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UBU-REI

ALFRED JARRY
APRESENTAÇÃO
CENA UM – UMA INTRODUÇÃO

O teatro é, através dos séculos, a arte do instante por excelência. Irreprodutível em sua
força total, o momento teatral vem e vai entre as quatro paredes cênicas. E só pode permanecer
intacto, inabalável, no arquivo das emoções e descobertas do espectador. Ali, a ordem dos fatores
desobedece cronologias, prioridades, formalismos. Vale. Isso sim, o canal de comunicação único, a
empatia inexplicável do ato gratuito e fundamental de fazer teatro. Quem viveu viu.
Contraditoriamente, o teatro percorre uma trajetória nítida, irrecusável no curso da
História. Acertos e equívocos milenares, anteriores ao teatro grego ou ao circo romano, constam das
bibliotecas do século quase-21. Mas são poucos os que têm coragem de enfrentar o teatro escrito,
bidimensional, monocromático dos livros. O texto teatral, entre falas e rubricas, é em última
instância o embrião – às vezes mero pretexto – do Grande Resultado.
E é exatamente nesse estar a serviço do teatro real, que o teatro de mentirinha das estantes
ganha sua autonomia. Não fosse ele e seu caráter duradouro, e os bons imitadores, os que sabem
deduzir do original o melhor espetáculo, e podem se inspirar na fonte adequada, estariam
condenados ao curto espaço de sua imaginação individual. Não existisse o teatro escrito, seria crias
órfãs a começarem sempre de novo o velho teatro. Pois, mais do que saber, fazer teatro é
redescobrir a solução mil vezes utilizada – e ler, entre cada indicação de cena, a cena oculta e
jamais pensada, futura responsável por um outro e inusitado prazer.
Além do mais – e talvez principalmente – as peças armazenadas nos livros cumprem o
papel fundamental de alimentar o imaginário coletivo, oferecendo-lhe a possibilidade de criar seu
próprio espetáculo de vanguarda. Uma espécie de estrelato ao alcance de todos – direito inalienável
de qualquer cidadão.
Enjoyourselves.
Vivien Lando

PREFÁCIO

Corneigidouille!
Não haveremos demolido tudo
Se não demolirmos inclusive as ruínas
A. Jarry

10 de dezembro, 1896. Théatres de l’Ouvre. Paris. Primeira apresentação de Ubu Rei de


Alfred Jarry.
Uma data histórica, a data do grande chute na bunda do teatro tradicional. MERDRA
gritou Frimin Gémier (o primeiro ator que interpretou o Pai Ubu) e o teatro ocidental was never the
same again. As portas estavam abertas para o século XX.
Para Henri Béhar (em Jarry, le Monstre et la Marionette), se uma esfinge moderna quisesse
propor um enigma, a melhor pergunta seria a seguinte:
“Qual é a obra dramática, geralmente considerada informe e inepta, que é a origem de
categorias tão distintas como teatro surrealista, o teatro do absurdo e o teatro trágico
contemporâneo?”
É claro que, para não ser devorado, a resposta seria uma só: UBU ROI.
DE FATO, Jarry funda com Ubu Rei o teatro de vanguarda, através de uma obra que
exprime sua dupla revolta contra a sociedade e contra as formas estabelecidas do teatro realista.
Entre 1885 e 87, os irmãos Charles e Heri Morin, estudantes do Lycée de Renes, havia
dado forma teatral a uma série de materiais do folclores escolar inspirados no professor de física
senhor Hebert, “a encarnação de todo o grotesco que existe no mundo” segundo seus alunos, que o

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conhecem com os apelidos de P.H., Pai Heb, Eb, Ebé, Ebóu. Ebance e Ebouille. O título da peça era
Les Polonais (os poloneses)
Em 1888, Jarry ingressa no Lycée de Rennes e conhece os irmãos Morin, reescrevendo Os
Poloneses e organizando uma série de representações caseiras da peça.
Já como escritor profissional, Jarry continua trabalhando este material e, em 1893, publica
na revista “L’Écho de Paris Littéraire Illustré”, dirigida por Claude Mendes e Marcel Schwob, um
fragmento intitulado Guingnol, onde pela primeira vez aparece o nome UBU, derivado de um dos
apelidos do professor Hebert. Data dessa época a amizade entre Jarry e Schwob, a quem dedicará
Ubu Rei.
EM 1895, O “Mercure de France” publica L’Acte Terrestre de César-Antechrist, peça que
contém várias cenas de Ubu Rei e, finalmente, em junho de 1896, é publicada a versão integral de
Ubu Roi.
Ubu é um work in progress que acompanha Jarry durante toda a sua vida, tendo ele próprio
assumido a máscara social de ubu. Jarry passa a ser não só o criador de ubu, senão o próprio Ubu,
passando inclusive a assinar sua correspondência como “Pai Ubu”.
Familiarizado com o drama elizabetano, admirador de Gabbe e Rabelais, Jarry não teve
dificuldades em demolir as tendências naturalistas do teatro de sua época. Ubu Rei é um exercício
de liberdade, da liberdade da infância. O grande mérito de Jarry foi o de não haver modificado a
essência da mitologia escolar, produto de uma criação coletiva de várias gerações de alunos do
Lycée de Rennes, mantendo toda a crueldade, a ingenuidade, a insolência, a transgressão, a
escatologia e o sentido de subversão da infância.
Jarry escreveu certa vez que todo poeta tem uma palavra amada, freqüente e familiar, que
se torna uma espécie de slogan, de divisa. No seu próprio caso, duas palavras formam sua divisa:
MEDRE e ABSOLU. O paradoxo de sua obra repousa nesta contradição aparente, em que os dois
pólos são representados por UBU (MERDRA) e Faustroll (ABSOLU) O romance Gestes et
Opinions du Docteur Faustroll caminha na direção oposta de Ubu e forma seu complemento. Há em
Faustroll a procura de uma nova realidade, um esforço em criar das “ruínas” de Ubu um novo
sistema de valores – a PATAPHYSICA (a ciência das soluções imaginárias, que estuda as exceções
do universo).
COMO ASSINALA Lina Bo Bardi, Jarry é o iniciador da única vanguarda positiva que
não morre: a vanguarda do cinismo e da destruição.
UBU é, antes de mais nada, o triunfo do princípio de prazer sobre o princípio de realidade.
E, por isso mesmo, Pai Ubu – este “Papai Noel da Idade Atômica” (como o apelidou Cyril
Connolly) – Continuará por muito tempo fazendo ressoar suas gargalhadas nos amplos aposentos do
inconsciente coletivo.
MERDRA para todos vocês..
Cacá Rosset

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ENTÃO O PAI UBU SACUDIU A PERA E DESDE ENTÃO FOI BATIZADO DE SHAKESPEARE PELO
INGLESES E TEMOS DA AUTORIA DELE COM ESSE NOME MUITAS BELAS TRAGÉDIAS ESCRITAS.

PERSONAGENS
PAI UBU
MÃE UBU
CAPITÃO BORDURA
O REI VENCESLAU
A RAINHA ROSAMUNDA
BOLESLAU, filho
LADISLAU, filho
BUGRELAU, filho
AS ALMAS DOS ANCESTRAIS
O GENERAL LASCY
STANISLAU LECZINSKI
JEAN SOBIESKI
NICOLAU RENSKY
O IMPERADOR ALEXIS
GIRÃO, PILA, COTICA – Palotins
CONSPIRADORES E SOLDADOS
POVO
MICHEL FÉDÉROVITCH
NOBRES MAGISTRADOS
CONSELHEIROS
FINANCISTAS
LACAIOS DAS PHYNANÇAS
CAMPONESES
TODO O EXÉRCITO RUSSO
TODO O EXÉRCITO POLONÊS
OS GUARDAS DA MÃE UBU
UM CAPITÃO
O URSO
O CAVALO DAS PHYNANÇAS
A MÁQUINA DE DESCEREBRAR
A TRIPULAÇÃO
O COMANDANTE

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PRIMEIRO ATO

CENA I
PAI UBU, MÃE UBU
PAI UBU
- Merdra.
MÃE UBU
- Ah! muito bonito, Pai Ubu, o senhor é bem malcriado.
PAI UBU
- Está querendo morrer, Mãe Ubu?
MÃE UBU
- Não sou eu, não, Pai Ubu, é um outro que tem de ser assassinado.
PAI UBU
- Pela bela vela verde, não estou entendendo nada.
MÃE UBU
- Como não, Pai Ubu, o senhor está contente com o seu destino, está?
PAI UBU
- Pela bela vela verde, merda, madame, é claro que estou, estou contente, sim. E só
tenho que estar; capitão dos dragões, oficial de confiança do rei Venceslau, condecorado com a
ordem da Águia Rubra da Polônia e antigo rei de Aragão, que é que eu posso querer mais?
MÃE UBU
- Como é que é? Então, depois de ter sido rei de Aragão o senhor se contenta de passar em
revista uns cinqüenta empregadinhos armados de foice, quando podia juntar na sua testa a coroa da
Polônia com a de Aragão?
PAI UBU
- Ah! Mãe Ubu, não entendo nada do que você está dizendo.
MÃE UBU
- Como você é besta!
PAI UBU
- Pela bela vela verde, o rei Venceslau ainda está bem vivo; e, mesmo que ele morra, tem
uma legião de filhos, não tem?
MÃE UBU
- E quem é que te impede de massacrar a família inteira e se botar no lugar dele?
PAI UBU
- Ah! Mãe ubu, a senhora está me ofendendo e já-já te ponho na panela.
MÃE UBU
- Eh, pobre coitado, se me botar na panela quem é que vai remendar os teus fundilhos?
PAI UBU
- Bom, e daí? Minha bunda não é diferente da de ninguém, ou é?
MÃE UBU
- Eu, no teu lugar, ia querer é instalar essa bunda num trono. Você podia aumentar
infinitamente as tuas riquezas, comer chouriço todo dia e rodar de carruagem pelas ruas.
PAI UBU
- Se eu fosse rei, mandava fazer para mim um capacete bem grande, como aquele que eu
tinha em Aragão e que esses miseráveis espanhóis tiveram a ousadia de roubar.
MÃE UBU
- Você podia também arrumar um guarda-chuva e uma grande capa até o chão.
PAI UBU
- Ah! Que tentação! Velhaco de merdra, merdra de velhaco, se um dia eu te encontro no
meio do mato, vais passar um mau bocado.
MÃE UBU - Muito bem, Pai Ubu, agora você está falando como um homem de verdade.
PAI UBU

5
- Ah! Não! Eu, capitão dos dragões, massacrar o rei da Polônia! Prefiro a morte!
MÃE UBU (À parte)
- Oh! Merdra! (Alto) Assim você vai acabar mais miserável que um rato, Pai Ubu.
PAI UBU
- T’esconjuro, pela bela vela verde, prefiro ser miserável como um rato magro e valente, do
que rico como um gato gordo e mau.
MÃE UBU
- E o capacete? E o guarda-chuva? E a capona?
PAI UBU
- E daí, Mãe Ubu? (Ele sai, batendo a porta)
MÃE UBU (Sozinha)
- Vrute1, merdra, ele é duro na queda, mas vrute, merdra, acho que ficou
abalado. Graças a Deus e a mim mesma talvez daqui a uns oito dias eu seja rainha da Polônia.

CENA II
(UM APOSENTO NA CASA DE PAI UBU ONDE HÁ UMA MESA ESPLENDIDAMENTE SERVIDA)
(PAI UBU, MÃE UBU)

MÃE UBU
- Eh! Nossos convidados estão bem atrasados.
PAI UBU
- Pela bela vela verde, é verdade. Estou morto de fome. Mão Ubu, você hoje está bem feia.
É por causa das visitas, é?
MÃE UBU (Dando de ombros)
- Merdra
PAI UBU (Agarrando um frango assado)
- Taí, estou com fome. Vou lambiscar este passarinho. É frango, eu acho. Não está mau, não.
MÃE UBU
- Que é que está fazendo, infeliz? E o que é que o convidados vão comer?
PAI UBU
- Ainda sobra bastante para eles. Ao vou tocar em mais nada. Mãe Ubu, dê uma olhada na
janela para ver se os convidados estão chegando.
MÃE UBU (Indo)
- Não estou vendo nada. (Enquanto isso Pai Ubu rouba uma fatia de carne)
MÃE UBU
- Ah! olha lá o capitão Bordura2 chegando com os seus companheiros. Que é que você está
comendo, Pai Ubu?
PAI UBU
- Nada. Um pouquinho de carne.
MÃE UBU
- Ah! a carne! A carne! Carne! Ele comeu a carne! Socorro!
PAI UBU
- Pela bela vela verde, vou te arrancar os olhos. (A porta se abre)

CENA III
(PAI UBU, MÃE UBU, CAPITÃO BORDURA E SEUS COMPANHEIROS.)
MÃE UBU
- Bom dia, meus senhores, estavam sendo esperados com impaciência. Sentem-se.
CAPITÃO BORDURA3

1
Vutre não tem significado. É uma sonoridade apenas para a acompanhar o clássico “medra” – “vrout, merdre”, no
original.
2
Bondura, Bondure no original, é um termo tirado da heráldica e designa a bordadura dos escudos nobiliárquicos.

6
- Bom dia, madame. Mas onde é que está o Pai Ubu?
PAI UBU
- Estou aqui! Estou aqui! Pela bela vela verde, eu até que sou bem gordo.
CAPITÃO BORDURA
- Bom dia, Pai Ubu. Sentem-se, meus companheiros.
(SENTAM-SE TODOS)
PAI UBU
- Ufa! Um pouco mais e eu arrebento a cadeira.
CAPITÃO BORDURA
- Então, Mãe ubu, o que é que vamos ter de bom hoje?
MÃE UBU
- Olhe aqui o cardápio.
PAI UBU
- Opa! Isso me interessa.
MÃE UBU
- Sopa polonesa, costelas de rastrão4, carne, frango patê de cachorro, sobrecoxas de perua,
charlotte russa...
PAI UBU
- E já chega, acho eu. Ainda tem mais?
MÃE UBU (Continuando)
- Bomba, salada, frutas, sobremesa, cozido, batata, couve-flor à la merdra.
PAI UBU
- Epa! Está pensando que eu sou o imperador do Oriente para ter todas essas despesas?
MÃE UBU
- Não ligues para ele. É um imbecil.
PAI UBU
- Ah! eu vou afiar os meus dentes na tua perna.
MÃE UBU
- Jante antes, Pai Ubu. Tome a polonaise.
PAI UBU
- Credo, como está ruim.
CAPITÃO BORDURA
- É. Não está boa mesmo.
MÃE UBU
- Seu bando de árabes, que mais vocês querem?
PAI UBU (Batendo na testa)
- Ah! tive uma idéia. Volto já. (Sai)
MÃE UBU
- Meus senhores, agora vamos comer a carne.
CAPITÃO BORDURA
- Está ótima, já acabei.
MÃE UBU
- Agora, as sobrecoxas.
CAPITÃO BORDURA
- Excelentes, especiais! Viva a mãe Ubu.
TODOS
3
Os nomes dos palotins que aparecerão adiante são também tirados da heráclita, a saber: Girão, Giron no original –
triângulo cuja ponta termina no centro do escudo. Pila, Pile no original – pilar, coluna e também varinhas que aparecem
freqüentemente enfeixadas nos escudos. Cotica, Cotice no original – faixa que atravessa diagonalmente um escudo.
4
Rastrão – rastron, no original – Esta palavra não revelou ainda todos os seus segredos. Segundo os irmãos Morin,
Rastron era o apelido de um de seus colegas de escola, Ange Lemaux. Porém, Jarry coloca Rastron ao lado de Rakir
entre os brinquedos que eram fabricados e batizados por Emmanuel Die em L’Amour absolu, bem antes de morar em
Rennes e conhecer Ange Lemaux.

7
- Viva a mãe Ubu.
PAI UBU (Voltando)
- E vocês logo logo vão gritar viva o Pai Ubu. (Ele atira sobre o festim uma inominável escova5)
MÃE UBU
- Miserável! O que está fazendo?
PAI UBU
- Experimentem um pouco (Vários experimentam e caem envenenados)
PAI UBU
- Mãe Ubu, passe-me as costeletas de rastrão que eu sirvo.
MÃE UBU
- Aqui estão.
PAI UBU
- Para fora, todo mundo! Capitão Bordura, quero falar com o senhor.
OS OUTROS
- Ei! Nós nem jantamos.
PAI UBU
- Como? Não jantaram! Para fora todo mundo! Fique, Bordura. (Ninguém se mexe)
PAI UBU
- Ainda não foram? Pela bela vela verde, vou matar vocês com as costeletas de rastrão.
(Começa a atirar as costeletas)
TODOS
- Oh! Ai! Socorro! Defendam-se! Droga! Estou morto!
PAI UBU
- Merdra, merdra, merdra. Para fora! Eu executo!
TODOS
- Salve-se quem puder! Miserável Pai Ubu! Traidor! Moleque miserável!
PAI UBU
- Ah! foram embora. Que alívio. Mas eu não jantei nada bem. Venha, Bordura. (Saem,
junto com a Mãe Ubu.)

CENA IV
(PAI UBU, MÃE UBU, CAPITÃO BORDURA)
PAI UBU
- Então, capitão, jantou bem?
CAPITÃO BORDURA
- Muito bem, meu senhor, a não ser pela merdra.
PAI UBU
- Ah! a merdra não estava ruim.
MÃE UBU
- Gosto não se discute.
PAI UBU
- Capitão Bordura, eu decidi nomear o senhor duque da Lituânia.
CAPITÃO BORDURA
- Como? Pensei que o senhor estivesse plebeu, Pai Ubu.
PAI UBU
- Dentro de alguns dias, se o senhor quiser, eu reinarei sobre a Polônia.
CAPITÃO BORDURA
- Vai matar Venceslau?
PAI UBU
- Ele não é nada besta, este velhaco. Adivinhou
CAPITÃO BORDURA
5
Segundo Charles Morin, tratava-se de uma escova de limpar privadas.

8
- Se é para matar Venceslau, conte comigo. Sou inimigo mortal dele e respondo também
pelos meus homens.
PAI UBU (Atirando-se sobre ele para abraçá-lo)
- Oh! Oh! Eu adoro você Bordura.
CAPITÃO BORDURA
- Ei! O senhor está fedendo, Pai Ubu. Não toma banho nunca, é?
PAI UBU
- Raramente.
MÃE UBU
- Nunca!
PAI UBU
- Vou pisar no teu pé.
MÃE UBU
- Grande merdra!
PAI UBU
- Pode ir, Bordura, isso é tudo. Mas, pela bela vela verde, juro pela Mar ubu que o senhor
será duque da Lituânia.
MÃE UBU
- Mas...
PAI UBU
- Quietinha, minha doce criança.

(ELES SAEM)

CENA V
(PAI UBU, MÃE UBU, UM MENSAGEIRO)

PAI UBU
- O que é que o senhor quer? Desembucha. Não me canse.
MENSAGEIRO
- Meu senhor está sendo chamado por parte do rei.
(SAI)
PAI UBU
- Oh! Merdra, putaquepariu6, pela bela vela verde, fui descoberto, vou ser decapitado!
Pobre de mim! Pobre de mim!!
MÃE UBU
- Que homem mais frouxo! E o tempo urge.
PAI UBU
- Ah! tive uma idéia: vou dizer que foi a Mãe Ubu e Bordura.
MÃE UBU
- Ah! seu grande P.U. se você fizer isso...
PAI UBU
- E vou já.
(SAI)
MÃE UBU (Correndo atrás dele)
- Oh! Pai Ubu, eu te dou um chouriço.
(SAI)
PAI UBU (Da coxia) - Oh! Merdra! Você é um grande chouriço!

6
Jarnicotonbleu, no origina. No século XIV, em certa província francesa, um funcionário oficial chamado Coton era tão
odiado que surgiu a expressão “Je Réuie Coton” (eu renego Coton), que com o passar dos anos evoluiu na gíria popular
para jarnicoton. Jarry brinca com a expressão.

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CENA VI
(O PALÁCIO DO REI)

(O REI VENCESLAU, CERCADO POR SEUS OFICIAIS; BORDURA; OS FILHOS DO REI,


BOLESLAU, LADISLAU E BUGRELAU. E DEPOIS DO PAI UBU)

PAI UBU (Entrando)


- Oh! Meu senhor, não fui eu, foi a Mãe Ubu e o Bordura.
O REI
- O que você tem, Pai Ubu?
BORDURA
- Bebeu demais.
O REI
- Eu também bebi demais hoje de manhã.
PAI UBU
- É. Estou bêbado porque bebi muito vinho francês.
O REI
- Pai Ubu, quero recompensar seus muitos serviços como capitão dos dragões. A partir de
hoje, eu o nomeio conde de Sandomir.
PAI UBU
- Oh, senhor Venceslau, nem sei como agradecer.
O REI
- Não me agradeça. Pai Ubu. Apresente-se amanhã de manhã para a grande revista.
PAI UBU
- Lá estarei. Mas aceite, por favor, esta flautinha. (Dá ao rei uma flautinha)
O REI
- Que é que vou fazer com uma flautinha na minha idade? Vou dar para Bugrelau.
O JOVEM BUGRELAU
- Como ele é esse Pai Ubu.
PAI UBU
- E agora, eu me retiro. (Ele cai ao se voltar) Ai! Socorro! Pela bela vela
verde, arrebentei o intestino e estalei a buzina!7
O REI (Ajudando-o a se levantar)
- Pai Ubu, o senhor se machucou?
PAI UBU
- Muito e com certeza vou morrer. O que vai ser da Mãe ubu?
O REI
- Cuidaremos dela.
PAI UBU
- O senhor é tão bondoso. (Ele sai) É, rei Venceslau, mas nem por isso vai escapar do
massacre.
CENA VII
(CASA DE PAI UBU)
(GIRÃO, PILA, COTICA, PAI UBU, MÃE UBU, CONSPIRADORES E SOLDADOS,
CAPITÃO BORDURA)

PAI UBU
- Eh, meus bons amigos, já está mais que na hora de fazer os planos da conspiração. Cada
um diz o que acha. Eu vou logo dizendo a minha parte, se os senhores permitirem.
CAPITÃO BORDURA
- Fale, Pai Ubu.
7
Buzine, no original, designa o ventre de Ubu.

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PAI UBU
- Bem, meus amigos, acho que devemos simplesmente envenenar o rei, colocando arsênico
no seu café da manhã. Assim que ele tomar cairá morto e, assim, eu serei rei.
TODOS
- Fiu, fiu, que porcaria!
PAI UBU
- O quê? Não gostaram? Então, que Bordura dê sua opinião.
CAPITÃO BORDURA
- Eu acho é que a gente devia dar nele um bom golpe de espada que o arrebentasse da
cabeça até a cintura.
TODOS
- Certo! Isso é que é nobre e valente.
PAI UBU
- E se te dá um chute? Estou me lembrando agora que, para a revista da tropa, ele sempre
usa um sapato de ferro que deve machucar muito. Se eu soubesse tinha corrido denunciar você para
me ver livre dessa sujeira toda. Acho que ele é capaz até de me dar um dinheiro.
MÃE UBU
- Oh! Traidor, frouxo, bandido, vulgar miserável.
TODOS
- Escarrem o Pai Ubu!
PAI UBU
- Calma, meus senhores, fiquem tranqüilos, se não querem acertar contas comigo depois.
Está bom, eu consinto eu me expor por vocês. Bordura, você se encarrega de rachar o rei.
CAPITÃO BORDURA
- Não seria melhor a gente saltar em cima dele todo mundo junto,
rugindo e gritando? Assim a gente poderia conquistar as tropas.
PAI UBU
- Então, pronto. Eu me encarrego de pisar nos pés dele, ele reage, aí eu digo: MERDRA e
este é o sinal pra vocês pularem em cima dele.
MÃE UBU
- Isso. E assim que ele estiver morto você toma seu cetro e sua coroa.
CAPITÃO BORDURA
- E eu corro com os meus homens, perseguindo a família real.
PAI UBU
- Isso. E recomendo especial atenção com o jovem Bugrelau.
(ELES SAEM)
PAI UBU (Correndo atrás deles e fazendo com que voltem)
- Meus senhores, nós todos esquecemos uma cerimônia indispensável. É preciso jurar que
vamos lutar com bravura.
CAPITÃO BORDURA
- E como é que se faz? Não temos padre aqui.
PAI UBU
- A Mãe Ubu fica em seu lugar.
TODOS
- Que seja.
PAI UBU
- Juram matar o rei bem matado?
TODOS
- Juramos. Juramos, sim. Viva o Pai Ubu!
(FIM DO PRIMEIRO ATO)

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SEGUNDO ATO

CENA I
(O PALÁCIO DO REI)
(VENCESLAU, A RAINHA ROSAMUNDA, BOLESLAU, LADISLAU E BUGRELAU)

O REI
- Senhor Bugrelau, o senhor, hoje de manhã, foi muito impertinente com o senhor Ubu,
cavaleiro das minhas ordens e conde de Sandomir. Por essa razão eu o proíbo de comparecer à
minha revista das tropas.
A RAINHA
- Assim sendo, Venceslau, não estará completa a sua família para defendê-lo.
O REI
- Madame, nunca volto atrás em minha palavra. E não me canse mais com suas futilidades.
O JOVEM BUGRELAU
- Eu obedeço, senhor meu pai.
A RAINHA
- Então, senhor, está mesmo decidido a comparecer a essa revista de tropas?
O REI
- Por que não, madame?
A RAINHA
- Pois então não o vi em sonho golpeando você com todas as armas e atirando-o ao Vístula
e depois, como uma águia àquela que figura nas armas da Polônia, colocando a coroa na cabeça?
O REI
- Ele quem?
A RAINHA
- O pai Ubu.
O REI
- Que loucura! O senhor Ubu é um excelente cavalheiro que se deixaria até esquartejar por
quatro cavalos para me servir.
A RAINHA E BUGRELAU
- Ledo engano.
O REI
- Cale-se, pirralho. Madame, para lhe provar que não tenho o menos medo do senhor Ubu,
vou sair na revista de tropas exatamente como estou, sem
armadura e sem espada.
A RAINHA
- Fatal imprudência, não tornarei a vê-lo com vida.
O REI
- Venha, Ladislau, venha Boleslau.
(ELES SAEM. A RAINHA E BUGRELAU VÃO ATÉ A JANELA)
A RAINHA E BUGRELAU
- Que Deus e o grande São Nicolau o protejam.
A RAINHA
- Brugrelau, venha comigo até a capela, rezar por seu pai e por seus irmãos.

CENA II
(O PÁTIO DE REVISTA)
(O EXÉRCITO POLONÊS, O REI, BOLESLAU, LADISLAU, PAI UBU, CAPITÃO BORDURA E SEUS
HOMENS, GIRÃO, PILA, COTICA.)

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O REI
- Nobre Pai Ubu, chegue perto de mim com sua comitiva, vamos inspecionar as tropas.
PAI UBU (Para os seus)
- Atenção, vocês. (Para o Rei) Vamos, meu senhor, vamos. (Os homens de Pai ubu cercam
o Rei)
O REI
- Ah! eis o regimento da guarda montada de Dantzick. Como são belos, meu Deus.
PAI UBU
- Acha mesmo? Me parecem miseráveis. Olhe aquele ali. (Para o soldado) Quanto tempo
faz que você não faz a barba ignóbil patife?
O REI
- Mas esse soldado está bem asseado. O que você tem, Pai ubu?
PAI UBU
- Isso! (Pisa no pé do rei)
O REI
- Miserável!
PAI UBU
- MERDRA! A postos, homens!
BORDURA
- Hurrah! Avançar! (Todos golpeiam o Rei, um palotim8 explode)
O REI
- Oh! Socorro! Virgem Santa, estou morto.
BOLESLAU (Para Ladislau)
- O que é isso? Sacar as armas.
PAI UBU
- Ah! peguei a coroa! Agora, os outros.
CAPITÃO BORDURA
- Depressa! Atrás dos traidores! (Os filhos do Rei fogem, todos os perseguem)

CENA III
(A RAINHA E BUGRELAU)

A RAINHA
- Afinal, estou começando a me tranqüilizar.
BUGRELAU
- Você não tem nenhum motivo para se preocupar.
(UM TERRÍVEL CLAMOR SE FAZ OUVIR LÁ FORA)
BUGRELAU
- Ah! eu vejo? Meus dois irmãos perseguidos pelo Pai Ubu e seus homens.
A RAINHA
- Oh, meu Deus! Santa Virgem, eles estão perdendo, eles estão perdendo terreno!
BUGRELAU
- Todo o exército obedece o Pai ubu. O Rei não está mais lá. Horror! Socorro!
A RAINHA
- Olhe Boleslau morto! Ele foi baleado.
BUGRELAU - Ei! (Ladislau se volta) Defenda-se! Aí, Ladislau.

8
Palotim – palotin, no original, - nas primeiras versões ainda escolares do ciclo sobre Père Hébert, ele tinha seguidores
chamados salopins, encarregados das piores e mais imundas tarefas. Salopin deriva de salop – porco, sujo, imundo; e no
feminino – salope, prostituta. Com o passar do tempo e o suceder de versões das peças sobre o personagem que viria a
ser, definitivamente, pela mão de Jarry, o Pai Ubu, os salopins se tornaram palotins, que não tem significado específico,
mas que, como criação vocal, fica curiosamente entre salopin e o palatin – paladino, que é a função de Girão, Pila e
Cotica. Mantivemos o neologismo, Apenas abrasileirando ligeiramente a forma: palotim.

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A RAINHA
- Oh! Ele está cercado.
BUGRELAU
- Foi-se. Bordura acaba de cortá-lo em dois como uma salsicha.
A RAINHA
- Ah! ai de mim! Esses celerados invadem o palácio, estão subindo as escadas.
(O CLAMOR AUMENTA)
A RAINHA E BUGRELAU (De joelhos)
- Meu Deus, protegei-nos.
BUGRELAU
- Ah! esse Pai Ubu! O patife, o miserável, se eu puser as mãos nele...

CENA IV
(OS MESMOS, A PORTA É ARROMBADA, PAI UBU E OS FURIOSOS ENTRAM)

PAI UBU
- Então, Brugrelau, o que é que você vai me fazer?
BUGRELAU
- Viva Deus! Defenderei minha mãe até a morte! O primeiro que der um passo está morto.
PAI UBU
- Oh! Bordura, estou com medo! Deixe-me ir embora.
UM SOLDADO (Avança)
- Renda-se Bugrelau!
O JOVEM BUGRELAU
- Toma lá, desgraçado! É isso que você merece! (Rompe-lhe o crânio)
A RAINHA
- Aí, Bugrelau, muito bem!
VÁRIOS (Avançando)
- Bugrelau, nós prometemos salvar a sua vida.
BUGRELAU
- Vagabundos, sacos de vinho, porcos vendidos!
(ELE GIRA A ESPADA EM TORNO DE SI E FAZ UM MASSACRE)
PAI UBU
- Oh! Eu vou vencer assim mesmo!
BUGRELAU
- Mãe, fuja pela escada secreta.
A RAINHA
- E você, meu filho, e você?
BUGRELAU
- Eu vou atrás.
PAI UBU
- Tratem de pegar a rainha. Ah! ela escapou. Quanto a você, miserável!... (Ele avança para Bugrelau)
BUGRELAU
- Ah! viva Deus! Eis minha vingança! (Desfere-lhe um terrível golpe de espada na barriga)
Mãe, estou indo! (Desaparece pela escada secreta)

CENA V
(UMA CAVERNA NAS MONTANHAS)
(O JOVEM BUGRELAU ENTRA SEGUIDO DE ROSAMUNDA)

BUGRELAU
- Aqui estaremos em segurança.

14
A RAINHA
- Sim, creio que sim! Bugrelau, me ajude! (Ela cai sobre a neve)
BUGRELAU
- Oh! O que é que você tem, mãe?
A RAINHA
- Estou muito doente, Bugrelau, de verdade. Não tenho mais que duas horas de vida.
BUGRELAU
- Será que o frio a congelou?
A RAINHA
- Como quer que eu resista a tantos golpes? O rei massacrado, nossa
família destruída e você, representante da raça mais nobre que já empunhou uma espada, forçado a
fugir para as montanhas como um contrabandista.
BUGRELAU
- E por causa de quem, Deus meu! De quem? Um vulgar Pai Ubu, aventureiro saído sabe-
se lá de onde, crápula vil, vagabundo vergonhoso! E quando penso que meu pai, o condecorou, fez
dele um conde para no dia seguinte esse vilão não ter vergonha de levantar a mão contra ele.
A RAINHA
- Oh, Bugrelau! Quando me lembro o quanto éramos felizes antes da chegada deste Pai
ubu! Agora, porém, ai de mim! Tudo mudou!
BUGRELAU
- Que quer você? Aguardemos com esperança e não renunciaremos nunca aos nossos direitos.
A RAINHA
- É o que te desejo, querido filho, mas eu, eu não viverei para ver esse dia feliz.
BUGRELAU
- Que é que você tem? Ela empalidece, cai. Socorro! Ah! estou perdido num deserto. Oh,
meu Deus! Seu coração não bate mais. Está morta! Será possível? Mais uma vítima do Pai ubu! (Ele
esconde o rosto entre as mãos e chora) Oh, meu Deus! Como é triste estar só aos catorze anos como
uma terrível vingança a cumprir! (Ele sucumbe ao mais cruel desespero)
(ENQUANTO ISSO AS ALMAS DE VENCESLAU, BOLESLAU, LADISLAU E ROSAMUNDA
ENTRAM NA GRUTA, SEUS ANCESTRAIS OS ACOMPANHAM, LOTANDO TODA A GRUTA. O
MAIS VELHO DE TODOS SE APROXIMA DE BUGRELAU E O REANIMA DOCEMENTE)
BUGRELAU
- Oh! que vejo? Toda minha família, meus ancestrais... que prodígio!
O FANTASMA
- Saiba, Bugrelau, que em vida eu fui o senhor Mathias de Koenigsberg, primeiro rei e
fundador desta estirpe. Eu te encarrego de levar a cabo nossa vingança. (Entrega ao jovem uma
grande espada) E que essa espada que te dou não descanse enquanto não golpear mortalmente o
usurpador.
(TODOS DESAPARECEM, BUGRELAU FICA SOZINHO EM ATITUDE DE ÊXTASE)

CENA VI
(O PALÁCIO DO REI)
(PAI UBU, MÃE UBU, CAPITÃO BORDURA)

PAI UBU
- Não, eu não quero, não! Vocês estão querendo me arruinar com esses grandes gesto?
CAPITÃO BORDURA
- Pai ubu, o senhor não entende que o povo espera a decretação da feliz coroação?
MÃE UBU
- Se você não mandar distribuir carne e ouro, será destronado em duas horas.
PAI UBU
- Carne, sim! Ouro, não! Mande abater três cavalos velhos, é o que basta para porcos desse naipe.
MÃE UBU - Porco é você! Onde é que eu fui arranjar um bicho desses?
15
PAI UBU
- Vou repetir: eu quero ficar rico. Não vou soltar nem um tostão.
MÃE UBU
- Quando temos nas mãos todos os tesouros da Polônia.
CAPITÃO BORDURA
- É. Eu sei que na capela há um imenso tesouro. Nós o distribuiremos.
PAI UBU
- Miserável, se fizer isso!
CAPITÃO BORDURA
- Mas, Pai Ubu, se você não fizer a distribuição o povo não vai querer pagar os impostos.
PAI UBU
- Verdade?
MÃE UBU
- É. É!
PAI UBU
- Ah, então eu concordo com tudo. Junte três milhões, mande cozinhar cento e cinqüenta
bois e carneiros. Ainda mais que eu também vou levar o meu.

CENA VII
(O PÁTIO DO CASTELO TOMADO PELO POVO)
(PAI UBU COROADO, MÃE UBU, CAPITÃO BORDURA, LACAIOS CARREGADORES DE CARNE.)

POVO
- Viva o Rei! Viva o Rei! Hurra!
PAI UBU (Atirando ouro)
- Olha aí. É para vocês. Não me agrada muito dar esse dinheiro a vocês, mas, sabem como
é, a Mãe ubu fez questão. Pelo menos prometam que vão pagar os impostos direitinho.
TODOS
- Sim, sim.
CAPITÃO BORDURA
- Veja, Mãe Ubu, como eles disputam o ouro. Que batalha!
MÃE UBU
- Na verdade, é um horror. Urgh! Olha ali um que rachou a cabeça.
PAI UBU
- Que belo espetáculo! Tragam mais caixas de ouro.
CAPITÃO BORDURA
- E se fizéssemos uma corrida?
PAI UBU
- Isso. Boa idéia. (Para o povo) Meus amigos, estão vendo esta caixa de ouro? Ela contém
trezentos mil nobres rosados em ouro, em moeda polonesa e de bom quilate. Aqueles que querem
participar da corrida se coloquem lá na ponta do pátio. Vou dar a partida agitando o meu lenço e o
primeiro que chegar leva a caixa. Quanto aos que não ganharem levam como prêmio de consolação
esta outra coisa que será repartida entre eles.
TODOS
- Viva o Pai Ubu! Que bom rei! A gente não tinha um assim desde o tempo de Venceslau.
PAI UBU (Para a Mãe ubu, muito alegre)
- Está escutando?
(TODO O POVO SE ENFILEIRA NO EXTREMO DO PÁTIO)
PAI UBU
- Um, dois, três! Estão prontos?
TODOS
- Estamos, estamos.

16
PAI UBU
- Já! (Eles partem em confusão. Gritos e tumulto)
CAPITÃO BORDURA
- Estão chegando! Estão chegando!
PAI UBU
- Ah! o primeiro está perdendo terreno.
MÃE UBU
- Não. Está passando na frente outra vez.
CAPITÃO BORDURA
- Oh! Ele está perdendo, perdeu! Acabou! Foi o outro.
(O QUE ESTAVA EM SEGUNDO LUGAR CHEGA PRIMEIRO)
TODOS
- Viva Michel Fédérovitch! Viva Michel Fédérovitch!
MICHEL FÉDÉROVITCH
- Senhor, sinceramente nem sei como agradece Sua Majestade...
PAI UBU
- Ah! meu caro amigo, isso não é nada. Leva a caixa para casa, Michel. E vocês, repartam
aquela outra entre vocês. Cada um pega uma moeda até não sobrar nenhuma.
TODOS
- Viva Michel Fédérovitch! Viva o Pai Ubu!
PAI UBU
- E vocês, meus amigos, venham jantar! Hoje, as portas do palácio estarão aberta, venham
honrar a minha mesa!
POVO
- Vamos entrar! Vamos entrar! Viva o Pai Ubu! É o mais nobre de todos os soberanos!
(ELES ENTRAM NO PALÁCIO. OUVE-SE O RUÍDO DA ORGIA QUE SE PROLONGA ATÉ A
MANHÃ SEGUINTE. CAI O PANO)

FIM DO SEGUNDO ATO.

TERCEIRO ATO

CENA I
(O PALÁCIO)
(PAI UBU, MÃE UBU.)

PAI UBU
- Pela bela vela verde, eis-me aqui, rei deste país. Comi até ter uma indigestão e agora vão
me trazer a minha grande capa.
MÃE UBU
- Do que ela é feita, Pai Ubu? Agora que somos reis é preciso economizar.
PAI UBU
- Senhora minha fêmea, a capa é de pele de carneiro com cinto e fivela de pele de cão.
MÃE UBU
- Que linda! Mas é mais lindo ainda ser rei.
PAI UBU
- É. Tem razão, Mãe Ubu.
MÃE UBU
- Devemos grande reconhecimento ao duque da Lituânia.
PAI UBU
- A quem?
MÃE UBU - Ora: O capitão Bordura.

17
PAI UBU
- Por favor. Mãe Ubu, não me fale desse cretino. Agora que não preciso mais dele, ele que
vá se catar. E não vai ter mais o seu ducado.
MÃE UBU
- Você está muito errado, Pai Ubu. Ele vai se voltar contra você.
PAI UBU
- Ah! já estou cheio desse homenzinho. O que me preocupa mesmo é Bugrelau.
MÃE UBU
- Ei! Você acredita que já eliminou Bugrelau?
PAI UBU
- Com a espada das finanças, evidentemente! Que é que você acha que ele pode fazer
contra mim, esse pirralho de catorze anos?
MÃE UBU
- Pai Ubu, ouça o que estou te dizendo. Me escute. Trate de conquistar Bugrelau com benefícios.
PAI UBU
- Dar mais dinheiro ainda? Ah! não, nunca. Você já me fez esbanjar vinte e dois milhões.
MÃE UBU
- Pense bem, Pai Ubu, ele vai fazer picadinho de você.
PAI UBU
- Pois é, e você vai estar junto comigo na panela.
MÃE UBU
- Escute-me mais uma vez: eu tenho certeza que o jovem Bugrelau vai acabar ganhando a
parada. Ele tem a razão a seu favor!
PAI UBU
- Ah! droga! A razão e a falta de razão não valem a mesma coisa? Ah! você está me
ofendendo, Mãe Ubu. Vou te picar em pedacinhos.
(MÃE UBU, FOGE, PERSEGUIDA PELO PAI UBU)

CENA II
(GRANDE SALÃO DO PALÁCIO)
(PAI UBU, MÃE UBU, OFICIAIS E SOLDADOS, GIRÃO, PILA, COTICA, NOBRES
ACORRENTADOS. FINANCISTAS, MAGISTRADOS, ESCRIVÃES)
PAI UBU
- Tragam a caixa de nobres e o gancho de nobres e a faca dos nobres e o livro dos nobres!
Depois, façam entrar os nobres.
(OS NOBRES SÃO EMPURRADOS BRUTALMENTE)
MÃE UBU
- Por favor, controle-se, Pai ubu.
PAI UBU
- Tenho a honra de lhes anunciar que, para enriquecer o reino, vou mandar executar todos
os nobres e confiscar seus bens.
NOBRES
- Horror! Ajudem-nos, povo e soldados!
PAI UBU
- Tragam o primeiro nobre e me dêem aqui o gancho dos nobres, os que forem condenados
à morte, vão para a gaiola. E depois pro subsolo do Pé-de-Porco e da Câmara d’Almas, onde serão
descerebrados. (Para o nobre) Quem é você, imbecil?
O NOBRE
- O conde de Vitepsk.
PAI UBU
- Quais são seus rendimentos?

18
O NOBRE - Três milhões de rixdales9.
PAI UBU
- Condenado! (Puxa-o com o gancho e o atira na gaiola)
MÃE UBU
- Que sórdida ferocidade!
PAI UBU
- Segundo nobre, quem é você? (O Nobre nada responde) Vai responder ou não, imbecil?
O NOBRE
- Grão-duque de Posen.
PAI UBU
- Excelente! Excelente! Nem vou perguntar mais nada. Para a gaiola. Terceiro nobre, quem
é você, feio desse jeito?
O NOBRE
- Duque da Curlândia, das cidades de Riga, Revel e Mitau.
PAI UBU
- Muito bem! Muito bem! Não tem mais nada, não?
O NOBRE
- Nada.
PAI UBU
- Então, pra gaiola. Quarto nobre, quem é você?
O NOBRE
- Príncipe da Podólia.
PAI UBU
- Quais são seus rendimentos?
O NOBRE
- Estou arruinado.
PAI UBU
- Por este palavrão, vai para a gaiola. Quinto nobre, quem é você?
O NOBRE
- Margrave de Thorn, paladino de Polock.
PAI UBU
- Não é grande coisa. Não tem mais nada, não?
O NOBRE
- Isto me basta.
PAI UBU
- Está certo! É melhor pouco que nada. Pra gaiola. Está choramingando por quê, Mãe Ubu?
MÃE UBU
- Você é fez demais, Pai Ubu.
PAI UBU
- Ah! estou ficando rico. Vou mandar ler MINHA lista dos MEUS bens. Escrivão, leia a
MINHA lista dos MEUS bens.
TABELIÃO
- Condado de Sandomir.
PAI UBU
- Comece pelos principados, estúpida criatura!
TABELIÃO
- Principado da Podólia, grão-ducado de Posen, ducado da Curlândia, condado de
Sandomir, condado de Vitepsk, palatinado de Polock, margraviato de Thorn.
PAI UBU
- E que mais?

9
Rixdale é uma antiga moeda de prata em uso na Europa oriental e do norte.

19
ESCRIVÃO
- E tudo.
PAI UBU
- Como, é tudo?! Bom, então, avante os Nobres. E como não vou mais parar de enriquecer,
farei executar todos os nobres e assim ficarei com todos os bens. Vamos lá, Nobres, para a gaiola.
(Os nobres são empilhados na gaiola) Mais depressa, vocês ai, que agora eu quero fazer umas leis.
VÁRIOS
- Vamos ver isso.
PAI UBU
- Para começar, vou reformar a justiça. Depois procederemos às finanças.
VÁRIOS MAGISTRADOS
- Nós somos contra qualquer mudança.
PAI UBU
- Merdra. Em primeiro lugar, os magistrados não mais serão pagos.
MAGISTRADO
- E do que é que nós vamos viver? Somos pobres.
PAI UBU
- Vocês ficam com as multas que aplicarem e com os bens dos condenados à morte.
UM MAGISTRADO
- Horror.
SEGUNDO
- Infâmia.
TERCEIRO
- Escândalo.
QUARTO
- Indignidade.
TODOS
- Nós nos recusamos a julgar nessas condições.
PAI UBU
- Para a gaiola com os magistrados! (Eles se debatem em vão)
MÃE UBU
- Ei! O que está fazendo, Pai Ubu? Quem é que vai cuidar da justiça agora?
PAI UBU
- Ora! Eu. Você vai ver como vai dar certo.
MÃE UBU
- E. Bem certo.
PAI UBU
- Vamos, cale a boca, estúpida. Agora, senhores, vamos tratar das finanças.
FINANCISTAS
- Não há nada para mudar.
PAI UBU
- Como? Eu quero mudar tudo. Para começar, quero para mim a metade dos impostos.
FINANCISTAS
- Nem pensar.
PAI UBU
- Meus senhores, vamos estabelecer um imposto de dez por cento sobre a propriedade, um
outro sobre a indústria e o comércio e um terceiro sobre os casamentos e um quarto sobre os
falecimentos. Quinze francos cada.
PRIMEIRO FINANCISTA
- Mas é uma idiotice, Pai ubu.
SEGUNDO FINANCISTA
- E absurdo.

20
TERCEIRO FINANCISTA
- Não tem pé nem cabeça.
PAI UBU
- Estão me contrariando! Para a gaiola com os financistas! (Eles são engaiolados)
MÃE UBU
- Mas, afinal, Pai Ubu, que diabo de rei é você, massacrando todo mundo?
PAI UBU
- Ah, merdra!
MÃE UBU
- Não há mais justiça, não há mais finanças.
PAI UBU
- Não tenha medo de nada, minha doce criança, eu irei pessoalmente de aldeia em aldeia
recolher os impostos.

CENA III
(UMA CASA DE CAMPONESES NOS ARREDORES DE VARSÓVIA)
(VÁRIOS CAMPONESES ESTÃO REUNIDOS.)

UM CAMPONÊS (Entrando)
- Grandes novidades. O rei morreu, os duques também e o jovem Bugrelau conseguiu
escapar com sua mãe para as montanhas. Além disso, o Pai Ubu se apoderou do trono.
OUTRO
- Pois eu sei de outras novidades. Estou vindo da Carcóvia, onde vi transportarem os
corpos de mais de trezentos nobres e quinhentos magistrados que foram mortos. Parece que vão
duplicar os impostos e que Pai Ubu cobrá-los pessoalmente.
TODOS
- Deus do Céu! O que vai nos acontecer? O Pai Ubu é um porco desgraçado e a família
dele, dizem, é mais abominável.
UM CAMPONÊS
- Ouçam. Parece que estão batendo na porta.
UMA VOZ (Lá fora)
- Conoralho! Abram, por minha merdra, por São João, São Pedro e São Nicolau! Abram,
espada das finanças, corno das finanças, vim buscar os impostos! (A porta é arrombada, Pai Ubu
entra seguido de uma legião de coletores de impostos)

CENA IV
PAI UBU
- Quem é o mais velho de vocês (Um camponês avança) Como você se chama?
O CAMPONÊS
- Stanislau Leczinski10.
PAI UBU
- Então, cornoralho, escute bem, senão mando esses homens cortarem suas onelhas11. Vai
me escutar ou não?
10
Stanislau Leczinski – rei eleito da Polônia, depois destituído, refugiado em França, torna-se duque de Lorraine e
sogro de Louis XV. Este, assim como outros nomes que aparecem na peça, são rigorosamente históricos, apesar de
Jarry declarar, na conferência prévia à estréia, o seu desprezo pelo teatro histórico. Venceslau não houve nunca nenhum
rei da Polônia, mas houve vários reis Venceslau na Boêmia e na Alemanha e um deles, alcunhado o Bêbado. Por outro
lado a história revela vários reis poloneses chamados Boleslau. Ladislau foram chamados dos reis da Polônia. Bugrelau,
no entanto, é criação de Jarry. Jean Sobieski, rei da Polônia, era tão gordo que durante uma batalha contra os turcos teve
de ser colocado sobre seu cavalo pelos atendentes. Michel Fédérovitch e o imperador Alexis eram bastante ligados uma
vez que o primeiro era pai do segundo. Michel Fédérovitch fundou a dinastia russa Romanov que reinou de 1613 a
1645.
11
Onelhas, no original oneilles, curiosa forma de escrever orelhas que Jarry mantém em todas as peças, provavelmente
porque nos remete, em francês mais imediatamente que em português, a onan, radical de onanismo.

21
STANISLAU
- Mas Sua Excelência ainda não disse nada.
PAI UBU
- Como não? Faz mais de uma hora que estou falando. Acha que vim para pregar no deserto?
STANISLAU
- Longe de mim uma idéia dessas.
PAI UBU
- Eu vim te dizer, te ordenar e te determinar que você deve apresentar prontamente as tuas
finanças, caso contrário será massacrado. Vamos senhores porquinhos das finanças, dirijam para cá
o carrinho das phynanças. (Trazem o carrinho)
STANISLAU
- Senhor, nós estamos inscritos no registro para não pagar mais que cento e cinqüenta e
dois rixdales, os quais já pagamos, não faz nem duas semanas, na festa de São Mateus.
PAI UBU
- É bem possível, mas eu mudei o governo e mandei publicar no jornal que todos os
impostos serão pagos duas vezes, ou mesmo três, no caso dos que forem designados posteriormente.
Com esse sistema logo, logo, vou fazer fortuna, daí mato todo mundo e me mando.
CAMPONESES
- Senhor Ubu, por favor, tenha piedade de nós. Somos pobres cidadãos.
PAI UBU
- Estou me lixando. Paguem.
CAMPONESES
- Não podemos, já pagamos.
PAI UBU
- Paguem! Ou meto todos no meu bolso com tortura, degolação do pescoço e da cabeça!
Cornoralho, sou o rei ou não sou?
TODOS
- Ah, é assim? as armas! Viva Bugrelau, rei da Polônia e da Lituânia pela graça de Deus!
PAI UBU
- Avante, senhores das Finanças, cumpram seu dever.
(TRAVA-SE UMA LUTA, A CASA É DESTRUÍDA E O VELHO STANISLAU FOGE PELA
PLANÍCIE. O PAI UBU FICA RECOLHENDO AS FINANÇAS)

CENA V
(UMA CASAMATA DAS FORTIFICAÇÕES DE THORN)
(CAPITÃO BORDURA ACORRENTADO, PAI UBU)

PAI UBU
- Ah, cidadão, está vendo só? Você quis que eu te pagasse o que te devia, então se revoltou
porque eu não quis pagar, conspirou e está aí, trancado. Chifrinança, bem feito. E a peça foi tão bem
pregada que até você deve estar admirado.
CAPITÃO BORDURA
- Cuidado, Pai ubu. Em cinco dias no trono, você já matou mais gente do que seria preciso
para danar todos os santos do Paraíso. O sangue do rei e dos nobres clama por vingança e seus
clamores serão ouvidos.
PAI UBU
- Ah, meu caro amigo, você tem a língua bem comprida. Eu não duvido nada que se você
escapasse haveria complicações, mas não creio que as casamatas de Thorn tenham jamais libertado
qualquer dos honestos jovens que lhe foram confiados. E, com isso, boa noite. Eu o convido a
dormir com as duas onelhas bem protegidas porque os ratos aqui dançam uma bela sarabanda.
(ELE SAI. OS CRIADORES ENTRAM E TRANCAM TODAS AS PORTAS.)

22
CENA VI
(O PALÁCIO DE MOSCOU)
(O IMPERADOR ALEXIS E SUA CORTE, BORDURA.)

O CZAR ALEXIS
- Foi você, infame aventureiro, que cooperou para a morte de nosso primo Venceslau?
BORDURA
- Senhor, me perdoe, fui envolvido à minha revelia pelo Pai Ubu.
ALEXIS
- Oh! Maldito mentiroso. Afinal, o que deseja?
BORDURA
- O Pai Ubu mandou me prender sob o pretexto de conspiração. Eu consegui escapar e corri a
cavalo cinco dias e cinco noites através das estepes para vir implorar Sua graciosa misericórdia.
ALEXIS
- O que me oferece como garantia de sua submissão?
BORDURA
- Minha espada de aventureiro e um mapa detalhado da cidade de Thorn.
ALEXIS
- Aceito a espada, mas, por São Jorge, queime esse mapa. Não quero dever minha vitória a uma traição.
BORDURA
- Um dos filhos de Venceslau, o jovem Bugrelau, ainda está vivo. Eu farei tudo para
reconduzi-lo ao trono.
ALEXIS
- Que posto você ocupava no exército polonês?
BORDURA
- Eu comandava o 5º regimento dos dragões de Wilna e uma companhia independente a
serviço do Pai Ubu.
ALEXIS
- Muito bem, eu te nomeio subtenente do 10º regimento de Cossacos, e ai de você se
cometer traição. Se lutar bem, será recompensado.
BORDURA
- Coragem é o que não me falta, senhor.
ALEXIS
- Muito bem, suma da minha frente.
(BORDURA SAI)

CENA VII
(SALA DO CONSELHO DO UBU)
(PAI UBU, MÃE UBU, CONSELHEIROS DAS FINANÇAS)

PAI UBU
- Senhores, está aberta a sessão e tratem de escutar bem e permanecer tranqüilos. Primeiro,
vamos tratar das finanças, depois falaremos dum pequenos sistema que imaginei para fazer bom
tempo e afastar a chuva.
UM CONSELHEIRO
- Muito bem, senhor Ubu.
MÃE UBU
- Que homem besta.
PAI UBU
- Madame de minha merdra, tome cuidado porque eu não vou agüentar as suas besteiras.
Eu dizia, senhores, que as finanças vão passavelmente. Um número considerável de cães com meias

23
de lã12 se espalham pelas ruas todas as manhas e os putos fazem maravilhas. Por toda parte só se
vêem casas queimadas e cidadãos curvando-se sob o peso de nossas phynanças.
O CONSELHEIRO
- E os novos impostos, senhor Ubu, vão bem?
MÃE UBU
- Nada bem. O imposto sobre casamentos só rendeu 11 tostões e isso que o Pai Ubu
persegue as pessoas em todo o lugar para forçá-las a se casar.
PAI UBU
- Espada das finanças, como da minha pança, madame financista, eu tenho onelhas para
falar e você uma boca para me escutar. (Gargalhadas) Não, não! Você me atrapalha, me deixa
besta! Corno d’Ubu (Entra um Mensageiro) Vamos, o que traz esse agora? Suma daqui, porcalhão,
senão eu te meto no bolso com degolação e torção de pernas.
MÃE UBU
- Pronto, ele já foi. Mas há uma carta.
PAI UBU
- Leia. Acho que perdi o juízo ou que não sei mais ler. Vai logo, imbecil, deve ser de Bordura.
MÃE UBU
- Justamente. Ele diz que o czar o acolheu muito bem, que ele vai invadir tuas terras para
reconduzir Bugrelau ao trono e que você será morto.
PAI UBU
- Oh! Oh! Tenho medo! Ah! vou morrer. Pobre de mim. O que é que vai acontecer, meu
Deus? Esse homem mau vai me matar. Santo Antônio e todos os santos, valei-me, eu prometo dar
minha phynança e acender velas para você. Senhor, o que vai acontecer? (Ele chora e soluça)
MÃE UBU
- Só há um partido a tomar, Pai Ubu.
PAI UBU
- Qual, meu amor?
MÃE UBU
- A guerra!!!
TODOS
- Viva Deus! Isso é que é ser nobre!
PAI UBU
- E. e eu ainda vou levar golpes.
PRIMEIRO CONSELHEIRO
- Vamos correndo organizar o exército.
SEGUNDO
- E juntar viveres.
TERCEIRO
- E preparar a artilharia e as fortalezas.
QUARTO
- E pegar dinheiro para as tropas.
PAI UBU
- Ah! não, e essa agora! Eu vou te matar, eu não quero dar dinheiro. Mais essa agora! Eu
era pago para fazer a guerra e agora tenho de fazer a guerra às minhas custas. Não, pela bela vela
verde, vamos fazer a guerra já que vocês estão com raiva, mas não vamos desembolsar um tostão.
TODOS
- Viva a guerra!

12
Os cães com meias de lã dedicam-se a assaltar os que vivem de rendimentos. Esse tema pertence às gesta primitiva do
P.H. (Pére Hebert).

24
CENA VIII
(CAMPO ABAIXO DE VARSÓVIA)

SOLDADOS E PALOTINS
- Viva a Polônia! Viva o Pai Ubu!
PAI UBU
- Ah! mãe Ubu, me dê minha couraça e minha bengala de pau. Já, já eu vou estar tão
carregado que nem conseguirei andar se for perseguido.
MÃE UBU
- Fora, frouxo.
PAI UBU
- Ah! o sabre de merdra que escapa e a lança das finanças que não resiste!!! Não vou
terminar nunca e os russos estão avançando e vão me matar.
UM SOLDADO
- Senhor Ubu, veja, o espeto de onelhas está caindo.
PAI UBU
- Eu mato tudo com o arpão de merdra e a faca entalhada.
MÃE UBU
- Como ele está bonito com seu elmo e sua couraça, parece uma abóbora armada.
PAI UBU
- Ah! agora vou montar meu cavalo. Senhores, tragam o cavalo das phynanças.
MÃE UBU
- Pai Ubu, seu cavalo não vai conseguir te carregar. Faz cinco dias que não come nada e
está quase morto.
PAI UBU
- Essa é boa! Fazem-me pagar 12 tostões por ida pelo rocinante e ele não agüenta comigo.
E você nem liga, corno d’Ubu! Ou então está me roubando. (A Mãe Ubu erubece e baixa os olhos)
Bem, tragam-me outro animal, que a pé é que eu não vou cornoralho!
(TRAZEM UM CAVALO ENORME)
PAI UBU
- Vou montar em cima. Oh! Quieto! Que eu vou cair. (o cavalo parte) Ai! Parem essa
besta. Deus do Céu, vou cair e morrer!!!
MÃE UBU
- É um verdadeiro imbecil. Ah! levantou. Mas tornou a cair.
PAI UBU
- Corno physico, estou meio morto! Mas não faz mal, vou para a guerra e matarei todo
mundo. Atenção quem não marchar direito. Eu meto no bolso com torção do nariz e dos dentes e
extração da língua.
MÃE UBU - Boa sorte, senhor Ubu.
PAI UBU
- Esqueci de te dizer que te confio a regência. Mas estou levanto comigo o livro das
finanças, pior para você se me roubar. Te deixo como ajudante o palotim Girão. Adeus, Mãe Ubu.
MÃE UBU
- Adeus, Pai Ubu. Mate bem matado o czar.
PAI UBU
- Claro. Torção do nariz e dos dentes, extração da língua e penetração do pedaço de pau
nas onelhas.
(O EXÉRCITO AFASTA-SE AO SOM DAS FANFARRAS)
MÃE UBU (Sozinha)
- Agora que esse grande paspalho foi embora, tratemos dos nossos negócios: matar
Bugrelau e nos apossar do tesouro.
(FIM DO TERCEIRO ATO)

25
QUARTO ATO

CENA I
(A CRIPTA DOS ANTIGOS REIS DA POLÔNIA NA CATEDRAL DE VARSÓVIA)

MÃE UBU
- Onde é que está esse tesouro? Nenhuma laje tem um som oco. Entretanto, contei
direitinho treze pedras depois da tumba e Ladislau, o Grande, seguindo pela parede. e não há nada.
Dever ter me enganado. Achei: essa pedra soa oca. Mãos à obra, Mãe Ubu. Coragem, retiremos a
pedra. Ela está firme. Vamos usar este gancho de finanças que há de cumprir suas funções. Olha aí!
Olha o ouro no meio dos esqueletos dos reis. Para o saco, tudo! Epa! Que barulho é esse? Será que
ainda resta alguém vivo debaixo destes velhos aros? Não, não é nada, apressemo-nos. Vamos levar
tudo. Esse dinheiro ficará melhor à luz do dia do que no meio das tumbas dos antigos príncipes.
Recoloquemos a pedra. O quê?! Ainda este barulho. Ficar neste lugar me causa um estranho temor.
Pegarei o resto desse ouro uma outra vez, voltarei amanhã.
UMA VOZ (Saindo da tumba de Jean Sigismundo)
- Jamais, Mãe Ubu!
(A MÃE UBU FOGE APAVORADA, LEVANDO O OURO ROUBADO PELA PORTA SECRETA)
CENA II
(A PRAÇA DE VARSÓVIA)
(BUGRELAU E SEUS PARTISANS, POVO E SOLDADOS, DEPOIS GUARDAS, MÃE UBU, O
PALOTIM GIRÃO)

BUGRELAU
- Avante, meus amigos! Viva Venceslau e a Polônia! O velho patife do Pai Ubu foi
embora, só resta agora a bruxa da Mãe ubu com seu Palotim. Eu me ofereço para marchar à frente
de vocês e restaurar a linhagem dos meus pais.
TODOS
- Viva Bugrelau!
BUGRELAU
- E suprimiremos todos os impostos criados pelo odiosos Pai Ubu.
TODOS
- Hurra! Avante! Corramos ao palácio massacrar essa raça.
BUGRELAU
- Ei! Olhem a Mãe Ubu com seus guardas na escadaria.
MÃE UBU
- Que desejam, senhores? Ah! e Bugrelau.
(A TURBA ATIRA PEDRAS)
PRIMEIRO GUARDA
- Todos os vidros foram quebrados.
SEGUNDO GUARDA
- São Jorge, vão me matar a pauladas.
TERCEIRO GUARDA
- Corno, estou morrendo.
BUGRELAU
- Atirem pedras, meus amigos.
O PALOTIM GIRÃO
- Há! E assim? (Ele desembainha a espada e se precipita fazendo medonha carnificina)
BUGRELAU
- Agora nós dois! Defenda-se, pistola frouxa.
(LUTAM)
GIRÃO
- Estou morto!

26
BUGRELAU
- Vitória, meus amigos! Agora, a Mãe ubu!
(OUVEM-SE TROMBETAS)
BUGRELAU
- Ah! os nobres estão chegando. Depressa, vamos pegar a venenosa harpia!
TODOS
- Enquanto esperamos para estrangular o velho bandido!
(A MÃE UBU FOGE, PERSEGUIDA POR TODOS OS POLONESES. TIROS DE FUZIL E
SARAIVADA DE PEDRAS)

CENA III
(O EXÉRCITO POLONÊS EM MARCHA PELA UCRÂNIA)
PAI UBU
- Droga, sacracoxa, cabeça de vaca! Vamos perecer pois estamos morrendo de sede e
cansados. Senhor soldado, tenha a bondade de levar nosso capacete de finanças e você, senhor
Lanceiro, encarregue-se do espeto de merdra e do bastão physico para aliviar nossa pessoa, uma vez
que, repito, estamos cansados.
(OS SOLDADOS OBEDECEM)
PILE
- Hã! Meu senhoire! É incrível que os russos não apareçam.
PAI UBU
- E lamentável que o estado das nossas finanças não nos permita ter uma carruagem à
nossa altura; pois, temendo acabar com a montaria, fizemos todo o caminho a pé, puxando nosso
cavalo pelas rédeas. Mas quando voltarmos à Polônia imaginaremos, por meio de nossa ciência
physica e ajudados pelas luzes de nossos conselheiros, um veículo movido a vento para transportar
todo o exército.
COTICA
- Olha lá o Nicolau Rensky que vem correndo.
PAI UBU
- O que é que há com esse menino?
RENSKY
- Está tudo perdido, senhor, os poloneses se revoltaram, Girão foi morto e a Mãe Ubu está
foragida peias montanhas.
PAI UBU
- Ave agourenta, besta do infortúnio, coruja de polainas! Onde á que você conseguiu essas
futilidades? Mais essa! E quem fez tudo isso? Bugrelau, aposto. De onde você está vindo?
RENSKY
- De Varsóvia, nobre senhor.
PAI UBU
- Garoto de minha merdra, se eu acreditasse em você faria todo o exército dar meia volta.
Mas, senhor garoto, você tem sobre os ombros mais plumas que cérebro e sonhou essas besteiras.
Vá para os postos avançados, meu filho, os russos não estão longe e logo, logo vamos ter de usar
nossas armas, tanto as de merdra, quanto as de phynanças e physicas.
O GENERAL LASCY
- Pai Ubu, não está vendo os russos na planície?
PAI UBU
- E verdade, os russo! Bonito! Se ainda houvesse um meio de ir embora, mas,
absolutamente, estamos numa elevação e vamos servir de alvo para todos os tiros.
EXÉRCITO
- Os russos! O inimigo!
PAI UBU

27
- Vamos, senhores, tomemos as posições de combate. Vamos ficar sobre a colina, não
façamos a besteira de descer. Eu ficarei no centro como uma cidadela viva e vocês gravitarão em
torno de mim. Recomendo que coloquem nos fuzis o máximo de balas que ele agüentarem, porque
8 balas podem matar 8 russos e será essa medida que não terá em cima de mim. Vamos colocar a
infantaria no sopé da montanha para receber os russos e matá-los um pouco, os cavalheiros atrás
para se atirarem na confusão e a artilharia em volta aqui do moinho de vento para atirar nas
multidões. Quanto a nós, ficaremos no moinho de vento atirando com a pistola das phynanças pela
janela. Atravessando a porta colocaremos o bastão da physica e, se alguém tentar entrar, que se
cuide com gancho de merdra!!!
OFICIAIS
- Suas ordens, Senhor Ubu, serão executadas.
PAI UBU
- Isso é bom, sairemos vencedores. Que horas são?
O GENERAL LASCY
- Onze da manhã.
PAI UBU
- Então, vamos jantar, que os russos não vão atacar antes do meio-dia. Senhor general, diga
aos soldados para fazerem suas necessidades e entoarem a Canção das Finanças.
SOLDADOS E PALOTIN
- Viva o Pai Ubu, nosso grande Financista! Ting, ting, ting ting, ting, ting ting, ting, tating!
PAI UBU
- Oh, brava gente, eu os adoro. (Uma bala russa destrói a pá do moinho) Ah! que medo,
senhor Deus, estou morto! E, no entanto, não tenho nada.

CENA IV
(OS MESMOS, UM CAPITÃO E DEPOIS O EXÉRCITO RUSSO)
CAPITÃO (Chegando)
- Senhor Ubu, os russos estão atacando.
PAI UBU
- E daí? O que você quer que eu faça? Não fui eu que mandei. Em todo caso, senhores das
finanças, vamos nos preparar para o combate.
O GENERAL LASCY
- Uma segunda bala..
PAI UBU
- Ah! Não agüento mais. Aqui chove chumbo e ferro e podemos avariar nossa preciosa
pessoa. Desçamos.
(TODOS DESCEM A PASSO ACELERADO. A BATALHA É TRAVADA. ELES DESAPARECEM EM
TORRENTES DE FUMAÇA AO PÉ DA MONTANHA.)
UM RUSSO (Atacando)
- Por Deus e pelo Czar!
RENZKY
- Ah! estou morto.
PAI UBU
- Avente! E você, senhor, eu vou te pegar, porque você me machucou, está ouvindo? Saco
de vinho! Com teu fuzil que não dispara.
O RUSSO
- Ah! veja isto. (Dá-lhe um tiro de revólver)
PAI UBU
- Ai! Ui! Estou ferido, estou furado, perfurado, administrado, enterrado. Oh, mas assim
mesmo! Ah! peguei-o. (Despedaça o russo) Pronto! Vamos ver se você recomeça agora!
O GENERAL LASCY
- Avante, continuemos vigorosamente, atravessemos o fosso, a vitória é nossa.

28
PAI UBU
- Acha mesmo? Até agora eu sinto na cabeça mais galos do que louros.
CAVALEIROS RUSSOS
- Hurra! Abram alas para o Czar!
(CHEGA O CZAR ACOMPANHADO DE BORDURA DISFARÇADO)
UM POLONÊS
- Ah! senhor! Salve-se quem puder: o Czar!
OUTRO
- Ah! meu Deus! Ele atravessa o fosso.
OUTRO
- Pif! Paf! Quatro aniquilados pela besta desse tenente.
BORDURA
- Ah! vocês não acabaram ainda, hein! Pronto, toma o que te cabe, Jean Sobiesky. (Mata-o)
Agora, os outros! (Faz um massacre de poloneses)
PAI UBU
- Avante, meus amigos! Agarrem esse biltre! Vamos fazer geléia desses moscovitas! A
vitória é nossa! Viva a Águia Vermelha!
TODOS
- Em frente! Hurra! Sacracoxa! Agarrem esta criatura.
BORDURA
- Por São Jorge, fui derrubado.
PAI UBU (Reconhecendo-o)
- Ah! é você, Bordura! Ah, meu amigo. Nós e toda a companhia estamos tão felizes de te
reencontrar. Vou te cozinhar em fogo brando. Senhores das Finanças, acendam o fogo. Oh! Ah! oh!
Estou morto. Foi um tiro de canhão no mínimo que eu levei. Ah! meu Deus, perdoai os meus
pecados. Sim foi exatamente um tiro de canhão.
BORDURA
- É um tiro de pistola carregada de sal.
PAI UBU
- Ah! está caçoando de mim! Ainda por cima! Para o bolso! (Atira-se sobre ele e o despedaça)
O GENERAL LASCY
- Pai Ubu, estamos avançando em todas as áreas.
PAI UBU
- Estou vendo, não agüento mais, estou crivado de pontapés, gostaria de me sentar no chão.
Ah! minha garrafa.
O GENERAL LASCY
- Vá pegar a do czar, Pai Ubu.
PAI UBU
- Eh! Vou mesmo. Vamos! Sabre de merdra, cumpra o seu dever, e você, gancho das
finanças, não fique atrás. Que o bastão da physica trabalhe com generosa emulação e divida com o
pedacinho de pau a honra de massacrar, escavar e explodir o Imperador moscovita. Avante, senhor
cavalo de finanças!
(ELE SE LANÇA CONTRA O CZAR)
UM OFICIAL RUSSO
- Em guarda, majestade!
PAI UBU
- Toma lá! Oh!! Ai! Ah! O que é isso? Ah! senhor, perdão, deixe-me em paz. Oh! Mas eu
não fiz de propósito!
(ELE FOGE. O CZAR O PERSEGUE)
PAI UBU - Virgem santa, esse furioso está me perseguindo! Que foi que eu fiz, meu Deus! Ah!
bom, ainda há o fosso para atravessar. Ah! eu sinto ele atrás de mim e o fosso na frente! Coragem,
fechemos os olhos.

29
(ELE SALTA O FOSSO. O CZAR CAI)
O CZAR
- Bom, estou dentro.
POLONESES
- Hurra! O Czar foi abaixo!
PAI UBU
- Ah! nem ouso me voltar! Ele está lá dentro. Ah, bem feito. Vamos atacar. Vamos,
poloneses, força nos braços, ele tem um bom lombo, esses miserável! Nem ouso olhar para ele! E
entretanto nossa premonição se realizou completamente, o bastão da physica fez maravilhar e não
resta dúvidas que eu o teria matado completamente, se um inexplicável terror não tivesse vindo
combater a anular os efeitos de nossa coragem. Mas devemos ter subitamente virado a casaca e não
devemos nossa saúde senão à nossa habilidade como cavaleiro, assim como à solidez dos tendões
de nosso cavalo de finanças, cuja rapidez só é igualada a sua estabilidade e cuja ligeireza é célebre,
assim como à profundidade do fosso que se encontram bem a propósito sob os passos do inimigo de
nós o aqui presente Mestre das Phynanças. Tudo isso é muito bonito, mas ninguém está me
escutando. Vamos! Bom, vai recomeçar.
(OS DRAGÕES RUSSOS ATACAM E SALVAM O CZAR)
O GENERAL LASCY
- Desta vez, é a debandada.
PAI UBU
- Ah! eis a ocasião de dar no pé. Vamos lá, senhores poloneses, adiante! Ou melhor, para trás!
POLONESES
- Salve-se quem puder!
PAI UBU
- Vamos! Em marcha. Quanta gente, que fuga, que multidão. Como é que eu saio dessa
trapalhada? (Ele está perturbado) Ah! você! Atenção, se não quiser experimentar o borbulhante
valor do Mestre das Finanças. Ah! ele se mandou. Vamos escapar, e bem depressa, enquanto Lascy
não nos vê. (Ele sai e em seguida vemos passar o Czar e o exército russo perseguindo os poloneses)

CENA V
(UMA CAVERNA NA LITUÂNIA. NEVA)
(PAI UBU, PILA, COTICA)

PAI UBU
- Ah! tempo cachorro, está de rachar as pedras e a pessoa do Mestre de Finanças está bem danificada.
PILA
- Hon! Sinhoire Ubu, já se livrou do seu terror e da sua fuga?
PAI UBU
- Já. Não tenho mais medo, mas ainda tenho a fuga.
COTICA (À parte)
- Que porco.
PAI UBU
- Ei, seu Cotica, a sua onelha, como vai?
COTICA
- Tão bem quanto dá para ir estando assim tão mal, senhoire. A conseqüência está
sendo que o chumbo puxa ela para o chão e eu não consegui extrair a bala.
PAI UBU
- Taí, é bem feito! Você, também, queria sempre bater nos outros. Já, eu demonstrei o mais
grande valor e, sem me expor, massacrei quatro inimigos com minha própria mão, sem contar
todos aqueles que já estavam mortos aos quais nós demos acabamento.
COTICA
- Sabe o que aconteceu com o pequeno Renzky, Pila?

30
PILA
- Levou uma bala na cabeça.
PAI UBU
- Quer dizer que o tímido e o mijão na flor da idade foram ceifados pela impiedosa foice do
impiedoso ceifador que ceifa impiedosamente seu impiedoso rosto. Então o pequeno Renzky se fez
de tímido; ele lutou muito bem apesar de tudo, mas havia russos demais.
PILA E COTICA
- Hon, senhoire!
UM ECO
- Hhrron!
- O que é isso? Vamos pegar nossas lâminas.
PAI UBU
- Ahm, não! Por exemplo, mais russos, eu aposto! Estou cheio! Mas é bem simples: se eles
me pegarem, meto eles no bolso.

CENA VI
(OS MESMOS, ENTRA UM URSO)
COTICA
- Hon?! Senhoire das Finanças!
PAI UBU
- Oh! Olhem o totó. Que gracinha, meu Deus.
PILA
- Cuidado! Ah! que urso enorme, meus cartuchos!
PAI UBU
- Um urso! Ah, a besta atroz. Oh! Pobre de mim, eis-me comido. Que Deus me proteja.
Vem vindo pra cima de mim. Não, ele pegou o Cotica. Ah! que alívio. (O Urso atira-se sobre
Cotica, Pila ataca-o a facadas. Ubu se refugia sobre um rochedo)
COTICA
- Me ajude, Pila! Me ajude! Socorro, Senhoire Ubu!
PAI UBU
- Babau! Vire-se, meu amigo: no momento, estamos rezando o Padre Nosso. A cada um
sua vez de ser comido.
PILA
- Peguei, dominei-o.
COTICA
- Firme, meu amigo, ele está começando a me soltar.
PAI UBU
- Sanctificetur nomen tuum.
COTICA
- Frouxa criatura!
PILA
- Ah! ele está me mordendo. Ó senhor, salve-nos, estou morto!
PAI UBU
- Fiat volontas tua.
COTICA
- Ah! consegui feri-lo.
PILA
- Hurra! Ele está perdendo sangue. (Em meio aos gritos dos palotins, o Urso grita de dor e
Ubu continua a resmungar)
COTICA
- Segura ele, que eu vou apanhar o meu soco explosivo.
PAI UBU - Panem nostrum quotidianum da nobis hodie.

31
PILA
- Você o pegou afinal, eu não posso mais.
PAI UBU
- Sicut et nos dimittimus debitoribus nostris.
COTICA
- Ah! peguei. (Ecoa um explosão e o Urso cai morto)
PILA E COTICA
- Vitória!
PAI UBU
- Se libera nos a malo. Amen. Afinal, ele está bem morto? Posso descer do meu rochedo?
PILA (Com desprezo)
- Quando quiser.
PAI UBU (Descendo)
- Podem se vangloriar que, se ainda estão vivos e se ainda pisam a neve da Lituânia,
devem-no à virtude magnânima do Mestre das Finanças, que se empenhou, se esgotou e se
esganiçou a depositar paternostres por sua saúde e que manejou com tanta coragem o gládio
espiritual da oração quanto vocês manejaram com temporal destreza o soco explosivo do aqui
presente palotim Cotica. Levamos ainda adiante a nossa devoção, pois sem nenhuma hesitação
subimos a um rochedo bastante alto para que nossas preces chegasse mais depressa ao céu.
PILA
- Que burrice revoltante.
PAI UBU
- Que fera enorme. Graças a mim, vocês têm o que comer. Que barriga, senhores! Os
gregos aí dentro estariam mais folgados que dentro do cavalo de madeira. E pouco falta, caros
amigos, para que possamos verificar com nossos próprios olhos a sua capacidade interior.
PILA
- Morro de fome. O que comer?
COTICA
- O urso!
PAI UBU
- Ei, seus bobocas, vão comê-lo cru? Não temos nada para fazer fogo.
PILA
- Não temos as nossas pederneiras de fuzil?
PAI UBU
- Taí. É verdade. E além disso me parece que não longe daqui há um bosque onde deve
haver galhos secos. Vá buscar, seu Cotica. (Cotica se fasta pela neve.)
PILA
- E agora, senhor Ubu, vá cortar o urso.
PAI UBU
- Oh, não! Talvez ele não esteja morto. Enquanto você, que já está meio comido e todo
mordido, tem tudo a ver com este papel. Eu vou acender o fogo e esperar que ele traga a lenha. (Pila
começa a cortar o urso)
PAI UBU
- Oh, tome cuidado! Ele se mexeu.
PILA
- Mas, senhor Ubu, ele já está totalmente frio.
PAI UBU
- É pena, seria melhor comê-lo quente. Isso vai dar uma indigestão no Mestre das Finanças.
PILA (À parte)
- É revoltante. (Alto) Me ajude um pouco, senhor Ubu, não posso fazer o trabalho todo sozinho.
PAI UBU
- Não, não quero fazer nada! Estou fatigado, é claro!

32
COTICA (Voltando)
- Que neve, meus amigos, parece até que estamos em Catilha ou no Pólo Norte. A noite
começa a cair. Dentro de uma hora estará escuro. Vamos nos apressar enquanto dá pra enxergar.
PAI UBU
- Ouviu, Pila, se apresse. Apressem-se vocês dois! Espetem logo a cabeça, cozinhem a
fera, estou com fome, eu!
PILA
- Ah, essa é demais, afinal de contas! Tem que trabalhar, senão não ganha nada, entendeu, gulosos?!
PAI UBU
- Ah, eu nem ligo, se eu quisesse comer cru vocês iam ver só. E, além do
mais, eu estou é com sono!
COTICA
- Que fazer, Pila? Vamos preparar o jantar sozinhos. Ele não come e pronto. Ou então a
gente dá os ossos pra ele.
PILA
- Está bem. Ah, eis o fogo ardendo.
PAI UBU
- Ai, que bom, agora está quentinho. Mas estou vendo russos por todo lado. Que fuga, meu
Deus! Ah! (Ele cai, adormecido)
COTICA
- Eu gostaria de saber se aquilo que o Ranzky contou é verdade, se a Mãe Ubu foi
realmente destronada. Não seria nada impossível.
PILA
- Vamos terminar o jantar.
COTICA
- Não, temos de falar de coisas mais importantes. Acho que seria bom a gente investigar a
veracidade dessas notícias.
PILA
- É verdade, abandonamos o Pai ubu ou ficamos com ele?
COTICA
- A noite é boa conselheira. Vamos dormir e amanhã veremos o que fazer.
PILA
- Não. É melhor aproveitar a noite para ir embora.
COTICA
- Então, vamos.
(ELES PARTEM)

CENA VII
(PAI UBU FALA DORMINDO)
- Ah! senhor Dragão russo, atenção, não atire para cá que está cheio de gente. Ah! Bordura
é tão mau, parece um urso. E Bugrelau se lança sobre mim! O urso, o urso! Ah! olha ele lá em
baixo! Como ele é duro, bom Deus! Eu não quero fazer nada, não. Vai-te embora, Bugrelau!
Entendeu, patife? E agora Renzky e o Czar! Oh! Vão me bater. E a Rbue13 Onde é que você pegou
esse ouro você pegou o meu ouro, miserável, foi resolver a minha tumba que fica na catedral de
Varsóvia, perto da Lua. Estou morto há tato tempo, estou, foi Brugrelau quem me matou e estou
enterrado em Varsóvia perto de Vladislau, o Grande, e também na Cracóvia, perto de Jeain
Sigismundo, e também em Thorn na casamata com Bordura! Olha ele lá ainda. Vai-te embora,
maldito urso. Você se parece com Bordura. Ouviu, besta de Satã? Não, ele não ouve, os putos
cortaram suas onelhas. Descerebrem, matem, cortem as onelhas, arrochem as finanças e bebam até a
morte, é essa a vida dos putos, é essa a felicidade do Mestre das Finanças. (Ele se cala e dorme)
(FIM DO QUARTO ATO)
13
Rbue – uma contração de mèRTe uBU, que evoca a palavra rébut – escória, rebotalho.

33
QUINTO ATO

CENA I
(É NOITE. O PAI UBU DORME, ENTRA A MÃE UBU QUE NÃO O VÊ. ESCURIDÃO TOTAL)

MÃE UBU
- Enfim, um abrigo. Estou sozinha, mas não reclamo. Que fuga desenfreada: atravessar
toda a Polônia em quatro dias! Todas as infelicidades se abateram sobre mim de uma só vez. Assim
que aquele asno gordo parte, eu vou à cripta para enriquecer. Logo depois escapo de ser apedrejada
por aquele tal Bugrelau e aqueles furiosos. Perco o meu cavaleiro, o palotim Girão, que estava tão
apaixonado por meus encantos que desmaiava de alegria cada vez que me via, e também, ele me
garantiu, quando não me via. O que é o cúmulo da ternura. Ele se deixaria partir em dois por minha
causa, pobre rapaz. A prova é que ele foi partido em quatro por Bugrelau. Pif paf pan! Ah! pensei
que ia morrer. Em seguida, eu fujo, perseguida pela turba enfurecida. Saio do palácio, chego ao
Vistula, todas as pontes estão vigiadas. Atravesso o rio a nado, esperando assim fatigar meus
perseguidores. De todos os lados a nobreza se reúne e me persegue. Escapei mil vezes da morte,
sufocada num círculo de poloneses decididos a dar cabo de mim. Afinal, consigo iludir sua fúria e
depois de correr quatro dias pelas neves deste que foi o meu reino consigo me refugiar aqui. Não
comi, nem bebi nesses quatro dias pelas neves deste que foi o meu reino consigo me refugiar aqui.
Não comi, nem bebi nesses quatro dias. Bugrelau me perseguindo de perto...Enfim, eis-me salva.
Ah! estou morta de fadiga e de frio. Mas gostaria muito de saber o que terá acontecido com o meu
gordo polichinelo, quero dizer o meu respeitabilíssimo esposo. Dele tomei as finanças. Dele roubei
rixfales. Dele tirei cenouras. E seu cavalo de finanças que morria de fome; era tão raro ver uma
porção de aveia, pobre diabo. Ah! que bela história. Mas, ai de mim, perdi meu tesouro! Está em
Varsóvia e quem quiser que vá buscá-lo.
PAI UBU (Começando a despertar)
- Peguem a Mãe ubu, cortem as onelhas!
MÃE UBU
- Ah, meu Deus! Onde estou? Estou perdendo o juízo. Ah! não, Senhor! Graças aos céus
entrevejo o senhor Pai Ubu que dorme perto de mim14 Vou me fazer de boazinha. Então, meu
queridão, dormiu bem?
PAI UBU
Muito mal! Era bem duro esse urso! Combate dos mais acirrados contra os couraçados,
mas os acirrados comeram e devoraram completamente os couraçados, como você poderá ver
quando clarear o dia: escutaram, nobres palotins!
MÃE UBU
- O que ele está gaguejando? Está ainda mais besta do que quando partiu. O que ele quer?
PAI UBU
- Cotica, Pila, respondam, seus sacos de merdra. Onde é que vocês estão? Ah! tenho medo.
Afinal, alguém falou. Mas quem é que falou? Não foi o urso, eu suponho. Merdra! Onde estão meus
fósforos? Ah! eu os perdi na batalha.
MÃE UBU (À Parte)
- Aproveitemos a situação e o escuro da noite, simulemos uma aparição sobrenatural e
façamos com que ele prometa perdoar os nossos furtos.
PAI UBU
- Por Santo Antônio! Alguém está falando. Sacracoxa! Quero ser enforcado!
MÃE UBU (Engrossando ovos)
- Sim, senhor Ubu, com efeito, alguém fala. E a trombeta do arcanjo que deverá retirar os
mortos das cinzas e da poeira final não falaria de outra maneira! Escuta esta voz severa. É a de São
Gabriel que dá apenas bons conselhos.
PAI UBU - Oh! Com efeito!
14
Paródia de Andromaque.

34
MÃE UBU
- Não me interrompa, senão eu me calo e será o fim da vossa pança.
PAI UBU
- Ai! Minha pança! Eu me calo. Não digo mais nem uma palavra. Continue, senhora Aparição!
MÃE UBU
- Dizíamos, senhor ubu, que o senhor é um grande homem.
PAI UBU
- Bem, grande eu sou mesmo, é verdade.
MÃE UBU
- Cale-se, por Deus!
PAI UBU
- Epa! Os anjos não praguejam!
MÃE UBU (À parte)
- Merdra! (Continuando) O senhor é casado, Pai ubu.
PAI UBU
- Perfeitamente, com a última das rabugentas!
MÃE UBU
- O senho quer dizer que é uma mulher encantadora.
PAI UBU
- Um horror. Ela tem garras pra todo lado, a gente nem sabe como pegar.
MÃE UBU
- E preciso pegá-la pela doçura, senhor Ubu. Se assim fizer, verá que ela é pelo menos
igual à Vênus de Milo.
PAI UBU
- Quem é que tem mamilo?
MÃE UBU
- O senhor não ouve, senhor Ubu; dedique-nos onelhas mais atentas. (À parte) Mas é
melhor nos apressar, o dia já vai raiar. Senhor Ubu, sua esposa é adorável e deliciosa, e não tem um
único defeito.
PAI UBU
- Engano seu, não há um único defeito que ela não tenha.
MÃE UBU
- Silêncio! A sua esposa nunca lhe foi infiel!
PAI UBU
- Bem que eu queria ver quem seria capaz de se apaixonar por ela. É uma harpia!
MÃE UBU
- Ela não bebe!
PAI UBU
- Desde que escondi a chave da adega. Antes, às sete horas da manhã ela já estava alta e se
perfumava com licor. Agora, que se perfuma com heliotrópio, ela não fede mais. Mas para mim
tanto faz. Agora sou eu que estou alto!
MÃE UBU
- Tolo personagem! Sua mulher não pega o seu ouro.
PAI UBU
- Não, engraçado!
MÃE UBU
- Ela não desvia um tostão!
PAI UBU
- Prova disso é nosso nobre e infortunado calo das Phynanças, que, não tendo sido
alimentado durante três meses, teve de fazer toda a campanha puxado pelas rédeas. Ucrânia adentro.
E ainda assim morreu na empreitada, pobre animal!
MÃE UBU - Tudo isso é mentira. Sua mulher é exemplar e o senhor é um monstro.

35
PAI UBU
- Tudo isso é verdade, minha mulher é uma tratante e você, é um chouriço
MÃE UBU
- Cuidado, Pai Ubu.
PAI UBU
- Ah! é verdade. Esqueci com quem falava. Não, eu não disse nada!
MÃE UBU
- Você matou Venceslau.
PAI UBU
- Não foi culpa minha, é claro. Foi a Mãe Ubu quem quis.
MÃE UBU
- Você provocou a morte de Boleslau e Ladislau.
PAI UBU
- Pior pra eles! Queriam me bater!
MÃE UBU
- O senhor não manteve sua promessa a Bordura e depois o matou.
PAI UBU
- Eu prefiro que seja eu e não ele a reinar na Lituânia. No momento não é nem um nem
outro. Como você vê, isso não é comigo.
MÃE UBU
- Só lhe resta uma maneira de conseguir o perdão por todos os seus maus feitos.
PAI UBU
- Qual? Estou disposto a virar santo, quero ser bispo e ver meu nome no calendário.
MÃE UBU
- E preciso perdoar a Mãe ubu por ter desviado um pouco de dinheiro.
PAI UBU
- Está bem! Eu perdôo se ela me devolver tudo, levar uma boa surra, e ressuscitar meu
cavalos das finanças.
MÃE UBU
- Como ele sente pelo cavalo! Ah! estou perdida, o dia está nascendo.
PAI UBU
- Mas enfim estou contente de saber agora com certeza que minha querida esposa me
roubava. Agora sei de fonte limpa. Omnis a Deoscientia, que quer dizer: Omnis, toda; a Deu,
ciência; scientia, vem de Deus. Está explicado o fenômeno. Mas a senhora Aparição não diz mais
nada. O que eu não lhe daria para reconfortá-la. Aquilo que ela dizia era muito divertido. Mas
vejam, o dia raiou! Ah! senhor, pelo meu cavalo de finanças, é a Mãe Ubu!
MÃE UBU (Arrogantemente)
- Não é verdade, vou excomungá-lo.
PAI UBU
- Ah! carniça!
MÃE UBU
- Que blasfêmia.
PAI UBU
- Ah! É demais. Estou vendo muito bem que é você, sua tola rabugenta! Por que diabos
está aqui?
MÃE UBU
- Girão morreu e os poloneses me perseguiram.
PAI UBU
- A mim, foram os russos que perseguiram; os grandes espíritos se reencontram.
MÃE UBU
- Melhor dizer que um grande espírito encontrou um burro!
PAI UBU - Ah! bom, e vai encontrar um palmípede agora. (Atira o urso em cima dela)

36
MÃE UBU (Caindo, oprimida pelo peso do urso)
Ah! Meu Deus! Que horror! Ah! eu morro! Estou sufocando! Ele me morde! Ele me
engole! Ele me digere!
PAI UBU
- Está morto! Grotesca. Oh! Mas talvez não! Ah! senhor, não, ele não está morto, fujamos.
(Torna a subir no rochedo) Para noster qui es...
MÃE UBU (Desembaraçando-se)
- Pronto! Onde é que ele está?
PAI UBU
- Ah! senhor! Ei-la, ainda! Criatura tola, será que não há meio de me livrar dela. Está
morto, esse urso?
MÃE UBU
- Está, tolo burro, já está todo frio. Como é que ele veio parar aqui?
PAI UBU (Confuso)
- Não sei. Ah! sim, eu sei! Ele tentou comer Pila e Cotica e eu o matei com um golpe de
Pater Noser.
MÃE UBU
- Pila, Cotica, Pater Noster. O que é isso? Ele está louco, por minha finança!
PAI UBU
- É totalmente exato o que estou dizendo! E você é uma idiota, minha pança!
MÃE UBU
- Conte-me a sua campanha, Pai Ubu.
PAI UBU
- Oh, senhora, não! É comprida demais. Tudo que sei é que, apesar de minha incontestável
valentia, todo mundo me bateu.
MÃE UBU - Como é? Até os poloneses?
PAI UBU
- Eles gritavam; Viva Venceslau e Bugrelau. Achei que queriam me esquartejar. Ah, os
furiosos! E além do mais eles mataram Renzky.
MÃE UBU
- Nem ligo! Sabe que Bugrelau matou o palotim Girão?
PAI UBU
- Nem ligo! E depois mataram o pobre Lascy!
MÃE UBU
- Nem ligo!
PAI UBU
- Ah, mas mesmo assim, venha até aqui, carniça! Ponha-se de joelhos, diante do seu mestre
(Ele a esmurra e atira de joelhos), você vai sofrer o último suplício.
MÃE UBU
- Ho, ho, senhor Ubu!
PAI UBU
- Oh! Oh! Oh! Também, acabou? Eu vou começar: torção do nariz, arrancamento dos
cabelos, penetração do pedacinho de madeira nas onelhas, extração do cérebro pelos calcanhares,
laceração do posterior, supressão parcial ou mesmo total da medula espinhal (se ao menos isso
pudesse eliminar os espinhos de seu caráter), sem esquecer a abertura da bexiga natatória e
finalmente a grande degolação renovada de São João Batista, tudo retirado de Escrituras muito
santas, tanto do antigo como do novo Testamento, ordenado, corrigido e aperfeiçoado pelo aqui
presente mestre das Finanças! Está bem assim pra você, chouriço?
(ELE A DESPEDAÇA)
MÃE UBU
- Piedade, senhor ubu!
(GRANDE RUÍDO NA ENTRADA DA CAVERNA)

37
CENA II
(OS MESMOS, BUGRELAU INVADINDO A CAVERNA COM SEUS SOLDADOS.)

BUGRELAU
- Avante, meus amigos! Viva a Polônia!
PAI UBU
- Oh! Oh! Espere um pouco, senhor Polaco. Espere que eu tenha acabado com madame
minha cara metade!
BUGRELAU (Batendo nele)
- Toma frouxo, patife, sacripantas, traidor, muçulmano!
PAI UBU (Reagindo)
- Toma! Polaco, beberrão, bastardo, hussardo, tártaro, pau-mandado, falso, espião,
saboiano, comunistóide!
MÃE UBU (Batendo nele também)
- Toma, Poltrão, porcão, desleal, histrião, ladrão, porcalhão, polochão!
(OS SOLDADOS SE ATIRAM SOBRE OS UBUS, QUE SE DEFENDEM O MELHOR QUE PODEM)
PAI UBU
- Deux! Que reforços!
MÃE UBU
- Nós temos pés, senhores poloneses.
PAI UBU
- Pela bela vela verde, será que isto terá fim no final do final? Mais um! Se eu tivesse aqui
o meu cavalo das phynanças!
BUGRELAU
- Batam, não parem de bater.
VOZES DE FORA
- Viva o Pai Ubú, nosso grande financista!
PAI UBU
- Ah! chegaram! Hurra! Chegaram os Pais Ubus. Avante, venham, precisamos de vocês,
senhores das Finanças!
(ENTRAM OS PALOTINS QUE SE LANÇAM NO COMBATE)
COTICA
- Pra fora os poloneses!
PILA
- Han! Nós nos reencontramos, Senhoire das finanças. Avante, pressionem com vigor,
ganhem a porta, uma vez lá fora é só correr.
PAI UBU
- Oh! Isto é minha força máxima. Olha como bate.
BUGRELAU
- Deus! Estou ferido.
STANISLAU LECZINSKI
- Não é nada, senhor.
BUGRELAU
- Não, só estou artudido.
JEAN SOBIESKI
- Batam, batam sem parar, eles estão alcançando a porta, os tratantes.
COTICA
- Estamos chegando, sigam todos. A conseqüência é que já estou vendo o céu.
PILA
- Coragem, senhor Ubu.
PAI UBU - Ah! já fiz nas calças. Avante, cornoralho! Matem, sangrem, esfolem, massacrem, corno
d’Ubu! Ah! está diminuindo!

38
COTICA
- Só há mais dois guardando a porta.
PAI UBU (Aniquilando-os com golpes de urso)
- É um, é dois! Ufa! Estou fora! Fujamos! Sigam os outros, e vivamente!

CENA III
(A CENA REPRESENTA A PROVÍNCIA DE LIVÔNIA COBERTA DE NEVE)
(OS UBUS E SUA COMPANHIA EM FUGA.)

PAI UBU
- Ah! acho que eles desistiram de nos pegar.
MÃE UBU
- É. Brugrelau foi se coroar.
PAI UBU
- Eu não quero aquela coroa dele.
MÃE UBU
- Tem toda razão, Pai ubu.
(ELES DESAPARECEM AO LONGE)

CENA IV
(CONVÉS DE UM NAVIO QUE DESLIZA TOCADO PELO VENTO DO BÁLTICO)
(SOBRE O CONVÉS PAI UBU E TODO SEU BANDO.)

O COMANDANTE
- Ah, que bela brisa.
PAI UBU
- É fato que deslizamos com uma rapidez prodigiosa. Devemos estar fazendo pelo menos
um milhão de nós por hora. E esses nós têm isso de bom: uma vez feitos, não se desfazem mais. Na
verdade, temos vento por trás.
PILA
- Que triste imbecil.
(UMA RAJADA SURGE, O NAVIO DEITA E TOCA O MAR)
PAI UBU
- Oh! Ah! Deus! Vamos virar. Está indo atravessado, teu barco vai tombar.
O COMANDANTE
- Todos a favor do vento, armem a vela de proa!
PAI UBU
- Ah! mas não, por exemplo! Não se ponham todos do mesmo lado. E imprudente.
Suponham que o vento venha a mudar de direção: todo o mundo iria para o fundo d’água e os
peixes nos comeriam.
O COMANDANTE
- Não cheguem mais, amarrem forte e firme!
PAI UBU
- Cheguem sim, cheguem sim. Eu estou com pressa! Cheguem sim, entenderam! A culpa é
sua, bruto capitão, se nós chegarmos. Já devíamos ter chegado. Oh! Oh, mas vou eu comandar,
então! Preparar para virar! Que vá com Deus. Molhar, virar contra o vento, virar vento a favor. Içar
as velas, recolher as velas, barra pra baixo, barra pra cima, barra por lado. Estão vendo, vai indo
muito bem. Rompam as ondas e aí estará perfeito.
(TODOS SE RETORCEM, A BRISA REFRESCA)
O COMANDANTE
- E levar a bujarrona, pegar um cabo da mezena!
PAI UBU - Não está nada mau, está até bom! Escutou, senhora Tripulação? Levem a boa jarrona
com um bocado de maizena.

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(ALGUNS AGONIZAM DE TANTO RIR. UMA ONDA ATINGE O BARCO)
PAI UBU
- Oh! Que dilúvio! Isso é efeito das manobras que nós ordenamos.
MÃE UBU E PILA
- Que coisa deliciosa é a navegação.
(MAIS UMA ONDA ATINGE O BARCO)
PILA (Encharcado)
- Desconfiem de Satã e de suas pombas.
PAI UBU
- Senhor garçon, traga-nos bebida.
(TODOS SE PÕEM A BEBER)
MÃE UBU
- Ah! que delícia vai ser logo rever a doce França, nossos velhos amigos e nosso castelo de
Mondragão!
PAI UBU
- É. Vamos chegar logo. Dentro de instantes estaremos chegando ao castelo de Elsinor.
PILA
- Sinto-me feliz com a idéia de rever a minha querida Espanha.
COTICA
- Vamos deslumbrar nossos compatriotas com as narrativas de nossas maravilhosas aventuras.
PAI UBU
- Oh! Evidentemente! E eu vou me nomear Mestre das Finanças em Paris.
MÃE UBU
- É isso aí! Ah! que marola!
COTICA
- Não é nada. Acabamos de dobrar a ponta de Elsinor.
PILA
- E agora nosso nobre navio desliza a toda velocidade sobre as ondas sombrias do mar do Norte.
PAI UBU
- Mar bravio e inospitável que banha um país chamado Germânia, assim chamado porque
os habitantes desse país são todos primos “germãos”.
MÃE UBU
- Isso é que chamo de erudição. Dizem que é um país muito bonito.
PAI UBU
- Ah! senhores! Por mais belo que seja não vale a Polônia. Se não existisse a Polônia, não
existiriam os poloneses!

FIM

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