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Crownover, Jay
Desejos do destino [livro eletrônico] / Jay Crownover ; [tradução Cassandra Gutiérrez]. - São Paulo: Vergara & Riba Editoras, 2016. -
(Série homens marcados; v. 5)
699 Kb; ePUB
Título original: Rowdy.
ISBN 978-85-507-0027-4
1. Ficção erótica 2. Ficção norte-americana I. Título. II. Série.
16-04010 CDD-813
ORESUMO, PARA QUEM NÃO CONHECE A MINHA HISTÓRIA, é que eu acreditava ter a vida toda planejada.
Achava que estava no caminho certo. Pensava estar fazendo exatamente o que deveria fazer e que,
como recompensa, meus sonhos se realizariam e eu viveria o típico felizes para sempre.
Mas não foi bem assim. O caminho certo para mim era outro. Meu feliz para sempre não tinha a
ver com amor e casamento, mas com uma nova carreira. Uma grande aventura que, quando eu era
bem nova, pensei ser um sonho. Na verdade, eu achava que só deveria fazer as coisas de sempre,
seguir o ritmo do dia a dia. Não conhecia nada diferente e, para ser sincera, tinha medo do que me
esperava fora da zona de conforto que conhecia tão bem.
Bom, foda-se. O que eu deveria estar fazendo era muito melhor, muito mais desafiador, muito
mais esclarecedor e me traria muito mais satisfação do que as coisas de sempre. Acordo todos os
dias grata por meu caminho ter mudado de maneira tão radical. É claro que, no começo, foi uma
merda. Foi um dos pontos mais baixos da minha vida e uma das viagens mais apavorantes que
empreendi. Mas, depois que essa fase passou, saí dela mais forte, completamente independente e
realizada do ponto de vista criativo. Só posso agradecer ao universo por ter sacudido minha vida.
Não tem problema nenhum em sentir medo. Acredito, de verdade, que esse é o jeito de sabermos
se o que estamos fazendo é importante. Mas deixar de descobrir outra coisa que você poderia fazer
por medo do desconhecido e porque o caminho alternativo é assustador e sombrio é um problema.
Abrace a mudança, encontre sua paixão, descubra o que realmente faz você feliz e persiga isso até o
fim dos tempos. Viva a vida que você sempre deveria ter vivido. Sério: nada neste mundo vai deixá-
la mais feliz ou mais grata por todos os instantes da sua vida.
É só criar coragem e ser você. O universo adora essas merdas! c
PRÓLOGO
Salem
Morávamos em Loveless, uma cidadezinha no estado do Texas cujo nome, que significa “sem
amor”, não poderia ser mais apropriado. Sou filha de um pastor e, como se isso não gerasse
expectativas o suficiente, o homem que era amado quando estava no púlpito e um tirano em casa
vinha com mais expectativas ainda. Eu deveria ser quieta, dócil e convencional. O problema é que...
nunca fui assim.
Quando tinha 9 anos, convenci minha mãe a me deixar participar de uma seleção bastante
disputada para um grupo de dança. Precisava muito fazer algo diferente, algo que tornasse o meu dia
a dia menos torturante. Fiquei tão orgulhosa, tão animada, ao ser aprovada... Mas meu pai disse que
eu não poderia dançar, que sua filha não iria se exibir por aí. Que não toleraria isso. Tudo na minha
vida era assim, e minha mãe nunca tomava partido, nunca o desafiava, nem para possibilitar a sua
filha algo que ela queria tanto. Tudo que meu pai não quisesse, declarasse inapropriado ou
vergonhoso, era descartado, assim como qualquer noção de individualidade e diversão. Meus pais
queriam que eu me encaixasse em uma forma pequena demais para mim, queriam que eu fosse
perfeita, embrulhada para presente e enfeitada com um laço de tradição. Ser eu mesma jamais
bastaria.
E, para piorar a situação, minha irmã mais nova era a menina dos olhos de todos. A garota
perfeita. Eu também amava a Poppy, do fundo do meu coração. Ela é uma boa pessoa, gentil, mas
também dócil e obediente, sempre pronta para pular de um precipício se meu pai mandasse.
Eu jamais seria perfeita e dócil como minha irmã mais nova. Ser uma dona de casa feliz como a
minha mãe não estava nos meus planos. E nunca me encaixaria no papel da típica mulher mexicana,
como meu pai tanto queria. Foi por isso que, aos 9 anos, resolvi que faria as coisas do meu jeito. Vi
uma luz no fim do túnel, só precisava ter paciência.
Quando chegou a hora, me libertei. Pus o pé na estrada com o tipo de sujeito que meu pai odiava.
Eu tinha acabado de completar 18 anos. Não era adulta, mas precisava ir embora. Precisava fugir...
Não conseguia enxergar outro jeito de sobreviver. Fui embora de Loveless, sacudi a poeira das
minhas botas de caubói e nunca mais voltei.
Tenho poucos arrependimentos em relação às escolhas que fiz naquela época. Até hoje, sou uma
mulher que assume a responsabilidade pelo que faz – de bom e de ruim. Sou independente. Sou
determinada. Tenho meu próprio estilo de vida e, pelo menos até agora, estou me saindo bem.
Tropecei algumas vezes. Outras, sentei sozinha no escuro com vontade de chorar. De repente surgem
momentos em que me lembro que meus pais não foram as únicas pessoas das quais fugi ao deixar
minha cidadezinha, lá no Texas. Mas, acima de tudo, tento aceitar que sou a única responsável pelo
meu bem-estar e pela minha felicidade, e é assim que eu gosto.
Ainda mantenho contato com a minha irmã, a Poppy. Somos bem próximas, mesmo depois de ela
ter se casado, há alguns anos, com um homem do qual não gosto muito. Ela continua em Loveless.
Odeio tanto esse lugar que nem consegui comparecer ao casamento dela, celebrado na igreja do meu
pai, sob seu olhar rigoroso, claro. Gosto de me mudar, para que a minha irmã me visite e conheça um
pouco da cidade grande onde eu estiver morando. Ao longo dos anos, suas visitas foram ficando cada
vez menos frequentes, e hoje só conversamos de vez em quando pelo telefone, rapidinho.
O primeiro lugar aonde meu estilo cigano me levou foi Phoenix, no Novo México. Depois fui
para Reno, em Nevada. Em seguida, fui atraída por Los Angeles e logo depois morei em Nova York.
Experimentei morar em Nova Orleans e me diverti muito em Austin, no Texas, onde passei alguns
anos. Atualmente, estou em Las Vegas, e algo nas luzes dessa cidade, no barulho, no fluxo constante
de pessoas, no fato de parecer um lugar de passagem, mexeu comigo. Essa selva de neon foi o lugar
onde passei mais tempo e consegui ganhar um bom dinheiro graças a todas as decisões que, na
opinião dos meus pais, só trariam a minha desgraça.
Eu tinha um trabalho incrível, um apartamento sensacional e até estava saindo com um homem, em
um relacionamento um pouco mais sério do que gosto de ter, quando, do nada, o filho de Phil
Donovan me ligou.
Phil Donovan é uma lenda do meu mundo, um verdadeiro deus da indústria da tatuagem. É o
tatuador que todos querem ser. Aquele que você se orgulha de dizer que fez uma tatuagem no seu
corpo. A lista de espera para ser seu aprendiz tem quilômetros de comprimento. Phil é um homem
extremamente talentoso e, de acordo com Nash, seu filho, está muito doente, com pouquíssimas
chances de melhorar. Nash herdou o estúdio do pai no centro de Denver e também recebeu a tarefa de
montar um estúdio novo no descolado Baixo Centro de Denver, ou Ba-Tro, como dizem por lá. Ao
que parece, Phil tirou meu nome do chapéu e falou para o filho pensar em mim no cargo de gerente
desse novo estúdio.
Só encontrei o coroa uma vez. Foi em uma convenção em Las Vegas, e eu estava louca para
conhecer o famoso tatuador bonitão. Bom, Phil era mesmo um excelente exemplo de sujeito
rock’n’roll que envelheceu bem, além de ser charmoso e bem-educado. Alguma coisa em seu jeitão
mexeu com a minha alma rebelde, e acabamos conversando por horas e horas. Não tive como
recusar. Acabei passando o dia seguinte inteiro debaixo de suas agulhas e desembuchando toda a
história da minha vida sob um olhar atento e cor de violeta. Foi como receber a absolvição por todos
os pecados que cometi na vida de um papa muito descolado e tatuado.
Quando perguntou de onde eu era e respondi “de toda parte”, ele só deu risada. Mas ao contar
que eu tinha nascido em uma cidadezinha texana muito conservadora chamada Loveless, senti que a
atitude dele mudou. Phil passou a prestar muito mais atenção no que eu dizia, fez uma tonelada de
perguntas e, ao terminar o desenho elegante, lindo e tradicional da Virgem de Guadalupe, a padroeira
do México, na minha panturrilha, fiquei com a impressão de que ele me conhecia melhor do que eu
mesma.
Nos despedimos, e nunca pensei muito nesse encontro, a não ser pelo fato de ter uma tatuagem
sensacional feita por Phil Donovan, motivo de sobra para me exibir. O telefonema de Nash me pegou
de surpresa, e eu estava pronta para dispensá-lo. Fiquei triste ao saber do estado de saúde de Phil e
não estava muito a fim de deixar Las Vegas. O Colorado tem montanhas, lá faz muito frio, e não
preciso de nenhuma dessas duas coisas. Eu já ia desligar quando Nash me falou para entrar no site do
estúdio e dar uma olhada no trabalho dos tatuadores. Disse que Phil tinha certeza de que eu me
interessaria pelo emprego e pela mudança de cidade ao conferir aquilo. Não dei muita bola e
desliguei, mas fiquei curiosa e acabei dando uma olhada na página pelo celular.
O Homens Marcados tem uma reputação incrível, está no ranking de melhores estúdios do país.
E os portfólios dos artistas que trabalham lá são de tirar o fôlego. Mas foi só ao entrar na página de
cada tatuador que percebi, em um piscar de olhos, que o meu futuro estava em Denver, não em Las
Vegas.
Na tela minúscula do meu celular, revi a única lembrança clara e feliz da minha juventude. A
única que guardei com carinho por todos os lugares em que passei, independentemente de como
estivesse me sentindo. Bem ali, olhando para mim, estava a versão adulta do menino de olhos azuis
que me fez sentir aceita na vida. A única pessoa que me mostrou que eu podia ser eu mesma e que ser
eu mesma era algo muito legal.
Rowland St. James... O Rowdy. Meu vizinho de porta tão querido, de olhos arregalados, que tinha
tanto medo de voltar para o orfanato, tanto medo de ficar sozinho.
Lembro que, na primeira vez em que Poppy o arrastou até nosso quintal para brincar, fiquei
observando aquele garoto que tentava descobrir como se divertir, como se soltar. Ele era tão
pequeno e tinha olhos tão grandes e tristes que senti uma pontada no coração. Todas as crianças
deveriam saber brincar, ter vontade de rolar na terra e fazer bagunça. Pelo jeito, todas as crianças
faziam isso, menos o Rowdy.
Senti pena porque sabia exatamente como ele se sentia. Eu acabara de entrar na adolescência e,
mesmo assim, não queria pensar em como meu pai reagiria se eu entrasse em casa com os joelhos
esfolados ou a roupa rasgada. Ele gritaria comigo, me deixaria de castigo, revogaria os poucos
privilégios que eu tinha. Nem toda a diversão do mundo compensava esse tipo de repercussão.
Normalmente, eu só ficava sentada no canto, vendo todo mundo se divertir. Mas, quando Rowdy
apareceu, não precisei mais ficar sentada sozinha.
Foi assim que descobri o talento artístico natural que ele tinha. Desenhar era uma brincadeira
limpa, que não fazia bagunça. Também costumava ser chato, mas não tinha como eu acabar de castigo
por brincar de jogo da velha ou da forca. Mal sabia eu que entregar algumas folhas de papel e alguns
lápis de cor para o Rowdy ia libertar um potencial artístico que me deixaria de queixo caído. Já aos
10 anos, o garoto conseguia criar imagens e paisagens tão reais que mereciam ser emolduradas e
penduradas na parede. Ele era habilidoso, e foi a primeira vez em que o vi sorrir de verdade. O
Rowdy adorava desenhar, rabiscar e mexer com tinta. Sempre que acabávamos meio de lado, era
isso que fazíamos. Desenhar e rabiscar. Eu era uma droga, mas adorava vê-lo feliz.
Apesar de nossas diferenças, que não eram só de idade, o Rowdy entendia o que significava
querer mais, querer ser mais do que aquilo que nos obrigavam a ser. Era uma alma parecida com a
minha e que me deixou feliz em um momento em que meu cotidiano era tão abominável e desolador.
Éramos duas crianças que tentavam sobreviver em lares nos quais não nos queriam nem nos
entendiam de verdade. Podíamos ser estranhos na nossa própria família, levando uma vida que não
queríamos, mas pelo menos estávamos juntos. Ele foi meu melhor amigo. Ainda é. Mas, às vezes, eu
ficava me perguntando se o Rowdy se contentava em ser apenas um estranho como eu, se lhe bastava
ser apenas mais uma pessoa na minha vida que estava cega pela perfeição da Poppy. Observávamos
o mundo à nossa volta sem nunca nos sentir incluídos ou queridos, e ainda assim ele não tirava os
olhos da minha irmã mais nova.
Sempre soube que a Poppy era a irmã Cruz preferida do Rowdy. Mas, por algum motivo, eu me
esqueci disso nos últimos momentos que passei em Loveless. Estava tirando o carro da frente da casa
dos meus pais quando vi o reflexo de seus olhos azuis e brilhantes no retrovisor. Saí de dentro do
carro e, naquele milésimo de segundo, nossa amizade e nossa ligação profunda por não nos encaixar
no mundo mudaram. Enxerguei um Rowdy mais velho, não apenas um adolescente confuso. Mas ele
só tinha 15 anos, era novo demais para ter tanto desespero e tanta dor no olhar. Era novo demais
para, de repente, parecer tão adulto, tão mudado. Em um piscar de olhos, aquele menino havia se
tornado atraente e proibido para mim, e meu coração começou a bater mais forte. Não estávamos
preparados um para o outro. Aos 18 anos, eu não fazia ideia de como minhas atitudes seriam
drásticas ou por quanto tempo teriam efeito, mas precisava lhe dar um beijo de despedida, precisava
mostrar que ele era importante para mim em muitos sentidos, apesar de eu estar indo embora para
nunca mais voltar.
Só que agora, graças a uma feliz coincidência e ao Phil Donovan, o Rowdy estava bem ali na
minha frente, me encarando, todo lindo e adulto. Continua loiro, continua com aquele sorriso que faz
meu coração sair pela boca, porém muito mais alto, mais descolado, e aqueles olhos azuis agora
competem por atenção com uma quantidade absurda de tatuagens que cobrem quase toda a pele que
suas roupas deixam à mostra. Foi como olhar uma bola de cristal e ver meu futuro dentro dela, com
tudo o que eu sempre quis.
Não pensei nem por um segundo. Liguei para o Nash e disse que queria o emprego. Ele falou
alguma coisa sobre uma entrevista, mas eu mal consegui ouvir, de tanta emoção. É claro que
precisaria resolver muitas coisas antes de empacotar meus pertences e ir embora, mas eu tinha um
novo destino, um novo objetivo em mente. Queria descobrir se a sincronicidade, aquela conexão
inegável que tínhamos, ainda existia, se ainda sentiríamos aquela atração que nos fazia combinar
tanto quando éramos novos e perdidos demais para saber o que fazer com ela.
Levei um tempo para me desligar do estúdio onde trabalhava, porque eles tinham acabado de
assinar um contrato para fazer um reality show, e minha presença na recepção havia ajudado a
conseguir isso. Além disso, precisei terminar meu relacionamento com o sr. Quero-Mais-é-Ir-para-
Nova-York e também fazer uma sessão de fotos que tinha marcado com uma revista de tatuagem. A
cada dia que passava, mais ansiosa eu ficava. Queria chegar logo ao Colorado, queria ver a versão
adulta do Rowdy com os meus próprios olhos. Estava louca para descobrir o que os anos tinham
feito a ele, além de torná-lo inegavelmente sexy. Ele sempre teve uma personalidade ótima, sempre
foi afável e tranquilo, apesar de sua vida nunca ter sido um mar de rosas. Sempre o admirei. Sempre
invejei o fato de ele tirar de letra qualquer coisa que lhe acontecia. Eu era o extremo oposto.
Transformava tudo em luta, em uma guerra para sobreviver, e isso é cansativo.
Brigar por tudo faz a briga pelas coisas que realmente importam perder o significado.
Joguei todos os meus pertences dentro do carro e, mais uma vez, caí na estrada. Foi a primeira
vez que saí de um lugar para outro com um objetivo claro em mente. Estava empolgada não apenas
com a expectativa de ficar frente a frente com a única memória feliz do meu passado, mas também
com a possibilidade de ajudar a construir um império da tatuagem e de prolongar o legado do Phil
com a nova geração de deuses do negócio.
Cheguei a Denver em maio e fiquei abismada com a beleza do lugar. A cidade é muito limpa, e a
vista das montanhas Rochosas é de tirar o fôlego. Denver tem uma vida, uma vibe que é diferente de
qualquer outro lugar em que já estive. Na hora, me senti mal por ter desmerecido o lugar sem
conhecê-lo. Ao respirar, quase conseguia sentir o ar da montanha me transformando por dentro. Ou
talvez estivesse sufocando por causa do ar rarefeito. A cidade fica um quilômetro e meio acima do
nível do mar e, para uma garota urbana como eu, respirar nessa altitude não foi muito fácil.
Encontrei um apartamento mobiliado bem pequeno. Afinal de contas, sou mestre em jogar tudo
para o alto e me mudar de um lugar para o outro. Tentei me convencer de que não sou tão louca a
ponto de me mudar para outro estado por impulso, só por ter visto a foto de um menino bonito. Me
arrumei toda, fiz um penteado, passei um batom vermelho sangue, pus o meu par de saltos mais
matador e fui conquistar meu chefe em potencial.
Meu novo chefe é uma graça. Seu sócio também. Sério, os dois deveriam estampar o calendário
dos gatos tatuados e com piercing de Denver. Eles me analisaram com atenção. Observaram minhas
tatuagens, não de um jeito esquisito, de quem fica medindo, mas para ver se eu sei a diferença entre
um bom e um mau trabalho. Devo ter passado no controle de qualidade, porque a loira baixinha que
estava segurando um bebê e era bem marrenta sorriu e falou que era melhor os dois me contratarem,
senão teriam que aguentar as consequências. O Nash, o sujeito sexy com chamas tatuadas na cabeça,
me ofereceu o emprego. E é claro que aceitei. O outro, que é charmoso e tem um moicano preto, fez
alguns comentários sarcásticos e me deu um sorriso que teria feito meu sangue ferver se eu não
tivesse reparado na aliança de casamento bem vistosa que ele usava. Aqueles dois eram confusão na
certa. Confusão do melhor tipo. Falei que tinha certeza de que seria divertido e que tinha ficado feliz
com a oportunidade de trabalhar com eles na recepção do estúdio. Estávamos quase indo embora, e
eu já ia dizer que estava toda animada para começar a trabalhar. Foi aí que ouvi a voz dele.
Era mais grave, mais suave do que eu me lembrava, mas por baixo daquele barítono estava o leve
sotaque arrastado do Texas que ouvi há tantos anos. Sua cabeça surgiu no alto da escada, e fiquei
observando seus olhos se arregalarem, me reconhecerem e ficarem cheios de ansiedade. Não pude
deixar de sorrir. Apesar de ele não parecer muito feliz em me ver, eu fiquei feliz em vê-lo e, na
mesma hora, tive certeza de ter tomado a decisão certa. Fui até ele, como se um campo de força
estivesse nos atraindo, e ouvi o ruído dos meus saltos altos batendo no chão de madeira no ritmo do
meu coração.
Parei bem na frente dele. O sujeito estava um degrau abaixo, eu estava de salto alto e, mesmo
assim, ele era mais alto do que eu. Ele é forte, tem ombros largos, e ficou me olhando com cara de
quem tinha visto uma assombração.
É o que sou. Sou um fantasma do passado dele, e ele é um fantasma do meu.
Passei o dedo em seu nariz e me controlei para não me inclinar para a frente e grudar meus lábios
naquela boca entreaberta.
Disse seu nome, seu nome verdadeiro, para ele saber quem sou “Oi, Rowland”, e seu corpo
inteiro se sacudiu.
– Você ficou gato depois que cresceu.
Ficamos apenas nos olhando em silêncio por um tempo, e o rosto dele empalideceu. Então ele
sussurrou meu nome, com a voz abafada.
O Rowdy tem uma âncora imensa tatuada na lateral do pescoço, e o desenho parecia vivo, porque
a veia daquele pescoço pulsava rapidamente.
Olhei para trás e falei para o resto dos presentes, todos atônitos:
– Podem escrever: vai ser muito divertido. Vejo vocês na segunda-feira. Podem me mandar a
papelada por e-mail.
Fiz questão de roçar a mão no peito do Rowdy ao passar por ele, descendo a escada. Senti seu
coração bater acelerado e seu corpo tremer. Tenho certeza de que foi mais por choque do que por ter
ficado impressionado com meus atributos femininos, mas não ligo.
Pela primeira vez na minha vida, eu sei que estou exatamente onde deveria estar.
CAPÍTULO 1
Rowdy
Salem
LHEI PARA A LOIRA SUPERLINDA DO OUTRO LADO DO BALCÃO. Era óbvio que ela estava nervosa.
O Ficava bem claro que aquele não era o lugar dela. A calça de alfaiataria e a bolsa de grife
pendurada no braço denunciavam que aquela devia ser sua primeira vez em um estúdio de tatuagem.
Dei meu sorriso mais simpático e levantei a sobrancelha. A menina pôs as mãos, perfeitamente
pintadas, em cima do balcão. Faz parte do meu trabalho atender os clientes, explicar bem o que vão
fazer e garantir que sejam atendidos pelo tatuador certo. Também faz parte do meu trabalho não
deixar os tatuadores cometerem um erro que vai ficar na pele do cliente para sempre.
A mulher devia ter mais ou menos a minha idade, uns 28 ou 29 anos, e estava com uma cara de
que não sabia direito o que tinha ido fazer no Saints of Denver. Esse é o nome do estúdio que o Nash
abriu após a morte do pai. Ele fica na parte mais descolada e rica do Ba-Tro e é bem mais moderno e
chique que o estúdio do bairro de Capitol Hill, na avenida Colfax. Os tatuadores que trabalham aqui
foram escolhidos a dedo pelo Rule e pelo Nash. São incríveis, muito habilidosos. Como o estúdio é
novo, e o Nash quer que ele seja reconhecido e transformado em uma loja de coisas com o tema
tatuagem, passo mais tempo aqui do que no outro estúdio, onde os meninos trabalham. Mas eles
fazem um rodízio, para sempre haver um dos meninos do Homens Marcados no Saints atraindo
clientes.
Era a vez de o Rowdy ficar lá e, normalmente, isso teria me deixado superanimada. Mas ele
parece determinado a fingir que a gente não se conhece e que eu não existo. Já faz um mês que estou
trabalhando no estúdio e, toda vez que aqueles olhos azuis da cor do céu pousam em mim, o Rowdy
vira para o outro lado e fica mexendo no queixo, como se estivesse irritado. Tentei pôr o sujeito
contra a parede, ficar a sós com ele para podermos conversar, mas ele sabe como fugir de mim. E,
para completar, nunca precisei correr atrás de homem nenhum. Não sei como fazer isso sem passar
por desesperada.
A loira engoliu em seco e ficou se mexendo, nervosa.
– Tudo bem com você, boneca? – perguntei.
A moça me olhou e abriu levemente os lábios. Ela era estonteante, de um jeito muito refinado, de
quem é sócia de algum country clube. Tinha os olhos da cor do mar e ficou piscando sem parar.
Parecia apavorada.
– Eu... – disse.
Então ficou em silêncio e olhou de repente para algo acima da minha cabeça. Senti o Rowdy se
aproximar de mim, literalmente. Estou tão ligada nele, tão consciente do espaço que ele ocupa e de
como seu cheiro afeta o ar em volta, que não preciso olhar para trás para saber que ele está por
perto. A linda profissional liberal engoliu em seco de novo e arregalou ainda mais os olhos. O
Rowdy é muito gato e, quando sorri, fica difícil não se apaixonar por ele. Mas aquela mulher parecia
estar prestes a desmaiar ou vomitar.
– Você tem alguma dúvida, querida?
Nas últimas semanas, fiquei sabendo que o Rowdy é o maior pegador. Sempre tem um sorrisinho,
um elogio ou um brilho especial no olhar reservado às mulheres bonitas. Ele tem um charme natural e
um bom humor que sempre deixa os clientes e amigos à vontade. Se eu não o conhecesse desde
pequeno, até acreditaria no tipo, mas sei que há alguma coisa a mais por trás daquele jeito tranquilo e
desencanado.
A mulher ficou olhando para o Rowdy, sem cor, e perguntei:
– Quer sentar e dar uma olhada nos portfólios dos tatuadores? Posso te trazer uma água, e aí
conversamos sobre seus motivos para procurar o Saints of Denver hoje.
Sorri de novo, na esperança de acalmá-la e, quem sabe, distraí-la do que a fez ficar paralisada de
terror.
Ela balançou aquela cabeça perfeitamente penteada bem devagar. Tirou as mãos de cima do
balcão e cerrou os punhos do lado do corpo. Piscou para mim de novo, olhou na direção do Rowdy e
deu um passo cambaleante para trás.
– Não estou preparada para isso – respondeu.
Essa foi uma explicação e tanto para a falta de coragem de fazer uma tatuagem, mas não estou
aqui para julgar ninguém. Prefiro que a moça vá embora agora em vez de fazer todo mundo perder
tempo marcando uma sessão para depois ela desmarcar ou surtar ao sentar na cadeira. Isso não é bom
para os negócios.
– Você sabe onde nos encontrar se mudar de ideia.
A voz do Rowdy transmite conforto, parece uma canção de ninar, e, pelo jeito, acalmou a moça.
Ela se agarrou na bolsa, deu um giro frenético nos calcanhares e saiu correndo porta afora. Senti o
Rowdy se mexer atrás de mim e tive certeza de que ele ia fugir de novo sem falar nada, e eu estava
cheia de permitir que ele me ignorasse.
O estúdio estava cheio, todos os tatuadores tinham clientes e, mesmo assim, pulei da cadeira e
segurei o Rowdy pela camisa. Era preta, com um debrum branco, bem estilo country, com botões de
pressão perolados. Eu havia passado o dia inteiro admirando as tatuagens coloridas que cobrem os
dois braços dele, porque ele tinha arregaçado as mangas da camisa. Fiquei boa parte do dia
observando o Rowdy e não me sentia mal por isso. Suas sobrancelhas cor de areia afundaram na
testa, e a âncora que ele tem tatuada no pescoço começou a pular. Foi aí que ele segurou meu pulso e
falou:
– Me solta.
Como que por instinto, puxei o Rowdy ainda mais para perto, e ele foi forçado a se abaixar um
pouco. Só consegui ver aqueles olhos da cor do céu de verão.
– Para de me evitar – falei, meio grossa, mas estava cheia de ficar de joguinhos com ele.
Temos que trabalhar juntos; mais do que isso: eu tinha ido morar em Denver por causa dele e, em
algum momento, ele vai ter que ficar sabendo disso e da importância que tem para mim.
– Não estou te evitando.
Toda a doçura e a simpatia sempre presentes em suas palavras desaparecem quando o Rowdy fala
comigo. Puxei o sujeito ainda mais para perto de mim, tão perto que estávamos quase respirando o
mesmo ar, e notei que seus olhos começaram a tremelicar.
– Está, sim. E cansei disso. Se não quer falar comigo, se não está a fim de pôr o papo em dia,
tudo bem. Mas você nem perguntou da Pop...
Não consegui terminar de falar, porque o Rowdy bateu na minha boca e, com a mão que segurava
meu pulso, me puxou ainda mais para perto de seu peito. Então abaixou a cabeça e falou, bem no meu
ouvido:
– Nem pensa em tocar nesse assunto comigo, Salem.
Tremi e não foi de medo. Estava finalmente grudada no corpo dele, só que na hora e no momento
errados. E isso ficou provado quando ouvi a voz aguda da Cora chamá-lo e dizer para me soltar.
No mesmo instante ele tirou as mãos de mim, e não senti mais seu corpo musculoso contra o meu.
Olhei para trás e percebi que ele estava com as narinas abertas, que seus olhos claros haviam
escurecido. Ele estava bravo, bravo de verdade, e finalmente pude ver um pouco do garotinho que eu
conhecia.
– Uma hora vamos ter que conversar – falei, com a voz calma.
Até dei um sorrisinho. Sentia que qualquer movimento que eu fizesse o deixaria ainda mais
assustado.
O Rowdy deu alguns passos para trás, espremeu os olhos e disse:
– Não se eu puder evitar.
Inclinei a cabeça, levantei a sobrancelha e retruquei:
– Não falar sobre o passado não o faz desaparecer.
O Rowdy fez um barulho com a garganta e olhou para a loira baixinha que tinha descido a escada
e parado do meu lado. A Cora acabou de ter um bebê com o irmão do Rule, e não consigo acreditar
que esteja com esse corpo incrível. Continua tão magrinha e espevitada quanto antes de engravidar.
Pelo menos é o que todo mundo fala. A pequena Remy, ou RJ, como o pessoal costuma chamá-la, fica
em casa com o pai da Cora enquanto ela trabalha meio período no estúdio e o marido trabalha em seu
próprio bar. Ainda não conheci o irmão mais velho do Rule, mas morro de vontade de saber quem é
o homem que aguenta a personalidade explosiva da Cora 24 horas por dia. Ela dá trabalho, mas é
encantadora. Mesmo quando mete o nariz em um assunto que não é da conta dela. Eu e o Rowdy
temos laços que nos unem, mas está sendo muito mais difícil do que eu imaginava tirar todos os nós e
reatá-los de um jeito bonito.
– O que está acontecendo? Tem cliente aqui dentro, seu imbecil.
O Rowdy olhou feio para ela e depois para mim. Espremeu os olhos, e aí a expressão naquele seu
rosto lindo mudou. O gato tranquilo que nunca perde a calma reapareceu. O sorriso imperturbável
voltou aos seus lábios, e as sombras que escureciam seus olhos sumiram.
– Não se preocupa. Estávamos apenas estabelecendo alguns limites – falou.
Em seguida, deu uma piscadinha para a Cora, girou nos calcanhares das botas de caubói e foi
para a sua estação de trabalho. Ele só tinha cliente marcado para dali a meia hora, mas tive a certeza
de que ia dar um jeito de se manter ocupado até lá só para não precisar interagir comigo.
A Cora se encostou no balcão e ficou me esperando cobrar a conta de dois clientes e atender mais
um. Claro que fiquei meio perturbada com a reação do Rowdy à tentativa de falar da minha irmã, mas
fiquei mais chateada ao perceber como ele está bravo comigo. Faz uma década que não o vejo e,
quando fui embora de Loveless, ele era um adolescente com a vida inteira pela frente. Não consigo
nem imaginar o que aconteceu durante a minha ausência para ele nutrir um ressentimento tão grande
de mim.
Depois que eu fui embora, a Poppy e o Rowdy continuaram amigos. Sei disso porque, antes de a
minha irmã voltar para Loveless, estávamos sempre em contato. Agora nossa comunicação é muito
mais limitada. Sei que, quando os dois terminaram o Ensino Médio, o Rowdy foi estudar na
Universidade do Alabama por causa da Poppy, apesar de a Notre Dame ter-lhe oferecido condições
melhores. O que não sei, e até hoje me pergunto, é o que aconteceu entre os dois para o Rowdy largar
não só a minha irmã mais nova, mas também seu futuro e sua educação. Preciso obrigá-lo a conversar
comigo se quiser entender esses dez anos que perdi da sua vida e ter uma imagem clara de quem é o
Rowdy hoje, agora que ele é um homem adulto.
A Cora me esperou sair do telefone e me pediu para ir até o andar de cima com ela. Não estava
muito a fim, mas não podia dizer “não”. O Nash e o Rule pagam o meu salário, mas logo percebi que
quem manda mesmo é a Cora. Ela é a capitã do navio, e eu não queria causar nenhuma tempestade
logo de cara.
Gosto de Denver. Gosto do clima acolhedor e diferente da cidade. Gosto dos meus colegas de
trabalho e dos homens e mulheres que fazem parte da turma. A mulher do Rule é superquerida, e não
tenho a menor dúvida de que essa loira classuda é o par perfeito para o gatinho tatuado. A namorada
do Nash é uma fofa. Não fala muito, mas, quando fala, é gentil e inteligente e olha para o namorado
como se ele fosse um herói. Só vi o Jet uma vez, mas a Ayden, mulher dele, aparece pelo menos umas
duas vezes por semana no estúdio para conversar com a Cora. É uma figura. E é claro que adoro a
Cora. Ela é inteligente, atrevida e cheia de atitude. É o tipo de menina com quem me identifico, só
que, naquele momento, fiquei morrendo de medo de ela me dar um sermão por causa da minha
atitude. Mas isso não muda o fato de todo mundo ser muito legal. Não poderia ter ido parar em um
ambiente melhor, agora que, finalmente, descobri qual é o meu lugar no mundo.
O andar de cima está praticamente vazio. Tem um escritório, que a Cora divide com os meninos, e
um monte de espaço pronto para ser transformado em uma butique de coisas de tatuagem estilosa e
retrô. Vai dar muito dinheiro. Os meninos só precisam decidir logo o que querem e mandar ver. Acho
que eles estão com medo de abrir a loja, a física e a on-line. Não faz muito tempo que o Phil faleceu,
e eles ainda estão tentando entender como é ser dono do próprio negócio. Que bom que estou aqui.
Esse lance é a minha cara. Adoro roupas. Adoro a cultura da tatuagem, a cultura pin-up. Mal posso
esperar para transformar o Marcados e os homens por trás dele em uma marca de sucesso.
Entrei no escritório bagunçado da Cora e me sentei na cadeira que estava na frente da mesa dela.
Minha chefe não contornou a mesa, apenas pulou em cima do móvel e ficou balançando as pernas.
Ela tem um olho de cada cor, é fácil ficar abismada ao encará-la. Respeitei o fato de a Cora não ter
enrolado e falado logo:
– Olha, Salem. Eu gosto de você. Gosto bastante, para falar a verdade, e acho que você é
exatamente a pessoa de que precisamos para a próxima fase do negócio, assim que os meninos
deixarem o cagaço de lado. Mas o Rowdy é como se fosse da minha família e não anda bem desde o
dia em que contratamos você, e não estou falando só do lado profissional. Não sei de tudo o que
rolou, mas sei que ele não é mais o mesmo desde que você apareceu, e não gosto nem um pouco
disso.
Puxei o cabelo para a frente dos ombros e fiquei passando o dedo por meus fios escuros.
– E o que você sabe, exatamente? – questionei, tentando manter um tom leve, de curiosidade,
imaginando que o Rowdy poderia ter contado à Cora seus motivos para ficar tão revoltado com meu
retorno à vida dele.
A Cora sacudiu os ombros. Essa mulher é a coisa mais fofa que eu já vi.
– Sei que ele pega mulher em um ritmo alarmante e que todas agradecem por isso. Sei também
que nenhuma durou e que ele não tira os olhos de você.
Bom, não era exatamente o que eu queria ouvir, e acho que a Cora sabia disso. Quando fiz cara de
espanto, ela deu um sorrisinho malicioso e continuou:
– O Rowdy nunca passa muito tempo com a mesma mulher, o que, nesta turma, é bem comum. Os
outros rodaram muito até encontrarem a garota certa. Mas o Rowdy disse várias vezes que já
encontrou a mulher certa, que a menina não quis saber dele e que, agora, não tem mais motivo para
procurar a mulher da vida dele. Comentou que essa pessoa, por acaso, foi a sua irmã. Ele ficou
arrasado por causa dela e agora só quer saber de se divertir, não quer levar ninguém a sério. Pelo
menos não queria, até você aparecer, porque, pelo jeito, ele está levando você a sério pra caramba.
Cruzei as pernas e olhei para a ponta dos meus sapatos peep toe pretos. Eles têm um laço
vermelho no salto, são superfofos e ficam incríveis com a minha saia lápis vermelha e justa. Me visto
assim para me sentir sexy e segura. Tenho um visual que chama a atenção e faço isso, principalmente,
porque fui muito menosprezada quando era adolescente. Gosto da reação positiva que provoco. Mas
não tem estilo e autoconfiança capazes de aplacar a dor que sinto no coração quando penso que o
Rowdy amava a minha irmã mais nova.
Olhei para a Cora, balancei a cabeça e falei:
– Ele amava mesmo a Poppy. A família que morava na casa ao lado da minha em Loveless adotou
o Rowdy quando ele tinha 10 anos. Eles eram superlegais, mas tinham um monte de filhos, de sangue
e adotados. Um dia, eu e a Poppy brincávamos de pega-pega no quintal e vimos o Rowdy sentado na
varanda da casa. Lembro que ele ficava olhando para nós duas, mas não falava nada, então a minha
irmã foi lá e o convidou para brincar.
Dei um sorrisinho ao me lembrar disso. Mesmo naquela época, o Rowdy já era alto para a idade
e bem esbelto. Também não dava para não reparar naquele cabelo loiro brilhante e naqueles olhos
azuis, tão raros em uma cidade onde a maioria da população era descendente de mexicanos. Ele era
algo de outro mundo. Algo novo e incerto, algo excitante e inesperado que havia aparecido na minha
vida, até então monótona e sombria. Mesmo que deixasse transparecer tristeza e descontentamento
naquela época, o Rowdy também transmitia a força e a rebeldia que eu sempre quis ter. Queria
confortá-lo, mas também queria ver o que iria acontecer quando alguém com tanto potencial
inexplorado se libertasse. Queria viver através dele, ficar atrás dele para poder sentir, enfim, a
sensação de romper os grilhões da conformidade. Também queria abraçá-lo e falar que não tinha
problema ficar triste, ter raiva, se sentir perdido e frustrado. Queria dizer que ele era perfeito
exatamente do jeito que era, algo que eu também queria muito que me dissessem. Hoje, ainda me dá
vontade de dizer para o Rowdy que tudo vai dar certo, mas ele não para quieto perto de mim, e não
dá tempo de eu explicar que vim morar em Denver por causa dele. E que, agora que nós dois somos
livres, podemos fazer algo incrível juntos, podemos deixar esse sentimento florescer e dar frutos. Ele
só precisa me dar uma chance.
– Acho que o Rowdy se apaixonou pela Poppy no mesmo instante.
Soltei um suspiro. Olhei para as minhas mãos, que estavam cruzadas sem querer, e continuei:
– Meu pai é um homem muito conservador. A família dele veio morar nos Estados Unidos, após
sair da Cidade do México, quando ele ainda era bebê. Meu pai acredita de verdade que as coisas
devem ser como antigamente. É hiper-religioso e não se importava com a amizade entre a Poppy e o
Rowdy, que foi adotado por uma família bem engajada na nossa igreja. Meu pai era o líder da
congregação. E jamais aprovaria um relacionamento amoroso entre os dois. O Rowdy sempre soube
disso. Só que isso nunca o impediu de entregar seu coração. Acho que ele só estava esperando
crescer, e que a minha irmã crescesse também, para os dois irem para a faculdade. E aí, quando a
Poppy não estivesse mais vivendo de acordo com as regras do meu pai, se daria conta de que ela e o
Rowdy haviam sido feitos um para o outro.
A Cora parou de balançar as pernas, me olhou bem nos olhos e perguntou:
– E aí? O que foi que aconteceu?
Soltei uma risada seca, pus o cabelo para trás do ombro e respondi:
– Boa pergunta.
Foi a vez de a Cora fazer cara de surpresa e levantar a sobrancelha. Mas a sobrancelha dela tem
um piercing rosa de cristal.
– Você não sabe?
– Não. Só sei que ele largou a faculdade, largou a minha irmã e sumiu do mapa. Cheguei a
perguntar para ela algumas vezes, durante todos esses anos, mas a Poppy nunca me contou nenhum
detalhe.
– Você está aqui por causa do trabalho, Salem, ou por causa do Rowdy?
É bem a cara da Cora fazer uma pergunta direta dessas.
Eu poderia ter-me feito de desentendida, dado um sorriso e desconversado. Mas admiro a
honestidade e a sinceridade da garota e acho que devo tratá-la do mesmo jeito. Além do quê, não
tenho mais medo de que essa turma descubra que vim morar aqui por causa de um deles. O pessoal
precisa saber que, uma hora ou outra, vai ter que dividir o Rowdy comigo.
– Por causa dos dois. Vim por causa dos dois.
A Cora fez um barulho que era uma mistura de bufada com riso e desceu da mesa.
– Acho que o Rowdy não tem ideia do que fazer com você. Acho que ele tem medo.
Me levantei e alisei o tecido da minha saia. Fiquei olhando para a Cora, que emitiu um ruído de
aflição e cruzou os braços. Em seguida, ela arregalou o olhos de cores diferentes.
– Você está bem? – perguntei.
Ela fez uma careta, ficou meio vermelha e respondeu:
– Preciso ir. Acho que está na hora de dar comida para a minha filha.
Ounnnnn... Que fofo!
– Não se preocupe. Cuido do estúdio o resto do dia. Dou conta do público que vem à tarde.
A Cora balançou a cabeça e pegou a bolsa de estampa de zebra, preta com amarelo limão, o que
não foi nenhuma surpresa para mim. Ela é uma pessoa colorida, por dentro e por fora.
– Tenta ser legal com o Rowdy o resto do dia. É óbvio que vocês dois precisam ter uma boa
conversa e, se eu precisar chutar a bunda dele para isso acontecer, pode contar comigo.
Fui com a Cora até a escada, toquei em seu ombro e falei:
– Não. Ele precisa enxergar isso sozinho. Faz semanas que ele passa de fininho por mim, e finjo
que está tudo bem. Já dei tempo suficiente para ele se acostumar com a ideia de que faço parte da
vida dele de novo e que não vou embora. É óbvio que o Rowdy ainda não está preparado para mim.
Minha chefe deu uma risadinha, e voltamos para o andar de baixo. A sala de espera tinha ficado
lotada naqueles quinze minutos em que me ausentei, ia levar um tempinho para acomodar e
encaminhar todos os clientes. A Cora se inclinou e sussurrou, para ninguém mais além de mim ouvir:
– Só para você saber, eu pagaria uma fortuna para ver o Rowdy naquela calça justa do uniforme
de futebol americano que ele usava quando era novo. Pesquisei na internet e encontrei uma foto da
época em que ele jogava no time da Universidade do Alabama.
Aí ela fez um gesto dramático com a mão e acenou para mim enquanto se dirigia para a porta.
Tive que dar risada e, por acaso, olhei para trás e peguei o Rowdy me observando.
Pela primeira vez, seus olhos não estavam com aquela expressão de raiva, e ele ficou me olhando
sem piscar. Pude perceber isso em um segundo fortuito. Naquele mar azul, estava estampado o
motivo pelo qual ele ainda não estava preparado para lidar comigo. Quando o Rowdy me olha, só
consegue enxergar o passado e o que sofreu naquela época, a dor da perda que o fiz passar e a mágoa
que minha irmã lhe causou. Mas, ao olhar para ele, enxergo apenas o futuro e todas as promessas e
possibilidades que aquele corpo sensual, loiro e tatuado do Rowdy St. James adulto representa. De
alguma maneira, precisamos começar a ter a mesma visão. Senão, jamais terei a chance de mostrar
para ele que existe vida após a mulher da sua vida, que existe vida depois de uma grande perda.
Especialmente quando a mulher da sua vida nunca foi a pessoa certa, e a grande perda está bem na
sua frente, pronta para reparar o mal que causou.
CAPÍTULO 3
Rowdy
“NÃO” PARA UMA BOA DIVERSÃO. Hoje é raro conseguir reunir todos os meus
N UNCA FUI DE DIZER
amigos, que considero minha família. Por isso, quando o Jet me ligou na última noite que ia
passar em Denver, antes de ir para Portland conhecer uma banda nova, e exigiu minha presença no
Bar porque todos estariam lá, não consegui pensar em uma desculpa razoável, que não fosse covarde,
para não ir.
Estava ficando cada vez mais difícil evitar encontrar a Salem sem dar na cara. E, depois de a
Cora ter testemunhado minha reação exagerada e absurda quando a garota tentou falar da irmã... Bom,
não tenho mais como escapar das perguntas intermináveis e da curiosidade refletida naqueles olhos
um de cada cor. Amo a Cora loucamente, mas não estou a fim de deixá-la remexer nas minhas velhas
feridas. Essas filhas da puta já sararam há muito tempo e, apesar de as cicatrizes serem grandes e
feias, é muito melhor deixar tudo como está do que ficar alimentando a dor e a mágoa ligadas às
lembranças reais que as causaram.
Em um esforço para provar, não apenas para as meninas, mas para mim também, que posso ser
legal e que ver a Salem (com toda a sua beleza bronzeada) não vai me arrastar para lugares aos quais
jamais quero voltar, fiz minha melhor cara de “foda-se” e fui até o Bar. Achei que conseguiria fazer
isso por uma noite. Que daria conta de fingir que não fico todo atordoado por dentro só de ver a
Salem. Preciso apenas me lembrar de que essa garota não passa de uma desconhecida, que não sei
mais quem ela é. Só uma deusa latina qualquer, maravilhosa, coberta das mais lindas tatuagens que já
vi. Sou profissional quando o assunto é mulher, e a Salem, definitivamente, é bem mulher. Sei ser
charmoso e conquistador. Sei puxar assunto, ser simpático. Espero que isso dê uma acalmada nela e
que a minha sensação de ela ter vindo morar em Denver só para trazer à tona todas as lembranças
terríveis que me assombram passe um pouco.
Pensei ser um plano infalível. Achei que ia dar conta, sem nenhum problema. Mas então passei
pela porta do Bar. A primeira coisa que vi não foi a Ayden tentando arrastar o Jet para dançar country
ao som de “Family tradition”, do Hank Williams Jr. Nem o Rule e a Shaw falando um no ouvido do
outro. Muito menos o Rome arrastando a sua fadinha para o escritório do bar, atrás do depósito das
bebidas. E também não foi o Nash e a Saint, sua linda namorada, fingindo jogar sinuca enquanto não
paravam de se agarrar perto da mesa coberta de feltro. Não. A primeira coisa em que meu olhar
traidor pousou foram as curvas imperdíveis da Salem, que estava debruçada de uma maneira muito
provocante sobre o balcão, porque o Asa tinha feito um sinal para ela se aproximar.
É claro que a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi como a saia preta e branca que ela
estava usando realçava sua bunda e seus quadris, naquela posição inclinada e com aqueles saltos
loucos que ela adora. Esse pensamento já se emendou em outro: se a Salem estivesse de decote, o
Asa deveria estar assistindo a um espetáculo e tanto. E, por algum motivo, achei que a minha cabeça
fosse explodir, porra! Cerrei os dentes e cheguei a ver uma nuvem vermelha de raiva na minha frente,
quando então ela jogou a cabeça para trás e riu de alguma coisa que o loiro sulista havia dito. Seu
cabelo ondulava na curva da sua bunda, e sua risada rouca me deu uma pontada no estômago e outra
logo abaixo da cintura. Sem pensar, me apressei na direção do balcão.
Percebi que o Asa viu que eu estava me aproximando e me deu um sorriso malicioso. Em seguida,
se afastou da Salem, de propósito, e foi atender outro cliente. Preciso reconhecer: ele tem um puta
bom gosto para mulher. Não é raro, agora que eu e ele somos os únicos solteiros na turma, acabarmos
a noite brigando, de boa, pela mesma gata. Nunca foi nada sério e, normalmente, acaba virando uma
competição, para ver quem pega a garota primeiro. Levando em consideração que os dois são muito
bonitos e têm um charme considerável, é difícil prever quem vai ganhar. O Asa tem aquele sotaque
arrastado do sul a seu favor, mas eu tenho um monte de tatuagens e meu estilo retrô e descolado: para
muitas mulheres isso é irresistível. Fiquei parado do lado da Salem e peguei a cerveja que o Asa pôs
na minha frente sem eu ter pedido. Espremi os olhos para ele, e seu sorriso mudou de simpático para
curioso.
– E aí, Rowdy?
Ele fala arrastado, como se tivesse acabado de sair de uma fazenda lá do Kentucky. Mal dá para
perceber o sotaque da Ayden, só quando ela está brava ou muito animada, mas o Asa usa o dele como
uma arma para conquistar as donzelas inocentes. Vi que a Salem se virou e me olhou, mas a ignorei e
me concentrei no Asa.
– Nada demais.
– Faz tempo que você não aparece por aqui.
Agora que todos os meus amigos estão ou casados ou praticamente casados ou envolvidos com o
amor da sua vida, costumo passar meu tempo livre no Bar, de bobeira com o Asa. Ele deve ter
notado que eu ando me escondendo feito um covarde, embaixo de uma pedra coberta com meu
próprio medo e minha insegurança, há mais de um mês. Ia fazer um comentário sarcástico, falar que
ele devia estar gostando de não ter concorrência, mas ouvi a Salem bufar.
Evito ficar muito perto dela porque não me sinto à vontade e não consigo parar de olhar para essa
garota. É um lance físico. Quando segurei o pulso dela, aquele dia no estúdio, fui motivado pelo
medo, pelo pânico, e não por uma necessidade súbita de tocá-la. Mas, ao estar tão perto dela e ver
aqueles olhos pretos meio azulados e aquela boca tão perfeita, sempre tão bem pintada e sensual,
meu sangue foi parar em partes do meu corpo que eu não queria. Aquele rubi que ela tem no canto
dos lábios ficou piscando para mim, como se me chamasse para lambê-lo. De uma hora para a outra,
não conseguia mais me lembrar por que não quero chegar perto dessa garota. As suas sobrancelhas
escuras se movimentaram enquanto eu olhava para ela e, de repente, me deu vontade de chegar o
mais perto possível daquela mulher.
– Ando bem ocupado.
Respondi à pergunta do Asa sem pensar, sem parar de olhar para aquela desconhecida que um dia
já me conheceu melhor do que eu mesmo me conheço.
– Ocupado com o quê?
Virei a cabeça e vi um sorrisinho sarcástico no rosto do Asa. Pelo jeito, era óbvio que eu ficava
perturbado perto daquela mulher, e ele não fazia a menor cerimônia de me torturar por causa disso.
Peguei a cerveja, só para ter o que fazer com as mãos, e inclinei a cabeça para o lado. Eu e a
Salem continuamos a nos encarar. Fiquei olhando como se ela fosse me atacar a qualquer segundo.
Como se ela fosse pular em cima de mim e arrancar todas as coisas boas que tenho e me deixar
apenas com uma nuvem horrível que mal cobriria uma vida da qual não quero me lembrar.
A Salem me olhava como se eu fosse o brinquedo-surpresa de uma caixa de cereal. Seus olhos
brilhavam como se ela tivesse acabado de encontrar algo que estivesse procurando, algo muito
melhor do que ela imaginava.
Dei um gole grande na cerveja e falei, sem rodeios:
– Quero saber por que você veio para Denver, Salem.
A menina pegou seu drinque, um troço rosa com cheiro doce e cítrico, e deu um gole. Então pôs
aquela cascata de cabelo para trás. Eu olhei para baixo. É, o Asa tinha visto uma bela paisagem. A
Salem estava usando uma blusa de renda vermelha bem decotada que mostrava a parte de cima de
seus peitos, e parecia que, se ela se inclinasse um pouco mais, os dois iam ficar inteiros à mostra. A
garota se veste de um jeito provocante e charmoso, mas sempre sofisticado e elegante. É uma
verdadeira Bettie Page dos dias de hoje.
– Vim para cá porque o Phil queria que eu estivesse aqui. Ele sabia que era aqui que eu deveria
estar se quisesse ser feliz.
Não esperava por essa resposta. Para ser sincero, fiquei me sentindo um imbecil por achar que a
Salem poderia dizer que eu era o motivo. Fiquei surpreso por ter sentido uma pontada no meu ego e
fiz careta.
– E o que isso quer dizer?
A Salem só encolheu os ombros e respondeu:
– Quer dizer que já morei em muitos lugares desde que saí de Loveless. Nunca fiquei muito tempo
no mesmo lugar e nunca consegui sossegar. Sempre achei que fosse porque sou uma pessoa
aventureira, que tenho alma cigana, mas o Phil me fez entender que, esse tempo todo, estive
procurando um lugar seguro para pousar, um lugar que eu possa chamar de “lar”. Nunca tinha me
sentido assim antes.
– E Denver é o seu lugar seguro? Você agora quer que seu lar seja aqui?
Entendi tudo. Quer dizer, o Phil me encontrou desperdiçando meu talento em um estúdio nojento
em Oklahoma, como aprendiz de um sujeito que estava mais interessado em passar metanfetamina do
que em tatuar ou me ensinar a tatuar. Um amigo de um amigo dele havia falado sobre mim, que eu era
jovem, muito disposto a aprender e que tinha um amor genuíno pela arte. Ele foi até lá só para me
conhecer e, sem que eu soubesse o que ia acontecer, o Phil Donovan me resgatou, me trouxe para
Denver com todas as despesas pagas, me ensinou o que eu precisava saber para ter uma carreira de
sucesso e como ganhar dinheiro com arte. E o mais importante: o Phil me recebeu de braços abertos
na sua família. Ser sozinho não é fácil, mas eu estava assim há tanto tempo que nem sabia direito
como era ser diferente. O Phil fez de Denver meu lugar seguro e o meu lar.
A Salem sorriu, e aquele piercing extremamente sexy que ela tem em cima do lábio piscou para
mim de novo. Não tenho como negar que a situação abaixo da minha cintura estava ficando difícil,
meu corpo reagia àquela mulher contra a minha vontade.
Então ela respondeu, meio constrangida:
– Tipo isso. “Lar”, para mim, é um conceito um pouco mais complicado do que apenas algumas
coordenadas.
Já ia perguntar de que porra ela estava falando, mas a porta do bar se abriu, e uma jovem entrou.
Ouvi o Asa suspirar do outro lado do balcão e a Saint dizer “Royal”, acenando para a recém-chegada
lá da mesa de bilhar, ainda enroscada no Nash. A bela de cabelo acobreado acenou para todo mundo
e foi desfilando até a amiga como se o chão do bar fosse uma passarela. E, simples assim, o Nash
virou recheio de um sanduíche muito sexy de ruivas, porque as duas se abraçaram e ficaram rindo.
Que filho da puta mais sortudo.
– Quem. É. Essa?
De repente, o sotaque do Asa tinha ficado mais arrastado do que nunca. Seus olhos, que
normalmente brilham como moedinhas de ouro, escureceram de um jeito penetrante que eu jamais
havia visto.
– É a Royal, vizinha de porta do Nash. Como a Saint praticamente mora com ele, as duas são
inseparáveis.
As duas ruivas formam um par estranho, são o oposto uma da outra. A Saint é na dela, fala baixo e
é uma das pessoas mais humildes e doces que conheço. Tem o cabelo acobreado e é cheia de sardas.
Gosto de brincar dizendo que ela parece a Píppi Meialonga, a personagem de livros infantis. A Royal
Hastings é uma mulher favorecida pela genética de todas as formas possíveis e imagináveis. É alta,
tem uma pele perfeita, olhos cor de chocolate e um cabelo ruivo escuro interminável. E tem um corpo
que, na minha cabeça, não existia fora das páginas das revistas. Como se isso não bastasse, aquele
pacote sexy é completo, porque a garota ainda é muito legal, superdivertida e excêntrica na medida
certa para continuar simpática e acessível.
– Eu quero – disse o Asa, com a voz mais grave.
A Salem ficou olhando para nós. Odeio ter que admitir, mas passou pela minha cabeça que, se ele
ficasse a fim da Royal, eu não precisaria me sentir todo esquisito e ter medo de ele dar em cima da
Salem. Por isso falei:
– Manda ver. Ela é solteira.
O Asa me olhou, fez uma careta e completou:
– Como é que pode uma mulher gostosa desse jeito ser solteira?
O que, na língua dos homens, significa: “qual o problema dessa mulher?”.
Sacudi os ombros e respondi:
– Ela trabalha muito, tem uns horários estranhos, acho eu.
Então o Asa pôs as mãos em cima do balcão, se inclinou um pouco para a frente e perguntou:
– O que é que ela faz?
Aí é que morava o perigo. Eu sabia que, quando eu contasse qual era a profissão daquela mulher
estonteante para o Asa, ele perderia o interesse. Fiquei pensando um pouco em como dar a notícia,
mas aí a Salem interrompeu nossa conversa:
– A Royal é policial.
O Asa arregalou os olhos e deu um passo para trás. Parecia ter tomado um choque elétrico.
– Como é que você sabe disso? – perguntou, com um tom quase rude.
A Salem encolheu os ombros nus. Me deu vontade de lamber toda a clavícula dela e chupar
aquela curvinha onde seu ombro encontra aquele pescocinho elegante. Qual era o meu problema? Eu
deveria fugir daquela mulher e do sofrimento que ela pode me causar.
– Ela vai lá no estúdio com a namorada do Nash toda hora. Uma vez, foi de uniforme. E eu pedi
para ela me mostrar sua arma.
O galã sulista ficou sem cor e sacudiu a cabeça, como se o movimento fosse tornar as palavras da
Salem menos verdadeiras. Só para deixar bem claro, completei:
– É mesmo. Nem acreditei quando o Nash me contou, mas é verdade. A Royal até já foi atacada
por um drogado enquanto fazia a ronda, um tempo atrás, e acabou com o olho roxo e o lábio partido.
A mulher tem um distintivo e está do lado da lei, meu amigo.
O Asa soltou um palavrão entredentes e me deu um sorriso amarelo.
– Isso deveria ser ilegal. Nenhuma gata dessas deveria ser policial.
Depois disso, ele se afastou e foi pegar umas bebidas que a Dixie havia pedido. Ela estava do
outro lado do balcão e tinha prestado atenção na conversa. Quando cruzei o olhar com o da bela
garçonete, ela sorriu para mim, e tive que dar um gole na cerveja para não sorrir também. Para mim,
dar em cima de mulheres bonitas é tão natural quanto respirar, mas a Salem estava me observando,
com aqueles olhos de ébano, e, por algum motivo, achei que sorrir como quem diz “eu sei como
podemos nos divertir” para a Dixie não ia pegar bem. A morena pôs o cabelo longo atrás dos
ombros, e fiquei só olhando as mechas deslizarem por sua pele nua. Dar em cima das mulheres pode
até ser uma coisa automática para mim, mas essa em especial não precisa se esforçar para ser sexy.
Ela exala sensualidade como se fosse um perfume caro. Conhece esse jogo muito melhor do que eu, o
que é mais um motivo para eu ficar longe dela.
– Mulheres bonitas não deveriam ser policiais? – indagou, com um tom meio malicioso.
Me afastei do balcão e inclinei a cabeça na direção do Asa, que ainda estava conversando com a
Dixie.
– O Asa tem uma longa história de problemas com a lei. Não é tanto pela Royal, mas por causa da
profissão dela. Ele não curte quando uma mulher gostosa é proibida, e o fato de ela ser policial,
definitivamente, a torna proibida para ele.
A Salem levantou aquela sobrancelha cor super negra e deu uma olhada curiosa para o Asa e a
ruiva estonteante, que tinha acabado de jogar a cabeça para trás e gargalhava alto por causa de algum
comentário da Saint.
– É uma pena ele pensar assim. Os dois formariam um lindo casal.
Bom, esse comentário fez minha vontade de esganar o Asa diminuir um pouco. Estava com raiva
não só por ele ter admirado a vista quando a Salem se inclinou sobre o balcão, mas também por ter
sorrido e falado com ela tão naturalmente, quando eu me sinto um moleque indesejado e deslocado
perto dessa mulher.
– Então você simplesmente largou tudo, sua vida inteira, para ajudar o Nash e o Rule com o
estúdio novo só porque o Phil quis assim? Não deixou ninguém nem nada para trás?
Minhas palavras saíram com um tom de ressentimento. Eu mesmo consegui perceber, mas não deu
para evitar. Minha mãe morreu por causa de um ato de violência sem sentido quando eu ainda era
pequeno. Não tenho muitas lembranças felizes com ela. Mas lembro de que era boa, bonita e estava
sempre sorrindo ou dando risada. Lembro que minha mãe era feliz.
Caí no sistema de adoção aos 6 anos. Como não tinha outros parentes ou, pelo menos, ninguém da
minha família quis ficar comigo, fui pulando de família adotiva em família adotiva, até acabar com
os Ortega, aos 10 anos. Eu sabia que minha mãe não havia me deixado sozinho no mundo de
propósito, que o destino é traiçoeiro e pode ser muito ruim, mas não tinha como negar que, toda vez
que alguém que eu amava profundamente me abandonava, trazia à tona todos esses sentimentos ruins
que tenho desde a infância.
Em vez de responder à minha pergunta sarcástica, a Salem se sentou em uma banqueta, se inclinou
um pouco para o lado e ficou me observando com um ar solene. Sempre achei seus olhos incríveis.
Quando era mais novo, achava que eles pareciam de veludo, de algo macio. Achava-os sombrios e
enigmáticos. Não gostei nem um pouco daquele ar de quem conhece todos os segredos do universo e
estava só esperando eu ficar à sua altura para sussurrá-los no meu ouvido.
– Por que você não me perguntou nada sobre a Poppy? Como ela está? Onde está? O que anda
fazendo? Você nem me deixou terminar de falar o nome dela ontem, não sei por quê. Sei que vocês
terminaram com uma briga feia, mas tem algo mais. Vocês dois eram tão ligados em Loveless,
pareciam irmãos siameses. Então, me ilumina, Rowdy. O que realmente aconteceu entre você e a
minha irmã?
Não consegui me controlar ao ouvir o nome da irmã da Salem e dei um passo para trás sem
querer. Não perguntei porque não quero saber, poxa! É por isso que, no último mês, tenho bancado o
covarde e ignorado aquela garota. Quero apenas voltar para um tempo em que eu era feliz fingindo
que as irmãs Cruz não passavam de uma lembrança longínqua que só vinha à tona quando eu bebia
demais ou o sentimentalismo resolvia aparecer e dar um soco na minha cara.
Fui salvo pela Ayden de dar uma desculpa esfarrapada. Ela apareceu do meu lado e me pegou
pelo cotovelo. Ela tem os mesmos olhos cor de uísque do Asa, que brilhavam de tanta tequila e
malícia.
– Vem dançar comigo. O Jet está se fazendo de difícil.
Virei para trás e vi que o meu amigo me olhava feio. Como adoro pegar no pé do Jet, não ia dizer
“não” para a Ayden, de jeito nenhum. Não sou muito fã de country, mas estava usando botas de caubói
e jamais vou reclamar de tocar em uma mulher tão linda quanto a Ayden.
Virei para a Salem. Pelo brilho dos seus olhos negros, dava para ver que sua cabeça estava
maquinando algo. Mas, antes que eu pudesse lhe dizer qualquer coisa, ela pegou seu drinque e se
afastou do balcão.
– Alguma hora vamos ter que nos enfrentar, Rowland. Você podia ser muito rápido no campo de
futebol, mas, fora dele, tropeça.
E se afastou de mim. Seu cabelo encostou na pele do meu braço, e senti um aperto no estômago.
Fiquei observando a Salem ir até onde o Nash e a Saint conversavam com a Royal. Ela abraçou a
ruiva espetacular como se as duas fossem amigas íntimas que há muito tempo não se viam.
Olhei para a Ayden e, antes que ela dissesse qualquer coisa, disparei:
– Não fala nada.
Deixei minha amiga me arrastar até a pequena pista do Bar e não demorei muito para engatar a
dança. Estava tocando a versão do David Allan Coe para “Mama tried” na jukebox digital.
– Rowland? – perguntou a Ayden, dando uma risadinha.
Fiz uma careta e respondi:
– Faz tempo que não sou mais esse cara.
– Foi daí que saiu o Rowdy, então?
Soltei um grunhido, mas dei um sorrisão para o Jet por cima da cabeça da Ayden, porque ele
havia feito gestos obscenos com as duas mãos para mim e falado vários palavrões. Puxei a mulher
dele ainda mais para perto e sorri para ela de um jeito canastrão, só para provocar.
– Não, é por causa do significado da palavra, que quer dizer “arruaceiro”. Fui uma criança
rebelde. Tinha muita energia, e ninguém sabia o que fazer comigo. Estava sempre de castigo, sempre
me metia em confusão na escola, e ninguém tinha muita vontade de cuidar de mim. Aos 10 anos, me
mandaram morar com uma família que já tinha um monte de filhos, biológicos e adotados. A mãe, que
se chamava Maria, não falava muito bem o inglês e ficava resmungando comigo em espanhol. Ela
tentava me acalmar, fazer eu me comportar direito, mas eu era rebelde. Os professores, os outros pais
da igreja que a gente frequentava e outras crianças começaram a me chamar assim. Era mais fácil
para a Maria pronunciar, e o apelido acabou pegando.
A Ayden arregalou os olhos e ficou de queixo caído. Precisei dar um apertão nela para deixar
claro que tudo isso tinha acontecido há muito tempo, que estava tudo bem agora. Mas, sem eu
perceber, meu olhar ficou procurando aqueles cabelos pretos e aquelas curvas ridículas apertadas em
uma saia superjusta. Estava tudo bem pelo menos até essa mulher aparecer.
A mulher do meu amigo enrugou o nariz e me deu um apertão.
– O Jet te contou de Austin? – perguntou.
Ela falou baixinho. Quase não ouvi de tão alto que era o barulho das nossas botas batendo no
chão.
– Comentou por cima.
– O que você acha?
Pelo tom de voz, a Ayden parecia hesitante e engoliu em seco logo depois de perguntar.
– Acho que somos adultos e sabemos como os planos funcionam. Austin não é a Antártica e, só
porque, fisicamente, vocês estarão em outro lugar, não significa que seu coração e a sua alma não
estarão aqui. Vocês fazem parte da família, não importa a quantos quilômetros estejam de nós.
A Ayden balançou a cabeça de leve, e seus olhos ficaram marejados.
– Estou com medo.
Soltei um suspiro e abracei a Ayden com tanta força que ela soltou um gritinho e ficou batendo
aquelas pernas compridas. Dei um beijo bem caprichado em sua testa e falei, sem rodeios:
– É assim que a gente sabe que está fazendo a coisa certa, querida.
Pus minha amiga no chão de novo, e ela me deu um soco bem no meio do peito, rindo.
– É, mas, mesmo assim, estou surtando. Fico preocupada com o Asa. Quem é que vai ficar de
olho no meu irmão e fazê-lo andar na linha quando eu não estiver aqui? Ele atrai encrenca.
– Acho que já passou da hora de o seu irmão mais velho andar na linha com as próprias pernas, e
somos um exército preparado para lembrá-lo do que ele tem a perder se escorregar. Se preocupa com
você. Se preocupa com o seu marido. Vai lá ser feliz e curte estar apaixonada e casada. Vai dar tudo
certo, Ayd. Se não der, você não vai poder fazer nada a respeito mesmo.
Ela fez um barulhinho com a garganta, levantou a sobrancelha e disparou:
– E aí, o que rola entre você e a Salem? Pelo jeito, tem muito mais coisa nessa história do que
você contou.
Por cima da cabeça da Ayden, vi que o Jet tinha levantado e estava indo na nossa direção. Pisquei
para ele e recebi outra olhada feia.
– Não tem nenhum conto de fadas, se é isso que você está pensando.
– Ela é divertida, meio excêntrica. Gosto da Salem.
– É fácil gostar da Salem.
A garota é carinhosa. É inteligente. Se preocupa com os outros, tem compaixão. Foi a única
pessoa que me fez sentir em paz quando eu era criança. Quando tirou isso de mim, quando me
abandonou e me deixou sozinho, me joguei de cabeça em meus sentimentos pela Poppy, com uma
intensidade que beirava a obsessão. Não ia cometer o erro de cair na personalidade acolhedora da
Salem de novo. Da última vez, ela deixou um vazio imenso dentro de mim ao ir embora.
– Então por que você está agindo como se ela tivesse chutado seu cachorrinho de estimação? Não
é a sua cara fazer isso e, para ser sincera, não gosto nem um pouco. A menina é uma ótima aquisição
para o estúdio, e você têm sorte de tê-la encontrado.
O Jet finalmente chegou perto da gente e passou o braço pela cintura da Ayden. Puxou-a para
perto dele, e eu a soltei sem resistência.
– Você é um bosta – falou, com um tom sério, me olhando feio.
Dei risada, encolhi os ombros e respondi:
– Então mexe essa bunda e dança com a sua mulher. A Ayden costuma ouvir aquele estoura
tímpanos que você chama de música. O mínimo que você pode fazer é dançar com ela de vez em
quando.
Meu amigo rosnou e, a contragosto, deixou a Ayden arrastá-lo para a pista. Os dois começaram a
dançar de rosto colado, e me afastei do belo casal de cabelos negros. Fui pegar outra cerveja no
balcão e fiquei pensando no que a Ayd tinha dito.
A verdade é que o estúdio e mesmo o Rule e o Nash tinham sorte de ter encontrado a Salem. Mas
eu... Bom, eu sempre achei que só vou dar azar nesta vida. Perdi minha mãe. Perdi a Salem. Perdi
meu primeiro amor. Tudo isso antes de ter idade para beber legalmente. O azar é meu velho
conhecido.
Aí pensei na sorte que tive desde que conheci o Phil e que ter vindo morar em Denver foi o jeito
de o destino me recompensar pela minha infância perdida e sem amor.
CAPÍTULO 4
Salem
–OLHA, VOCÊ PODE ME RETORNAR? Esta é a quarta mensagem que eu deixo nas últimas duas semanas,
Poppy. Estou começando a ficar preocupada.
Fiz uma careta e guardei o celular na bolsa, pulando uma poça de água deixada pela chuva do
meio da tarde. No verão faz muito calor em Denver, mas não tanto quanto no deserto de Las Vegas ou
no Texas. Ainda assim, o clima é agradável. Fiquei surpresa quando o tempo fechou e caiu uma chuva
gelada, com gotas do tamanho de uma moeda de cinquenta centavos. Acho que é o que acontece por
aqui no verão, lá pelo meio da tarde. O clima do Colorado tem uma séria crise de identidade, mas
acho que tudo bem. Se você odeia o tempo que está fazendo, saiba que tudo pode mudar em cinco
minutos.
Comecei a tremer, porque estava usando um shortinho preto fofo, com botões prateados gigantes,
tipo de marinheiro, e uma blusinha esvoaçante de ombro caído. Pus essa roupa de manhã e, quando
saí para almoçar, fiquei morrendo de frio, então fui até o café da esquina pegar alguma coisa para me
esquentar antes de voltar ao estúdio. Não queria nem pensar em qual tinha sido o efeito da chuva no
meu cabelo e na maquiagem pesada que costumo usar nos olhos. Por isso me concentrei na irritação
que estava sentindo por causa da minha irmã mais nova.
Eu e a Poppy sempre fomos muito diferentes. Eu sempre me resignei ao fato de que jamais
poderia desabrochar e ser feliz em Loveless, na casa dos meus pais. Mas ela continua morando lá e
ainda é a menina dos olhos do meu severo pai. Torci para que, depois de sair da faculdade e
conhecer o mundo, minha irmã se soltasse, vivesse um pouco e se desse conta de que a vida é muito
mais do que ser uma filha perfeita. Mas, para minha irritação, a Poppy voltou para casa logo depois
de se formar e não demorou para retomar os velhos hábitos, apesar de eu ter quase implorado para
ela vir morar comigo. Logo depois, se casou com um homem bastante parecido com meu pai e se
distanciou de mim. Mas não sei se essa foi uma escolha totalmente dela.
Apesar de meus pais e de o meu cunhado não gostarem muito que a minha irmã mantenha contato
comigo, esse é o seu único ato de rebeldia, e conversamos sempre que ela consegue me ligar
escondido. Estou com a cabeça cheia de perguntas. Quero respostas que não posso obter do Rowdy,
sujeito tão acolhedor quanto uma parede de concreto. Sei que há algum outro motivo para os dois
terem terminado além do simples “ele queria coisas diferentes, e não pudemos nem ser mais amigos”,
a explicação que a Poppy me deu anos atrás, quando tudo aconteceu. Alguma coisa muito séria deve
ter rolado para o Rowdy não querer nem ouvir falar da minha irmã. A Poppy foi o primeiro amor da
vida dele e, normalmente, me conta tudo. Esses subterfúgios dos dois me deixaram supercuriosa.
Minha irmã nunca teve muita sorte no amor. Sempre fez de tudo para agradar, tanto os homens que
passaram pela sua vida quanto o meu pai. Por isso ela acabou namorando uns rapazes que são umas
verdadeiras peças. Acho que a Poppy não seria capaz de reconhecer um amor verdadeiro nem se ele
mordesse o nariz dela, e é por isso que sempre tento manter contato com a minha irmã e estou
preocupada por ela não ter me retornado. O marido da Poppy é uma coisa de louco. O Oliver
Martinez é uma cópia do meu pai, mandão e ameaçador, o que me deixa muito nervosa. A Poppy não
tem forças para largar dele ou enfrentar um homem que quer controlar sua vida.
Pedi um milk-shake de café e um brownie, porque estava com a cara boa, e tentei secar um pouco
o meu cabelo com as mãos. A caminho da porta, olhei para baixo para guardar o brownie na bolsa,
por isso não vi a mulher que estava na minha frente. Quase a derrubei no chão. Mal deu tempo de
segurar seu pulso, e seu celular saiu voando pela porta quando nos esbarramos.
Nós duas ficamos sem ar, e me desculpei, meio gaguejando. Meu café não voou pelos ares, mas
derramou um pouco nas nossas mãos por causa da violência do impacto.
A mulher me fez um sinal, dando a entender que não era nada, se abaixou para pegar o celular, e
eu fui atrás, pedindo mil desculpas. Pedi mais desculpas ainda quando me dei conta de que era a
mesma moça loira e elegante que tinha aparecido no estúdio outro dia.
Ela usava outro terninho caro e estava com um coque alto. Arregalou os olhos ao me reconhecer e
disse:
– Desculpa. Estava distraída, lendo um e-mail no celular.
Bufei e sacudi as mãos para limpar o café que havia caído nelas.
– Eu estava segurando um monte de coisa, com a cabeça a quilômetros de distância. Ainda tenho
alguns minutinhos antes de voltar ao estúdio. Deixa eu te pagar um café para compensar.
A moça balançou a cabeça e respondeu:
– Ah, não. Não precisa, mesmo. Eu deveria ser mais atenta.
Simplesmente ignorei o comentário e fui para a fila, na esperança de que ela fosse atrás de mim.
E foi, ainda dizendo que não precisava. Quando chegou a nossa vez, ela já tinha parado de falar. Não
fiquei surpresa ao vê-la pedir um café preto e mais nada. Essa mulher parece mesmo ser uma pessoa
sem frescura, e fiquei imaginando por que ela havia resolvido aparecer no estúdio.
– Me chamo Salem Cruz – falei, esticando a mão.
– Prazer, Sayer Cole – respondeu, apertando minha mão rapidamente. – Trabalho em um
escritório de direito de família que fica a algumas quadras daqui.
Balancei a cabeça, dei um sorriso e comentei:
– Você não imagina quantos advogados fazem tatuagem hoje em dia. Espero que não tenha
desistido de fazer a sua por causa do trabalho.
A moça ficou meio sem reação e enrubesceu.
– Não. É que acabei de me mudar para Denver e só estava explorando um pouco a cidade – falou.
Aí limpou a garganta, e começamos a andar em direção à porta. Fiquei aliviada de ver que a chuva
tinha diminuído. – Resolvi entrar lá por impulso. Não sei o que estava passando pela minha cabeça.
A Sayer virou para o lado logo depois de dizer isso, e fiquei com a impressão de que ela não
estava sendo cem por cento sincera.
– Também sou nova por aqui. Até agora, estou amando. Onde você morava antes de vir para cá?
– Em Seattle. Passei a vida inteira lá. Estava precisando de uma mudança.
Me identifiquei. Ela me perguntou de onde eu era. Dei risada e disse que sou de todo canto.
Quando a Sayer quis saber o meu motivo para ter ido para Denver, a cidade famosa por ficar a um
quilômetro e meio acima do nível do mar, olhei para ela de soslaio e perguntei:
– Você vai me achar muito ridícula se eu te disser que foi por causa de um homem?
A moça encolheu os ombros, e paramos na esquina. Seu olhar ficou meio perdido e, de novo,
fiquei com a impressão de que ela não estava me contando toda a verdade.
– Não. Eu meio que vim para cá por causa de um também. Não no sentido amoroso, mas foi um
homem que me motivou a aceitar a transferência, quando o escritório onde trabalho decidiu abrir uma
filial em Denver.
Ela inclinou a cabeça na direção oposta à do estúdio e falou, com um tom de gentileza sincera:
– Espero que dê tudo certo para você.
Dei risada.
– Sou bem persistente. Se você mudar de ideia e quiser fazer uma tatuagem, aparece lá no
estúdio. Aqueles meninos fazem um trabalho espetacular.
A Sayer passou os olhos pelos meus braços supertatuados e comentou:
– Nunca pensei que poderia ficar tão bonito, que a tatuagem poderia ser uma forma de arte.
– Se for bem-feita, fica tão bonita quanto um quadro, e é uma forma de arte que você pode
compartilhar com o mundo aonde quer que vá.
O sinal abriu, e seguimos em direções opostas. Fiquei pensando naquela mulher sofisticada que
parecia guardar tantos segredos. Torci para tudo dar certo para ela também, seja qual for o motivo
que a tenha levado para Denver. Com ou sem segredos, a Sayer parece ser uma pessoa legal.
Abri as portas do estúdio e tive que desviar do monte de gente que estava na sala de espera,
aguardando atendimento. A Cora conversava com duas meninas, que lhe mostravam umas fotos, e
dava para ouvir o zumbido incessante das máquinas de tatuagem. O Nash cruzou o olhar com o meu e
inclinou a cabeça. Tirei o brownie da bolsa e guardei para comer depois, então fui lá perguntar o que
ele queria.
Meu chefe passou as mãos na cabeça raspada, e imaginei que a Saint também deveria fazer muito
isso. Aquelas chamas tatuadas são vivas e divertidas. Se ele fosse meu namorado, eu ia passar a mão
nelas o tempo todo. Seus olhos cor de violeta brilhavam, em um misto de bom humor e irritação.
– O que você precisa que eu faça para a loja começar a funcionar? Achei que tinha uma ideia
clara, mas toda vez que penso estar progredindo, alguma coisa acontece, e volto atrás.
– Preciso que vocês me passem algumas imagens, um logo, para eu entrar em contato com o
pessoal que faz silkscreen e estampar os desenhos em camisetas e outras peças de roupa – tem que
ser algo fofo, bem moderno, que combine com a vibe dos meninos. – Acho que vocês precisam se
basear nas próprias tatuagens. As fãs vão enlouquecer. Você tem o seu dragão, o Rule tem aquela
cobra no braço... – o Nash fez uma cara pensativa e espremeu os olhos, eu balancei a cabeça e
continuei falando: – A Cora tem aquelas flores todas, e o Rowdy, aquela âncora inconfundível no
pescoço. São todas tatuagens diferentes e únicas, e acho que seriam uma boa marca. Não estaríamos
divulgando apenas os dois estúdios, mas as pessoas que trabalham neles também – dei um apertão no
braço musculoso do meu chefe e completei: – Também acho que a gente deveria fazer alguma coisa
com edição limitada, em homenagem ao Phil. Algo bem old school, bem irado, que honre o nome
dele e o fato de ele ter deixado esse legado para vocês.
Vi que o pomo de Adão do Nash subiu e desceu. Seus olhos brilharam, ele limpou a garganta,
balançou a cabeça e falou:
– Você é a pessoa perfeita para fazer isso tudo acontecer. Meu pai realmente sabia das coisas.
Dei um sorriso de orelha a orelha e respondi:
– Ele era um homem muito inteligente e cheio dos truques.
– O Phil queria você aqui e não era só por causa da loja, era?
Encolhi os ombros e comentei:
– Às vezes é preciso que alguém de fora te olhe para você se dar conta do que está faltando na
sua vida. O Phil mandava muito bem nisso.
O Nash concordou com um grunhido e acenou para um cliente que estava entrando no estúdio.
– Mandava mesmo – deu um passo para o lado e ficou me olhando. – Foi o Rowdy que teve a
ideia da loja. O conceito, a direção para onde expandir os negócios, foi tudo ideia dele. Acho que
vou dar uma ligada e falar que ele é que vai ser o seu contato para esses assuntos. Eu e o Rule
estamos muito ocupados com outras coisas neste momento.
Então vi, nos olhos fabulosos do Nash, a mesma compaixão e vontade de fazer os outros felizes
que brilhavam nos olhos do pai dele. Ele era mesmo filho do Phil, sem sombra de dúvida. Dei risada
e voltei para o balcão para ajudar a Cora a atender o grupo de clientes em potencial que não parava
de aumentar.
– Você é que manda, chefe.
SÓ CONSEGUI COMER MEU brownie MUITAS HORAS DEPOIS. A agenda estava lotada, e ainda apareceram
dois clientes sem hora marcada, que os tatuadores novos toparam fazer. Já eram quase nove da noite
quando finalmente fechei o caixa e tranquei o estúdio. Mas, mesmo nos dias mais movimentados, o
Marcados não chegava perto do caos com que eu estava acostumada a lidar no estúdio onde eu
trabalhava, dentro de um cassino. Aquele lugar tinha uma equipe de quinze tatuadores e ficava aberto
até às duas da manhã. Os estúdios de Denver têm um bom movimento, mas são bem menos bombados
que meu trabalho anterior. Me surpreendi ao perceber como estou gostando desse ritmo mais
reservado, mais tranquilo do meu emprego novo. E gosto muito do fato de o pessoal fazer
verdadeiras obras de arte nos clientes, e não aqueles desenhos comuns que os turistas escolhem em
um catálogo e tatuam às pressas.
Fico entediada com facilidade e odeio rotina. Acho que esse é um dos motivos para eu ter
mudado tanto de cidade. Não gosto de ser previsível. Não gosto de saber o que vai acontecer no dia
seguinte. E tenho certeza de que isso tem tudo a ver com o fato de eu ter crescido em uma casa onde a
rotina era tudo, onde todos os meus segundos precisavam ser explicados e planejados nos mínimos
detalhes. Meu pai sempre viveu de acordo com normas e regras, então acho que faz sentido eu ter
resolvido, assim que consegui, jamais ter um plano de vida. Sempre fiquei feliz de ir aonde a vida
me levasse. Mas, agora, isso mudou. Me sinto enraizada aqui. Sinto que posso acordar todos os dias
nas montanhas, com esse ar fresco e esse clima maluco, para sempre, sem jamais me cansar.
Também sei que posso ficar olhando para os olhos cor do céu do Rowdy St. James por toda a
eternidade sem encontrar nada de mais belo. Mesmo quando ele me olha como se eu fosse uma
pessoa perigosa e nefasta.
Liguei para a Poppy de novo enquanto comia meu brownie. Deixei uma mensagem xingando a
minha irmã e ameaçando embarcar no próximo voo para Loveless se ela não me ligasse no dia
seguinte. Fui pôr o dinheiro no cofre, que fica no escritório da Cora, e checar se estava tudo trancado
no andar de cima, então vi meu reflexo em um daqueles espelhos malucos que o empreiteiro instalou
por lá, para combinar com o antigo tema de parque de diversões do estúdio.
Era um espelho que espichava as pessoas, e fiquei parecendo uma girafa. O reflexo também me
mostrou um delineador todo borrado, com manchas pretas embaixo dos olhos, e meu cabelo, que
normalmente é impecável, estava todo despenteado por causa da chuva. Não acreditei que tinha
trabalhado a tarde inteira naquele estado lamentável. Sacudi a cabeça para aquela imagem boba e fui
apagar as luzes. Foi aí que ouvi passos no andar de baixo.
Como só os meninos e a Cora têm as chaves do estúdio, achei que era algum deles e esperei para
ver se a pessoa subiria a escada. Foi isso que aconteceu. Não demorou muito para eu ouvir o cléc
característico de umas certas botas de caubói bem usadas, e meu coração disparou.
Vi o cabelo todo arrumadinho do Rowdy aparecer no alto da escada, e seus olhos claros
pousaram em mim. Ele não sorriu, nem de leve. Não mandou uma das suas tiradas. Só ficou me
encarando e caminhando na minha direção, até ficar bem na minha frente. Como ele é muito mais alto
do que eu, precisei olhar para cima. Pelo jeito, o Rowdy divertido e galanteador está reservado para
qualquer outra mulher que não seja eu. Não sei se gosto disso ou fico ainda mais irritada.
– Oi.
Seus olhos faiscavam, e sua boca estava contorcida em uma careta. Ele ficou apenas me olhando,
sem dizer uma palavra.
Demorou uns cinco minutos para ele resolver abrir a boca:
– O Nash me ligou e pediu para eu passar aqui e ver se você ainda estava. Quer que eu converse
com você sobre a loja.
Levantei a sobrancelha e dei um passo para trás. O Rowdy respirou profundamente e passou o
dedão em uma das suas costeletas impecáveis. Me olhou de cima a baixo e fixou os olhos no meu
rosto, ainda fazendo careta.
– Por que você está desse jeito, toda desarumada? – perguntou.
Bufei e joguei meu cabelo bagunçado para trás do ombro.
– Peguei chuva na hora do almoço e quase derrubei uma pobre coitada na pressa de voltar para
cá. Não acredito que ninguém me falou que passei o dia parecendo uma ratazana afogada.
Revirei os olhos e ia dar mais alguns passos para trás, mas o Rowdy segurou meu pulso e me
puxou para perto dele.
Fiquei sem ar, meu coração quase saiu pela boca e foi parar nos pés dele, porque o Rowdy
passou o dedão embaixo do meu olho, onde meu delineador tinha ido parar.
– Já vi essa cena. Lembro da primeira vez em que você passou a maquiagem de uma amiga no
colégio, escondida, e depois não conseguia mais tirar.
Ele fez a mesma coisa no outro olho e tive que me controlar para não soltar um suspiro de
desespero, porque eu mal conseguia enxergar de tanta falta de ar.
– Você não sabia que era uma maquiagem à prova de água e passou uma hora tentando limpar o
rosto com a mangueira do quintal porque, se seu pai te pegasse, ia ficar muito puto. Você parecia um
guaxinim molhado.
Eu me lembrava desse episódio tão bem quanto ele, mas não conseguia pensar direito, porque o
Rowdy começou a passar o dedão na minha bochecha e a olhar para o piercing de rubi que tenho em
cima do lábio.
– Você correu até a sua casa e perguntou para a Maria o que fazer. Ela te mandou voltar com
azeite de oliva e me salvou da enrascada – falei, dando um sorriso amarelo. – Logo depois, comecei
a usar o máximo de maquiagem que conseguia enfiar na cara só para irritar meu pai. Acho que acabei
mantendo alguns hábitos daquela época.
O Rowdy respirou fundo, seu peito tremeu de leve, e seus olhos azuis da cor do céu escureceram.
Ele abriu a boca, como se fosse dizer alguma coisa, mas mudou de ideia. Soltou meu pulso, como se
sua mão estivesse queimando, e deu um passo para trás. Não me dei ao trabalho de disfarçar a
decepção que senti quando ele se afastou de mim.
– Então, me fala da loja.
Soltei um suspiro. Mas, se ele queria falar de negócios, era isso que eu ia fazer. A cavalo dado
não se olha os dentes. Pelo menos ele estava conversando comigo.
Falei das ideias que tinha dado para o Nash. Contei que realmente achava que os clientes iam
amar a oportunidade de representar não só o estúdio, mas seus tatuadores preferidos, e fiquei feliz
quando o Rowdy concordou comigo. Ele falou que, além de roupas, tinha pensado em vender
gravuras e impressões digitais limitadas. Preciso admitir que fiquei impressionada com seu espírito
empreendedor. Para mim, o Rowdy sempre foi muito mais do que um atleta de rostinho bonito. Gostei
de ver que ele não havia abandonado essas qualidades depois de adulto.
Ficamos trocando ideias por uns vinte minutos, e falei que a responsabilidade de cobrar os
desenhos do Rule e do Nash era dele, que os conhecia bem melhor do que eu. O Rowdy concordou
na mesma hora e, então, veio um silêncio constrangedor. Era hora de ir embora. Ele falou que me
entregaria alguma coisa até o fim da próxima semana, e balancei a cabeça. Nos viramos em direções
opostas: ele para a escada, e eu, para o interruptor de luz. De repente, o Rowdy me chamou, com um
tom estranho:
– Salem...
Virei para trás e levantei a sobrancelha ao ver seu olhar penetrante:
– Sim?
Ele veio andando na minha direção, aquelas botas fazendo barulho em contato com o chão de
madeira. Sua boca estava tensa, seus olhos faiscavam como duas chamas azuladas.
– O que é isso?
Ele chegou bem perto de mim e só parou quando seu peito estava quase grudado nas minhas
costas. Para alguém que tinha me evitado por semanas e não parecia nem um pouco feliz de estar no
mesmo ambiente que eu, até que ele estava encarando bem a oportunidade de pôr as mãos em mim.
O Rowdy segurou meu cabelo comprido e o levantou, tirando-o de cima dos meus ombros e
pescoço.
Tenho um campo de tremoços azuis, a flor-símbolo do Texas, tatuado de um ombro ao outro. No
meio das flores, tem alguns pardaizinhos. É uma tatuagem grande, bonita e chamativa, que tem um
lugar especial no meu corpo e no meu coração. As flores e os pássaros são tão realistas que mais
parecem uma foto, e não um desenho feito na pele de alguém. Foi a primeira tatuagem que fiz, e ela
resistiu ao teste do tempo. Costuma ficar escondida embaixo do meu cabelo ou da roupa. Mas a blusa
que eu estava usando a deixou completamente à mostra. E não foi por acaso que o Rowdy ficou
olhando para o desenho como se ele fosse saltar da minha pele e enchê-lo de lembranças.
– Fiz essa logo depois que saí de Loveless – respondi, com a voz meio trêmula.
Queria ter passado um ar de confiança, mas não consegui. As flores são do mesmo tom de azul
que enxerguei no olhar de mágoa dele no dia em que fui embora.
– Eu que fiz esse desenho para você – disse, com um tom de raiva e ressentimento, e não posso
culpá-lo por se sentir assim.
– Eu sei, Rowdy. Eu posso ter abandonado o Texas, mas jamais tive a intenção de abandonar você
ou a Poppy.
Ele passou os dedos pelo campo florido e falou, mais para si mesmo do que para mim:
– Você nunca estranhou o fato de eu gostar de desenhar. Todo mundo falava para eu me concentrar
no futebol americano. Todo mundo falava que eu ia ser jogador profissional e que não devia perder
tempo estudando nem me metendo com arte. Mas você sempre me disse para eu fazer o que tinha
vontade. Foi a única pessoa que me falou que não tinha problema nenhum em eu ser bom em mais de
uma área. Fiz esse desenho de presente de aniversário quando você fez 16 anos.
Meu coração ia pular pela boca, e eu ia pular em cima do Rowdy se ele não parasse logo de me
acariciar daquele jeito. Soltei um suspiro profundo.
– Foi lindo. O gesto e o desenho. Você sempre foi extremamente talentoso, e sempre achei que sua
arte devia ser exibida por aí. Nunca esqueci de você, Rowdy. Sempre te levei comigo aonde quer
que eu fosse.
Ele disse meu nome de novo só que, desta vez, parecia confuso e perdido. Segurou meus ombros,
me virou de frente para ele, e eu soltei um suspiro de surpresa. Antes de eu conseguir entender o que
estava acontecendo, o Rowdy foi me empurrando na direção do espelho. Meus ombros encostaram no
vidro frio, e suspirei de novo, uma grande vantagem para ele que, de repente, baixou a cabeça e me
beijou.
Meu cérebro até podia não saber como reagir à mudança repentina de atitude do Rowdy, mas meu
corpo não teve nenhum problema. Arqueei as costas. Passei os braços pelo pescoço dele. Meus
mamilos intumesceram, e a minha boca fez de tudo para se grudar na dele para sempre. Enrosquei a
língua na do Rowdy, ele deslizou as mãos até minha cintura e me levantou, para eu ficar mais ou
menos da sua altura impressionante. Soltei um gemido. Ainda bem que costumo usar saltos
ridiculamente altos, senão seria impossível alinhar nossas partes do corpo mais interessantes.
Não foi um beijo doce. Não foi um beijo delicado. Tinha gosto de passado e de ressentimento.
Senti que ele estava perseguindo fantasmas, porque mordiscou meu lábio inferior com um pouco mais
de força do que deveria. Só que nada disso tinha importância, porque era o Rowdy e, para mim, ele
representa tudo o que já tive de bom, toda a felicidade que já encontrei nessa vida.
Suas mãos foram um pouco ávidas demais, sua respiração estava um pouco rápida demais.
Quando me encostei ainda mais em seu corpo, senti seu coração bater em um ritmo rápido e
descompassado. Eu estava tentando subir naquele sujeito, entrar nele e, bem quando consegui apoiar
as mãos na sua nuca, quase o puxando mais para perto, meu celular resolveu tocar no bolso de trás do
meu short.
Era o Carl Perkins cantando “Honey don’t”. Adoraria ter ignorado a chamada e continuado a
beijar aquele garoto, que eu sempre quis beijar e cujo único beijo que havia conseguida dar nele fora
de despedida. Mas não pude fazer isso, porque era minha irmã, finalmente, retornando minhas
ligações.
Pus os pés no chão e soltei o pescoço do Rowdy. Tirei o telefone do bolso e passei o dedo na tela
para atender a chamada.
– Poppy?
Assim que pronunciei o nome da minha irmã, o comportamento do Rowdy mudou. Seus belos
olhos ficaram enevoados, mais escuros, e ele se afastou de mim ostensivamente. Sem dizer uma
palavra, girou nos calcanhares e foi para a escada. Não disse “tchau”, não olhou para trás. Nem
parecia que, há poucos segundos, estávamos nos beijando de modo tão intenso. Ele simplesmente
desapareceu, me deixando toda desconfiada, com muito mais perguntas na cabeça do que eu tinha
antes. Malditos sejam ele e o passado que estava virando um obstáculo para eu chegar aonde queria.
CAPÍTULO 5
Rowdy
ACORDEI NA MANHÃ SEGUINTE ASSUSTADO e deixei o bloco cair no chão. Comecei a tatear para ver se
encontrava meu celular: não sabia onde o aparelho tinha ido parar depois do desastre da noite
anterior. Ele estava no balcão da cozinha, ao lado de uma tigela de cereal que eu havia enchido mas,
obviamente, não tinha comido. O número do Marcados estava piscando, e as guitarras pesadas e
psicodélicas da banda The Cramps martelavam na minha cabeça confusa.
– Alô? – respondi.
Pela minha voz, parecia que tinha fumado dez pacotes de cigarro sozinho.
– Rowdy? – a voz da Salem parecia preocupada e, sem perceber, me encolhi todo.
– Sou eu. Que foi?
Pus um pouco de leite na tigela de cereal e dei uma colherada.
– Você tem noção que já é mais de meio-dia? Seu primeiro cliente está esperando há meia hora.
– Caralho.
Joguei a tigela na pia, passei a mão pelo rosto e completei:
– Não, não tenho noção. Dá para você remarcar e dar um desconto pelo inconveniente? Chego aí
daqui a pouco.
Precisava limpar todo aquele licor de ervas do meu corpo e ir lá no Bar pegar meu carro. Não ia
ser tão rápido assim, mas a Salem não precisava saber disso.
– Você está bem? – ela perguntou, parecendo preocupada de novo, e o meu pau se manifestou só
de ouvir aquela voz.
– Enchi a cara ontem e apaguei no sofá. Estou bem, só meio irritado comigo mesmo.
– Ok. Pode deixar que eu falo com o cliente.
O tom da voz dela mudou de preocupado para levemente decepcionado, e senti uma pontada no
estômago. Não importa o que está acontecendo entre nós nem o que essa mulher está fazendo com a
minha cabeça. Seja lá o que for, preciso ser profissional com ela lá no estúdio. Devo isso aos
rapazes, aos meus clientes e até à Salem.
– Obrigado. Também vou ligar para ele e pedir desculpas. Vou ter uns desenhos para te entregar
no domingo. Se você quiser, podemos nos encontrar.
Ela fez um barulho estranho e baixou o telefone para falar com alguém lá no estúdio.
– Ótimo. Você pode deixá-los na minha casa quando terminar. Ou me mandar por e-mail. Vou ter
que ficar em casa domingo e segunda.
Me deu vontade de perguntar por que e, no mesmo instante, pensei que a Salem não passaria
aqueles dois dias sozinha. Me deu vontade de socar minha própria cara, porque aquilo não era da
minha conta. Falei que passaria na casa dela, e ela disse que ia me mandar um torpedo com o
endereço.
Desliguei e deixei a cabeça tombar para a frente. Estava completamente atordoado e precisava
dar um jeito naquilo. Ao olhar para o bloco de desenho, não me ajudou em nada ver a imagem
daquela mulher de quem que passei a noite inteira tentando fugir, me afogando no álcool.
Estava tudo ali: seus olhos negros, os cachos intermináveis de cabelo cor de ébano, sua boquinha
perfeita, com aquela joia que pisca para mim, o sorriso sugestivo e tudo. Mais do que isso: o
conhecimento de todos os meus segredos estava ali, naquele desenho mal feito. Mesmo no meio de
um porre tão grande, e eu nem me lembrava de como tinha voltado para casa, aquela mulher
dominava meus pensamentos, e eu não sabia como lidar com ela e com a dor que ela me causou.
Peguei o bloco do chão e o atirei no sofá, enojado. Essa situação está fugindo do meu controle e
preciso fazer alguma coisa logo.
Tomei um banho tão quente que fiquei todo vermelho e me vesti correndo. Saí de casa em menos
de vinte minutos. Meu próximo cliente estava marcado para uma e meia, e eu não queria decepcionar
mais ninguém. Odeio me sentir assim.
O trabalho foi um pesadelo. Normalmente, pego no pé de todo mundo, sempre tenho uma resposta
pronta. Mas não tive como disfarçar minha cara de bosta, de ressaca, e agi que nem um urso com a
pata machucada. O Rule e o Nash passaram o dia me sacaneando sem dó. Tentei levar na boa e atendi
todos os meus clientes sem grandes incidentes. Esperava encontrar a Salem ao chegar, mas ela tinha
ido para o estúdio do Ba-Tro logo após me ligar. Ou seja: além de estar com a pior ressaca da minha
vida, ainda me senti insatisfeito e decepcionado.
O Nash queria que eu fosse jantar com ele, porque a Saint ia dar plantão à noite no Pronto-
Socorro, e o Rule já tinha ido embora. O Rule sempre vai correndo para casa depois do trabalho, e
acho que o Nash estava meio chateado. Os dois eram muito amigos e, agora, com todos esses lances
do trabalho e a vida feliz de casados, quase nunca saíam para se divertir só os dois.
Precisei recusar o convite, porque tinha que fazer os desenhos para a loja. Queria provar para a
Salem que eu não era o imbecil dos últimos dias. O Nash entendeu e disse que ia me entregar uns
desenhos também, dali a algumas semanas.
Fiz um navio pirata. Uma sereia igualzinha à que tatuei no Rule alguns anos atrás. Desenhei uma
cigana e tive que me segurar para não jogar o desenho no lixo quando percebi como estava parecido
com os rabiscos da noite anterior, quando enchi a cara. Todas as imagens eram ousadas e chamativas.
Tatuagens estilo old school descoladas o suficiente para atrair os consumidores que não fazem parte
desse mundo. Gostei tanto de todos os desenhos que não quis esperar até o dia seguinte para mostrá-
los à Salem. Nem me importei de ser quase onze da noite e de a garota poder me achar um louco.
Mandei um torpedo perguntando se podia passar na casa dela. Poderia ter mandado fotos pelo celular
mesmo, mas não quis. Queria mostrar os desenhos pessoalmente.
Não me sentia assim, todo animado, cheio de expectativa, com arrepios na espinha, desde a
última vez em que fiz um desenho para a Salem. Eu tinha 14 anos, e ela, 17. Seu pai havia lhe
proibido de ir ao baile de formatura porque, como sempre, a garota tinha infringindo alguma das suas
regras infinitas. Ela estava tão triste porque o capitão do time de futebol americano a tinha chamado
para ser seu par. Era para ser o encontro dos sonhos dela. Mas, em vez disso, a garota passou a noite
trancada no quarto, chorando e xingando o pai. Como eu vivia na casa dela, passava mais tempo lá
do que na minha, acabei subindo até o seu quarto. Ela estava chorando na cama, e tentei consolá-la.
Tudo bem, eu era só um adolescente desajeitado e não podia fazer muita coisa. Mas quando a Salem
me contou como estava triste porque jamais teria uma foto do baile, uma imagem bonita do evento e
dos tempos do colégio, porque seu pai tinha estragado tudo mais uma vez, me dei conta de que havia
pelo menos uma coisa que eu podia fazer.
Conhecia o rosto da Salem tão bem quanto o meu e levei apenas cinco minutos para desenhá-la,
com um vestido de princesa que ela jamais usaria. O capitão do time de futebol americano foi mais
difícil. Naquela época, eu estava na liga dos juniores, só sabia mais ou menos como ele era, então o
jeito foi desenhá-lo de uniforme. E foi assim que desenhei uma foto do baile, com a Salem toda linda
e perfeita, de braço dado com um atleta de camiseta de futebol americano, segurando um capacete
embaixo do braço.
Ao lhe entregar o papel, ela parou de chorar na mesma hora. E começou a dar risada. No início,
achei que ela estivesse rindo de mim, mas aí ela pulou da cama e meio que me agarrou no chão.
Falou que o desenho era melhor do que qualquer foto do baile, e ainda lembro de como me senti
orgulhoso por ter conseguido animá-la.
Também lembro que a Poppy apareceu no quarto para ver que bagunça era aquela e olhou feio
para nós dois ao ver a Salem esparramada em cima de mim. Não dei bola, apesar de estar
apaixonado pela Poppy. Queria deixar a Salem feliz. Ela sempre fazia de tudo para que eu me
sentisse bem-vindo, para que eu me sentisse valorizado. Não ia deixar que me julgassem por
retribuir.
O apartamento que a Salem alugou era bem no coração do bairro de Capitol Hill, não muito longe
do Marcados e da casa do Nash, algumas quadras mais para cima. Encontrei seu nome no interfone e
toquei. Ela não atendeu e, mais uma vez, fiquei me perguntando se ela estaria sozinha. Quando toquei
de novo, segurei o botão até o barulho me irritar e dei um pulo para trás quando a Salem apareceu na
minha frente. Ela abriu a porta pesada, e precisei dar um passo para o lado, porque uma bolinha de
pelo preto cheia de energia passou por mim. A garota correu atrás do cachorrinho, e eu fiquei lá
parado, olhando para os dois feito um imbecil.
– Jimbo! Jimbo! Vem cá! – ela gritou, só que o filhotinho de labrador preto a ignorou, todo feliz, e
ficou andando pelo quintal.
O cabelo da Salem estava preso no alto da cabeça, ela usava óculos pretos e o mesmo short
daquela noite em que tivemos um momento mais íntimo lá no estúdio. A diferença era a regata
branca, grudada em todas as suas curvas e deixando ver que ela não usava sutiã.
Preciso admitir que, quanto mais a vejo sem as roupas caprichadas e a maquiagem perfeita
costumeira, mais me sinto atraído por ela. Aquela Salem me faz lembrar da garota que me encheu de
esperança. A outra Salem me deixa de pau duro e com a cabeça confusa. E eu me sinto
irremediavelmente atraído pelas duas.
O cachorro veio direto na minha direção, e abaixei para fazer carinho em seu corpinho peludo. O
bichinho lambeu minha cara toda e ficou balançando o rabo sem parar. A Salem correu para a entrada
do prédio e se inclinou um pouco, tentando recuperar o fôlego.
– Cachorro imbecil – disse.
A bolinha de pelo se virou ao ouvir a voz dela e tentou se soltar de mim para correr até sua linda
dona.
– Você tem um cachorro? – perguntei, entregando o animal para ela, que o segurou junto ao peito.
O bichinho atacou seu rosto com amor.
– Tenho. Nunca morei muito tempo no mesmo lugar para me ligar em animal de estimação. Mas
minha vizinha falou que o namorado estava tentando se livrar de uma ninhada inesperada e, quando vi
essa carinha boba, não consegui resistir – respondeu.
Então foi até a porta, virou para trás e completou:
– É por causa dele que preciso ficar em casa no fim de semana. O Jimbo ainda não se acostumou
a ficar sozinho por muito tempo.
Levantei a sobrancelha e entrei no prédio atrás dela. Não conseguia tirar os olhos do rebolar de
seu traseiro cheio de curvas nem das suas pernas compridas e à mostra.
– Jimbo?
O nome combinava com o cachorro, que era grande e meio pateta.
– É, Jimbo. Por que não?
Por que não mesmo? Ela entrou no apartamento, pôs o cachorrinho no chão e olhou para mim. Vi
meu reflexo na lente dos seus óculos, e a Salem me observou com atenção.
– Não dava para esperar até o fim de semana, Rowdy?
A Salem estava de pés descalços, e notei suas unhas pintadas de vermelho escuro. Mesmo toda
desarrumada e coberta de baba de cachorro, essa mulher mexe comigo. Não respondi. A garota
soltou um suspiro e foi até a cozinha. Me ofereceu um lenço umedecido, que usei para limpar a baba
do cachorro, e ela fez a mesma coisa.
Só vamos conseguir trabalhar juntos e nos livrar do passado se eu for cem por cento sincero com
essa mulher. Já está na hora de eu contar como as lembranças que tenho dela, boas e más, ainda me
perturbam.
Resolvi falar, com a voz meio rouca, com tom de passado:
– Estava louco para te mostrar os desenhos. Quando eles ficaram prontos, me senti do mesmo
jeito que me sentia quando desenhava na época do colégio. Adorava fazer desenhos para você.
Ninguém dava a mínima, mas você sempre curtia. E dizia para eu continuar, se era disso que eu
gostava. Acho que não teria virado artista se não fosse por você, Salem.
Ela cruzou os braços. Levantei a sobrancelha e completei:
– Obrigado.
– Ah, Rowdy – ela falou, sacudindo a cabeça. – O mérito é todo seu. Você sempre foi incrível. É
uma pena você não ter tido um monte de gente à sua volta te dizendo isso quando era criança.
– Não mesmo. Só tinha você.
Cheguei mais perto, até o balcão da cozinha ser a única coisa a nos separar, e continuei:
– Desde que te vi lá no estúdio, sinto que você e o passado estão me perseguindo, Salem.
A garota não respondeu, mas vi que seu rosto ficou vermelho.
– O que você vai fazer se eu resolver deixar você me pegar?
Sou muito rápido, mas a Salem tem razão: fora do campo de futebol, dou umas tropeçadas. No
entanto, pela primeira vez em muito tempo, me sentia com os pés firmes no chão e, de repente, me
deu vontade de ir direto até aquela mulher.
CAPÍTULO 6
Salem
OQUE VOU FAZER QUANDO PEGAR O ROWDY? Essa é fácil. Vou despi-lo, física e emocionalmente. E,
depois, nunca mais vou me separar dele. Mas acho que ele não estava preparado para tanta
sinceridade quando falei:
– Vou descobrir por que você está fugindo de mim.
Inclinei a cabeça para o lado e perguntei, sem rodeios:
– Você ainda ama a minha irmã, Rowdy? Preciso saber dessa história.
Depois da reação que ele teve no dia em que a Poppy me ligou, essa ideia não saía da minha
cabeça e não parava de me incomodar. Sei que o Rowdy gosta muito dela e que, como sempre, minha
irmã acredita que as decisões do meu pai são as dela. O que não sei é se o Rowdy ainda gosta da
Poppy, se ainda sofre por algo que nunca vai acontecer. Me parece pouco provável que aquela
paixonite de adolescente ainda exista, depois de tanto tempo. Mas, se esse é o caso, não importa
quanto eu deseje esse homem nem a ligação maravilhosa que, com certeza, existe entre nós. Não vou
lutar contra essas lembranças nem contra o fantasma da minha irmã, de jeito nenhum. Tenho meu
orgulho, sei do meu valor, e não vou fazer isso. Não vou competir com o primeiro amor ideal do
Rowdy. Não quando esse amor é uma pessoa bem viva que faz parte da minha vida.
Tentei arrancar uma explicação da Poppy outro dia, mas ela desconversou e mudou de assunto,
como se isso não tivesse a menor importância. Alguma coisa está acontecendo com a minha irmã. Ela
falou que estava ocupada, que não podia conversar e desligou logo. A Poppy não costuma fazer isso,
então fiquei ainda mais preocupada com ela.
Vi o Rowdy colocar os papéis que estava segurando em cima do balcão e dar a volta no móvel
até onde eu estava. Ele só parou quando ficou bem na minha frente e pôs uma mão em cada lado do
meu quadril. Minha reação automática foi ficar toda tensa. Ele baixou a cabeça, para me olhar nos
olhos. Juro que eu poderia me afogar naquele oceano azul para sempre. Seu cabelo loiro parecia
mais claro do que o normal, sem o monte de coisas que ele passa para fazer o topete. Com o cabelo
caído na testa, o Rowdy parecia aquele menininho que me fazia tão feliz naqueles anos que não
voltam mais. Meus dedos ficaram coçando de vontade de tirar a franja da testa dele, de tocá-lo de
todas as maneiras que ele me permitisse.
O Rowdy se aproximou um pouco mais, e o ar que soltou fez a mecha de cabelo vermelho que
estava na minha testa balançar.
– Pedi a Poppy em casamento. Eu tinha 18 anos, tinha o mundo aos meus pés, e minha carreira de
jogador profissional estava praticamente garantida. Prometi dar tudo o que ela quisesse. E ela falou
que me via como irmão. Sua irmã me olhou bem nos olhos e disse que eu poderia fazer de tudo, mas
jamais seria o suficiente. Disse que seus pais nunca aprovariam o casamento, porque sabiam de onde
eu vinha e que eu não era homem para ela.
Senti seu peito se expandir e sua respiração acelerar. Sombras escureceram seu olhar sensual.
Seus lábios tocaram minha pele, bem em cima da sobrancelha. Não sei como meus óculos não
ficaram embaçados com tanto calor. Mas, apesar de ficar excitada, também senti que meu coração,
até então cheio de esperança, tinha virado pedra.
O Rowdy pediu a Poppy em casamento? Era a primeira vez que eu ouvia isso, e meu mundo caiu.
Os dois eram tão jovens. Sempre achei que era só um amor de adolescência mas, pelo jeito, os
sentimentos que ele tinha pela minha irmã mais nova eram muito mais complexos do que eu me
lembrava ou acreditava.
– Você pediu a Poppy em casamento? – perguntei.
Minha vontade era de empurrar o Rowdy para longe de mim. Queria pegar meu cachorrinho fofo
e sair correndo até encontrar um lugar e um tempo onde o Rowdy St. James existisse apenas na minha
memória, onde essa informação não martelasse no meu peito.
– Pedi. E a Poppy não apenas recusou, mas estraçalhou tudo o que eu achava que sabia sobre o
amor. Meu coração ficou partido em pedaços tão minúsculos que nem me dei ao trabalho de juntar os
cacos. Então, Salem, a resposta é “não”. Não amo mais a Poppy. Sua irmã acabou comigo, e nunca
mais tentei amar ninguém.
Não consegui aguentar. Pus as mãos bem no meio do seu peito e o empurrei. Queria fugir. Parecia
que aquelas palavras haviam enjaulado todos os sonhos grandiosos que alimentei desde que saí de
Las Vegas.
– Minha irmã nunca me contou isso. Conversávamos o tempo todo naquela época, e ela sequer
mencionou que a tinha pedido em casamento!
A fantasia que eu tinha criado de mostrar ao Rowdy que agora temos muita coisa em comum virou
fumaça diante dos meus olhos. Parecia que eu tinha sofrido um ataque-surpresa e tinha ficado parada
na linha de defesa feito uma boba, deixando ele correr livre com a bola e marcar pontos. Jamais teria
vindo para cá, jamais teria me permitido ficar tão à vontade se soubesse como são fortes os laços
que o prendem ao passado.
Virei, olhei feio para o Rowdy e estava decidida a mandá-lo embora. Mas não consegui porque
ele tinha vindo atrás de mim e estava bem perto de novo. Ele me segurou pelos ombros, e tive que
ficar na ponta dos pés.
– Foi você que começou, Salem. E não tem o direito de fugir por não ter gostado do que viu ao
acender a luz em cima das trevas do passado.
– Por que a Poppy nunca me falou nada? – sussurrei, sem conseguir parar de olhar para o azul
faiscante dos seus olhos.
Meus dedos ficaram coçando de vontade de tirar aquela mecha loira da sua testa. Ou, quem sabe,
de dar um tapa naquele rostinho lindo.
– Isso quem tem que te contar é a sua irmã.
– Foi por isso que você largou a faculdade e parou de jogar? Minha irmã te deu o fora, e você
fugiu de tudo?
O Rowdy ficou sacudindo a cabeça bem devagar e me puxou ainda mais para perto, até meu peito
ficar grudado no dele. Na mesma hora me arrependi de estar sem sutiã, porque meus mamilos ficaram
durinhos só de encostar no seu corpo quente e musculoso. Apertei seus braços fortes, e ele continuou
falando:
– Nunca quis ser jogador profissional. Sempre quis desenhar, pintar. Queria ter um trabalho
criativo, que tivesse a ver com arte. Sempre quis estudar para melhorar como artista, mas não sabia
como fazer isso e tentar conquistar a Poppy ao mesmo tempo. Achei que, ao sair debaixo da asa do
seu pai, ela enxergaria quem realmente sou. Que me veria de verdade e perceberia que, apesar das
circunstâncias que fizeram nossos destinos se cruzarem, eu era alguém de valor.
Aí sua boca fez uma careta, e ele baixou ainda mais a cabeça, até nossas testas se tocarem.
– Mas isso nunca foi uma possibilidade. A Poppy conheceu um sujeito no primeiro dia da
faculdade. Um rapaz apropriado, bem-nascido, vindo da tradição certa, que ela poderia apresentar
para o seu pai. Eu o odiei desde a primeira vez que o vi.
O Rowdy soltou um dos meus braços e tirou meus óculos. Fiquei com a visão meio embaçada e
pisquei algumas vezes. Em seguida, ele resolveu passar o dedão na minha sobrancelha. Pensei que
fosse derreter e virar uma poça bem nos seus pés.
– Enchi o cara de porrada. Quebrei umas costelas dele, fodi o seu nariz e o larguei no chão,
ensanguentado e desesperado. Só que, por acaso, ele era o quarterback titular, e tudo isso aconteceu
algumas semanas antes de um jogo muito importante.
Soltei um suspiro de surpresa, e o Rowdy sorriu. Não tinha percebido que ele havia me
empurrado esse tempo todo e que eu estava prensada contra o balcão da cozinha. Ele me levantou,
me sentou em cima do móvel e ficou todo à vontade entre as minhas pernas.
– A faculdade abafou o caso porque o rapaz ia ser convocado, e não queriam que ele perdesse a
autoridade sobre o resto do time ao admitir ter levado uma surra de um calouro. Perdi minha bolsa de
estudos e fui banido das ligas universitárias por alguns anos. Para mim, foi como ter saído de uma
prisão. Não queria morar no Alabama. Não queria ver a sua irmã nunca mais. E nunca gostei muito
de jogar futebol americano mesmo. Eu me sentia forçado a fazer tudo aquilo e já estava de saco
cheio.
Eu ainda estava tentando processar o fato de o Rowdy ter pedido minha irmã em casamento, e ele
me conta que tinha tentado matar o namorado dela com as próprias mãos. Nada disso deveria ter me
dado tesão. Nada disso deveria ter me feito achar que não tinha nenhum problema ele ficar passando
a mão nas minhas coxas, por dentro da bainha do meu short. Eu estava com as pernas em volta dos
seus quadris esbeltos e, mesmo com todas aquelas revelações, não tinha a menor vontade de pedir
para ele parar.
– Você bateu em um rapaz só porque ele estava saindo com a Poppy? Ficou com tanto ciúme
assim?
Isso não parecia verdade, porque a Poppy saiu com um monte de caras na faculdade, e o Rowdy
nunca se incomodou. Eu não estava conseguindo pensar direito, com as mãos dele na minha bunda,
me puxando mais para a beirada do balcão. Não pude deixar de perceber que toda aquela
proximidade também estava surtindo efeitos no corpo dele. Não dava para não notar o volume na
frente das suas calças, e tive vontade de me esfregar ali. Fiquei me sentindo safada e meio errada,
agora que sabia o que tinha acontecido entre o Rowdy e a Poppy durante a minha ausência.
– Isso eu também não posso contar. Bati porque ele era um tremendo de um cuzão. Nunca gostei
dele. Moleques desse tipo é que me faziam ter certeza de que o futebol americano profissional não
era a minha praia. Fiquei com ciúme porque a Poppy gostava dele e não de mim, mas isso não teve
nada a ver com a surra que dei nele. Pronto, Salem. Agora você já sabe: fico fugindo o tempo todo
porque essas lembranças são dolorosas e já sofri demais nessa vida.
O Rowdy tirou uma mão da minha bunda e começou a acariciar a parte de dentro da minha coxa,
bem onde nossas partes íntimas estavam se encostando. Soltei outro suspiro e segurei seus ombros.
Ele começou a passar os nós dos dedos na bainha da minha calcinha, e engoli em seco, não consegui
evitar. Precisava pedir para ele parar, mas não conseguia encontrar as palavras certas.
– É por isso que você está fugindo do passado. Mas por que está fugindo de mim? – perguntei,
com a voz rouca de tesão.
Eu devia criar vergonha na cara, mas estava tão gostoso, e os olhos do Rowdy são tão azuis, tão
cristalinos, que não conseguia parar de olhar.
Ele deu uma risadinha, que senti no meu próprio corpo. Seus dedos estavam ficando mais
ousados, e meu desejo de controlá-lo, de controlar aquela situação, foi desaparecendo.
– Você sempre enxergou quem eu sou de verdade, Salem. Você me entendeu quando eu mesmo não
me entendia. Era minha melhor amiga, mas aí foi embora. Não posso gostar de alguém, me
comprometer com alguém, que essa pessoa vai acabar me abandonando.
O Rowdy estava com a respiração pesada, e eu não consegui mais me controlar: finalmente pus a
mão naquela mecha de cabelo rebelde caída em seus olhos. As próximas palavras que ele pronunciou
me deram uma dor no coração.
– Não depois do que aconteceu com a minha mãe.
Eu estava prestes a pedir desculpas. Nunca tive a intenção de simplesmente sumir da vida dele.
Mas eu era tão nova e estava, enfim, livre das rédeas que meu pai me colocava. Pirei um pouco e
fiquei meio perdida. Preciso que o Rowdy entenda que ele era meu melhor amigo também. Queria lhe
dizer que ele era minha única lembrança boa da infância, mas ele tirou a boca da minha testa,
pousou-a nos meus lábios e ali permaneceu.
Não me beijou, não me forçou, não me provocou com a língua. Só continuou com os lábios
encostados nos meus, e ficamos ali, abraçados em silêncio, com uma grande tensão entre a gente. Me
senti presa. Como se estivesse no meio de um filme em câmera lenta em que cada toque, cada
movimento dele, tivesse a intenção de me torturar longamente. Seus dedos talentosos brincavam bem
perto da divisa entre minha pele e o tecido, por baixo da minha roupa, e não estavam mais na parte
interna da minha coxa, mas em lugares muito mais escondidos, quentes e úmidos. Lugares que
estavam começando a ficar tensos de tanto tesão.
– E você, Salem? Também me vê como irmão?
Senti suas palavras roçarem nos meus lábios mais do que as ouvi. Sacudi a cabeça de leve e
enrosquei os dedos nas veias de seu pescoço.
– Não. Eu te achava um menino lindo e triste, depois um adolescente inteligente e talentoso.
Soltei um gritinho de surpresa ao perceber que não havia mais tecido nenhum entre seus dedos
ávidos e meus músculos desejosos e úmidos.
– E agora acho que você é um homem maravilhoso e complicado, mas nunca tive sentimentos
fraternais a seu respeito. Nunca te considerei meu irmão, Rowdy.
Era difícil falar e respirar, porque ele estava me tocando, me acariciando por dentro. Então ele
me beijou ardentemente. Como é que uma mulher pode pensar direito numa hora dessas, se quem
estava fazendo tudo aquilo era o Rowdy? Justo o Rowdy, a única luz da minha infância tenebrosa.
– Fala que você veio para Denver por minha causa – ele disse, com a voz grave.
Quase senti a intensidade do seu olhar, porque ele me mudou de posição para conseguir enfiar os
dedos ainda mais fundo e brincar com mais força nas minhas partes femininas mais sensíveis.
Não queria confessar isso para o Rowdy. Mesmo que fosse verdade.
Então ele me beijou. Me beijou de verdade. Os lábios e a língua se movendo desenfreados
enquanto o dedão pousou no meu clitóris e o pressionou com tanta força que meu corpo sacudiu.
Também o beijei, porque não tinha saída, fiquei lá e deixei o Rowdy brincar com o meu corpo,
porque não tinha forças para fazê-lo parar. Não tinha mesmo. Ele girou os dedos dentro de mim, no
lugar certo, e continuou devorando minha boca.
Aí se afastou um pouco e me beijou com vontade, me mordendo. Depois voltou a se aproximar,
aumentando a pressão da mão, e tocou a ponta da língua bem no meio do meu lábio superior. Em
seguida, deu um beijinho de leve no piercing de rubi que tenho perto da boca. Meu corpo tremeu, e
enfiei as unhas no seu pescoço. Soltei um grito e arqueei as costas quando o Rowdy encontrou aquele
ponto perfeito, aquele lugar mágico dentro de mim que poucos homens com quem transei
encontraram. Ele me deu um sorriso, e só vi um clarão branco que logo desapareceu, porque ele
enfiou o rosto na curva do meu pescoço e começou a beijar e a chupar os músculos tensos da região.
– Fala, Salem. Fala que você veio pra cá por minha causa.
Eu estava muito perto de gozar, sentia prazer e algo mais ardendo em todas as minhas terminações
nervosas. Estava me contorcendo nas suas mãos, meu corpo se dobrava e estremecia junto ao dele, e
tinha certeza de que iria atingir o orgasmo ao mais leve toque. Meus mamilos estavam durinhos e
doloridos. Minha pele, ultrassensível. Onde quer que o Rowdy me tocava, eu sentia faíscas, isso sem
falar que ele estava com os dedos bem no ponto mais alto do meu desejo.
– Rowdy... – deixei seu nome escapar num gemido contido, porque ele enfiou os dentes no meu
pescoço, na veia que estava pulsando.
Os ruídos que eu fazia denunciavam tudo o que eu estava sentindo por ele, eu tinha chegado ao
clímax, e ele sabia. Senti sua boca urrar junto do meu pescoço, senti seu corpo ficar todo tenso
quando o meu se rendeu e irrompeu em espasmos na ponta dos seus dedos. Não foi apenas algo
gostoso e ardente, aquilo abalou as estruturas do meu ser.
Gosto de sexo, nunca tive vergonha de admitir, mas nunca fui tocada daquele jeito. Jamais um
homem tinha encostado em mim e me feito sentir uma pessoa melhor, como o Rowdy tinha acabado
de fazer. Ele parecia me mostra uma coisa nova, me ensinar algo sobre mim mesma que eu não sabia.
Fiquei extasiada.
O Rowdy se afastou um pouquinho, o suficiente para nos olharmos nos olhos. Tirou a mão de
dentro do meu short e encostou na minha coxa. Nós dois estávamos sem fôlego, apenas nos
encarando. Seus olhos brilhavam, e seu sorriso era cheio de malícia.
– Eu vim pra cá por sua causa – admiti, com a voz esganiçada.
Ele deu uma gargalhada profunda e falou:
– Eu sei. Sempre soube. Mas, mesmo assim, queria ouvir isso da sua boca.
Eu o afastei de mim, fazendo careta, e desci do balcão. Naquela posição, encostada em seu peito
musculoso, meus mamilos, que já estavam excitados, doíam de tanto tesão.
– Tudo bem. Estou aqui em Denver por sua causa. Quando conheci o Phil, anos atrás, contei toda
a minha vida enquanto ele me tatuava. Ele me perguntou de onde eu era, e eu respondi que havia
crescido em Loveless, no Texas. Ele devia saber que tinha rolado muita coisa entre a gente. Foi o
Phil que mexeu os pauzinhos antes de morrer, mas a verdade é que vim morar aqui por sua causa.
O Rowdy ia dizer alguma coisa, mas, bem nessa hora, o meu cachorrinho que, para a minha
surpresa, tinha ficado bem quieto durante o nosso amasso, saiu correndo do meu quarto com um
sapato de salto todo roído na boca. Soltei um suspiro quando o Jimbo apareceu com o seu prêmio e o
soltou em cima da bota do Rowdy com um latido de orgulho.
– Acho que ele quer brincar – resmunguei.
– Também acho – disse o Rowdy, que se abaixou e fez carinho atrás da orelha do bichinho.
Não conseguia tirar os olhos do volume que aparecia na frente das calças dele. Mordi os lábios e
percebi que ele acompanhou meu movimento com o olhar.
Agora que existia um mínimo de distância entre a gente, recuperei a coragem e falei:
– Olha, não faço a menor ideia do porquê você pediu a Poppy em casamento. Tenho um monte de
lembranças de como você era fofo, de como a gente sempre se deu bem, de como você sempre me fez
feliz. Resolvi ir atrás desses sentimentos antigos. Sempre achei que alguma coisa estava faltando na
minha vida, não importava onde eu estivesse, e acabava achando que o que faltava era você. Só que
não tinha parado para pensar... Nunca paro.
Fiquei com os pés descalços no chão, trocando o peso de lado, me sentindo incomodada, e o
Rowdy ficou só me olhando em silêncio.
– Eu quero você, Rowdy. Você é lindo e extremamente talentoso, mas não vou dividir um homem
com a minha irmã. Nenhum homem, jamais.
Será que ele sabe que minha irmã se casou com outro alguns anos depois de tê-lo rejeitado?
Ele levantou uma daquelas sobrancelhas douradas e ficou de pé. Sua altura é impressionante.
– A Poppy não está aqui – falou.
– Não parece. Não sei se vou conseguir engolir o fato de você ter pedido minha irmã em
casamento, Rowdy.
Olhei para meu cachorro, que balançava o rabo no meio da gente e depois sentou com a bunda
bem em cima dos meus pés.
– Sempre achei que tivesse sido só uma paixonite adolescente, não um amor de verdade –
completei.
O Rowdy passou o dedo indicador em uma das costeletas e deu um sorriso maroto. Ele é uma
mistura perigosa do menino que trago na memória e do homem complicado que eu estava começando
a conhecer em um outro nível.
– Não fiz nada de verdade, Salem. Eu amava a Poppy por muitos motivos, mas, pensando bem,
não sei se algum deles fazia muito sentido. O que sei é que, no dia em que te vi no estúdio, quando
você foi contratada para trabalhar lá, foi como bater de cara em uma parede. Fiquei de pau duro só
de te ver, mas foi mais do que isso. Um sentimento despertou no fundo do meu peito. Ainda não sei se
é bom ou ruim, mas sei que isso, sim, parece de verdade. Mais do que qualquer coisa que já senti
pela sua irmã. Sei que não vai ser fácil e divertido, que vai me dar trabalho. E também sei que todos
esses sentimentos me deixam cheio de medo.
Bom, não era uma declaração arrebatadora de amor, não foram palavras que aquietaram minha
apreensão, mas não tinha como negar a reação física, magnética, que causávamos um no outro. Só
preciso de um tempo para a minha cabeça e o meu coração se entenderem, e foi isso que eu disse a
ele.
– Preciso saber como me sinto em relação ao fato de você ter desejado passar o resto da vida
com a minha irmã, Rowdy. Nunca ninguém foi tão importante para mim ao ponto de eu apostar todas
as minhas fichas. Normalmente, eu me canso e parto para outra quando as coisas começam a ficar
difíceis ou complicadas. E isso inclui meus sentimentos. É fácil sair correndo. Ficar já é bem mais
difícil.
Seus olhos escureceram e ficaram com um tom de turquesa indescritível. O Rowdy deu um passo
para trás e disse:
– Já vi meu reflexo no seu retrovisor uma vez, Salem. Não tenho a menor intenção de ver de novo.
Soltei um suspiro e me abaixei para pegar meu cachorro, que choramingava, no colo. Passei o
rosto em seu pelo macio e olhei para o Rowdy por cima da cabeça do Jimbo.
– Não vou a lugar nenhum – garanti.
Ele bufou, se virou e começou a caminhar em direção à porta.
– Só acredito vendo – falou, inclinando a cabeça na direção dos desenhos sobre o balcão. – Dá
uma olhada e me diz o que você acha.
Quando o chamei, ele já tinha aberto a porta. Mas ele olhou para trás, e eu vi tudo o que desejo
nesse homem refletido naquele olhar elétrico e ardente.
– Começamos como amigos. Acho que podemos tentar isso primeiro, assim você tem tempo de
pensar e ver que estou aqui para ficar, e eu posso pensar se consigo engolir a sua história com a
Poppy.
O Rowdy ficou me observando em silêncio por um tempão. Só conseguia ouvir os resmungos do
Jimbo e as batidas fortes do meu coração. Se ele falasse que não, se dissesse que não estava
interessado em reatar a amizade natural que sempre tivemos, eu não saberia o que fazer. Preciso
desse homem na minha vida, mas também preciso de um tempo para conseguir pensar com clareza.
– Tenho muitas amigas, Salem. E não quero tirar a roupa de nenhuma delas, muito menos levá-las
para a cama. Não precisamos tentar ser amigos de novo, porque isso sempre fomos. Nossa amizade
nunca desapareceu, foi você que sumiu. Você que começou esse joguinho de gato e rato. Então,
quando resolver o que quer dessa merda, me avisa, porque esse jogo eu já perdi.
Depois desse comentário contundente, o Rowdy bateu a porta, e fiquei só olhando para ela, sem
saber o que dizer nem o que sentir.
Estou muito bem sozinha. Para ser sincera, prosperei e construí uma vida maravilhosa
completamente sozinha. Não sou uma daquelas mulheres que precisa de homem para se sentir
realizada. Mas, olhando para aquela porta fechada, com meu corpo ainda ardendo e sensível por ter
recebido a atenção do Rowdy, de repente me deu vontade de chamá-lo e pedir para ele ficar. Ele não
estava apenas confundindo meus sentimentos, mas também todos os conceitos que sempre achei que
eram definitivos.
Dei um beijinho no Jimbo e o pus no chão. Peguei meu sapato destruído e fui até o balcão da
cozinha, onde o Rowdy tinha deixado seus desenhos. Espalhei tudo e fiquei olhando abismada. Ele é
realmente muito habilidoso. Os desenhos parecem ser 3-D, tão reais que senti vontade de tocar um
deles para ter certeza de que era apenas uma figura no papel. As pessoas vão enlouquecer quando
isso virar estampas em regatinhas fofas e camisetas divertidas. A cigana vai ficar ótima nas costas de
uma jaqueta de mecânico retrô.
Eu estava imaginando as peças de roupa e demorei para me dar conta de que aquele rosto tão
lindo era conhecido. Peguei o desenho e o aproximei dos meus olhos, já que o Rowdy tinha tirado
meus óculos, e eu mal conseguia enxergar.
A cigana tinha um cabelo comprido e preto. Olhos imensos, pretos meio azulados. Uma boca em
forma de coração, esboçando um leve sorriso. Linda, delicada e romântica. A minha cara. O rosto, os
traços, tudo igualzinho a mim, se eu fosse uma cartomante dos anos 1940.
Soltei um suspiro de espanto. Meus dedos ficaram dormentes, e deixei o desenho cair no chão.
Ele ainda está bravo comigo. Ainda alimenta a raiva e o sentimento de abandono desde a época em
que fui embora de Loveless, há tantos anos. Com o seu histórico de amor e perda, nem posso
condená-lo. O Rowdy não acredita que estou aqui para ficar, que ele é o suficiente para eu criar
raízes em Denver. Está desconfiado, foi meio grosso e, apesar de tudo isso, ainda me vê como algo
tão lindo que dói só de olhar.
Fiquei com vontade de chorar. Mas, ainda que tenha adorado o desenho, o jeito como ele me vê,
não conseguia parar de pensar que o Rowdy ainda poderia ver a Poppy da mesma forma.
Merda. Esse jogo de gato e rato está ficando muito mais complicado do que eu imaginava.
CAPÍTULO 7
Rowdy
GORA QUE O JOGO VIROU, e é a Salem que anda me evitando, me olhando de soslaio e fugindo
A quando chego perto dela, percebi como deve ter sido irritante e frustrante quando agi da
mesma forma. Estou aproveitando todas as oportunidades que tenho de tocá-la, de ficar perto dela,
encostar no seu corpo e me esfregar na sua pele. Estou tratando a garota como um predador trata sua
presa, e ela fica me observando com cara de cervo que se assustou com os faróis de um carro, com
aqueles olhos negros e profundos.
Sei que, uma hora ou outra, alguma coisa vai ter que acontecer entre a gente. Ou a Salem esquece
dessas bobagens sobre a Poppy e me deixa levá-la para a cama ou resolve que tudo isso foi demais,
que não era para ser, e cai fora, como fez a vida inteira. Não sei por qual das duas alternativas torcer,
porque ambas têm seus prós e contras.
Por um lado, quero tirar a roupa dela, me enroscar no seu corpo das maneiras mais safadas e
obscenas que conseguir imaginar. Mas não quero transar com a Salem e depois descobrir que ela se
arrependeu e vai me deixar na mão. Tenho um pressentimento de que, se eu for para a cama com ela,
nunca mais vou conseguir sair comendo todo mundo sem compromisso, como faço hoje. Não tem
como não querer um compromisso com essa garota, não tem como negar que ela mexe muito comigo
mesmo depois de termos passado uma década sem nos falar. Acho que, de um jeito inconsciente,
estou pressionando a Salem, tentando obrigá-la a ir embora, porque sei que o mais provável é que
ela faça isso mesmo. É o padrão da vida dela. Só estou tentando acelerar o processo antes de ficar
ainda mais envolvido. Desejo tanto essa mulher que quase consigo sentir seu gosto. Só que, por mais
que eu a pressione, por mais que eu me aproxime fisicamente, a Salem nunca me pede para recuar.
Fica só me olhando com uma expressão sugestiva, como se soubesse quais são todas as minhas
próximas jogadas e estivesse planejando uma estratégia de defesa.
Na sexta-feira à tarde, estava no Marcados, e meu último cliente desmarcou seu horário por conta
de uma emergência. Fiquei com algumas horas livres. Era a vez de o Rule ir para o Saints of Denver,
e tinha certeza de que meu amigo ia falar um monte no meu ouvido por eu ficar por lá sem fazer nada,
mas nem liguei. Quando abri a porta, qual não foi a minha surpresa ao ver que o Rule é que estava
atrás da mesa da recepção, e não a Salem. Ele estava no telefone e, ao me ver, apenas revirou os
olhos.
– Depois eu te ligo, Rome. O Rowdy acabou de chegar – disse. Aí ficou em silêncio por um
segundo, deu um sorrisinho e completou: – É, valeu... Estou morrendo de medo, mas vou dar um
jeito.
Levantei a sobrancelha, e meu amigo fez a mesma coisa, só que a dele tem um piercing.
– E aí?
– Nada. Só resolvi dar uma passadinha. E você? Por que está morrendo de medo?
O Rule encolheu os ombros e respondeu:
– As coisas não param de mudar. Às vezes fica difícil acompanhar. O Rome falou que é castigo
por eu ter sido imbecil por tanto tempo.
– Do que ele está falando? Você ainda é um idiota, praticamente o tempo todo.
Meu amigo deu risada, se esparramou na cadeira e levantou os braços.
– Tem razão. Dá pra você me falar a verdade e contar seu verdadeiro motivo para estar aqui, e
não onde você deveria estar? Tenho quase certeza de que tem tudo a ver com a nossa nova gerente
gostosa.
– Não quero te contar nada, porra.
O Rule bufou e disse:
– A Salem foi em uma reunião com um sujeito que faz silkscreen. Deve voltar em uma hora, mais
ou menos. Aqueles desenhos que você fez ficaram irados!
Encolhi os ombros, querendo ser modesto.
– Ainda estou esperando você e o Nash me entregarem alguma coisa para eu passar pra ela.
Meu amigo encolheu os ombros de novo, e a porta do estúdio se abriu.
– Ando com outras coisas na cabeça. Mas vou te entregar logo. Prometo.
Aí cumprimentou o cliente que tinha acabado de chegar. Eu fui andando em direção à escada. O
Rule me chamou e avisou:
– As meninas estão lá em cima. Se eu fosse você, daria um tempo.
Fiz apenas um sinal com a mão de que não ligava. Estou bem acostumado com o jeitão da Cora e
com a bunda da Ayden. A Shaw é a coisa mais fofa que existe nesse mundo e, seja lá qual for o
assunto em discussão, não deveria ser nada que possa me assustar. Além disso, eu poderia aproveitar
e pedir uma opinião feminina sobre meu lance com a Salem. Há muitos segredos e coisas
desconhecidas por trás daqueles olhos negros.
Ao chegar no alto da escada, soube na hora que teria sido melhor escutar o conselho do Rule. As
meninas estavam em círculo, abraçadas umas nas outras, e pareciam estar chorando. As três estavam
com a cabeça grudada como se estivessem discutindo a estratégia de um jogo muito importante, e
todos os meus instintos protetores ficaram alertas. Tive vontade de encher de porrada quem tinha
feito essas mulheres fantásticas, tão importantes para mim, chorar. Só que aí me dei conta de que,
provavelmente, era uma reação exagerada à notícia de que a Ayden ia embora de Denver.
As garotas se separaram quando ouviram o som das minhas botas, e três pares de olhos cheios de
lágrimas se voltaram para mim. Dei um sorriso, em uma tentativa instintiva de melhorar a situação.
– Não se preocupem, meninas. Austin não é tão longe assim. O Jet vai trazer a amiga de vocês
para cá regularmente. Eu garanto.
A Ayden arregalou os olhos, e a Shaw e a Cora viraram para ela, com uma cara furiosa.
– O quê? – disparou a Shaw.
– É... O quê? – repetiu a Cora.
A Ayden levantou as mãos, olhou feio para mim e disse:
– Você é um bosta, Rowdy.
Fiz careta e olhei para elas completamente perdido:
– Por que estão chorando então, se não é por causa da mudança?
– MUDANÇA!
O grito da Shaw foi tão estridente que as janelas e os espelhos sacudiram, e ela ficou toda
vermelha.
A Cora deu um empurrão na Ayden, e a mulher do meu amigo apenas sacudiu a cabeça e falou:
– Eu ia contar assim que fosse oficialmente aceita na Universidade do Texas. Eu e o Jet não
podemos mais ficar tanto tempo separados. Odeio isso. Ele odeia isso, e tivemos que pensar em um
jeito de resolver.
A Shaw ficou de queixo caído, e a Cora cruzou os braços. As duas ficaram olhando para a Ayden,
que continuou a fazer cara feia na minha direção. Fiquei me mexendo sem sair do lugar, constrangido,
e cheguei mais perto delas.
– Se vocês não estavam chorando por que a Ayd vai embora, então o que foi que deixou todas
vocês desse jeito? Não gosto nem um pouco disso e vou bater no responsável.
A Shaw tirou os olhos da amiga e me encarou um tempão. Depois piscou aqueles olhos grandes e
verdes para mim. Soltou uma risada esganiçada e tirou uma mecha daquele cabelo quase branco do
rosto.
– Estou grávida. Não deveria. Mas, de algum jeito, como sempre, o Rule não fez as coisas como
deveria e, agora, vamos ter um filho.
Nossa! O mais rebelde dos rebeldes vai ter um filho. Ah, como as coisas mudaram para nós.
Fui até a Shaw e lhe dei um abraço de quebrar as costelas.
– Parabéns. Vai ser um bebê lindo. Mas por que o choro?
A Cora levantou a sobrancelha e respondeu:
– São lágrimas de felicidade. É muita emoção.
Então apontou para a Shaw, deu um sorrisinho e completou:
– Eu sabia que ela não estava mal do estômago coisa nenhuma.
A Shaw enfiou as mãos no cabelo comprido, soltou um suspiro e contou:
– Fiquei um tempão sem conseguir acreditar. Tipo assim, acabamos de nos casar. Ainda preciso
terminar a faculdade e não estou nem perto de entrar na residência. E estou tentando imaginar como
vou fazer tudo isso com um filho. O Rule até ficou falando que eu devia estar grávida, mas achei que
ele tinha pirado.
A Shaw sacudiu a cabeça, deu mais uma risada e concluiu:
– A gente sempre se cuidou, mas é bem a cara dele seguir as próprias regras e não se importar
com isso.
A Cora apertou o ombro da Shaw e disse:
– Não se preocupa. Você pode contar com todo mundo. Vai dar tudo certo, e eu estou disposta a
pagar um trilhão de dólares para ver o Rule bancar o sr. Mãe. Vai ser fantástico. Se o Rome
conseguiu encarar a paternidade, o caçula dos Archer também vai. Esses meninos têm amor de sobra
para dar. Nasceram para ser papais.
A Ayden fez cara de que ia começar a chorar de novo, e foi aí que me dei conta de que eu era a
única pessoa com pênis no recinto.
– Posso ficar. Se você precisa de mim, eu fico aqui em Denver – sussurrou a Ayden, quase sem
voz.
Ela e a Shaw começaram a chorar de novo, se abraçaram e ficaram meio que se balançando.
– Não seja ridícula. Odeio te ver sem o Jet. Seu lugar é do lado dele.
A Shaw tem um coração do tamanho do Texas.
Olhei para a Cora, achando que ela poderia ajudar. Mas minha amiga durona também estava com
cara de que ia cair no choro.
– Ah, droga. Não queria que nada disso tivesse acontecido. Vocês sabem que eu costumo ter
muito mais jeito com as mulheres.
A Cora chegou perto de mim, me deu o braço, encostou a cabeça no meu ombro e falou:
– Tudo bem. Uma hora ou outra, a Ayden ia ter que contar pra gente mesmo. É que é muita coisa
pra assimilar. Aquelas duas são unha e carne. Vai ser difícil se adaptarem a não terem uma a outra ali
na esquina, toda hora. Pra falar a verdade, todo mundo já estava prevendo algo assim. A Ayd precisa
ficar ao lado do Jet, e o Jet precisa ir aonde a música está. Vai dar tudo certo. Sempre dá.
– Não acredito que o Rule vai ser papai.
Nós dois demos risada. A Cora virou para mim, me encarou com aqueles olhos um de cada cor e
disse:
– Vai ser bem feito se ele tiver gêmeos.
Dei uma gargalhada tão alta que as meninas se soltaram e olharam feio para nós dois. A Ayden
chegou perto de mim e me deu um soco forte no estômago. A Cora tentou sair da linha de tiro. Eu
resmunguei um pouco e abracei a Ayd bem apertado.
– Desculpa. Não queria ter dado com a língua nos dentes.
Ela só sacudiu a cabeça e passou os braços na minha cintura.
– Melhor assim, receber a notícia desse seu lindo rostinho. Provavelmente, eu teria feito merda.
– Você vai estar aqui quando a Shaw precisar.
A Ayden balançou a cabeça, e seu cabelo sedoso roçou no meu queixo.
– Sempre – garantiu.
– E o que o senhor está fazendo aqui? Por que não está lá no Marcados? – perguntou a Cora,
mandona como sempre. É claro que o comentário de que eu não estava onde deveria estar tinha que
vir dela.
– Meu último cliente cancelou, então pensei em dar uma passada aqui e ver o que anda rolando.
Ela bufou e retrucou:
– Você pensou em dar uma passada aqui pra perturbar a Salem. Não sei o que anda rolando entre
vocês, mas parece uma luta de boxe. Mais cedo ou mais tarde, um dos dois vai tomar um soco na
cara e sair nocauteado.
A Ayden fez um barulhinho e se afastou de mim.
– Um soco na cara que se chama amor. O Rowdy gosta dela. O Jet me contou que não saiu com
nenhuma mulher desde que a Salem apareceu. A coisa é séria. Você nunca passa muito tempo sem
comer alguém.
Fingi que urrei de raiva e me afastei das meninas.
– Eu e a Salem nos conhecemos de longa data, só isso. A garota foi muito importante pra mim e,
agora que nos reencontramos, estamos tentando nos reaproximar. Essa coisa de passado e presente é
meio complicada.
– E a Salem sabe que você jurou nunca mais ter um relacionamento sério com alguém por causa
da irmã dela?
– Sabe. Esse fim de semana contei toda a história. É por isso que ela tem me evitado. Falou que
não sabe direito o que pensar. Sempre achou que tivesse sido apenas uma paixonite de adolescência.
– As paixonites da adolescência também podem causar muita dor – comentou a Cora, sem
rodeios.
Essa é uma coisa que temos em comum, um laço que nos une, que o resto da turma não tem. O
primeiro amor da Cora a traiu, e ela acabou arrasada e amarga, achando que o amor tinha que ser
perfeito. Foi por isso que só balancei a cabeça, para mostrar que concordava com a minha amiga.
– Podem mesmo. Mas agora acho que quero ver além da mulher da minha vida. Quer descobrir
como é a garota que vem depois dela. A Salem era a minha melhor amiga, e quero que ela seja um
tipo bem diferente de amiga agora.
Subi e desci as sobrancelhas bem rapidamente, e as meninas deram risada. Depois completei:
– Tipo uma amizade colorida, daquelas que ficam sem roupa.
– Dizem que os melhores parceiros de cama são os amigos – comentou a Shaw, sonhadora. –
Você merece ter alguém que te faça feliz, Rowdy.
Nunca achei que não fosse feliz. Mas ali, no meio de todas aquelas mulheres que amam homens
difíceis e complicados, não tinha mais certeza. Quando me dei conta, as três estavam me abraçando,
e meu coração se derreteu todo. Elas são ótimas garotas, que amam muito, sem restrições, e tenho
muita sorte de tê-las na minha vida.
– Nossa! Que festival de amor.
A voz da Salem tinha um tom bem-humorado, mas também irritado. Olhei por cima da cabeça das
meninas e encontrei seus olhos negros. Ela ficou ali parada, me observando, e deu para perceber que
ela tentava entender se me ver ali, rodeado do amor de três lindas mulheres, era engraçado ou
irritante. As meninas me soltaram, e me aproximei da Salem. A preocupação nublou seu olhar, e ela
deu um passo para trás, por instinto. Estiquei a mão e segurei seu pulso porque, se ela desse mais um
passo para trás, na sua ânsia de fugir de mim, rolaria escada abaixo. Senti sua pulsação batendo
descontrolada por baixo de sua pele delicada.
– Eu estava te procurando – falei, baixinho, e fiz questão de olhá-la da cabeça aos pés.
A Salem estava vestida no seu estilo supersexy de sempre, com uma roupa justa que realçava
todas as suas curvas. O cabelo estava todo cacheado, e seu rosto, maquiado de um jeito lindo e retrô,
que a faz parecer um sonho rock’n’roll. Mesmo assim, ainda prefiro vê-la sem maquiagem, menos
arrumada.
– Estava? – perguntou, com um tom sarcástico e um sorrisinho malicioso nos lábios. Ela ficou
olhando para as meninas.
Revirei os olhos por causa da sua atitude propositadamente obtusa e a puxei para perto de mim,
para que só ela ouvisse minhas palavras:
– Quero te levar pra sair no domingo, porque nós dois estaremos de folga.
A Salem piscou para mim, e abriu aquela boca pintada, em uma negativa silenciosa. Vi a
indecisão refletida em seus olhos e falei:
– Não se preocupa. O que tenho em mente não tem nada a ver com cama nem com você sem
roupa.
Ela enrugou o nariz, se soltou do meu braço e disse:
– Ok.
A Salem sempre foi segura de si. Não ia recusar meu convite nem demonstrar que estava com
medo na frente das meninas, de jeito nenhum.
Balancei a cabeça, satisfeito, e avisei:
– Só não vai vestida desse jeito.
– Por quê? – perguntou, fazendo careta.
– Você precisa poder se sujar um pouco. Vou te buscar lá pelo meio-dia. E pode levar seu
cachorro também.
Notei que a Salem ficou curiosa, mas não lhe dei chance de fazer mais perguntas. Queria fazer
algo que nos levasse de volta ao passado, a uma época em que nos sentíamos à vontade um com o
outro, sem toda a bobagem e o peso das lembranças nos atrapalhando. Pensei ser uma ideia brilhante.
Sorri de novo para a Shaw e comecei a descer a escada. Fiz questão de encostar na Salem ao
passar por ela, de roçar no seu peito, apenas para senti-la suspirar.
– Parabéns de novo, Shaw. Vai ser uma aventura incrível para você e o Rule. A Remy precisa de
um amigo para brincar.
A Salem deu um grande e lindo sorriso.
– Você está grávida? – perguntou.
A Shaw balançou a cabeça e confirmou:
– Esperamos até falar com o médico para ter certeza. O Rule quis contar primeiro para os pais e
o Rome.
A Salem jogou o cabelo para trás e deu uma risada rouca e sincera.
– Não faz muito tempo que moro aqui, mas até eu sei que aumentar o número de Archers da
população é uma coisa boa. Que incrível, vocês dois devem estar muito animados.
E, simples assim, fui massacrado por ondas de estrogênio de novo. Tive que sair correndo.
O Rule estava atendendo um cliente, superconcentrado, fazendo um deus indiano no braço de um
homem bem robusto. Fiquei bem atrás do meu amigo até ele virar para mim, com uma expressão séria
e sugestiva naqueles olhos azuis.
– Com a cabeça em outras coisas o caramba – falei.
Ele deu uma risadinha e voltou a prestar atenção no trabalho.
– A gente queria ter certeza antes de contar. Não foi nada planejado. Mas, agora que saiu o
resultado do exame, vou conseguir me concentrar direito no estúdio e na loja.
– Nada acontece por acaso.
O Rule levantou a máquina da pele do cliente, que estava toda manchada de tinta. Então olhou
para mim de novo mas, dessa vez, sua expressão era fria e penetrante.
– Ou, às vezes, acidentes acontecem, e precisamos dar um jeito de resolvê-los, encará-los como
uma dádiva. Nem tudo nesta vida está escrito nas estrelas, Rowdy. Você devia saber disso melhor do
que ninguém. Tem coisa que simplesmente acontece. Olha o Rome e a Cora. Os dois não planejaram
nada do que rolou, mas rolou e está dando tudo certo.
Não concordo, mas não ia discutir com o Rule e estragar a alegria de estar construído uma família
com a mulher da sua vida. Acredito piamente que os caminhos do Rome e da Cora se cruzaram por
causa de forças superiores. O destino dos dois era salvarem um ao outro. A pequena Remy foi apenas
a feliz consequência de o Rome e a Cora serem feitos um para o outro.
– Seja como for, parabéns, cara.
Meu amigo balançou a cabeça para expressar seu agradecimento, e eu o deixei em paz, para que
pudesse terminar a tatuagem.
Sempre achei que nada nessa vida, seja bom ou ruim, é por acaso. Deve haver um motivo para a
minha mãe ter sido arrancada de mim quando eu ainda não tinha idade para me cuidar sozinho. Por
muito tempo, pensei que ela tivesse morrido para que a família Ortega me adotasse, e eu conhecesse
a Poppy. Jamais a teria encontrado se não fosse assim. Quando ela despedaçou todos os sonhos e as
esperanças que eu havia depositado em seus ombros jovens, achei que isso tinha sido orquestrado só
para eu abandonar o futebol americano, seguir minha verdadeira vocação e conhecer o Phil. Agora,
todas essas coisinhas, esses tijolinhos, estão formando um novo caminho, que leva à outra irmã da
família Cruz. Nunca parei para pensar qual seria o motivo para tudo isso acontecer, mas agora
começo a achar que a trágica morte da minha mãe ocorreu para me levar até a Salem, e que esse
sempre foi meu destino.
Salem
ROWDY CONSEGUIU ME CONVENCER a passar o fim de semana com ele, achei que fosse
A SSIM QUE O
dar o passeio no parque por encerrado e me arrastar até a superfície horizontal mais próxima.
Mas, como sempre, ele estava determinado a me mandar uma bola difícil e, depois de uma cena de
amasso nem um pouco apropriada para cachorrinhos e visitantes no parque, que me deixou toda
vermelha e excitada, ele levantou, sorriu e disse:
– Não é hora nem lugar para isso, Salem.
Fiquei só olhando para ele, meio bêbada de tesão. Ele jogou uma bolinha de tênis para o Jimbo e
resolveu que meu cachorro era um parceiro de jogo melhor do que eu. Observei os dois em silêncio
por um tempo, até porque uma hora fez muito calor, e o Rowdy tirou a camisa. Ou seja, não era
possível olhar para outro lado nem se eu quisesse. Segurei meus joelhos contra o peito, apoiei o
queixo e fiquei admirando a paisagem.
Ele não tem mais nada do menininho que conheci, é todo másculo. É magro, mas bem musculoso,
coberto de tatuagens. Pesquisei sobre ele na internet o bastante para saber que ser jogador de futebol
americano o tinha deixado muito maior, mais largo e mais bombado. Mas agora ele havia desinchado
um pouco e estava parecendo mais um modelo de cuecas do que um atleta profissional. Cada
músculo torneado do seu peito e do seu abdômen é coberto por tatuagens tão bem-feitas que dão de
dez a zero em todas as que eu já vi. E nas que eu tenho também.
Para combinar com aquela âncora inesquecível que brilhava com uma camada sensual de suor em
seu pescoço, ele tem um navio pirata enorme, bem no meio do peito. A embarcação está imersa em
uma grande tempestade, lutando contra ondas azuis da mesma cor dos seus olhos. No alto, em um dos
mastros, tem uma bandeira meio esfarrapada, com os dizeres ME GUIE ATÉ MEU LAR. Partiu meu
coração. Embaixo do navio, tem um monstro marinho impressionante, com tentáculos e olhos cruéis,
tentando arrastar o barco para o fundo do mar. É uma grande história contada na pele dele de um
modo realmente lindo.
O Rowdy também tem o nome “Glória” tatuado em letras garrafais ao longo de um lado de suas
costelas. Teria ficado chateada se não soubesse que esse é o nome da sua mãe. Cada uma das letras
gigantes é segurada por um querubim muito fofo. Nas costas, do lado oposto, tem uma pin-up que vai
do ombro até o cós da calca jeans de cintura baixa que ele estava usando. A garota está vestida de
pirata e juro que ela riu de mim, porque babei todas as vezes que seus músculos se mexeram ao jogar
a bola.
O Rowdy também tem os dois braços fechados. Um é até bem parecido com o meu, coberto com
tatuagens bem tradicionais, estilo marinheiro old school. Mas o outro... Acho que é a coisa mais
linda que já vi alguém fazer na própria pele. É uma composição de lírios do Monet em torno do
bíceps, que vai até o cotovelo. Parece que alguém arrancou o quadro da moldura e enrolou no braço
dele. Do cotovelo até o pulso tem uma reprodução da obra Noite estrelada, de Van Gogh. São tão
bonitas... Poderiam parecer deslocadas em um sujeito tão rock’n’roll como o Rowdy que, ainda por
cima, era atleta profissional. Mas não. Obras de arte clássicas não apenas combinam com ele, mas o
deixam ainda mais espetacular e interessante.
Ele voltou para o meu lado carregando um cachorrinho cansado e muito feliz. E não veio sozinho.
Três adolescentes o seguiram, sem parar de olhar, obviamente admirados. O Rowdy me entregou o
Jimbo, pôs o óculos de sol no topo da cabeça e perguntou:
– Falta uma pessoa para os caras jogarem. Tudo bem se eu jogar com eles um pouquinho?
Balancei a cabeça. Acho que os moleques queriam usar o Rowdy para impressionar um grupinho
de meninas que estava por perto.
– Tudo. Que tal você ir lá fazer coisas de menino e eu ir para casa fazer um almoço rápido? Estou
com fome, e o Jimbo precisa dar uma descansada.
O Rowdy levantou uma daquelas sobrancelhas loiras, deu um sorrisinho e falou:
– Fazer coisas de menino?
Sacudi a mão na direção dos adolescentes que estavam esperando por ele, baixei meus óculos de
sol, para olhar o Rowdy por cima da armação.
– Você sabe, rolar no chão, ficar todo suado, esse tipo de coisa. Vai lá reviver seus dias de glória.
Me levantei e pus meu cachorrinho, que não parava de se debater, no chão, para conseguir
prender a sua coleira. O Rowdy puxou uma das minhas tranças compridas e falou:
– Alguma coisa me diz que meus dias de glória estão apenas começando.
Ai, que merda. E não é que isso bastou para o meu coração sair pulando por tudo quanto é canto
do meu corpo?
– A gente se vê já, já.
O Rowdy se afastou, e ouvi os meninos tagarelando, todos animados, e as meninas darem um
suspiro coletivo. Não posso condená-las. Ver esse homem se mexer sem camisa é um espetáculo
imperdível.
Voltei para casa e dei um pouco de água ao Jimbo. Resolvi tomar um banho, porque estava toda
melada de protetor solar e cheia de grama por ter passado a tarde inteira sentada no chão. Ao sair do
chuveiro, pus um leve vestidinho, justo na parte de cima, soltinho a partir da cintura, bem estilo June
Cleaver, aquela atriz de seriados dos anos 1950. Fiquei de cabelo molhado, sem pentear, de pés
descalços. Estou tão acostumada a andar toda arrumada, sempre perfeita, que ainda não fico cem por
cento à vontade quando estou em casa com roupas tão casuais. Meu estilo refinado e retrô é uma
armadura que uso para mostrar aos outros e, de certa forma, ao meu pai, que posso ter a aparência
que quiser, agir como quiser, e, mesmo assim, ser uma pessoa linda e bem-sucedida pelos meus
próprios méritos. Acho estranho o Rowdy preferir minha versão menos arrumada, mais natural. Mas
também não vou reclamar. Dá muito trabalho estar sempre perfeita e, às vezes, preguiça.
Nunca havia contado a ninguém tudo o que me aconteceu após deixar Loveless. Aprendi algumas
lições de vida bem difíceis e fiz coisas das quais não me orgulho. Só que fiz tudo sozinha, e ninguém
pode tirar isso de mim. Nunca precisei voltar para casa nem pedir nada aos meus pais. Isso já basta
para diminuir a culpa e o arrependimento que tenho por ter tomado algumas decisões impulsivas.
Segui meu próprio caminho quando seria muito mais fácil me acomodar, e fiz tudo do meu jeito,
seguindo meus instintos. Foi por isso que resolvi viver de acordo com minhas próprias regras,
mesmo que não pudesse permanecer muito tempo no mesmo lugar.
E esse é um dos motivos que me deixam confusa em relação ao Rowdy. Nunca pensei duas vezes
antes de ir atrás do que quero, de escancarar minhas intenções. Mas ele está enrolado com o passado
e já gostou muito de alguém que amo incondicionalmente. Isso torna a situação tão complicada que
chega a me dar dor de cabeça. Mesmo que a Poppy não tenha correspondido aos sentimentos dele,
não gosto nem um pouco da ideia de ser a substituta para a irmã que fugiu dele. Tenho muito a
oferecer para me contentar com esse papel. Dessa vez, acho que fazer o que me der na cabeça não
vai ser algo sem grandes consequências.
Procurei na geladeira alguma coisa para almoçar, mas não tinha quase nada. Não sou nenhuma
chef profissional e moro bem perto de uma das principais avenidas de Denver. Ou seja, não costumo
cozinhar com muita frequência. Teria que me contentar com sanduíches de geleia e manteiga de
amendoim, mais umas batatas fritas. Achei que o Rowdy não ia se incomodar, já que o tema do dia
era reviver momentos da nossa juventude. Estava colocando os sanduíches em um prato quando ouvi
alguém bater na porta com tanta força que o Jimbo acordou e começou a latir.
Abri a porta, lambendo o restinho de manteiga de amendoim que havia ficado na faca. O Rowdy
estava lá parado, ainda sem camisa, mais suado e desarrumado do que há uma hora, quando saí do
parque. Havia pendurado a camiseta atrás da calça, e ela parecia uma cauda. As tatuagens que
cobrem seu corpo estavam brilhando, pareciam tinta fresca sobre uma pele lisinha. Seu cabelo loiro
estava todo despenteado, caindo na testa. Seus olhos cor de água brilhavam como um farol.
Soltei a mão que segurava a faca ao lado do corpo, e ficamos nos encarando em silêncio. Seu
olhar percorreu meu cabelo molhado, meu rosto surpreso e meus pés descalços. Ele deu um passo
para a frente, o que me obrigou a dar um passo para trás.
– E aí? Você ganhou? – perguntei, com a voz trêmula, nervosa, apesar de não ter nenhuma dúvida
sobre o que estava fazendo. Foi mais por estar sem fôlego de tanto tesão.
– Ah, acho que vou ganhar. Com certeza – respondeu, com um sorrisinho malicioso. – Tem alguma
coisa por baixo desse vestido?
Depois dessa pergunta ousada, o Rowdy pegou a faca da minha mão e a atirou na direção da
cozinha. Que perigo! O talher fez barulho e caiu na pia com um estrondo que não foi capaz de abafar
as batidas fortes do meu coração. O Rowdy estava bem na minha frente, e me dei conta de que os
sanduíches tinham saído do cardápio do almoço.
O prato principal era eu.
– Por que você não descobre? – falei. Também sei jogar. Afinal de contas, para o jogo rolar, é
preciso ter ataque e defesa.
O Rowdy soltou um gemido, fechou a porta com um chute para trás e veio andando na minha
direção. Só parou quando ficamos grudados. Ele estava com cheiro de ar livre, da grama do parque.
Seu corpo era musculoso e forte, e qualquer pensamento que eu pudesse ter de que aquele ainda era o
menino que morava ao lado da minha casa se evaporou quando seu pau duro, que fazia um volume em
sua calça jeans, encostou na minha barriga. Seus olhos ardiam mais do que o sol de verão. Ele
passou as mãos pelo meu corpo, por baixo do meu cabelo comprido e molhado. Eu não estava mais
me aguentando. Achei que fosse derreter de tanto tesão e expectativa.
Ele não falou mais nada, só começou a caminhar na direção do quarto, me empurrando de costas,
me obrigando a acompanhar seus passos. Estava tocando uma das músicas meio blues, meio folk da
banda Old Crow Medicine Show no quarto, e o som o guiou na direção certa.
– Estou fedido – comentou, com a voz rouca, fazendo um arrepio percorrer minha espinha.
Entramos de costas no quarto escuro, e minha cama nem estava arrumada. Metade das minhas roupas
estavam jogadas no chão. Só que nada disso fez o Rowdy diminuir o ritmo. Ele parou apenas quando
encostei a parte de trás das minhas pernas na cama.
Segurei seus dois pulsos tatuados e fiquei olhando para ele. Lambi meu lábio inferior, e o Rowdy
gemeu.
– Eu meio que gosto.
– Merda.
Nem chegou a pronunciar a palavra, foi mais um sopro. E aí grudou a boca na minha, e o tempo
parou. Não havia mais nada além das sensações que ele despertava em mim. Era como se toda a
revolta e a inquietude que sempre me rondaram desaparecessem debaixo dos seus lábios e com o seu
toque.
O Rowdy me deu um beijo ardente. Me beijou por muito tempo. Me beijou até eu ficar sem ar e aí
se afastou e fez tudo isso de novo, de outro ângulo. Ele sabe o que fazer com a boca. Tanto que nem
percebi quando ele pôs as mãos por baixo do meu vestido e começou a subir lentamente o tecido
pelas minhas pernas. Ele enroscou a língua na minha, mordiscou a ponta da minha língua, e soltei um
suspiro alto quando ele pôs uma mão de cada lado das minhas nádegas nuas. Até parece que fiz de
caso pensado. Mas é que, ao sair do banho, colocar qualquer peça de roupa por baixo do vestido me
pareceu uma medida desnecessária, porque eu tinha certeza de que, uma hora ou outra, ia acabar
tirando.
– Legal – falou.
Seu tom era de total admiração. Sua respiração foi ficando mais rápida à medida que ele foi
roçando o peito no meu.
O Rowdy soltou uma mão da minha bunda e a subiu pelas minhas costas, para abrir o zíper do
meu vestidinho fofo. Tirei meu cabelo da frente e, entre um suspiro e outro, fiquei nua na frente dele.
Estava na cara que ele havia gostado do meu corpo cheio de curvas. Ele soltou mais um palavrão e
encostou o dedo em uma das argolas prateadas que enfeitam meus dois seios. As joias tapam um
pouco dos meus mamilos escuros e têm rubis que combinam com o piercing da boca.
Ele soltou minha bunda e passou os dedões por cima da flor de lótus que tenho tatuada em um dos
lados do quadril e pela grande cerejeira que se esparrama pelo outro lado. Os dois desenhos são
delicados e têm cores vivas, que contrastam com minha pele morena.
– A beleza que surge apesar das condições adversas e da fragilidade da vida – ele sussurrou.
Depois se abaixou e beijou minha clavícula.
– Acho que essa é uma das vantagens de tirar a roupa para um tatuador: não preciso ficar
explicando meus desenhos.
O Rowdy deu uma risadinha, e a senti no fundo do meu ser, porque ele dobrou meu corpo em
cima de um dos seus braços, que estavam nas minhas costas, e se aproveitou dessa posição para
lamber cada um dos meus mamilos enfeitados, com movimentos circulares. Nunca na minha vida tive
uma sensação tão incrível. Os mamilos ficaram durinhos com a carícia. Em seguida, ele pôs as
argolas na boca, com a ajuda dos dentes, e, quando voltaram a tocar minha pele, os piercings
estavam quentes e úmidos. Achei que fosse morrer com tanto estímulo.
Fiquei agarrada nos seus ombros, tentando manter o equilíbrio e não me perder de prazer. Mas aí
o Rowdy deu mais um passo para a frente, e eu caí de costas na cama. Ele ficou por cima de mim,
com um sorrisinho que só posso definir como safado.
Ele beijou meu esterno, bem no meio dos meus peitos inchados, e deixou um rastro úmido com a
língua até o meio do meu corpo. Parou ao chegar ao meu umbigo e enfiou a língua ali, depois
mordiscou as duas tatuagens que emolduram a parte mais exposta, mais sensível do meu corpo, para
onde ele estava tão obviamente se dirigindo.
– Rowdy... – falei, em um tom entre pergunta e exigência, porque eu estava pronta para recebê-lo
dentro de mim. Parecia que eu estava esperando há uma eternidade por isso, pelo seu toque, pela sua
boca, apesar de terem se passado apenas algumas semanas.
Ele soltou o ar devagar e fez minhas dobrinhas, que já estavam lubrificadas, se arrepiarem de
tanto tesão. Depois, deu uma risadinha, com o rosto encostado na minha barriga.
– Já ouvi você dizer meu nome de diversas maneiras, Salem. Preciso te dizer que ouvi-lo na
cama, quando estou prestes a te devorar, é a minha preferida até agora.
Tive vontade de mandá-lo à merda, mas perdi a capacidade de pensar, de falar, porque o Rowdy,
de repente, se ajoelhou perto da cama e puxou meu corpo até seu rosto. Foi demais. Íntimo demais.
Invasivo demais. Intenso demais. A melhor coisa que já senti. O menino sabe mesmo o que fazer com
a boca.
Ele passou a língua em toda a extensão da minha vagina. Apoiou minhas pernas em seus ombros,
segurou minha bunda com força e explorou cada centímetro das minhas partes íntimas, que tremiam e
tinham espasmos com a boca. Fiquei me contorcendo na cama e quase não aguentei de tanto prazer
quando o Rowdy roçou os dentes no meu clitóris. Todas as minhas terminações nervosas estavam
transbordando de sensações, e quase fiquei sem ar.
Segurei um punhado do cabelo dele para me prender naquele momento e devo ter puxado mais
forte do que queria, porque o Rowdy soltou um suspiro de surpresa que senti em toda a superfície
úmida no meio das minhas pernas. Ele resmungou algo sensual e safado que não entendi e tirou uma
das mãos da minha bunda. Prendeu meu botãozinho de prazer entre os dentes e ficou chupando
enquanto explorava o interior da minha vagina com seus dedos hábeis. Perdi a cabeça.
Aquele duplo estímulo, seus dedos fortes girando dentro de mim e a sucção incansável da sua
boca ardente, foi demais para eu aguentar. Não foi algo progressivo, uma evolução tranquila até um
orgasmo gostoso. Não, foi uma sensação que me pegou em cheio, uma inundação cega que tomou meu
corpo de assalto, uma onda de prazer e satisfação surpreendente. O Rowdy riu de novo, e meus
músculos sensíveis, com os quais ele estava brincando, ondularam de prazer, acompanhando suas
ondas sonoras.
Tive um orgasmo tão forte como eu nunca tinha tido. Chegou a doer. Era uma dor tão boa que senti
em todas as células do meu corpo, a cada respiração, a cada piscada. Abri os olhos e tentei lembrar
onde estava, quem eu era, com quem estava.
Ainda segurava o cabelo dele e dei um puxão para o Rowdy parar de mexer nas minhas partes
íntimas trêmulas. Ele deixou minhas pernas escorregarem de seus ombros e subiu na cama, por cima
de mim. Ficou apoiado nas mãos, uma de cada lado da minha cabeça, e sorriu de um jeito malicioso.
Parecia bastante satisfeito consigo mesmo.
– Ah, Salem... – falou, dando um longo suspiro. Depois me deu um beijinho na testa e completou:
– Com certeza, fico muito feliz por termos crescido, e é por sua causa.
Esse era seu lado doce, conquistador, que ele mostrava a todo mundo, menos para mim. Sei
exatamente o que isso significa: ele quer que as coisas sejam leves, divertidas. É um jeito de não
deixar tudo muito sério. Apesar de eu ter recebido toda aquela atenção enquanto ele me provocava e
brincava com o meu corpo, tenho certeza de que o Rowdy também sentiu a ligação profunda que
existe entre nós. Com certeza, alguma coisa está rolando entre a gente, com sabor de passado e de
futuro, misturada em uma bola gigante de emoções e sensações.
Passei as mãos em seu rosto, brinquei com a superfície macia das suas costeletas, depois passei o
dedão na curva suave do seu lábio inferior. Acariciei seus ombros largos e os músculos definidos do
seu peito tatuado. Passei o dedo nas palavras escritas ali e olhei nos seus olhos, com uma expressão
solene.
– Com certeza, gosto de muita coisa no Rowdy homem feito. Mas também gostava do Rowdy
menino, que morava na casa ao lado da minha.
Ele refletiu sobre as minhas palavras por um instante, mas eu fui logo abrindo seu cinto e tirando
aquela calça jeans. Se ele ia responder alguma coisa, esqueceu na hora em que comecei a deixar seu
corpo tão sem roupa quanto o meu. Ele usava uma samba-canção preta, e fiquei um segundinho
admirando sua beleza daquele jeito, quase despido, com a cabeça do seu pau aparecendo no cós da
cueca. Não sou a única que tem surpresas escondidas embaixo da roupa. Desci a cueca até seus
joelhos e pedi para o Rowdy virar. Ele me obedeceu e pôs as mãos atrás da cabeça. Seu pênis ereto
ficou apontando para o teto enquanto eu conferia tudo o que tinha para ver ali embaixo.
Fiz uma cara de espanto e perguntei:
– Você tem uma cruz mágica?
Faz tempo que trabalho no ramo da modificação corporal, e já vi uma boa cota de paus com
adornos. Mas preciso confessar que foi o primeiro daquele jeito. Fiquei ao mesmo tempo intrigada e
excitada com os piercings que o Rowdy tem no pênis.
Atravessando a cabeça inchada e volumosa na vertical, tem um que se chama apadravya. As duas
extremidades ficam visíveis, acima e abaixo da cabeça. Na horizontal, um pouquinho atrás desse, tem
um ampallang. A combinação dos dois recebe o nome de cruz mágica, porque parece que a cabeça
do pau fica com uma cruz atravessada. Ou seja, havia quatro bolinhas brilhantes de prazer na
superfície daquele membro ereto, que já era impressionante de qualquer jeito. Transar com ele é
realmente uma experiência mágica.
– Uma das minhas melhores amigas é mestre em piercings. Não é fácil encontrar alguém que você
confie a ponto de deixar enfiar uma agulha no seu pau.
Tracei um círculo com o dedão, juntando as quatro bolinhas, e vi que os olhos do Rowdy ficaram
enevoados com o meu toque. Os músculos da barriga dele enrijeceram. Eu estava sentada em cima
das suas coxas, que tencionaram e relaxaram conforme eu fui acariciando cada uma das bolinhas. O
Rowdy fica bem pelado. Nós ficamos bem pelados, um ao lado do outro. Gosto como nossas
tatuagens se misturam, formando um grande mural. Pressionei meu corpo contra o dele e segurei seu
pau inteiro, com firmeza. Também gosto do contraste entre as partes do nosso corpo que não são
tatuadas. Tenho a pele morena e dourada, e a dele é bem clara e rosada. Apertei a base do seu pênis
e, com a outra mão, acariciei as linhas dos músculos definidos em sua barriga. Nunca tinha ficado
com um homem tão bonito como o Rowdy St. James e queria aproveitar todas as possibilidades táteis
que seu corpo oferecia.
Soltei seu membro e passei a mão entre suas pernas, apenas o suficiente para roçar seu saco
esticado.
O Rowdy gritou meu nome, e até saiu um pouco de esperma com a minha carícia. Tinha acabado a
hora da brincadeira.
Ele se livrou dos tênis e do que restava de roupa. Eu poderia passar a vida olhando para ele
daquele jeito. Ele veio se aproximando de mim, com um brilho nos olhos que pareciam dois faróis,
sinalizando que havia encontrado o caminho até seu lar.
– Camisinha?
Me arrastei um pouco na cama e tateei o criado-mudo até encontrar uma. Abri o pacotinho e fiz
sinal para o Rowdy chegar mais perto. Ele se aproximou, entre minhas pernas abertas, e deu um beijo
no alto da minha cabeça enquanto eu cobria seu pênis e todos aqueles metais. Dei um último apertão
em seu pau, só para garantir, e ele sussurrou, com a boca encostada no meu cabelo:
– Uma só não vai ser suficiente.
– Eu te prometi o fim de semana, não prometi?
De repente, me senti tão agradecida. Nem eu nem ele temos nada para fazer até terça-feira,
quando então voltaremos a trabalhar.
– Graças a Deus.
O Rowdy me puxou para cima dele, deixou eu me acomodar e ficou acariciando minhas costelas.
Sentei de um jeito que a cabeça do seu pau com piercing se arrastou nas paredes inchadas da minha
vagina, e nós dois gememos. Aquelas bolinhas de metal tornavam cada movimento meu, cada vez que
ele se mexia dentro de mim, ainda mais intenso. Senti seu corpo em cada centímetro do meu. Me
sentei até engoli-lo todo e então fui para a frente, apoiando minhas mãos no Rowdy, para poder
beijar sua boca.
Beijei ele do mesmo jeito que ele me beijou – de modo ardente, desesperado –, com nossas
línguas enroscadas, nossa respiração misturada. O Rowdy enfiou os dedos na curva dos meus
quadris, me forçando a subir e descer.
No começo, foi um vaivém sensual. Nós dois ficamos ofegantes, nos agarrando um ao outro. Esse
homem é tão gostoso e me olhava de um jeito que estava me virando do avesso. Eu não conseguia me
concentrar para manter o ritmo. Levantei um pouco o corpo, me apoiando nos joelhos, para ir mais
fundo. Uma das mãos dele desapareceu entre minhas pernas e encontrou na hora aquele ponto quente
que o Rowdy nunca erra. Joguei a cabeça para trás e suspirei, quase sem ar.
Meu cabelo se acumulou e formou uma poça preta em suas pernas, e comecei a me mexer
freneticamente em cima dele. Entre as carícias, a fricção dos piercings e o vaivém de seu pau, não
demorei muito para sentir o orgasmo tomar conta de mim.
O Rowdy falou meu nome e segurou um dos meus peitos com a mão livre. Passou o dedão no meu
mamilo excitado e dolorido até eu ver estrelas e não conseguir mais fazer nenhum tipo de movimento
regular. O prazer estava se espalhando pela base da minha coluna, minha pele brilhava escorregadia,
de tanto esforço e necessidade de gozar. Se ele não acelerasse, eu chegaria ao clímax sem ele e não
ia me sentir nem um pouco culpada.
Soltei um gritinho de surpresa quando o Rowdy se mexeu rapidamente e nos virou. Ele abriu
ainda mais minhas pernas com a ajuda do joelho, para ter mais espaço para sua investida, e girou os
quadris de um jeito que revirei os olhos. Assim que assumiu a nova posição, ele acelerou o ritmo.
Segurou minhas mãos acima da minha cabeça. Com sua outra mão, segurou seu peso enquanto metia
em mim como se estivesse tentando chegar ao mesmo nível de tesão em que eu estava. A pressão do
seu pau grosso dentro do meu canal vaginal inchado já era suficiente para eu gozar mas, com a
sensação extra daquelas bolinhas de metal se arrastando e massageando todas as minhas paredes e
terminações nervosas, achei que minha cabeça fosse explodir em um orgasmo enlouquecedor. Meu
corpo se contorceu todo. O Rowdy encostou a cabeça na curva do meu pescoço, mordeu minha pele
delicada, e foi o que bastou para eu atingir o clímax.
Senti minhas paredes internas agarrarem ele e a parte inferior do meu corpo perder o controle. De
repente, ele começou a se mexer do mesmo jeito frenético e desesperado com que eu tinha me
mexido. Adorei quando percebi que seu coração batia forte, no ritmo do meu. Adorei ver seu corpo
forte curvado, parecendo pedra perto das minhas curvas suaves. Adorei escutar seus gemidos de
satisfação bem no meu ouvido e quando ele se jogou em cima de mim, todo satisfeito e relaxado.
Adorei o fato de fazer sexo com ele ser tudo o que deveria ser e muito mais. Ele manda bem em
muitas coisas, não só com a boca, e tinha acabado de me mostrar tudo o que eu nem sabia que estava
procurando ao resolver, meio às cegas, vir morar no Colorado.
Pode até ter sido meio selvagem, desinibido e violento, mas o lugar mais seguro em que já estive
foi naquela cama, com ele.
O Rowdy se levantou, fazendo uma espécie de flexão, e fiquei observando, na cara dura, seu
bíceps saltar.
– Acho que esse foi o melhor touchdown da minha vida.
Ele tentava fazer piada, mas a expressão em seus olhos era muito séria, por isso não falei nada.
Só levantei a mão e toquei seu rosto, enquanto ficamos nos encarando.
Foi um bom momento, outra linda lembrança que posso guardar com as demais. Mas aquele
instante foi interrompido pelo choramingo agudo do meu cachorro.
Fiquei sem ar quando o Rowdy saiu de mim e rolou até a beirada da cama.
– Acho que a gente deixou o Jimbo escandalizado – ele falou, pegando o bichinho no colo e o
colocando em cima da cama. Em seguida, ele esticou as pernas compridas, ficou de pé e disse: –
Esqueci completamente dele quando te vi lambendo a maldita daquela faca.
Eu também havia esquecido. Sou uma péssima dona. O Jimbo lambeu minha canela e fez uma cara
feia para o Rowdy. Parecia mesmo estar com ciúme.
– Fiz uns sanduíches. Vou levá-lo lá fora, e a gente pode comer.
O Rowdy balançou a cabeça, olhou para trás e sorriu, mostrando seus dentes brancos.
– Agora me pergunta se eu ganhei, Salem.
Resmunguei e atirei um travesseiro na cara de convencido dele.
– Acho que nós dois ganhamos, espertinho.
Aí ele foi até o banheiro, sem parar de dar risada.
CAPÍTULO 9
Rowdy
EU ESTAVA ARRUMANDO O MEU APARTAMENTO, tentando deixá-lo com uma cara menos de apartamento de
solteiro pegador, quando ouvi alguém bater na porta e o Jimbo latir. A limpeza se limitou a recolher
as latas de cerveja e as embalagens de fast-food que estavam espalhadas por todos os lados.
Meu apartamento tem cara de homem mesmo. Um sofazão de couro, uma TV de tela plana bem
grande, uma geladeira abastecida de cerveja e só. Não dá para considerá-lo aconchegante. Mas,
como não quero que a maioria dos convidados fique por muito tempo, para mim está bom.
Abri a porta, e o cachorro pulou no meu colo. Eu não esperava por isso, e ele acabou
aterrissando o corpinho peludo no chão, com um barulho que fez a Salem suspirar de dor. Eu ia pegá-
lo para ver ele se estava bem, mas o bicho foi logo se levantando e explorando o lugar com o nariz.
A Salem sacudiu a cabeça e me entregou as tigelas de comida do Jimbo e um saco de ração.
Fiquei arrepiado ao ver que ela havia levado a sério o aviso de que não a deixaria voltar para casa.
Ela tinha trazido tudo o que o Jimbo precisava para passar bem a noite.
– Você não pode ficar bravo se ele fizer xixi em alguma coisa. O Jimbo ainda não está cem por
cento treinado para fazer as necessidades na rua.
Ela se desviou de mim, jogando o cabelo para trás, e meus olhos foram direto para a sua
microssaia jeans. Não era isso que ela estava usando no trabalho. Graças a Deus. Mal consigo me
concentrar no estúdio com as roupas justas que ela costuma vestir.
– Ele vai ficar bem. Não tenho muita coisa para o Jimbo destruir.
A Salem percorreu meu apartamento esparsamente decorado com os olhos e virou para trás
fazendo careta.
– Quanto tempo faz que você mora aqui? – perguntou.
– Cinco anos.
Mudei para este apartamento logo depois de decidir ficar mesmo em Denver, assim que terminei
meu período como aprendiz do Phil e comecei a trabalhar em tempo integral no estúdio.
– Parece tudo novinho em folha.
Pus as coisas do Jimbo na cozinha, enchi uma tigela com água e a outra com ração. Ao ouvir a
comida bater no prato, a bolinha preta e peluda correu pelo corredor para inspecionar a mercadoria.
Ele pulou nas minhas pernas até eu fazer carinho nas suas orelhas, e me dei conta de que o cãozinho
tinha feito as pazes comigo e me perdoado pelas coisas incríveis e inconfessáveis que eu havia feito
com sua dona.
– Não passo muito tempo aqui. Na verdade, só venho em casa para dormir e tomar banho.
A Salem me olhou com descrença e continuou inspecionando o lugar.
– Só isso? – retrucou.
Encolhi os ombros, cruzei os braços e respondi:
– Nunca fiz voto de castidade nem disse que durmo sozinho.
– Então, amanhã, depois que eu for embora, vai ter outra no meu lugar?
As coisas sempre foram assim, mas agora acho que não existe uma mulher na face da Terra capaz
de tomar o lugar da Salem.
– Não. Quando você for embora, amanhã, vou apenas ficar deitado na cama pensando no que
posso fazer para você voltar o mais rapidamente possível. Faz muito tempo que não sou reincidente,
Salem – expliquei. Fiz questão de garantir que ela me olhasse quando eu fiz um gesto entre nós dois e
completei: – Você é a primeira mulher que eu repito.
Deu para ver que ela não sabia se acreditava em mim ou não, mas qualquer hesitação que essa
mulher tenha de dormir comigo, no sentido literal e no figurado, sempre passa, porque ela me deseja.
Isso fica óbvio, expresso em seus olhos negros ardentes, na expressão do seu rosto. Percebi que era
melhor mudar de assunto antes de começarmos a falar de coisas pesadas das quais não poderíamos
escapar.
– Você disse que queria me mostrar uma coisa. Espero que envolva você tirando várias camadas
de roupa.
A Salem bufou, revirou os olhos e disse:
– Não, apenas uma camada.
Depois, tirou o cardigã vermelho que estava usando, levantou as mãos, como quem diz “ta-dã!”, e
falou:
– O que você acha? É o primeiro protótipo de uma das camisetas que pedi para o rapaz do silk
fazer.
Ela estava com uma regata preta ajustada ao corpo cheio de curvas. Tinha uma renda bem fininha
em torno do decote e da bainha, que deixava a peça muito feminina e bonita. E a cigana retrô que eu
desenhei estampada na frente. Ela parecia ainda mais com a mulher que a inspirou, agora que os dois
rostos estavam juntos.
A Salem se virou, e vi o logo do Marcados nas costas da camiseta, com o endereço do site. A
peça era bem mais fashion do que eu poderia imaginar quando pensei em montar uma loja em cima
do estúdio. As meninas que frequentam o Homens Marcados e o Saints of Denver vão enlouquecer e,
se preencherem as blusas como a Salem, seus maridos e namorados vão nos encher de grana só para
poder desfrutar dessa visão. Ela é mesmo muito boa estilista, e preciso confessar que ver meu
desenho esticado em seu corpo me deu certo orgulho. Me deu vontade de bater no peito feito o King
Kong.
– Ficou incrível.
– Ficou, né? Assim que as estampas com os desenhos que o Rule e o Nash finalmente me
entregaram ficarem prontas, vou mandar fazer algumas camisetas só para as meninas do estúdio
usarem, para causarmos um alarde. Vocês mandaram muito bem nos desenhos. São meio radicais,
mas, ainda assim, femininos o bastante para atrair as compradoras. Acho que vão fazer muito
sucesso.
Eu não conseguia parar de olhar para aquele rosto tão parecido com o da Salem.
– Você escolheu a cigana – comentei.
Ela olhou para a camiseta, depois para mim, e disse:
– É o meu desenho preferido.
Dei uma risadinha, passei a mão na nuca e confessei:
– É você.
A Salem deu um sorriso e alguns passos na minha direção. Depois pôs a mão no meio do meu
peito, e meu coração estava batendo coberto por uma tatuagem completamente estranha para mim.
– Eu sei – falou. Depois ela precisou ficar na ponta dos pés para conseguir me dar um beijo no
queixo e completou: – Por isso a cigana é meu desenho preferido. Fico toda melosa de saber que é
assim que você me enxerga.
Segurei-a pela cintura, e a Salem foi dando beijinhos no meu maxilar até chegar à minha orelha.
Soltei um gemido abafado quando ela mordiscou o lóbulo.
– Você é linda. Tem um lado sombrio. Parece uma cigana moderna.
– Você acalma meu lado sombrio e rebelde – explicou.
Em seguida, pôs as mãos por baixo da minha camiseta, nas minhas costas, e começou a puxá-la
para cima. Segurei a gola, arranquei a peça de roupa por cima da cabeça e a atirei na direção do
sofá.
– É mesmo?
A Salem acariciou minhas costelas, depois a lateral do meu corpo, onde tenho o nome da minha
mãe tatuado. A lembrança do que aconteceu comigo quando amei alguém do fundo do coração e de
como foi difícil enfrentar a solidão quando essa pessoa se foi quase me fez sair correndo. Mas a
Salem pousou os lábios bem no meio do meu peito e, ao mesmo tempo, pôs a mão na parte da frente
da minha calça. Ela tirou meu cinto rapidinho e, entre seus dedos afoitos e a ponta da língua molhada
que fazia desenhos aleatórios na minha pele, o desejo e o tesão deram um pé na bunda no medo.
– Mesmo. Sinto que sempre quis estar com você.
Depois dessa, ficou impossível tentar manter uma distância segura e não me envolver.
Alisei seu cabelo macio e segurei seu rosto com as duas mãos. A Salem foi me empurrando, até
eu encostar a bunda no sofá. Seus olhos brilhavam, e ela pôs as mãos em volta da minha cintura e
começou a tirar minha calça. Eu a beijei, porque precisava. Eu a beijei porque queria. Eu a beijei,
porque beijar a Salem estava começando a me fazer sentir como se tivesse encontrado algo que eu
nem sabia que estava procurando. Mais do que tudo, a beijei porque, toda vez que essa garota
retribui meus beijos, sinto uma parte dela se instalando bem no fundo da minha alma. Me inclinei um
pouco para frente, para lhe dar espaço, porque ela tinha enfiado as unhas na minha bunda, para eu me
mexer. Dei um sorriso quando a Salem soltou um suspiro de surpresa ao perceber que eu não estava
usando nada por baixo da calça jeans. Não é só ela que sabe se vestir (ou melhor, se despir) de
acordo com a ocasião.
Ela passou o indicador entre os piercings da cabeça do meu pau, que ficou sensibilizado, e me
disse, baixinho:
– Você sempre me fez muito feliz, Rowdy. Estou impressionada com as inúmeras maneiras que
você tem de me fazer feliz agora que cresceu.
Com essas palavras e aquele toque, não teve como meu pau não se repuxar todo na mão dela, nem
como impedir uma pequena gota de tesão de brotar pela cabeça. A Salem a pegou com o dedão e me
olhou, com um sorriso no rosto. Eu já ia perguntar por que ela estava sorrindo, quando, de repente, a
garota caiu de joelhos na minha frente e pôs a cabeça escorregadia do meu pau na boca pintada de
vermelho. Se existe uma visão que pode me levar ao orgasmo sem a Salem precisar se esforçar muito
é essa. Ela estava me chupando com aqueles lábios lindos, bem abertos, com o rubi brilhante em
cima. Cerrei os dentes e soltei o ar com força pelo nariz, porque o prazer passava suas garras pelas
minhas costas de um jeito selvagem.
– Salem... – falei, de um jeito gutural, segurando com mais força seu cabelo. É óbvio que ela não
respondeu. Mas apertou a base do meu pau duro e pulsante e ficou passando a mão nele, enquanto
subia e descia com a boca. Parecia um fogo molhado, o melhor lugar onde meu membro já esteve.
A Salem ficou girando a linguinha sem parar em volta dos piercings que tenho na cabeça do pau.
Ficou chupando e passando a língua nas veias dilatadas e apertando a base de um jeito que fez meus
olhos revirarem. Com aquela manipulação hábil e provocante, eu não conseguiria resistir por muito
mais tempo. De jeito nenhum.
Puxei seu cabelo. As mechas vermelhas, não sei como, ficaram enroscadas nos meus dedos, e
falei, com uma voz rouca que mais parecia que eu tinha bebido bastante uísque e fumado muito:
– Se você quiser me usar nos próximos vinte minutos, é melhor levantar daí.
Ela deu risada, e senti vibrações em todo o meu corpo. Meu pau se repuxou com força na sua mão
e na sua boca. Me apoiei melhor no sofá, porque não sabia se minhas pernas iam me aguentar por
muito tempo. Chamei seu nome de novo. Dessa vez, foi um aviso. Mas em vez de se afastar ou se
levantar, a Salem pôs a mão no meio das minhas coisas e apertou minhas bolas, que já estavam
superestimuladas. Foi o que bastou.
Segurei firme sua cabeça e soltei um grito de surpresa. Deixei a sensação que a Salem havia
despertado dentro de mim correr solta. Estava ofegante e de pernas bambas quando ela, finalmente,
se afastou de mim. Então ela se inclinou para a frente e deu um beijinho suave no monstro marinho e
raivoso que cobre meu abdômen. Não sei se ela estava, com esse gesto, tentando acalmar mais de um
monstro. Só sei que conseguiu o queria.
Soltei minhas mãos, que estavam formigando, perto de seus ombros, e ela ficou de pé com um
movimento elegante. Depois levantou uma das sobrancelhas e ficou batendo o indicador no meu
queixo. Eu só consegui olhar para ela, com os olhos bêbados de paixão.
– O Rowdy adulto tem tantas coisas divertidas para eu brincar – disse.
Acabei rindo e me afastei do sofá para ver se minhas pernas já estavam firmes. Dava para levar a
Salem até o quarto. Segurei-a pela mão e comecei a puxá-la pelo corredor, atrás de mim. O meu
quarto é o único cômodo da casa que eu realmente uso, é o único lugar do apartamento onde parece
que eu moro.
– Você nunca convidou o Rowdy adolescente para brincar. Como é que sabe a diferença? – falei.
Depois a virei e a encostei na porta do quarto, para começar a tirar sua roupa. A regata saiu fácil,
assim como o sutiã preto que estava por baixo. A saia era tão curta e apertada que cheguei a pensar
em só tirá-la da frente. Fui passando minhas mãos ávidas em seus seios, parando para brincar com
seus piercings, como ela tinha feito com os meus.
– Você era muito novo, e todas as minhas energias estavam concentradas na minha fuga –
respondeu. Depois soltou um gritinho estridente quando belisquei um dos seus mamilos um
pouquinho mais forte do que o outro. Me abaixei e acalmei aquela ponta durinha com a língua.
– Eu nem ia saber o que fazer com você naquela época. Mal sei hoje.
Pus a mão por baixo da saia e comecei a tirar a peça de roupa da minha frente. Dessa vez, a
Salem estava usando algo por baixo. Uma calcinha de renda me separava do seu desejo úmido, que
pressionava o meio do meu corpo. Foi o suficiente para o meu pau começar a pulsar de novo.
Ela gemeu quando tirei aquele tecido da frente e passei o dedão nas suas dobrinhas lubrificadas.
Tudo na Salem é quente, como uma fissão nuclear. Minha única vontade era de pular naquele fogo e
derreter dentro dela.
– Ah, eu acho que você sabe exatamente o que fazer – disse. Depois ela ficou balançando a
cabeça, e eu pressionei direto o ponto quente que a fez fechar os olhos e morder o próprio lábio com
força.
Passei o dedão em seu clitóris, fiz pressão, depois comecei a acariciá-lo. Então pus dois dedos
dentro dela e comecei a fazer um movimento de tesoura, até a Salem começar a se contorcer entre o
meu corpo e a superfície dura contra a qual eu a tinha prendido.
– Ver você ir embora com aquele vagabundo acabou comigo, Salem.
Por algum motivo, quando estou com a Salem sempre tenho vontade de falar a verdade e
confessar todas as emoções difíceis que sinto. É como se eu cutucasse as velhas feridas, para que
elas possam, finalmente, cicatrizar.
A Salem soltou um leve suspiro e fez carinho no meu rosto.
– Me desculpa. Nunca quis te magoar desse jeito.
Apesar de ficar claro que ela estava sendo sincera, acho que a Salem não sabia como essa mágoa
tinha sido profunda e por quanto tempo tinha me acompanhado.
Franzi a testa e respondi:
– Quem me ama nunca tem a intenção de me magoar.
Precisava mudar logo de assunto, antes que toda aquela excitação sexual parasse de brilhar em
seus olhos e fosse substituída pela dúvida e pelo arrependimento.
Seu peito nu subia e descia rapidamente e, cada vez que seus mamilos durinhos roçavam meu
peito, também nu, meu pau pulsava um pouco mais. Ela estava quase chegando lá, dava para sentir
seu corpo tenso, e aquela inundação de desejo e satisfação molhava meu dedos. Pus a mão embaixo
da sua bunda e a levantei, para que ela enrolasse as pernas na minha cintura. Quis tanto apenas
deslizar para dentro de seu corpo acolhedor, mas isso era perigoso, porque ainda não conversamos
sobre anticoncepcionais. Caí em cima da minha cama enorme, levando a Salem comigo, e terminei de
tirar suas roupas.
Ao ficar toda nua na minha frente, ela mais parecia uma oferenda aos deuses. Peguei uma
camisinha na gaveta do criado-mudo. Deixei tudo no jeito e meti logo, sem perder tempo. Adoro
como seu corpo me agarra, me segura como se não quisesse me soltar nunca mais. Fazia apenas
alguns dias que eu havia estado dentro da Salem, mas parecia uma eternidade. Então me perdi na
escuridão infinita de seus olhos quando nós dois começamos a nos mexer.
A gente simplesmente se encaixa. Para cada metida, cada movimento dos quadris, cada toque com
a boca em uma parte ávida do corpo, o outro tem a reação perfeita. A Salem se mexia comigo, me
segurava e usava o próprio corpo para fazer algo que ia muito além do sexo. Parecia querer criar um
espaço só seu dentro de mim. Dei um beijo na sua boca e lambi a joia acima de seus lábios. Ela
puxou meus cabelos e enterrou os calcanhares na minha bunda. Dei umas mordidinhas de leve em seu
pescoço, e ela deixou a marca das suas unhas nos meus ombros. Quando gozou, disse meu nome
como se fosse uma oração. Quando gozei, disse seu nome como se fosse uma maldição. Não sei o
que vai acontecer com a gente a longo prazo, mas sei que ninguém que tenha passado pela minha
cama ou por baixo de mim ficou tão à vontade. Essa é uma primeira vez que pode ser muito mais
importante do que o primeiro amor.
CAPÍTULO 10
Salem
RREI NO TELEFONE DE TANTA FRUSTRAÇÃO, depois atirei o aparelho na mesa de centro, onde meus
U pés estavam apoiados. O Rowdy me olhou de soslaio e abaixou o volume do filme de ação
barulhento que estávamos assistindo.
Fazia três semanas desde aquele dia em que fomos ao parque. Três semanas que não durmo
sozinha nem preciso caçá-lo ou fugir dele. Depois daquela noite em seu apartamento, meio que nos
acertamos, resolvemos, sem precisar falar nada, que preferimos ficar juntos. Vamos revezando as
casas, e isso significa que o Jimbo tem dois de tudo e que minha geladeira parece ter sido abastecida
por um moleque universitário.
– Que foi? – ele perguntou, inclinando a cabeça na minha direção.
Suspirei e bufei para tirar o cabelo que havia caído nos meus olhos.
Por mais que tenhamos nos aproximado, e o Rowdy pareça estar à vontade comigo, ainda tem
uma coisa que o deixa incomodado e me enche de dúvida e hesitação: a Poppy. Nós dois fingimos
ignorar o fato de minha irmã continuar existindo, de ela ser um espectro que ronda o relacionamento
que estamos começando. Mas eu já estou cansada e não consigo mais ficar cheia de dedos para falar
dela ou do passado que minha irmã tem em comum comigo e com o Rowdy.
– A Poppy, que é casada com esse sujeito horrível e nunca me liga de volta ou responde minhas
mensagens de texto. Estou preocupada, porque esse sujeito é controlador pra caramba, e ninguém em
Loveless se preocupa com ela de verdade. Acho que minha irmã não está feliz.
O Rowdy ficou todo tenso do meu lado e fez um ruído, como se dissesse que não queria se
comprometer. Vi que seu maxilar travou, ele fica com um tique na bochecha. Fiz carinho para ver se
passava.
– É tão ruim assim, Rowdy? Não posso nem tocar no nome dela?
Seus olhos azuis tinham uma expressão inquisidora, mas ele logo virou o rosto. Deu para
perceber que ele estava se esforçando para controlar as emoções.
– Nada pode mudar o passado, Salem.
– Não mesmo. Mas também não é legal se apegar tanto a algo que aconteceu há muito tempo, a
ponto de se prender aos momentos ruins e não querer andar para a frente nem aproveitar as coisas
boas do presente.
O Rowdy passou o braço pelos meus ombros, me puxou para perto dele e me deu um beijo na
testa.
– Acho que estou andando bem para a frente – falou.
Soltei um suspiro, me encostei nos músculos definidos de seu abdômen e disse:
– Se não posso conversar com você sobre a minha irmã, acho que não está andando para a frente,
não. A Poppy é da minha família, é a única família que eu tenho. Eu amo a minha irmã. E, se não
posso nem dizer o nome dela sem que você vire estátua, acho que você continua preso ao passado.
Sei que a Poppy te magoou, nós duas te magoamos. Mas, se conseguir me perdoar, vai conseguir
perdoá-la também.
O cara enrolou algumas mechas do meu cabelo no dedo e ficou em silêncio por um tempão antes
de responder, baixinho:
– Me apaixonei pela Poppy no instante em que a vi. Ela era tão doce, parecia simbolizar tudo o
que eu jamais tinha vivido. Sua irmã amava a família. Era muito envolvida com a igreja e com o
colégio. Mesmo sendo tão novo, sabia que ela tinha raízes muito firmes.
A luz da TV projetava umas sombras estranhas no rosto dele, fazendo-o parecer quase tão sinistro
como as memórias que o comiam por dentro.
– A Poppy nunca me entendeu, nunca teve ideia do porquê ela era tão importante para mim –
continuou. – E, quando você foi embora, se tornou minha única ligação com algo parecido com
família, amor e aceitação. Sei que só piorei as coisas me apegando à sua irmã, achando que minha
felicidade ia depender dela pra sempre. É exigir demais de alguém, principalmente de uma menina
nova que nunca tinha saído da cidade onde nasceu e era controlada pelo pai.
O Rowdy abaixou o queixo, apoiando-o na minha cabeça. Dei um abraço nele e encostei meu
rosto em seu coração.
– Sou um pouco culpado pelo gosto terrível da sua irmã para homens e seu desejo eterno de
agradar o pai de vocês. Eu a sufocava e acho que ela fez de tudo para se livrar de mim sem precisar
me dar um fora. A Poppy terminou comigo de um jeito definitivo, mas acho que fui eu que a obriguei
a fazer isso. Então, além da mágoa que carreguei por tanto tempo, também tenho uma culpa bem
pesada. Não gosto de pensar nisso. Prefiro fingir que nada aconteceu.
– Você se apaixonou pela Poppy porque sabia que ela jamais iria embora?
Parecia inacreditável, mas no fundo eu sabia que fazia sentido. A mãe do Rowdy morreu quando
ele era muito novo, e ele estava acostumado a se sentir indesejado, a ser jogado para lá e para cá. É
lógico que ele se sentiria atraído pelo fato de a Poppy ter uma vida completamente ligada a Loveless.
Essa era uma aposta mais garantida, não uma ameaça ao seu frágil coração.
– Em parte. Também porque ela era bonita e me fazia sentir como se eu tivesse um propósito na
Vida: cuidar dela.
O Rowdy deu uma risadinha, nem um pouco feliz. Depois prosseguiu:
– Sua irmã nunca me viu como nada além de um amigo, um irmão. Nem por um segundo. Na maior
parte do tempo, ela só me incentivava a fazer o que todo mundo esperava que eu fizesse. Queria que
eu jogasse futebol americano, fosse o rei do baile de formatura, namorasse uma líder de torcida. E
queria que eu ficasse de bico calado e deixasse os outros homens da vida dela a tratarem como lixo.
Coisa que seu pai e os namorados da Poppy sempre fizeram muito bem.
Me virei e passei o nariz em seu peito. Aquela conversa não era exatamente agradável, mas acho
que já tinha passado da hora de a gente tocar no assunto.
– E eu? Ok, você se apaixonou à primeira vista pela Poppy porque ela tinha uma vida estável,
plantada no solo arenoso do Texas. E eu, Rowdy?
Ele deu nova risadinha, mas dessa vez bem-humorada.
– Para um moleque de 10 anos, você era a coisa mais linda do mundo. Era rebelde, falava alto e
não tinha medo de nada. Eu sabia que você odiava ficar em casa, que odiava todas as regras impostas
pelos seus pais e que isso nunca te impedia de se divertir e de ser uma pessoa cheia de vida. Eu
queria ficar perto de você o tempo todo, porque era como ter os raios quentes do sol tocando tudo o
que era gelado dentro de mim. Você foi a única a me fez sentir que não era um problema ser um
garoto perdido, cheio de raiva, por não ter mais a mãe. Você nunca quis que eu me ajoelhasse de
gratidão pelo pouco que o destino quis me reservar. Você era tudo pra mim, mas então você foi
embora, e fiquei completamente perdido de novo.
Senti um aperto na garganta e o abracei com mais força. Passei uma perna por cima das suas
coxas e olhei para o Rowdy por debaixo dos cílios.
– Eu deveria ter tentado manter contato com você. Eu queria, mas estava tão atônita e perdida
também. Preciso dizer que não foi fácil te deixar para trás e que largar a Poppy foi uma merda, mas
tive que fazer isso, de verdade.
Eu deveria ter dito que ele estava enganado. Que eu tinha medo de absolutamente tudo naquela
época. Tinha medo de que a minha vida fosse cheia de regras e leis para sempre. Eu tinha medo de
que minha irmã acabasse igualzinha à minha mãe. E tinha medo do que poderia acontecer com o
Rowdy. Medo de que ele se prendesse a algo que não amava, que ficasse atrás da minha irmã sem
noção para sempre e medo de que ele deixasse os outros decidirem como ele deveria viver a própria
vida e quais seriam as suas paixões. Que bom que apenas algumas dessas coisas se concretizaram.
– Acho que todos nós tivemos que fazer coisas que não queríamos de verdade para conseguir
chegar aonde deveríamos estar – disse o Rowdy, com um tom melancólico e meio rouco. Seu tom de
voz transmitia centenas de sombras causadas pelas lembranças.
Como eu estava olhando para cima, o Rowdy se abaixou e me deu um selinho. Foi o que bastou
para transformar aquele instante sombrio, cheio de fantasmas e de arrependimentos, em algo mais
quente, ardente de desejo e de tesão. Tive vontade de dizer que é muito bom andar para a frente e
aproveitar as coisas boas do presente, mas acho que ele precisa se dar conta disso sozinho.
A TRADICIONAL NOITE DAS MENINAS ÀS QUINTAS-FEIRAS mudou um pouco no último mês. A Cora não pode
beber porque está amamentando, a Shaw não pode beber porque está grávida. Além disso, não dá
para ninguém sair muito da linha porque a Saint costuma aparecer com a Royal, que não deixa de ser
policial só porque não está de plantão. Então todas tentamos ser bem comportadas. Adoro o fato de
essas mulheres doces e fortes terem me recebido de braços abertos em sua turma, mesmo antes de eu
começar a sair com o Rowdy. É um grupo de meninas incríveis, e ser aceita por pessoas desse
calibre me faz sentir muito realizada e orgulhosa.
Em vez de bater ponto no bar do Rome ou no boteco perto do estúdio, a Cora resolveu que a
gente ia se encontrar em um restaurante bem legal a algumas quadras do estúdio novo. E, em vez de
tomar tequila até todo mundo vomitar, pedimos uns petiscos e uns martinis chiques.
A Cora estava revirando os olhos para a Shaw e dizendo que ia matar o Rome. Pelo jeito, agora
que o Rule vai ser pai, além de marido e feliz proprietário, o Rome não para de pressionar a Cora
para saírem da casa que os dois alugam e comprarem uma. Ela jurou de pés juntos que não vê
problema nenhum em morar de aluguel, mas o Rome não consegue lidar com o fato de o irmão mais
novo estar mais careta do que ele. A Cora revirou os olhos de duas cores e falou que, se ele a pedir
em casamento apenas para competir com o Rule, vai fazê-lo engolir o anel de noivado.
Essa forte declaração fez a Ayden cair na gargalhada e dizer que a Cora ia passar a mão no anel
tão rápido que o Rome não ia nem ter tempo de pôr a joia em seu dedo. Depois dessa, a loira
baixinha teve que rir sem discordar da amiga.
Olhei para a Saint e levantei a sobrancelha para ela. Não faz muito tempo que ela está namorando
sério com o Nash, mas é óbvio que os dois estão bem apaixonados e foram feitos um para o outro.
Ela só sacudiu a cabeça, solenemente. As mechas ruivas e acobreadas de seu rabo de cavalo
ficaram batendo em seu rosto, e ela ficou bem vermelha. Sei que ela é tímida e não gosta de ser o
centro das atenções, mas não consegue esconder o sorriso ao falar de seu homem gostoso. O Nash é
uma mistura interessante de fofo e rebelde. É um bom par para a doce enfermeira quietinha.
– Acabei de me acostumar a ter um namorado. Casamento, filhos... nada disso está nos meus
planos ainda. Devo voltar a estudar, e o Nash anda bem ocupado, expandindo os negócios. Já é um
sacrifício encontrarmos tempo para nos ver do jeito que as coisas estão.
A Royal cutucou a amiga com o ombro e subiu e desceu as sobrancelhas bem rapidamente.
– Vocês não vão precisar se esforçar tanto para encontrar tempo se você ceder à pressão do Nash
e for morar com ele.
A Saint ficou ainda mais vermelha, olhou feio para a amiga e falou:
– Só que eu não vou ceder, não.
– O que te impede? – como sempre, a Cora tinha que se meter na vida de todo mundo.
A Saint virou o rosto, soltou um suspiro, depois olhou para as meninas de novo e respondeu:
– Não quero que ele se canse de mim.
Fez-se um silêncio na mesa, e a Ayden começou a rir tão alto que as outras pessoas no restaurante
olharam para ver o que estava acontecendo. Depois da Ayden, a Shaw começou a rir, e não demorou
muito para todas nós começarmos a gargalhar, para desespero da Saint.
Ela mordeu o lábio, começou a mexer no próprio cabelo e falou:
– Nem é tão engraçado assim.
A Royal deu um tapinha no ombro da amiga e declarou:
– Eu te falei que você estava sendo ridícula. O Nash é louco por você. Se pudesse, ele te levaria
no bolso.
Eu balancei a cabeça e concordei:
– Levaria mesmo. O Nash não para de falar como você é maravilhosa e que o estúdio novo não
teria decolado se não fosse por você. Se joga! Você não vai querer olhar para trás e se dar conta de
que perdeu um tempo que poderia ter passado com alguém tão importante.
Depois dessa, é claro que todo mundo olhou para mim. Peguei o drinque pink que estava na minha
frente e encarei, sem medo, o olhar inquisidor da Cora.
– Você está falando por experiência própria, Salem? – seu tom era de brincadeira, mas também
tinha algo mais profundo.
Sei que ela é bem amiga do Rowdy, que o vê quase como um irmão mais novo. Não me fiz de
desentendida.
– Eu e o Rowdy perdemos muito tempo. Não sei se, necessariamente, faria algo diferente. Mas
sei que, quando o olho agora, vejo um monte de coisas que gostaria de ter vivido com ele.
– E o que exatamente está rolando entre vocês dois?
Foi a Ayden quem perguntou, e seu tom não tinha nada de alegre. O Rowdy é o melhor amigo do
marido dela, e ela não vai tolerar se eu ficar brincando com o rapaz. Seus olhos cor de âmbar e a
expressão da sua boca transmitiam isso de uma forma bem evidente.
Encolhi um ombro e respondi:
– O Rowdy diz que estamos nos conhecendo de novo.
A Ayden levantou tanto uma de suas sobrancelhas pretas que quase a encostou em sua franja
super-reta.
– E você, diz o quê? – perguntou.
Eu estava prestes a responder, mas a Shaw interveio, e me dei conta de que ela é o agente
pacificador do grupo.
– Deixa ela em paz, Ayd. Nenhuma de nós tem direito de falar quando o assunto é entender o que
acontece com esses meninos. Chegar onde queríamos com eles foi como atravessar uma ponte
instável e sem corrimão por cima do cânion mais profundo do mundo. Deixa a Salem em paz. O
Rowdy está feliz, não dorme mais com meia Denver. Por que não dá para se contentar com isso?
Não gostei de ouvir falar do famoso comportamento libidinoso do Rowdy, mas também não posso
fingir que ele estava se guardando para mim. Soltei um suspiro e passei o dedo pela borda do copo.
– Tem muita coisa do nosso passado que a gente precisa superar – comentei. – Então, por
enquanto, estou vivendo um dia depois do outro. Vim morar em Denver, principalmente, porque o
Rowdy mora aqui, mas acabei descobrindo umas coisas que não sabia sobre o relacionamento dele
com a minha irmã, e isso é um desafio.
A Cora fez tsk-tsk, começou a comer e falou:
– Ele sempre pensou existir apenas um amor verdadeiro. Todo mundo já falou para o Rowdy que
isso é uma bobagem, que há um milhão de mulheres maravilhosas neste mundo que adorariam ficar
com ele, mas meu amigo nunca deu ouvidos. Pelo menos não até você aparecer. Depois disso, ele
mudou de discurso rapidinho.
Suspirei de novo e contei:
– Ele pediu minha irmã em casamento quando tinha 18 anos, e ela recusou.
Um suspiro de surpresa coletivo, de todas as meninas da mesa, fez os clientes do restaurante nos
olharem de novo.
Sacudi a cabeça, com ar de pesar, e dei um sorriso forçado.
– Sabia que ele gostava dela, mas achei que era uma paixão adolescente – completei. – Não fazia
ideia de que ele queria viver com a minha irmã para sempre. Tenho medo de que o Rowdy ainda
sinta alguma coisa por ela e não consiga separar isso do que está rolando entre a gente.
A Cora bufou, apontou o garfo para mim e disse:
– Todo mundo faz besteira aos 18 anos. Nem te conto do cara com quem fiquei quando tinha essa
idade. Foi um erro causado pela minha solidão e pela minha insegurança. Todos nós já fizemos esse
tipo de coisa.
A Ayden balançou a cabeça, concordando veementemente:
– Tomei umas decisões bem erradas muito antes de completar 18 anos, e o imbecil do meu irmão
já tinha sido preso mais de uma vez ao chegar a essa idade. Não é justo julgar o Rowdy pelo passado
dele.
Até a Saint fez coro:
– O Nash partiu meu coração em um milhão de pedacinhos quando eu tinha mais ou menos 18
anos. Isso quase me impediu de lhe dar uma chance no ano passado, quando ele reapareceu na minha
vida. E esse teria sido meu pior erro.
Suspirei de novo e peguei o copo para terminar meu drinque. Precisava de mais um, mais dois
quem sabe, porque comecei a pensar nos sentimentos que o Rowdy ainda pode ter pela minha irmã.
– Ela é minha irmã – falei.
Acho que isso é complicado e as meninas não conseguem entender direito. Por que, por mais que
eu goste do Rowdy, a Poppy é sangue do meu sangue, e jamais vou trai-la, de jeito nenhum.
– E o que o Rowdy diz disso tudo?
Puxa, eu adoro mesmo a Shaw. Essa menina é tão sensata, tem um jeito tão aberto e carinhoso.
Ela vai ser uma mãe sensacional, mesmo que o bebê seja uma criança tão rebelde e imprevisível
quanto o pai.
– Ele diz que não pode contar toda a história, porque tem outra pessoa envolvida. Tentei
descobrir os detalhes com a Poppy ao longo dos anos, mas ela sempre muda de assunto ou jura que o
que aconteceu entre os dois ficou no passado. Tem algo que vai além do que eu imaginava por trás
disso tudo, de tudo o que estou tentando construir, e não gosto nem um pouco disso.
– E se as coisas não derem certo entre você e o Rowdy? – o sotaque arrastado da Ayden parecia
inocente, mas não era. – Você vai simplesmente arrumar suas coisas e partir para o próximo estúdio
de tatuagem? Para o próximo garoto?
Eu deveria ter mandado a sensual donzela sulista ir cuidar da vida dela, mas não podia condená-
la por querer proteger o amigo.
– É isso que eu costumo fazer – respondi. A verdade dói, mas é assim que as coisas são. – Não
gosto quando as coisas se complicam.
A Ayden espremeu só um tantinho de seus olhos cor de uísque e falou:
– Para mim, parece que as coisas já estão bem complicadas.
– Estão mesmo. E, pela primeira vez na minha vida, meu instinto não é sair correndo, mas ficar e
lutar. Sempre gostei muito do Rowdy. Agora, gosto dele de um jeito diferente, mas não vou largá-lo
se não for por um bom motivo.
De repente, a Royal se meteu na conversa, com seu jeito ríspido de sempre:
– Tudo bem, não sou íntima de vocês nem dele, então vou fazer a pergunta que, com certeza, todas
querem fazer.
Seus olhos são quase tão negros quanto os meus e tinham um brilho malicioso.
– O Rowdy dormiu com ela? Com a sua irmã, quero dizer. Por que, se isso aconteceu, é meio
esquisito, e acho que isso e o pedido de casamento deveriam fazer você repensar toda essa situação.
Eu me encolhi toda e fiz uma careta. Não teria deixado o Rowdy encostar a mão em mim de jeito
nenhum se achasse que ele estava seguindo as pegadas sexuais da minha irmã.
– Não. Eu perguntava isso o tempo todo pra ela, quando os dois foram estudar na mesma
faculdade. Mas minha irmã nunca deixou ele roubar nem um beijinho.
A Royal jogou aquela cascata de cabelo acobreado para trás e se inclinou para a frente, decidida.
– Então o motivo do Rowdy para pedi-la em casamento, seja qual for, deve ter sido bem
importante, mas não teve nada a ver com amor verdadeiro – comentou. – Conheço o Rowdy, já o vi
com outras mulheres. Ele não é o tipo que se casa com uma garota com quem nunca transou. Não
mesmo.
– Ele diz que amava a minha irmã, e que ela acabou com ele.
Odiei o tom de dor nas palavras que me obriguei a dizer.
– Pode até ser, mas há muitos tipos de amor. Vai ver, ele a amava como irmã, ou como melhor
amiga, mas não sabia a diferença. Ou, quem sabe, só estava tentando protegê-la. Ainda não sou
detetive, mas posso dizer que essa história não bate. Ainda mais que o Rowdy te levou pra cama
assim que você deu o sinal verde. Se a sua irmã era o amor da vida dele, ele jamais superaria a culpa
de transar com você. O Rowdy é um sujeito legal, todos vocês são legais. Mas só porque ele está
dizendo que sua irmã significava uma coisa pra ele, não quer dizer que isso seja verdade. Preste
atenção nas atitudes dele, não nas palavras.
Doeu ouvir isso da Royal, não só porque ela falou de um jeito direto e sem rodeios, mas eu sei
que, se eu fizer o que essa menina está dizendo, eu é que vou acabar consumida pela culpa. As
atitudes do Rowdy naquela época eram bem claras. Ele precisava de mim, contava muito comigo. E,
mesmo sabendo disso, fui embora. Meus próprios desejos e minhas próprias necessidades pesaram
mais do que tudo. Agora, pensando bem, me dei conta de que, apesar de ter precisado sair de
Loveless, poderia ter feito isso de um jeito melhor. Deixei meu pai meio que me obrigar a partir, cedi
à pressão de fugir de todas as coisas ruins, em vez de fazer isso do meu jeito, de lutar pelas coisas
boas que estavam enterradas bem fundo no solo do Texas. Eu e o Rowdy compartilhávamos tudo, nos
apoiávamos para conseguir aguentar aquele lugar onde nenhum dos dois queria estar. Eu deveria ter
conversado com ele, deveria ter compartilhado com ele minha decisão de ir embora. Ainda teria sido
uma merda, o Rowdy teria ficado transtornado mesmo assim, mas não teria achado que eu
simplesmente o abandonei. Pensando bem, as minhas atitudes é que falaram mais alto, e odeio isso.
Mas a Royal também tem razão ao dizer que o amor que o Rowdy sentia pela minha irmã pode ter
sido outra coisa, e não amor verdadeiro. Ele nunca tratou a Poppy do jeito que me tratava. Com ela,
sempre foi reservado e quieto. Comigo, nunca teve limites nem vergonha. Só não sei o que isso
significa, agora que estou lhe pedindo algo que vai muito além da amizade.
Por sorte, não precisei ficar muito tempo ruminando a respeito, porque a Royal estava com a
corda toda e resolveu cutucar a Ayden.
– E o seu irmão? Qual é a história dele? – perguntou.
Achei que seu interesse tinha algo mais que simples curiosidade casual ou profissional.
A Ayden bufou e respondeu:
– Essa história se passa em uma cidade pequena do Kentucky, com reviravoltas que incluem
centros de detenção, drogas, mulheres, diversas atividades criminosas e muita confusão. – Ela
engoliu em seco, cerrou os punhos em cima da mesa e completou: – Quase acabou com uma surra
brutal há pouco tempo, quando ele decidiu arrancar uma grana de uma gangue de motoqueiros, que
resolveu dar o troco usando tacos de beisebol. O Asa ficou em coma, quase morreu. Meu irmão
nunca obedeceu a uma regra, nunca houve uma lei que ele não quisesse infringir, e acabou pagando o
preço.
A Shaw deu um apertãozinho no ombro da amiga. Era óbvio que a morena estava emocionada
demais para continuar falando, e a Cora terminou a história por ela.
– A Ayden e o Jet trouxeram o Asa para Denver, para a saúde dele melhorar e ele recomeçar a
vida. Para a surpresa de todos, o Rome gostou dele assim que o conheceu, e o chamou para trabalhar
no Bar. Acho que o grandão está de olho nele, porque tem medo de que o Asa volte a aprontar, mas
os dois têm uma relação de trabalho séria, e o Rome entende como é difícil começar uma vida nova
do zero.
Ficou claro que a Cora tem o maior orgulho do seu ex-soldado mal-humorado, por ele ajudar o
irmão perturbado da Ayden.
A Royal soltou um suspiro apaixonado e falou:
– Eu podia passar o dia inteiro só olhando para o Asa.
Tive que concordar. Os irmãos Cross são incrivelmente belos. Levantei uma sobrancelha para a
Royal, peguei meu drinque e brinquei:
– A policial e o criminoso?
Ela enrugou o nariz e respondeu:
– Isso parece o título de um livro romântico terrível.
– Ou de um pornô ruim – retrucou a Cora, dando risada.
– Olhar não tira pedaço. Foi só isso que eu disse.
A Royal se encostou na cadeira, e seus olhos negros brilhavam de animação.
– Ele não vai chegar nem perto de alguém que usa um distintivo. Por mais bonita que você seja.
Meu irmão não está cem por cento mudado. Não sei se algum dia estará – disse a Ayden.
– Ele continua desrespeitando a lei?
O interesse da Royal ficou descarado, era fofo de ver.
– Não – respondeu a Ayden, soltando um suspiro. – Pelo menos não que eu saiba. Mas o Asa tem
problemas para controlar seus impulsos, e isso nunca termina bem. Ele está feliz aqui. Adora o Bar e
ficou bem amigo do Rome, até do Rowdy. Mas, às vezes, quando a oportunidade bate à porta, ele tem
dificuldade de deixar a porta fechada, por pior que seja o que está batendo. É por isso que eu tenho
medo do que pode acontecer com ele quando eu e o Jet formos embora de Denver. Acho que um dos
motivos para o Asa andar na linha é saber que eu estou de olho.
Suas palavras foram um triste lembrete de que essas noites em que todas as meninas podem se
reunir no mesmo lugar para falar dos desafios da vida estão com os dias contados. A Shaw até
chorou um pouquinho, mas pôs a culpa na gravidez e nos hormônios. Quando a Ayden e o Jet forem
embora, com certeza vai ficar um vazio na turma, o que me fez perceber como eles são amigos. Eles
realmente formaram uma família em que as relações de sangue não têm a menor importância.
– Vou voltar quando o bebê da Shaw nascer, podem estar certas.
A Cora deu um sorriso malvado para a Shaw e falou:
– E se forem gêmeos? Acho que me safei dessa, tendo só uma Archer gigante. E se você acabar
com dois bebês?
A Shaw soltou um gemido e pôs a mão na barriga, que ainda nem cresceu:
– O Rule está encarando essa história de gravidez-surpresa muito bem. Mas acho que, se
aparecerem dois bebês em vez de um, ele vai perder a cabeça – respondeu. Depois deu um sorriso, e
seus olhos verdes brilharam com uma expressão melancólica. – Casado, prestes a ser pai... Se você
me perguntasse há uns dois anos se o Rule Archer seria qualquer uma dessas duas coisas, eu ia
morrer de rir. – Aí olhou para mim e completou: – É incrível como tudo pode mudar.
Contra isso, eu não tinha o que argumentar. Todas aquelas mulheres haviam passado por
mudanças muito grandes, e nenhuma parecia estar mal por causa disso. Na verdade, pareciam mais
fortes e melhores por terem encarado essas mudanças e terem sido transformadas por elas. Sempre
fugi antes de ver quais seriam os resultados que estavam à minha espera, mesmo que esses resultados
pudessem melhorar muito a minha vida.
– Bom, só sei que estou ansiosa para saber quais serão os próximos acontecimentos. Até agora,
não me decepcionei com o Rowdy e fico muito feliz que ele tenha encontrado um grupo de amigos tão
incríveis. Ninguém poderia ter cuidado tão bem dele quanto vocês.
– Nós amamos o Rowdy.
As palavras da Ayden foram tão diretas quanto as da Cora, e a Shaw balançou a cabeça,
concordando.
– Ele é fácil de amar.
Sempre foi.
A Cora se inclinou para a frente, apoiou os cotovelos na mesa e o queixo, na mão. Ela parece
mesmo uma fadinha punk.
– Acho que você também deve ser, Salem. O Phil reconhecia pessoas legais só de bater o olho.
Ele jamais teria feito você aparecer na vida do Rowdy se não achasse que você faria bem para o
menino dele. O Phil devia acreditar que, no fim das contas, você é a mulher certa para o Rowdy.
Nunca me achei uma pessoa fácil de amar. Passei muitos anos ouvindo como sou horrível, que
nunca seria ninguém se não mudasse meu jeito de ser, e acabei por acreditar que sou alguém difícil,
que não vale a pena. Acho que por isso nunca fiquei muito tempo no mesmo lugar. Assim, diminuía as
chances de ouvir que sou ruim demais ou boa de menos. Nunca aceitei nada disso e simplesmente ia
embora, sem ser nada para ninguém.
Minha cabeça fica martelando a voz do Rowdy sussurrar que, em determinado momento, eu era
tudo para ele. Fico me perguntando se já não passou tempo demais para eu poder recuperar esse
sentimento. Porque, agora, isso é tudo o que eu quero.
CAPÍTULO 11
Rowdy
Salem
ASSAMOS O DOMINGO INTEIRO NA CAMA. Dava para ver que o Rowdy ainda estava sofrendo com a
P história de a Sayer ser sua irmã e por ter descoberto que ele tinha, sim, um pai que o havia
deixado na mão. Ele não estava falando muito, e isso vai tão contra a sua natureza afável que apenas
o deixei ficar emburrado e tentei consolá-lo do melhor jeito que conheço. Fiz questão de fazê-lo
entender que eu estava ali para conversar, mas também não liguei muito para o seu silêncio, porque o
resultado foi delicioso e deixou meu corpo ardendo. Sei que, mais cedo ou mais tarde, o Rowdy vai
precisar encarar a Sayer e o passado dele, mas não vou ficar pressionando.
Na segunda-feira, ele queria que eu fosse fazer trilha com ele. Nos últimos meses, percebi que o
Rowdy mantém aquele corpo impressionante sem jamais pôr os pés em uma academia, apenas
fazendo atividades ao ar livre sempre que pode. Ele gosta de jogar futebol americano no parque.
Gosta de pôr a coleira no Jimbo e dar uma corrida. Gosta de perambular pelas montanhas e de andar
de caiaque nos lagos e rios espalhados por elas. Eu, por outro lado, não quero fazer nada disso, por
mais que signifique uma oportunidade de vê-lo correr todo suado e sem camisa. Sou feliz sendo meio
cheinha e gosto de ter curvas, em vez de ser toda reta.
Falei para o Rowdy chamar um dos meninos para acompanhá-lo e revirei os olhos quando ele
reclamou. Acho que ele também queria ter a oportunidade de me ver toda suada uma vez na vida.
Mas sou uma dama – bom, tipo uma dama – e não ia ficar tão bem quanto ele desse jeito. Além do
mais, havia algo que eu realmente queria fazer antes de voltar ao trabalho, na terça-feira, e seria
muito melhor para mim se o Rowdy estivesse nas montanhas ou em outro lugar fora do meu caminho.
Ele conseguiu convencer o Nash e o Rome a se aventurarem e já estava na porta com o meu
cachorro, sem nem me perguntar se tinha algum problema levar o Jimbo. Enquanto isso eu ainda
estava me arrumando. Estava um pouco mais lenta que o normal, graças à atenção amorosa
implacável que ele havia me dado no dia anterior. Quem diria que aquele menininho simpático que
morava na casa ao lado da minha se transformaria no capeta? Ele tem umas manobras que eu jamais
tinha visto, e aquela cruz de metal na cabeça do seu membro impressionante torna as coisas ainda
melhores, quase capaz de derreter o cérebro. E, sem a camada de látex entre nós dois, nem se fala.
Só de pensar já fico vermelha e preciso me abanar.
Fiz uma trança simples no cabelo e optei por uma roupa que, para mim, era bem normal. Uma saia
justa e preta e uma blusa de babadinhos que me fazia parecer uma espanhola dos tempos do Velho
Oeste, combinando perfeitamente com a minha mecha vermelha. Pus um scarpin vermelho bem alto,
porque não tem como se sentir confiante ao enfrentar outra mulher sem um calçado tão
impressionante quanto o da adversária. Olhei no espelho uma última vez e fui para o Ba-Tro.
O bairro é bem tranquilo às segundas-feiras, e esse é um dos motivos para o estúdio não abrir
nesse dia da semana. Demorei um pouco para encontrar o prédio do escritório de advocacia onde a
Sayer trabalha, porque ela nunca me deu o endereço exato. Quando o localizei, fiquei meio abismada
e intimidada ao entrar pelas elegantes portas de madeira com detalhes em latão.
O escritório era bem grande. Uma empresa gigante, com vários sócios. Tudo tinha cara de riqueza
e opulência, começando pelo lobby. O segurança me olhou com curiosidade quando perguntei se
poderia ver a Sayer.
– Você tem horário marcado?
E eu lá tinha cara de quem tinha horário marcado? Segurei o comentário sarcástico e dei um
sorriso, fazendo questão de mostrar todos os dentes.
– Não, mas se o senhor disser que a Salem quer falar com ela, aposto que a Sayer vai me mandar
ir até a sua sala.
Ele sacudiu a cabeça e voltou a olhar para a TV que estava na sua frente.
– Ninguém pode subir sem hora marcada – declarou.
Me deu vontade de gritar com ele e cheguei a pensar em ir para o café esperar pela Sayer até ela
aparecer, porque a moça tem mesmo o hábito de ir lá. Mas então ouvi alguém dizer meu nome em
algum ponto atrás do guarda e de sua mesa imensa.
Dei alguns passos para trás e vi a Sayer saindo do elevador com uma jovem que estava chorando
muito. A Sayer disse a essa jovem que ia dar tudo certo, que só era preciso confiar nela. Mas suas
palavras, pelo jeito, não estavam surtindo efeito. A moça estava com a cara inteira borrada de rímel,
não parava de agradecer à Sayer e recebeu um abraço antes de sair pelas portas imponentes.
A bela advogada se aproximou de mim, e percebi que ela estava torcendo as mãos. Que bom.
Fiquei feliz ao ver que a deixo nervosa.
– Você tem um minutinho? – perguntei. Fiz questão de transmitir pelo tom de voz que, se ela não
tivesse tempo, era melhor arranjar.
Ela balançou a cabeça e respondeu:
– Meu próximo cliente é só à uma da tarde, mas antes tenho uma conference call com o advogado
da outra parte de um processo de divórcio.
– Não vou tomar muito o seu tempo.
Ia tomar o tempo que precisasse para dizer o que eu tinha ido dizer.
A Sayer balançou a cabeça de novo, foi até a mesa, deu um sorriso gentil para o segurança e
falou:
– Marvin, você pode, por favor, registrar a entrada de Salem Cruz e entregar um crachá de
visitante pra ela?
Ficou claro que o guarda tinha uma quedinha pela Sayer, porque não ficou perguntando quem eu
era nem por que estava ali, apenas fez o que ela havia pedido. Em seguida, fui até o elevador com a
moça. Subimos até o último andar, meio sem jeito, e me dei conta de que a Sayer não era apenas uma
advogada, mas sócia daquele escritório de grande reputação, coisa que a sua sala muito classuda e
bem decorada demonstrava.
– Você é bem importante, não é? – perguntei.
Eu me acomodei em uma das poltronas de couro localizadas na frente da sua mesa de mogno e
recusei o café e a água que ela me ofereceu.
– Meu pai foi um dos fundadores. Entrei por causa dele. O escritório faz muito trabalho
voluntário e costuma ter uma presença bem ativa nas comunidades das cidades onde atua.
– Sua influência deve ter pesado bastante na decisão de abrir um escritório em Denver...
A Sayer ficou vermelha, se acomodou na cadeira e respondeu:
– Quando apareceu a proposta de abrir um novo escritório, sugeri que fosse em Denver. Mas
existe um conselho que vota esse tipo de coisa e que poderia ter decidido por Santa Fé ou Phoenix,
as outras duas opções.
– Você poderia ter explicado logo quem é, em vez de ter-se dado o trabalho de aparecer lá no
estúdio, sabia?
Ela fechou os olhos por um instante, depois disse:
– Quando meu pai morreu, demorou até eu conseguir localizar o Rowdy. Esse tempo todo, fiquei
pensando que era um último “foda-se” que recebia de um homem que nunca me amou. Achei que
podia ser piada ou um esquema para me impedir de receber a herança. Mas assim que eu soube que o
Rowdy existe e é mesmo meu irmão, não conseguia pensar em outra coisa, apenas em conhecê-lo.
Depois que cheguei em Denver, levei um mês para criar coragem de ver onde fica o estúdio. E mais
dois para passar por aquela porta. Quando o vi, quando vi como somos parecidos... – ela deu um
suspiro, abriu os olhos e completou: – ...tive certeza de que era verdade. Imaginei todas as maneiras
possíveis de contar tudo pra ele. Tinha pesadelos com a sua reação, que acabou sendo exatamente a
que eu esperava.
– E você pode condená-lo por isso? Ele não imaginava, não teve como se preparar para receber
uma notícia dessas. Sempre foi sozinho, nunca teve ninguém até vir morar aqui e ser recebido por
Phil na família Marcados. E, de repente, fica sabendo que tem uma irmã e um pai que nunca quiseram
saber dele. O que você faria se estivesse no lugar do Rowdy?
A Sayer ficou me encarando por um bom tempo, depois virou o rosto e respondeu:
– Não sei. Nunca quis magoá-lo, mas também não podia mais esconder isso dele. Preciso
resolver a questão da herança. Só tinha mais uma semana para entrar em contato com o Rowdy, senão
o advogado do meu pai ia fazer isso de qualquer jeito.
Soltei um suspiro e sentei um pouco mais para a frente naquela poltrona chique de couro.
– Você precisa entender uma coisa sobre o Rowdy St. James – falei. – Ele tem um coração
enorme. É um homem bom, mas sofreu tantas perdas na vida que tem muita dificuldade para se
aproximar dos outros. O fato de você ser parente dele, sangue do mesmo sangue, o deixou morrendo
de medo.
Os olhos azuis da Sayer são idênticos àqueles que passei a semana inteira observando.
– Quando comecei a procurá-lo, descobri sobre o assassinato da mãe dele – a Sayer comentou.
– E isso é apenas a ponta do iceberg. Primeiro foi a mãe dele, depois fui eu. Éramos muito, mas
muito amigos na infância, e o abandonei sem olhar para trás porque eu era jovem e egoísta. E,
depois, ainda teve a minha irmã... – Mordi meu lábio e tive que me segurar para ir até o fim: – O
Rowdy a adorava, dizia que era apaixonado por ela e chegou a pedi-la em casamento. – Minha voz
tremeu um pouco, e precisei limpar a garganta. – E, depois, teve o Phil Donovan, que fundou o
estúdio. O homem salvou o Rowdy. Trouxe-o para Denver e lhe deu o emprego dos sonhos,
incentivou seu lado artístico e lhe deu liberdade para ele ser o homem que ele sempre quis ser. O
Phil deu para o Rowdy a única coisa que ele sempre quis: um lar. E morreu de câncer não faz muito
tempo. Todo mundo que o Rowdy amou o decepcionou ou abandonou de alguma maneira. Foi por
isso que ele não quis nem ouvir o que você tinha a dizer.
A Sayer puxou o ar de um jeito tão forte que deu para ouvir. Então pôs as mãos espalmadas em
cima da mesa e comentou:
– É muita perda.
– É mesmo. O Rowdy foi muito magoado pelas pessoas que deveriam cuidar dele e está só
tentando se proteger.
Ela inclinou a cabeça muito discretamente para o lado e espremeu aqueles olhos azuis da cor do
céu.
– E você? Você abandonou o Rowdy, mas ele te deixou se aproximar de novo? – perguntou.
Soltei uma risada fria.
– Tenho um dedo do pé na porta, mas não estou nem perto de entrar. Toda vez que pego minha
bolsa, que digo para o Rowdy que preciso sair para fazer alguma coisa, ele me olha como se eu não
fosse voltar nunca mais. Ele me conhece melhor do que ninguém, mesmo depois de termos passado
dez anos sem nos falar, mas não acredita nem um pouco que vou ficar com ele.
– Mas vocês dois não estão juntos? – ela perguntou. Então riu, franziu um pouco o nariz e disse: –
O Rowdy pensou que eu estava dando em cima dele ontem à noite e disse, com todas as letras, que
está saindo com alguém.
– Nós estamos juntos, mas acho que o nível de envolvimento é diferente para cada um de nós.
Ela levantou aquelas sobrancelhas clarinhas e disparou:
– Você ama o Rowdy?
Bufei de um jeito que não combinava com uma dama e tamborilei os dedos no joelho para
dispersar um pouco da tensão que a pergunta havia despertado em mim.
– Eu o amo de diversas maneiras desde que tenho 10 anos.
A Sayer se encolheu toda, porque não teve como não notar o tom melancólico da minha voz.
– Eu te falei que vim morar aqui por causa dele – completei.
– E como você sabia que ele ia te receber de braços abertos? Dez anos é muito tempo.
– Não sabia. Mas precisei correr esse risco porque, em todo esse tempo, o Rowdy foi a única
pessoa que não saiu da minha cabeça. Ele valia a pena o risco... Ainda vale, mesmo que hoje eu
saiba de coisas que não sabia quando resolvi me mudar para cá.
– O que você está tentando me dizer, Salem? Sei que está tentando me dizer alguma coisa, mas
não te conheço tão bem, nem o Rowdy, para entender.
Me levantei, alisei o tecido da minha saia e respondi:
– Estou tentando te dizer que ele vale a pena e, uma hora ou outra, vai pôr a cabeça no lugar e te
querer por perto. Tenha paciência com ele. Quando passar o medo que o Rowdy tem de você ser
apenas mais uma pessoa que pode abandoná-lo ou decepcioná-lo, ele vai te procurar. – Olhei bem
nos olhos da Sayer, para garantir que ela entendesse como o que eu estava dizendo era importante e
completei: – Caso você já tenha ido embora ou perdido o interesse quando o Rowdy vier te procurar,
ele vai ficar arrasado e não merece isso. Então, antes de resolver ser irmã dele de verdade, ou fazer
parte da vida dele, é melhor pensar se realmente está disposta a esperar o Rowdy estar pronto para te
receber.
A Sayer também se levantou, e um pensamento estranho veio à minha cabeça: ter duas mulheres
tentando fazer parte da sua vida em todos os níveis possíveis é mesmo demais para o Rowdy lidar.
Uma coisa óbvia que eu e a Sayer temos em comum é que ambas somos fortes e estamos
determinadas a entrar na vida dele, por mais que nosso querido menino rebelde queira nos deixar de
fora.
– Não vou a lugar nenhum, Salem. E, se eu for, prometo fazer todo o humanamente possível para
garantir que o Rowdy me encontre. Não vou sumir. Ele vai me encontrar quando estiver preparado
para me procurar – falou. Depois, cruzou os braços, deu um sorriso amarelo e completou: – O
engraçado é que sei muito bem o que é sentir a dor da perda. Minha mãe se matou quando eu era bem
nova, e meu pai sempre foi um homem frio e distante que passava muito tempo trabalhando e fingindo
que eu não existia, ou seja, fisicamente eu tinha um pai presente, mas emocionalmente... – ela
encolheu um dos ombros antes de concluir: – ... eu era tão sozinha e indesejada quanto o Rowdy.
Para falar a verdade, ele teve você. Eu nunca tive ninguém.
Passei a mão no cabelo, me virei na direção da porta e disse:
– É só não magoar meu homem que você pode me ter na sua vida também, Sayer. Gosto de você.
Acho que você tem muita classe, é muito elegante. Foi por isso que vim em missão de paz e quis te
dar uns conselhos. Se eu achasse que você está atrás de qualquer outra coisa que não seja um
relacionamento real e tangível com o Rowdy, teria invadido este lugar com as garras de fora, e uma
de nós duas teria acabado toda ensanguentada. Como eu te disse, dê tempo ao tempo.
Eu já estava abrindo a porta quando ela me chamou, baixinho. Olhei para trás e vi que seus olhos
da cor do mar estavam brilhando muito.
– Eu sei que não posso reivindicar os mesmos direitos que você tem sobre o Rowdy, mas não o
decepcione de novo, ok? Se você acha que eu tenho o poder de deixá-lo arrasado, imagina só como é
que ele vai ficar se você for embora, agora que voltou a fazer parte da vida dele. O Rowdy te ama.
Até eu posso ver isso. Você deve ver também.
– Ah, eu vejo bem. Só preciso ter certeza de que o Rowdy não está me olhando através da névoa
do passado antes de acreditar completamente nisso. Se você quiser conversar, sabe onde me
encontrar.
Fechei a porta, peguei o elevador e voltei para o lobby. O segurança levantou a sobrancelha para
mim, com um olhar inquisidor, e só dei uma piscadinha para ele. Ficou óbvio que ele estava se
perguntando o que uma garota toda tatuada, estilo rockabilly, queria com uma das sócias da empresa,
mas ele era educado demais para perguntar.
Eu estava cansada. Depois de passar a noite acordada com o Rowdy, do custo emocional disso e
do meu encontro com a Sayer, eu queria passar a tarde tirando uma soneca. Não sabia quanto ele ia
demorar naquela trilha pelas montanhas, mas achei que dava tempo de comer um burrito no Illegal
Pete e tirar uma pestana antes de o Rowdy voltar com o meu cachorrinho, ambos querendo brincar.
Me distraí olhando as vitrines das lojas e vi um minivestido muito fofo que me deu um monte de
ideias de como transformá-lo em uma peça que eu poderia usar no estúdio. Quando percebi, havia
perdido uma hora nisso e fui correndo para casa, com medo de ter perdido a chegada do Rowdy, todo
suado e sem camisa... Delícia.
Fiquei segurando as chaves de casa enquanto tentava mandar um torpedo perguntando onde o
Rowdy estava e equilibrar o último pedaço do meu burrito. Por isso não prestei muita atenção no que
estava fazendo nem aonde estava indo. Quase tropecei nas pernas compridas esparramadas na frente
da minha porta e soltei todos os palavrões que conheço quando meu almoço delicioso saiu voando da
minha mão. Minha bolsa e minhas chaves foram atrás do burrito, caíram no chão do hall do prédio
quando vi o rosto da minha irmã, todo machucado.
Seus dois olhos castanhos-claros estavam roxos. Seu lábio inferior estava cortado, e ela tinha
mais um corte no alto da bochecha. Tinha também uma atadura elástica enrolada no pulso, que ela
segurava contra o peito. A Poppy me olhava, sentada no chão, como se eu fosse lhe dar um chute com
a ponta do meu sapato de salto. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, e o lábio machucado tremia
quando ela me disse:
– Sua vizinha me deixou entrar. Até ofereceu para eu ficar esperando no apartamento dela até
você chegar, mas...
Minha irmã ficou sem voz, uma lágrima grande escorreu dos seus cílios pintados e foi parar em
sua bochecha machucada.
– Poppy – falei, baixinho, me abaixando para pôr a mão em seu joelho. Pensei em um palavrão
quando vi que minha irmã se encolheu toda, tentando se afastar de mim. Juntei minhas chaves e
estendi a mão para ela.
Fiquei com o coração tão apertado que chegou a doer, porque a Poppy hesitou por um tempão
antes de pegar minha mão, com o braço que não estava machucado, para eu ajudá-la a se levantar.
Também não pude deixar de perceber que ela não apoiou o peso no pé esquerdo. Estendi a mão para
tirar um pouco do seu cabelo cor de mel do ombro e bufei, furiosa, quando vi marcas de dedo bem
claras, verde-amareladas, em sua garganta.
Àquela altura, a Poppy estava se debulhando em lágrimas, e eu só conseguia pensar em levar
minha irmã para dentro de casa e cuidar dela. Enfiei as chaves na porta, a abri de leve e ouvi um
latido conhecido. De repente, senti as patonas do filhote em meus joelhos.
Olhei para trás e, se não estivesse abraçada na minha irmã, que tinha sido atacada e espancada,
acho que teria tido um orgasmo ali mesmo. O Rowdy estava usando uma calça jeans de cintura baixa,
rasgada nos melhores lugares possíveis. Estava com a camiseta enfiada na parte de trás da calça,
como sempre, bem sujo e suado. Mas não foi por nada disso, não. Por mais que a tatuagem coberta de
suor tenha me feito babar, o que realmente me deu vontade de uivar para a lua foi o fato de ele estar
com um chapéu de palha estilo caubói meio velho, me olhando por baixo da aba com um sorrisinho
sensual nos lábios. Era um visual que ficava bem para ele, mais do que bem, e ele sabia disso. Cerrei
os dentes, e seu sorriso desapareceu quando ele se deu conta de que eu não estava sozinha.
Seus olhos, que tinham um tom alegre de azul, foram ficando de um azul marinho tempestuoso à
medida que ele ia reconhecendo minha irmã. Dava para ver o sentimento formar ondas altas, quase
um maremoto, em seu olhar.
– Poppy? – perguntou, num tom que era de qualquer coisa, menos de boas-vindas, carregado de
emoções que não consegui identificar, pois ele não parecia feliz em vê-la, e seus olhos ficaram ainda
mais sombrios quando se deu conta de que minha irmã estava toda machucada.
– Rowdy? – disse a Poppy, quase em um suspiro.
Ele afundou ainda mais o chapéu na testa.
O Jimbo não fazia a menor ideia do que estava acontecendo e não parava de correr em círculos
entre a gente, em uma óbvia expressão de preocupação. O que será que aqueles humanos estavam
fazendo ali, parados como estátuas?
– O que foi que aconteceu com você? – ele perguntou, com um tom sério, cheio de raiva. Mas não
achei que a raiva fosse dirigida à minha irmã, que começou a tremer.
Soltei o ar de um jeito que os cabelos da minha testa voaram.
– A gente ainda não chegou a falar disso. Ela simplesmente apareceu, e eu acabei de chegar em
casa.
O olhar revoltado do Rowdy ia de mim para ela até se fixar na Poppy, que ficou olhando para ele
de queixo caído, em uma mistura de choque e outra coisa que parecia muito com vergonha. Não
posso dizer que dei pulos de alegria ao ver que o Rowdy praticamente me ignorou o tempo todo em
que ficamos de pé tendo essa conversa tensa.
Cansada daquele constrangimento e louca de raiva com o fato de alguém ter tido a audácia de
encostar o dedo na minha irmãzinha de um jeito tão violento, abri a porta de casa. O Jimbo entrou
correndo e disparei para o Rowdy:
– Você vai entrar?
Ele finalmente olhou para mim, fez uma careta e respondeu:
– Não, me liga depois.
Ele tirou a camiseta de trás da calça jeans e arrancou o chapéu da cabeça, em uma série de
movimentos duros e tensos. Em seguida, cobriu aquele peito largo com a camiseta, olhou para a
minha irmã, com uma expressão enfurecida, e disse:
– Não acredito que isso aconteceu com você de novo, Poppy.
Em seguida, ele deu meia-volta e sumiu pelo corredor sem olhar para trás, nem para mim nem
para a Poppy. Cerrei os dentes, puxei minha irmã com cuidado para dentro do apartamento e limpei a
bagunça que tinha feito na frente da porta. Queria pular em cima da Poppy por ela ter aparecido
assim, do nada. Minha vontade era de machucá-la mais ainda por não me ter contado o que andava
acontecendo, mas também de a abraçar e de beijar sua testa, porque ela estava muito ferida e
maltratada. Meu primeiro instinto foi de chamar a Saint para dar uma olhada na minha irmã e ver se
estava tudo bem com ela, mas a Poppy estava com cara de quem ia surtar, então achei melhor esperar.
Ela foi até o sofá e se sentou toda encolhida. Fui até o freezer, peguei uns cubos de gelo e os
enrolei em um pano de prato. Entreguei a bolsa de gelo improvisada e sentei na mesa de centro, na
frente da minha irmã.
A pele da Poppy é mais clara do que a minha. Ver aqueles machucados escurecendo seu corpo e
fazendo sombras em seus olhos me trouxe um gosto de sangue na boca, uma vontade de matar alguém.
– Como é que você chegou aqui? – perguntei.
Tentei começar pegando leve, porque a Poppy parecia apavorada.
– Vim de carro. O Oliver não me deixou ir ao hospital, e eu tinha certeza de que meu pulso estava
muito machucado. Desta vez ele foi longe demais.
Puxei o ar tão rápido que saiu um assovio.
– Como assim desta vez?
Já faz uns dois anos que eles são casados. Não quis nem pensar há quanto tempo isso vem
acontecendo. Eu deveria ter adivinhado que tinha algo errado quando a Poppy começou a se afastar
de mim.
Ela só encolheu os ombros e falou:
– Liguei para o papai, disse que estava muito machucada e que precisava de ajuda. Ele disse que
eu só poderia ter feito alguma coisa de errada para o Oliver fazer isso comigo.
Minha irmã começou a tremer e a chorar de novo. Ela cerrou o punho da mão que não estava
segurando o gelo perto do rosto e o apoio na perna.
– Afinal, o Oliver é diácono na igreja, um homem bom, temente a Deus. A culpa só poderia ser
minha.
– O papai sabe que esse sujeito anda te batendo e põe a culpa em você? – perguntei, com a voz
tremendo de tanta raiva.
A Poppy só balançou a cabeça e gemeu, porque sentiu dor ao fazer aquele movimento.
– Esperei o Oliver sair para trabalhar, arrumei uma mala e fui embora. Dirigi por quilômetros e
mais quilômetros. Não fazia a menor ideia de para onde estava indo. Apenas sabia que estava com
dor, me sentindo mal, e Loveless era o último lugar da face da Terra onde eu queria estar. Foi só
quando parei para abastecer, na divisa do estado, que me dei conta de que estava vindo te encontrar.
Segurei sua mão e perguntei:
– Por que você não me pediu ajuda? Eu poderia ter ido lá te salvar.
Minha irmã apenas sacudiu a cabeça e continuou a chorar.
– Não sou mais criança – disse. – Eu sabia que o que estava acontecendo é errado. Há anos que
ele me bate em lugares onde ninguém vê. Mas, recentemente, perdeu o controle, e eu acabo ficando
assim. As coisas estão cada vez piores.
– Poppy...
Ela deu uma risada tão doída e aguda que senti na minha própria pele, como se fosse me arranhar
e deixar marcas.
– Nós estávamos discutindo sobre ter ou não filhos. Eu disse que não queria. Não com uma
pessoa como ele, com uma vida dessas. – Minha irmã soltou a mão, apontou para o próprio rosto e
completou: – E esse foi o resultado de eu dizer “não” para o Oliver.
– Jesus.
A Poppy deu risada de novo.
– Jesus não tem nada a ver com isso.
Pus uma mecha de cabelo atrás da orelha e fiquei só encarando minha irmã por um bom tempo,
em estado de choque.
– Não acredito que eu não fazia a menor ideia de que isso estava acontecendo – falei, por fim.
Minha irmã levantou o ombro e soltou em seguida:
– Não posso dizer que seja algo de que me orgulho. Eu deveria conseguir fazer o que você fez e ir
embora. Na primeira vez em que o Oliver levantou a mão para mim, eu soube que estava enrascada.
Isso já tinha me acontecido antes, e eu deveria ter aprendido a lição.
– Era disso que o Rowdy estava falando quando te viu?
– Não acredito que ele não te contou todos os detalhes sórdidos. Ainda mais agora, que vocês
dois estão, obviamente, muito mais próximos do que eram na nossa infância.
– O Rowdy me falou que não tinha direito de contar, que a história é sua.
Minha irmã esboçou um sorriso de verdade nos lábios machucados e comentou:
– Ele sempre teve muito mais integridade do que qualquer homem que eu conheci na vida.
– Ele me falou que te pediu em casamento, mas você recusou – comentei. As palavras lutaram
para sair da minha boca, porque me incomoda muito dizê-las.
– Não, Salem. Ele não me pediu em casamento. Ele se ofereceu para se casar comigo, e isso é
muito diferente. Eu estava grávida daquele quarterback, e o cara mandou eu me livrar do bebê para
não estragar suas chances de virar jogador profissional nem arruinar sua reputação de norte-
americano perfeito. Quando me recusei a fazer isso, ele me bateu. O Rowdy era a única pessoa para
quem eu podia contar o que havia acontecido, e não tinha como ele não notar meus olhos roxos. Não
pude aceitar sua oferta, de jeito nenhum. Ele não me amava, não queria se casar comigo. Por isso eu
recusei e falei que o amava apenas como irmão. Aí o Rowdy foi lá, quase matou o pai da criança e se
mandou. Ele estava tentando me proteger de mim mesma. Uma semana depois de o Rowdy ir embora,
sofri um aborto espontâneo, e o quarterback nunca mais olhou na minha cara.
Quem é essa mulher? Tive a impressão de estar olhando para uma desconhecida que teria
possuído o corpo da minha irmã.
– O papai ficou arrasado quando terminei com o tal astro do futebol americano. Ele adorava
pensar que eu ia juntar meus trapinhos com um atleta famoso.
A Poppy fez uma careta e continuou a falar:
– Ele sempre falava que isso ajudaria a limpar a mancha que você havia deixado no nome da
família. Fui uma imbecil. Nunca nem gostei do cara. Estava apenas fazendo o que sempre fiz,
deixando a vida me levar porque era isso que esperavam de mim. E foi assim que acabei nesta
situação, casada com um homem que acha que não tem problema nenhum bater em mulher, nem na
mulher que, supostamente, ama. Não aguentava mais. Precisava me libertar. Passou da hora.
– Você partiu o coração do Rowdy, Poppy – falei, sem conseguir evitar o tom de acusação.
– Ah, Salem. Fala sério. Não seja ridícula. O Rowdy nunca me amou. Ele sempre se iludiu,
achando que eu era uma mulher perfeita porque eu nunca seria como você. Não tinha nenhuma grande
aventura reservada no meu destino. Nenhum risco. Nada de imprevisível. O Rowdy não pode ter me
amado porque era apaixonado por você. Pelo jeito, ainda é.
– Quê? – fiquei perplexa ao ouvir minha irmã falar isso desse jeito, como se fosse óbvio.
– Ele nunca foi ele mesmo comigo. Quem estava do meu lado era sempre a versão “igreja” do
Rowdy. Com você, ele se soltava, se abria, se permitia viver o momento sem se preocupar com o que
ia acontecer depois. E aí você foi embora.
Baixei a cabeça por um instante.
– E aí eu fui embora.
E deixei um rastro de desastre na vida das duas pessoas que mais amava.
– Mas você voltou.
– Ainda não sei se isso tem alguma importância. Pelo jeito, a partida pesa muito mais –
desabafei. Soltei um suspiro, me levantei e disse: – Se é que isso vale de alguma coisa, estou feliz de
você estar aqui e vou te ajudar a quebrar essas correntes e tudo o mais que você precisar para fugir
da vida que você estava levando em Loveless, Poppy. Ninguém merece uma coisa dessas.
Minha irmã me deixou chegar mais perto e abraçá-la sem se encolher toda, então achei que podia
abusar da sorte.
– Tenho uma amiga que é enfermeira. Você precisa me deixar ligar pra ela, aí ela vem dar uma
olhada em você.
Vou perguntar se a Poppy vai prestar queixa na polícia quando sentir que ela tem forças para essa
conversa. Minha irmã soltou um suspiro e tirou o cabelo do rosto, sem me responder. Acho que ela
não queria que ninguém mais a visse naquele estado. Quase dava para tocar a vergonha que ela
estava sentindo.
– Estou feliz de estar aqui também. E acho incrível você ter reencontrado o Rowdy, mesmo
depois de tanto tempo.
Engraçado ela ter usado a palavra “reencontrado” porque, de repente, me senti mais perdida do
que nunca. Como eu podia não saber que minha irmã sofria abuso e que meu pai estava sendo tirano a
ponto de ignorar que sua filha estava sofrendo? Não sei como não percebi que o que existia entre
mim e o Rowdy quando éramos mais novos ia além da amizade e da camaradagem, muito além do
que eu podia imaginar. E, principalmente, não sabia como me sentir agora que o fantasma que pairava
entre mim e o Rowdy estava aqui, em carne e osso, e que nem eu nem ele poderíamos mais ignorá-lo.
CAPÍTULO 13
Rowdy
RECISAVA IR PARA CASA, tomar um banho para tirar o suor e o sol da minha pele, mas não estava a
P fim de ficar sozinho. Porém, a única pessoa que eu queria estava acompanhada da única pessoa
que eu pensei que jamais veria de novo. Sendo assim, fui para o lugar onde, com certeza, alguém
teria pena de mim e me daria álcool em uma segunda-feira à tarde.
O Bar até que estava bem cheio, considerando que ainda faltava mais de uma hora para a happy
hour e que, às segundas, não costuma haver muita gente. Os clientes fiéis estavam todos enfileirados
em seus lugares de sempre, mas também havia um grupo de rapazes mais novos, em volta das mesas
de sinuca lá no fundo, e eles estavam falando alto e sendo ridiculamente barulhentos. O Asa estava
de olho neles. Sentei no meio dos veteranos de guerra grisalhos que costumam ficar de sentinela
naquele balcão cheio de marcas.
– Esses sujeitos parecem divertidos – comentei, sarcástico.
O Asa pôs uma cerveja na minha frente e espremeu ainda mais os olhos, porque o grupinho gritou
mais alto quando a Dixie chegou no grupo com um monte de bebidas.
– Não sei de onde eles saíram, mas gostaria que voltassem para lá.
– Você precisa de um leão de chácara para segurar as pontas.
– Era o Rome que dava um jeito na maioria dos baderneiros – disse, bufando. – Mas agora, com a
bebê e a Cora, ele não para muito por aqui. Não vejo o menor problema em rachar a cabeça de
alguém de vez em quando, mas sou fichado e preciso me comportar.
– Se o Rome não pode, contrate alguém.
O Asa foi para o final do balcão preparar uns drinques que a Dixie havia pedido e voltou secando
as mãos na parte de trás da calça.
– Ele me falou de um homem que conheceu no Exército. Acho que vai sair daqui a pouco e está
pensando em voltar para Denver. Pelo jeito, o Rome está guardando a vaga para o amigo. Você sabe
que o Rome nunca deixa de ajudar um companheiro de Exército.
Balancei a cabeça e fiquei tentando tirar o rótulo da minha cerveja com a unha.
– Ele levou a bebê para fazer trilha nas montanhas com a gente hoje. Precisava ver. Aquele
soldado imenso e mal-humorado, que parece capaz de arrancar a cadeia de montanhas inteira só com
as mãos, carregando aquela bolinha cor-de-rosa toda enrolada, cheia de lacinhos e de fofura. A
menina parece tão pequena perto dele que o Rome a segura como se ela fosse de vidro. Os dois
formam uma boa dupla, e é claro que a RJ faz o que quer com o pai.
– O Rome é um sujeito de sorte. Merece cada gota de felicidade, depois de todos os sacrifícios
que fez na vida.
Levantei a ponta do meu chapéu e olhei bem para o Asa, porque queria muito saber a resposta
para a pergunta que ia fazer.
– É disso que precisamos para o destino nos recompensar, para encontrarmos a verdadeira
felicidade? Nos sacrificar?
Os olhos dourados do Asa brilharam de curiosidade.
– Não sei. Talvez. Sei que nunca na minha vida me importei com ninguém além de mim mesmo. E
não me vejo merecendo a vida que o Rome tem nem o amor verdadeiro que existe entre a Ayden e o
Jet. E, quer saber?
O Asa se apoiou no balcão, cruzou os braços e completou:
– Por mim, tudo bem. Nunca fiz nada para merecer isso.
– E a sua mudança de vida? O fato de você agora estar aqui, ajudando o Rome, tomando jeito
para a Ayden não precisar ficar com medo do que vai acontecer com você ou das encrencas em que
ela vai se meter por sua causa? Para você isso não conta como arrependimento, como uma chance de
ser realmente feliz?
Odeio pensar que o passado define para sempre o futuro de alguém. Especialmente do Asa,
porque sei que, por baixo daquele charme todo e de suas atitudes irresponsáveis, ele é um bom
sujeito.
– Já te expliquei isso. Só porque consigo me comportar e ser certinho não quer dizer que eu seja
assim por natureza. Todos os dias preciso parar e pensar em tudo o que tenho a perder se voltar aos
velhos hábitos. Mas a tentação de ir pelo caminho mais fácil e o desejo de só pensar em mim estão
sempre me rondando. E esse tipo de homem não merece nada de bom ou verdadeiro na vida. Tenho
quase certeza de que, se algum dia puser as mãos na mulher que nasceu para mim, provavelmente vou
destrui-la. Pergunta para a Ayden. Sempre consigo destruir as coisas boas que acontecem na minha
vida.
Soltei um suspiro e dei mais um gole na cerveja.
– Bom, que merda – falei. – Passei aqui na esperança de você melhorar meu humor.
Ouvimos barulho de vidro quebrado vindo dos fundos do bar. O Asa se afastou do balcão e fez
careta. A Dixie foi até lá para ajudar a limpar, mas só conseguiu ouvir um monte de cantadas
depreciativas.
– Você estava mesmo com cara de chateado quando entrou. O que aconteceu?
É por isso que o Asa manda tão bem atrás do balcão do bar. Ele consegue falar de qualquer coisa.
É absolutamente honesto sobre quem é e o que fez e, normalmente, quem frequenta o lugar se sente
melhor em relação às próprias encrencas depois de ouvirem as histórias dele. Além disso, ele
sempre tem uma resposta para qualquer problema. Mesmo que a maioria de seus conselhos seja
mentira, é bom ouvi-los. Ainda mais quando vêm acompanhados daquele sorriso confiante e do
sotaque arrastado do sul.
– A irmã da Salem apareceu sem avisar – contei.
Ver a Poppy toda machucada daquele jeito foi como voltar no tempo.
– Eu não estava preparado. Nunca estarei preparado.
Tirei o chapéu de palha e passei os dedos em meu cabelo suado.
– Mas você deveria saber que isso era inevitável. Você está pegando uma irmã. Em algum
momento, a outra ia acabar aparecendo.
Dei uma risada seca e respondi:
– Para ser sincero, eu achava que, a esta altura, a Salem já teria enjoado de mim e ido embora,
como sempre. Não pensei que a coisa fosse ficar séria.
– Você está se iludindo, Rowdy. A coisa ficou séria no instante em que ela pôs os pés em Denver.
– Se você diz...
– E a irmã?
– O nome dela é Poppy. É uma moça muito amável. Do tipo confiável, meio das antigas, dá muita
importância à família. É casada. Sempre achei que seria a mulher perfeita para mim, mas agora
entendo que estava tentando me proteger do fato de eu ter certeza, mesmo naquela época, de que a
Salem ia me abandonar.
Ouvimos mais gritos e barulho de vidro quebrado vindo lá do fundo. O Asa mexeu o queixo e foi
andando em direção ao fim do balcão, que tem uma abertura para sair.
– E o que a irmã veio fazer aqui se tem um marido em casa?
A Dixie se aproximou, meio amedrontada. Girei na minha banqueta e apoiei os cotovelos no
balcão. O Asa parou do meu lado. A garçonete estava com os olhos arregalados e parecia nervosa.
– Aqueles sujeitos estão descontrolados – ela falou. – Tomaram uma cerveja, mas parece que
foram vinte. Jogaram duas canecas no chão, e um deles tentou me agarrar quando falei que não ia
mais servir nada. Não vou mais até lá, não.
O Asa deu uma batidinha no ombro dela e disse:
– Não precisa. Eles não vão ficar aqui por muito tempo.
Todo mundo acha que o Asa é tranquilo, de boa. Então é alarmante quando ele começa a mexer o
queixo e seu olhar, que normalmente é calmo, começa a faiscar de raiva.
– Você precisa que eu faça alguma coisa? – perguntei.
Não ia ficar ali sentado e ver o meu amigo lidar sozinho com um bando de moleques bêbados e
descontrolados.
– Não. Pode deixar comigo – ele respondeu dando risada e imitando minha pose. – Eu era
igualzinho.
Fiz uma careta e perguntei:
– Tão ruim assim?
– Bem pior, para ser sincero.
– Acho que eu não ia gostar muito de você se te conhecesse antes de aqueles motoqueiros te
encherem de porrada, Asa.
Ele me olhou de soslaio e comentou:
– Pouca gente gostava de mim naquela época. Bom, termina de me contar a história da irmã.
– Ela sempre teve o dom de encontrar os piores caras para sair. Mas, pelo estado em que estava,
parece que esse foi longe demais. Não tem como o pai dela não ter percebido e acho que, finalmente,
a Poppy chegou no seu limite. O que adianta ser leal à família se, quando alguém te machuca, todo
mundo fica só olhando, e ninguém faz nada?
– Isso é péssimo.
– É, sim. E tenho certeza de que eu ter agido como se tivesse tomado um saco de tijolos na cara
quando a vi não pegou nada bem com a Salem.
– Deve ser difícil pra ela. A Salem está com você agora, mas acha que você ainda sente alguma
coisa pela irmã, desde aquela época. É um emaranhado bem complexo de passado, presente e futuro
que a garota precisa desenrolar.
– Não sinto nada pela Poppy a não ser compaixão e, talvez, uma grande dose de arrependimento.
Isso ficou bem claro para mim hoje, quando a vi. Fiquei chocado e preocupado por ela estar toda
machucada, mas foi só isso. O jeito que a Salem me deixa, o jeito como ela me entende... Nunca tive
nada disso com a Poppy. Sempre fui atraído pela Salem, mas, naquela época, eu era muito novo e
medroso para entender o que isso significava.
O Asa fez um ruído para sinalizar que me entendia, mas logo se afastou do balcão. Um dos
rapazes do grupinho pegou um taco de bilhar e ameaçou bater na cabeça de um amigo. O outro se
abaixou, meio bêbado, e se jogou nas pernas do agressor. Em uma fração de segundo, os dois
estavam rolando pelo chão, em um emaranhado de braços e pernas. A briga de brincadeira se tornou
de verdade rapidinho.
Meu amigo foi na direção da confusão com um sorriso determinado nos lábios, e eu fui logo atrás.
Os moleques estavam rolando pelo chão, se socando. Das bocas, saíam sangue, palavrões e ameaças
confusas entre um murro pesado e outro. O Asa segurou o sujeito que começou aquela bagunça toda e
tentou tirá-lo de cima do amiguinho. Um dos outros moleques do grupo ameaçou ir para cima do Asa.
Eu sacudi a cabeça e falei:
– Acho melhor você não fazer isso, amigo.
O moleque me olhou com cara de quem estava me medindo para ver se conseguia bater em mim, e
me distraí porque o Asa soltou um monte de palavrões. O moleque que ele havia tirado de cima do
óbvio perdedor daquela briga de bêbados voltou sua raiva contra ele e estava dificultando as coisas
para o meu amigo. O Asa segurou o moleque pela nuca, pôs um dos braços no meio das suas
escápulas, mas o que quer que o pivete tinha bebido serviu de anestesia, e ele estava usando toda a
força para se soltar. Ele jogou a cabeça para trás, tentando acertar o Asa, e também tentou chutar meu
amigo, que era muito mais alto e estava muito mais sóbrio que ele.
– Para com isso, seu merdinha – o Asa falou dando uma sacudida no moleque e olhando para
mim.
Me abaixei para ver o estado do outro. Pela cara sangrenta e pelas fungadas, acho que não era
nada bom.
– Acabou pra todo mundo – o Asa disse. – Podem se encaminhar para a porta.
O moleque que estava tentando bater no Asa se soltou, jogando o corpo para a frente, para
surpresa do meu amigo, que deixou o pivete cair de cara no chão. O menino rolou para ficar de
costas, olhou para nós dois com cara de fúria e disse:
– Vai se foder. Se eu quiser, compro e vendo este bar umas cem vezes.
O Asa me olhou, depois se virou para o moleque desaforado, que já estava ajoelhado, e disparou:
– Bom, até o seu nome estar na escritura, você e seus amigos podem mexer essas bundinhas
felizes e cair fora do meu bar.
Dois meninos chegaram por trás do companheiro e o ajudaram a se levantar.
– É você quem vai me obrigar, caipira? Se encostar um dedo em mim, eu te processo. E processo
ele também – ameaçou, apontando para mim. Levantei a sobrancelha para ele, que continuou falando:
– Processo todos estes filhos da puta que estão aqui e mando te prender por agressão. Conheço meus
direitos!
O Asa deu um passo para a frente, e eu resmunguei:
– Cuidado.
Não sei se o aviso foi para o moleque ou para o Asa. Mas, de qualquer jeito, eu estava vendo a
coisa ficar cada vez mais feia.
– Já estive na cadeia, seu merda. Mais de uma vez. Que mais você tem?
Àquela altura, dois outros moleques do grupinho começaram a pensar direito, e uns dois clientes
fiéis haviam se aproximado para ver o que estava acontecendo. A luta, pelo menos, ficou mais justa,
mas o que havia começado a confusão estava olhando feio para o Asa, como se ele fosse seu arqui-
inimigo.
– Deixa comigo.
O moleque coçou o saco, e o Asa deu um passo ameaçador para a frente. Estiquei o braço para
segurá-lo.
– Quer que eu chame a polícia? – perguntei.
Achei que era uma pergunta pertinente, considerando a situação, mas o Asa e o moleque me
lançaram um olhar fulminante. Levantei as mãos, em um gesto de rendição, e dei um passo para trás.
– Saiam. Daqui. Merda.
Simples assim: não tinha como não entender que esse era o último aviso que o loiro sulista ia dar
para o grupinho.
Os amigos do moleque estavam pedindo para ele deixar por isso mesmo, falando que podiam ir
para qualquer outro bar, mas ele estava em uma queda de braço com o Asa, e nenhum dos dois queria
ceder. Então ele mandou os amigos calarem a boca e apontou o dedo para o meu amigo.
– Isso não termina aqui, cuzão – disse. Então olhou para a turma e gritou: – Vamos nessa – como
se a ideia de sair do lugar tivesse sido dele.
Antes de ir embora, fez questão de cuspir sangue no chão e derrubar uma mesa.
O Asa estava vibrando de tanta raiva, e seu jeito tranquilo havia sido substituído pelas chamas
ardentes do inferno. Seus olhos faiscavam, e seus punhos estavam cerrados. Parecia que ele ia socar
uma parede.
– Eu teria dado um soco na boca do moleque – murmurou um dos clientes fiéis, depois voltou
para o balcão, e o Asa deu um suspiro profundo.
– Lembra que eu te falei que fazer a coisa certa é difícil pra caramba? Esse foi um excelente
exemplo – explicou meu amigo. Ele passou a mão no rosto e completou: – Antes, eu teria enchido o
sujeito de porrada, pegado todo o dinheiro que ele tivesse na carteira e, provavelmente, a mulher
dele também. E teria caído fora. Melhor ainda: teria encontrado alguém para fazer o trabalho sujo
por mim e ficado com dois cuzões no meu encalço. Agora preciso pensar que, se eu fizer esse tipo de
coisa, o Rome pode ser processado, posso ir para a cadeia ou acabar virando presunto. E isso é uma
merda.
Concordo com ele, por isso não falei nada. Apenas acompanhei meu amigo até o balcão para
pagar minha cerveja e, finalmente, ir para casa tomar banho.
– Bom, às vezes a coisa certa acaba sendo a errada. Porque, se existe alguém que merece tomar
um soco na cara, é esse moleque.
E quem fez a Poppy de saco de pancada também. Larguei umas notas de dinheiro no balcão, pus
meu chapéu e falei:
– A gente se fala.
– É isso aí. E, Rowdy...
Parei e olhei para o Asa.
– A sua garota só precisa saber que, agora, ela é a mulher da sua vida. Você até podia estar
confuso quando era mais novo, com medo, e pode ter apostado todas as suas fichas na segurança, mas
agora você está correndo o risco, e a garota precisa saber que é por ela. Não tem problema nenhum a
Salem vir depois, desde que seja a última.
– Nossa! Você manda muito bem nessa coisa de conselhos de bar.
O Asa deu risada e completou:
– Quando você só faz coisa errada, aprende a ajudar os outros a evitar cometer os mesmos erros.
Obrigado por me defender. Não estou acostumado com isso.
– Vai ver você merece mais do que pensa, caipira.
Meu amigo olhou feio para mim, saí do bar e fui até a minha SUV.
O sol já havia se posto, mas, mesmo assim, era uma noite deslumbrante de verão, com um
friozinho na medida certa para lembrar que o outono ia chegar logo, logo. O tempo tem passado tão
rápido desde que a Salem chegou na cidade que nem me dei conta de que os dias amenos de verão
estavam acabando.
Cheguei em casa, tirei a roupa e tomei um bom banho. Meu pensamento estava a quilômetros de
distância, pulando do passado para o presente e martelando tudo o que havia acontecido nos últimos
meses.
Relaxei, me preparei para deitar, vendo TV e fazendo alguns desenhos para os clientes do dia
seguinte. Então ouvi uma batida na porta. Me surpreendi com o barulho, mas não fiquei nem um
pouco surpreso ao abrir a porta e ver a bela dos cabelos maravilhosos. Encostei o ombro no batente
e levantei a sobrancelha. O Jimbo passou correndo por mim e foi direto para seu lugar preferido no
sofá.
– Achei que você fosse me ligar – comentei.
Havia pedido para a Salem me ligar.
Ela inclinou a cabeça para trás, olhou para mim e piscou aqueles olhos negros bem devagar.
– Eu não sabia direito o que dizer.
– Então por que você está aqui?
Uma hora ou outra, íamos ter que conversar, lavar toda a roupa suja dessa situação com a Poppy.
Mas eu sabia que tudo ainda estava muito recente, muito em carne viva para falarmos a respeito
naquela noite. A Salem ficou tão surpresa quanto eu ao encontrar a Poppy, e tenho certeza de que ela
estava morrendo de preocupação com o estado em que a irmã apareceu.
Ela jogou o cabelo para trás, como sempre faz, e piscou para mim. Sinto uma coisa nas entranhas
quando ela pisca aqueles cílios compridos, que mais parecem uma pluma, só para mim. E aí falou,
bem baixinho:
– Não quero ir para a cama sem você.
Isso sim é uma primeira vez de verdade. A Salem é a primeira e única mulher a me fazer falta
quando vou para a cama.
A garota passou por mim, encostando o corpo no meu e passando a mão no meu peito.
– Mas tenho um pedido.
Fechei a porta e a observei ir até o meu quarto, como se fizesse isso desde sempre e aquele fosse
o único lugar onde queria estar.
– Que pedido?
Ela virou para trás, olhou para mim com um sorriso nos lábios que transmitia vibrações sexuais,
surpresa e tudo o que eu sempre quis, mas não sabia. Na hora, senti faíscas de desejo ardentes e
rápidas correrem pela minha corrente sanguínea.
– Põe o chapéu de caubói de novo.
Ah, Senhor. Hora de cavalgar.
QUANDO ACORDEI, A SALEM HAVIA IDO EMBORA, e o cachorro também. Imaginei que ela precisava dar um
pulo em casa correndo, para se arrumar para o trabalho e ver como a Poppy estava. Um monte de
coisas incríveis acontecem na sua vida quando você é tatuador. Uma das minhas preferidas é não
precisar trabalhar antes do meio-dia se eu não quiser. Me arrumei, fiquei zanzando pelo apartamento
e fiz um café com toda a calma. Acabei de me vestir e estava calçando as botas quando ouvi baterem
na porta. Achei que fosse a Salem, como na noite anterior, e quase caí de costas ao abrir a porta e dar
de cara com a outra irmã Cruz, parada bem na minha frente.
– Poppy?
Ela me olhou com seus olhos completamente roxos, e me deu vontade de estrangular quem a tinha
machucado daquele jeito.
– Será que eu posso entrar e conversar com você rapidinho?
Essa me pareceu uma péssima ideia, mas não consegui pensar em um motivo para dizer “não”.
Dei um passo para o lado, e a Poppy entrou no meu apartamento, percorrendo o lugar com os olhos,
como se alguma coisa fosse pular e atacá-la a qualquer momento.
– Acredito que a Salem saiba que você está aqui, já que você tem meu endereço.
Fechei a porta e me encostei nela, de braços cruzados. A Poppy balançou a cabeça, ficou
torcendo as mãos e andando para lá e para cá.
– Falei para a minha irmã que precisava conversar com você a sós. Acho que ela não gostou
muito, mas me passou seu endereço e me explicou como chegar aqui. A Salem é louca por você,
sabia?
– Prefiro não discutir minha vida amorosa com você, Poppy. Por que você veio?
Não sabia se queria perguntar por que ela estava em Denver ou na minha casa, mas ficaria feliz se
a Poppy respondesse qualquer uma das duas perguntas.
Ela pôs o cabelo atrás da orelha, de um jeito tão parecido com o da irmã, mas pareceu apenas
nervosa. Não havia nada sensual e confiante naquele gesto, como tem no da Salem.
– Te devo um pedido de desculpas, Rowdy... e muito mais.
A Poppy soltou os braços ao lado do corpo e me encarou fixamente. Depois completou:
– Você foi tão legal comigo, sempre se esforçou tanto para me proteger das minhas próprias boas
intenções.
– Eu pensei que te amasse.
Foi a primeira vez em que admiti em voz alta que as chances eram grandes de eu sempre ter me
enganado a esse respeito.
– Eu sei, mas você foi o único que pensou isso.
Bufei, me afastei da porta e perguntei:
– Como você sabia que eu estava me iludindo?
Ela inclinou a cabeça para o lado, e um sorriso triste apareceu em seus lábios.
– Eu morava na mesma casa da Salem e tenho olhos. Eu via como você era com ela. Minha irmã
despertou a vida em você. Eu estava lá quando ela foi embora, e você se agarrou em mim como se eu
fosse uma tábua de salvação. Entendi que para você eu era uma aposta garantida, uma chata que
nunca iria mudar. Fala sério, Rowdy... Que mulher quer ser a aposta garantida de um homem? Você
jamais tentou pegar na minha mão nem me beijar. Nem quando começou a transar com todas as
minhas amigas. Os sinais eram bem claros.
Enfiei as mãos no cabelo, porque ainda não havia passado nele as melecas que costumo usar.
– Eu fui atrás de você quando você foi para a faculdade, Poppy. Isso quer dizer alguma coisa.
Não sei se falei isso para convencer a Poppy ou a mim mesmo.
Ela suspirou, deu alguns passos na minha direção e falou:
– Eu era o seu paninho, que nem aqueles que os bebês levam para todo lado para se sentir
seguros, e você era o meu. Você não tinha mais ninguém em quem se apegar, e eu estava com medo de
tentar ser outra pessoa, depois de passar tanto tempo sendo a filha perfeita. Pensando bem, eu
deveria ter te impedido, deveria ter dito para você se libertar e ir cursar artes. A Salem, com certeza,
teria feito isso. Mas fui egoísta e estava com medo.
Antes de continuar, a Poppy apertou minha mão.
– Não sei o que eu teria feito se você não estivesse lá quando fiquei grávida, Rowdy. Você foi a
única pessoa que não me fez sentir como se eu tivesse cometido um pecado imperdoável.
Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela completou:
– Obrigada por tentar me proteger.
Soltei um palavrão, a puxei para perto de mim e lhe dei um abraço. A Poppy ainda precisa de
alguém que a proteja.
– Por que você voltou para casa, Poppy? Por que não foi viver sua vida e buscar um pouco de
felicidade? Por que voltou exatamente para o ponto de partida?
Senti que ela estava chorando porque minha camiseta da banda de psychobilly britânica The
Meteors começou a ficar molhada.
– Eu não sabia fazer outra coisa. Eu não sabia fazer coisa nenhuma. Sempre fui a bonequinha, a
filha perfeita forjada pelo meu pai. Voltei para a vida que eu achava ser capaz de ter, na qual me
sentia confortável, e olha o que consegui com isso.
– A Salem teria te ajudado a escapar dessa. Eu também teria, se você tivesse me ligado.
A Poppy começou a tremer, de tanto que soluçava, e a abracei mais forte.
– Achei que eu merecia tudo o que estava acontecendo. Achei que era o meu castigo por não
tomar as decisões certas, por não ser uma mulher direita. Fiz sexo antes do casamento, e meu filho
não vingou. Achei que tudo estava acontecendo para me mostrar que eu precisava ser uma pessoa
melhor e obedecer ainda mais ao meu pai. Achei que Deus me odiava, e que esse era o resultado. A
primeira vez em que o Oliver me bateu, eu pensei, pensei mesmo, que eu devia estar pagando pelos
meus pecados. Eu realmente acreditava que deveria estar com esse tipo de homem, que a minha vida
deveria ser assim.
– Jesus, Poppy. – Só consegui sacudir a cabeça e dizer: – Somos todos pecadores, de um jeito ou
de outro. Ninguém precisa carregar esse tipo de peso.
– Meu pai viu meu rosto, viu todos os machucados. Tenho certeza de que ele sabia o que estava
acontecendo e nunca fez nada para impedir nem tentou intervir. Ele é um homem de Deus e ficou
quieto, deixou sua filha ser agredida por um homem que deveria amá-la. Por muito tempo, achei que
ele também acreditava que era o que eu merecia.
Esse era só mais um motivo para odiar o homem que obrigou a Salem a fugir.
– E o que fez você mudar de ideia? – perguntei.
A Poppy me soltou, me olhou, toda machucada e inchada de tanto chorar, e então percebi que a
amo, sim, do fundo do meu coração, mas de um jeito bem platônico e carinhoso. Ela me ama como a
um irmão. Nada mais apropriado do que eu a amar como a uma irmã.
– Um monte de coisa. Mas o fato de a Salem ter te reencontrado e parecer feliz, feliz de verdade,
de um jeito que não ficava mais desde que ela foi embora de Loveless, foi muito importante. Me dei
conta de que o tempo passa, de que a vida continua para todo mundo, não importa o que aconteça. Já
paguei penitência por minhas escolhas erradas, e chegou minha vez de ser livre. Nunca mais vou ser
perfeita nem ser punida por essas escolhas.
Dei um abraço ainda mais apertado na Poppy e repeti uma das frases preferidas do Rome:
– Boa menina!
Eu já ia perguntar como ela tinha tanta certeza de que a Salem sempre me quis, mas ouvi um
latido, e a porta do meu apartamento se abriu.
– Estava preocupada com vocês dois. Por isso vim dar uma espiadinha para ver como andam as
coisas.
O Jimbo começou a correr em círculos pela sala, todo animado. Os olhos da Salem ficaram ainda
mais negros ao ver que eu estava abraçando sua irmã. Me soltei e dei um passo para trás, porque
sabia que aquilo não pegava bem, e a Poppy soluçou um pouco e passou a mão no rosto para secar as
lágrimas.
– Bem melhor agora – a Poppy disse.
Para minha surpresa, sua voz saiu muito tranquila. Mas a Salem estava com cara de quem comeu e
não gostou, se recusando a olhar para mim.
– É, conversamos sobre os horrores do passado, e tudo está bem mais claro para mim – falei, na
esperança de que a Salem entendesse a indireta sutil. Mas ela só mordeu o lábio e ficou enrolando o
cabelo nos dedos, como sempre faz quando está irritada.
– Que bom. Preciso levar o Jimbo para casa e ir ao centro.
A Poppy saiu de perto de mim, mas antes apertou minha mão uma última vez.
– Pode deixar que eu levo. Estou exausta e sinto que me livrei de todo o peso que apertava o meu
peito – disse.
Então me deu um sorriso amarelo, assoviou para o filhote gigante e concluiu:
– Foi muito bom te ver, Rowdy. Estava com saudade.
Bom, que merda. Foi a pior coisa que ela poderia ter dito, porque a Salem já estava com cara de
quem queria arrancar minha pele ou fazer as malas e correr para o aeroporto. Como eu já estava
enxergando o momento em que ela sairia correndo pela porta – e, provavelmente, da minha vida –, a
peguei pelo braço antes de ela tomar uma decisão precipitada e definitiva.
– A Poppy estava chorando, e fiquei com pena dela. Só dei um abraço na sua irmã... Só isso.
– Que bom. Minha irmã deve estar precisando de muitos abraços.
Essas foram suas palavras, mas seu corpo tenso dizia outra coisa, assim como o fato de ela não
me olhar nos olhos.
– Salem... – falei, segurando seu queixo para obrigá-la a me olhar. – A Poppy não é você.
Ninguém é você nem nunca foi. Não põe minhoca na cabeça, ok?
Ela não respondeu e se soltou de mim.
– Preciso ir, e você também. Não vai chegar atrasado no trabalho, Rowdy.
– Salem...
Ela precisou se virar para trás, porque já estava na porta.
– Não me abandona de novo.
Mais uma vez, ela não disse nada, e não a chamei de novo. A Salem simplesmente foi andando
pelo corredor até sumir.
Como sempre digo, se eu não fosse azarado... É claro que ela não teria aparecido bem na hora em
que eu estava abraçando a Poppy, apesar de ter sido um abraço completamente inocente. Vou ter que
seguir o conselho do Asa e dar um jeito de mostrar para a Salem que ela é a única mulher da minha
vida, sem sombra de dúvida. Ela pode até não ser meu primeiro amor, mas será meu último. Agora
entendo o que isso significa.
CAPÍTULO 14
Salem
QUANDO O ROWDY ENTROU NO ESTÚDIO, na tarde seguinte, achei que ele fosse vir para cima de mim
exigindo uma explicação para o meu terrível comportamento dos últimos dias. Mas ele não fez isso.
Ele apenas sorriu para mim, daquele jeito charmoso de sempre, e foi arrumar sua estação de
trabalho, porque tinha um cliente marcado atrás do outro, até o fim do dia. Ele não me olhou nem
falou comigo, a não ser o mínimo necessário sobre questões de trabalho. Fiquei estressada e me
sentindo pior do que já estava. Óbvio que, depois de passar aqueles dias sem vê-lo, só queria olhar
para ele e lembrar de como ele fica só com aquele chapéu de caubói surrado. Foi uma tarde bem
tensa e desagradável.
Meu plano era chamá-lo para almoçar, e por “almoço” eu queria dizer ficar em algum lugar
reservado, em que eu pudesse pegar nele e fazer de tudo para pedir desculpas e explicar as loucuras
frenéticas que se passaram pela minha cabeça desde o momento em que o vi abraçado à minha irmã.
Mas o Rowdy sumiu antes que eu pudesse fazer isso. E eu passei o resto do dia de péssimo humor.
Sabia que não fazia o menor sentido, porque eu havia passado a semana brincando de esconde-
esconde com ele, mas não consegui evitar. Por sorte, a primeira entrega de mercadorias para a loja
chegou no fim da tarde, e eu pude ir ao andar de cima para organizar camisetas, regatas, jaquetas,
camisas e camisetas térmicas e conferir como as peças tinham ficado.
Os meninos mandaram muito bem nos desenhos. Havia a cigana do Rowdy e o Sagrado Coração
do Rule. O Nash fez uma carpa de cores bem vivas e uma anja pin-up com asas tatuadas e piercings
em homenagem ao Phil. O Donovan teria ficado louco de orgulho com a homenagem feita pelo filho.
Os desenhos eram fantásticos e exclusivos. Tenho certeza de que as pessoas vão enlouquecer, e esse
é só o começo. Estou determinada a transformar esses meninos em uma marca, que pode ir muito
além das camisetas. Eles são bem talentosos e passaram por muita coisa para chegar aonde estão...
Merecem ser famosos e reconhecidos, porque estão entre os melhores do ramo.
Eu estava lá, no paraíso das roupas, já pensando nos próximos modelos e estampas e colocando a
loja virtual para funcionar, quando ouvi um som de botas subir a escada. Sabia que era o Rowdy, e
olhei no meu celular para ver as horas. Fiquei surpresa ao ver que a tarde havia acabado enquanto eu
estava ali organizando as mercadorias e que já havia passado muito da hora de eu fechar o caixa e ir
para casa.
Quando apareceu lá em cima, ele estava com o envelope do banco na mão e, no lugar do sorriso
costumeiro dos seus lábios, havia um trejeito determinado.
– Já terminei tudo lá embaixo. É só colocar o envelope no cofre. Você tem mais alguma coisa
para fazer aqui em cima?
Eu ia mexer em mais algumas caixas e abrir um caminho entre as pilhas de roupa para a Cora
conseguir passar, mas isso poderia esperar até segunda-feira. Não queria desperdiçar a oportunidade
de falar com o Rowdy, se é que ele estava disposto a fazer isso, já que passou o dia me tratando com
frieza. Me odiei por merecer esse gelo.
– Não. Vou terminar na segunda. Venho quando o estúdio estiver fechado para poder fazer isso
com calma.
O Rowdy balançou a cabeça e foi até a sala da Cora, pisando com cuidado entre as pilhas de
roupas. Ao sair de lá, estava com uma sacola preta na mão. Ele trancou a porta e se aproximou de
mim. Então segurou meu pulso com aqueles dedos compridos, me puxou em direção à escada e só
falou para eu apagar a luz. Como sempre, eu estava de salto, e não foi fácil descer a escada daquele
jeito. O Rowdy não me respondeu quando perguntei o que ele pensava estar fazendo. Não me soltou
nem para trancar a porta do estúdio. Falou para eu pegar as chaves no bolso dele e pediu para eu
fechar. Não que a tarefa tenha me incomodado, mas ele estava sendo estranho e evasivo.
– O que tem dentro dessa sacola, Rowdy? Eu falei que poderíamos conversar depois do trabalho.
Por que você está sendo tão grosso?
– Grosso não é nem a ponta do iceberg, querida.
Sabia que ele deveria estar muito bravo, já que estava me chamando daquele jeito genérico. E
tive certeza quando ele me arrastou até a SUV apesar de eu não parar de fazer perguntas e falar que
meu carro estava no estacionamento do outro lado da rua.
O Rowdy literalmente me levantou, me sentou no banco do passageiro e colocou meu cinto de
segurança como se eu fosse uma criança. Então abriu a porta de trás e jogou a sacola no banco. Vi
que tinha mais uma sacola daquelas lá. Depois ele deu a volta no carro e só me olhou e falou comigo
ao se sentar no banco do motorista.
– A Poppy levou seu carro para casa quando veio te trazer o almoço. Já que você passou a
semana me evitando, vou te levar a um lugar onde você não vai ter como fugir e vamos pôr essa
merda em pratos limpos. Se quiser me ignorar por mais dois dias, fica à vontade. Mas vai morrer de
tédio.
Ele olhou para a frente, e percebi que estava com aquele tique de mexer o queixo.
– Eu disse que queria conversar – protestei e cruzei os braços, porque não gosto de ser
encurralada e odeio me sentir castigada.
– Você disse que não ia me abandonar de novo, e fez exatamente isso nesta semana.
Era verdade, eu não tinha como negar.
– Eu só precisava de um tempo para pensar, Rowdy. Não fui a lugar nenhum, estive aqui o tempo
todo.
Ele soltou um palavrão, me olhou feio de soslaio e falou:
– Você estava aqui, sim, mas não poderia ter estado mais longe.
O Rowdy pegou a interestadual, em direção ao norte. Fiquei olhando pela janela a cidade
desaparecer e perguntei aonde estávamos indo.
Deu para perceber que ele analisou se me contava ou não, só de birra, mas sua gentileza natural
acabou falando mais alto.
– O Phil tinha uma cabana, em um bosque particular em Boulder, e a deixou de herança para o
Nash, que não teve coragem de vendê-la. Parece até que vai tentar convencer a Saint a tirar umas
férias no inverno e ficar lá com ele por uma ou duas semanas, já que os dois trabalham o tempo todo.
Disse que poderíamos ficar lá um tempo até nos acertarmos. Não tem luz elétrica. A gente vai só
pescar, trepar e conversar.
Ele levantou a sobrancelha e completou:
– E eu não trouxe vara de pescar.
Olhei pela janela, o céu estava escurecendo rapidamente, e resmunguei:
– Não acredito que minha própria irmã te ajudou a me sequestrar.
– Precisamos nos decidir, Salem. Ou ficamos juntos ou nos separamos, mas eu preciso saber qual
vai ser. A Poppy só quer que você seja feliz. Caramba! Ela só quer que eu seja feliz depois desse
tempo todo. Mas essas duas coisas estão nas suas mãos.
Depois dessa, fiquei sem saber o que dizer. Só sabia uma coisa, que havia ficado absolutamente
clara e cristalina depois de eu passar aqueles dias sem o Rowdy:
– Vamos ficar juntos, com certeza. Podemos até não nos acertar o tempo todo, e nosso caminho
pode ter uma lombada ou duas.
Pelo menos, ele parou com o tique do queixo depois de ouvir isso e parou de apertar o volante
com toda a força. Deve ter se acalmado, porque ligou o rádio, e o som psychobilly da banda
dinamarquesa HorrorPops substituiu o silêncio constrangedor, e paramos de nos alfinetar.
Boulder não fica muito longe de Denver. Mas, quando chegamos às montanhas e as estradas
começaram a ficar com jeito de trilhas, quase invisíveis, me dei conta de que íamos chegar à cabana
tarde da noite. A temperatura ainda estava agradável, e deu para eu abrir o vidro, ouvir os sons da
floresta e sentir o cheiro de todas as coisas que fazem do Colorado um lugar tão bonito. Os pinheiros,
o toque de outono no ar, a natureza intocada... Até a poeira que os pneus levantavam contribuía para a
sensação de eu estar em um lugar onde nunca havia estado antes, que tinha a sorte de conhecer. O
canto dos grilos e os uivos dos animais que vivem na floresta eram como uma canção de ninar, e
quase peguei no sono, mas eu não queria perder nada. Não sou muito chegada na natureza, mas a paz
e a tranquilidade daquele lugar eram realmente convidativas depois de eu ter passado uma semana
tão confusa e cheia de dúvidas.
Quando o Rowdy finalmente parou o carro, depois de uma hora e meia, vi que chamar o lugar de
“cabana” era um eufemismo. Parecia mais um casebre de madeira no meio da floresta, e aposto meu
melhor par de saltos que nenhuma mulher havia entrado naquele barraco decrépito antes. Também
pensei que, se era tão ruim à noite, não queria nem ver como seria à luz do dia.
O Rowdy saiu da SUV, subiu as escadas com nossas sacolas e as largou na frente da porta.
Depois foi até o porta-malas do carro, enquanto eu descia. Eu o observei tirar uma caixa de isopor
grande e levá-la até a porta também. Então ele ficou me olhando com um jeito inquisidor. Soltei um
suspiro e fui devagar até ele, com cuidado para não torcer o pé, já que estava de salto e aquele chão
era muito irregular.
Ele me deu um sorriso de desdém, abriu a porta e fez sinal para eu entrar naquela cabana
apertada. Quase dei meia-volta e saí correndo. Não tinha nada lá dentro. Eram quatro paredes, um
fogão a lenha e nada de luz, ou seja, tudo projetava sombras assustadoras. Os únicos móveis eram
uma cadeira velha, que parecia ter caído do caminhão de lixo, e uma cama de armar antiga.
Empaquei, virei para ele e falei, sem rodeios:
– Não vou dormir no chão e espero que não tenha morcego aqui.
Ele deu risada e arrastou nossas coisas para dentro. Foi de novo até o porta-malas do carro e
voltou com uma caixa de plástico enorme, que fez um barulhão quando ele a pôs no chão. Tirou duas
lanternas lá de dentro e logo as acendeu. Também tirou um colchão de ar com um adaptador que dava
para ligar no isqueiro do carro e encher. Trouxe vários cobertores e falou para eu procurar na outra
caixa algo para comer. Tinha um monte de cerveja, umas garrafas de água, coisas para fazer
sanduíche e café da manhã. Precisei admitir: o Rowdy havia se preparado bem para aquela aventura.
Assim que inflou o colchão de ar e o trouxe para dentro, arrumou a cama improvisada, tirou as
botas de caubói, deitou nela e ficou olhando para o teto. Pôs as mãos atrás da cabeça e ficou ali, em
silêncio. Tirei meu sapatos, peguei duas cervejas e fui até ele. Coloquei as cervejas no chão e sentei
naquela cama molenga, perto dos quadris dele.
– Como é que você vai sobreviver por dois dias sem as melecas que você passa no cabelo? –
perguntei, mexendo em suas mechas loiras cheias de gel.
Ele segurou meu braço, o abaixou e deu um beijo no meu pulso, em cima de uma veia que estava
pulsando forte. Então levantou a sobrancelha e abaixou o queixo, para conseguir me olhar.
– Trouxe meu chapéu de caubói – respondeu.
Ai, senhor. Precisávamos fazer as pazes logo. Fiz carinho em sua sobrancelha dourada e disse:
– Desculpa ter te feito pensar que você precisava tomar uma atitude tão extrema só para
conversarmos sobre o nosso relacionamento. Isso não está certo e não é justo com você. Eu estava
surtando e sei que não agi da melhor maneira.
Seu peito subia e descia, sua respiração estava pesada. O Rowdy segurou minha mão e me puxou
para cima dele. Fiquei deitada em cima do seu peito largo.
– Não é o fato de você ter surtado ou a maneira como você agiu que mais me preocupam. É você
ter achado que precisava surtar. Sei que essa história da Poppy é difícil, que te incomoda, mas acho
que entendi tudo agora. E, mesmo que não tivesse entendido, estamos saindo há meses, Salem. Não
sei como você pode não acreditar em mim.
Ele me fez cafuné, e foi tão bom que me deu vontade de miar como um gato e me esfregar em seu
corpo.
– Não sei. Acho que é a mesma coisa que eu te dizer que estou aqui por sua causa, que isso
significa que não vou embora, e você ainda me olhar como se eu fosse sumir de uma hora para a
outra. A gente até pode acreditar em uma coisa, Rowdy, mas nosso coração se apega a outra.
– Não quero mais me apegar a isso. Só quero me apegar a você.
Fechei os olhos para conseguir engolir aquelas palavras, que me deixaram muito feliz, mas
também muito apavorada.
– É mesmo?
O Rowdy balançou a cabeça, e seu queixo roçou nos meus cabelos.
– Mesmo.
– Precisamos esquecer todo o resto. Precisamos confiar um no outro para continuar juntos. Senti
sua falta. O Jimbo também.
Ele bocejou tão alto que ouvi seu maxilar estalar. Então me puxou mais para perto e disse:
– Sou adulto agora e muito maior do que você. Fugir de mim não vai mais ser tão fácil, Salem.
Não vou mais deixar.
Ele parecia tão certo daquilo que, pela primeira vez desde que tudo começou, eu apenas
acreditei. Acreditei nele. Acreditei em mim. E acreditei que esse lance entre a gente tem força o
suficiente para ser de verdade e durar para sempre, porque é isso que o destino (ou, quem sabe, algo
ainda mais forte que o destino) traçou para nós dois.
– Não estou pensando em fugir, Rowdy.
Estava esperando uma resposta sarcástica, uma de suas tiradas rápidas e certeiras, mas recebi
apenas o subir e descer daquele peito forte, sua respiração movimentando meus cabelos. O imbecil
do grandalhão havia pegado no sono.
Suspirei e me soltei dele, para colocar suas pernas no colchão inflável e deixá-lo mais
confortável. Não podia condená-lo. Foi uma viagem cansativa depois de um dia de trabalho corrido,
e tenho certeza de que ele não teve uma semana muito melhor do que a minha. Fiquei chateada
porque, como o Rowdy havia pego no sono antes do previsto, minhas fantasias de montar nele, toda
cowgirl sensual, sem ninguém por perto para me ouvir gritar de prazer, foram por água abaixo.
Meio chateada, revirei a sacola que minha irmã havia preparado e encontrei uma calça de
ginástica e uma regata para dormir. Fiz um sanduíche de geleia com pasta de amendoim e tentei
mandar um torpedo para a Poppy. Queria pedir para ela levar o Jimbo para passear antes de ir para a
cama. Fiquei ainda mais irritada ao descobrir que ali não havia sinal. Enrolei por uma hora e resolvi
que a única coisa a fazer era me deitar ao lado do Rowdy e tentar dormir. Desliguei as lanternas e
cheguei o mais perto possível dele. Aquele corpão ocupava quase toda a cama.
Fiquei ouvindo os sons tranquilos da floresta e da noite e o ritmo da respiração do Rowdy.
Suspirei quando ele me abraçou dormindo e me puxou para perto de seu corpo.
Percebi que o que importa é aonde cheguei, e não onde estive. Porque, enquanto o Rowdy estiver
aqui, independentemente do que acontecer, é a seu lado que vou estar.
Mesmo que seja em uma cabana perdida no meio das montanhas do Colorado.
CAPÍTULO 15
Rowdy
PASSAMOS O RESTO DO DIA SÓ DE BOBEIRA, JUNTINHOS. Montei o fogão portátil, fizemos uma comida de
verdade e café solúvel. Esquecemos de todas as nossas questões mal resolvidas. Falei para a Salem
que pararia com a obsessão de achar que ela faria as malas e iria embora a qualquer momento se ela
parasse de tentar me fazer voltar no tempo, para a época em que, na cabeça dela, eu era apaixonado
por sua irmã. Acho que nós dois somos realistas a ponto de entender que nada é perfeito, que ainda
vamos topar com alguns obstáculos, mas que vale a pena ficarmos juntos e fazer esse esforço.
Depois de me ver a maior parte do dia só de jeans, bota e aquele chapéu sortudo de caubói, a
Salem passou mais de uma hora falando que eu deveria fazer umas fotos para o calendário da loja.
Disse que, se eu conseguisse convencer o Nash e o Rule, além do Jet, do Rome e do Asa, o troço ia
vender feito pão quente. Falou que ia chamar o calendário de Os Homens Marcados, e que o negócio
ia dar tanto dinheiro que poderíamos nos aposentar se quiséssemos. Apenas revirei os olhos e tentei
mudar de assunto, mas dava para ver que ela estava maquinando. A Salem sabe ser persistente.
A Poppy havia colocado um par de chinelos de dedo na mala dela, então andamos em volta do
lago e tiramos um cochilo no começo da tarde. Acordei com sua boca em volta do meu pau, e sua
língua fazendo coisas deliciosas. Descobrimos, da pior maneira possível, que o colchão de ar não foi
feito para esse tipo de atividade extracurricular. Depois de mais uma rodada de sexo ardente no chão
da cabana, resolvemos que já havíamos causado muito dano à natureza e que estava na hora de voltar
para a cidade. A Salem queria cuidar de várias coisas, já que tinha chegado mercadoria para a loja.
Então, arrumei tudo e concordei que seria legal passar a noite em uma cama confortável. Além disso,
eu estava com saudade do cachorrinho, e acho que ela queria muito saber como a irmã estava.
O sinal dos nossos celulares voltou na fronteira de Boulder. O da Salem tocou, com mensagens
perdidas, e o meu não parou de apitar. Caramba, o Jet havia ligado vinte vezes, e tinha dez
mensagens de texto dele. Franzi a testa e liguei para ele, apesar de não gostar de falar ao telefone
enquanto dirijo na interestadual.
Quando ele atendeu, parecia estar no meio de uma multidão.
– Onde é que você está? Te liguei o dia todo, caralho!
Fiz careta e olhei para a Salem. Ela, obviamente, tinha ouvido o Jet, que estava falando alto.
– Estava na cabana do Phil com a Salem. Precisávamos conversar em um lugar mais reservado. O
que está acontecendo?
– Estou tentando pegar um avião para sair de Boston e ir para Denver, mas nenhum voo está
decolando por causa da bosta da neblina – falou. Depois resmungou alguma coisa que não consegui
entender e disse:
– Preciso que você cuide da minha mulher para mim. O Asa foi preso ontem à noite, e tenho
certeza de que a Ayden está quase surtando.
– O quê?
Fiquei tão chocado que o carro foi um pouco para o lado, e a Salem gritou comigo. Pedi
desculpas e parei no acostamento para poder me concentrar no que o Jet contava.
– O que aconteceu? – perguntei.
– Não sei direito. A Ayden nem ficou sabendo pelo Asa. Foi a Royal que ligou e avisou – o Jet
disse. Depois ele soltou um suspiro. Eu consegui enxergar meu amigo andando para lá e para cá e
enfiando as mãos no cabelo bagunçado. – Foi ela que o prendeu.
– Você só pode estar de brincadeira.
– Bem que eu queria. Só sei que minha mulher está lá, eu estou aqui, e essa é uma grande merda.
Preciso que você cuide dela.
– Claro. Já, já chegamos em Denver. Vou direto para a casa da Ayden.
– Obrigado.
– Imagina. Se te interessa, acho o Asa um sujeito legal. Acho mesmo que ele mudou.
O Jet soltou outro palavrão e disse:
– Eu também achava. Mas nada que ele faça me surpreende. Preciso desligar. Tenho que dar um
jeito de ir para casa. Valeu.
Desliguei e fiquei apenas olhando para o celular por um tempo. Olhei para a Salem, sacudi a
cabeça e contei:
– A Royal prendeu o Asa ontem à noite.
Ela mordeu o lábio e perguntou:
– Por quê?
– O Jet não sabe. Está com medo de a Ayden perder a cabeça por causa disso.
A Salem balançou a cabeça.
– Aposto que sim – disse. – Espera um segundo. Vou mandar um torpedo para a Saint. Ela e a
Royal são unha e carne. Deve ter todas as informações privilegiadas.
Levantei a sobrancelha e perguntei:
– Você não acha que a Ayden já deve ter tentado fazer isso?
– Talvez – respondeu, encolhendo os ombros.
Mandei uma mensagem para a Ayden, dizendo que estava a caminho, e voltei para a estrada. Dali
a uns dez minutos, o celular da Salem apitou duas vezes.
– Agressão. Uns moleques foram até a delegacia e registraram queixa contra o Asa. A Saint disse
que um deles estava bem machucado. Ele alega ter ido até o Bar pedir desculpas pela confusão que
ele e os amigos haviam causado e que o Asa pulou em cima dele no estacionamento. – A Salem
franziu a testa, olhou para mim e perguntou: – Não tem câmera lá no Bar?
– Não do lado de fora. Aposto que sei quem são esses moleques.
– Sabe?
– Sei. Esses dias havia um grupinho de imbecis lá enchendo o saco do Asa. Ele expulsou os
pivetes, na boa, mas um moleque disse que ele se arrependeria. Não deve ser difícil descobrir que o
Asa é fichado. Se alegar um crime de agressão, os tiras são obrigados a prendê-lo. – Apertei as mãos
no voltante e disparei: – Filho da puta.
– Você precisa contar isso para a Royal.
– A gente precisa arrumar um advogado para o Asa – retruquei, olhando de canto para a Salem. –
O passado dele é bem ruim. Não vai pegar bem com o juiz.
– Bom, você foi testemunha. Se tem câmeras lá dentro, pode provar que esse moleque está de
vingança para cima do Asa e...
A Salem ficou quieta por um instante, depois pôs a mão na minha perna e disse:
– Se você precisa de um advogado, conheço alguém para quem você pode pedir ajuda.
Ela estava falando da Sayer. Ai, Senhor. Será que dava para aquele dia ficar ainda pior?
– Ela é advogada de família. Precisamos de um advogado criminal – respondi.
– A Sayer é inteligente e gosta de você. Se pedir ajuda, não tenho dúvida de que ela vai encontrar
o melhor advogado criminal do estado. Você precisa dar uma chance para ela, Rowdy. Como você
deu para mim. Nós duas viemos para Denver por sua causa, é você que precisa abrir a porta para nos
deixar entrar.
Eu não queria, porque, assim que abrir essa porta, não vou mais conseguir fechá-la. A morena
sensual que estava sentada ao meu lado era a prova viva disso. Quanto mais pessoas eu deixar entrar,
mais tenho a perder ao longo do caminho. Mas precisava engolir esse medo pela Ayden e pelo Jet.
– Liga pra ela – respondi, entredentes. E fui voando para Denver tentar livrar o Asa da confusão.
CAPÍTULO 16
Salem
Rowdy
ACORDEI COM UM PULO e soltei um palavrão, irritado, quando o cotovelo da Salem acertou meu
estômago. Ela saiu da cama às pressas. Na hora, não consegui entender o que ela estava fazendo, mas
aí ouvi a Poppy bater freneticamente na porta do quarto, e o cachorro latindo, em desespero. Soltei
um gemido e fui tateando em busca da calça jeans que havia deixado do lado esquerdo da cama na
noite anterior. Como a Salem tinha roubado minha camiseta, entrei na sala para ver o motivo daquela
confusão sem nada para me cobrir da cintura para cima.
Falei para o Jimbo ficar quieto e joguei uma bolinha de tênis para distraí-lo. A Poppy gritava com
a Salem, dizendo um monte de coisas sem sentido. Eu já ia assoviar e falar para todo mundo se
acalmar, porra, quando o interfone tocou. Tocou sem parar, como se tivesse alguém encostado nele.
Ainda eram quatro da manhã e, obviamente, não podia ser um vizinho que tinha esquecido a chave de
casa.
– O que é que está acontecendo? – perguntei, passando as mãos no cabelo e indo na direção das
meninas.
A Salem virou para trás e me olhou, com uma expressão preocupada e impenetrável. Sua pele é
morena, mas ela estava pálida.
– A Poppy acha que é o Oliver, o marido dela.
Franzi a testa e cruzei os braços. O interfone tocou de novo, e olhei para ele com uma cara de
fúria.
– E como é que esse idiota descobriu que você está aqui? – perguntei.
A Poppy balançava a cabeça sem parar e estava aos prantos.
– Não sei. Ai, meu Deus. Ele vai me matar.
Franzi a testa mais ainda e fui até o interfone.
– Deve ser apenas algum bêbado que não consegue entrar e está encostado no botão – falei.
Apertei o botão para falar e gritei: – Cai fora. Ninguém vai deixar você entrar. São quatro da manhã.
Não me faça chamar a polícia.
Ninguém respondeu. Mas, assim que eu soltei o botão, o interfone começou a tocar de novo. A
Salem me olhou com um jeito que dava a entender que eu deveria saber como agir. Encolhi os
ombros e disse:
– Tudo bem. Vou lá embaixo ajudar esse sujeito a tirar a porra do dedo do botão. Seja lá quem
for.
A Poppy chorou mais ainda, e a Salem fez careta.
– Você viu o estado em que a Poppy chegou aqui. Ele é perturbado e imprevisível. Não quero que
você se machuque. Acho que devemos chamar a polícia e pronto.
O interfone começou a tocar de novo, e o Jimbo latiu para ele. Fiz carinho nas orelhas do bicho e
respondi:
– Deixa eu tentar resolver primeiro. Esse sujeito não tem o direito de perturbar as minhas
meninas e, talvez, só precise encarar alguém do seu tamanho.
A Poppy soluçou e disse:
– O Oliver é louco, Rowdy. Quase me matou de tanto me bater porque eu não quis ter filhos com
ele. E se estiver com uma faca ou uma arma? Não quero que você se machuque por minha causa.
Dei um sorriso amarelo para as duas e abri a porta.
– Não se preocupem comigo – garanti. – Sei cuidar bem de você, lembra?
As duas falaram meu nome, e o Jimbo saiu correndo pela porta até o fim do corredor, na entrada
do prédio. Segurei o cachorro pela coleira, apenas para garantir, abri a primeira porta e fui até a
segunda, onde fica o interfone. Havia um homem parado na frente do aparelho, apertando o botão do
apartamento da Salem, sem soltar.
Era um sujeito bem comum. Muito mais baixo do que eu, vestindo uma calça cargo genérica e uma
camiseta polo para fora da calça. Parecia ter bagunçado o cabelo com as mãos, de nervoso. Ao
pousar os olhos castanhos em mim, pude ver a fúria estampada neles.
– Meu, para com isso. Não sei quem você é, mas está tocando no apartamento errado – avisei.
O Jimbo latiu de novo e tentou se soltar. Ele é um cachorro muito bonzinho, nunca fica agressivo.
Por isso desconfiei, fiz careta para o sujeito e reforcei:
– Cai fora.
Ele se afastou do interfone e me olhou de cima a baixo. Tudo bem que eu estava com jeito de
quem havia trepado muito e acordado de mau humor, o que era verdade. Mas, mesmo assim, sou
muito mais alto que ele e não tive como não notar a apreensão em seu rosto contorcido. O homem
fixou os olhos no navio pirata que tenho tatuado no peito e perguntou, com um sorriso de desdém:
– E quem é você?
Fiquei tão passado que só consegui piscar. O cachorro deu um latido alto e estridente, e aquele
homem olhou feio para ele.
– Quem está do lado de fora do prédio não tem direito de fazer perguntas. Como eu disse, cai
fora, senão vou chamar a polícia.
Ele inflou o peito, e a raiva tomou conta da sua expressão.
– Minha mulher está aí dentro, e não vou a lugar nenhum até falar com ela.
A Poppy tinha razão. Ele tem uns parafusos a menos.
– Não. Você não vai chegar perto dela. Vi o que você fez da última vez em que “conversou” com
a Poppy, e isso não vai acontecer de novo.
– Ela é minha!
Dei um passo para a frente, e o cachorro se lançou bem na virilha do sujeito.
– Gente não é propriedade. A Poppy é uma boa moça, que merece mais do que um cuzão que a faz
de saco de pancada e um pai que finge não estar acontecendo nada. Volta para o Texas e esquece que
ela existe.
Ele deu um passo para a frente e quase perdeu o dedo ao resolver enfiá-lo no meu peito.
– Sei tudo sobre você – falou. – O órfão que não tem família, não tem raízes. Você não tem nada
nem ninguém. A Poppy não te quis naquela época e não te quer agora, de jeito nenhum. Vou falar com
ela nem que precise passar por cima de você.
Acho que eu deveria ter deixado por isso mesmo, deveria ter dado um jeito de manter a calma.
Mas, antes que eu conseguisse pensar nas palavras certas e mandar aquele verme se foder, ele
levantou o pé e chutou o Jimbo, acertando o corpo do cachorro em cheio. O bicho uivou de dor e se
soltou da minha mão. Nem precisei me dar o trabalho de começar a briga, porque o filho da puta
tentou me dar um soco no estômago quando me virei para ver se o Jimbo estava bem. Segurei seu
punho cerrado e torci seu braço atrás das costas. Ao conseguir dominá-lo, dei um soco em sua boca,
tão forte que cortou seu lábio. O sangue escorreu por seu queixo. Sou tão mais alto que ele não
conseguia me atingir, só ficava se sacudindo. Eu o virei e lhe dei uma chave de pescoço, ele não teve
como se soltar.
Ele jogou a cabeça para trás, tentando me acertar. Segurei sua nuca e dobrei seu corpo para a
frente. Ele ficou todo encolhido, em um ângulo completamente esquisito e doloroso. Empurrei o
sujeito pela entrada do prédio, passei pela calçada, até chegar na rua. Soltei o tal do Oliver com
tanta força que ele cambaleou e caiu de quatro no chão.
– Não volta aqui. Vou levar a Poppy para pedir uma ordem de restrição contra você hoje mesmo.
Pode acreditar: se você acha que sou ruim, espera até ver o que a irmã dela vai fazer com você se
resolver aparecer de novo. Só uma bosta de homem como você bate em mulher. Considere-se um
sujeito de sorte por eu não te encher de porrada como você fez com a Poppy.
Ele virou, me olhou feio, e posso jurar que ficou tramando a minha morte. Devia ter arrebentado o
nariz dele só para ele aprender ou, pelo menos, ter-lhe dado um chute nas costelas, em nome do
Jimbo.
– A Poppy é minha – ele vociferou.
Apenas levantei a sobrancelha e falei:
– Não é o que ela acha. Alguém precisa te ensinar a respeitar as mulheres.
Assoviei para chamar o Jimbo e caí na gargalhada ao ver que ele mancou até o intruso caído e
levantou a perna. O marido da Poppy tentou se arrastar para não ser atingido pelo banho de xixi, mas
não deu tempo. O Jimbo voltou para o meu lado, todo orgulhoso. Ficamos observando aquele verme
se levantar, nos xingar e falar um monte de palavrões, até ele entrar no carro.
Dei uma batidinha na cabeça do cachorro e falei “bom garoto”, antes de ele voltar para as
meninas.
Quando entrei, a Salem estava andando para lá e para cá, e a Poppy, toda encolhida no sofá.
Minha namorada se atirou em mim assim que passei pela porta. Dei um abraço nela e beijei sua testa.
– Liguei para a Royal. Precisei fazer isso.
Ela me olhou e puxou as pontas do cabelo. Beijei sua boca trêmula e disse:
– É uma boa ideia sua irmã conversar com ela. A Poppy tem razão. Ele tem sérios problemas.
Acho que pode ser uma grande ameaça não apenas para ela, mas para você também. A Poppy precisa
conseguir uma ordem de restrição urgente, e você precisa ver com a Royal se não dá para prender
esse Oliver por maus tratos a animais.
Inclinei a cabeça na direção do cachorro, que havia se instalado no sofá ao lado da Poppy, e
contei:
– Ele chutou o Jimbo.
A Salem soltou um suspiro de surpresa e xingou o marido da irmã de tudo o que conseguiu
lembrar.
– Que bom que você estava aqui – falou.
A Poppy levantou a cabeça e concordou:
– Também acho.
Beijei a Salem de novo e declarei:
– Sempre vou estar aqui.
Minha namorada abraçou minha cintura e encostou o rosto em cima do meu coração que, juro,
estava batendo apenas para ela.
– Eu também, Rowdy.
E acreditei mesmo quando ela me disse isso. Nada poderia me deixar mais feliz.
CAPÍTULO 18
Salem
Rowdy
OI UMA NOITE HORRÍVEL. A polícia não estava ajudando muito e, se não fosse a Royal aparecer e
F servir de elo não oficial entre a Salem e os detetives responsáveis por investigar o caso, as
chances de a minha garota ter ido parar na cadeia eram grandes.
A Salem estava frenética, o que era compreensível, porém, mais que isso, estava furiosa. Estava
brava com ela mesma por ter ido embora do estúdio sem mim, por mais que eu repetisse que não
teria feito diferença. O Oliver estava armado e determinado a levar a Poppy. Eu estando com elas ou
não, uma bala é sempre uma bala, e é bem provável que ele teria me visto como uma ameaça e
atirado, apenas para me tirar do caminho. Eu deveria ter ficado quieto, porque isso só deixou a
Salem ainda mais furiosa e preocupada. Sei bem como é. Só de pensar que um maluco apontou uma
arma para ela e disparou me dá vontade de bater em todo mundo.
Ela estava brava com a Poppy, por ter ido com o Oliver, mas estava simplesmente furiosa por
saber que a irmã se casou com um tipo como aquele por causa do pai delas e seu jeito doentio de
criar as filhas. Dava para ver uma tempestade se formando dentro dela, e torci para conseguir dar
tudo de mim no momento em que essa tempestade cair. Até lá, só podia abraçá-la, falar que tudo ia
ficar bem e mandar uns olhares de súplica para a Royal, por cima da cabeça da Salem, que ora
chorava, ora xingava todo mundo.
Eu também estava preocupado com a Poppy. Tinha visto de perto como seu marido é perturbado.
O fato de ele ter apontado uma arma para duas mulheres inocentes em plena luz do dia só mostra que
ele não liga nem um pouco para as repercussões dos próprios atos e não tem medo de ser preso. O tal
Oliver está absolutamente determinado a reaver o que acha que lhe pertence. Ele não vê a Poppy
como ser humano. Minha amiga está presa dentro de um carro com um agressor armado que a enxerga
como uma propriedade e nada mais. Para ele, a Poppy é apenas uma coisa, e as pessoas quebram e
destroem suas coisas o tempo todo. Nem posso pensar muito nisso, senão tenho vontade de me isolar
do mundo e não posso fazer isso agora. Preciso cuidar da Salem.
Posso não amar a Poppy do mesmo jeito que amo a Salem, mas ela ainda é muito importante para
mim. Ainda ocupa um lugar importante na minha história e no meu coração e, sem dúvida, faz parte
da minha família improvisada. Já perdi gente demais nesta vida. Não vou perder mais uma pessoa, de
jeito nenhum.
Na manhã seguinte, bem cedo, fiquei sentado no sofá da sala do apartamento da Salem. Ela tinha
acabado de dormir ali, depois de passar horas e horas andando para lá e para cá. Mesmo dormindo,
estava agitada, choramingando. Fiquei passando o dedão em círculos na sua testa e vendo TV sem
prestar atenção. Na parte de baixo da tela, havia informações sobre o Oliver e o sedã. Foi
absolutamente surreal ver a descrição da Poppy. A reportagem fez parecer que ela era uma
desconhecida, apenas mais uma mulher que acabou se dando mal. Odiei ver aquilo e odiei o fato de
isso estar acontecendo com a irmã da minha namorada e com as pessoas que a amam.
O Jimbo estava enrolado no sofá, do outro lado. Ele já estava grandinho para ficar subindo nos
móveis, mas não havia saído de perto da Salem desde que a polícia foi embora. Acho que o
pobrezinho estava se sentindo mal por não poder ajudar. Não tirava aqueles grandes olhos dourados
da dona, que dormia e não parava de se mexer e de murmurar. Fiz carinho em sua cabeça grande
falei:
– Tudo bem, amigo. Não é fácil garantir a segurança da sua dona.
O bicho fez um barulho pelo nariz, como se entendesse exatamente do que eu estava falando, e
ficou balançando o rabo.
Olhei para a Salem e percebi que ela estava com a testa franzida, com linhas profundas entre suas
sobrancelhas. Alisei sua testa com a ponta dos dedos, soltei um suspiro e disse:
– Essa deve ser a pior hora possível para te dizer isso, mas eu...
A Salem se virou de repente e me olhou bem nos olhos. Aquele olhar negro infinito refletia meu
passado, meu futuro, todos os meus segredos e todos os sonhos que já tive. Era como encarar a
eternidade e ter certeza de que aquela mulher estaria para sempre no centro de tudo.
– ...te amo. Vou te amar para sempre, ao infinito.
A Salem baixou seus longos cílios apenas por um instante, depois os levantou de novo. Dava para
ver os sentimentos que ela tem por mim brilharem como as estrelas no céu naquelas profundezas
escuras.
– Eu também te amo. Não conseguiria passar por isso sem você. Sempre fui mais forte com você
ao meu lado. Sempre precisei de um motivo para ficar com alguém. Mas, com você, nunca precisei.
Ficar com você é minha única opção, porque o único lugar onde quero estar é onde você estiver.
Isso foi tudo o que sempre quis que ela me dissesse. Me abaixei e a beijei de leve.
– Posso ter levado um tempão para perceber a diferença entre o primeiro amor e o amor
verdadeiro, Salem, mas nada é mais real do que o que sinto por você.
A Salem ia responder, mas bem na hora seu celular tocou. Nós dois congelamos e nos encaramos
com olhos arregalados e nervosos. Peguei o telefone e me encolhi todo, sem querer, quando vi que
era a Royal quem estava ligando. Nem acreditei que minhas mãos estavam tremendo quando passei o
dedo na tela.
– Alô?
– Rowdy? – respondeu, com a voz baixa.
Dava para ouvir uma grande comoção no fundo.
– Sim, estou aqui com a Salem. Você tem alguma notícia?
Minha namorada se sentou e segurou minha mão livre com suas duas mãos. Estava pálida e com
os olhos tão arregalados que pareciam tomar conta de todo o seu rosto. O medo que brilhava neles
caiu como uma pedra no meu estômago. Senti um aperto no peito de tanta necessidade de fazer
alguma coisa por ela.
– Acho que é melhor eu falar com a Salem.
A voz da Royal continuou firme e baixa, mas suas palavras foram como um terremoto que sacudiu
todo o meu ser.
Meu coração afundou no meu peito e, por instinto, meus dedos apertaram as mãos da Salem.
– Vou pôr no viva voz.
– Ok.
Ela esperou até eu tirar o celular do ouvido e colocá-lo em cima do sofá, entre a Salem e mim, e
pôr no viva voz.
– Pode falar, Royal.
Nossa amiga suspirou. Ouvimos sirenes e mais comoção.
– Antes de mais nada, a Poppy está bem. Está em uma ambulância, a caminho de um hospital em
Albuquerque.
A Salem soltou um ruído e jogou o corpo para a frente, apoiando a testa em meu ombro.
– Graças a Deus – falou.
– Sim. A patrulha rodoviária recebeu o alerta sobre o carro que o marido dela estava dirigindo
depois de ele ter cruzado a divisa do Colorado. Pelo jeito, o Oliver estava voltando para o Texas
com a sua irmã.
– Era de se esperar.
Fiquei aliviado, mas algo no jeito como a Royal estava falando, aquela maneira profissional e
distante de relatar os acontecimentos, me deixou com o pé atrás. Dava para sentir que havia rolado
mais alguma coisa.
– Ãhnnn... a Poppy estava bem machucada quando os policiais finalmente conseguiram resgatá-la.
Não sei qual a dimensão dos ferimentos, mas sei que é grave.
Percebi que ela estava amenizando a notícia pelo bem da Salem. Minha namorada tinha lágrimas
enormes brilhando em seus cílios negros, e tive certeza de que estava lendo nas entrelinhas, assim
como eu.
– Que mais, Royal? Fala logo pra gente poder se organizar e ir para o Novo México o mais
rapidamente possível.
A Royal suspirou de novo e deixou um pouco de lado a postura de policial. Sua voz tremeu só um
tantinho, transmitindo emoção o suficiente para deixar de ser apenas profissional e falar como amiga.
– O marido resistiu. Os policiais conseguiram encurralá-lo em uma parada da estrada depois de
uma perseguição de 45 minutos. Ele ainda estava armado.
A Royal ficou em silêncio por um instante, e eu gelei. A Salem enfiou as unhas na minha mão com
tanta força que sangrou.
– Houve confronto.
– Merda – falei.
Simplesmente escapou, e a Salem balançou a cabeça. Era como ouvir nossos piores medos
virando realidade.
– Sim. O Oliver estava com a arma apontada para a cabeça da Poppy. Ameaçou atirar nela,
ameaçou atirar em si mesmo. A patrulha rodoviária chamou uma equipe de especialistas em situações
com reféns para negociar com ele. A notícia vai sair em todos os canais daqui a uma hora, tenho
certeza.
A Salem começou a balançar a cabeça para a frente e para trás, meio entorpecida. Parecia querer
negar o que tinha acontecido com a irmã.
– No fim das contas, a equipe da Swat precisou tomar medidas preventivas para eliminar a
ameaça.
A Salem soltou minha mão e ficou de pé. Estava com uma cara exausta e parecia tão frágil... Mas,
como sempre, sua força falou mais alto.
– O que foi que aconteceu, Royal?
– O Oliver Martinez morreu.
Dei um suspiro profundo e troquei um olhar solene com a Salem.
– Que bom.
– É, bom. No final, a refém foi resgatada, mas, Rowdy...
A Royal ficou sem voz e precisou limpar a garganta para concluir:
– A coitada viveu um inferno. Teve que testemunhar o homem com quem era casada morrer bem
na frente dela. Não importa quanto ele a maltratou, quão horrível ele era com ela... Esse tipo de coisa
muda a vida de uma pessoa. A Poppy não vai mais ser a mesma depois dessa experiência.
Puxei a Salem para perto do meu peito, porque suas lágrimas finalmente se soltaram daqueles
longos cílios e começaram a rolar.
– É claro que não, mas vamos cuidar dela, ajudá-la a superar essa história. É isso que uma
família faz.
– Eu sei. Ela tem sorte de ter vocês.
– Obrigada por avisar, Royal.
– Imagina. Se precisarem de alguma coisa, é só falar. Vou te mandar uma mensagem com as
informações que tenho sobre o hospital para onde ela está sendo levada.
A Salem murmurou um “obrigada” que ficou abafado no tecido da minha camiseta. Desliguei o
celular e a abracei o mais apertado que pude.
– Ela vai ficar bem. A Poppy é uma Cruz, e vocês são guerreiras.
Minha namorada passou os braços pela minha cintura e apoiou o queixo no meu peito, bem em
cima do meu coração, que batia descompassado de tanta adrenalina e alívio.
– É, mas cansa lutar uma vida inteira.
Ela se soltou, me olhou, e pude ver, sentir e cheirar: a tempestade estava caindo, pronta para
acabar com tudo o que estivesse em seu caminho.
– Chegou a hora de bater de frente, de uma vez por todas – falou.
Só consegui encolher os ombros e dizer:
– Vamos cuidar da sua irmã primeiro.
A Salem se afastou de mim, balançando a cabeça.
– Eu te amo. Amo o fato de você saber o que preciso fazer e não surtar por causa disso – ela
declarou.
Eu já estava no celular, pesquisando voos de Denver para Albuquerque. Ainda bem que é um voo
rápido, e não ia demorar para estarmos ao lado da Poppy. Levantei os olhos da tela e dei um sorriso
tímido para a Salem.
– Você sempre teve um lado cigana, Salem. Desde que você volte para mim, te deixo ir aonde
quiser. Vou estar bem aqui quando você voltar.
Percebi que seu lábio inferior tremeu ao ouvir minhas palavras. Antes que eu conseguisse clicar
no botão para comprar a passagem de última hora, que estava ridiculamente cara, a Salem se jogou
em cima de mim, e seu corpo trêmulo de fêmea tomou conta dos meus braços. Ela segurou meu rosto
com as duas mãos e me deu um beijo com sabor de eternidade.
– As ciganas preveem o futuro com suas bolas de cristal. Sabe o que eu vejo na minha?
– Nós dois?
Ela apenas deu uma risadinha e me beijou de novo.
– Isso mesmo: nós dois. Vou separar umas coisas pra levar para a Poppy. Precisamos ver o que
vamos fazer com o Jimbo, já que você vai comigo, e não sabemos quanto tempo precisaremos ficar
fora.
Conheço um monte de gente que, com certeza, me salvaria nessa situação. Mas, por algum motivo,
a primeira pessoa em quem eu pensei foi a Sayer. E não foi porque sua casa tem um quintal gigante.
É claro que ela disse que largaria tudo o que estava fazendo para ir buscar o cachorro. Também
ficou superfeliz, de verdade, ao saber que a Poppy estava bem e falou, baixinho, que tinha uma lista
de terapeutas especializados nesse tipo de trauma para indicar à irmã da Salem quando fosse a hora
certa. A Sayer é uma boa pessoa, é impressionante como é compreensiva. Quanto mais falo com a
minha irmã, mais a deixo se aproximar de mim, mais orgulhoso fico de ter o mesmo sangue que ela
correndo nas minhas veias. Fico feliz de a Sayer querer que eu faça parte da sua família e mal posso
esperar para apresentá-la à minha.
Levou só meia hora para a Sayer aparecer e levar o Jimbo. As meninas se abraçaram, e mais
lágrimas rolaram. Precisei arrastar a Salem porta afora, e fomos voando para o aeroporto. Nós dois
estávamos agitados e ansiosos. Passamos pelo raio X nos arrastando e esperamos o embarque com
impaciência. Como nem eu nem ela havíamos dormido, é claro que pegamos no sono assim que o
avião alcançou a altitude de cruzeiro. Quando o avião encostou as rodas no chão, acordamos com um
susto, sabendo que alguém que amamos muito havia sobrevivido a uma tragédia, estava ferida,
sozinha e transformada por essa experiência. A vibe era pesada, mas nos agarramos um ao outro e
não soltamos mais.
Deu um pouco de trabalho conseguir ver a Poppy no hospital. Ainda havia muitos policiais de
vigia e vários jornalistas de tocaia como abutres. As enfermeiras sabiam quem era a Salem e logo a
encaminharam para o quarto. Ela não queria ir sem mim, mas, como não sou parente direto, não
queriam me deixar ver a Poppy. Achei que era mais importante que ela visse um rosto conhecido do
que ficar discutindo as normas do hospital, mas a Salem não quis saber. Acabou conseguindo que me
deixassem entrar, convencendo todo mundo com seu charme característico.
Quase desejei ter ficado no hall do hospital. A Poppy estava com uma aparência terrível. Seu
rosto estava quase deformado de tanto apanhar. O cabelo estava todo bagunçado e melado, cheio de
sangue seco. Os olhos estavam roxos e tão inchados que nem sei se ela conseguia enxergar alguma
coisa. Mas, mesmo assim, dava para ver que seu olhar, normalmente radiante, estava estranho e
vazio. A irmã da minha namorada parecia mais do que arrasada. Eu quis dar meia-volta e fingir que
nada daquilo havia acontecido, mas a Salem foi em frente e abraçou a irmã com delicadeza, e as duas
ficaram se balançando, cercadas pelo monte de tubos e monitores ligados ao corpo da Poppy.
Sem arrependimentos. Sem palavras inúteis de condolências. A Salem apenas abraçou a Poppy,
que não parava de chorar. Ela sabia que nada poderia amenizar aquela situação nem fazer sua irmã se
sentir melhor. Por isso, só ofereceu sua força, que era a única coisa que a Poppy realmente precisava
naquele momento. Como eu não sabia direito o que fazer, fiquei parado perto da porta, observando
aquela cena de cortar o coração. Como um homem que adora essas duas mulheres, que amou a ambas
durante a vida inteira, de maneiras diferentes, me senti impotente e com raiva de ver que elas
estavam sofrendo tanto, e não havia nada que eu pudesse fazer. Se o Oliver não tivesse morrido, eu
iria atrás dele na hora e o mataria com as minhas próprias mãos.
A Poppy deve ter percebido a dimensão da minha raiva e como eu estava incomodado, porque
bateu a mão na cama, perto dos quadris, e fez sinal para eu me aproximar.
Me sentei com todo cuidado e segurei a mão da Poppy. Suas unhas estavam quebradas e
machucadas, ela tinha marcas roxas de dedos do pulso até o cotovelo. Não sei o que o Oliver fez
com a Poppy, mas ela resistiu bravamente. Não é nada fácil ver alguém naquele estado, ainda mais
quando se trata de uma pessoa tão importante.
– Fico tão feliz em saber que vocês dois estavam juntos, apoiando uma ao outro, enquanto tudo
isso acontecia – falou, com a voz rouca.
Parecia ser um grande sacrifício pronunciar as palavras. A Poppy franziu os olhos para mim, e
pude ver uma sinceridade vinda do fundo do seu coração refletida nos olhos inchados.
– Sei que deve ter sido bem difícil para vocês – completou.
Nunca mais quero perder uma pessoa amada. Esse incidente, esse ato de maldade e de violência
sem sentido, deixou muito claro que, independentemente das escolhas que eu faça, o destino sempre
pode ter outros planos, e as perdas fazem parte da vida. É bem melhor aproveitar o tempo que tenho
com as pessoas que me são importantes do que ficar obcecado me preocupando com o que vai
acontecer quando esse tempo acabar.
– A única coisa que importa é que você está bem e vamos poder te levar para casa.
A Poppy virou para a Salem, fechou os olhos machucados e disse:
– Nem sei mais onde é a minha casa. O Oliver ficava falando: “o seu lugar é em casa, comigo”.
Mas como aquela casa poderia ser um lar?
Ela começou a tremer, e a Salem ficou toda tensa.
– Um lar é o lugar onde existem pessoas que te amam e precisam de você. É onde você se sente
bem, seja lá quais forem os seus defeitos e o que os outros pensam da sua vida. É um lugar de onde
você pode partir, mas sabe que sempre pode voltar. O seu lar é onde eu estou, Poppy. É onde o
Rowdy está. Você vai voltar para Denver com a gente, para podermos cuidar de você e encontrar
ajuda profissional.
E esta será a batalha final: a Salem não vai sossegar enquanto não enfrentar o pai pela última vez.
Vai cortar de vez todos os laços, romper para sempre as amarras que mantêm ela e a irmã presas ao
passado. Minha namorada vai voltar para Loveless.
Queria, com todas as minhas forças, exigir que a Salem me deixasse ir com ela. Queria ser seu
cavaleiro, matar o dragão, ser seu time de ataque, mas sei que ela precisa ir sozinha. Preciso deixá-la
ir para que ela possa voltar. Preciso deixá-la fazer isso sozinha, porque essa batalha não me diz
respeito. Vou cuidar da Poppy, garantir seu bem-estar, enquanto a Salem faz de tudo para libertar a
irmã e a si mesma.
A Poppy estava sem forças para discutir ou conversar. Eu sabia que a Salem queria ficar com ela,
por isso deixei as duas a sós e fui dar notícias para o pessoal lá de Denver. A turma fez o que sempre
faz: se mobilizou para ajudar. O Rule e o Nash falaram para eu não me preocupar com o trabalho. A
Cora perguntou se eu queria que ela pegasse a bebê e fosse de carro até o Novo México. A Ayden
disse que ia buscar o cachorro e ficou surpresa quando contei que o Jimbo já estava com a Sayer. E
essa vai ser a minha prioridade quando voltar para Denver: apresentar a Sayer para todo mundo,
porque é óbvio que a minha irmã vai participar muito da minha vida daqui para a frente.
Levou mais dois dias para o hospital dar alta para a Poppy e a polícia liberá-la. Estávamos
prontos para voltar para casa. Ela não aguentava mais ser picada, examinada e lembrada o tempo
todo do que havia acontecido. Também não parava de discutir acaloradamente com a Salem a
respeito do seu plano de voltar para Loveless e confrontar o pai. A Poppy só queria esquecer de tudo
aquilo, mas a Salem estava determinada a pegar as coisas da irmã e ter uma última conversa com o
patriarca. Tentei não me intrometer, porque entendia os dois lados da discussão e sei que, quando a
Salem põe algo na cabeça, não há como fazê-la mudar de ideia. Na verdade, eu ia voltar para Denver
de avião com a Poppy, e a minha namorada alugaria uma SUV e iria até Loveless direto do Novo
México. Essa situação deixou as duas irmãs apreensivas, ainda que por razões diferentes.
No dia em que a Poppy finalmente teve alta, pude perceber que a Salem tinha alguma coisa
enquanto esperávamos o táxi que ia nos levar para o aeroporto na frente do hospital. Ela não parava
de se mexer, de enrolar o cabelo, não me olhava nos olhos. Depois de uns cinco minutos, não
aguentei e a levantei pelos braços, arrastando-a para perto de mim e a obrigando a me encarar. Dei
um beijo na ponta do seu nariz e falei, baixinho:
– Para.
Ela fez uma careta e bateu no meu braço quando a pus no chão.
– Para o quê?
– De pensar no que você está pensando. Por favor, para. Acredito que você vá voltar. Você
precisa acreditar que só estou cuidando da minha família. Você nos viu na sua bola de cristal,
lembra?
A Salem fez outra careta, soltou um suspiro e disse:
– Eu sei. Mas a Poppy está tão arrasada, e você é tão carinhoso e quer sempre ajudar. Só tive um
instante de dúvida, apenas isso. Sei que, neste momento, você é quem mais pode ajudar a Poppy a
superar o que ela passou. Você é a única pessoa em quem confio para cuidar da minha irmã.
Me abaixei e dei um beijo em sua boca provocante. A Salem sempre tem gosto de tudo o que há
de melhor. Adoro o jeito como ela se derrete toda e como sua língua se enrosca na minha. Me afastei,
encostei minha testa na sua e perguntei:
– Lembra que você falou que ainda queria me surpreender e ser a primeira mulher com quem eu
farei algumas coisas?
Ela riu e balançou a cabeça, batendo a testa na minha.
– Tem uma coisa muito importante que eu quero que você faça por mim pela primeira vez, quando
estiver lá no Texas.
A Salem se afastou para me olhar nos olhos e acho que percebeu, pelo meu olhar, que o meu
pedido era muito importante, porque concordou sem nem saber do que se tratava.
– Faço tudo o que você quiser, Rowdy.
Dei um sorriso amarelo e expliquei o que queria que ela fizesse. Ao terminar de falar, nós dois
ficamos com os olhos cheios de lágrimas e precisamos nos abraçar forte por um segundo.
A porta de vidro do hospital se abriu atrás de nós, e trouxeram a Poppy em uma cadeira de rodas.
Ela mais parecia uma boneca quebrada. Vou ajudá-la a superar o que aconteceu, assim como todo
mundo na minha família errante. Somos um grupo de pessoas fragmentadas, que sofreram muito, e
apenas quando nos unimos percebemos nosso próprio valor e conhecemos o verdadeiro amor
incondicional. Vai ser o lugar perfeito para a Poppy se esquecer do passado e encontrar a paz no
futuro.
Ajudei uma das irmãs Cruz a entrar no táxi e me despedi da outra com um beijo que transmitiu
todos os meus sentimentos mais profundos. Foi estranhamente parecido com aquele dia, dez anos
atrás. Mais uma vez eu ia cuidar da Poppy e fiquei vendo a Salem ir embora. Mas agora sei que o
final será diferente e, em vez de reclamar do destino e da minha falta de sorte, estava agradecendo
por ter essas duas mulheres de volta na minha vida, para sempre.
Não importa o que acontecerá daqui para a frente. Sempre serei grato por cada instante que eu
passar com as pessoas que amo.
CAPÍTULO 20
Salem
LOVELESS, séculos atrás, não voltei a colocar os pés em uma igreja. Não
D ESDE QUE FUI EMBORA DE
tenho nada contra religião. Acredito que a fé, que crer em algo maior do que nós mesmos,
ajuda as pessoas a ter paz e a aceitar que, de vez em quando, a vida pode ser difícil e cheia de
provações. Mas, ao abandonar minha antiga vida, também deixei para trás as incontáveis horas que
passei nos bancos da igreja ouvindo meu pai liderar sua congregação com palavras piedosas.
É estranho voltar depois de adulta. É diferente agora que sei que posso levantar no meio do
sermão se eu quiser. Agora que meu pai não me controla mais e vivo minha vida como quero, longe
dele e desta cidade, suas palavras me parecem vazias. Sempre achei que meu pai fosse um religioso
convicto, que a fé guiava suas atitudes. Mas agora olho para ele pregando no púlpito e me pergunto
se tudo não passa de uma encenação.
Sua pregação era apaixonada, como sempre me pareceu. Suas palavras ecoavam pelas vigas de
madeira, e as pessoas ficavam obviamente tocadas. Mas algo não bate, e posso ver isso claramente
agora que o tempo passou e ele não me parece mais tão intimidador e poderoso como era aos meus
olhos adolescentes. Seu sorriso é um pouco feliz demais. Seus olhos estão um tanto arregalados
demais, e a cadência da sua voz é levemente ensaiada e teatral demais para me parecer sincera.
Todas as suas palavras sobre amor e respeito, sobre fazer a obra de Deus e viver uma vida de
sacrifícios me tocaram de maneira diferente, me fizeram perceber que o que ele estava pregando era
apenas “façam o que eu digo, não façam o que eu faço”. Era tudo muito hipócrita. Que pena eu ter
passado a adolescência em casa, afundada na minha própria infelicidade, em vez de enxergar a
verdade sobre o meu pai e seus desmandos. Se tivesse feito isso, talvez não tivesse cometido tantos
erros.
Minha mãe me viu entrar no começo do culto. Eu me sentei no fundo da igreja. Ela não parava de
olhar para trás, na minha direção, nervosa. Parecia estar com medo de eu me levantar a qualquer
momento e expor os pecados da nossa família para que todos os fiéis pudessem julgá-los. Fiquei
apenas sorrindo para ela, mostrando todos os dentes. Não consegui pensar em um motivo para
aplacar seu nervosismo, já que foi ela quem entregou a Poppy nas mãos de um assassino demente
com a desculpa de só querer o bem dela. Toda vez que cruzava o olhar com o meu, ela engolia em
seco e olhava para o meu pai.
Imaginei que ele também deveria saber que eu estava ali. Seu sermão inteiro foi sobre perdão e
pecado. Os pecados do corpo. Os pecados do espírito. Os pecados dos bem-intencionados, dos pais
e dos filhos. Falou um monte sobre não existir nada neste mundo que seja imperdoável aos olhos de
Deus. E ainda fez uma oração pelo Oliver Martinez, lembrando a todos os presentes naquela igreja,
que mais parecia um cartão postal, que apenas Deus poderia perdoá-lo ao julgar suas ofensas. Meu
estômago se revirou. Meu pai não disse uma palavra sequer sobre a Poppy nem sobre o horror que
minha irmã passou. E é óbvio que não mencionou que foi graças a ele que o Oliver conseguiu
encontrá-la.
Me deu vontade de me levantar, ir até o altar e arrancá-lo lá de cima a socos. Me deu vontade de
assumir o púlpito e gritar para todas aquelas pessoas ingênuas que elas estavam dando ouvidos a uma
fraude, dizer que para o meu pai suas próprias opiniões e crenças valem tanto quanto a divindade
que, segundo ele, é a única com direito de julgar os outros. Não fiz nada disso. Fiquei lá sentada, de
braços cruzados, assistindo seu sermão de olhos espremidos.
Sabia que ele tentaria me provocar na frente de todas aquelas pessoas, o seu rebanho, que o
acompanha cegamente. Faz tempo que meu pai me declarou como uma vergonha, um desperdício,
uma alma perdida sem Deus no coração, indigna dos seus conselhos e dos seus ensinamentos. Eu é
que não ia perder a cabeça e lhe dar razão, de jeito nenhum.
Meu celular vibrou, e li a mensagem que havia chegado.
Te amo.
Era simples. Era carinhosa. Era uma lembrança de que, depois que tudo isso terminar, tenho para
onde ir. Tenho alguém que sempre vai me querer. Nunca voltei para lugar nenhum nem para ninguém
na minha vida, e fiquei toda derretida de amor e felicidade. Mal podia esperar para voltar para casa.
Queria voltar para o Rowdy. Os dias que fico longe dele parecem demorar mais para passar do que a
década que ficamos sem nos ver.
Eu estava com saudade dele. Estava preocupada com a minha irmã. Queria abraçar meu cachorro.
Queria voltar para o trabalho e, para a minha surpresa, também estava com saudade do céu azul do
Colorado. Encontrei meu lugar no mundo e só saio de lá por uma verdadeira intervenção divina.
Respondi a mensagem do Rowdy dizendo que também o amo. Levantei em seguida, porque o culto
havia acabado com uma última oração e todos haviam começado a ir embora.
Sair da igreja levou uma eternidade. Todo mundo tinha que se cumprimentar. Todo mundo tinha
que parar e apertar a mão do meu pai e falar como admira suas palavras gentis e seu caráter altruísta.
Precisei, literalmente, morder minha própria língua ao ouvir mais de uma pessoa dizer, entredentes,
como estava chocada com o que havia acontecido com o Oliver e a minha irmã. A compaixão que os
fiéis demonstraram tão prontamente pelo meu pai e pela minha mãe, falando que eles precisavam ter
força naquele momento de provação, me deixou cega de raiva. Meu sangue ferve de fúria quando
penso que aquele maluco sequestrou minha irmã, pôs uma arma na sua cabeça e bateu nela sem dó
mais de uma vez e, ainda por cima, escondeu a própria maldade com tanta eficiência. É tudo tão
injusto que fico com um gosto amargo na boca e sinto um arrepio de ódio na espinha.
O Rowdy levou a Poppy para casa sem problemas. Mas, assim que os dois chegaram em Denver,
minha irmã começou a ficar muito mal. Ela estava arrasada, e ele não sabia como ajudá-la. A Poppy
não queria ficar na minha casa e não queria ficar sozinha com o Rowdy na casa dele. No desespero,
meu namorado ligou para a Sayer e perguntou se os dois poderiam ficar com ela. Por sorte, a casa
vitoriana da advogada é bem espaçosa, e ela sabe como lidar com pessoas no estado frágil em que a
minha irmã se encontra. A Sayer Cole está se revelando uma verdadeira salva-vidas, e o fato de ter
deixado tudo para trás para procurar o mesmo homem que eu é, sem sombra de dúvida, uma feliz
coincidência. Sou tão grata por ela ter entrado na nossa vida. Acho que a profecia que o Rowdy não
se cansa de repetir, de que nada acontece por acaso, é mesmo verdadeira. Acontece um monte de
coisa horrorosa, há muitas pedras no meio do caminho. Mas, no fim das contas, parece que cada um
de nós chegou exatamente aonde deveria estar. O meu lugar, tenho certeza, é ao lado do Rowdy. Mas
acho que isso também vale para a Poppy e para a Sayer.
Fui a última a sair da igreja. Senti como se, desta vez, estivesse dando adeus para aquela vida e
aquele lugar do jeito certo. Não estava fugindo, não saí correndo de tanto pânico. Não estava
sacrificando tudo de bom que havia na minha vida para me livrar do mal. Estava partindo de acordo
com os meus próprios termos, me posicionando para evitar que, mais uma vez, o mal que ali reside
se espalhasse e tentasse me tocar ou arrastasse minha irmã com seus tentáculos.
Ajeitei o cabelo. Puxei a barra da minha blusa para baixo e respirei fundo. Não estava nervosa,
estava mais ansiosa, querendo que aquilo acabasse logo. Ao passar pelas portas da igreja, precisei
espremer os olhos por causa do sol forte. Minha mãe e meu pai estavam no último degrau da escada,
acenando para o último fiel que ia em direção ao estacionamento aproveitar o resto do domingo. Me
encolhi toda quando minha mãe esticou o braço e tentou me tocar. Depois de dez anos... Passou tanto
tempo, os dois pareciam mais velhos e muito menos impressionantes do que eu me lembrava. Vi meu
pai percorrer com os olhos a minha pele tatuada, que minha blusa branca de babados deixava à
mostra, e, na mesma hora, enxerguei a censura e o nojo refletidos em seu olhar.
– Como se não bastasse você ter profanado nosso lar com sua falta de respeito e de moral,
também tinha que profanar seu próprio corpo dessa maneira ímpia? – perguntou meu pai. Em seguida,
sacudiu os cabelos negros, dando a entender que eu o havia envergonhado de uma maneira
imperdoável. E completou: – Por que isso não me surpreende?
Em outro momento da minha vida, suas palavras teriam me ferido. Eu teria me sentido culpada
por ter decidido fazer do meu corpo uma obra de arte, por ter feito com a minha pele o que eu bem
entendi. Agora consigo enxergar exatamente o que as palavras dele representam: uma tentativa
desesperada de me diminuir, uma maneira de exercer controle sobre mim ao reprovar meu
comportamento. Levantei a sobrancelha e fiquei olhando para ele e para a minha mãe.
– Achei que você não ia querer ter essa conversa aqui, na escadaria da igreja, onde seus fiéis
podem aparecer a qualquer momento. Mas, por mim, tudo bem. Não tenho nada a esconder. E você,
pai? Pode dizer o mesmo?
Minha mãe começou a olhar de soslaio, e uma leve tensão se acumulou nos ombros do meu pai.
Ela esticou o braço de novo e, desta vez, deixei que me tocasse.
– Já faz dez anos, Salem. Isso não é jeito de voltar para casa, para o seu lar – disse.
Dei risada. Gargalhei mesmo e sacudi o braço para me livrar dela.
– Não é mesmo. Porque este lugar nunca foi o lar de ninguém – respondi. Pus o cabelo atrás da
orelha, olhei feio para os dois e continuei:
– Você me levou a sair desta cidade de propósito porque eu era jovem demais para entender.
Ficou impossível eu continuar aqui e, como resultado, destruiu a vida da Poppy e me forçou a
abandonar o único homem que já amei.
Enfiei o dedo bem no meio do peito do meu pai e pude ver em seus olhos o ódio genuíno que ele
sente por mim. Mas não parei por aí.
– Agora eu entendo. Você sabia que não ia conseguir me dominar, que eu não ia me curvar às suas
vontades, então fez de tudo para eu ir embora e nunca mais voltar. Bom, parabéns. Você ganhou esse
round.
Ele engoliu em seco e passou o braço em torno dos ombros da minha mãe. Acho que ela se
encolheu toda, mas não tenho certeza porque não queria parar de olhar bem nos olhos do meu pai.
– Você era geniosa e não tinha Deus no coração. Estava enrolada com um rapaz mais novo e sem
família. Você nunca teve nada de bom, Salem. O melhor para a nossa família era você ir embora,
viver sua vida sozinha. Sua irmã teria sido vítima do seu comportamento profano se você continuasse
aqui.
Apenas revirei os olhos e respondi:
– Meu comportamento profano me levou a ter uma carreira maravilhosa, uma vida cheia de
grandes amigos e a reencontrar o homem que você me forçou a abandonar. Meu comportamento
profano me levou a chegar exatamente aonde devo estar. Você transformou sua filha, sangue do seu
sangue, em vítima de agressão, em uma sombra de si mesma, porque ela tinha medo de te
decepcionar. Você quase a matou. O que você acha que os seus fiéis vão pensar disso, pai?
Ele inclinou o queixo, em um gesto de desafio, e me olhou por baixo do nariz. Meu pai nunca vai
ceder, nunca vai admitir que errou. Não em relação a mim e à Poppy, mas dava para perceber que
ficou com medo. Pela expressão dos seus lábios, levemente apertados, pela palidez, quase
imperceptível, do seu rosto. Posso arrancar sua máscara e, então, todo mundo vai ver quem ele
realmente é. Eu estava com a vantagem, mas aquele homem ainda sabia como mexer comigo.
– A Poppy cometeu muitos erros. Ela precisava pagar sua penitência – falou.
A culpa é sempre dos outros.
Tive a sensação de que a raiva que estava tomando conta de mim explodiu no meio dos meus
olhos. Me deu vontade de dar um soco naquela cara presunçosa do meu pai. Mas, em vez disso,
cerrei os punhos e enfiei as unhas na palma das minhas próprias mãos com tanta força que saiu
sangue.
– A Poppy transou, pai. A maioria das moças que está na faculdade faz isso, e não é um pecado
imperdoável para ela precisar passar o resto da vida pagando penitência.
Meu pai ia discordar, e aquilo ia se transformar em uma batalha interminável de palavras e
forças. Resolvi dar um basta.
– Olha, não ligo para o que você pensa. Não ligo se você resolver passar todas as noites da sua
vida tentando me arrastar para o meu cantinho reservado no inferno. Só ligo para a Poppy, para a
felicidade e a segurança dela daqui para a frente. Você não vai mais falar com a minha irmã. Não vai
mais tentar entrar em contato com ela. Não vai mais tentar fazer a minha irmã se sentir mal nem
vilipendiá-la por ela ter se envolvido na morte de um homem horrível. Quero que deixe a Poppy em
paz. Você me entendeu?
Minha mãe fez um ruído abafado, e meu pai resmungou:
– Você não pode falar pela sua irmã, Salem. Ainda tenho esperança de que a Poppy volte para o
rebanho.
Soltei um urro, dei um passo para a frente e falei:
– Se a Poppy te ligar, você vai dizer apenas que fica feliz em saber que ela está bem e que apoia
as decisões dela. Não tente me provocar, pai. Não sou mais criança e vou lutar pela minha irmã com
unhas e dentes.
– Você não pode me ameaçar, Salem.
– Ah, não? Se você tem vergonha do comportamento que eu tinha quando vivíamos sob o mesmo
teto, espera até ver a sujeira que posso tirar de baixo do tapete, as coisas que tive que fazer para
sobreviver depois que me obrigou a ir embora. Sabia que já fui stripper? Quer que eu poste na
internet uns vídeos meus dançando, com o seu nome e o nome da igreja?
Lancei um olhar de desafio e observei meu pai tentar decidir se eu estava falando sério ou não.
– E os anos em que eu fui dançarina burlesca e trabalhei de mulher tatuada em um circo dos
horrores? E o vídeo de sexo que eu gravei? Você tem ideia do tipo de vergonha que eu posso te fazer
passar? Sabe que, quando uma coisa cai na internet, não morre mais, não é? Posso fazer você e essa
paróquia inteira chafurdarem na lama. Não me provoca, pai. Vou fazer o que for preciso para garantir
a segurança da Poppy. Ah, e só para você saber: aquele menino que era nosso vizinho, que não tinha
família e não servia para as suas filhas, cresceu, é incrivelmente bem-sucedido e vai lutar do meu
lado. Te contei que a irmã dele é advogada? Tenho certeza de que o Rowdy vai adorar contar para
todo mundo que você empurrou a Poppy para cima daquele quarterback e virou as costas para a
minha irmã quando ela ficou grávida e ele a deixou na mão. Que tipo de homem de Deus é você? Do
tipo que passa o endereço onde a filha está se escondendo para o agressor dela e esconde de todos
que protege um homem que espanca a mulher. Essa sua farsa vai evaporar como uma nuvem de
fumaça. Não vou apenas arrancar a sua máscara, pai. Vou estraçalhá-la em um milhão de pedacinhos.
Cruzei os braços, e paramos de nos encarar. Era possível perceber que meu pai queria continuar
brigando, queria acreditar que era amado, que cativava as pessoas a ponto de as minhas más ações
não ofuscarem seu brilho. Mas minha mãe saiu debaixo do braço dele e o encarou, com olhos de
súplica.
– Ela tem razão. Isso precisa acabar – falou.
Meu pai abriu a boca para discutir, mas ela levantou a mão, pedindo silêncio.
– Já chega. Nós já perdemos uma filha, e a Salem tem razão: quase matamos a outra. Não quero
mais participar disso. Essa não é uma vida direita – continuou. Em seguida, apontou o dedo para a
cara do meu pai, que estava estupefato, e falou, com todas as letras: – Se você acha que a sua
reputação vai sobreviver às revelações que a Salem ameaça fazer, fique sabendo, seu nome não vai
resistir ao escândalo de ter sido largado pela mulher depois de tudo isso. Você vai fazer o que a
Salem mandou e ponto.
Meu pai parecia atônito e furioso. Minha mãe estava tremendo, com cara de enjoo. Virou para
mim, deu um sorriso triste e disse:
– Achei que o Oliver tratava a sua irmã bem. Ela nunca mais foi a mesma depois que voltou da
faculdade. Só fui me dar conta de que ele batia na Poppy quando já era tarde demais. Deixei seu pai
me convencer de que o Oliver havia mudado, que sentia remorso pelo que havia feito com sua irmã.
Ele me disse que o Oliver estava se tratando com orações e aconselhamento religioso. Errei ao
acreditar cegamente no seu pai, ao confiar nele. Errei muito na última década. Cuide da sua irmã, dê
tudo o que ela precisar. Não vamos atrapalhar.
Então se virou, olhou para o meu pai e concluiu, com firmeza:
– Vou garantir que isso não aconteça.
Eu é que não ia agradecer. Minha mãe não merece minha gratidão por ter feito agora algo que
deveria ter feito durante toda a minha vida. Era seu dever defender as filhas daquele homem.
Balancei a cabeça e dei as costas. Era a última vez que deixava aqueles dois para trás.
– Salem...
Era a voz da minha mãe. Olhei para trás, e ela declarou:
– Você precisa saber que fiquei de coração partido quando você foi embora.
Também fiquei. Mas não por abandoná-la. Fiquei de coração partido porque abandonei a Poppy e
o Rowdy, deixando um rastro de sofrimento.
– Então você deveria ter feito alguma coisa para eu não precisar partir, mãe.
Seus olhos se encheram de lágrimas, e vi um arrependimento sincero refletido neles. Mas era
pouco e havia chegado tarde demais.
– Fico feliz que você tenha reencontrado aquele rapaz. Vocês dois sempre combinaram. Ele era
maravilhoso com vocês duas.
– Ainda é – respondi.
E sei que sempre será. Meu lugar é ao lado dele, não na escadaria daquela igreja... Mas eu ainda
tinha mais uma parada a fazer antes de poder ir embora da cidade.
Não me dei ao trabalho de me despedir. Não me dei ao trabalho de olhar para trás ou acenar.
Apenas fui embora. Até que enfim aquela porta havia se fechado. Eu não estava sendo obrigada a
fugir da cidade, estava indo embora com um destino muito claro na minha mente. Não estava fugindo
do meu passado. Estava me dirigindo, por vontade própria, ao meu futuro. E isso fazia eu me sentir
mais realizada e plena do que jamais me senti quando vivia pulando de galho em galho.
Antes de cumprir a minha tarefa, parei no acostamento de uma estrada poeirenta e saí da SUV
alugada, que estava lotada de coisas da minha irmã, para pegar um punhado de tremoços azuis do
Texas. As flores eram tão idênticas às que tenho tatuadas nas costas que tive vontade de sorrir, e meu
coração se aqueceu. Coloquei-as delicadamente sobre o banco do passageiro e fui até o cemitério,
que fica a uns trinta minutos de Loveless.
Era mesmo um lugar esquecido e abandonado. Não tinha um gramado verdejante nem fileiras de
lápides elegantes enfeitadas com mil flores. O chão era coberto de vestígios de grama queimada, e as
lápides, desgastadas e castigadas pelo sol. Não havia mais ninguém chorando por seus mortos ou
prestando suas últimas homenagens. Só pude contar com uma lembrança de quando eu tinha 6 anos
para encontrar o túmulo que precisava. Levei mais tempo do que esperava e, quando finalmente
encontrei, as flores já estavam meio murchas. Até que combinavam com o clima triste do momento.
Fiquei surpresa ao perceber que meus olhos se encheram de lágrimas ao ver a inscrição gravada na
lápide modesta.
Gloria St. James
1975-1996
Mãe carinhosa, dona de um lindo sorriso
Fiquei pensando em quem deveria ter sugerido essa frase, se o Rowdy foi o único integrante a
sobrar na família. De qualquer forma, fiquei feliz por estar escrito exatamente isso, para que ele
possa ver toda vez que voltar para visitar a mãe. Me abaixei e coloquei as flores ao lado daquela
pedra fria. Acabei me ajoelhando e olhei para o túmulo por um tempo. Queria dizer tantas coisas,
tinha a impressão de que precisava contar toda a vida do Rowdy, mas nada saía da minha boca,
parecia haver um caroço preso na minha garganta.
Esperei alguns instantes, deixei algumas lágrimas rolarem e limpei a garganta.
– Oi, Gloria. Prazer em conhecê-la. Meu nome é Salem Cruz e sou perdidamente apaixonada por
seu filho.
Precisei limpar a garganta de novo, e meus olhos ficaram enevoados por causa das lágrimas.
Aquilo era muito mais difícil do que imaginei quando o Rowdy me fez esse pedido do lado de fora
do hospital.
– Conheço ele a vida inteira, e o seu filho sempre teve um bom coração. Você pôs um homem
maravilhoso no mundo, e sei que teria muito orgulho dele e da vida que ele construiu. Você tem um
lugar muito especial no coração do Rowdy.
Estiquei o braço e passei o dedo por cima do nome entalhado na pedra. O desenho das letras era
quase igual ao que o Rowdy tem tatuado nas costelas.
– Demoramos um bom tempo para nos entender, mas, agora que conseguimos, seu filho quer que
eu seja a primeira e última mulher a conhecer você.
Àquela altura, eu estava me debulhando em lágrimas, devido à importância do momento. Era
simplesmente a concretização da escolha do Rowdy para que eu me tornasse a mulher da sua vida.
– Quero que você saiba que vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para protegê-lo por você
pelo resto da vida dele.
Soltei a cabeça para a frente e fechei os olhos. As emoções de uma vida inteira de possibilidades
tomaram conta de mim. Senti uma brisa quente tirar o cabelo que estava grudado no meu pescoço e o
perfume doce das flores. Coloquei as mãos nas pernas, levantei a cabeça e fiquei olhando com
carinho para a lápide.
– Nunca mais vou desperdiçar momentos importantes. Vou trazer o Rowdy aqui, para você poder
ver como seu filho está maravilhoso e não precisar imaginar se ele encontrou alguém para amar
depois de você. O Rowdy tem a mim, tem uma família de amigos e todas as lembranças maravilhosas
de quando você estava ao lado dele.
O vento soprou de novo, espalhando as pétalas das flores que eu havia depositado ao lado do
túmulo. Senti que estava na hora de ir embora. Dei um beijo na ponta do meu dedo e toquei o nome
na lápide uma última vez. Fiquei de pé e voltei para a SUV. Dar as costas para meus próprios pais foi
uma coisa definitiva e vazia. Dar adeus para a mãe do Rowdy me fez sentir paz de espírito, me
pareceu certo. Fiquei com a impressão de ter recebido sua permissão para cuidar do coração de seu
filho. Vou me dedicar a essa tarefa até o fim dos meus dias.
Mandei um torpedo para o Rowdy, avisando que ia chegar em Denver à noite. Fiquei um pouco
preocupada quando ele contou que tinha voltado para a própria casa porque a Poppy não estava
conseguindo ficar perto de nenhum homem. Não tive coragem de perguntar se o Oliver, além de bater
na minha irmã, a tinha estuprado, e a Poppy também não tocou no assunto. Mas tudo indicava que
sim.
Liguei para ver como ela estava e, depois de uma conversa estranha, cheia de respostas
monossilábicas, fiz minha irmã jurar um milhão de vezes que estava bem e desliguei. A Poppy me
disse que está amedrontada e que o Rowdy é muito grande. Neste momento, seus nervos não dão
conta de dar de cara com ele no corredor ou na porta do banheiro, por isso minha irmã pediu para o
Rowdy ir embora. Meu namorado não queria fazer isso, queria continuar perto dela, garantir sua
segurança, mas só estava piorando o problema. Falei para a Poppy que não ia demorar para eu voltar
para o seu lado. Ela riu e disse que eu tinha era que voltar para o lado do meu homem. Pelo jeito,
depois de entrar no banheiro sem querer quando ele estava lá dentro, minha irmã descobriu o que
estou perdendo e começou a fazer campanha para eu correr para os braços do meu namorado e me
divertir com todos os seus dotes físicos. Não pude discordar e desliguei o telefone resolvida a ir
direto para a casa do Rowdy quando chegasse em Denver.
QUANDO PUS A CHAVE que o Rowdy havia me dado na fechadura da porta do apartamento dele, eu
parecia estar voltando de uma longa jornada. Na verdade, a viagem tinha durado pouco mais de 12
horas, isso porque parei nomeio do caminho para tirar uma soneca. Mesmo assim, eu parecia ter
ficado muito tempo sem ver seu rosto e sem tocar sua pele colorida e tatuada. Abri a porta, e o Jimbo
veio me recepcionar com a língua de fora, pulando nas minhas pernas. Esse cachorro vai ficar
enorme quando crescer, e fiquei tão feliz de revê-lo que me surpreendi. Ajoelhei e afundei o rosto em
seu pescoço, e ele lambeu minha cara toda. Ficou óbvio que estava com saudade, e preciso dizer que
esse bichinho é só mais um motivo para eu ter certeza de que, finalmente, encontrei meu lugar no
mundo.
Como era bem tarde, todas as luzes estavam apagadas. Fui ver se o Jimbo tinha água e comida,
tentando não fazer barulho para não acordar o Rowdy. Ao me dirigir ao quarto, um bloco de desenho
jogado no sofá chamou minha atenção, mesmo naquele ambiente escuro. Parei para dar uma olhada, e
meu coração deu um salto e começou a palpitar quando vi as primeiras páginas.
Alguns desenhos provavelmente eram para clientes, tatuagens que ainda não haviam saído do
papel, óbvio. Mas a maioria daquelas páginas de papel tão branco estava coberta com figuras cujo
rosto era idêntico ao meu. Salem versão sereia e marinheira provocante. Salem indígena e atrevida,
de longas tranças como as da Pocahontas, Salem diabinha sexy ao lado da Salem anjo. Dúzias de
desenhos de todos os tamanhos e formas, mas todos inspirados em mim. Não sei se o Rowdy fez isso
nesta última semana ou nos meses em que ficamos brincando de gato e rato. De qualquer modo,
aqueceu meu coração e tive ainda mais certeza dos meus sentimentos por ele.
Pus o bloco no lugar e andei pelo corredor na ponta dos pés. O Jimbo me olhou e bufou,
ressentido. O pobrezinho, logo na primeira vez, aprendeu que é melhor não ver nada do que acontece
quando seus humanos vão para a cama.
A luz estava apagada, e o Rowdy estava esparramado de costas em cima das cobertas. Seu cabelo
loiro estava todo grudado, e ele tinha o braço dobrado embaixo da cabeça. Aquela visão teria ficado
melhor se ele não tivesse se dado o trabalho de pôr uma samba-canção preta antes de deitar. Mas,
mesmo com aquela peça de roupa atrapalhando um pouco a paisagem, eu não tinha do que reclamar.
Soltei um suspiro e me aproximei com cuidado para beijar a âncora que ele tem tatuada no pescoço.
Senti sua pulsação acelerar e o gosto salgado da sua pele. O Rowdy murmurou alguma coisa, meio
dormindo, e se virou.
Aqueles olhos infinitamente azuis brilharam para mim no escuro, e um sorriso apareceu em seus
lábios.
– Oi.
Como eu estava por cima dele, me abaixei um pouco mais, dei um beijinho rápido em sua boca e
rocei meu nariz no seu.
– Oi.
O Rowdy enroscou a mão no meu cabelo, entre meu ombro e o seu peito.
– Como foi?
Soltei mais um suspiro e fiquei acariciando sua tatuagem das costelas. Agora, o desenho e o nome
em sua pele têm ainda mais significado para mim.
– Conheci a sua mãe e me despedi dela. Fiquei só um pouco triste, mas estou feliz por você ter
me pedido para visitá-la. E ameacei meu pai de divulgar um vídeo de sexo.
Murmurei a última frase entredentes. O Rowdy levantou as sobrancelhas e aproveitou que estava
segurando meu cabelo e me puxou para cima dele.
– Você tem um vídeo de sexo? – perguntou.
– Claro que não, mas meu pai não sabe disso e não duvidou de mim. Para minha surpresa, minha
mãe o enfrentou e concordou em deixar a Poppy em paz. Além disso ela admitiu que fodeu muito a
gente. Pena que agora não faz diferença.
O peito do Rowdy subiu e desceu, com um suspiro.
– Agora é tarde demais para qualquer coisa fazer diferença – disse.
– É isso que eu acho. Como anda a Poppy?
Ele soltou um palavrão e se remexeu um pouco embaixo de mim. Ficou evidente que ele estava
com muita saudade, porque algo começou a me cutucar na altura do quadril. Me deu vontade de
sorrir, e comecei a me sacudir de um jeito provocante contra seu corpo musculoso.
– Não muito bem. Anda calada, assustada. Não quer que ninguém a toque e acorda gritando. A
Sayer sabe lidar muito bem com ela, mas estou preocupado.
Balancei a cabeça e rocei os lábios no mamilo do Rowdy que estava mais perto da minha boca.
Ouvi seu suspiro de surpresa e sorri mais uma vez, com a boca encostada em sua pele.
– Eu também. Acho que nós dois vamos precisar ter muita força para ajudá-la e precisaremos
esperar o momento em que a Poppy possa aceitar nossa ajuda. Minha irmã é mais forte do que
qualquer um poderia imaginar – falei, com a voz já meio rouca de desejo.
– É mesmo.
O Rowdy segurou meu cabelo com mais força e puxou minha cabeça para cima, para poder
devorar minha boca.
– Eu estava com saudade – falou.
Pude sentir sua saudade na maneira como ele me beijou e me abraçou. Sua voz também estava
rouca de desejo, como a minha.
– Também senti.
E eu estava mais do que pronta para demonstrar isso.
Colei a boca no outro lado do seu peito e fiquei circulando o outro mamilo com a língua. Ao
mesmo tempo, comecei a descer as mãos pelas laterais de seu corpo, até conseguir enfiá-las em sua
cueca. Só para garantir, apertei os dois lados da sua bunda e tirei aquela peça de tecido do caminho.
O Rowdy me ajudou a libertar seu pau duro e pulsante, e sua pele rígida queimou quando encostei
nele. Envolvi seu membro túrgido com a mão. Adoro o jeito como seu corpo pulsa e lateja ao meu
toque. Saber que é assim que ele reage ao meu corpo é inebriante.
Acariciei com o dedão os piercings que ele tem na cabeça do pau e olhei para cima. Seus olhos
azuis estavam brilhando.
– Obrigado por ter voltado para mim – ele falou. Sua voz parecia uma canção de amor.
Com a outra mão, tracei um coração em seu peito e respondi:
– Sempre vou voltar. Eu te amo. Obrigada por sempre estar à minha espera.
Comecei a brincar com as bolinhas dos piercings, e o Rowdy soltou um gemido.
– Acho que sempre fui apaixonado por você, Salem.
Dei um beijo bem em cima do coração dele, que batia alto no ritmo de cada passada de dedo
minha, de cada movimento do meu pulso em volta do seu pau. Soltei seu membro por um instante e
depois comecei a mexer a mão para cima e para baixo. Seu corpo ficou tenso embaixo do meu.
– Sei bem como é, Rowdy.
Também sei bem como é desejar esse homem, querer senti-lo dentro de mim, me esfregar toda
nele, ficar embaixo do seu corpo e sentir o prazer nos cobrir como um edredom. Eu havia cansado de
falar e resolvi pôr algo na minha boca para acabar com o papo.
O Rowdy gritou meu nome quando abocanhei seu pau e girei a língua sem parar em torno da
cabeça daquele membro com piercings tão criativos. Adoro o gosto acre de metal e de homem que
sinto ao lamber tudo aquilo como se fosse minha sobremesa preferida. Com minhas carícias, os
músculos de seu estômago ficaram tensos, e o Rowdy apertou as coxas. Fazer aquele corpo forte e
tatuado tremer e se contorcer me dá uma satisfação insana. Nunca me canso dessa sensação. Nem do
jeito como o Rowdy diz meu nome, como se fosse um palavrão, e puxa meu cabelo. Adoro quando
ele segura minha cabeça com as duas mãos e quando posso sentir que ele está quase lá enquanto giro
a língua em volta daquelas bolinhas de metal.
Ele levantou os quadris para fora da cama, o que me fez perder o ritmo. Levantei e ia pedir para
ele ir com calma, mas, assim que fiquei de pé, o Rowdy começou a tirar minha roupa, arrancou minha
blusa por cima da cabeça e quase rasgou a calça preta e justa que eu estava vestindo. Minha calcinha
sumiu em suas mãos impacientes, sensuais e ávidas, e ele me puxou para cima de seu corpo, bem em
cima do seu pau, que estava todo brilhante e lubrificado, graças à minha boca.
Em seguida, segurou meus peitos grandes, um com cada mão, e começou a brincar com os meus
piercings, do mesmo jeito que eu havia brincado com os dele. Soltei um suspiro agudo de prazer.
Sentei em cima do seu pau ereto e fui enfiando cada centímetro delicioso dentro de mim, das minhas
dobrinhas quentes e convidativas. Apoiei as mãos em seu peito e inclinei o corpo para a frente.
Ficamos juntos em uma espécie de casulo formado por meus cabelos negros. Era tudo tão gostoso e
sublime... Quando começamos a nos movimentar, soltei um gemido e sussurrei:
– Você é meu par perfeito.
Comecei a me mexer de verdade em cima do Rowdy. Ele fechou os olhos, e sua respiração ficou
pesada.
– E você é minha – disse.
Depois disso, foi impossível falar qualquer coisa. Sons de beijos, dos movimentos do nosso
corpo, da nossa pele roçando, de prazer, tomaram conta do ambiente. Mãos no rosto um do outro, no
meio das pernas, beijos e mordidas... Nos mexíamos juntos, um contra o outro, e tivemos mais de um
orgasmo. Soltamos suspiros e palavrões. Tenho quase certeza de que, uma hora, quando o Rowdy
estava com a boca no meio das minhas pernas e os joelhos na altura do meu ouvido, vi o tal Deus do
qual tanta gente fala.
Horas mais tarde, quando o dia estava começando a nascer e depois de o Rowdy ter me arrastado
para o chuveiro, encostei minha cabeça em seu peito e me acomodei no único lugar onde sempre
deveria ter estado.
Chegar até aqui foi uma longa jornada, cheia de curvas erradas e paradas desnecessárias. Mas, no
fim das contas, o destino final é o que importa, e não o tempo que levei para alcançá-lo.
EPÍLOGO
Rowdy
que é bem mais complicado tirar alguém da cadeia do que pode parecer
S Ó QUERO FALAR RAPIDINHO
pela história do Asa que relatei aqui. Me esforço bastante para escrever com o máximo de
verossimilhança. Mas, às vezes, uma cena – e, neste caso, não só uma cena, mas um livro inteiro que
vou escrever – me faz infringir um pouquinho as leis da realidade.
Também sei que é quase impossível conseguir falar com um advogado no fim de semana!
Peço que relevem essas minhas pequenas inconsistências. c Os laços que ligam o Asa e a Royal
são interessantes e complicados, por isso precisei usar um pouco de licença poética para começar a
tramá-los.
Playlist da Salem e do Rowdy
U TENHO O MELHOR TRABALHO DO MUNDO. Ter um dia péssimo fazendo isso ainda me traz cem vezes
E mais satisfação e alegria do que um dia bom fazendo algo que não amo. Tenho OS MELHORES
leitores de todo o universo dos livros. Vocês são divertidos e amáveis, me apoiam e são carinhosos,
cheios de vida e de sentimentos. Não há um dia em que minha vida não se torne mais rica por
interagir de alguma maneira com vocês. Sinto calor no coração por saber que vocês amam tanto
quanto eu esse pedacinho do universo dos livros que concebi. Toda vez que resolvem gastar seu rico
dinheirinho em algo que eu criei enchem minha alma de escritora de orgulho e gratidão. Quero que
cada um de vocês saiba como valorizo todas as coisas maravilhosas que trouxeram para a minha
vida. Se, algum dia, eu tiver a oportunidade de encontrá-los no mundo, saibam que EU é que estarei
superanimada e emocionada de conhecer VOCÊS! Será uma honra abraçá-los e agradecê-los por
comprarem meus livros e me darem a chance de recomeçar minha vida quando eu mais precisava.
Espero que saibam que a cada história me convenço mais de que devo tudo a vocês. Obrigada por me
deixarem ser quem eu sou e por não se assustarem com a minha esquisitice e a minha falação.
Obrigada por abraçarem minha loucura e a diversão que a acompanha!
Como sempre digo, adoro receber notícias de vocês. Fiquem à vontade para conversar comigo e
saibam que, se eu pudesse, pagaria uma cerveja para cada um no dia do lançamento.
Podem me chamar aqui: jaycrownover@gmail.com
Além de ter o melhor trabalho do mundo, também fui abençoada com as melhores pessoas para
me ajudar a realizá-lo. A Amanda Bergeron é a editora mais legal que uma garota poderia ter. Ela é
baixinha e poderosa e faz de tudo mesmo para que o melhor livro possível chegue às suas mãos. Essa
moça me faz sentir melhor mesmo quando tenho vontade de matar todo mundo.
A equipe inteira da HarperCollins é incrível. A Jessie Edwards e a Alaina Waagner cuidam
superbem de mim e dão muito, mas muito duro para garantir que todos os leitores saibam o que anda
acontecendo comigo e se esforçam para que o negócio de levar um livro até a mão dos leitores seja
divertido. Odeio andar de avião, mas não ligo de ir para Nova York, desde que seja para ficar com
essas damas maravilhosas. Todo o time da HaperCollins/William Morrow manda muito bem de uma
forma geral. Todos amam livros e histórias românticas e querem que os leitores tenham a melhor
experiência possível. Sinto que aterrisei no lugar certo e cheguei às mãos certas... Como o que
aconteceu com o Rowdy e a Salem c.
A Stacey, minha agente, é uma mulher-maravilha. Ninguém no universo dos livros trabalha mais
nem cuida melhor de mim do que ela. Tenho um amor e um respeito infinitos por essa mulher...
Mesmo quando, de novo, o que ela me diz me dá vontade de matar todo mundo! Ela é simplesmente
uma boa pessoa, e tenho muita sorte de ela acreditar em mim. Ainda sinto um arrepio de orgulho
quando ela lê um dos meus livros e diz como gostou dele.
<http://www.donaghyliterary.com>
Agradeço todo o trabalho que as moças da <http://literatiaauthorservices.com> fazem para que
tudo corra bem na minha vida de escritora. A Karen, a Michelle e a Rosette são mestres em organizar
lançamentos e turnês para que eu conheça blogueiros. Elas cuidam dos mínimos detalhes e me
impedem de jogar o computador pela janela.
Acabei de contratar a sensacional e maravilhosa K. P. Simmon, da Inkslinger Relações Públicas.
Não tenho palavras para descrever como sou sortuda de tê-la, não apenas como amiga, mas também
como parte importante do meu universo dos livros.
A Melissa Shank é uma boneca. Para ser sincera, não sabia que ainda existiam mulheres como ela
nos dias de hoje. Simplesmente a adoro por completo, adoro sua alma e sua paixão pelos livros e
pelos leitores. Nunca pensei que precisaria ter leitores-divulgadores ou uma fanpage ou que alguém
se interessaria por essas coisas. Eu estava enganada, e a Mel foi incrível ao transformar aquele meu
espacinho no Facebook em um lugar divertido e interativo. Ela é maravilhosa e quero cobri-la de
amor. Também preciso mandar um alô para a Katie Marcum, por me ajudar a manter a página
funcionando como uma máquina bem azeitada. Vocês duas têm minha gratidão infinita. Se alguém
quiser seguir e participar, é muito divertido, e a Mel vive distribuindo brindes!
<https://www.facebook.com/groups/crownoverscrowd>
Há outra Mel para alegrar minha vida. É ela que lê esses livros todos antes de eles chegarem ao
público, antes mesmo de eu enviá-los para a Amanda. Seus conselhos me ajudam a escrever as
melhores histórias que estão ao meu alcance, e agradeço por ter alguém que entenda todas as minhas
ideias malucas e me ajude a transformá-las em uma narrativa excitante e romântica. Os Homens
Marcados não seriam quem são sem ela... Nenhum dos meus meninos seria.
Não existem palavras suficientes neste mundo para explicar todas as formas de agradecimento
que devo aos meus pais, então vou me contentar com “obrigada por tudo, papai e mamãe”. Os dois
podem preencher as lacunas, porque tenho um zilhão de coisas para agradecer, a cada dia da minha
vida. Eles são simplesmente os melhores.
Eu amo minha melhor amiga. Amo tudo nela e preciso muito agradecê-la por ser quem é. Ela é
incrível. E isso é tudo.
Obrigada a todos os meus amigos do universo dos livros, novos e antigos, por organizar sessões
de autógrafos e transformarem esse mundo em uma verdadeira delícia. É sempre superdivertido
encontrar outros autores e blogueiros. As pessoas do universo dos livros são as melhores do mundo.
Obrigada por me provarem isso o tempo todo.
Nação blogueira... Ah, vocês são o óleo que faz a máquina funcionar, e eu sou imensamente grata
por tudo o que vocês fizeram por mim e por meus meninos. Obrigada por fazerem isso de um modo
tão altruísta. Obrigada por publicarem as capas dos meus livros, por irem em minhas turnês, por
quererem me entrevistar e por pedirem para eu fazer mais turnês mesmo quando eu preciso dizer
“não” porque eu NÃO TENHO TEMPO! Obrigada por compartilharem com o mundo o seu amor
pelos livros. Obrigada por escreverem resenhas que, muitas vezes, são mais bem escritas do que as
minhas obras. Obrigada por manterem o universo dos livros unido e conectado. Obrigada por
divulgarem minhas obras e compartilharem as coisas que vocês amam... e as que não amam tanto
assim. Adoro essa sensação meio punk de ter um blog. O quanto isso tem em comum com a filosofia
de base popular, do faça você mesmo que é o mais puro espírito punk. Adoro como a paixão pelos
livros serviu de base para construir uma plataforma em que as pessoas podem se expressar sobre sua
paixão para todos os que estejam dispostos a ouvir. É muito legal. E, como sempre, agradeço a todos
vocês, blogueiros, que, de críticos, viraram amigos e confidentes. Agradeço todos os comentários e
as resenhas que chegaram a mim antes de serem publicados na internet. Obrigada por me darem
vontade de fazer o que eu faço ainda melhor.
E eu sempre termino esta sessão mandando um salve para a minha matilha. Eu amo tanto suas
carinhas peludas... Queria que existisse um modo de eles saberem como são importantes para mim!!!
Beijos para Charley, Pistol e Duce... E para o Mike Maley (que nunca vai ler isso), porque eu jamais
conseguiria sair de casa e conhecer todos vocês, meus leitores maravilhosos, se ele não cuidasse tão
bem da minha família peluda enquanto estou viajando.
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@JayCrownover
Não deixe de ler os livros anteriores da série!