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A História de um Bandido

César Torres
(Coleção Búfalo, nº 167)
Sinopse:
Juan Rode vivia apaixonado por Carmen da qual teve uma
filha. Mas o pai não aprovava a sua ligação e, seduzido por
uma mulher, deserdou o filho e entregou os seus bens aos
familiares daquela.

Juan ficou como louco e desatou a disparar.


Involuntariamente atingiu a mulher. Fugiu, deixando a filha
entregue a uma família amiga para quem enviou dinheiro
regularmente. A sua vida transformou-se num inferno de
assaltos e assassínios, passando a ser conhecido por Tom «el
Toro».

Um dia voltou junto daqueles a quem confiara a filha e


veio a descobrir que o dinheiro quem enviara tinha sido usado
em proveito próprio. Começou aí nova matança e a procura
incansável da filha.
01
A última vontade do moribundo

A mulher era muito formosa, morena, de enormes e


ardentes olhos. Vestia com modéstia e usava o cabelo
apanhado numa trança, enrolada na nuca. Caminhava com a
graça das mexicanas, o que era natural, pois Carmen Rode era
mexicana.
Carmen entrou na pequena forja. Um homem com o torso
nu olhou para ela, sorrindo. Era um homem novo, muito forte,
de cabelo avermelhado e olhos negros.
— Carmen! Não me digas que já são horas de comer! Não
posso ir, antes de acabar este eixo.
A mulher aproximou-se. Nos seus olhos brilhava o amor.
Olhava para o marido com verdadeiro entusiasmo e
admiração.
— Não, Juan, a comida ainda não está pronta. E que... veio
um homem, de casa do teu pai.
Juan Rode deixou de sorrir.
— Outro? Diz-lhe que se vá embora! Diz-lhe que...
A mulher murmurou, persuasiva:
— Juan, esse homem afirma que o teu pai está muito mal
e disse que te queria ver.
— Eu não tenho interesse nenhum em vê-lo!
Carmen cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar.
— Eu não queria separar-te do teu pai, Juan, tu bem o
sabes! Eu não queria chegar a esta situação!
Juan acariciou o rosto da mulher.
— Não chores, tu não és culpada de nada, Carmen. Ele é o
único responsável. Atreveu-se a ofender-te, do modo mais
grosseiro! Então, eu garanti que não voltaria nunca mais a sua
casa e não voltarei! Esse homem pode…
Voltou a cabeça e olhou para a porta. Um homem gordo,
baixo, que dava voltas ao chapéu de abas largas, estava ali. O
homem disse, com rudeza:
—Juan... o teu pai está muito mal, podes crer. Não te diria
semelhante coisa, se fosse mentira. Ele quer ver--te, e é
preciso...
Juan gritou:
— Vai-te daqui! Não irei! Diz-lhe, da minha parte, que
pode morrer só e à vontade! Quando me pôs fora de casa,
gritou bem claramente que não precisava de mim para nada!
Vai-te!
O homem não se moveu.
— Juan, és o seu único filho. Está muito mal e chama por
ti...
Carmen agarrou-se ao braço do marido, dizendo, em tom
suplicante:
— Vai, Juan... Deves ir.
Juan vacilou, visivelmente. Com gestos sacudidos, limpou o
suor do rosto. Deixou passar alguns segundos e, por fim, disse:
— Está bem. Vai-te arranjar, Carmen, e apronta também a
menina. Eu vou preparar o carro.
O homem, à porta, ficou como sufocado. Juan deu-se
conta disso e disse-lhe:
— O que se passa, agora?
—É que o teu pai disse...
— Repete exatamente o que disse o meu pai! Repete-o!
Disse que fosses só, Juan, que não queria ver a mexicana nem
a menina, na sua casa.
Juan agarrou o homem pelas bandas do casaco e abanou-o
com força, ao mesmo tempo que rugia ameaças. Juan era
muito forte e o homem começou a gritar:
— Larga-me, Juan! Tu pediste-me que repetisse as
palavras dele! Foi ele e não eu quem disse o que acabo de
repetir.
Carmen tinha parado junto da porta. O seu marido disse-
lhe, sacudidamente:
— Vai arranjar a menina. Iremos os três ver o meu pai. Não
me importa o que ele disse! Iremos os três!
Soltou o homem, um peão do rancho dos Rode, o qual se
encostou a uma das paredes, arranjando as roupas e
resfolegando.
— Juan, continuas tão forte como dantes. E tens um génio
muito vivo... Não me quero meter em questões de família,
porém, se levas a tua mulher, parece-me que...
—Disseste muito bem! Não queres meter-te em assuntos
de família. Por isso, cala-te!
Juan apagou o fogo da forja, atirando água para cima das
brasas. O local encheu-se de fumo. Depois empurrou o homem
para fora, fechando em seguida o portão da oficina. Entrou em
casa, que ficava junto da oficina, para sair pouco depois,
vestido com uma camisa e um blusão de couro. Na cintura, um
cinturão, com os respetivos coldres e dois revólveres.
Tirando o carro da cavalariça, engatou o cavalo. Carmen
Rode demorou um pouco mais a aparecer, trazendo nos braços
uma menina, e pediu ao marido que a colocasse no assento da
carruagem.
—Papá, quero ir ao teu lado — gritou a garota. — Eu
levarei as rédeas!
O peão do rancho Rode murmurou:
— Tens uma filha preciosa, Juan.
Juan encolheu os ombros.
— Deixa-te de cumprimentos. E a filha de uma mexicana...
Com certeza que tu também pensarás assim, como o meu pai.
Vem, minha querida.
Pôs a menina no assento do carro, a seu lado. Carmen
sentou-se numa ponta e ele na outra. A menina ria-se, feliz por
ir passear. Realmente era encantadora.
O ruído do carro sobre a areia do pátio chegou até ao
quarto. O homem que estava estendido na cama endireitou-se
um pouco, dizendo, com voz alterada:
—Ë Juan! Abre a janela! Diz-lhe que não se demore!
No quarto estava uma mulher delgada, vestida de preto. A
mulher abriu a janela e espreitou, para logo voltar para junto
da cama, muito agitada.
— Vem com a mexicana! — exclamou. — O teu filho vem
com a mexicana e com a sua filha! Atreveu-se a trazê-las aqui!
O enfermo rugiu um insulto.
— Quer-me ofender, quer demonstrar que é mais teimoso
que eu! Não quero ver essa mulher na minha casa! Diz-lhe,
Marta, que entre sozinho!
Marta sorriu. Antes de sair, duas crianças, um rapaz e uma
rapariga, muito parecidos com ela, entraram no quarto.
Pareciam estar muito alteradas, também. Uma delas
murmurou:
—Ë Juan e vem com...
— Já sei — interrompeu Marta. — E ele também sabe.
Vamos afastá-los, aos três, daqui.
Falava com decisão e firmeza, embora em voz baixa. Rode
tinha-se deixado cair na cama, murmurando, num tom
queixoso:
— Marta, diz-lhe que entre só ele. Não me importo que
tenha vindo com a mexicana. Estou muito mal... Diz-lhe que
entre ele só, que não quero zangas, agora. Tenho medo de que
seja a última oportunidade! A morte não tardará a levar-me...
A mulher assentiu:
— Está bem, Juan, não te excites. Já vais ver o teu filho.
Marta saiu do quarto, seguida das crianças, que eram seus
filhos. Era prima do velho Juan Rode. A filha perguntou, em voz
baixa:
— O que é que vais fazer, mãe?
Marta sorriu.
— Para já, não permitir que Juan se encontre com o pai!
Os três chegaram ao vestíbulo, no mesmo momento em
que Juan Rode entrava, com a mulher e com a filha, Marta
sorriu-lhes, friamente.
— Olá, rapaz. Afinal, sempre vieste.
Juan nem sequer a olhou, pretendendo dirigir-se para o
corredor. Levava a mulher segura por um braço e ela, por sua
vez, dava a mão à menina.
— Aonde vais? — perguntou Marta.
Juan respondeu, num tom frio como o gelo:
— Afasta-te, Marta. Sabes muito bem aonde vou.
A mulher fez um sinal ao filho, que se colocou, decidido,
entre os umbrais da porta.
— Rapaz... — disse Marta. — O teu pai acaba de me dizer
que, já que insististe em trazer essa mulher a esta casa, prefere
não te ver.
Carmen, com os olhos marejados de lágrimas, procurou
libertar-se do marido, dizendo-lhe, agitada.
— Deixa-me. Esperar-te-ei no carro. Entra só tu, Juan...
— Ele chamou-me! Desta vez, terá de aceitar a minha
mulher! — exclamou Juan, com raiva, agarrando Carmen com
força, para a manter ao seu lado.
Marta sorria, docemente.
— Por favor, Juan... Não entendeste? Ele viu-te da janela,
viu a tua mulher... Na realidade, disse-me que não quer que
entres. Acha melhor que te vás embora... está muito excitado.
Juan cerrou os punhos, gritando ao primo, raivosamente!
— Afasta-te dai, ranhoso! Ou julgas que me poderás
deter? Vem Carmen!
Com um gesto, afastou o rapaz, que pretendia barrar-lhe o
caminho. Marta colocou-se rapidamente a seu lado, dizendo-
lhe:
— Juan, ele está muito mal. Se lhe dás um desgosto, mata-
lo. Pensa bem, Juan! Sentirás sempre remorsos de teres
matado o teu pai. Vai-te embora, que eu tratarei de o
amansar. Verás que consigo que ele te chame outra vez.
Juan Rode conteve-se, cerrando os dentes. A, mulher
olhou para os filhos com um gesto de triunfo. Juan Rode tinha-
se voltado para a mulher. Por fim, decidiu:
— Vamo-nos, Carmen. Foi tempo perdido.
— Juan, entra só tu! Eu não quero que!...
— Ouviste o que Marta disse. Ele não me quer ver. E eu
não lhe vou suplicar que me receba. Ele sabe onde estamos.
Diz-lhe, Marta, que eu e a minha mulher voltaremos, quando
ele quiser.
Tomou a filha nos braços e saiu, com gestos sacudidos.
Marta, voltou, então, a sorrir para os filhos. Em seguida,
regressou ao quarto do doente, que olhava para a porta com
ansiedade.
— Onde está o meu filho? Que se passa? — perguntou o
enfermo. — Por que é que ele não entra, Marta?
Marta arvorou no rosto uma expressão de pena.
— Sinto muito, Juan. Não te aborreças, nem te desgostes.
Já sabes como é o rapaz. Negou-se a entrar aqui. Disse que...
— Vamos, fala de uma vez, Marta! Eu posso suportar tudo!
— Aquela mexicana endoideceu-o, Juan! — afirmou
Marta, com desprezo. — O teu filho disse que não se importa
com o que te possa suceder e que não voltará, se não aceitares
a sua mulher... Não posso repetir-te tudo o que esse louco
rapaz pensa e diz. Riu-se, quando lhe expliquei que... que não
estavas bem e que deveria entrar para te ver! Afirmou que
ainda um dia ela será a dona deste rancho e que os dois se
rirão de ti!
Juan Rode enterrou a cara na almofada, respirando com
fadiga.
— Cala-te! — murmurou. — Não continues! Cala-te,
Marta!
Marta repetiu, falsamente compungida.
— Disse que se rirá de ti, quando a mexicana mandar no
rancho!... Esse rapaz pensa com agrado na tua morte, Juan!
02
É fácil um homem converter-se num
assassino

O advogado Bill Jordan tinha o seu escritório na cidade de


Pecos, uma cidade menos famosa do que o rio que passava
junto dela. Jordan perguntou ao empregado, ao entrar no
escritório.
— Já chegaram os Rode?
— Já. Estão todos lá dentro, senhor Jordan.
Jordan tossiu, abriu a porta do seu gabinete e olhou para
as pessoas que lá se encontravam. Num lado, estavam Marta e
os seus dois filhos, ela sentada numa poltrona, eles de pé. No
outro lado, sentava-se Carmen, a formosa mexicana e, junto
dela, o carrancudo Juan Rode, que tinha a filha sobre os
joelhos. Foi Juan quem primeiro falou:
— Fez-nos esperar demasiado, senhor Jordan.
— Acalme-se, Rode. O seu pai não era o meu único cliente
e tenho outros assuntos a atender. Ah! Dou-lhe os meus
pêsames, pela morte do seu pai.
Marta resmungou, enervada:
— Deixe-se de cumprimentos e acabemos, de uma vez,
advogado!
Jordan sentou-se na sua cadeira, do outro lado da
secretária, deitando um olhar agudo a todos os presentes.
Voltou a tossir, abriu a pasta de cabedal negro e retirou
dela um maço de papéis atados.
— Chamei-os, para lhes dar a conhecer as últimas
vontades do senhor Juan Rode Crazy, vosso parente, falecido
na semana passada, no seu rancho de Cayanosa.
Juan interrompeu-o, impaciente:
— Não compreendo nada disto... sou o único filho de Rode
e parece-me que não é necessário...
— Deixe-me ler o testamento, jovem. Foi devidamente
escrito e registado. E completamente legal. E, para mais, muito
curto. Assim, vamos terminar num momento. –
Desdobrou o documento e, com voz de tonalidade
inexpressiva, pôs-se a lê-lo.
Eu, Juan Rode Crazy, filho de Marcus e Lídia, morador no
vale de Cayanosa, a oeste de Pecos, encontrando-me no pleno
uso das minhas faculdades mentais, com perfeito
conhecimento do que faço e crendo proceder com justiça,
deixo todas as minhas propriedades, o meu rancho de
Cayanosa com todas as suas terras, ganadarias. edifícios, águas
e direitos de pasto, a participação nas propriedades comuns do
vale, nos gados não marcados, as quantias em dinheiro
depositadas em Bancos, assim como os créditos e quantias
pendentes, a pagar pelos meus devedores, e quantas bens
possam corresponder-me no futuro, ou me pertençam,
embora não indicados neste testamento...
— Apresse-se, advogado. Dizia você que era curto? -
exclamou Juan, nervoso.
— Estou a terminar. Oiçam com atenção.
Embora não indicados neste testamento, ao meu único
parente...
— Eu sou o único parente. Acabe de uma vez! — voltou
Juan a interromper. — Terminarei, se você me deixar, jovem —
replicou o advogado, aborrecido, voltando a ler:
... ao meu único parente, a senhora Marta Albin, minha
prima carnal. A todos os outros, deixei de os considerar como
tal, por causa dos seus erros e loucuras.
Juan pôs-se de pé, de um salto, gritando, com veemência:
— Isso é falso! Tudo isso é falso, advogado!
O advogado Jordan levantou a cabeça, olhando
maldosamente para ele.
—Você está a insultar-me, Juan. Limitei-me, apenas, a ler o
testamento do seu pai, que é completamente legal, repito. O
seu pai resolveu deserdá-lo completamente e você deve saber
quais foram as causas dessa decisão. Parece-me que... que foi
tudo por causa dessa mulher com quem você se casou. Dessa
mexicana...
Juan disse, com raiva, ao mesmo tempo que punha a filha
no chão:
— Cuidado, advogado! Cuidado com o que diz! Não foi por
causa dela, mas sim, por causa dessa bruxa que só por
vergonha não se está a rir! — interrompeu Juan, apontando
para Marta. — Por causa dessa maldita ambiciosa, que lhe
envenenou o espirito! Agora é que eu me apercebo de tudo!
Marta Albin levantou-se, rindo-se sem dissimulação.
— Demasiado tarde, Juan! Continua com a tua mexicana,
mas não voltes a aproximar-te do meu rancho, do rancho de
Cayanosa, porque todos os homens têm ordem para disparar
sobre ti!
Juan levantou a mão, para a esbofetear. O filho de Marta
saltou do lugar, gritando:
— Não toque na minha mãe, ou matá-lo-ei!
A voz aguda do rapaz acabou de enlouquecer Juan Rode,
que se sentia dominado por uma raiva intensa, desmedida. O
rancor e o ódio cegavam-no, impedindo-o de ver a expressão
angustiada da mulher e o susto que toda aquela cena causara à
filha. Furioso, baixou a mão, sem tocar em Marta. Todavia,
sacou rapidamente de um revólver, engatilhando-o com um
rápido golpe do polegar. O advogado Jordan, entrincheirado
atrás da secretária, vociferava: '
— Acalmem-se, todos! Guarde esse revólver, Rode, não
seja doído!
Juan Rode não escutava ninguém. Levantando a arma,
apontou-a para Marta Albin, enquanto gritava:
— Ladrões, bandidos! Matá-los-ei a todos!
Quando ia. disparar, Carmen, sua mulher, correu
desesperadamente para ele. Ouviu-se uma detonação, logo
seguida de uni grito de mulher. Depois, breves momentos de
silêncio. Juan Rode olhava com assombro para a mulher, a
qual, agarrada a ele, fechava os olhos, a pouco e pouco.
Contemplava, aparvalhado, a mancha de sangue que começava
a espalhar-se na blusa dela. Carmen Rode murmurou, com
esforço:
— Juan!...
Já sem forças, largou-o e deslizou lentamente para o chão.
Marta Albin gritou, desvairada, sobrepondo-se ao choro agudo
da criança:
— Mataste a tua mulher! Assassino! Mataste-a!
Juan Rode continuava a olhar para Carmen, atónito.
Empalidecera e parecia prestes a desmaiar. Porém, os gritos de
Marta agitaram-no, como autênticas pancadas. De súbito, o
seu rosto avermelhou-se e Juan sentiu-se como se lhe tivessem
colocado uma luz intensa e estonteante diante dos olhos. A
mancha de sangue continuava a alastrar pelas roupas de
Carmen, não o deixando ver mais nada...
Marta deu-se conta do que ia suceder, mas era demasiado
tarde para escapar. Juan disparava de novo a arma, até se lhe
esgotarem as munições. Acto continuo, puxou pelo outro
revólver e continuou a fazer fogo, até esvaziar o tambor, uma
vez mais. Marta e o filho foram os primeiros a tombar,
alcançados por vários projéteis. A filha de Marta, gritando de
horror, procurou escapar, mas tropeçou numa cadeira e caiu.
— Não dispares! Não dispares, Juan! — suplicou, enquanto
procurava levantar-se.
Conseguiu pôr-se de pé e, de um salto, chegar junto da
porta. No momento em que agarrava a maçaneta, o chumbo
escaldante, disparado por Juan, atingiu-a nas costas. A jovem
caiu para a frente, com um grito de dor, ao sentir que lhe
faltavam as forças e a vida lhe fugia.
— Juan! Que fizeste, Juan?... — murmurou, antes de
morrer.
O advogado Jordan escudara-se, suplicante, por detrás da
secretária. Quando Juan se voltou para ele, uniu as mãos,
como pedindo piedade. Juan não disse nada, limitando-se a
fitá-lo.
O advogado foi-se inclinando para diante, para ver se
conseguia alcançar a arma que tinha na gaveta. Vendo que não
lhe podia chegar, deixou-se cair de joelhos, num gesto rápido e
imprevisto, procurando proteger o corpo com o madeiramento
da secretária. Juan disparou, então, quase sem olhar nem
apontar. Fez fogo na direção da secretária. O primeiro projétil
enterrou-se no grosso tampo. O segundo atravessou o fino
espaldar da cadeira e alcançou Jordan.
O advogado, ao sentir-se ferido, levantou-se, de um salto,
gritando e praguejando, ao mesmo tempo Juan voltou a premir
o gatilho e a bala, desta vez, perfurou a garganta do advogado,
que caiu em cima da secretária, definitivamente emudecido.
Juan Rode aspirou o ar, com força. O odor da pólvora
quase não lhe permitia respirar. Na rua, ouviam-se vozes e
passos. No escritório, ouviam-se, apenas, os soluços da filha de
Rode, abraçada ao cadáver da desditosa mãe. Juan inclinou-se
para a filha, dizendo, com voz rouca:
— Vamos, filhita. Vamo-nos daqui.
Ela olhou-o com uma expressão quase serena e, contendo
os soluços, exclamou:
— Tu mataste a minha mamã! Foste tu próprio quem a
matou! Mataste-a! Mataste-a!
Juan Rode levantou a menina, que voltara a chorar.
Apertando-a contra o peito, murmurou:
— Fui... Não sei como. Foi tudo uma loucura. Vamo-nos
daqui, imediatamente, minha pequenina.
Correu até ao vestíbulo. Ao sair, encontrou-se com um
grupo de pessoas que acudiam aos tiros. Um homem
perguntou-lhe:
— O que foi esse tiroteio, Juan? Que se passou?
Juan afastou-o com violência, atirando-o ao chão, Tinha a
carruagem parada em frente da porta do advogado. Pôs a
menina no assento e saltou também, enquanto os curiosos
entravam na casa e iam encontrar um espantoso e sangrento
quadro. No momento em que Juan pegava nas rédeas, alguém
saiu de casa, gritando:
— Matou o advogado e mais um montão de gente!
Detenham esse selvagem! Que não escape!
Juan Rode sacudiu as rédeas, lançando o cavalo à
desfilada. Com a mão esquerda agarrava a filha, para que não
caísse e, assim, saíram do povoado. O carro saltava nas
irregularidades do caminho. Juan Rode' incitava
constantemente o cavalo. A menina chorava.
Anoitecia. Em Cayonosa, não muito longe do rancho dos
Rode, um carro cheio de pó deteve-se em frente de uma casa,
pouco mais que uma cabana, que ficava junto do rio Pecos. Um
homem saiu da casa, atraído pelo barulho provocado e
perguntou, num murmúrio, ao reconhecer o recém--chegado:
— Juan, que te aconteceu?
Juan Rode saltou para o solo e, depois de olhar para filha,
que continuava no assento, acercou-se do homem.
— Não te posso explicar, Trenton. É uma história 1 muito
longa, muito complicada e muito... absurda. Só te direi que a
minha mulher está morta e eu...
Trenton interrompeu-o:
— Entra, Juan. Como tu vens!...
Juan recusou o convite:
— Não posso, Trenton. Em breve saberás o que sucedeu.
Eu... matei várias pessoas. Procuram-me e perseguem-me e
não vão desistir com facilidade. É preciso que eu saia do
Estado. Tenho, porém, o problema da menina...
Trenton, que vivia da caça e da pesca e, por certo, muito
pobremente, olhou para a pequena, triste e preocupado.
— Afirmas que mataste... Juan, não posso acreditar no que
dizes!
— Trenton, por favor, quero que tu e a tua mulher cuidem
da Carmencita. Diz-me que o farás.
— Claro, homem! Podes deixá-la aqui, por uns dias. Eu...
— Não, Trenton. Será por muito tempo, talvez por muitos
anos. Garanto-te que te mandarei dinheiro. Todo o que puder
arranjar! Mandarei dinheiro para ela e para vocês, mas tens de
me ajudar. Não conheço ninguém aqui e não posso confiar em
desconhecidos. E também não posso levá-la comigo, porque
ignoro o que me espera...
Trenton estava indeciso, mas a mulher que, entretanto,
saíra da cabana e se aproximara do carro, interveio, com voz
carinhosa:
— Vem, minha querida. Ficarás connosco. Não se vive mal
aqui. Há muito que ver, muito por onde passear... Não é
verdade que queres ficar?
A menina concordou, sem dificuldade, deixando que a
senhora Trenton lhe pegasse ao colo. A mulher foi levá-la a
Juan.
— Dá um beijo ao teu pai. Ele há-de voltar, dentro de
pouco tempo.
— Não quero que volte, não quero vê-lo mais!
— Que dizes, menina? — riu-se a senhora Trenton. —Estás
aborrecida por ele não ficar agora contigo? As meninas
bonitas...
— Não quero que volte! Ele matou a minha mãe! Eu vi-o
disparar o revólver. Eu vi-o matar a minha mãe e não quero
que ele volte!
A senhora Trenton deixou de sorrir e olhou, assustada,
para Juan Rode. Ele recuou, dizendo, apressadamente:
— Mandar-lhes-ei dinheiro. E nunca esquecerei o que
fazem por mim, neste momento. Agora, tenho de me ir
embora.
Com visível esforço, acrescentou:
— Devem estar quase a chegar os homens de Pecos que
me perseguem. Adeus, Carmencita...
A menina virou a cabeça, para não o ver, enquanto a
senhora Trenton começava a chorar.
Juan, desesperado, saltou para o carro e, agitando
furiosamente as rédeas, chicoteou o cavalo, ao mesmo tempo
que gritava:
— Vamos! Rápido! O cavalo, assustado, atirou-se para a
frente e Juan Rode, que acabava de se converter num
assassino, pouco tempo antes, desapareceu, envolto numa
nuvem de poeira, pela margem do Pecos. As lágrimas que
deslizavam pelas suas faces secaram rapidamente. Os seus
olhos não tardaram a ficar secos e brilhantes, chispantes de
ódio e de loucura.
03
A visita de Tom, «el Toro»

No mesmo lugar onde doze anos antes se encontrava a


cabana dos Trenton, existia agora uma magnífica casa de
pedra, rodeada de um pequeno jardim. A propriedade dos
Trenton tinha-se modificado muito, assim como os seus donos.
Aqueles doze anos tinham-nos convertido em duas pessoas de
boa apresentação e bem vestidas. E também os tinham
envelhecido, naturalmente...
Em Cayanosa, todos se perguntavam sobre as possíveis
causas do repentino esplendor dos Trenton, que tinham
abandonado totalmente o trabalho. No entanto, só o
banqueiro de Pecos sabia a verdade.
Os Trenton recebiam dinheiro, todos os meses. O dinheiro
procedia de diferentes partes do Texas e nunca mencionava o
nome da pessoa que o enviava. E o banqueiro calava-se, por
dever profissional. Por isso, as pessoas de Cayonosa
murmuravam muito. Diziam que os Trenton tinham descoberto
uma mina e alguns, mais imaginativos, asseguravam:
— Quase apostaria que, um dia, se acabará por descobrir
que Trenton é, nem mais nem menos, o famoso Tom, «El
Toro», esse bandido que anda a meter no bolso todo o
dinheiro do Texas!
— Não sejas idiota! Trenton jamais abandonou a casa. As
suas viagens mais longas são ao povoado. Anda sempre
agarrado às fraldas da mulher e da sua filha! Esse tipo tem um
tesouro escondido! Ou encontrou uma boa «maquia»
enterrada e vai-a gastando, pouco a pouco.
Os Trenton podiam parecer misteriosos, mas não
incomodavam ninguém. Não recebiam visitas e, por isso,
ninguém pôde notar que, no princípio daquele Verão, Trenton
demorou muito a regressar de uma das suas saídas de casa,
mostrando--se mais nervoso do que habitualmente; E os seus
olhos estavam permanentemente húmidos... Trenton ficava
horas e horas sentado no jardim, olhando para o rio. Clara, sua
mulher, dizia-lhe:
— Acabas por adoecer! Faz alguma coisa, vai cuidar da
horta.
Trenton não lhe replicava. Apenas amanhecia, sentava-se
na cadeira. As vezes dizia à mulher:
— Tenho muito medo; Clara...
— Não somos culpados de nada! Tens de meter bem isso
na cabeça! E ele terás de compreender...
— Um homem como ele?
Ao meio-dia, Trenton pôs-se de pé, olhando fixamente
para o caminho. Sem voltar a cabeça, disse à mulher.
— Clara! Já aí vem! Estamos perdidos...
A mulher apareceu à porta e perguntou:
— Vem sozinho?
— Parece-me que sim. Dizem que anda sempre só. Meu
Deus! Que havemos de lhe dizer?
— Já combinámos tudo. Não te ponhas nervoso. Trata de
sorrir.
Trenton fez uma careta. Um homem a cavalo aproximava-
se. Era muito corpulento. Cobria-se com um chapéu de
vaqueiro de aba curta, e vestia um colete de pele negra, sobre
uma camisa roxa.
O cavalo que ele montava era magnífico, mas estava
completamente coberto de pó, da caminhada, que devia ter
sido longa. O homem desmontou. Prendendo as rédeas do
cavalo, acercou-se da casa. A sua expressão era fechada,
mostrando ligeiro cansaço. Cumprimentou:
—Olá, Trenton.
Trenton fez o possível para sorrir.
— Juan! Que alegria! Finalmente, vieste visitar-nos, depois
de doze anos de ausência. Quando nos anunciaste a tua visita,
eu...
— Não pude vir antes. Onde está?
Juan Rode tinha-se convertido num homem de maneiras
rudes. Os anos tinham-lhe fixado no rosto uma expressão dura,
fazendo desaparecer toda e qualquer sombra de sorriso.
— Quem, Juan?
Juan estendeu a mão e agarrou Trenton pelas roupas,
ameaçador.
— Tu sabes muito bem de quem estou a falar! Não posso
perder tempo. Onde está a minha filha?
— Claro! Que idiota sou!... Carmen está no povoado. Foi
passar o dia com uma amiga. Como não sabíamos quando
chegavas... Ela deseja imenso ver-te, podes crer.
— No povoado... Suponho que lhe recomendaram que não
falasse a ninguém da minha visita.
— Sem dúvida. Clara irá buscá-la, agora mesmo. Porque
tu... não podes aparecer por lá... Juan
Rode entrou em casa e sentou-se numa poltrona.
— Cavalguei durante três dias. Sim, diz à tua mulher que a
vá buscar. Tenho de me ir embora, muito brevemente. Tens
algo que se coma?
Trenton apressou-se a dizer que sim. Clara foi engatar o
cavalo ao carro. Entretanto, Juan examinava a casa e dizia:
— Magnífica casa, Trenton. Não se parece nada com a
antiga choça.
Trenton ficou sufocado.
— Na realidade, é tua, Juan. Ou de Carmen, claro... A
menina não podia viver naquela cabana. Tu tens sido muito
generoso, enviando-nos dinheiro. Construímo-la com ele.
Gostas?
Clara Trenton anunciou que se ia embora. O marido quis
dizer-lhe algo, mas não se atreveu. A mulher conduziu o carro
para Pecos. Estava muito assustada, mas não queria confessá-
lo ao marido.
Logo que deixou de avistar a casa, chicoteou o cavalo,
obrigando-o a andar o mais depressa possível. Ao chegar a
Pecos, deteve-se diante dó edifício do escritório do xerife e
quase ia caindo, ao saltar para o chão, com a pressa. Empurrou
a porta e entrou no gabinete do xerife, gritando:
— Xerife! Xerife!
Um homem levantou-se de uma cadeira, resmungando:
— Não grite dessa maneira, senhora! O xerife não está em
Pecos. Se lhe roubaram a bolsa, eu cuidarei do caso...
— Onde está o xerife? Como poderei encontrá-lo? É
necessário que ele venha imediatamente!
— Não voltará antes de dois dias, senhora. Todavia, eu
substituo-o, no que for preciso. Que lhe sucedeu?
Clara Trenton sentia-se prestes a enlouquecer.
— Tem de vir a minha casa! Peça ajuda, mas depressa! É
preciso que se apresse... ou aquele homem matará o meu
marido!
— De que está a falar? Quem é que vai matar o seu
marido?
Clara Trenton baixou o tom da voz, para murmurar, com
temor:
— Tom «El Toro», o famoso bandido. Essa fera selvagem
está em nossa casa, com o meu marido!
Juan Rode acabou de comer. Trenton vigiava-o com
ansiedade e, de vez em quando, olhava para fora, na
esperança de ver surgir o auxílio que aguardava.
— Bom, Trenton. Creio que ainda não te agradeci por teres
cuidado de Carmen. Ariquei-me muito, vindo até aqui, mas já
não podia esperar mais tempo para a ver...
— Procuram-te... por estas paragens, Juan?
Juan fez um gesto de desprezo.
— Procuram-me em todo o Texas! Acossam-me, como a
uma fera. Sou Tom «El Toro»! Mas pouco me importa! Tudo
deixou de me importar, desde aquele maldito dia em que...
Deu um forte murro no tampo da mesa. Trenton
estremeceu, assustado. Toda a gente do Texas conhecia a fama
de violento de que gozava Tom «El Toro», com os seus tão
falados acessos de fúria.
— Acalma-te, Juan — pediu.
Juan sorriu-lhe agradavelmente e levantou-se.
— Quero ver o quarto de Carmen. Como está ela? Parece-
se com... a mãe?
Antes de Trenton poder responder, ou dizer alguma coisa,
já Juan abria as portas. Entrou, por fim, num quarto.
—É este! Sinto-o, sem precisar que mo digas.
— Sim. Porém...
Juan parecia comovido. Em cima de um dos móveis, viu a
fotografia de uma bela jovem, morena. Pegou-lhe.
— Sim, é tão formosa como a mãe — murmurou, com voz
rouca. — Vocês têm-lhe comprado bons e belos vestidos, como
vos mandei? Não quero que lhe falte nada!
Abriu, com um gesto cheio de entusiasmo, o guarda--
fatos... mas encontrou-o vazio! Franziu a testa, sem
compreender. Quando se voltou, bruscamente, Trenton notou-
lhe as feições subitamente endurecidas.
Sem uma palavra, Juan dirigiu-se para a cama e, agarrando
numa ponta da colcha, arrancou-a de cima do leito. Não havia
roupas por baixo...
— Que quer isto dizer, Trenton? — perguntou, num grito..
— Explica-me imediatamente o que se passa! Este quarto está
cheio de pó, o que quer dizer que já não é usado há muito
tempo... Por que me disseste que era o de Carmen?
Trenton abriu a porta, para fugir, sem pronunciar uma
única palavra. Juan saltou para ele e agarrou-o pelo pescoço,
brutalmente.
— Leva-me ao quarto da minha filha, Trenton! Depressa,
antes que eu perca a cabeça por completo!
— O quarto é... é este, Juan. Não tivemos a culpa de nada!
Não pudemos impedir... Ela foi-se embora, Juan. Saiu desta
casa, por sua vontade!
Juan soltou-o, atirando-o para cima da cama.
— Quando é que ela partiu, Trenton?
Parecia tranquilo, o que deixou Trenton pensativo...
«Talvez consiga entretê-lo, até que chegue o xerife. Sim, é
possível...»
— Quando é que ela partiu? — insistiu Juan, impaciente.
— Foi... há cerca de ano e meio, Juan. Ela é como tu,
voluntariosa, violenta. Quando mandaste dizer, pela primeira
vez, que tencionavas visitar-nos, ela foi-se embora.
— Imbecil! Não foste capaz de a reter?
Deu um passo na direção de Trenton, que se encolheu,
gritando:
— Foi-se embora por tua causa, Juan! Não te queria ver.
Partiu porque te odeia! A culpa é tua, não nossa!
Juan agarrou-o com a mão esquerda, esbofeteando-o com
a direita.
— Andaste ano e meio a roubar-me, aceitando o dinheiro
que eu te mandava, canalha! Até quando te manterias calado,
Trenton?
— Larga-me, Juan!
Juan soltou-o, de novo tranquilo, mas a sua calma era
ainda mais ameaçadora do que a sua ira...
— Dou-te cinco minutos para me dizeres para onde foi a
minha filha.
Trenton fez um gesto de súplica.
— Sim, Juan, mas tens de me prometer...
— Não te prometo nada!
Trenton, que suava copiosamente, murmurou:
— Foi para El Paso. Queria arranjar emprego. Logo que
soube onde ela estava, fui buscá-la.. Juro-te, Juan! Fui buscá-la,
mas... já era tarde.
Juan estremeceu, antes de perguntar, com voz surda:
— Tarde... para quê?
Trenton, movendo-se lentamente, procurava acercar-se da
porta.
— Fui informado de que sé juntara a uma caravana que
seguia para a Califórnia. Ao atravessarem o rio, foram
assaltados por bandidos da zona da fronteira. O bando de
Galluro, um dos piores... Não houve sobreviventes... Não tive
coragem para te escrever, a contar o que se tinha passado. Isto
é a pura verdade.
Rode encostara-se a uma parede e nem sequer se moveu
quando Trenton aproveitou a sua distração para sair do
quarto. Trenton respirou, aliviado, quando se encontrou no
corredor.
— Já não se devem atrasar — monologou — e ele vai
tardar um pouco a recobrar-se do desgosto sofrido. Assim,
poderão apanhá-lo quase sem resistência. A recompensa que
oferecem pela captura de Tom «El Toro», vivo ou morto, é
valiosa e decerto teremos direito a ela!...
Deslocou-se até à porta da casa, olhando ansiosamente
para a estrada e esfregando nervosamente as mãos. Não
tardou a ouvir o ruído do rodado do carro conduzido por Clara,
acompanhado pelo tropear de vários cavalos. «Ei-los que
chegam» pensou. Voltou-se e esbarrou com Juan Rode, que se
encontrava precisamente atrás dele. Juan empunhava um
revólver que lhe apontava, firmemente...
— Aonde foi a tua mulher, Trenton, uma vez que a minha
filha não estava em Pecos? Quererás dizer-me o foi ela fazer?...
Trenton sentiu faltar-lhe o ânimo.
— Pois... ela tinha de...
Friamente, Juan interrompeu-o:
— Tinha de me vender, Trenton! Além de tudo quanto me
roubaram, ainda querem receber a recompensa. Clara foi a
Pecos para denunciar a minha presença!
— Juro-te que não! É possível que o xerife ou qualquer
outra pessoa venha com ela, mas por mera casualidade.
Asseguro-te que...
—És um miserável, Trenton.
Trenton suplicou:
— Foge, Juan! Ainda tens tempo... Eu entretê-los-ei,
mentir-lhes-ei... Prometo-te que...
Juan interrompeu-o, com voz ameaçadoramente suave:
— Durante todos estes anos, cometi muitas violências,
Trenton. Nada me importava, uma vez que queria o dinheiro
para a minha filha. Tornei-me o alvo de todas as autoridades
do Estado. Dizem que sou um selvagem sanguinário. Sabes por
que me chamam Tom «El Toro»? Precisamente por me portar
como um animal bravio... possível que alguma vez tenha sido
selvagem, mas nunca fui um imbecil, Trenton... Sei que, se me
fosse embora, lançarias todos quantos aqui aparecessem na
minha peugada. És um traidor, Trenton, e eu não gosto de
traidores! Por outro lado, permitiste que a minha filha fosse ao
encontro da morte, quando te tinhas comprometido a cuidar
dela! E eu também não gosto de inúteis, Trenton! Sendo
assim...
Trenton quis fugir, gritar. O som do carro e dos animais
estava cada vez mais próximo. Juan Rode premiu o gatilho,
uma só vez. O projétil penetrou no corpo de Trenton,
atravessando-lhe o coração. Trenton caiu, com a boca
escancarada e os olhos muito abertos. Juan saiu, para o jardim,
correndo.
No momento em que Trenton caia nos degraus da entrada
da casa, já morto, Juan Rode escondia-se atrás de uns maciços
da vegetação bem cuidada do jardim. Pouco distantes, soaram
os gritos de Clara Trenton.
04
Caravana de salteadores

Clara Trenton acabava de chegar, na companhia de quatro


homens, os quais não estavam nada convencidos da
veracidade das afirmações dela.
— Tom «El Toro»! Que pode querer de Pecos um sujeito
como esse? Aqui, não há dinheiro bastante para ele!
Quando se acercavam de casa, ouviram um tiro de
revólver. Apenas um.
Clara exclamou, num grito de espanto:
— Meu marido! Esse homem!...
Recalcando o medo que sentia, chicoteou o cavalo, na
garupa, para que puxasse mais rapidamente o carro. Os quatro
homens imitaram-na, fazendo galopar as montadas.
Começavam a admitir que Clara Trenton não tivesse mentido...
— Se, na realidade, se trata de Tom «El Toro», terremos de
atuar com os maiores cuidados, rapazes!...
De bom grado teriam voltado para Pecos, mas não podiam
deixar Clara Trenton sozinha, no momento de chegar a casa.
Desmontaram, rapidamente, antes de os cavalos se deterem.
Com a pressa, um deles chegou a rolar no solo, junto da
carruagem, da qual Clara se apeava. O que comandava o
grupo, advertiu, visivelmente nervoso:
— Cuidado! Ele ainda está em casa, com certeza!
Clara, que já tinha avistado o marido, estendido em frente
da porta, rugiu:
— Não o deixem sair! Matem-no! Matem-no, como a um
cão raivoso!
Os quatro homens já se dispunham a entrar na edificação,
quando Juan Rode saiu do matagal. Alertados pelos ruídos
produzidos pelas ramarias, os homens de Pecos voltaram-se,
agitados. Juan Rode estava furioso, devido à traição dos
Trenton, e desesperado com a notícia da morte da filha. E
havia muitos anos que a vida dos outros pouco valor tinha,
para ele...
Sim, havia muito tempo que, além do mais, pouco ou nada
tinha a perder. O chefe do grupo, que tinha uma memória
quase fotográfica para tudo o que se referia a rostos e vira
muitas vezes o retrato de Tom «El Toro», nos cartazes em que
era pedida a sua captura, murmurou:
—E ele... Tom «El Toro»!
Clara Trenton, que se detivera junto do corpo inerte do
marido, do qual a vida fugira para sempre, gritou:
—De que estão à espera? Matem esse assassino!
Os quatro homens pareciam incapazes de se moverem.
Todavia, graças aos gritos frenéticos da mulher e à lembrança
da elevada recompensa pela cabeça de «El Toro», acabaram
por reagir.
Como num só movimento, sacaram simultaneamente as
armas, apontando-as e engatilhando-as, rapidamente. Clara
Trenton, de pé, junto do cadáver do marido, continuava a
gritar, exasperada.
Aqueles gritos irritaram Juan Rode, levando-o a disparar
primeiro contra ela. Fez fogo, uma só vez. Tom «El Toro» não
malbaratava munições...
Clara Trenton deixou de gritar e saiu sobre o corpo ainda
quente do marido.
Nesse instante, Juan Rode, que se mantivera praticamente
imóvel, até então, largou a correr, furtando-se às balas das
armas que os quatro adversários disparavam, furiosamente. Os
projéteis sibilavam, ameaçadores.
Os homens de Pecos, ao verem Tom «El Toro» a correr, na
sua frente, gritaram de entusiasmo, não parecendo notar que
as suas balas o não alcançavam...
De súbito, Juan deteve-se e virou-se, ligeiramente. Tinha
um revólver em cada mão e deles partiram duas rajadas de
chumbo escaldante.
Os quatro homens de Pecos foram brutalmente abatidos,
em meia dúzia de segundos. Tombaram no solo, rugindo de
raiva e ainda a dispararem as armas, para logo se imobilizarem,
instantes depois.
Juan Rode meteu as armas nos coldres, com gestos
comedidos e olhar frio. Aquele era o homem que todos os
comissários, xerifes e ajudantes, do Texas conheciam por Tom
«El Toro». Um homem a quem as circunstâncias tinham,
realmente, transformado num touro bravio e enfurecido.
Em El Paso, ninguém se preocupava a fixar rostos ou
expressões, ninguém se incomodava com a eventual
identificação de qualquer dos foragidos cuja captura era
pedida, nos cartazes profusamente espalhados pela cidade,
salvo aqueles que faziam do recebimento das recompensas um
verdadeiro modo de vida.
Precisamente por causa destes, Juan Ronde apresentava a
cara coberta de barba, quando chegou a El Paso. Já
anteriormente e sem disfarces conseguira ver-se livre de
alguns daqueles profissionais, mas, agora, precisava de não ser
reconhecido e a barba, muito negra, desfigurava-o
completamente.
Mal chegou a El Paso, dirigiu-se para um grande «saloon»,
situado no centro da turbulenta cidade fronteiriça. Sem uma
palavra, avançou para o balcão, em cujo tampo depositou uma
nota. O empregado aproximou-se, recolheu-a, com o
desembaraço e a rapidez de um prestidigitador, ao mesmo
tempo que dizia:
— Tem direito a fazer uma pergunta, amigo...
— Quero, apenas, uma resposta. Quem organiza caravanas
para a Califórnia?
— Só quer saber isso? E fácil... Dirija-se ao armazém de
Tristan. No entanto, deixe-me Informá-lo de que não parece
haver muita gente interessada na Califórnia.
Juan saiu e procurou o armazém que lhe fora indicado.
Tristan, que negociava em carros, arreios e equipamentos,
estava a engraxar umas compridas correias de carroção. A laia
de saudação, Juan Rode principiou:
— Disseram-me que vocês organizavam caravanas para a
Califórnia.
Tristan olhou-o, por momentos, antes de retorquir:
— É verdade, mas não há nada organizado para os
próximos dias. Não lhe interessaria ir até ao Novo México?
Juan negou, decididamente:
— Não, de maneira nenhuma. Vou para a Califórnia.
— Pois, terá de fazer a viagem sozinho.
Olhando fixamente para Tristan, Rode replicou:
— Não estou interessado. Esperarei o tempo que for
preciso. Disseram-me que a passagem do rio é perigosa, assim
como todo o oeste de El Paso. Não viajarei sozinho. Uma
caravana sempre infunde confiança. Não me agradaria que me
assaltassem...
Tristan perguntou, como se o assunto lhe não interessasse:
— Leva consigo algo de valor, senhor...?
— Chamo-me Linden. Sim, levo algo de valor. O resultado
do trabalho de muitos anos e que destino à aquisição de
terrenos, na Califórnia. Saberei cuidar desse dinheiro, amigo!
— Certamente. Mas não tenha ilusões. As terras da
Califórnia, as boas terras, naturalmente, são muito caras!
Interrompera o trabalho, enquanto conversava com o
recém-chegado. Com um sorriso vaidoso, Juan Rode retorquiu:
— Suponho que, com dez mil dólares, arranjarei algo de
jeito, não lhe parece?
Visivelmente surpreendido, o comerciante recomendou:
— Olhe, amigo, mais lhe valerá que não ande por aí a
anunciar que possui dez mil dólares! Há muitos bandidos, em
El Paso...
— Obrigado pelo conselho, amigo. Até agora, só o disse a
você, que é uma pessoa de confiança. Quando lhe parece que
haverá uma caravana para a Califórnia?
— Avisá-lo-ei, quando souber. Diga-me onde está
alojado...
Juan Rode sorriu, astutamente.
— Não... Prefiro não dizer isso a ninguém. Eu passarei por
cá, todos os dias, á cata de noticias.
— Como queira, amigo. Algum dia há-de calhar.
Juan Rode saiu do armazém, sabendo que Tristan o seguia
com o olhar. O ódio que o convertera noutro homem ensinara-
o a usar de todas as astúcias. Surdamente, monologou:
— Dez mil dólares devem ser uma isca suficiente para o
bando de Galluro... Malditos assassinos! Hão-de pagar com a
vida a morte da minha filha!
Quando entrava no hotel «Bravo», apercebeu-se de que
era seguido. Entrou na sala de jantar e afastou ligeiramente a
cortina de uma janela, sorrindo, duramente. Atrás dele, um
homem tinha parado diante do edifício do hotel e, depois de
olhar para o interior, durante alguns segundos, entrou no
vestíbulo.
Juan Rode aproximou-se do cortinado que resguardava a
entrada para a sala de jantar e apurou o ouvido. O seu
perseguidor perguntava ao empregado:
— O senhor Linden está hospedado neste hotel? E um tipo
com uma grande barba negra...
O empregado estendeu a mão, num gesto significativo,
muito usado não só no hotel como em toda a cidade.
O homem meteu algumas moedas na mão dele... e logo
recebeu a resposta:
— Sim, acaba de entrar na sala das refeições.
O desconhecido olhou para a porta da sala. Juan Rode
afastou-se um pouco, com a mão direita apoiada na coronha
do revólver. O homem, porém, dirigiu-se para a saída, não
tardando a desaparecer.
Três dias mais tarde, Juan soube que tinha alcançado o
objetivo em vista. Ao chegar ao armazém de Tristan, este
disse-lhe, entusiasticamente:
— Tenho boas notícias para si, senhor Linden! Amanhã, sai
uma pequena caravana para a Califórnia!
— Muito pequena?...
— Bem... Três carros, pelo menos. Mas é gente dura. Você
irá bem protegido!
Juan sorriu, ao perguntar:
— São todos homens?
Tristan olhou-o com receio, mas a expressão de Juan era
inocente.
— Sim — respondeu. — Creio que sim...
— Estupendo! As mulheres são má companhia, numa
caravana! Cansam-se, enervam-se, provocam lutas entre os
homens... Diga-me, de onde se sai e quando?
— Às oito da manhã, junto do rio. O preço é de cinquenta
dólares, amigo. Pouco dinheiro, para um homem tão bem
provido de «massa», como você.
— Muito bem! Amanhã, às oito da manhã. Não terão de
esperar por mim! Obrigado por tudo, Tristan.
Tristan deu uma gargalhada sinistra, logo que Juan saiu do
armazém. No mesmo momento, um homem saiu das traseiras
da loja. Um homem alto, magro, de rosto melancólico.
— Aí o tens, Galluro! — exclamou o comerciante. —Um
tipo que vale dez mil dólares!
— Veremos... — retorquiu Galluro, o bandido. — Há
muitos que falam e, afinal, só têm... conversa!
Tristan propôs:
— Nesse caso, por que não vamos verificar isso esta noite?
Assim, evitávamos a comédia da caravana e toda esta
embrulhada...
Galluro negou:
— Bem sabes que isso não é possível. Não podemos atuar
em El Paso, uma vez que eu me comprometi, com os demais
companheiros, a respeitar a cidade. E eu cumpro a minha
palavra! Levaremos esse homem até vinte ou trinta milhas do
rio e, aí, comprovaremos se é ou não verdade que ele tem dez
mil dólares. Com voz rouca, acrescentou:
— Será melhor que os tenha! De contrário, se apenas nos
faz perder tempo... vai ter uma morte muito desagradável!
Tristan perguntou, surpreendido:
— Pensas deixá-lo com vida, no caso de ter o dinheiro?...
Com um sorriso sinistro, Galluro respondeu:
— Claro que não! Julgas que sou algum imbecil? No
entanto, se tiver o dinheiro, proporcionar-lhe-ei uma morte
rápida.
Tristan estremeceu. Tinha um medo horrível de Gal-luro, o
homem a quem vendia informações. Por isso, apressou-se a
dizer:
— Eu não poderei ir na caravana, Galluro. Compreendes,
despertaria suspeitas...
Com uma gargalhada, Galluro troçou do temor do
companheiro.
— Não vais, não, descansa. Não fazes falta nenhuma,
Tristan. Tenho homens em número suficiente... De resto, não
preciso de ninguém, para dar cabo desse ricaço dos dez mil
dólares!
Pôs o velho chapéu na cabeça e, sem mais palavras, saiu
do armazém. Desamarrou o cavalo, montou e saiu da cidade.
Tinha montado o acampamento perto do rio. Seguro da
própria força, não se preocupava com esconderijos. Em El
Paso, aliás, não havia autoridades que o pudessem incomodar.
Dirigiu-se aos homens do bando — quinze, naquela altura — e
falou-lhes, terminantemente:
— Levantem-se, rapazes, que temos trabalho. É preciso
preparar três carros e equipá-los para uma longa viagem.
— Vamos partir? — estranhou um dos homens. —
Estávamos tão bem, aqui!...
Galluro deu uma bofetada no protestante. Este
empalideceu mas não disse mais nada. Nem sequer se
procurou defender. O bandido aceitou a submissão do homem,
com a maior naturalidade. Estava acostumado a ela.

.
05
Lutar por alforges vazios

A pequena caravana atravessou o Rio Grande, às nove da


manhã, um pouco ao norte de El Paso, penetrando no
território do Arizona. Era uma estranha caravana, constituída
apenas por três carros e uma quinzena de homens.
Mal saíram, o chefe, o próprio Galluro, falou a Juan Rode.
— Nada receie, senhor, que não há perigo — disse-lhe. —
Os bandidos não se atreverão a atacar esta caravana.
Sorrindo, Juan retorquiu-lhe:
— Acredito... No entanto, disseram-me que esta rota é
dominada por um tal Galluro, que dizem ser muito perigoso.
Segundo parece, os bandidos repartiram os caminhos entre
si...
Galluro replicou, num grunhido:
— Nenhum bando se atreverá a atacar quinze homens,
senhor Linden, esteja tranquilo...
Juan levava alforjes de coiro, fechados com cadeados.
Parecia muito cuidadoso com eles... Galluro lançara-lhes um
olhar de curiosidade, quando Juan se unira à caravana. Depois,
não voltou a olhar para eles.
A caravana prosseguiu, nos trilhos do Arizona, sem muita
pressa. Juan Rode continuava a fazer um esforço tremendo
para dominar a raiva que sentia.
«Estes são os assassinos da minha filha! — repetia, para si
próprio. — Tenho a certeza! Mas tenho de proceder com
cuidado, para não cometer erros. E terei de agir a tempo, na
altura própria, antes de tentarem matar-me, para me
roubarem!...
Galluro não tardou a cansar-se da viagem, após o primeiro
dia. Logo que se encontraram num ponto distante da rota
habitual — da qual se tinham afastado por indicação sua —
ordenou que se fizesse um alto.
— É preciso dar descanso aos cavalos — argumentou.
Juan perguntou:
— Não é ainda muito cedo para isso, chefe?
— Não. Sei muito bem o que faço. Desmontem, todos! Os
carroções detiveram-se e os homens desengataram os cavalos.
Galluro ordenou a um dos comparsas que fosse buscar água:
— Ali, à direita, encontrarás um riacho. Leva todos os
cantis.
Já não se preocupava com grandes dissimulações.
Qualquer ignorante verificaria que aquela paragem fora
prematura e, também, que os cantis não podiam estar vazios,
tão cedo... E os quinze homens olhavam ansiosamente para
Juan Rode, mostrando bem o desejo que sentiam de o atacar e
roubar. Esperavam, apenas, pelo sinal do chefe, para
começarem a disparar. Juan Rode sabia-o e sentiu-o. Por isso,
anunciou, sorridente:
— Vou ajudar este homem a encher os cantis...
Apanhou vários dos que se encontravam no solo, juntos.
Ao ver a expressão de contrariedade de Galluro, um dos
bandidos adiantou-se um passo, mas logo se deteve a um
gesto imperativo do chefe.
Juan e o companheiro afastaram-se, caminhando pelo
matagal. Rode ia alerta, prevendo a possibilidade de os
bandidos, impacientes, o seguirem, para o matar. Chegaram ao
local onde a água corria. Quando o homem que o precedia se
ajoelhou, junto do riacho, Juan perguntou:
—Há muito tempo que estás com Galluro?
Maquinalmente, o bandido respondeu:
— Uns três anos...
No mesmo instante, deu-se conta de que Juan não devia
conhecer a verdadeira identidade do chefe e voltou-se,
rapidamente, olhando-o com verdadeira surpresa. O rosto de
Juan estava contraído, num sorriso cruel.
— Há três anos que andas com ele? Lamento-o, por ti... E
obrigado por confirmares as minhas suspeitas de que se
tratava efetivamente de Galluro.
O bandido abriu a boca, para gritar um aviso aos
companheiros, mas nenhum som saiu da sua garganta. Com
um gesto rápido e seco, Juan passou ao ataque. O bandido
dobrou-se para a frente, devagar antes de cair. O punhal que
acabava de lhe trespassar o coração continuava na mão de
Juan Rode. Este limpou a lâmina ensanguentada às roupas da
vítima, antes de empurrar o cadáver para o arroio.
— Sempre é verdade que se trata de Galluro... —
resmoneou, entre dentes.
Baixou-se e recolheu o revólver do homem que acabava de
liquidar, verificando que o tambor estava cheio. Enfiou a arma
na abertura da camisa, voltou-se e caminhou na direção dos
carros.
Sentia-se frio, tranquilo. Estava a enfrentar muitos homens
duros e perigosos mas isso pouco lhe importava. Em
momentos como aquele, sentia-se Tom «El Toro», o foragido
que nada temia, a quem ninguém assustava.
— Tenho dezoito balas e um punhal... Mais do que
suficiente! — monologou.
O punhal não era menos importante que as armas de fogo.
Manejava-o como um dentista de Nova Orleães e já por várias
vezes ficara a dever a vida àquela habilidade.
Ao chegar ao limite dos matagais, olhou, cuidadosamente.
Os bandidos rodeavam o seu cavalo. Galluro, pessoalmente,
manejava uma enorme navalha, com a qual rompia o coiro dos
alforges. Num tom carregado de ameaças, Juan disse, para si
próprio:
— À procura dos dez mil dólares, não é verdade? Cambada
de imbecis! Só servem para assassinar colonos, mulheres e
crianças!
Com um olhar cheio de rancor, levantou o braço armado
com o punhal. Um silvo agudo, uma pancada surda. Galluro e
os seus homens não ouviram nada. Nem sequer o que
recebera o golpe na espádua. Até que o atingido tombou,
todos continuaram tranquilamente interessados no assalto aos
alforges. Ao aperceber-se da queda do corpo no solo, Galluro
voltou a cabeça, explodiu, irado:
— Estás bêbedo ou quê, idio...?
Interrompeu-se, ao avistar o cabo do punhal, destacando-
se entre as espáduas do homem. Com um grito de advertência,
largou os alforges, no momento preciso em que Juan Rode
dizia, em voz alta:
— Escusam de procurar o dinheiro nos alforges. Tenho-o
comigo! Assim, terão de mo tirar dos bolsos...
Os homens de Galluro voltaram-se, afastando-se do cavalo
de Rode, como se este estivesse atacado de peste. Com um
olhar rápido, Galluro verificou que se tinha equivocado acerca
de Linden. Estava na presença de um homem muito perigoso
— muito mais perigoso do que podia imaginar...
— Você maneja muito bem o punhal, senhor Linden... Ou
não será esse o seu nome?
Com ar de desprezo, Juan respondeu:
— Pouco importa o meu nome verdadeiro, agora... Mas
posso dizer-lhes como algumas pessoas me chamam Tom «El
Toro»...
Galluro e os seus homens tinham ouvido muitas vezes
aquele nome. Por isso o chefe dos bandidos voltou a gritar, ao
mesmo tempo que levava as mãos às armas. Era o que Juan
Rode esperava, para começar a disparar...
Com uma assombrosa velocidade, sacou os dois
revólveres. Tinha as mãos grandes e fortes. Umas mãos que
nunca tremiam ou fraquejavam, mesmo ao empunhar os
pesados revólver «45». Os homens de Galluro corriam, de um
lado para o outro, em busca de abrigo, ao mesmo tempo que
abriam fogo. No entanto, o nome de Tom «El Toro»
impressionara-os em demasia, levando-os a disparar à doida e
a movimentarem-se sem nexo.
Muitos deles não chegaram a parte alguma, caindo a
poucos passos do cavalo de Juan Rode e dos alforges de coiro,
que nada continham de valor. Galluro tomara posição
defensiva atrás do cavalo e, de revólver na mão, aguardava
uma boa oportunidade para abater o adversário.
Os tiros continuaram, rápidos. Poucos momentos mais
tarde, Galluro murmurou, atónito:
— Livra! Abateu dez homens num instante!
Impressionado, agarrou com a mão esquerda a rédea do
cavalo que o protegia, para o obrigar a recuar. Galluro, um
homem que nunca soubera o que era medo, procurava agora
fugir, antes que entre ele e Tom «El Toro» já não houvesse
nenhum dos seus homens. Pragas e maldições, disparos e
gritos de agonia...
Juan Rode abandonara a posição imóvel em que se
mantivera, desde o início da refrega. Os poucos sequazes de
Galluro que ainda viviam já se encontravam protegidos e
podiam afinar a pontaria...
Juan deixou-se cair detrás de um tronco, no momento em
que várias balas passavam, sibilantes, no sitio onde momentos
antes estivera a sua cabeça. Ao cabo de alguns instantes, Rode
levantou-se, subitamente, premindo o gatilho de uma das
armas que empunhava.
Um dos bandidos, ligeiramente descoberto, por breves
momentos, recebeu uma bala na cabeça. Galluro empalideceu.
Encontrava-se perto de umas árvores. Os cavalos que tinham
pertencido aos homens e os carroções estavam a poucos
passos de distância, um pouco à retaguarda.
Soou novo disparo de Juan Rode e outro bandido tombou
no solo, com um grito de agonia.
Galluro largou o cavalo e, voltando-se, correu para os
carroções. Alguém gritou, desesperadamente:
— Não fujas, Galluro! Não nos deixes aqui!
Os dois últimos sobreviventes do bando procuraram unir-
se ao chefe. Em má hora o fizeram... Juan Rode abateu-os,
impiedosamente, com a arma que tirara ao homem que
abatera junto do ribeiro. Depois, levantando-se, gritou:
— Galluro! Já só estamos os dois, tu e eu! Galluro, oculto
atrás de um dos carros, apertou raivosamente a coronha do
revólver.
— Não julgues que sou tão fácil de apanhar como os
palermas dos meus homens! — gritou. — Vais suar muito, se
quiseres acabar comigo!
Disparou, rapidamente. Juan pareceu adivinhar-lhe os
pensamentos e os gestos, porque saltou para o lado, no
preciso momento, iniciando uma rápida corrida. Galluro voltou
a disparar, sem conseguir atingir o objetivo. Instantes depois,
Juan Rode já se encontrava protegida atrás de outro carro.
— Este maldito, está feito com o diabo! — rosnou Galluro.
— Se ele não é o próprio demónio!...
Teve de mudar de lugar, para se furtar à assombrosa
pontaria do adversário. Uma bala assobiou, perigosamente,
junto da sua cabeça. Procurou serenar o espirito, para encarar
a situação com a possível calma. Ele também não era nenhum
principiante e já se livrara de situações delicadíssimas.
— Mas nunca tive pela frente um inimigo da categoria de
Tom «El Toro»... — admitiu, num sussurro.
Ficou imóvel, pensativo. O adversário não fazia o menor
ruído, pelo que era evidente que continuava abrigado no
mesmo esconderijo.
— Tenho de o obrigar a sair dali... — murmurou Galluro.
Pensou em empurrar o carro, mas este era demasiado
pesado. Todavia, podia tentar uma manobra semelhante com a
barrica de água colocada junto da roda. Movimentando-se com
cuidado, retirou a tábua que servia de suporte à barrica e esta
caiu no solo, sem sofrer qualquer dano. Galluro apressou-se a
procurar abrigo atrás dela, agachado. Dali, podia ver as pernas
do adversário. Confiado, sorridente, começou a fazer rolar a
barrica na direção do outro carroção, enquanto monologava:
— Um pouco mais e poderei atingi-lo nas pernas,
obrigando-o a cair no solo. Depois, ficará à minha mercê...
Tinha a certeza de que a grossa madeira de roble da
barrica não deixaria passar os projéteis do «45» de Tom «El
Toro».
Com um sorriso triunfante a contrair-lhe os lábios,
levantou a cabeça, uma vez mais. Sobressaltou-se, ao não
avistar as pernas do inimigo. O sobressalto foi de tal ordem
que o fez esquecer-se das precauções que devia tomar... A voz
de Juan Rode, tranquila, quase agradável, obrigou-o a voltar-
se:
— Estou aqui, Galluro. Lamento ter de to dizer, mas não
passas de um aprendiz, de um vulgar salteador de caminhos...
E o pior é que não vais ter tempo para aprender mais nada...
Galluro premiu furiosamente o gatilho. Juan Rode estava à
sua direita, encostado ao terceiro carro, e sabia que a bala
disparada por Galluro não oferecia qualquer perigo, uma vez
que a sua a precedera de algumas frações de segundo...
Galluro caiu de joelhos. Tentou apoiar-se na barrica mas esta
rolou, obrigando-o a tombar estendido, no solo. Juan
aproximou-se dele, até parar a seu lado. O olhar vidrado de
Galluro procurava-o. O bandido apertava o peito com as mãos
e um fio de sangue corria-lhe pela boca. Duramente, Juan
falou:
— Estás liquidado, Galluro. Agora, posso-te dizer que te
trouxe aqui para te liquidar, assim como aos teus homens.
Num murmúrio rouco, Galluro perguntou:
— Mas... porquê, Eu... não...
Juan inclinou-se para ele agarrando-o pela roupa.
— Mataste a minha filha, Galluro! — explicou. — Maldito
assassino! Vocês assaltaram a caravana em que ela seguia e
aniquilaram todos os viajantes. A minha filha foi uma das
vossas vítimas e por isso decidi liquidar-vos a todos! A minha
filha era uma garota, apenas com dezoito anos!
Galluro arregalou os olhos, assombrado.
— Uma jovem... de dezoito anos — repetiu, com esforço.
— Sim ,parecia-se contigo... Agora... agora me recordo.
Chamava-se Cármen...
Com um rugido, Juan estendeu as mãos para o pescoço do
ferido, como disposto a estrangulá-lo.
— Canalha! Vou...
Com a voz transformada num murmúrio roufenho, Galluro
interrompeu-o:
— Espera... ela não morreu! Mataste-nos por causa dessa
rapariga... da tua filha ...ela não morreu! Era demasiado
bonita... O meu irmão Jim quis ficar com ela... para seu
entretenimento. Ela estava apenas ferida e ele cuidou dela.
Porém, quando ficou boa, o idiota tinha-se apaixonado por
ela... e ela acabou por o pôr maluco! Foram-se embora, os
dois... Jim queria casar-se com ela. Foram para Tucson...
Juan soltou-o. Galluro fechou os olhos e ficou a respirar
penosamente. Antes de Juan acabar de preparar o cavalo para
partir, já estava morto.
06
Reencontro indesejado

Em Tucson, um indivíduo como Jim Galluro podia viver


tranquilamente, porque Tucson era outra cidade sem lei, outra
cidade fronteiriça.
Jim Galluro era um jovem alto, tão alegre quanto o irmão
fora melancólico. Muita gente o saudava, ao passar pelas ruas.
Caminhava rapidamente, com ar sorridente.
Ao chegar à entrada do hotel «Santa Cruz», empurrou a
porta envidraçada e entrou no estabelecimento. Em três ou
quatro saltos, alcançou o primeiro andar, em cujo corredor
parou, para bater à porta de um quarto.
— Entra, Tília — responderam-lhe dentro.
Jim entrou no quarto, sorrindo para a formosa jovem que,
diante do espelho do toucador, penteava os longos cabelos.
— Já o temos, Carmen! Encontrei o homem indicado.
Dentro de pouco tempo, disporemos de todo o dinheiro de
que necessitamos!
Carmen voltou-se, risonha. Era realmente preciosa. Os
seus olhos enormes tinham uma vivacidade extraordinária.
— Precisamos de muito, Jim! — retorquiu.
— Nada receies, que tudo sairá bem. Trata-se do filho do
diretor do Banco, um rapaz educado, amável para toda a
gente. Como não há-de ser amável contigo!...
Carmen levantou-se. Jim abraçou-a, beijando-a nos lábios.
Como ele se mostrasse demasiadamente apaixonado, a jovem
repeliu-o com firmeza, dizendo:
— Não, Jim. Bem sabes como sinto e penso. Deixa as
ternuras para quando estivermos casados.
— Casar-nos-emos muito brevemente. Mas tu és muito...
Carmen interrompeu-o, altivamente:
— Muito honesta, não?! Sim, Jim, admito que não sou
como as raparigas que conheceste até hoje e sinto-me muito
feliz por não o ser!
Jim sorriu, contente.
— Também eu! Por isso me vou casar contigo, Carmen.
Sou o homem que te salvou a vida e te vai fazer rica... com a
ajuda desse jovem chamado Robert Joyce.
Carmen Rode voltou para o toucador, para acabar de se
arranjar. Pouco depois, voltou-se para o companheiro e
perguntou-lhe, sorridente:
— Que te parece?
Com uma gargalhada feliz, Jim respondeu:
— Parece-me que acabarás por me enlouquecer! Joyce
teria de ser de pedra, para não te cair aos pés! Lembras-te do
que deves fazer ?
— Sim. Dá-me o dinheiro.
Jim entregou-lhe algumas notas, comentando, com um
suspiro:
— Espero que se multipliquem, Carmen. Precisamos de
muito dinheiro!
A jovem guardou o dinheiro numa carteira de pele. Depois,
com passo decidido, saiu do quarto e do hotel.
Jim Galluro seguiu-a, a certa distância. Carmen sabia onde
ficava o Banco. Dirigiu-se para lá e empurrou a porta
envidraçada, fazendo soar uma campainha. Abarcando, num
olhar rápido, o interior, pensou: «Isto mais parece uma loja de
terceira categoria do que um banco... No entanto, se aqui há
dinheiro, pouco importam as aparências!»
Deparou-se-lhes um balcão, para lá do qual trabalhavam
cinco homens, inclinados sobre os enormes livros da
contabilidade.
Carmen aproximou-se do balcão. Um dos empregados
levantou a cabeça e, ao vê-la, não pôde exprimir um gesto de
admiração, levantando-se. Era jovem e, pelas indicações que
recebera, Carmen teve a certeza de que se tratava do Joyce
que procurava.
O jovem apressou-se a acercar-se dela, perguntando--lhe,
obsequioso:
— Que deseja, senhorita?
Carmen sorriu, antes de responder:
— Quero falar com o senhor Robert Joyce.
Quase sufocado de emoção, Robert replicou:
— Mas... sou eu.
— Ótimo! Uma amiga minha disse-me que o senhor era
uma pessoa muito amável e que me ajudaria. Vim viver para
Tucson e quero abrir uma conta bancária. De momento,
disponho apenas de alguns dólares, mas estou à espera de que
o meu pai me envie fundos. Estou só e... bem vê... uma mulher
sozinha...
Robert Joyce apanhou rapidamente alguns impressos, ao
mesmo tempo que murmurava: — Permita-me que me ocupe
de tudo, menina...
— Rode. Chamo-me Carmen Rode.
Sorridente, Robert preencheu a papelada necessária e
recolheu o dinheiro que Galluro dera à jovem, perguntando:
— Como se chama essa sua amiga que... ?
— Mary — respondeu Carmen. Para não ser forçada a
entrar em pormenores, continuou a falar: — Ando à procura
de um bom local para montar um «atelier», visto que sou
modista, e penso estabelecer-me em Tucson. O meu pai não
queria que eu viesse só, mas acabei por convencê-lo.
Reconheço, porém, que ele tinha razão. Não conheço ninguém
e receio que me enganem... Os homens de Tucson são muito
insolentes. A verdade é que há dois dias que estou no hotel,
sem me atrever a sair à rua, para procurar casa. Assusta-me
esta gente...
Robert entregou-lhe o documento de crédito relativo ao
dinheiro depositado e disse, com certa timidez:
— Isso é verdade, senhorita Rode. A gente daqui é um
tanto... entusiástica, digamos assim. Seria melhor que alguém
a acompanhasse. Alguém que conhecesse a cidade,
naturalmente. Eu... eu atrevo-me a...
Mas não se atreveu...
Carmen sorriu-lhe, animadoramente.
— Diga, senhor Joyce. A que se atreve?
— A oferecer-lhe a minha companhia. Conheço todas as
casas que poderão interessar-lhe, assim como os seus
proprietários! E, afinal, a menina já é nossa cliente... e nós
devemos dar a melhor assistência aos clientes!
Carmen simulou preocupação:
— Não me sinto no direito de lhe roubar o seu precioso
tempo, senhor Joyce... deve ser uma pessoa muito ocupada e...
Felicíssimo, Robert interrompeu-a:
— Espere apenas um momento, que vou dizer ao meu pai
que saio! Espere, por favor, menina Rode...
Enquanto ele se dirigia para um escritório, Carmen sorriu,
trocista. Aquele rapaz era tão tonto como os demais que tinha
conhecido. Bastava um olhar, um sorriso... Ora! Os homens
eram uns imbecis!
*
Jim Galluro saiu de Tucson, por uns dias. Para levar a cabo
o plano que arquitetara, precisava de determinada soma de
dinheiro...
Como manejava tão bem as cartas como o revólver,
resolvera ir até à fronteira, tentar a sorte. Usou as cartas e os
revólveres por igual. Teve sorte no póquer e assaltou um
ganadeiro que acabava de vender uma boa manada de gado...
Voltou a Tucson com um pouco mais de mil dólares,
apressando-se a entregá-lo a Carmen.
— Toma, preciosa. Espero que não se perca. Como vão as
coisas com o idiota do Joyce?
Carmen respondeu, trocista:
— Quer levar-me a casa, para me apresentar à mãe!
— Não vás. Não temos necessidade de meter essa senhora
na comédia.
— Que é isso, Jim? Estás com escrúpulos?
— Bem sabes que não. Mas é melhor assim. Já resolveste o
problema da loja?
— Não. Nenhuma casa me agradou. Robert continua à
procura.
— Leva-lhe o dinheiro. O resto... já sabes.
Carmen deslocou-se ao Banco, onde Joyce deixou tudo
para a atender. A jovem pôs o dinheiro em cima do balcão.
— Aqui está, Bob. Mandou-mo o meu pai, por intermédio
de um amigo. Queres fazer o favor de o guardar?
O rapaz perguntou-lhe, um pouco impaciente.
— Quando vem o teu pai, Carmen ? Preciso de falar com
ele e bem sabes para quê...
Ela sorriu, ingenuamente.
— Eu?! Não faço ideia nenhuma, asseguro-te.
Robert ficou um pouco atrapalhado. Não estava habituado
a falar com raparigas e era a primeira vez que se enamorava.
— Quero... pedir-lhe autorização para... para continuar a
acompanhar-te e com algum direito de o fazer!
Carmen replicou, decidida:
— Para isso não precisas de falar com o meu pai. Sou dona
da minha pessoa.
Robert murmurou:
— Prefiro tratar do assunto formalmente. Quando virá?
A jovem voltou a cabeça, para que ele não visse a sua
expressão de desprezo.
— Espero que nunca... — murmurou.
Mas as esperanças de Carmen não se iam verificar... No
mesmo momento em que ela falava com Robert Joyce, um
homem chamava a atenção de Jim, com uma palmada nas
costas. Galluro, que se encontrava sentado no «saloon» do
hotel, levantou-se e voltou-se, num salto, levando a mão à
coronha do revólver, ao sentir que lhe batiam. Chegou a sacar
parcialmente a arma, advertindo:
— Cuidado, amigo... Não gosto que me toquem,
especialmente pelas costas! Você devia saber que é perigoso
fazer isso, num sitio como Tucson.
— Você é Jim Galluro? — perguntou o recém-chegado.
— Também não gosto que desconhecidos me perguntem
quem sou...
O homem, um indivíduo alto, com o rosto coberto por uma
barba escura, agarrou bruscamente Jim pela camisa, puxando-
o para ele.
— Responda à minha pergunta! — ordenou.
Jim praguejou, raivosamente, e sacou a arma. O
desconhecido baixou velozmente o braço direito e, com o
bordo da mão, atingiu o pulso do rapaz, com um golpe seco.
Jim gemeu de dor, soltando a arma. Quis inclinar-se para a
recolher, mas o desconhecido interveio:
—Não seja tolo, rapaz... Só lhe fiz uma pergunta.
Sacara, por sua vez, o revólver, de uma maneira incrível,
quase sem mover a mão, e pusera-o bem na frente da cara de
Jim Galluro. Este perguntou, impressionado:
— Quem é você?
Os fregueses tinham-se afastado um pouco, na expectativa
de uma troca de tiros. O homem das barbas respondeu:
— Dir-lho-ei, uma vez que mo pergunta amavelmente.
Chamo-me Juan Rode e sou o pai de Carmen.
Jim murmurou, sobressaltado:
— O pai de Carmen!...
—É verdade. E já percebi que você é Jim Galluro. Assim
sendo, mais lhe valerá que possa dizer-me que sabe onde está
Carmen e que ela se encontra de boa saúde... De outro modo,
vai-se arrepender de ter nascido, jovem!
Jim Galluro engoliu em seco, antes de retorquir:
— Ela está bem. Não se demorará... Mas... você pode não
ser quem afirma. Carmen não me disse...
Juan interrompeu-o:
— Vamos para o seu quarto, jovem. Sei que está alojado
neste hotel.
— Sim, é melhor. Há muita gente aqui...
Subiram ao quarto de Jim. Juan deixara de vigiar o jovem.
Logo que entraram, pediu-lhe a navalha de barba e, enquanto
Jim Galluro o observava, silenciosamente, despojou-se do
disfarce piloso que lhe encobria parcialmente o rosto. Quando
acabou de se barbear e limpou a cara com uma toalha, Jim
admitiu:
— Sim, você pode ser o pai dela. São muito parecidos...
Quem lhe disse que estávamos em Tucson?
— Isso não importa. Estão cá e é quanto basta. Casaram-
se?
— Ainda não, mas tencionávamos...
Juan interrompeu-o, secamente:
— Perfeito. Esqueça isso. É uma sorte para você que não
se tenham casado. Preferia vê-la viúva a sabê-la casada com
um bandidote de fronteira! Se estivessem casados, matá-lo-ia,
aqui mesmo!
Jim riu-se, embora com pouca vontade.
— O senhor considera-se a si próprio uma pessoa
terrível!...
Juan encolheu os ombros e retornou:
— Está enganado, rapaz... Onde se encontra Carmen?
— Deve estar a chegar. Tenho a certeza de que já não se
demora.
Juan Rode levantou a parte móvel da janela de guilhotina e
estremeceu. A rapariga que se aproximava era o vivo retrato
da sua mulher...
Ao vê-la entrar no hotel, a sua força de ânimo pareceu
desaparecer, obrigando-o a sentar-se. Devagar, com voz rouca,
ordenou a Jim:
— Abra a porta. Ela vem aí.
Jim Galluro obedeceu. No corredor, soavam os passos da
jovem. Momentos depois, surgia à porta do quarto, sorrindo
para Jim.
O sorriso não tardou a desaparecer-lhe dos lábios. Acabava
de avistar Juan Rode. Doze anos depois do dia em que a morte
reinara no escritório do advogado Jordan. Doze anos tinham
passado e ela era uma criança quando aquilo sucedera. No
entanto, não se esquecera de nada. E, sobretudo, não olvidara
o rosto do pai.
— Pai... — murmurou, apoiando-se na ombreira da porta.
— Tu!...
Jim interveio, alegremente:
—E então verdade que é o teu pai!
Juan Rode interveio, suavemente:
— Cale-se, jovem!
Levantara-se e contemplava a filha, muito alterado.
— és igual a ela, Carmen.
Avançou para a filha, de braços estendidos, disposto a
estreitá-la entre os braços.
Levantando a cabeça, a jovem recuou, gritando:
— Não tentes tocar-me, nem me fales dela! Mataste-a,
mataste a minha mãe! Não te aproximes de mim! Para que
vieste, ao fim de tantos anos ?
Juan empalideceu e as suas feições tornaram-se duras.
— Não me incomodam os teus gritos, pequena. Sou o teu
pai e estou acostumado a fazer-me obedecer. Basta de
loucuras! A morte da tua mãe foi um acidente. Acabaram-se os
histerismos... Vamo-nos embora desta cidade maldita, tu e eu.
Apenas tu e tu, Carmen, ouve bem! Não voltarás a ver Galluro.
Carmen deu uma gargalhada áspera.
— Com que direito me dás ordens? — protestou. —Desde
quando te preocupas comigo?
— Desde sempre. Quem julgas que mantinha os Trenton?
Eu! Apenas eu.
A jovem encolheu os ombros, desdenhosa.
— Dinheiro! Isso foi tudo o que me deste, desde a morte
de minha mãe...
Com um enérgico gesto negativo, acrescentou:
— Não deixarei Jim, podes ter a certeza!
Juan Rode olhou para o rapaz, que seguia o diálogo,
visivelmente impressionado.
— Vais deixá-lo, repito! — afirmou. — Não quero um
bandido para ti!
— Um bandido?! E que és tu mais do que isso? Tu não
sabes Jim, mas o meu pai é o famoso...
Com voz angustiada, Juan interrompeu-a:
— Cala-te, Carmen!...
Ela riu-se e continuou, sem fazer caso do pedido: -
— O famoso Tom «El Toro»! Soube-o há muito tempo,
através de Trenton. Sei perfeitamente de onde vinha o
dinheiro que nos davas... Era roubado! Só não percebo por que
te importa que eu case com Jim!
Assombrado, Galluro murmurou:
— Tom «El Toro»!... A verdade, senhor? — a sua voz
evidenciava um profundo respeito.
07
Banco aberto só para o bandido

—É verdade, sim! — acusou Carmen, terminantemente. —


Ele poderá negá-lo, mas o seu retrato está em imensos jornais
e cartazes de pedidos de captura. É Tom «El Toro», o mais
selvagem dos bandidos do Texas. Não tens nada a recear dele,
porque é pior que tu e tem mais que ocultar!
Para mostrar o desprezo que sentia pelo pai, voltou-lhe as
costas. Juan Rode manteve-se silencioso. Jim aproximou-se
dele, estendendo-lhe a mão.
— Tenho muito orgulho em conhecê-lo, Tom — disse. —
Tenho ouvido falar imenso de si, como calcula.
Juan não tocou na mão que o outro lhe estendia. Não fez,
aliás, qualquer movimento.
—Deixe-se de cumprimentos, rapaz — replicou. —Afaste-
se da minha filha, ou, de contrário, ficará realmente a saber
quem eu sou.
Jim protestou:
— Mas eu pretendo casar-me com ela! As minhas
intenções são sérias. Logo que tivéssemos o dinheiro... E
vamos tê-lo, muito em breve, porque...
Carmen interrompeu-o, raivosamente:
— Cala-te, Jim! Não fales dos nossos assuntos!
Galluro corou, enquanto Juan Rode sorria...
— Estão, então, à espera de dinheiro... — comentou. —
Compreendo. No entanto, acho difícil que o consigam, uma vez
que Carmen tem de seguir viagem!...
Carmen apressou-se a negar:
—É inútil, pai. Não irei contigo a lado nenhum. Só se me
levares à força! A isso que tencionas fazer?
Sorrindo, altivamente, acrescentou:
— Não te aconselho. Fugiria, ao menor descuido teu. O
melhor que tens a fazer é sair daqui!
A atitude de Juan Rode modificou-se, radicalmente,
passando de enérgica e autoritária a conformada.
— Muito bem. Não quero levar-te à força... mas também
não sairei de Tucson. Gosto deste hotel e vou alugar aqui um
quarto.
Carmen encolheu os ombros.
— Pretendes vigiar-me, não é verdade? Não me importo. E
não procures comover-me com as tuas condescendências. Não
és nada para mim. Absolutamente nada!
Juan Rode sorriu, resignadamente.
— Já ganhei alguma coisa, Carmen. Até agora, era teu
inimigo...
Sem mais uma palavra, abriu a porta e saiu do quarto.
Carmen manteve-se imóvel, muito alterada, forcejando para
evitar que as lágrimas lhe saltassem dos olhos. Jim Galluro
exclamou, ainda admirado:
— Tom «El Toro»! Mas, Carmen, esse homem é um ás!
Com a sua ajuda, poderíamos vir a ser donos do mundo! Por
que não nos unimos a ele?
—Deixa-o em paz! Não quero nem vê-lo! Falemos antes de
Robert Joyce. Está tudo preparado. Esta tarde, vou sair com ele
e, à noite, tudo estará concluído, espero.
— Como queiras, preciosa. Mas é pena...
Robert Joyce, que descuidava bastante o trabalho no
Banco, desde que conhecera Carmen, chegou ao hotel «Santa
Cruz» ao entardecer, perguntando ao empregado:
— A menina Rode está no quarto?
— Está sim, senhor.
— Quer fazer o favor de a avisar de que estou aqui?
Juan Rode, que se encontrava sentado num cadeirão do
vestíbulo, levantou-se, devagar. O empregado tinha
desaparecido, para ir informar Carmen. Juan dirigiu-se a Joyce,
interpelando-o:
— Bonita pequena, a menina Rode. Você teve bom gosto,
jovem.
Joyce olhou-o, com uma expressão de desagrado,
replicando, asperamente:
— Faça o favor de não falar dessa maneira da menina
Rode, ou terei de lhe partir a cara!
Juan Rode sorriu, enigmaticamente, perguntando:
— Que direito tem você de me falar assim?
— Acontece que serei seu noivo, muito em breve. E a
menina Rode não é pessoa para servir de conversa a tipos
como você!
Juan Rode desculpou-se, quase amavelmente:
— Perdoe-me, jovem. Pensei que se tratasse de um
divertimento para si. Eu...
— Você não passa de um imbecil! Espero que um dia,
nesta cidade, uma mulher decente não seja obrigada a viver
lado a lado com tipos como você. Aviso-o de que, se pensa...
— Não penso nada, jovem — interrompeu Juan. —
Acontece, apenas, que não costumamos considerar... da
melhor maneira, as raparigas que se instalam, sozinhas, num
hotel,..
Joyce replicou, orgulhosamente:
— Ela está à espera do pai, senhor! E espero, dentro de
muito pouco tempo, ser eu o homem que a protegerá, com
todos os direitos, da maledicência de homens da sua classe e
mentalidade...
Juan faz uma ligeira vénia e afastou-se, sem retorquir.
Tinha ouvido os passos da filha na escada e achou preferível
passar para a sala de refeições. Dali, pôde ver, sem ser visto,
como Robert Joyce recebia Carmen, com um sorriso
emocionado.
Ela estava resplandecente. Robert deu-lhe o braço e
saíram do hotel. Juan voltou ao vestíbulo. O empregado, a
quem ele já dera ótimas gorjetas, acolheu-o com um sorriso
obsequioso.
— Bonito par — comentou Rode. — Dá gosto ver os jovens
felizes. Quem é ele?
O empregado respondeu, prontamente:
—É Robert Joyce, o filho do banqueiro de Tucson. Um
excelente rapaz, senhor. O mais distinto da cidade! E está
doido por essa jovem, que ninguém conhece. O pai devia ter
cuidado...
Juan Rode murmurou, assaltado por uma suspeita:
— O filho do banqueiro!...
Saiu imediatamente para a rua. Carmen e Joyce afastavam-
se, conversando animadamente. Quando estava a observá-los,
Juan viu Jim Galluro sair de uma taberna. Jim vira passar os
dois jovens. Ao abandonar a taberna, sorria, trocista. E foi a
sorrir que se dirigiu para o hotel, recolhendo ao quarto. Uma
vez ali, dedicou-se a um trabalho estranho num homem: coser.
Com grandes pontos, coseu algo à camisa. Um pequeno coldre
de revólver, de pele fina, uma obra de arte dos índios
«navajos».
— Suave e ligeira — monologou — mas aguenta
perfeitamente o peso de uma arma de calibre trinta e oito...
Coseu-o a uma das partes laterais da camisa, um pouca
acima da cintura. Meteu nele o revólver e vestiu o casaco, para
ver como ficava o conjunto. Não se percebia o volume da
arma, o que muito o satisfez.
— Excelente! — comentou. — Fácil e rápido de sacar...
Experimentou, várias vezes, para mecanizar os mínimos.
gestos. Uma hora mais tarde, Carmen batia-lhe à porta do
quarto.
— Tudo bem, preciosa? — perguntou Jim.
— Tudo. Insiste em apresentar-me ao pai. Disse-lhe que
estou na disposição de fechar o negócio com o velho
proprietário da casa amarela.
Jim tinha o casaco vestido e não falou à companheira da
arma que se escondia debaixo dele. Pelo contrário, apontou
para a arma, onde não se via o coldre habitual, e disse-lhe,
com voz segura:
— Como vês, nada de armas! Tal como tu queres, Carmen.
Ela sorriu.
— Não precisarás delas, Jim. E é muito melhor assim.
Ela fez um gesto de concordância, perguntando:
-- Viste o teu pai?
— Não. Deve andar por aí, a beber. Suponho que um
homem como ele deve beber como uma esponja. Seja como
for, teremos cuidado.
Já tinha anoitecido, quando Carmen saiu do hotel. Ia só.
Dirigiu-se para casa dos Joyce, que viviam no próprio edifício
do Banco, com entrada pelo lado posterior. A jovem bateu à
porta e logo uma criada negra a abriu.
— Queria falar com Robert Joyce — pediu Carmen.
— Queira entrar, menina...
— Não, obrigado. Chame-o, por favor. Diga-lhe que a
menina Rode quer falar com ele.
A criada encolheu os ombros e desapareceu. Poucos
momentos mais tarde, surgia Robert Joyce, muito nervoso.
— Carmen! Decidiste-te, finalmente! Vem. O meu pai está
na biblioteca. Tenho-lhe falado tanto de ti que...
Carmen agarrou-lhe o braço, suplicante.
— Não, Bob! Agora, não. Preciso que me faças um favor. O
velho, o dono da casa amarela, é um indivíduo esquisito, como
sabes. Apareceu-me há pouco no hotel. Quer vender-me a
casa, mas deverei entregar-lhe os mil dólares combinados,
agora! Agora mesmo, porque se vai embora de Tucson!
Joyce murmurou, com estranheza:
— A estas horas? Vamos falar com ele. Dir-lhe-ei que
amanhã...
— É inútil, Bob — interrompeu a jovem. — Esse velho é
um louco! Garantiu-me que, se não lhe pagar agora, não me
venderá a casa. E perco uma ótima oportunidade.
Bob, suplico-te... Tu tens as chaves do Banco, faz-me o
favor de me deixares levantar o dinheiro! Não posso deixar
passar esta ocasião!
— Terei de dizer a meu pai o que se passa, porque...
— Não, Bob, não o faças! Que iria ele pensar de mim? Que
sou uma excêntrica!
Com voz suave, convincente, prosseguiu:
— Bem sabes como é... Os pais pensam sempre que nada
é suficientemente bom para os filhos! Ele- não compreenderá
que a culpa é, apenas, do tolo do velho. Não deixará de pensar
que sou uma menina caprichosa... e eu não quero deixá-lo mal
impressionado. De resto, que te custa? Assino o cheque,
naturalmente, e tudo está conforme. Ao fim e ao cabo, tu é
que és o dono do Banco e não acredito que me recuses a
primeira coisa que te peço...
Robert Joyce sorriu, convencido.
— Vamos arranjar tudo, Carmen! — afirmou decidido. —
Tenho aqui as chaves. Não percamos mais tempo!
Tomou o braço da jovem e, unidos, deram a volta ao
edifício. Robert abriu a porta principal, dando-se ares de
importância.
— Não acenderemos as luzes — resolveu — para não
alarmarmos ninguém, evitando o aparecimento de curiosos.
Podemos tratar de tudo com a claridade que entra pelas
janelas e com a luz do escritório, que fica sempre acesa.
Entraram no Banco. Nas sombras do largo portal, moveu-
se alguém, um homem, que estivera encostado a uma das
colunas, protegendo-se com ela.
Era Jim Galluro. Murmurou, com um sorriso sardónico:
— A porta aberta! Nunca tive um Banco aberto, só para
mim...
Bateu no revólver, escondido no coldre cosido à camisa.
Certo de que ninguém o via, avançou para a porta. «Não
percamos tempo», pensou. «O cofre já deve estar aberto!»
Empunhou o revólver e adiantou-se para a porta.
08
Um homem para matar «El Toro»

Jim Galluro alcançou a entrada do Banco de Tucson.


Antes de entrar no edifício, voltou a cabeça, para voltar a
assegurar-se de que ninguém o observava. Teve, apenas, o
tempo necessário para divisar uma sombra que se
movimentava nas suas costas. Ainda esboçou o gesto de se
virar, para usar o revólver. O vulto moveu-se rapidamente e
Jim Galluro recebeu uma pancada na cabeça, junto da orelha.
Sem sentidos, deslizou para o chão, largando arma.
O homem que o agredira apressou-se a evitar que o
revólver caísse no solo, provocando um ruído que o
denunciaria. Habilmente, apanhou a arma no ar, ao mesmo
tempo que, com o braço livre, amparava a queda de Jim, a
quem colocou suavemente no solo, encostado a uma coluna.
Depois, Juan Rode -- a ele se devia aquela intervenção —
entrou no Banco, decididamente, pisando o solo com força e
perguntando, em voz alta:
— Está aí alguém? Quem quer que seja não se mova!
Tinha um revólver em cada mão. A claridade que reinava
no interior, distinguiu os vultos da filha e de Robert Joyce,
defronte do enorme cofre, aberto de par em par.
O jovem voltou-se, velozmente, perguntando:
— Que faz você aqui? Para que são estas armas?
— Passei e vi a porta aberta. Vou levá-lo ao xerife, agora
mesmo!
Joyce suspirou, aliviado.
— Receava que... Mas não se preocupe, senhor. Eu sou o
banqueiro e isto não é um assalto, como pensa. Vim aqui
retirar dinheiro para um pagamento urgente.
Juan Rode, que se mantinha sorridente, irónico, sob o
olhar raivoso da filha, replicou, em tom amável:
— E verdade, jovem. Reconheço-o. Ao passar, vi a porta
aberta e admiti que houvesse novidade. O dever de todo o
cidadão honrado é evitar um roubo... foi uma imprudência da
sua parte deixar a porta aberta, de noite. Há sempre a
possibilidade de um oportunista se aperceber do facto e
entrar, para levar o dinheiro.
Robert Joyce agradeceu-lhe a boa vontade e Juan Rode
meteu as armas nos coldres e saiu. Robert fechou
imediatamente o cofre, depois de entregar os mil dólares à
companheira.
— Foi, realmente, uma imprudência da minha parte —
reconheceu. -- Esse homem é um tipo decente. Quando o vi
entrar, com os revólveres em punho... tive medo, por ti,
Carmen. Mas, por sorte, demos com um homem honrado.
Contendo a fúria que a dominava, a jovem retorquiu:
— Sim, deve ser um homem honrado, Bob...
Saíram do edifício e Robert fechou a porta. Carmen
procurou Jim, com o olhar, segura de que o pai o impedira de
levar a cabo o assalto planeado... por qualquer dos meios que
deviam ser usuais nele. Robert propôs:
— Acompanho-te ao hotel, Carmen, e, se quiseres, iremos
juntos procurar o velho, para lhe entregarmos o dinheiro.
Carmen respondeu, quase com aspereza:
— Não é preciso, Bob. Já te causei muitos incómodos e
receio que esse velho idiota não saiba bem o que quer.
Pensando bem, decidi não fazer caso dele. Na realidade,
pergunto a mim própria se terá valido a pena levantar o
dinheiro... acredita que estou arrependida de to ter pedido!
Robert estava demasiado enamorado da jovem para se
zangar por tão pouco. Assim, não se sentiu molestado com as
suas palavras nem com o tom em que foram pronunciadas.
Acompanhou-a até ao hotel e, embora Carmen estivesse
desejosa de se ver só, entreteve-a numa longa despedida. Por
fim, a jovem pôde subir ao quarto. Antes de abrir a porta, viu
que havia luz no interior, pela frincha, junto do chão. Com as
feições endurecidas, entrou.
Juan Rode estava de pé, junto da cama, em cima da qual se
encontrava Jim Galluro.
— Estávamos à tua espera, Carmen — disse Juan. —
Correste com o rapaz do Banco?
— Que remédio! — respondeu a jovem, agressivamente.
— Graças a ti, perdemos uma oportunidade magnífica. Que
fizeste a Jim? Que lhe fizeste?!
Foi o próprio Jim quem lhe respondeu:
— Atacou-me pelas costas, quando eu ia a entrar no
Banco! Que quer você, Tom? Qual é a sua ideia? Porque não
nos deixou completar o «trabalho»? Não me parece leal
proceder assim, para com a sua filha...
Receoso, perguntou a Carmen:
— Ele adiantou-se-nos? Deitou a mão ao «nosso»
dinheiro?
Com desprezo, a jovem respondeu:
— Não sejas parvo... Ele quer, apenas, proteger-me. A um
cavalheiro, virtuoso, a quem a ideia de a filha cometer um
roubo horroriza!... Tom «El Toro»! O bandido que matou e
roubou, em todo o Texas, transformado em moralista!
Juan Rode sorria, tranquilo.
— Não só não quero que roubes, Carmen, como não te
quero convertida numa assassina. Esse Robert Joyce é um bom
rapaz, que não merece ser enganado e assassinado por uma
rapariga tão bonita como tu...
— Vai para o diabo! Ninguém o ia assassinar. Ter-nos-
íamos limitado a encerrá-lo num quarto e, a estas horas,
estaríamos longe de Tucson, com todo o dinheiro do cofre! —
protestou Carmen.
— Achas que Jim se limitaria a isso? — troçou Juan. — Foi
ele quem te disse?
— Claro que sim! Não vês que ele nem sequer ia armado?
Juan abriu bruscamente o casaco de Jim, deixando à
mostra o coldre vazio. Depois, atirou para cima da cama o
revólver de calibre trinta e oito que recolhera, à entrada do
Banco.
— És uma parva! Um Galluro nunca deixa testemunhas,
nem permite que ninguém o persiga, se o puder evitar. Ele ia
assassinar esse jovem, sabendo que seria demasiado perigoso
deixá-lo vivo e que, matando-o, tinha muitas possibilidades de
escapar. Não é verdade, Jim?...
Jim recolheu o revólver, que apontou para Juan.
— Começo a estar farto de você, Tom! — rosnou. —
Embora seja o pai de Carmen, não vou permitir que...
Juan Rode abriu a mão direita, mostrando um punhado de
munições.
— Não sejas imbecil, rapaz! Essa arma está descarregada.
Se queres que desapareça da tua vida, deixa a minha filha em
paz! Enquanto ela for tão tola que aceite a tua companhia,
estarei perto de ti. Não te esqueças...
Carmen afastou-se, para dar caminho ao pai, que se dirigia
para a porta. Juan Rode sorriu aos dois jovens, antes de sair,
acrescentando:
— E será melhor que não pensem no banqueiro! Passarei a
vigiar-te bem, Galluro...
O homem que entrou na taberna era forte, um pouco
gordo, até. Completamente calvo, a sua cabeça brilhava como
se estivesse envernizada. Vestia uma velha samarra
descolorida e usava dois revólveres, grandes e brilhantes, em
coldres presos às coxas.
Depois de olhar para todos os lados, o desconhecido
aproximou-se do balcão e trocou algumas palavras com o
taberneiro, que lhe apontou uma mesa. Ao dirigir-se para lá, o
recém-chegado observou o homem que ali se encontrava, de
cotovelos apoiados no tampo da mesa.
— Você queria ver-me? — perguntou.
— Se você se chama Roger Modol, sim, quero falar
consigo. Sente-se.
O desconhecido não se mexeu, dizendo, em tom receoso:
— Você sabe quem eu sou..., mas eu não sei quem você é.
— Chamo-me Jim Galluro.
Roger Modol sentou-se logo, comentando, secamente:
— Conheço o seu irmão. Que é feito dele? Já o
enforcaram?
Jim fez um gesto de impaciência.
— Nada sei do meu irmão, há muito tempo. Mas não o
mandei chamar para lhe falar dele.
— Com certeza. E o seu irmão não me interessa para nada.
A sua cabeça não está a prémio e eu só me interesso por tipos
importantes. Diga o que tem para dizer.
Jim Galluro olhou para Modol com certo respeito.
— Tenho a certeza de que este lhe interessará. Veja...
Retirou um papel do bolso e entregou-o ao interlocutor.
Este grunhiu:
— Tenho um papel igual a este, na minha coleção. Que há
com este homem?
— Diz-se que oferecem por ele a maior recompensa até
hoje firmada, no Texas e no Arizona.
— É verdade. E depois?
Jim Galluro passou a língua pelos lábios ressequidos, antes
de responder:
— Pode ser para si, Modol. Você tem fama de apanhar as
maiores recompensas... Eu posso pôr-lhe nas mãos esse
homem, Tom «El Toro». Está em Tucson.
Modol arregalou os olhos.
— Em Tucson?! Não tenho conhecimento de nenhum
assalto importante, praticado aqui...
—Pois, temo-lo cá. A descansar, ou algo no género.
— Tem a certeza?
— Absoluta.
Roger Modol amarrotou o papel entre as mãos.
— O que ganha você com isto, Galluro? Deitar a mão a
Tom «El Toro» é tarefa difícil. Muitos o tentaram e... Ele nunca
esteve preso, sequer. Há muitas cidades do Texas em que seria
determinado dia oficial de festejo, no dia em que enforcassem
Tom «El Toro», mas...
Jim Galluro baixou a voz, até a converter num murmúrio:
— Senhor Modol, eu posso entregar-lho, pouco menos
que atado de pés e mãos. Contacto com ele, com alguma
frequência. Posso levá-lo aonde você disser e o resto é por sua
conta...
Modol sorriu com desprezo.
— Entendo. Você quer dizer que pode atraiçoá-lo, vendê-
lo. Por quanto?
Galluro respondeu, sem se ofender:
— Quero uma terça parte da recompensa. Creio que é
justo. Por que não bebemos uma cerveja e falamos sobre este
assunto?
Roger Modol replicou:
— A quarta parte, jovem. E só se você me for de alguma
utilidade, realmente.
Jim Galluro suspirou. Interessava-lhe muito parte da
recompensa oferecida pela captura de Tom «El Toro», mas,
mais do que isso, queria ver-se livre do pai de Carmen. Jim
estava verdadeiramente enamorado da jovem e sabia que
jamais se poderia casar com ela, enquanto Juan Rode vivesse.
— Aceito a quarta parte, Modol — decidiu-se.
Roger Modol voltou-se e pediu a cerveja.
Jim estava recostado na porta fechada do quarto de
Carmen. A jovem, olhando para a rua, pela janela, disse, de
mau humor.
— Ali está ele, como sempre. Não cessa de nos vigiar. Que
havemos de fazer, Jim?
Galluro respondeu:
— Em Tucson, nada. Tivemos um «trabalho» a realizar,
aqui, e ele estragou tudo, como viste. Acabou por ser mal
empregado todo o tempo que perdemos com o palerme do
banqueiro. E, vá lá, ainda recuperámos os mil dólares... Agora,
temos de sair de Tucson, quanto antes.
Carmen comentou, com desespero:
— Ele irá atrás de nós!
Jim Galluro sorriu, matreiro:
— Bem, não há dúvida de que o teu pai é um homem
esperto, mas nós também não somos parvos... pensei em tudo,
Carmen. No fim desta rua, há um estábulo, com duas saídas.
Aposto que o teu pai não o sabe!
— E que ganhamos com isso?
— Vamos deixar aqui os nossos cavalos. Ficar sem eles,
para nos vermos livres do teu pai... é um bom preço! Iremos
até ao estábulo, como quem passeia. Como é natural, ele ficará
cá fora, a vigiar-nos, aguardando a nossa saída. Mas nós
fugiremos pela outra, em cavalos que compramos lá.
Carmen concordou:
— Parece-me boa ideia. Quando a poremos em prática ?
— Quando anoitecer. A pouca luz facilitar-nos-á a fuga.
Aproximou-se da janela e olhou para Juan Rode, no
exterior. O pai de Carmen passeava, de um lado para o outro,
sem deixar de observar o hotel.
— Repara — disse Galluro. — Não deixa de nos vigiar, por
um só momento!
Com um sorriso maligno, pensou: «Mal sabes o que te
espera, Tom! Roger Modol é um tigre, quando está em jogo
uma boa recompensa!» Foi até ao «saloon» do hotel e ali
esteve, bebendo e jogando uma partida de cartas, de apostas
baixas, com alguns clientes. De vez em quando, Juan Rode
entrava no hotel...
As oito horas, Jim subiu ao quarto de Carmen, para a ir
buscar. Desceram, de braço dado. Sorrindo, contente, Carmen
comentou:
— Como vai ser divertido enganá-lo, a ele, sempre tão
seguro de si próprio! Só lamento uma coisa, Jim...
— O quê ?
— Não me despedir de Robert Joyce. Foi muito bom rapaz,
para além de tudo.
— Ao diabo com ele! A que vem essa conversa ?
Quando chegaram ao estábulo, Jim procurou Roger Modol.
Avistou-o, quase no mesmo instante. Estava recostado num
dos pilares de madeira que sustinham o alpendre. Com o
chapéu descaído para os olhos, fumava, com ar indiferente.
Ele e Jim trocaram um breve olhar de inteligência, antes de
o último entrar no estábulo, na companhia de Carmen. Imóvel,
Model aguardou. Pouco teve de esperar.
— É verdade! — murmurou, admirado. — E Tom «El Toro»
quem aí vem!
Atirou a ponta do cigarro para o chão e pisou-a. Juan Rode
avançava pela rua, com passo vivo. Ao chegar junto da porta
do estábulo, parou, com um sorriso nos lábios. «São uns
ingénuos...», pensou. «Sei muito bem que o estábulo tem
outra saída». Ia a entrar no estábulo quando Roger Modol
interveio, depois de se ter aproximado, silenciosamente, com
cuidados que lhe tinham valido inúmeros êxitos . Em voz baixa,
mas ríspida e incisiva, ordenou:
— Quieto, Tom! Estás sob a mira do meu revólver. Será
melhor que não faças qualquer movimento estranho, porque
eu não sou um curioso. O meu nome é Modol e sei bem o que
faço. Já deves ter ouvido falar de mim... Se tentares tocar nas
armas, mato-te! Vales o mesmo, morto ou vivo... com a
diferença de que, sem vida, não darás tanto trabalho. Assim,
garanto-te que só estou à espera de que dês um pretexto para
te crivar de chumbo.
Juan não esboçou qualquer reação. Conhecia, de facto, a
fama de Modol...
— Que faz você aqui? — perguntou. — Isto não é o Texas,
você bem sabe. Neste território...
Roger interrompeu-o:
— Aqui, Tom «El Toro» não vale nada, mas no Texas
representa uma boa maquia e eu vou levá-lo a El Paso, onde
me pagarão a recompensa.
Aproximou-se mais de Juan, para lhe tirar as armas. O
foragido não se moveu, sabendo que seria inútil tentar
surpreender Modol, numa situação como aquela.
— É uma grande viagem... — comentou. — Acha que
conseguiremos ir tão longe ?
Modol adiantou a mão esquerda, tirando-lhe o revólver
daquele lado. Depois, com a mesma precisão de gestos,
recolheu o da direita. Entretanto, tinham-se aproximado
alguns curiosos. Ninguém fez qualquer pergunta. Um deles
murmurou:
— Modol... Apanhou outra «peça de caça», ao que parece.
Juan continuava a olhar para o estábulo. Jim Galluro,
incapaz de resistir à tentação de ver o que se passava, deixou
Carmen no outro extremo do estabelecimento, e aproximou-se
da porta por onde entrara.
— Parece-me que o grande Tom se encontra em apuros!...
— murmurou.
Juan Rode sorriu-lhe, cansado.
— És um jovem cheio de recursos... Quanto vais receber,
de recompensa?
Galluro respondeu, cinicamente:
— Muito pouco, mas resta-me a satisfação de o saber
arrumado.
— Fraca consolação...
Galluro prosseguiu:
— E a certeza de que não voltará a dar-me cabo dos
negócios!
Modol já guardara as armas tiradas ao famoso bandido.
Agarrou nas algemas de aço que sempre levava, presas ao
cinturão, e ordenou a Juan:
— Volte-se, mas com cuidado. Não se esqueça de que vale
tanto morto como vivo.
Juan voltou-se para ele, devagar, e sorriu, trocista, ao ver
as algemas que Modol segurava com a mão esquerda.
— Você não deixa escapar um único pormenor —
comentou. —. Por que é que os tipos como você não se fazem
policias, de uma vez?...
— Porque os policias ganham pouco e nós, os caçadores
de recompensas, ganhamos muito. Estenda as mãos e junte-as.
E não se esqueça...
— Já sei, já sei... Prefere levar-me morto. Descanse que
tenho boa memória. Aqui tem as minhas mãos. Não lhe
proporcionarei a satisfação de me dar um tiro... De resto, falta
muito para chegarmos ao Texas e nunca se sabe o que pode
acontecer!
Estendeu os braços, oferecendo os pulsos juntos. Modol
adiantou as algemas, abertas. A prática permitia-lhe manejá-
las perfeitamente com uma das mãos.
— Alegro-me de ver que é prudente, Tom — observou,
com um sorriso. — Pessoalmente, nada tenho contra si. E,
agora...
09
Lutar pelo futuro de Carmen

Parecia fora de dúvida que Tom «El Toro» tinha


renunciado a toda e qualquer resistência à prisão, pensando
tentar a fuga durante a longa viagem até El Paso.
Roger Modol entendeu-o assim e, por isso, teve um
pequeno descuido, no momento em que ia fechar o primeiro
anel de aço. Juan Rode, que olhara para as mãos do caçador de
recompensas e não para a sua cara, adivinhou a oportunidade,
não a deixando passar.
Modol desviou um pouco o cano da arma, sem se
aperceber do facto. Apenas um pouco, mas o suficiente para
Juan... Com uma cotovelada sua e inesperada, acabou de
desviar o cano do revólver.
Ao mesmo tempo, com a outra mão, agarrou uma das
próprias armas, que Modol tinha entalado no cinturão, e
empunhou-a. Foi tudo rapidíssimo.
Modol retrocedeu, precipitadamente, a ponto de cair,
praguejando, furiosamente. Não largara a arma. A sua reação
imediata foi deixar cair as algemas e pronunciando um insulto,
premir o gatilho, visto que, na verdade, a recompensa
oferecida pelo bandido tinha o mesmo valor, quer fosse
entregue morto, quer vivo.
Rode saltou para o lado. Atrás dele, ficava a porta de
entrada do estábulo e, instantaneamente, pensou que seria
perigoso dar as costas ao Galluro. O tiro da arma de Modol foi
logo seguido de outro, quando ainda não se tinha apagado o
eco da primeira detonação. Juan Rode fez fogo, também, ainda
em movimento para o lado, com a arma muito baixa e o braço
um pouco recurvado. Roger Modol saltou para trás, ou, melhor
dito, deslizou na terra, para logo cair de costas, pesadamente,
quase rígido.
Juan Rode não costumava disparar mais que uma vez...
Meteu o invólucro no coldre e voltou a cabeça na direção de
Jim Galluro, com uma expressão de desafio. O jovem estava
muito pálido, embora se esforçasse por sorrir com desprezo.
Carmen acudira, correndo, atraída pelos tiros.
— Que aconteceu? — perguntou, agitada. — Quem
disparou?
Jim respondeu:
— O teu pai acaba de matar mais um homem.
Olhando Jim Galluro com dureza, Juan acrescentou:
— Um homem que tu, naturalmente, não conhecias, não é
verdade ?...
Raivosamente, Jim respondeu:
— Não sei o que quer dizer... Conhecia-o, sim. Chamava-se
Modol e era um caçador de recompensas.
— Não ganhará mais nenhuma — concluiu Juan.
Debruçou-se sobre o cadáver de Modol, para recuperar o
outro revólver.
Não o esperava qualquer complicação. Vários homens
tinham visto Modol disparar primeiro e todos sabiam que a
«profissão» de caçador de recompensas, sendo
compensadora, sujeitava todos que a seguiam a uma morte
trágica, mais tarde ou mais cedo, conforme sucedera a Modol.
Carmen sussurrou, ao ouvido de Jim:
— Vamo-nos embora! Já!
Jim Galluro, que inventara a história da luta, apenas para
levar Tom «El Toro» àquele lugar, retorquiu, com maus modos:
— Deixa-me em paz, agora! Não partimos! Não vês que ele
nos seguiria? Não sairemos de Tucson. Havemos de roubar o
Banco, ainda que o teu pai não saia do nosso lado!
— Como o faremos?
— Ainda não sei, Voltamos para o hotel.
Passaram por Juan. O bandido limitou-se a olhá-los.
*
Robert Joyce enrubesceu ligeiramente, ao ver entrar Juan
Rode. Voltou rapidamente a cabeça, para olhar para o pai, que
trabalhava no escritório, de porta aberta.
— Como passou, jovem? — perguntou Juan.
Com um olhar suplicante, Robert retorquiu:
— Oiça, tenho de lhe pedir um favor. Não fale do que, se
passou na outra noite... Meu pai não gostaria de saber que abri
o Banco àquelas horas, e...
— Com certeza. Foi uma loucura da sua parte, jovem. Mas
descanse que eu não falarei. Vim aqui para lhe contar uma
história curiosa. Diz respeito à jovem que estava consigo...
Joyce endireitou-se, reagindo com certa violência
— Que há com ela ? Não creio que tenha nada a ver com
você!
— Pois... de certo modo, tem. Acontece que sou um velho
amigo do pai dela.
Joyce murmurou, desculpando-se:
— Queira perdoar-me, senhor. É que há muita gente que
se julga no direito de insultar a menina Rode, só porque ela
vive sozinha. Mas o pai deve estar a chegar...
Juan moveu a cabeça, num gesto de dúvida.
— Não me parece provável que Rode venha, por estes
tempos mais chegado. Não se aborreça, que eu não falo
apenas por coscuvilhice, mas acho-me no dever de querer
avaliar as suas intenções relativamente a Carmen. Rode é
muito meu amigo e parece-me natural...
Robert apressou-se a afirmar, abertamente:
— As minhas intenções são claras. Quero casar-me com
ela, logo que seja possível. E fá-lo-ei.
— Acho muito bem. Mas talvez o seu pai...
— O meu pai não se oporá. Já falámos do assunto. Ele só
quer que eu esteja perfeitamente seguro do que faço. E estou!
Não me importa que Carmen não tenha dinheiro.
Juan Rode examinava-o atentamente, enquanto ele falava
e pareceu ficar satisfeito com o exame.
— Carmen não é pobre, jovem. O seu dote será bastante
grande, não duvide. Sei que o pai se tem preocupado com
isso... Não quero presumir de amigo de um ricaço, mas sempre
lhe digo que Juan Rode poderia comprar este Banco, se
quisesse. E, agora, deixe-me dar-lhe um conselho... Não volte a
abrir o Banco à noite!
O rapaz sorriu.
— Não penso fazê-lo, depois do susto que apanhei. O
senhor... poderia fazer saber ao pai de Carmen que sou uma
pessoa decente, que amo a filha dele, que...
Juan interrompeu-o:
— Farei isso mesmo, jovem, e com muito gosto.
Deu-lhe uma palmada amistosa no ombro e saiu do Banco,
não antes de Robert Joyce lhe perguntar:
— Não o conheço de algum lado, senhor? Tenho a
impressão de que o seu rosto não me é estranho...
«Viste o meu retrato nalgum jornal, ou cartaz», pensou
Juan. «Felizmente, as fotografias nunca foram boas, nem
saíram bem impressas.»
Em voz alta, respondeu:
— Não creio. Nunca tinha estado em Tucson. Adeus,
jovem.
Juan Rode estava disposto a apoiar as pretensões do
rapaz. Robert Joyce agradava-lhe. Estava disposto a renunciar à
filha, desde que ela ficasse entregue ao jovem.
— Nunca seria possível eu viver com ela — monologou. —
É um sonho irrealizável! Carmen jamais se esquecerá de que
lhe matei a mãe e jamais mo perdoará, embora isso tenha
sucedido acidentalmente. E há o meu passado... Tom «El
Toro»! Sempre haverá um Roger Modol tentando transformar-
me em dinheiro e em glória para ele... Não é possível. Terei de
me separar dela, para sempre. Antes, porém, terei de a livrar
do canalha de Jim Galluro e de a casar com Joyce. Carmen está
convencida de que gosta dele, mas não é possível amar-se um
canalha daquela espécie. É quase tão indesejável como eu!...
Precisava de ver Galluro, quanto antes. Jim não estava no
hotel, mas calculou que o encontraria facilmente numa
taberna e assim sucedeu. Encontrava-se no mesmo
estabelecimento em que se encontrara com Roger Modol.
Ruminando o seu desespero, procurava descobrir um meio
de chegar ao dinheiro do Banco de Tucson. Tinha a certeza de
que nem sequer Carmen, com todos os seus atrativos,
conseguiria voltar a convencer Robert Joyce a abrir o cofre.
Alguém surgiu diante da sua mesa, tapando a luz da janela. Jim
levantou a cabeça, para dizer qualquer coisa, mas acabou por
se limitar a olhar para Juan Rode, mergulhado em torvo
silêncio.
— Posso sentar-me, rapaz ?
— Faça o que quiser, velho. Ainda não se decidiu a
desaparecer de Tucson?
— Não, ainda não. Mas não tardarei.
Jim riu-se, desagradavelmente.
— Com a sua filha, não ? Nem pense nisso! Teria de a levar
amarrada e, mesmo assim, fugiria na primeira ocasião. Ela não
é fácil de domar...
Orgulhoso, Juan concordou:
— Bem sei, é minha filha! Mas não penso levá-la.
Galluro surpreendeu-se, ao ouvi-lo.
— Renuncia, então, a aborrecer-nos ?
— Sim, pensei que ela pode muito bem ficar em Tucson.
Nós é que nos vamos embora. Você e eu.
Jim empalideceu .
— Eu... você ?! — estranhou. — Oiça, eu gosto de Carmen
e pouco me importo com o que você pense. De resto, não
tenho quaisquer escrúpulos em aspirar à sua mão, uma vez
que você é ainda pior que eu...
— Deixemos isso, Jim — interrompeu Juan. — Não vim
para discutir contigo, mas para te anunciar que vais sair de
Tucson e sozinho. Dou-te até à meia-noite de hoje... Tens
tempo para te despedires de Carmen. Se quiseres, conta-lhe
uma história qualquer, para te justificares. Tens muito boa cara
para aldrabão.
Calou-se, por momentos, para acrescentar, ameaçador:
Mas não tentes ficar em Tucson. Depois da meia--noite,
sairei à tua procura, a tiro. Nem pretendas levá-la contigo!
Tomarás o caminho do Texas, rapaz, precisamente esse.
— Quer que eu vá ter com o meu irmão ?
Juan Rode levantou-se, lentamente, respondendo:
— Não, rapaz, seria inútil. Foi o teu irmão quem me pôs na
tua pista. Mas ele era um homem difícil, tal como os seus
pistoleiros.
Jim empalideceu, crispando as mãos,
— Era? Que quer você dizer ?
— O que imaginas. Tive de o matar, assim como aos seus
homens. A todos eles. Pensei que tivessem feito mal a minha
filha. Como vês, não será bom para a tua saúde permaneceres
em Tucson, para além do prazo que te marquei!
Voltou as costas e afastou-se. Jim levantou-se e puxou
pelo revólver.
No entanto, ainda nem sequer tinha tirado metade da
arma do coldre quando Juan se voltou, apontando-lhe uma das
suas e advertindo-o, escarninho:
— Tem cuidado, Jim... Ainda não dei cabo de ti por que, de
certo modo, tens sido decente para Carmen, mas só por isso!
Mas não me faças perder a paciência. Quanto ao teu irmão...
Para homens como tu e eu, como ele, não existem
sentimentalismos. O que importa é viver! Por isso, esquece
quaisquer desejos de vingança, ou viverás pouco, rapaz!
Jim voltou a sentar-se, largando a coronha da arma,
enquanto murmurava, com voz tremente, mas vibrante:
— Hei-de matá-lo, por tudo isto, Rode. Não imagine que é
invencível... Hei-de matá-lo, qualquer dia...
— Bem, mas que não seja hoje. Talvez voltemos a
encontrar-nos no Texas, por que não?... Então, falaremos de
tudo isto. Quando estivermos ambos longe de Carmen... Mas,
para já, não te esqueças de que os ares de Tucson serão
mortais, para ti, a partir do nascer do novo dia...
Juan Rode sorria, quase com amabilidade, ao guardar a
arma no coldre. Depois, muito lentamente, voltou-se e
abandonou a taberna, sem voltar a olhar para o rapaz.
10
O poder da lágrima fingida

Ao meio-dia, Robert Joyce logrou escapar-se do Banco,


com uma desculpa. O pai, que o adorava, sabia perfeitamente
onde ele pretendia ir.
— Essa jovem enlouqueceu-o — murmurou. — Não é
capaz de estar algumas horas sem a ver!
Robert Joyce chegou ao hotel «Santa Cruz» e perguntou
por Carmen. Um criado subiu ao quarto da jovem, para a
avisar. Carmen Rode desceu, pouco depois, bem arranjada e
muito sorridente. Havia algumas horas que não sabia de Jim
Galluro e estava intranquila, mas sorriu a Bob, escutando
atentamente o que ele lhe dizia.
— Pensei que... que poderíamos almoçar juntos, Carmen.
Tenho uma hora livre e queria contar-te algo muito
interessante. Aquele homem que entrou no Banco... naquela
noite... é um velho amigo do teu pai. Foi ele próprio quem mo
disse.
Encolhendo os ombros, Carmen murmurou:
— Sim? O meu pai tem muitos amigos... Isso não tem
importância, Bob. Vamos almoçar.
O jovem ofereceu-lhe o braço. Quando saíram do hotel,
quase tropeçaram em Jim Galluro, o qual esteve prestes a
dirigir-se à cúmplice, para lhe dizer que tinha de falar com ela.
Retraiu-se a tempo, numa primeira reação.
Robert Joyce olhou para Jim com desagrado e, como ele
não se afastasse, decidiu-se a dar-lhe passagem:
— Faça favor, cavalheiro...
Jim resolveu não perder aquela oportunidade, apesar de
ter combinado com Carmen não se falarem em público. Assim,
agarrou no braço da jovem, dizendo:
— Tenho de falar com esta menina, jovem, mas é apenas
um instante.
Sem hesitar, Bob deu-lhe um violento empurrão,
exclamando, irritado:
— Você anda sempre a rondar a menina Rode! Ou julga
que não reparei? Afaste-se dela e fique sabendo que, se voltar
a tocar-lhe...
Galluro interrompeu-o, furioso:
— Sei muito bem o que estou a fazer, seu imbecil! Saia da
minha frente, se não quer que eu...!
Bob voltou-se para a companheira e perguntou-lhe:
— Conheces este homem, Carmen? Queres falar com ele?
Irritada com o procedimento do amigo, a jovem
respondeu, desdenhosamente:
— Não! Não o conheço, nem quero falar com ele!
— Aí tem, cavalheiro — disse Bob, dirigindo-se a Gal-luro.
— Deixe-nos em paz.
Jim murmurou, raivosamente:
— Preciso de te falar, agora! É preciso que...
Robert agarrou Jim pelo ombro e obrigou-o a voltar-se de
frente para ele, insistindo:
— Já lhe disse que nos deixasse em paz, cavalheiro. Você é
surdo?
Ao concluir a frase, sem bem saber o que fazia, deu um
soco na cara de Jim. Foi uma pancada pouco forte, até porque
só pretendia afastar o importuno da jovem. Jim retrocedeu um
pouco, sacudindo a cabeça. Os seus olhos pareceram ficar
subitamente mais escuros, de ódio.
— Não devias ter feito isso, rapaz! — rosnou. — Vou dar
cabo de ti!
Atirou os dois punhos na direção do rosto de Joyce, mas
não o encontrou...
Serenamente, Bob esquivou-se-lhe com ágeis movimentos
da cintura, para logo replicar, com outro «direto» à cara do
bandido.
Jim Galluro praguejou.
— Bem, rapaz — comentou, fanfarrão. — Assim o
quiseste!...
Carmen afastara-se para um lado e contemplava a luta
com irritação, sobretudo depois que alguém exclamara,
ironicamente:
— Olha! Aqueles dois estão a lutar por causa de uma
rapariga! Que par de idiotas!
Jim Galluro baixou a cabeça, atirando-se a Joyce, tentando
apanhá-lo e desequilibrá-lo, mas Bob era senhor de uma
agilidade surpreendente. Novamente se afastou um pouco,
deixando Jim passar a seu lado, sem lhe tocar.
Uma gargalhada generalizada ressoou na rua e até Carmen
não foi capaz de dominar um gesto de troça. Mas logo o
sorriso lhe desapareceu do rosto, quando Jim se revolveu no
solo, onde se estatelara e empunhou um revólver, que
engatilhou, com um estalido sego.
— Vou trespassar-te o coração! — rugiu o bandido. —Não
viverás nem mais um minuto!
Bob olhou-o, empalidecendo ligeiramente, ao mesmo
tempo que Carmen gritava, muito excitada:
— Não! Não! Ele está desarmado!
Jim sorriu, com crueldade, começando a premir o gatilho.
Quando o percutor estava prestes a bater no fulminante, um
homem abriu passagem entre os circunstantes, dispostos a
assistirem ao assassínio de um homem desarmado. Era Juan
Rode, o qual, com um pontapé, arrancou o revólver da mão de
Galluro. A arma disparou-se para o ar.
— O rapaz não tem armas, amigo — disse o foragido. —
Talvez você não se tivesse apercebido disso, nem ouvido o que
a jovem disse... Decerto não pretenderia cometer um
assassínio, não é verdade?
Jim levantou-se, olhando com ódio para Juan. Sem uma
palavra, recolheu a arma, meteu-a no coldre e entrou no hotel.
Ao passar junto de Carmen, murmurou:
— Vem, logo que te consigas ver livre dele. E muito
importante.
Carmen não respondeu e ficou à espera de que o pai
acabasse de falar com Bob. O jovem estava a manifestar o seu
agradecimento:
— Muito obrigado, senhor. O senhor aparece sempre com
a maior oportunidade e nem sequer sei como se chama. Creio
que acaba de me salvar a vida... Aquele homem ia disparar.
— Sim, é possível.
— Não quererá o senhor falar com a filha do seu amigo
Rod?
Depois de olhar para Carmen, Juan respondeu, sorridente:
— Não, obrigado. Ela não me conhece. Ficará para outra
oportunidade...
Após uma ligeira pausa, acrescentou, satisfeito:
— Você luta muito bem, jovem! Mas nunca o faça com um
homem armado, se não se quiser sujeitar a enfrentar, também,
as suas armas. Quando um homem não tem escrúpulos, serve-
se de todos os meios, para não sair derrotado.
— Recordarei o seu conselho, senhor. E, mais uma vez,
muito obrigado.
O jovem banqueiro voltou-se para Carmen, que olhava
para o pai, com frio desprezo. Juan Rode estremeceu de dor,
ao notá-lo. «Sei que jamais me perdoará», pensou. Como
encolhido, retrocedeu, metendo-se entre os curiosos que
ainda comentavam a curta peleja, não tardando a desaparecer.
Jim Galluro demorou várias horas a tomar uma decisão.
Por fim, descobriu o meio de se livrar da ameaça de Juan Rode.
— Tenho de o atacar primeiro! Não vou permitir que esse
homem me afaste de Carmen! Nunca tive medo de ninguém e
não vou tê-lo de Tom «El Toro». Não me obrigará a fugir! Esse
maldito assassino vai ter uma surpresa pouco agradável... Terei
o dinheiro do Banco e terei Carmen, sem que ele possa
impedir-me!
Já perdera demasiado tempo. Eram nove da noite e sabia
que Tom «El Toro» cumpriria a ameaça feita.
— Acabarei com ele, antes das vinte e quatro. Ou, pelo
menos, terei de deitar a mão ao dinheiro dos Joyce, para poder
desaparecer com Carmen. Ela não me seguirá sem o dinheiro,
mas fá-lo-á, se eu tiver os bolsos cheios de notas!
De súbito, encontrou a solução para tudo. Uma solução
não muito engenhosa, aliás.
— Mas eficaz — monologou. — Basta de idiotices. Vou
tratar do caso à maneira dos Galluro!
Pensou, por momentos, no irmão, mas logo encolheu os
ombros.
— Não fosse parvo... A culpa foi dele, se se deixou
apanhar!
Tinha muito que fazer, nas três horas que faltavam para
atingir o limite. Em primeiro lugar, precisava de encontrar
alguns homens decididos a tudo. Tucson estava cheia deles.
Depois, teria de falar com Carmen, para a convencer.
—Possivelmente, só lhe direi parte do que penso...
Desconfio de que, muito embora odeie o pai, ainda tem muita
admiração por ele e pelo seu valor.
Meia hora mais tarde, Galluro entrava no hotel. Lançou um
rápido olhar à sala. Ali estava Juan Rode. O pai de Carmen
sorriu-lhe, friamente, fazendo crescer a raiva que o consumia.
«Espera um pouco, fanfarrão!...» pensou.
Subiu com rapidez ao primeiro andar e bateu à porta do
quarto de Carmen. A jovem abriu a porta e recebeu-o com um
murmúrio:
— Já era tempo de apareceres, Jim. Julguei que tinhas
fugido, com medo de Robert Joyce!
— Deixa-te de palermices e ouve. Temos muito pouco
tempo...
Um criado aproximou-se de Juan Rode e disse-lhe, em voz
baixa:
— A menina Rode deseja vê-lo, senhor. Por isso lhe roga
que suba ao seu quarto.
Juan Rode sorriu.
— Compreendo. Obrigado, amigo.
Levantou-se e subiu ao primeiro andar. A porta do quarto
da filha estava aberta. Juan sorriu, astuciosamente. «Esse
rapaz é um ingénuo...», pensou, trocista. Empunhou o revólver
e engatilhou-o, antes de se aproximar da porta, mas foi
recebido com uma gargalhada insolente de Jim Galluro.
— Olha, Carmen, o teu pai toma precauções! Até para
entrar no quarto da filha!... Não é engraçado?
Com uma expressão de inteiro desprezo, a jovem
retorquiu:
— Deve ter a consciência pouco tranquila.
Jim Galluro, com gestos ostensivos, desapertou a fivela do
cinturão, que foi colocar em cima da cómoda, juntamente com
os coldres.
— Estou desarmado, senhor Rode. Pode entrar com toda a
confiança. De resto, não cometeria a grosseria de o atacar
diante da sua filha!
Juan entrou, fechando a porta com um empurrão. Depois
de olhar fixamente para o rapaz, guardou o revólver no coldre.
Apoiado de costas na porta, observou a filha.
— Disseram-me que querias falar comigo — disse,
lentamente. — Que pretendes de mim, Carmen?
Carmen titubeou, olhando suplicante para Jim Gal-luro.
Este levantou-se, mas não se aproximou dela. Por fim, a jovem
teve de responder:
—Bem... Jim contou-me a tua tola ameaça... Quero que
saibas que não nos vamos separar, que nos casaremos logo
que tenhamos dinheiro para comprar umas terras na costa.
Não tens o direito de me proibir o quer que seja! Ouviste?
Assim, quero que me prometas que deixarás Jim em paz.
Juan Rode arregalou os olhos, num espanto simulado.
— Foi para isso que me chamaste? O teu amigo tem uma
boa solução para isso... Diz-lhe que empunhe o revólver e
dispare contra mim.
Voltara um pouco a cabeça, olhando para Jim Gal-luro. O
rapaz fez um gesto de despeito e olhou para as armas que
colocara em cima da cómoda. Não fez qualquer movimento
para se aproximar delas. Juan Rode sorriu, com desprezo, no
momento em que soava a colérica resposta de Carmen:
— Não digas patetices, pai! Não quero que te matem, nem
que mates Jim! Só quero que compreendas que ele é
demasiado bom para uma filha tua, que gosta de mim e que eu
também lhe quero. Estarás disposto a fazer o favor de
desaparecer de Tucson, deixando-nos em paz?
Rode negou, redondamente:
— Não, Carmen, não o farei. E não é verdade que Jim seja
demasiado bom para ti. Ele é lixo, em todos os sentidos e tu,
pelo contrário, és uma rapariga extraordinária. E só verificarias
o teu erro muito tarde. Não. Jim partirá esta noite e sozinho!
Carmen mordeu o lábio inferior, enervada. Juan
continuava a vigiar Jim, o qual murmurava um insulto, ao ouvir
a resposta perentória. No momento seguinte, a jovem tomou
uma atitude que Juan jamais esperaria dela. Com os olhos
marejados de lágrimas, ergueu as mãos, num gesto de súplica,
pedindo:
— Pai... por favor... Tu não podes ser tão duro para
comigo! Eu... tenho vivido muito só e necessito de afeto. Se te
tivesse encontrado primeiro, há mais tempo...
Juan Rode empalideceu, esquecendo-se de tudo,
inclusivamente de Galluro. A filha fitava-o, tremente e chorosa,
comovendo-o profundamente.
— Carmen... minha filha. Sempre pensei em ti, sempre
desejei reunir-me contigo, mas não foi possível. A sorte nunca
me acompanhou e não quereria que isso te sucedesse a ti,
também. Tens de olvidar esse homem...
A jovem rompeu em soluços e, repentinamente, lançou-se,
nos braços do pai. Juan Rode esperava ansiosamente algo
como aquilo, havia longos anos. Abraçou a jovem,
emocionado, murmurando:
— Pequenina... Eu sabia que, um dia... Ah! Carmen, Deus
te abençoe pelo que acabas de fazer!
Estava de tal modo impressionado que perdeu a noção da
defesa, com a filha apertada contra o peito. Jim Galluro não
teve a menor dificuldade em preparar o ataque. Colocou-se
atrás de Juan e, sem que ele o visse, apoderou-se de um dos
revólveres pousados na cómoda. Agarrando-o pelo cano,
levantou-o e descarregou uma violenta pancada na cabeça de
Rode, com a coronha. Juan caiu no solo, pesadamente. A filha
deixou de soluçar e ficou imóvel, crispada. Jim Galluro deu uma
gargalhada feliz.
— Que bem representaste o teu papel, Carmen! —
exclamou. — Bem te disse que ele não seria capaz de resistir às
tuas choraminguices, que perderia a cabeça quando o
abraçasses! Esqueceu-se completamente de mim! O grande
Tom «El Toro»! É incrível!
Carmen debruçou-se sobre o corpo do pai, olhando-o com
uma expressão preocupada.
— Deste-lhe com força, Jim, como para o matar... Disseste-
me que o farias com cuidado.
— O teu pai é um homem duro, pequena. Para o
adormecer, foi preciso bater-lhe com força. Mas não te
preocupes, que não lhe aconteceu nada. Despertará, dentro de
algum tempo, mas demasiado tarde para nos molestar. Repito
que representaste perfeitamente. Até conseguiste chorar! As
mulheres são o diabo!...
Deu uma gargalhada, antes de prosseguir:
— O pobre homem deve ter acreditado que tu gostas dele,
sinceramente.
Carmen endireitou-se, dizendo, secamente:
— Cala-te com isso, Jim! Não precisas de demonstrar que
és esperto...
O rosto de Galluro crispou-se, numa expressão dura.
— Acalma-te, Carmen. Nada de piadas de mau gosto! E,
muito menos, de sentimentalismos... Ou, melhor, guardemo-
los só para nós os dois. O resto, é negócio. Vamos apanhar o
dinheiro do Banco e poderemos partir com ele, livremente.
Não é estupendo?
Sem lhe responder, Carmen pediu:
— Põe-no em cima da cama, Jim. Não gosto de o ver no
chão.
— Como queiras. Procuraremos tratar com o maior
cuidado o teu «querido» pai...
Levantou Juan, com esforço, e estendeu-o no leito.
Carmen continuava a olhar para o pai com preocupação. Jim
procurou animá-la:
— Nada receies, Carmen. Tudo sairá bem, verás. Onde está
a corda?
— Debaixo da cama.
O rapaz recolheu a corda, voltou Juan Rode de barriga para
baixo e amarrou-lhe a mãos atrás das costas. Com a outra
ponta amarrou-lhe, também, os tornozelos. Fê-lo com força,
brutalmente, perante os protestos da jovem.
— Queres cortar-lhe as mãos, Jim?! Não precisas de
apertar tanto!
— Sabes bem a classe de homem que é o teu pai. Todas as
precauções são poucas. Precisamos de ter a certeza de que ele
não se moverá, durante toda a noite. E não conseguirá fazê-lo.
Afirmou-o, satisfeito. Terminada a operação, voltou Juan
de cara para cima. Carmen sentara-se nos pés da cama. Parecia
insegura.
— Vais demorar muito tempo, Jim? — perguntou. —
Espero que tudo esteja pronto, por volta da meia--noite.
Quando te vier buscar, já os cavalos estarão preparados.
— E ele?...
Jim Galluro dissimulou um sorriso.
— Não lhe fará mal passar uma noite amarrado. Amanhã,
de manhã, encontrá-lo-ão, quando vierem limpar o quarto.
Antes de sairmos, teremos de o amordaçar. Enquanto ficas
aqui, vigia-o. Não o deixes atirar-se para o chão.
Carmen assentiu, replicando:
— Tem cuidado, Jim. E não te esqueças de que me
prometeste não fazer mal ao Joyce...
Jim fez um gesto de concordância, respondendo, em tom
áspero:
— Não te preocupes. Não acontecerá nada ao «teu»
menino bonito. Interessa-me o dinheiro dele e mais nada. Sou
um homem realista. Beijou a jovem e, depois de lançar um
último olhar receoso a Juan Rode, saiu do quarto.
11
Preparação do golpe definitivo

— Que horas são? Um dos homens levantou a cabeça,


olhando para o relógio colocado por cima das prateleiras das
bebidas.
— És um comodista, Jim — retorquiu. — Tens o relógio na
tua frente. Porque não olhas para ele?
Jim Galluro olhou torvamente para o homem que tinha
replicado, após o que o agarrou pela camisa, dizendo-lhe, por
entre os dentes:
— Que te importa como sou? Perguntei que horas são,
apenas. E tu deves responder-me, sem comentários!
— São dez horas — interveio outro indivíduo. — Acalma-
te, Jim. Não deixes que os nervos nos levem a discussões ou
disputas, agora.
— Ora! Eu não estou nervoso. Não posso é com a
impertinência desse tipo.
Estavam cinco homens com Jim Galluro, sentados em
redor de uma mesa. Dois deles estavam entretidos a jogar às
cartas. Era indubitável que estavam todos nervosos, incluindo
Jim Galluro.
Permaneceram silenciosos. De vez em quando, Jim olhava
para o relógio. As onze, pôs as mãos no tampo da mesa e
murmurou:
—Vamos rever tudo, rapazes. É necessário que cada um
tenha bem presente o papel que lhe cabe. Eu bato à porta da
casa e vocês ficam colocados de um e outro lado. Quando
abrirem...
— Entramos os seis, Jim. É o mais sensato.
— Prefiro que não haja improvisações. Eu elimino a pessoa
que abrir a porta. Na casa, vivem os Joyce pai e filho, a senhora
Joyce e uma criada. Deve ser a criada quem abre a porta.
Quando estivermos dentro de casa, espalhar-nos-emos. É
preciso evitar qualquer grito e, naturalmente, os tiros.
Passando a língua pelos lábios, na antecipação do «prazer»
que lhe estava reservado, um dos homens sussurrou:
— Usaremos os punhais...
— Idiota! Precisamos deles vivos! Vocês dois ficam com a
senhora Joyce. O pai e o filho abrirão o Banco e o cofre, sem
oferecerem resistência, sabendo que ela está em nosso poder.
Todos os outros, iremos com os Joyce ao dinheiro. Será um
roubo sem falhas. Na realidade, nem sequer será um roubo...
vão-nos entregar o dinheiro do cofre, todo o dinheiro que lá
estiver. Depois, ocupar-me-ei do «menino bonito», do filho do
banqueiro. Vou dar-lhe o que merece! — concluiu, com voz
ameaçadora.
— Como? Nem tiros, nem punhais, disseste...
— Antes... Quando tivermos o dinheiro, será diferente.
Acho preferível ninguém ficar vivo, para não podermos ser
identificados, mais tarde. Perceberam? Não podemos entrar
no Banco com as caras tapadas. Podíamos ser vistos por
alguém. Teremos de atuar com calma, de rostos descobertos e
sem armas. Os Joyce deverão abrir voluntariamente a porta do
Banco e o cofre... na aparência. Naturalmente, jamais se
esqueceriam das nossas caras. Assim...
— Obrigá-los-emos a esquecer-nos, para sempre. E que
faremos, quando tivermos o dinheiro?
Jim Galluro sorriu, antes de responder, com firmeza:
— O dinheiro tê-lo-ei «eu», rapazes, não se esqueçam! O
dinheiro é meu. Cada um de vocês receberá determinada
quantia e isso é tudo. Depois, eu vou buscar a minha pequena
e desapareço, com ela. Vocês os cinco...
Descaradamente, um dos homens concluiu a frase:
— Nós já teremos feito tudo.
Jim emendou, com suavidade:
— Não. Faltará, ainda, um pequeno pormenor. Depois de
eu sair do hotel e da cidade, vocês terão de liquidar um
homem que se encontra no hotel. Trata-se de um homem
muito perigoso, mas que não vos dará trabalho, visto que
estará amarrado de pés e mãos e amordaçado.
Os homens riram-se.
— Bem... se é só isso!...
Jim acrescentou, orgulhosamente:
— Assim mesmo! Organizei tudo com o maior cuidado.
Tudo se fará como eu quero e sairá como lhes disse!
E Jim Galluro pensou, fechando os olhos: «Terei o
dinheiro... e Carmen. Tom «El Toro» não voltará a mostrar-se
arrogante. Só é pena não poder cobrar, também, a
recompensa.» Mas isso seria pedir demasiado e Jim
reconhecia-o. Já era bastante bom saber que, quando ele e a
jovem saíssem de Tucson, um daqueles homens atravessaria o
coração de Juan Rode, com uma punhalada certeira. «Que
pena não poder estar lá, para assistir», pensou.
*
Em Tucson, as ruas costumavam estar muito concorridas, à
noite. Como todas as cidades fronteiriças, abundavam as
diversões. A música, as canções, as gargalhadas, as pragas e os
tiros constituíam os sons habituais da cidade, depois das horas
de jantar.
Carmen Rode habituara-se a tais ruídos. No entanto,
naquela noite, os nervos crispavam-se-lhe, ao ouvi-los.
Sentara-se numa cadeira, olhando para a cama onde seu pai se
encontrava. Juan não se movia. Várias vezes a jovem se
acercara dele, para verificar se respirava.
— Aquele bruto do Jim não devia tê-lo agredido com tanta
força...
Sentia-se dominada por um estranho estado de espírito.
Quando Jim lhe propusera a representação da comédia que lhe
permitiria atacar Juan pelas costas, a ideia encantara-a. «—
bem pensado, Jim!», exclamara. — «Ele está desejoso de que
eu o beije, de que me mostre carinhosa, como uma boa filha.
Como vai ser divertido enganá-lo, facilitando o teu ataque!
Para mim, será como vingar um pouco a morte de minha mãe.
Depois, quando ele despertar, rir-me-ei dele!»
Agora, porém, Carmen não sentia o menor desejo de se rir.
Olhando para o pai, receava que lhe faltassem as forças e o
valor para o enfrentar, quando ele recuperasse os sentidos.
— Naquele dia... — murmurou. — A morte de minha mãe
foi, de facto, um acidente. Uma fatalidade. Uma desgraça que
arrastou muitas outras atrás de si... A verdade é que nem o avô
nem os outros se portaram bem com o meu pai. Ele estava
furioso e...
De quantas pessoas se encontravam naquele escritório, ela
era a que meu pai mais amava. Como poderia desejar a sua
morte? Nunca quisera admitir aquela verdade e aquele
momento, pensou, não era o mais oportuno para o fazer.
— Será melhor não pensar no assunto. Não me convém ter
hesitações.
Foi até à janela, para ver a gente que passava na rua,
fazendo barulho. Aquela cidade era terrível.
—Uma cidade cheia de bandidos e de bêbedos...
Por momentos, sentiu vergonha e pena de si própria, mas
logo se animou.
— Não. Também aqui há pessoas boas e decentes,
honradas e leais, como Robert Joyce...
Robert Joyce, que ia ser assaltado e roubado, dentro de
pouco tempo.
— Jim prometeu-me que lhe respeitará a vida. Pobre Bob!
Como se iludiu comigo...
Disse-o com amargura, voltando-se para a cama.
Estremeceu, ao ver que o pai abrira os olhos e olhava para ela.
Permaneceu imóvel, durante alguns segundos. Por fim, disse:
— Tens a cabeça muito dura, pai. Nunca pensei que
despertasses tão cedo! Lamento, mas vou ter de te amordaçar.
Juan Rode replicou, secamente:
— Não te incomodes, que não tenciono começar a gritar,
pedindo socorro. Em primeiro lugar, porque em Tucson
ninguém acode, quando alguém pede auxílio. E, depois,
porque seria ridículo virem encontrar-me amarrado como um
salpicão vigiado pela minha própria filha.
Carmen, que já agarrara num comprido lenço de pescoço,
não chegou a completar o gesto de amordaçar Juan.
— Se me prometes que...
— Prometo-te tudo o que quiseres, Carmen —
interrompeu Juan, com voz cansada. — Não posso negar coisa
nenhuma à minha encantadora e carinhosa filha.... Suponho
que saberás o que estás a fazer. Eu feri mortalmente a tua
mãe, por mero acidente, mas tu estás a colaborar no meu
assassínio!
Carmen sentiu-se invadida por um frio estranho. Fez um
esforço para serenar o espírito.
— Ninguém te vai assassinar, pai. Queremos, apenas,
evitar que voltes a estragar os nossos planos. Logo que
tivermos o dinheiro...
—És uma criança tonta, Carmen. Quando tiverem o
dinheiro, Jim tratará da minha morte. Assim como matará Bob
Joyce, porque um homem como Jim jamais esquece ou perdoa
uma humilhação.
Carmen encolheu os ombros. Não estava disposta a
acreditar em nenhuma daquelas afirmações.
— Podes dizer o que quiseres. É certo que tu procederias
assim, mas Jim não é como tu, felizmente!
Juan Rode ficou calado, por momentos. Ao vê-lo a
remexer-se, na cama, Carmen advertiu-o:
— Não te movas! Não tentes o quer que seja!
Com a voz embargada pela tristeza e pela ansiedade, Juan
perguntou:
— Diz-me uma coisa, filha. Há pouco, quando me
beijaste... Isto é apenas curiosidade da minha parte, mas dizem
que os laços que unem pais e filhos são fortes.... Fala-se no
instinto, na voz do sangue... Quando me abraçaste, para que
Jim me pudesse agredir impunemente, experimentaste alguma
emoção?
Carmen replicou, raivosamente:
— Prefiro não falar em patetices dessas, pai!
— Bom... sempre me consolo com o facto de me chamares
pai, de vez em quando...
— Muitas poucas vezes te chamarei assim. Tenho
esperanças de não te voltar a ver! Não me encontrarás.
Juan suspirou, concordando:
— Certamente que não, Carmen. Não te poderei
encontrar, porque já não pertencerei ao número dos vivos.
Ao ver o gesto de descrença da jovem, acrescentou:
— Como é que Jim pensa roubar o Banco? Não acredito
que Bob aceda ao seu pedido de voltar a abrir o cofre... Que
método vai empregar?
— Isso não te interessa.
— Mais assassínios. Não percebes o que está para
acontecer, filha? Liquidarão toda a família Joyce, terrível
pensar que... que tu és o motivo que leva Jim Galluro a fazer
tudo isto!
— Recordo-te, pai, que não és a pessoa mais indicada para
me dar lições de moral...
Fixando os olhos nos da filha, Juan pediu:
— Diz-me apenas uma coisa e não te maçarei mais. Queres
o dinheiro do Banco cinicamente para poderes fugir de mim?
— Sim!
— Eu tenho mais dinheiro do que todo o que possa haver
no Banco, filha. E é todo para ti.
— Não o quero! É dinheiro roubado. O fruto dos assaltos
de Tom «El Toro»!
— Percebo. Preferes ser tu a roubá-lo... Sabes que Galluro
matará Bob Joyce, esse simpático rapaz cujo crime foi
enamorar-se de ti?
— Jim não vai matar ninguém. E basta de conversa.
Voltou as costas ao pai. Este murmurou:
— Antes assim... Da maneira que me tratas, cheguei a
recear que me matasses, filha!
12
Uma família em apuros

O pai de Robert Joyce costumava deitar-se tarde, devido à


sua paixão pela leitura. E o Banco dava-lhe tanto trabalho que,
a não ser de noite, não podia ler nada.
Naquela noite, tinha ficado no escritório, entregue à sua
única diversão, quando ouviu bater à porta. Sem levantar a
cabeça, chamou:
— Joana! Estão a bater à porta! Vai abrir, por favor.
No mesmo instante, lembrou-se de que a criada já estaria
deitada, havia muito tempo. Em casa, já toda a gente dormia,
exceto ele. Pousando o livro em cima da secretária, foi abrir,
murmurando:
— Quem poderá ser, a estas horas?
Era uma pessoa demasiadamente confiada, o que o levou
a abrir a porta, sem primeiro ver ou perguntar quem era. E viu-
se perante o cano de um revólver, apontado para a sua testa...
Recuou, instintivamente. A arma acompanhou-o, ao
mesmo tempo que uma voz seca lhe ordenava:
— Não grite nem chame ninguém, se não quer ser o
causador da morte de quantos se encontram nesta casa!
Sob a ameaça do revólver, continuou a recuar. Viu um
grupo de homens avançar pela casa. Jim Galluro, muito
satisfeito dirigiu-se-lhe, em tom trocista:
— Deita-se muito tarde, senhor Joyce. Onde estão as
outras pessoas?
Joyce murmurou, impressionado:
— Dormem. Quem são vocês? Não sejam insensatos. Há
muito poucos valores nesta casa, não cometam a loucura de...
— Está a insultar-nos, senhor Joyce. Ninguém pretende
roubar-lhe nada... por enquanto! Vocês, oiçam. Eu vou ficar a
fazer companhia ao nosso banqueiro. Levantem os outros da
cama. Primeiro o rapaz e tenham cuidado com ele, que é muito
rápido com as mãos!

Joyce quis opor-se:


— Não se atrevam a molestar a minha família! Eu... Jim
Galluro, abandonando a atitude de falsa amabilidade que até
então exibia, deu-lhe uma pancada na cabeça, atrás da orelha,
com a coronha do revólver.
O banqueiro tombou no solo, de olhos arregalados.
Galluro demonstrou, então, que estava muito mais nervoso do
que queria admitir.
— Apressem-se — ordenou. — E sem ruído. Primeiro o
rapaz. As mulheres não me preocupam.
Os homens desapareceram, silenciosamente. Até o som
dos passos resultava inaudível, abafado pelas alcatifas. Jim
ficou a vigiar o banqueiro, que gemia, no solo. Bob foi
surpreendido no primeiro sono. Ao acordar com a estranha
sensação de que algo metálico lhe tocara o pescoço, quis
levantar-se, rapidamente, mas o seu Impulso foi contido por
uma voz áspera:
— Quieto, rapaz! Isto é um assalto. O que tens no pescoço
é a ponta de um punhal bem afiado. Se fizeres barulho,
tratamos-te da saúde e o teu pai passará um mau bocado...
Bob demorou alguns instantes a compreender o que se
passava. Mesmo assim, voltou a tentar levantar-se, mas foi
agarrado por várias mãos. Alguém acendeu uma vela. Foi
arrastado para fora da cama e um dos bandidos fez-lhe sinal
para que se vestisse.
— Vê lá o que fazes! — voltaram a avisá-lo. — Não queiras
ser o causador da desgraça de quantos moram nesta casa!
Vestiu-se, sempre estreitamente vigiado. Ainda não
compreendia bem o que se passava, mas não queria
desencadear qualquer ação que pudesse vir a molestar a
família... e que lhe acarretaria morte imediata. Empurraram-no
para o rés-do-chão, onde foi encontrar o pai sentado numa
cadeira, ainda estonteado, devido à pancada que recebera.
— Que lhe fizeram estes canalhas, pai? — exclamou.
— Tropeçou no meu revólver... Uma carícia sem
importância
— Não é nada, filho. Estou bem -- tranquilizou-o o senhor
Joyce. — Não resisto. São muitos e...
Bob avistou e reconheceu Jim Galluro, no momento em
que este se aproximava.
— Você! — exclamou. —É assim que pretende vingar-se
dos socos que lhe dei, em luta leal?
Galluro encolheu os ombros.
— Deixe-se de divagações e não se mova, até trazermos as
mulheres para aqui.
— Canalhas! Não toquem na minha mãe, se não querem
que...
— Nada receies, rapaz! — troçou um dos bandidos. — Só
nos agradam as mulheres novas!
O senhor Joyce pretendeu levantar-se, furioso e ofendido,
mas Jim voltou a empurrá-lo com a arma, ao mesmo tempo
que ameaçava:
— Mais uma loucura como essa e um dos dois morrerá!
Espero que sejam prudentes, até porque preciso de ambos.
Alguns dos homens tinham saldo do escritório. Bob
perguntou, procurando dominar a raiva que sentia:
— Que é que vocês querem? As pratas da casa? As joias
que possuímos?
— Não, não queremos nada da casa. Pretendemos,
«apenas», todo o dinheiro que houver no cofre!
Rubro de cólera, o banqueiro explodiu:
— Esse dinheiro é dos meus clientes! Prefiro morrer, a
entregá-lo!
Galluro apontou o revólver para a cabeça de Bob.
— Talvez queira ver saltar em pedaços a cabeça do seu
filho, não?... Quer que eu aperte o gatilho? E olhe que ele sabe
muito bem com que prazer o farei!
— Afaste essa arma! — suplicou o senhor Joyce. —Não
faça mal ao meu filho!
Bob sorriu, desafiador.
— Nada receies, pai. Ele não se atreverá a assassinar-me.
Uma coisa é roubar e outra matar. Ele não se atreverá a tanto!
— repetiu.
Galluro riu-se, asperamente.
— Nunca se sabe, rapaz — disse. — Você ignora o que
somos capazes de fazer... Mas talvez tenha razão... em parte.
Não utilizaremos os revólveres. Temos outros meios...
Nesse momento, entraram dois homens, arrastando uma
mulher de cabelo embranquecido e que parecia prestes a
perder os sentidos.
— Rosa! — exclamou o senhor Joyce. — Não lhe toquem,
malditos! Não...
Galluro deu-lhe um empurrão, desequilibrando-o, ao
mesmo tempo que intervinha:
— Não se ponha a dramatizar, velho! Seja realista.
Apanhámo-lo e é tudo. Você poderá denunciar o roubo, atirar
com toda a população para a nossa pista e nunca ninguém o
criticará por ter ficado sem o dinheiro. Dê--nos as chaves,
amigo. O seu filho irá connosco, para abrir o cofre.
Bob exclamou, furioso:
— Não, pai! Seria a nossa ruína!
Galluro olhou para o jovem e disse, com sarcasmo:
— E vocês acharão preferível arruinar a saúde e a vida da
sua mãe?... Um dos meus amigos faz habilidades
extraordinárias com o punhal. Não queremos chegar a
extremos, mas, em caso de necessidade, saberemos ser
desagradáveis!
Voltou-se para os homens que acabavam de entrar e
ordenou:
— Ponham a senhora nesse sofá. Onde está a criada?
— Desmaiou. John ficou a vigiá-la.
A senhora Joyce foi atirada para o divã e três dos bandidos
apontaram as armas para cada um dos componentes da
família.
Bob tremia de raiva, mas não se atrevia a mover-se, com
medo de que lhe matassem os pais. O banqueiro, por seu lado,
receava o que pudesse suceder à mulher e ao filho. Galluro
voltou a tomar a palavra:
— Agora, com toda a família reunida, as coisas irão
melhor. A senhora dirá a seu marido e a seu filho que nos
entreguem as chaves do Banco. Isto é apenas uma questão de
dinheiro e que importa o dinheiro, quando estão em jogo as
vidas das pessoas que nos são queridas?
Firmemente, a senhora Joyce disse:
— Não lhes deem as chaves!
Bob sorriu, com orgulho, enquanto Jim Galluro encolhia os
ombros.
— Isso é com vocês... — murmurou, ameaçador.
Fez um sinal a um dos homens e este aproximou-se da
senhora, empunhando um punhal curto. A senhora Joyce deu
um grito de horror, ao ver a arma.
— Quietos! — voltou a prevenir Jim, prevendo qualquer
reação da parte dos Joyce. — O primeiro que tentar intervir é
abatido, sem dó nem piedade! No vosso lugar, não hesitaria. O
senhor Joyce importar-se-ia, acaso, de gastar toda a sua
fortuna, até à completa ruína, se uma doença da sua esposa o
exigisse? Sejam sensatos, cavalheiros!...
O banqueiro fechou os olhos e disse, em voz baixa:
— Está bem, malditos! Tirem essa arma da frente da
minha mulher...
As chaves estão na secretária do meu escritório, na gaveta
da direita, que poderão abrir com esta outra chave. Retirou
uma pequena chave do bolso do colete e entregou-a a Jim.
O bandido recebeu-a com uma gargalhada de satisfação.
Enquanto Jim Galluro abria a gaveta, Bob afirmou, com voz
alterada pela ira:
-- Hão-de apanhá-lo, canalha! O dinheiro do Banco
pertence à população de Tucson e esta gente não gosta de ser
roubada...
— Não se preocupe connosco, rapaz. E levante-se, para vir
abrir o cofre, na nossa companhia.
Bob pôs-se de pé. Distraidamente, apoiou-se na secretária.
Dentro da gaveta da correspondência, entreaberta, havia um
pequeno revólver.
Sem pensar duas vezes, meteu a mão e empunhou a arma.
Tinha sido rapidíssimo. Porém, o nervosismo do pai, ao
aperceber-se do que ia tentar, denunciou-o.
Jim Galluro pôde voltar-se a tempo, dando-lhe uma forte
pancada no braço. O jovem deixou cair a arma, com um
gemido de dor.
Cego de furor, ao ver que um pequeno pormenor ia
provocando o malogro do seu plano, Jim voltou a agredir Bob,
desta vez na cara, vociferando:
— Imbecil! Isto não é uma brincadeira para crianças!
Um dos homens interveio:
— Não batas no rapaz, que precisamos dele.
Bob tinha tombado no solo, inanimado.
— Cala-te e dá-me essa jarra!
Recebeu-a e despejou a água que continha na cabeça do
jovem, que não tardou a dar sinais de recuperar. A pancada
recebida tinha sido violenta, mas não aplicada num ponto
suscetível de causar grandes danos.
— Levanta-te! — intimou Jim. — Há alguns milhares de
dólares à minha espera e estou com pressa!
Bob levantou-se, com esforço.
13
O melhor pai que existiu sobre a terra

Em cima da cómoda do quarto havia um velho relógio de


madeira. Carmen olhava-o, continuamente. Em dado
momento, depois de o mirar uma vez mais, deu um profundo
suspiro. Juan Rode compreendeu.
— Está na hora, não é verdade? Devem estar prestes a
chegar ao cofre... Isso quer dizer que, dentro de alguns
minutos, esse rapaz, Robert Joyce, e a família dele serão
assassinados. Creio que, lá em casa, vivem ele, os pais e uma
criada. Todos vão ser liquidados, Carmen.
— Cala-te! — suplicou a jovem, com voz alterada. —Não
sabes o que dizes! Não vai acontecer nada!
— Não sejas cobarde, minha filha, e enfrenta a verdade.
Jim Galluro odeia Bob e, além disso, não quererá deixar
perigosas testemunhas do roubo. Conheço este «ofício»,
desgraçadamente. Não ficará ninguém vivo, para contar
pormenores nem para descrever o aspeto dos assaltantes. Ë o
que sempre se faz, nestes casos. Se um dia fossem apanhados,
ninguém poderia afirmar, em tribunal, «foi este homem!».
Galluro bem o sabe.
— Falas como um bandido, como um profissional do
crime, pai!
— Sim, é verdade. Mas asseguro-te que jamais assassinei
ninguém. Mesmo nesta vida, há várias categorias de pessoas.
Tu sabes que Jim Galluro pertence à mais baixa. Viste, por
acaso, como ele e os homens do seu bando assassinaram todos
os passageiros da caravana em que ias e da qual só tu
escapaste?

Carmen empalideceu. Tinha feito todo o possível para


esquecer a matança de que só ela se salvara, graças a Jim. Sim,
era verdade que lhe devia a vida, mas não era menos verdade
que também ele colaborara no assassínio dos indefesos
viajantes. Sim! Jim era um assassino! Como podia confiar
nele?...
Olhou para o relógio e deu um grito de angústia. Depois,
voltou-se para a cama.
— Liberta-me destas cordas, filha! — pediu Juan. —Ainda
há tempo de impedir que sejam liquidados! Depressa!
Carmen aproximou-se e estendeu as mãos para os
apertados nós, mas logo recuou, abanando a cabeça com
força.
— Não! Isso não é verdade! Não te libertarei. Não posso
libertar-te! Retrocedeu, até ficar encostada à parede.
No silêncio do quarto, o bater do relógio ouvia-se,
distintamente. Inesperadamente, Carmen abriu a porta e saiu
do quarto, atirando com ela. Juan ouviu o som dos passos dela,
que se afastavam rapidamente, e comentou, furioso:
— As mulheres são todas umas loucas! Quando,
finalmente, se convencer de que vão assassinar os Joyce, já
será tarde. Depois, virão os lamentos e as recriminações, mas
nada disso pode devolver a vida aos mortos!...
As cordas estavam muito bem amarradas, conforme já
verificara, com alguns esticões. Juan deixou o olhar circunvagar
pelo quarto, mas não conseguiu avistar nada capaz de as
cortar.
— Exceto o espelho da cómoda... -- murmurou.
Rebolou na cama, deixando-se cair no chão. Caiu de
costas, sem se magoar. Chegar até à cómoda, rodando e
arrastando-se, não foi difícil. Tinha, porém, de se pôr de pé, de
partir o espelho e de tratar de apanhar um dos fragmentos. E,
depois, ainda precisava de ter a sorte de poder agarrá-lo com
os dedos, de modo a poder usá-lo, à laia de navalha.
Não pensou em pedir auxílio, por uma razão: a filha estava
demasiadamente implicada em todo aquele sujo negócio e era
necessário salvá-la, assim como aos Joyce, mas primeiro que a
eles.
Conseguiu pôr-se de joelhos, encostado à cómoda. Com os
dentes, agarrou a maçaneta de uma das gavetas e foi-se
içando, a pouco e pouco. Porém, ao soltá-la, voltou a cair.
— O tempo urge... -- resmungou. — Receio que...
Com novo esforço, violento, arranhando a cara nas
esquinas do móvel, ao subir, conseguiu ficar finalmente de pé.
— O espelho...
Em cima da cómoda estava o espelho que Carmen
costumava usar, quando se arranjava. Juan Rode logrou
segurá-lo pelo punho, com os dentes, e desferir uma pancada
no tampo, despedaçando o vidro. A maior parte dos estilhaços
caiu para trás da cómoda.
Deslocando-se com pequenos saltos, Juan acabou por se
colocar ao lado do móvel, empurrando-o. Os fragmentos do
espelho brilhavam, no chão.
Rode encostou-se à parede e deixou o corpo deslizar, até
ficar sentado. Assim, acabou por alcançar com os dedos um
pedaço de vidro e, contorcendo-se quanto possível, atacou as
cordas que lhe prendiam os pés.
Pouco depois, sentiu as mãos molhadas com o próprio
sangue, mas não se deteve. Insistindo, com a ânsia do
desespero, acabar por cortar a corda.
— Isto não vai mal — comentou. — Soltar as mãos será
mais fácil.
Logo que libertou os pés, a ponta da corda que lhe prendia
os pulsos afrouxou um pouco. Puxando por ela, dando-lhe
violentos esticões, até ficar a sangrar dos pulsos e das pontas
dos dedos, Juan conseguiu, finalmente, libertar-se.
No momento exato em que tal sucedia, a porta abriu--se,
violentamente. Juan voltou-se, em busca de uma arma,
disposto a atacar. No entanto, quem acabava de entrar era
Carmen.
A bela rapariga tinha os olhos arregalados de espanto e as
faces pálidas como cera. Nem sequer se surpreendeu ao ver o
pai livre. Adiantou-se para ele, com uma indesmentível
expressão de afetuosa veemência — não fingida desta vez.
— Pai, é horrível! — exclamou. — Fui a casa dos Joyce,
para falar com Jim, mas a porta estava aberta. Espreitei, e vi
vários homens, no interior, conversando. Vão matar todos os
habitantes da casa! Foram essas as ordens que Jim lhes deu,
para serem cumpridas quando ele voltar aqui, já com o
dinheiro!
Enquanto a ouvia, Juan movimentava as mãos e os dedos,
para recuperar a agilidade dos dedos.
— Aonde está Jim, agora?
— No Banco, com Bob! — respondeu Carmen, quase a
chorar. — Mas já 'é tarde, pai.
— Alguém te viu?
— Não. Só o empregado do hotel, mas esse não sabe de
nada.
Juan Rode agarrou-a por um braço e apressou-a:
— Vamos para lá, filha! Deus queira que o cofre tenha
demorado a abrir, ou que tenha tanto dinheiro dentro que leve
muito tempo a esvaziá-lo!
Correram para a porta e desceram a escada a correr,
precipitadamente. Quando se preparavam para sair para a rua,
Carmen avisou:
— Pai, não levas armas!
Juan Rode voltou a cabeça e gritou para o encarregado do
hotel, que os olhava, surpreso:
— Dê-me um revólver carregado! Depressa!
— Mas, eu...
Juan debruçou-se sobre o balcão, afastando o homem.
Sabia que em todos os estabelecimentos do género havia
sempre um revólver à mão, pronto para qualquer
eventualidade. E, na verdade, ali estava um, junto da caixa do
dinheiro. O empregado protestou:
— Oiça, você não pode...
Juan não fez caso dele, e recolheu o revólver, verificando
que o tambor estava carregado. Depois, correu para a rua,
onde Carmen o esperava, chorando, presa de angústia.
— Jim vai liquidar Bob! — lamentou-se. — Logo que tenha
o dinheiro em seu poder, fá-lo-á!
Sem se deter, Juan perguntou-lhe, abertamente:
-- Incomoda-te assim tanto que esse jovem possa sofrer
um dissabor, Carmen?
— Não quero que lhe aconteça nada! tão bom, tão
sincero!... Sempre se portou tão bem comigo!
— Sim, filha, ele é muito bom. Demasiado, talvez...
Estavam já perto do Banco. Não se via luz nenhuma no
interior. Jim devia preferir a escuridão, para não despertar as
atenções! Mas a porta continuava aberta...
Nervosa, apoiando-se a uma das colunas do alpendre, a
jovem murmurou:
— Será tarde, meu Deus?...
O pai tocou-lhe no braço, respondendo:
— Não, ainda não é tarde. Silêncio. Vem comigo!
Umas sombras acercavam-se da porta do Banco. Saiu,
primeiro, um tipo desconhecido para Juan Rode, que olhou
receosamente para todos os lados. Juan e a filha tinham-se
escondido, mas podiam ver o que se passava, do ponto onde
se encontravam. Logo a seguir, saiu Jim Galluro, com um saco
ao ombro. Atrás dele, Bob Joyce, seguido de mais dois homens,
de revólver em punho.
— Vão matá-lo, pai! — gemeu Carmen, num sussurro. —
Vão liquidá-lo agora mesmo!
Juan conteve-a:
—Calma! Não o farão na rua. Não vejo o resto da família e
eles devem querer «arrumar» todos ao mesmo tempo e com
pouco eu nenhum alarido. Provavelmente, empregarão
navalhas...
A jovem esteve prestes a gritar, mas Juan tapou-lhe a boca
com a mão. O grupo de homens já se afastava, dando a volta
ao edifício, a caminho da vivenda dos Joyce.
— Fica aqui, filha. Não te movas — recomendou Juan.
Carmen deitou-lhe os braços à volta do pescoço, beijando-
o, emocionada e nervosamente. As suas lágrimas molharam o
rosto do pai. O rosto de Tom «El Toro», que havia muitos anos
que não conhecia o gosto salgado de lágrimas...
— Filha!... — murmurou, com voz entrecortada. —Amei-te
sempre... e tanto!
— Tem cuidado contigo, pai. E cuida também do Bob.
Nestes momentos de aflição é que soube quanto lhe quero... A
ele e a ti! A ambos, pai, e igualmente!
Juan Rode sorriu, feliz, afastando-se rapidamente. A porta
da vivenda dos Joyce estava entreaberta. Os assassinos nem
sequer admitiam a hipótese de serem importunados...
Juan empurrou a porta, suavemente, e ouviu vozes numa
divisão iluminada, à direita. Quando se dirigia para ali, avistou
um homem de pé, junto de um divã, no qual estava estendida
uma mulher. O homem olhava para o interior do quarto,
distraidamente...
Juan aproximou-se dele, com cautela. No momento em
que, no quarto, alguém soltava uma exclamação de alegria,
desferiu uma pancada na nuca do bandido, com a mão direita,
de cutelo. Agarrou-o, para impedir que caísse, e depositou-o
suavemente no chão, sem ruido.
Sem dificuldade, chegou à porta do quarto. Dentro,
estavam os Joyce e Jim Galluro, com os seus homens. O
bandido atirara com o dinheiro para cima da mesa e contava-o,
entre as gargalhadas alegres dos sequazes.
— Deixarei o vosso dinheiro de lado, rapazes — disse Jim.
— Que tal? Não acham que os nossos amigos banqueiros
foram muito amáveis, facilitando-nos tudo?
Afastou alguns montes de notas, após o que voltou a
meter o restante dentro do saco. Os homens apressaram-se a
recolher o quinhão que lhes cabia. Um deles ficou com a parte
correspondente ao que ficara a tomar conta de Joana, a criada.
— E agora, Jim? Que fazemos?
Jim passou a língua pelos lábios, com um sorriso sádico.
Olhou para Bob, com uma expressão maligna. Odiava-o,
porque se tinha atrevido a cortejar Carmen... e a bater-lhe, a
ele, Jim Galluro, diante da jovem. Sim! Tinha-lhe um ódio de
morte!
— Agora — respondeu — só falta um pequeno
pormenor... Não nos podemos ir embora sem manifestar a
estes amigos o nosso agradecimento. No que se me refere,
tenho estado a pensar em demonstrá-lo pessoalmente àquele
jovem...
Bob Joyce compreendeu a ideia de Galluro, observando-
lhe o olhar e a expressão. Tentou deslocar-se para junto do pai,
para o proteger. Jim Galluro, naquele momento, agarrava no
punhal e disse, com voz rouca:
— Quieto, rapaz! Deixa-me ocupar-me de ti... como deve
ser! Não quero ver-te morto com um tiro!
Juan Rode não esperou mais. Engatilhou a arma,
lentamente. Ao fazê-lo, o estalido metálico soou nitidamente
pesado da sala. Jim voltou a cabeça e avistou o inimigo,
praguejando violentamente. Largou o punhal, para sacar o
revólver, ao mesmo tempo que os companheiros abriam fogo,
com as armas que tinham conservado nas mãos.
Bob Joyce atirou-se para cima do pai, que se encontrava na
linha de tiro, empurrando-o e atirando-o ao chão. Num
momento, a sala encheu-se do ruído atroador das detonações.
Juan Rode, sorrindo ferozmente, apoiado na ombreira da
porta, estava tranquilo e seguro de si. Quantas vezes
enfrentara situações semelhantes?... Disparava com uma
velocidade espantosa, quase sem interrupção, devido à longa
prática.
Dois dos companheiros de Jim chegaram a fazer fogo, mas
não conseguiram acertar no alvo, porque já estavam feridos de
morte quando os seus dedos premiram os gatilhos.
Juan Rode disparou seis vezes, no mesmo ritmo veloz. O
chumbo escaldante assobiava na sala e o fumo da pólvora
formava já uma pequena nuvem acre. O último a cair foi Jim
Galluro, que fora, também, o último a empunhar o revólver e a
engatilhá-lo. A bala da arma de Juan atravessou-lhe o coração
e Jim encolheu-se, bruscamente, antes de tombar sem vida no
chão, todo enrolado.
Decorreram alguns momentos de silêncio, ao cabo dos
quais a senhora Joyce murmurou, admirada e ainda sob a ação
do susto:
— Jesus! Esse homem é...
Bob estava a levantar-se, quando Juan se adiantara alguns
passos na sala. O jovem banqueiro viu algo a mover-se, junto
da porta. Quis advertir Rode, exclamando:
— Cuidado, senhor! Ainda há outro!...
Juan deu um salto, voltando-se. O homem que derrubara
no vestíbulo, pouco antes, surgira na porta da entrada, pronto
para disparar. Juan premiu o gatilho. Mas, pela primeira vez na
sua vida, encontrava-se sem munições, diante de um
adversário que já premia o gatilho...
O impacto do chumbo fez estremecer o corpo de Juan
Rode, violentamente, derrubando-o. O homem de Galluro
preparava-se para disparar, uma vez mais, quando Robert
Joyce interveio. De joelhos no solo, como se encontrava desde
o início da dramática cena, conseguiu alcançar o revólver de
um dos bandidos e fazer fogo, raivosamente.
O homem recuou, atingido, acabando por tombar no chão,
com a cabeça destroçada.
Bob pôs-se de pé, aproximando-se rapidamente do local
onde se encontrava Juan Rode. Ajoelhou-se, ao lado dele, e
quis ajudá-lo a levantar-se. Juan Rode tinha os olhos fechados.
Comovido, Bob murmurou:
— Senhor... salvou a vida de todos nós. Aqueles homens
iam assassinar-nos. Mas o senhor acabou por ficar ferido...
deixe-me ver o ferimento, por favor. Precisamos de cuidar
dele!
Juan abriu os olhos. Mantinha as mãos apoiadas no peito,
comprimindo-o.
— Não tem importância, jovem... — replicou. — Fiquei
sem munições e isso é uma imprudência que sempre se paga
caro...
Muito pálido, acrescentou, falando com esforço:
— Não me agradeça nada. A menina Rode... Ela viu que se
passava algo de anormal, da janela do hotel, e pediu-me que
interviesse... O senhor Joyce e a mulher tinham-se
aproximado, também.
Carmen, chegada momentos antes, estacara junto da
porta, contemplando a trágica cena de olhos arregalados. Bob
deu pela sua presença, quando ela se aproximou, lentamente.
— Carmen, este homem, o amigo do teu pai, de quem já te
tinha falado, acaba de nos salvar a vida. Agora, temos de o
levar rapidamente a um médico, para que o veja e o trate...
O senhor Joyce interrompeu-o:
— Nem pensar nisso! Eu é que vou chamar o médico!
Leva-o para o meu quarto, Bob!
— Chegámos a tempo, Carmen... foi uma sorte... sim, foi
uma sorte que me avisasses das tuas desconfianças, pequena...
Bob, que se tinha levantado, segurou a jovem pelos
ombros e disse-lhe, emocionado:
— Não chores, Carmen. A valentia dele não nos permite
chorar! O amigo do teu pai, este homem de quem nem sequer
sei o nome, é um indivíduo extraordinário!
Carmen libertou-se e exclamou, soluçando:
— Ele é o meu pai, Bob! Como é que não percebeste,
ainda? É o meu pai, o melhor pai que existiu sobre a terra! Oh!
Meu Deus! Por que não o compreendi eu mais cedo?!
Ajoelhou-se, para abraçar e beijar. Juan Rode sorria, feliz,
embora o seu estado fosse cada vez mais grave. Com voz
rouca, quase inaudível, disse ao banqueiro, que não se
afastara:
— Senhor Joyce... creio que é o momento de me pedir a
mão de minha filha...
— Claro que sim, senhor Rode! Penso que eles se casarão
muito em breve!... Logo que o senhor esteja bom. Vou buscar
o médico!
— Não, senhor Joyce. Prefiro que ma peça agora. É uma
patetice, uma simples formalidade, mas quero sentir o grato
prazer de ouvir um homem importante, como o senhor, pedir a
minha filha em casamento, para um jovem como Robert!
Bob, muito pálido e comovido, insistiu:
— Sim, pai. Faça-o, agora...
O banqueiro aquiesceu:
— Bem, o momento não será o mais apropriado, mas vou
fazer-lhe a vontade. Teria preferido uma ocasião mais solene...
Bob interrompeu-o:
— Este é mais solene do que imagina, pai! Apresse-se, por
favor!...
— Senhor Rode, tenho a honra de lhe pedir a mão de sua
formosa filha, Carmen, para o meu filho único, Robert,
herdeiro do meu nome e dos meus bens... e de tudo quanto
ainda possuo, graças a si.
Juan Rode levantou a mão, para acariciar a cabeça da filha,
que chorava, abraçada a ele.
—É com muito gosto que lha concedo, senhor. Deus
permita que sejam felizes, muito felizes!
A sua voz estava tão fraca que o banqueiro mal conseguiu
ouvir o que dizia.
— Como disse, senhor Rode? — perguntou.
Juan Rode não respondeu. A sua mão descaiu
pesadamente para o chão. O banqueiro repetiu a pergunta.
— Disse que sim, pai, e desejou-nos felicidades —
respondeu Bob, devagar. — Não insistas para que te
responda...
Vendo que o pai não compreendera o que se passava,
acrescentou:
— Não lhe digas mais nada, pai... O senhor Juan Rode
morreu.
A senhora Joyce rompeu em sentidos soluços. Carmen
chorava, suavemente. Bob aguardou alguns instantes, antes de
a ajudar a levantar, logo a conduzindo para fora daquela sala.
— Era um homem extraordinário, querida — murmurou.
— E o seu rosto sempre me pareceu familiar. Lembrava-me o
teu, vejo-o agora. Fui um tolo em não ter percebido logo que
era o teu pai.
Carmen continuava a chorar. Bob conduziu-a para a sala
de estar, beijando-a nos cabelos e na face. Pouco a pouco, a
jovem foi serenando. Sabia que a esperava uma existência
feliz, na companhia de Bob, a quem amara com toda a alma.
No entanto, jamais lhe desaparecia do olhar a sombra de
melancolia que neles se fixou, durante os últimos momentos
da tragédia.
Durante o resto da sua vida, recordaria aquele homem
estranho que fora seu pai, um homem a quem a má sorte
transformara num bandido. E também durante toda a vida
lamentaria ter-lhe negado o seu carinho.
Na outra divisão da casa, a senhora Joyce e o marido
colocavam o cadáver de Juan Rode no divã. A morte devolvera
ao rosto do infeliz a antiga calma. Agora, ninguém poderia
reconhecer nele Tom «El Toro».
O homem que os Joyce contemplavam, com desgosto,
seria enterrado no cemitério de Tucson. E Tom «El Toro»
continuaria a ser procurado, elogiado, amaldiçoado, por todo o
Texas, durante muitos anos.

FIM

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