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Conta corrente para não residente:

Por que é tão difícil abrir uma?


Esse texto sobre conta corrente para não residente foi elaborado por Vinícius Tersi Advocacia,
escritório especializado em Consultoria Tributária Internacional.

CDE ou conta de não residente: o que é?

A CDE, conta de domiciliado no exterior, nada mais é que uma conta bancária especial para
não residentes manterem depósitos à vista, em reais, junto a uma instituição financeira no
Brasil. Esse é um requisito da legislação cambial (Banco Central), e não da legislação tributária
(Receita Federal).

Diferente de uma conta bancária comum, o Banco Central exige que os bancos brasileiros
obedeçam a uma série de requisitos para abrir e manter uma conta de não residente (Circular
no. 3.691/2013, arts. 168-186), os quais serão resumidos nos tópicos a seguir.

Requisitos e documentos para abertura da CDE

Pode-se afirmar que as contas bancárias para não residentes:

só podem ser abertas em instituições financeiras no Brasil autorizadas a operar no mercado de


câmbio, e em agências bancárias também autorizadas a tanto;

devem ser identificadas de forma a serem facilmente diferenciadas das demais contas de
depósito; e

devem ser cadastradas pelo banco depositário junto ao Sisbacen (sistema do Banco Central) no
momento da abertura da conta.

Em termos de documentação para abertura da conta, pela experiência prática que temos com
nossos clientes e informes de instituições financeiras, podemos citar os seguintes documentos:

documento de identidade brasileiro oficial com foto (RG, por exemplo), ou, para estrangeiros,
passaporte com visto de entrada;

visto permanente no exterior, ou documento equivalente;

CPF em situação regular;

NIF (número de identificação fiscal, equivalente ao CPF no exterior);

Certidão de Regularidade Fiscal, para comprovar que não há pendências fiscais com a Receita
Federal (RFB) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN);

comprovante de residência no exterior;

comprovante de renda; e
cópia da Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP), já mencionada em “Declaração de
Saída Definitiva do País em 2020: o que se deve saber”

Entendemos que a Comunicação de Saída Definitiva (CSD) deve ser suficiente para abertura da
conta no período entre a data da saída fiscal e a data de entrega da DSDP. Esse período pode
durar vários meses. De qualquer forma, as instituições financeiras não parecem bem
informadas sobre esse fato.

Por nossa experiência prática, a DSDP é exigida para abertura da conta de não residente
mesmo quando é desnecessária. Em nosso caso mais recente, nosso cliente deixou o Brasil há
mais de dez anos, e não estava obrigado a apresentar DSDP, pois à época não tinha
rendimentos próprios que o obrigassem à entrega de declaração de imposto de renda.

O banco não aceitou abrir a conta sem que fosse apresentada uma DSDP, apesar do fato de
que a RFB regularizou o cadastro desse cliente no CPF como brasileiro não residente. A
justificativa do banco foi de que “só a DSDP comprova que o cliente não está mais obrigado a
entregar declaração de imposto de renda”, o que não é verdadeiro.

Com que bancos posso abrir minha conta de não residente?

A informação sobre quais bancos aceitam abrir CDE não é normativa, não está facilmente
disponível e é passível de negociação com o próprio banco. A abertura de uma conta é um
contrato bilateral, por isso o banco pode aceitar abri-la ou não.

Além disso, os bancos podem manter políticas próprias a respeito da abertura dessas contas,
que podem mudar a qualquer momento. Por esse motivo, fazemos uma lista abaixo com base
em nossa experiência recente, que certamente ficará desatualizada rapidamente:

Bradesco: desde julho de 2019, o Bradesco parou de oferecer os serviços de abertura de CDE;

Itaú: o banco atende somente no segmento Personalité, e divulga um custo de manutenção de


R$ 1.000,00 (um mil reais) por mês, além de outras tarifas;

Santander: cobra os valores normais da tabela utilizada em suas operações, com exceção das
seguintes: uma taxa de abertura da conta de R$ 1.000,00 (um mil reais), e uma taxa de
movimentação para valores iguais ou acima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) no valor de R$
800,00 (oitocentos reais);

Banco do Brasil: diz não abrir a conta;

Caixa Econômica Federal: diz não abrir a conta;

BTG Pactual: diz que cobra R$ 1.000,00 (um mil reais) de taxa de manutenção mensal, e exige
aplicação de pelo menos R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em investimentos financeiros;

Banco Safra: abria contas de não residente até a metade de 2017, aproximadamente. Hoje não
aceita mais abrir esse tipo de conta;

Banco Rendimento: normalmente, não abre contas de não residente, mas está aberto a
discussões, especialmente se o cliente for realizar operações de câmbio;
Banco Modal: taxa de manutenção mensal de R$ 1.000,00 a R$ 1.500,00 (um mil a um mil e
quinhentos reais), com investimento mínimo de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais);

Banco Bonsucesso: diz não cobrar taxa de manutenção, mas exige investimento mínimo de R$
500.000,00 (quinhentos mil reais);

Banco Paulista: abrem somente para investidores no mercado financeiro e de capitais (conta
de investidor 4373), de quem cobram taxa de representação e custódia de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) por mês.

É importante enfatizar que o quadro acima não foi fácil de compor. Todas as instituições
contatadas foram bastante reticentes a respeito da abertura de contas de não residente, e
nem todas as pessoas com quem conversamos sabiam de que se tratava.

Tanto para nós como para os clientes, domina a falta de clareza e informações conflitantes
dentro da mesma instituição. Os gerentes de agência e demais atendentes dos bancos não
estão habituados com o procedimento, e encontram dificuldades mesmo quando desejam
atender bem.

Os bancos, de forma geral, só têm aceitado abrir contas de não residente para clientes com
quem tenham especial relacionamento ou que mantenham depositados no Brasil um volume
de investimentos significativo.

Por que tanta dificuldade para abrir uma conta?

O motivo para o comportamento reticente dos bancos está no nível de rigor da


regulamentação do Banco Central. Essa regulamentação impõe um custo desproporcional para
os bancos, de forma que estes preferem não abrir contas de não residente ou repassar os
custos de conformidade para os clientes.

A conta de não residente exerce função muito semelhante a uma conta de depósito normal.
Apesar disso, as instituições financeiras estão obrigadas a um controle rigoroso e
desproporcional. Por exemplo, todas as movimentações bancárias de valor igual ou superior a
R$ 10.000,00 (dez mil reais) precisam ser documentadas.

A documentação exige que o cliente comprove: (i). proveniência e destinação dos recursos; (ii).
natureza dos pagamentos; (iii). identidade dos depositantes de valores na conta, se for um
crédito; e (iv). identidade dos beneficiários das transferências efetuadas, se for um débito.
Mesmo pagamentos em cheque precisam identificar no verso a destinação dos recursos e a
natureza da transferência.

De uma maneira geral, pode-se dizer que o rigor documental da conta de não residente se
aproxima em complexidade ao da realização de operações de câmbio, mesmo em reais, e não
da complexidade de uma conta bancária típica.

Restrições para movimentação de recursos na conta de não residente


De fato, a regulamentação do Banco Central trata todos os débitos de CDE para contas
bancárias típicas como ingressos de recursos no País, e todos os créditos em contas de não
residente a partir de uma conta bancária típica como saídas de recursos do País.

Por esse motivo, a regulamentação traz ainda restrições sobre como os recursos podem ser
movimentados pela conta de não residente. Poucas pessoas estão acostumadas a identificar a
cada transação que fazem o motivo por que estão fazendo a transferência (por exemplo,
“pagar conta de luz”, “receber aluguel de imóvel” etc.).

Além disso, pelo exame que fizemos, de fato o crédito de benefícios do INSS ou de outros
órgãos públicos não são hipóteses previstas pela regulamentação (mesmo quando o pagador é
o próprio Governo!). Dessa forma, faz sentido a instituição financeira não querer arriscar abrir
conta de não residente para receber esse tipo de rendimento.

Exigir que o banco fiscalize a causa de toda a qualquer transferência bancária realmente está
além do razoável para movimentações cotidianas.

Qual a causa de tamanho rigor do Banco Central?

A legislação cambial brasileira tem uma tradição de controles cambiais. Apesar de menos
pronunciados hoje, ainda há importantes vedações a operações realizadas sem a
intermediação de instituições autorizadas pelo Banco Central a operar no mercado de câmbio.
As restrições à abertura de conta bancária de não residente são exemplo disso.

Nesse ponto, nossa legislação já foi mais livre que hoje. A conta bancária de não residente tem
sua origem na antiga Carta Circular no. 05/1969, de onde vem a famosa expressão “conta
CC5”.

A função da conta CC5 era permitir que pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas
no exterior mantivessem seus recursos em moeda nacional depositados junto a instituições
financeiras brasileiras autorizadas a operar no mercado de câmbio. Os valores depositados
nessas contas podiam ser utilizados para livre movimentação no País ou para retornarem ao
exterior, caso em que eram convertidos em moeda estrangeira.

A fragilidade da conta CC5 estava na facilidade de permitir a conversão de valores de moeda


nacional para moeda estrangeira, e vice-versa. Nesse sentido, a legislação da época já vedava o
uso da conta CC5 para realizar pagamentos por conta de terceiros sem autorização expressa
do Banco Central, e também outras atividades vedadas pela legislação cambial (compensações
privadas de crédito, por exemplo).

Apesar das restrições, houve abuso das contas CC5 para a prática de evasão de divisas e de
lavagem de dinheiro, expostas no escândalo do Banestado, que levou à implantação de uma
CPI, encerrada em 2004 sem votação relatório final. A regulamentação atual reflete o esforço
de evitar que práticas semelhantes continuem a ser realizadas.
Conclusão

É respeitável o esforço do Banco Central em coibir a prática de operações ilícitas envolvendo o


uso de contas bancárias de não residente. Há que se observar, porém, que a regulamentação
não pode ter o efeito adverso de inibir a realização das demais operações lícitas.

Decorridos mais de 20 anos desde os fatos analisados pela CPI do Banestado, estamos num
contexto regulatório bastante diferente, de maior troca de informações entre autoridades
fiscais de países diferentes e entre autoridades governamentais para a apuração de ilícitos
(Receita Federal, Ministério Público e demais entidades). É momento de rever se a efetividade
da regulamentação do Banco Central surtiu efeitos e que medidas poderiam ser realizadas
para facilitar o uso positivo das contas de não residente.

Pela nossa experiência, a regulamentação da conta de não residente dificulta que brasileiros
vivendo no exterior mantenham-se regulares do ponto de vista cambial e tributário, o que é
um contrassenso. Certamente há espaço para se fazer melhor.

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