) defende a
cognitivas humanas:
[...] não basta levar computadores para as escolas. É preciso discutir seu
uso didático-pedagógico e buscar incorporá-los ao processo de ensino e
aprendizagem. Também é necessário formar adequadamente professores
capazes de ensinar informática para evitar a subutilização dos laboratórios.
(SILVEIRA, 2001:33).
como outro fator basal para a utilização efetiva da internet. Essa rede garante a
como também a formação e/ou capacitação dos corpos docentes para tal desafio.
frente às TIC para que, em vez de meros usuários, os alunos e, por extensão e
metodológica e logística foi estabelecida pelo SESC São Paulo, em 2003, e descrito
ciberespaço.
Internet.”
sujeito” (grifo do autor). De acordo com o SESC, todas as atividades devem ser
Isso significa que o aprendizado deve ocorrer de forma intuitiva e orgânica, a partir
(que varia de unidade para unidade em forma, mas não em conceito), respeitando
pedagógicas seja urgente. Rigal (2000) relaciona este debate com a Pós-
Silva (2004) analisaram a iniciativa do Laob - Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, que
existe desde 1872 e teve sua linha pedagógica atualizada em 2002. Por meio de sua
confrontada por Jambeiro e Silva (2004), de que o senso comum acaba por
esta noção:
entusiastas poderiam argumentar, a inclusão digital nesse nível não surte efeitos
comunitária. “Usualmente pensa-se que o acesso digital pode ter para o pobre efeito
para os alunos em interface com a sua formação social para a cidadania, como
Também eram incentivados os usos de chats para debates sobre temas que
248
temáticas semanais.
inclusão digital estipuladas por governos ou pela iniciativa privada ocorre quando o
diários. Para Sorj e Guedes (2005:03-04), pela questão de a inclusão digital ser
máquinas e até mesmo com o lay-out do ambiente estabelecido para tanto, são de
249
fundamental importância para o uso satisfatório da internet em uma ótica que avalie
não dominam sequer sua língua mãe e apresentam dificuldades para interpretar
trabalho, a utilização pode até ser permitida, mas é fortemente normatizada; e para
aqueles que possuem pontos de acesso em domicílio, mas cuja conexão é discada
Banco do Brasil, por exemplo, que oferece seus computadores usados para
programa, relatou:
Antes os computadores que não eram mais utilizados pelo banco iam a
leilão e agora estão contribuindo para o combate à exclusão digital no
Brasil. A ausência de conhecimentos em informática é um grande obstáculo
para a colocação no mercado de trabalho.
o Brasil, em que o abismo das exclusões talvez seja quase “palpável”. No entanto,
acredita-se aqui que as questões conjunturais não podem fazer com que se perca
Hogan (2005: documento digital) também acreditam que a exclusão digital é mais
iniciado.
ser vistas como ameaças quanto tomadas como bases para o desenvolvimento
26
Documento digital disponível em http://www.metropolitanosc.com.br/site/vernoticia.php?id=7016, acessado em 13 mar. 2005.
251
inovações podem gerar, fazem com que haja também um outro ponto de
empobrecidas recebem, via de regra, o foco das atenções, mas a demanda tem sido
mapa da pobreza das regiões brasileiras determina uma situação na qual, como Sorj
país”.
também para o acesso ao ciberespaço via internet ocorrido nos espaços de trabalho
devem ser levados em conta, pois, além de o uso não ser livre, os autores também
identificam nos ambientes de trabalho, por exemplo, uma forma de exclusão latente,
têm mais acesso, as mulheres, pelo tipo de trabalho a que na maior parte dos casos
se destinam, como domésticas, por exemplo, têm contato com as máquinas, quando
subutilizada, fica ainda mais clara quando se trata de observar a faixa etária. No
velhos, por terem menor chance de manter sua formação continuada e por já
trabalho, muitas vezes apenas quem já está no mercado é que pode conhecer e se
Sorj e Guedes (2005:20) chegam a propor que haja políticas públicas que
universalização das TIC está intimamente ligada à universalização dos outros bens
sociais.
faz com que a dinâmica cultural em âmbito pleno seja entendida e descrita de
(por outro bem cultural, que também pode ser dinheiro); 4. consumo final ou uso
do grupo maior sob sua influência. Como já foi discutido nas colocações de Laraia
(2001: 96), há dois tipos de mudança cultural. A primeira seria interna, resultante da
dramática situação de contato, o ritmo de mudança poderia ser alterado por eventos
Laraia (2001: 96) lembra com perceptível pesar o caso exemplar da destruição das
raciocínio para a esfera das políticas públicas, para a promoção da capacidade das
254
idéia de que a inclusão digital não é apenas a garantia de acesso às TIC e a seu
qualidade dos serviços e dos processos pedagógicos, mas não se deixa de valorizar
excluídos.
política, sobretudo neste campo que, por muitas vezes, não tem sua infra-estrutura
sequer perceptível, é a logística. Para Silveira (2001), a política de uso da rede, que
não deve estar disponível apenas para poucos, pode determinar tanto o
das liberdades e direitos, podendo ser utilizada como uma “jaula invisível”. Jambeiro
vencer.
telecentros. Essas ações têm sido favorecidas por parcerias entre organizações não-
pode ser válido lembrar das facilidades oferecidas pela iniciativa privada e os
informativos que, na prática, não contribuem para que haja interação efetiva entre o
caso do Brasil, pois, como se afirmou anteriormente, a falta de uma política nacional
faz com que as iniciativas sejam parcas e desconectadas entre si, mas também
reconhecem esse tipo de ação, como todas as políticas de inclusão digital, tende a
qualidade.
estabelecer seu conselho gestor formado por membros das comunidades. Mesmo
que os telecentros pareçam ser uma ação isolada, que se torna vulnerável à
recebem. Por outro lado, o caso do desenvolvimento integrado da Praia da Pipa, por
exemplo, mostra como as TIC podem ser utilizadas para, ao mesmo tempo em que
preocupação com uma política integrada, possivelmente não teria o mesmo impacto.
43) considera a questão da exclusão social, por si só, como um ciclo vicioso
elas]”.
entre governo e sociedade civil organizada, locais, regionais e nacionais, que podem
oficial que traça uma série de ações e metas para a garantia dos direitos, voltando a
atenção para a questão das TIC e da inclusão digital – notadamente quando trata de
documento orienta, em seu artigo 104, a proposição de legislação que coíba o uso
da internet para incentivar práticas de violação dos direitos humanos. Mais à frente,
Direitos Humanos, que tem como interface com a sociedade um website na internet:
27
Delors (2000) defende que a educação no início do século XXI deve se preocupar com quatro premissas básicas na
elaboração de seus currículos, planos e metas: educar para que o indivíduo se reconheça como ser social; para que saiba
conviver consigo mesmo e em sociedade; para que tenha capacitação e habilitação prática; e, em busca da autonomia e
protagonismo, para que aprenda a aprender, sendo capaz de desenvolver seu repertório intelectual de maneira independente.
259
multiplicidade étnica e cultural do país. Segundo o artigo 459 do plano, isso deve
patrimônio cultural de cada grupo. Assim, o artigo 460 estimula o fomento das
[...] implantada pioneiramente pela prefeitura de Piraí e que contou com o apoio
Médio Paraíba, a 300 quilômetros de São Paulo, 330 quilômetros de Belo Horizonte
problemas da cidade.
físicas e digitais. As comunidades rurais, que antes ficavam isoladas pela geografia
do município, cidade e distritos e que migravam para a área urbana, parecem estar
produtos. Além do aporte econômico que devolveu muitas pessoas à zona rural, as
canais de exportação, preço dos insumos, cotação dos seus produtos, etc.” (PGPC,
2004: 82).
tem obtido sucesso por não se restringir a uma visão parcial, focada apenas na
da saúde, educação, meio ambiente e geração de emprego e renda, nas quais são
“Piraí decidiu adotar uma proposta em que todos podem usufruir as novas
patrimônio local cultural, todas as comunidades recebem atenção e têm sua rede de
podem fazer com que essas pessoas e comunidades tendam a se tornar agentes de
modificação de suas vidas e de sua cidade. Coelho, F.D. (2001,13) acredita, enfim,
que o Espaço seja reflexo e condição das práticas sociais estabelecidas e defende
as redes:
debate universalizado e participativo são “fundamentais para atingir uma escala que
iniciativas voluntárias não têm condições de obter”. Na verdade, parece ser possível
supor que, no contexto atual do país, nenhum setor sozinho possa suprir a demanda
pelo direito às TIC, como forma de real favorecimento das estruturas comunitárias, a
trabalho.
5 CONCLUSÃO
ampliação, dos pilares clássicos das comunidades, o que fez com que a
seja por processos mediados pelas TIC (em ambientes virtuais), para alcançar êxito
Comunidades que têm surgido com a possibilidade de contato com as TIC pela
266
imersão dos grupos locais no contexto global também não podem ser concebidos
sem flexibilidade.
torno e por meio de seu patrimônio cultural, que garante, inclusive, a possibilidade
coesas e serem fortalecidas nestes novos tempos parece estar na sua capacidade
planejada, pois é possível crer que, quanto mais forte for a coesão do grupo em
torno de seu patrimônio cultural, mais forte será o grupo e melhor resistirá aos
constantemente, por meio dos processos internos do grupo e de seu contato com
outros grupos”. Logo, o patrimônio cultural não é algo original, formado sem
influência externa, mas deve ser protegido do impacto que pode ocorrer quando a
cada dia mais perceptíveis como universo físico, fica claro que estejam também
território, dada a criação de fluxos que poderão ser entendidos como fixos – situação
deixaria as bordas do abismo entre incluídos e excluídos cada vez mais distantes e
que o mesmo é uma ferramenta, e não uma entidade viva consciente. Além disso,
TIC pode também interferir na relação que se estabelece entre as comunidades, seu
formada também pela cidadania e pela soberania popular. Isso significa que para se
avanços, pode vir a ser o grande Leviatã. Afinal, seja nos ambientes públicos ou
para tanto. Mostra-se, assim, o poder de influência das TIC e sua condição de
mais diversos segmentos e atividades humanos, têm feito emergir o dilema inclusão/
funcionamento, o que não exclui a divisão e especificidade de funções, mas faz com
indivíduos que ocorre nas redes. Situações que apresentam o que poderia se
grupos.
estão cada vez mais desestruturados e o Estado tem perdido crescentemente sua
vulnerabilidade social e, por essa ótica, cultural e política. Nesse contexto, quando o
relação também pode se dar no âmbito das relações humanas e políticas, que
democracia, mesmo que a segunda seja patrocinada pelo primeiro. Nota-se que,
com a soma desses fatores, que também têm ocorrido em várias partes do mundo,
opinião pública.
comunidades e o aumento das diferenças sociais fique cada vez mais urgente e
por meio da pirataria, por exemplo. Contudo, tanto o consumo facilitado quanto a
apropriação “irregular” não devem ser tomados como caminhos positivos caso não
haja o preparo das comunidades para a utilização dos bens que assim adquirem.
cultural, a pirataria pode ser entendida como uma estratégia do próprio sistema para
cultural genuíno dos usuários piratas que, em vez de desenvolverem suas próprias
segmentos da população, pode até mesmo ser aceita pelos grandes produtores de
software como uma estratégia de mercado, para que se estabeleça seu monopólio.
Por outro lado, mais que apenas copiar o bem cultural de outro grupo, a banalização
tecnológica tem permitido que, a exemplo da difusão dos softwares livres e abertos,
multiplicação. Uma ação cultural ampla com base no uso e manipulação livres do
cultural próprio pode ser de grande valia contra a ameaça apresentada pela indústria
cultural massificadora.
diferenças entre eles. A democracia parece ser um sistema que deve garantir a
capacidade dos indivíduos e grupos de gerar, lutar, conquistar e manter seus direitos
que pode ser coordenado por um grupo temporariamente eleito para tanto, suas
seriam, por si sós, um direito social. Estas condições também servem diretamente
aos direitos civis, pois podem ser utilizadas pelo povo como escudo contra o Estado,
conquista de direitos pela inclusão social, acredita-se que a exclusão digital possa
prol da inclusão social, e que haja a definição de políticas públicas integradas para a
inclusão digital, e não apenas uma ou outra experiência pontual atingindo partes das
orientados pela busca de redução dos impactos negativos e dos danos sociais que o
uso desequilibrado das TIC pode gerar ou fomentar nos setores e grupos sociais
e oportunidades de vida.
TIC, não basta haver apenas acesso à internet e aos códigos fonte. É preciso que
haja apropriação crítica. Nesse caso, o processo educacional pode ser, como se
interessante observar como a rede, física ou ampliada, pode ser entendida como
contínuo pode ocorrer quando se observa que, principalmente após o advento das
que é uma limitação muito clara para que se alcancem patamares de inclusão além
do simples contato.
perceptivelmente crescente que tem sido dada ao uso dos softwares livres e
abertos. Supõe-se que, para o bem das comunidades, melhor será que esta estrada
seja desenhada por ações planejadas que sejam ao mesmo tempo processos
mas as culturas de sociedades inteiras podem também estar em jogo durante essa
educacional brasileiro, que não aparenta estar apto à formação de cidadãos plenos,
garantia de direitos e promoção humana por meio da apropriação das TIC, é preciso
observar que, para cada grupo, talvez haja uma necessidade diferente e que o
levantamento das mesmas deve ser realizado com participação do próprio grupo em
público e sociedade civil organizada para que funcione de forma construtiva, dentro
dos novos paradigmas colocados pelas TIC e pela Globalização. Além disso, cabe
lembrar que o Povo é o todo. Não há indivíduo que não seja parte do Povo. Logo,
respeitados.
que ainda é multiplicada pelos níveis de interação com as TIC em que as mesmas
faz com que se torne urgente a discussão da questão da inclusão digital. Esta
preocupação deve ser encarada como uma política pública que, além de ser
mesmo que a inclusão digital não signifique inclusão social imediata, a condição de
níveis. Nesse caso, poderá ser construído um cenário de atraso que poderá fragilizar
da soberania popular.
Brasil ocorreram de forma pontual. Por não ter havido, até o momento, qualquer
que a questão ainda é bastante nebulosa para muitos, mas universidades, iniciativa
hipótese geradora deste estudo parece estar no fato de que, uma vez tocadas pelas
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