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O termo “gótico” surgiu no renascimento italiano para designar a arte

medieval entre característica dos séculos XII e XIV. O termo gótico foi,
muitas vezes usado pelos artistas renascentistas como referencia à arte
com origem nos Godos (povo bárbaro), associando assim estas obras à
barbárie. Contudo, ao contrário do pensado no renascimento, o gótico foi
uma revolução artística de magnitude impressionante, coincidindo com
revoluções a nível social, económico e religioso que são, no fundo, os seus
princípios.

O gótico nasceu na Île-de-France pelas mãos do abade Suger, com a


edificação da Abadia de Saint-Denis, a partir de 1122. Foi a partir daí que
Suger traçou o modelo da arquitectura gótica, fundando os seus planos nos
escritos místicos de Saint-Denis. Segundo o abade, “a casa de deus devia
ser um local em que pudéssemos ser transportados misticamente deste
mundo inferior àquele mundo superior”. Este pensamento serviu de base à
arquitectura gótica.

A partir do séc. XII, o Gótico manifestou-se, inicial e essencialmente,


através da construção de catedrais.

Estes edifícios, face à igreja românica tradicional, ganhavam o espírito


urbano e autonomia relativamente ao poder do rei, o que resultou numa
acentuada alteração formal. A um nível mais geral, este estilo foi
influenciado pela tendência da sociedade para a laicização, que se revela,
por exemplo, na representação do divino — o Cristo-Rei e Pantocrator é
substituído pelo Cristo-Salvador do homem — e numa nova concepção do
homem, do mundo e de Deus.

O estilo gótico foi dinamizado principalmente por dois aspectos: o


crescimento do comércio e o ressurgimento das cidades, ambos
consequência do estabelecimento de redes comerciais entre o Oriente e a
Europa. Com o declínio do sistema feudal, a vida comercial e urbana começou
a ganhar protagonismo, dando origem a uma nova classe social: a burguesia
(apesar deste êxodo rural, a Europa continuou um continente
essencialmente agrário e aristocrático). Esta classe social foi uma grande
impulsionadora da arte, visto que rapidamente ganhou importância
económica podendo subsidiar os artistas.

Paralelamente ao crescimento das cidades, os mosteiros perderam o seu


papel no desenvolvimento económico e cultural. As urbes tomaram o
protagonismo no primeiro aspecto, enquanto as universidades o fizeram no
segundo. Estes factores indiciam o aspecto mais fundamental da arte
gótica: o seu carácter urbano.

O gótico foi essencialmente formado pela intervenção de duas ordens


religiosas: a de Cister, que abnegava as curvas, as formas escultóricas, a
cor, em prol da pureza da forma (linha recta), e a de Cluny, que via a igreja
como uma forma do homem transcender a sua existência terrena,
materializando-a sob a forma de um edifício sublime, magnânimo e
resplandecente. Contudo, apesar destas duas ordens reimpulsionarem o
Cristianismo, este começou a perder valor para a sociedade, principalmente
devido à perda de influência dos mosteiros. Uma nova concepção do homem,
do mundo e de Deus e a convergência para a cidade levaram a sociedade a
conhecer outras formas de viver que não a ditada pela igreja. Assim, o
ensino deixa de ser exclusivo dos mosteiros, ganhando um carácter laico,
introduzem-se novas temáticas de estudo desligadas da religião, como, por
exemplo, o pensamento aristotélico, e as universidades começam a ganhar a
influência. Estes factores de afastamento da igreja vão fazer com que esta
tente acompanhar o ritmo da época, introduzindo a escolástica como
impulsionadora da religião.
A catedral

No período gótico, a catedral foi a tipologia mais comum. Tal como no


românico, a igreja gótica funcionava como um microcosmo, reflectindo o
universo religioso em que se inscrevia. Contudo, no gótico há uma
aproximação ao homem, o que está patente nas esculturas, e surge o vitral
(que substitui o fresco da igreja românica), que desmaterializa a
arquitectura, convertendo-a num espaço mágico.

A nível formal, verifica-se, relativamente à igreja românica, o elevar das


naves, a diminuição do volume das paredes de pedra, o que permite a
inclusão de enormes vitrais policromáticos característicos destes edifícios.

Esta nova engenharia é conseguida através do uso de estruturas e técnicas


novas, como o arcobotante/contraforte, o arco quebrado, as abóbadas de
cruzaria... A evolução dos sistemas e técnicas construtivos também se deve
à rivalidade existente entre as cidades, que impulsionou a imaginação dos
arquitectos góticos.

Os novos sistemas e técnicas construtivos são os principais factores da


flexibilidade da arquitectura gótica. São eles o arco quebrado, formado por
dois segmentos de círculo que se intersectam (conseguindo que as cargas
exercidas sejam menores), a abóbada de cruzaria, constituída por dois
arcos quebrados que se cruzam na diagonal, funcionando como um esqueleto,
o arcobotante, arco que transmite o impulso da abóbada para o exterior e o
contraforte, que transmite as forças do arcobotante para o chão.

A cidade gótica

Apesar da construção mais característica do período gótico ter sido a


catedral, houve espaço para o desenvolvimento de novas tipologias
arquitectónicas, fruto do desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais
urbana, organizada e com mais preocupações laicas. Relativamente às
cidades, estas começaram a crescer, contudo, devido à insegurança
característica da baixa idade média, começou-se a proceder à construção
de muralhas que ladeassem as urbes — concedendo-lhes protecção e meio
de cobrar impostos. O crescimento também obrigou à constituição de novos
edifícios civis. Podem distinguir-se dois tipos de cidade medieval: as que
cresceram organicamente, resultado da topografia ou da presença de
edifícios importantes, e as que eram planeadas já de início. As últimas,
construídas com propósitos económicos ou militares, obedeciam a traçados
regulares. A necessidade de organização levou à constituição de várias
tipologias como o mercado, a câmara municipal, através das quais se
orientavam os outros edifícios. A catedral também ocupava, nestas cidades,
um local central. Estes edifícios centralizados foram o berço de espaços de
índole lúdica, como praças, e a partir dos quais se realizavam cerimónias,
comemorações ou mesmo actividades económicas como o artesanato e o
comércio. Esta vitalidade urbana é própria do período gótico: o surgimento
de música entre as classes populares, dos jograis e dos trovadores, as
festividades nos dias de feriado são os impulsionadores da revitalização
urbana. Nestas cidades também se verifica a existência de edifícios
totalmente direccionados para mostrar o poder económico, político e social,
como é o caso de alguns palácios. Em Portugal podemos encontrar um
exemplo nítido de uma cidade gótica – a cidade de Tomar.

A escultura gótica

Relativamente à escultura no período românico, a escultura gótica manteve


várias das suas características, como por exemplo a relação simbiótica com
a arquitectura. Contudo, com uma maior liberdade na representação, este
aspecto referido vai-se diluir, soltando-a da arquitectura, dando-lhe uma
nova vitalidade.

A nível formal, a escultura gótica recomeça a introduzir a monumentalidade,


a expressividade e a aproximação ao real nas suas obras. Com a libertação
da escultura do estereótipo imóvel e irrealista que havia ganho no românico.

Durante o período gótico surgem novas “tipologias” de estátua: as estátuas


colunas, que são suportes arquitectónicos esculpidos, e as estátuas
jacentes, obras que representam realisticamente o morto sobre o qual estão
colocadas sob a forma de jazigo.
A pintura gótica

A pintura gótica, seguindo as mesmas passadas que a escultura, vai-se


aproximar mais da realidade, apesar de manter ainda forte as
características de formas do românico.

A principal mudança na pintura vai-se dar através da relação desta com a


arquitectura; o aparecimento de mais aberturas em detrimento das paredes
maciças verificadas no românico obriga ao desenvolvimento da técnica do
vitral em vez do mural. O vitral foi uma técnica amplamente divulgada por
Suger, uma vez que constituía um poderoso veículo narrativo da fé cristã
devido ao seu ímpeto visual.

A pintura gótica também se desenvolveu noutros sentidos. A expressão


retabular volta a ganhar dimensão e a iluminura solta-se do seu contexto
religioso para provir outros manuscritos de uma nova vitalidade.

O gótico também traz outra grande novidade nesta expressão: Cristo, ao


contrário do verificado no românico, deixa de ser o homem sempre vivo,
vestido, indolor, passando a ser o homem nu, sofredor e aceitador da morte.
Verifica-se, portanto, a humanização do divino.

O período do gótico final foi marcado por uma miríade de acontecimentos.


Na Itália, o florescimento da vida urbana causou uma grande rivalidade
entre as cidades-estado. Ao nível da Igreja, houve uma grande crise, com a
transferência da sede pontifícia para Avinhão. Ao nível da Europa em geral,
um período de fome generalizada e doenças sistemáticas (como a peste
negra) assolaram a população.

Contudo, essencialmente na Itália, surgiram cidades que atingiram grande


prosperidade económica, o que se traduziu num desenvolvimento cultural e
artístico notável. Neste contexto, o período gótico foi determinado por uma
mudança plástica abrupta, com a contaminação da arte cristã pelo
humanismo greco-romano, antevendo o que se iria passar no renascimento.

Giotto di Bondone, artista do séc. XIV, foi o reflexo destas alterações.


Este pintor rompeu com a tradição medieval através da autenticidade com
que reproduzia a realidade; o reconhecimento do realismo, da reprodução
concreta, através da introdução da representação da perspectiva das
formas e dos espaços arquitectónicos, foram os factores que estiveram na
origem desta revolução.

Bibliografia de Apoio – Ana Lídia Pinto, Fernanda Meireles, Manuela Cernadas


Cambotas, “História da Arte Ocidental e Portuguesa, das origens ao final
do século XX”, Porto Editora

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