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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ELVIS HAHN RODRIGUES

A NACIONALIDADE BRASILEIRA COMO NARRATIVA ESCOLAR:


Raça e Nação nos Manuais Escolares de História
(1861-1900)

NITERÓI
2016
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ELVIS HAHN RODRIGUES

A NACIONALIDADE BRASILEIRA COMO NARRATIVA ESCOLAR:


Raça e Nação nos Manuais Escolares de História
(1861-1900)

Tese de doutoramento apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial à
obtenção da titulação de Doutor em
Educação.

Área de confluência: Diversidade,


Desigualdades Sociais e Educação

Orientadora:
Profª Dra. Alessandra Frota Martinez de Schueler

NITERÓI, RJ
2016
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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

R696 Rodrigues, Elvis Hahn.


A nacionalidade brasileira como narrativa escolar : raça e nação nos
manuais escolares de história (1861-1900) / Elvis Hahn Rodrigues. –
2016.

238 f. : il.
Orientadora: Alessandra Frota Martinez de Schueler.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade


de Educação, 2016.
Bibliografia: f. 210-232.

1. Nacionalismo. 2. Brasil. 3. Livros didáticos. 4. Ensino de


história. 5. Raça. I. Schueler, Alessandra Frota Martinez de.
II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação.
III. Título.
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ELVIS HAHN RODRIGUES

A NACIONALIDADE BRASILEIRA COMO NARRATIVA ESCOLAR:


RAÇA E NAÇÃO NOS MANUAIS ESCOLARES DE HISTÓRIA
(1861-1900)

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em Educação.

Aprovada em 18 de fevereiro de 2016.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________
Prof. Dra. Alessandra Frota Martinez de Schueler – UFF
(Orientadora)

___________________________________________________________________________
Prof. Dra. Ana Maria Monteiro - UFRJ

___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Jorge Antonio, da Silva Rangel - UERJ

___________________________________________________________________________
Prof. Dra. Cláudia Maria da Costa Alves - UFF

___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando de Araujo Penna - UFF
5

___________________________________________________________________________
Prof. Dra. Heloísa Villela UFF (suplente)

___________________________________________________________________________
Prof. Dra. Rebeca Gontijo - UFRRJ (suplente)

Niterói, 2016.
6

AGRADECIMENTOS

Foram mais quatros anos de jornada de estudos e aprendizado. Mais pessoas na


travessia, mais pessoas a quem agradecer. Primeiramente, a minha família onde sou filho, Dona
Maria pela mãe espetacular que tenho a oportunidade de ter, aos meus irmãos Cristian e Charles
como a vida adulta pode nos tornar verdadeiramente irmãos. E por fim ao meu pai sempre
presente, a quem me ajudou desde início nas jornadas universitárias pela UFOP, UFJF e aqui
na UFF. Segundamente, a minha família onde sou marido da Laura, a quem muito sou grato
pelo companheirismo nesses quase oito anos de academia – haja paciência – e a nossa pequena
Elis que tornou essa travessia mais viva e alegre.

Foram quatro anos de amadurecimento profissional, especialmente, na educação


básica com os adolescentes dos Colégios Educar, Ciep 302 Charles Dickens, a minha Raul
Pompéia, e o Ciep 055 João Gregório Galindo; onde descobri que ensinar é aprender, e que o
magistério é trabalhar com sonhos, vidas e perspectivas.

A professora Arlette Gasparello que acreditou nessa pesquisa e que permitiu meu
ingresso na UFF e sempre foi muito atenciosa em nossas tardes agradáveis no GRUPHESP ao
longo de três anos de orientação. A quem dedico essa tese e sou muito grato.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF pela oportunidade de aprender


e desenvolver essa tese, com o seu apoio de corpo de funcionários e professores onde foi
possível produzir conhecimentos e reflexões frente aos desafios que se impõem a educação
brasileira e na nossa prática de ensino e atuação na defesa da educação pública. E a Capes pela
bolsa de pesquisa. Agradeço ainda a professora Jéssica Rodrigues pela revisão e leitura do meu
texto, sua ajuda deu maior inteligibilidade ao meu texto, muito agradecido!

Agradecimento especial a professora Alessandra Schueler, a quem coube guiar o leme


ao final dessa travessia e me ajudou muito durante esse último ano da tese, com atenção
criteriosa na leitura dos meus textos, fiquei muito feliz com as observações críticas e caminhos
para a condução da tese final. O Meu sincero Muito obrigado!
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RESUMO:

O presente trabalho investiga três manuais escolares de História do Brasil, produzidos a partir
da segunda metade do século XIX, buscando compreender as representações sobre a construção
da nação brasileira, enfocando, especialmente, os debates sobre a sua relação com a questão da
raça. Nossas fontes de análise foram as seguintes obras: Lições de História do Brasil, de
Joaquim Manuel de Macedo, publicado em volumes, 1861 e 1863; Lições de História do Brazil,
de Luís de Queirós Mattoso Maia, publicado em 1880 e, História do Brasil, de João Ribeiro,
publicado em 1900. A hipótese central que orienta a investigação é a de que tais obras
contribuíram para a elaboração de narrativas e representações fundadoras sobre tempo histórico,
nacionalidade e raça brasileira, na medida em que sintetizam o conhecimento histórico das
ciências humanas no período. Os livros escolares, nesse sentido, atuaram como artífices do
tempo histórico, na medida em que tais ideias eram transpostas aos alunos em algumas
instituições educacionais do Império no processo de ensino e aprendizagem de História. Ao
longo dos quatro capítulos da tese, o objetivo foi analisar cada uma das obras, de modo a
compreender a construção da noção de tempo histórico, raça e nação brasileiras, privilegiando
as três obras mencionadas no marco temporal de 1861-1900. Período de fundamental relevância
para o estudo sobre a emergência das teorias científicas sobre a raça, sua apropriação e difusão
pela intelectualidade nacional. Para tal análise, utilizamos as contribuições do campo conhecido
como História dos Conceitos, cuja referência central remete ao autor Reinhart Koselleck. As
contribuições da tese consistem em demonstrar como as matrizes de pensamento sobre a raça,
na segunda metade do século XIX, não foram um fim em si mesmas e nem ficaram restritas ao
debate no meio intelectual. Argumentamos no sentido de que a elaboração das teorias sobre
nação e raça foram disseminadas, sobretudo, por meio de livros e manuais escolares, nas
instituições de ensino secundário e primário, especialmente no âmbito ensino da História em
construção como um saber escolarizado. As representações sobre nação e raça, presentes nas
obras analisadas, com suas similaridades, permanências e diferenças, formaram o ideário não
apenas dos intelectuais autores, mas, também de gerações de estudantes e informaram
segmentos dos atores políticos na segunda metade do oitocentos.

Palavras chaves: Identidade Nacional e livros didáticos, História Ensino, e Nação brasileira e
raça.
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ABSTRACT:

This paper investigates three Brazilian history school books , produced on the second half of
the nineteenth century, seeking to understand the representations in the construction of the
Brazilian nation, focusing specifically on discussions related to the question of race. Our
analysis sources were the following works: lessons of Brazilian History ( Lições de História do
Brasil), Joaquim Manuel de Macedo, published in volumes, in 1861 and 1863; Lessons of
Brazilian History ( Lições de História do Brazil) , Luís de Queirós Mattoso Maia, published in
1880, and History of Brazil (História do Brasil), João Ribeiro, published in 1900. The central
hypothesis guiding the research is that these works contributed to narrative texts productions
and founding representations of historical time, Brazilian nationality and race, as synthesizing
historical knowledge of human sciences in the period. Textbooks, accordingly, acted as
architects of historical time, to the extent that such ideas were transposed to students in some
educational institutions of the Empire in the teaching and learning history process . Over the
four chapters of the thesis, the goal was to analyze each of the works in order to understand the
construction of the notion of historical time, race and Brazilian nation, focusing on the three
works mentioned in the timeframe of 1861-1900. Extremely relevant period for the study of
scientific theories about the race, its appropriation and dissemination by the national
intelligentsia. For this analysis, we used the contributions of the field known as History of
Concepts, whose central reference refers to the author Reinhart Koselleck. The contributions of
the thesis are to show how arrays of thinking about race in the second half of the nineteenth
century were not an end in themselves, nor were restricted to the debate of the intellectual
circles. We argue in the sense that the development of theories on nation and race were
disseminated mainly through books and textbooks in the primary and secondary educational
institutions, especially within teaching of history in construction as a school knowledge. The
representations of nation and race, in the works analyzed, with their similarities, continuities
and differences, formed not only the intellectuals authors ideology, but also generations of
students and informed segments of the political actors in the second half of the eight hundred.

Key words: national identity and History school books, History education, Brazilian nation and
Race.
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LISTA DE ABREVIATURAS:

(IHGB) Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.

(ABL) Academia Brasileira de Letras.

(CPII) Colégio Pedro II.


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SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO: ENTRE O CAMPO DE ESTUDO, O OBJETO E O PROBLEMA


........................................................................................................................................ 12

CAPÍTULO 1: DEBATE SOBRE NAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DAS


NARRATIVAS ESCOLARES DE HISTÓRIA DO BRASIL: CONCEITOS DE RAÇA E
NAÇÃO NA CONFORMAÇÃO DA NAÇÃO BRASILEIRA................................. 31
1.1 – A História dos conceitos para a compreensão da ideia de nação: .............................. 32
1.2 - Nação Brasileira: uma discussão conceitual .............................................................. 38
1.3 - Conceitos de Raça: o Caminho para a Conformação de uma Nação com base nas
Teorias Racialistas............................................................................................................ 54
1.4 - Entre Notas Historiográficas e o Estado da Arte sobre as Narrativas Escolares de
História do Brasil ............................................................................................................. 63

CAPÍTULO 2: A RAÇA E A NAÇÃO EM AS LIÇÕES DE HISTÓRIA DO BRAZIL (1861-


63) DE JOAQUIM MANOEL DE MACEDO: UM MANUAL PARA A BOA
SOCIEDADE ................................................................................................................ 74
2.1 – A instrução Pública: entre a emancipação política e o forjamento da classe senhorial, a
boa sociedade ................................................................................................................... 82
2.2 - Joaquim Manoel de Macedo: o intelectual, a sociedade imperial e a suas Lições de
História do Brasil (1861-63) ............................................................................................ 97
2.3 – Raça e Nação nas Lições de História do Brasil de Joaquim Manoel de Macedo ..... 106

CAPÍTULO 3: AS LIÇÕES DE HISTÓRIA DO BRAZIL (1880) DE LUÍS DE QUEIRÓS


MATTOSO MAIA: ENTRE AS CONTINUIDADES DO IMPÉRIO, UM NOVO
SÚDITO BRASILEIRO ............................................................................................. 124
3.1 - Entre o bando de ideias novas, a modernização conservadora da Instrução Pública. 132
3.2 Notas Biográficas: de Médico de uma Guerra a Professor do Colégio de D. Pedro II 141
3.3 – Entre as continuidades do Império: uma nação e o novo súdito brasileiro. .............. 147
11

CAPÍTULO 4: A HISTÓRIA DO BRASIL (1900) DE JOÃO RIBEIRO: A NAÇÃO


BRANQUEADA COMO HORIZONTE DE EXPECTATIVA. ............................ 164
4.1 – Entre a República imaginada e a República instituída: as permanências da instrução
pública ........................................................................................................................... 169
4.2 – As facetas de Ribeiro: o intelectual e polígrafo ...................................................... 176
4.3 – A Nação mameluca: a integração conservadora dos negros, dos indígenas e dos
pardos. ........................................................................................................................... 181

CAPÍTULO 5: QUESTÕES E CONISDERAÇÕES FINAIS ................................ 202

FONTES PRIMÁRIAS: ............................................................................................. 210


Sítios: ............................................................................................................................. 211
Leis: ............................................................................................................................... 211
Jornais: ........................................................................................................................... 214
Revistas:......................................................................................................................... 215

BIBLIOGRAFIA: ....................................................................................................... 216


ANEXO 1: ................................................................................................................... 233
ANEXO 2: ................................................................................................................... 234
ANEXO 3: ................................................................................................................... 235
ANEXO 4: ................................................................................................................... 236
ANEXO 5: ................................................................................................................... 237
ANEXO 6: ................................................................................................................... 238
12

INTRODUÇÃO: ENTRE O CAMPO DE ESTUDO, O OBJETO E O PROBLEMA

Nossa hipotése de trabalho, consiste, portanto, em tornar a narrativa guardiã


do tempo na medida em que não haveria tempo pensado que não fosse narrado.
(RICOEUR, 2010, p. 412).

O entendimento acerca da narrativa de Paul Ricoeur é revelador sobre o caráter do


objeto de análise desta tese: as narrativas escolares de História do Brasil. Afinal, tal objeto
possui um caráter multifacetado, com inúmeras intenções e finalidades, como a da instrução ou
educação de História. Visto que essa narrativa se traduz em uma memória coletiva a ser
conhecida – ou pretensamente conhecida – pela juventude, ela é, de certa forma, guardiã do
tempo e da memória.
Uma narrativa carrega consigo uma percepção específica de tempo e, ao mesmo
tempo, é uma arte de contar história, seja ela de natureza fictícia, seja ela de natureza
historiográfica. As narrativas escolares veiculam aquilo que deveria ser a memória coletiva para
as juventudes educadas por ela, pois são atos pensados e, necessariamente, passados, leituras
de tempo, uma atividade mimética da experiência do tempo humano (RICOUEUR, 1994).
Na segunda metade do século XIX, houve as primeiras narrativas sobre a história da
nacionalidade brasileira com base nas matrizes raciais1, como indicava o vencedor do concurso
do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), de 1843, Carl Von Martius2, cuja leitura
permeou por muito tempo os estudos sociais no Brasil. O conceito de História Mestra era a
linha argumentativa desse autor para a consecução de um projeto de História do Brasil, o qual
levaria as luzes sobre a história do Império mediante a coleta de documentos que registrassem
a História e a Geografia do País para servir de baliza para o presente, conforme Kodama (1998)
assinalou.
Nesse sentido, compreende-se a historiografia brasileira pelo “espírito do
romantismo”. Isto é, preocupado com a questão central da nacionalidade, Alexandre Herculano
teria influência sobre essa intelectualidade que se dedicou aos estudos históricos no Brasil, a

1
Vale destacar a distinção entre Martius e os intelectuais do último quartel do século XIX a respeito da concepção
de raça. A leitura de Martius não era marcada pelo sentido biológico, mas, antes, pelos fenótipos da população
brasileira. O sentido racialista, de evolução da espécie e de degeneração biológica da nação brasileira,
caracterizaria parte do pensamento social brasileiro do último quartel do século XIX. Para saber mais, consultar
Schwarcz (1993).
2
Trata-se do concurso proposto pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1843, cuja temática
era o modo como se deveria escrever a História do Brasil. Carl Von Martius venceu o concurso mediante
apresentação da tese Como se deve escrever a História do Brasil. De acordo com Kodama (1998), Martius gozava
de boas relações com os membros do IHGB.
13

exemplo de Varnhagen, que manteve contato com o historiador português. No entendimento de


Enders (2014), esses intelectuais também foram filhos do liberalismo e, por essa razão,
dedicaram-se a escrever sobre a coletividade nacional e sobre a sua cultura. Martius teria
condensado as questões iniciais para esses intelectuais durante o século XIX sobre como se
deveria escrever a História do Brasil, pontos presentes nas publicações do decorrer desse século,
mais do que os próprios autores admitiam (ENDERS, 2014).
Kodama (1998) constata que Martius lançou mão de três argumentos para a elaboração
da História do Brasil. O primeiro, como a população brasileira foi o resultado da mescla de suas
três raças originárias, a História do Brasil, portanto, deveria se preocupar em compor uma
história orgânica sobre esse processo. O segundo, o destaque ao branco civilizador, que foi
capaz de absorver as outras raças. O terceiro, a necessidade de pesquisar e coletar os registros
dessa história, de tudo o que se referisse à vida do povo, de suas instituições, de sua religião e
de seu direito e ao desenvolvimento da civilização. Então, o mecanismo para a compreensão
das outras raças, com destaque para os indígenas, seria a etnografia, o melhor campo de
conhecimento para investigar os povos “sem História”. Já o silêncio sobre a população de
origem africana era patente, pois a sua compreensão e inserção não eram consideradas por essa
História do Brasil.
Ainda no período da Primeira República, as ideias de Martius, ressignificadas pelo
chamado “racismo científico”, circularam com grande aceitação entre professores e
intelectuais, especialmente mediante ascensão das ideias eugênicas que transitaram,
inicialmente, na Inglaterra e, a seguir, na Alemanha, nos Estados Unidos e no resto da Europa,
ganhando aqui significados diversos. Entretanto, vale destacar o quanto tais ideias foram
contestadas por outra parte dessa intelectualidade. As ideias eugênicas tinham a finalidade de
purificar a chamada raça nacional e “Aperfeiçoar o homem. Evoluir a cada geração. Se superar.
Ser forte. Ser belo” (DIWAN, 2011, p. 21). Essa concepção, vinculada a elementos biológicos,
estava em voga, fruto de pesquisas nas áreas de antropologia, antropometria, anatomia e
medicina em geral. Entende-se que a historiografia brasileira, portanto, acompanhou, em
alguma medida, essas teorias para representar a nação brasileira, explicar seu atraso social e
cultural e apontar caminhos para o futuro da nação, a exemplo da História do Brasil de João
Ribeiro (RODRIGUES, 2011, p. 126).
Um ponto importante a se destacar trata da miscigenação racial e das leituras que esses
estudos fizeram sobre o caldeamento das raças. Tais teses enunciavam a miscigenação como
explicação do “atraso” da sociedade brasileira, um fator antievolutivo, pois os genes do híbrido
(mestiço) tinham a preponderância da raça inferior e, assim, contaminariam a dita raça superior,
14

a branca caucasiana. Segundo essas teses, os negros e os indígenas eram incapazes de


acompanhar o progresso da civilização, pensamento sedimentado pela chamada Escola Nina
Rodrigues, da Faculdade de Medicina de Salvador, que defendia que a miscigenação levava à
loucura, à criminalidade, à doença e à degeneração intelectual e moral da sociedade. Se, por um
lado, Nina Rodrigues aceitava indubitavelmente as teses racialistas de degeneração da
mestiçagem, foi, por outro, um dos pioneiros a investigar a inserção dos negros na sociedade
brasileira e o seu sincretismo religioso, embora isto não o tenha impedido de tecer teorias – hoje
consideradas racistas – que reforçavam a tese da degeneração moral e biológica das populações
afrodescendentes no Brasil.
Costa (2003b) teceu um interessante contraste entre Nina Rodrigues e Silvio Romero.
Para este, o branqueamento da população seria um caminho saudável para a regeneração da
nação brasileira; para aquele, tratava-se antes do enegrecimento da população, a qual, em
função de sua condição de ex-escrava, seria incapaz de viver sob os auspícios da civilização
(COSTA, 2003b, p. 258). Então, levantam-se algumas questões. Que futuro teria um Brasil
mestiço, naturalmente condenado pela biologia? Quais seriam os caminhos para superar esse
fatalismo histórico e racial? Uma palavra chave era a educação, pois, por meio dela, poder-se-
iam atenuar os males da miscigenação e do atraso cultural e social brasileiro. Essas leituras,
entretanto, não levam em conta os aspectos econômicos, de acesso à propriedade e à riqueza,
pois refletem uma faceta social do liberalismo, de espectro kantiano3, segundo o qual o
indivíduo é exclusivamente responsável por suas escolhas e por seu destino, desconsideradas
as correlações de forças e a probabilidade de o indivíduo se desenvolver social, econômica e
culturalmente mediante as oportunidades materiais de que dispusesse.
Se a educação tinha um papel fundamental na construção da sociedade imperial ou
republicana, quais eram os debates? Como intelectuais, professores e políticos pensavam e
disputavam o que deveria ser a educação? Cada uma dessas perguntas resultaria em teses bem
densas em função do desafio de respondê-las. De acordo com Gondra e Schueler (2008), a
instrução pública, o que se chamaria hoje de educação, foi palco de muitas disputas, seja pelo
conceito do que deveria ser a instrução/educação, seja pelo projeto de sociedade brasileira e de
nação que se sonhava implantar. A leitura dos autores e da historiografia da História da
Educação era a de que o Oitocentos tinha seu próprio sentido para a educação e para o papel do
Estado nesse processo. Assim, a educação era compreendida como uma prática social existente

3
Para mais informações, consultar Kant (2005).
15

no meio social e familiar e no desenvolvimento de outras habilidades para além da leitura e da


escrita escolar.
A hipótese central que orienta a investigação é a de que tais obras contribuíram para a
elaboração de narrativas e representações fundadoras sobre tempo histórico, nacionalidade e
raça brasileira, na medida em que sintetizam o conhecimento histórico das ciências humanas
no período. Os livros escolares, nesse sentido, atuaram como artífices do tempo histórico, na
medida em que tais ideias eram transpostas aos alunos em algumas instituições educacionais
do Império no processo de ensino e aprendizagem de História. E nessa complexa relação e
construção de discurso, o entendimento desse trabalho é o de que o conceito de raça e com
diferentes valores semânticos foi a base da representação da nação brasileira no Oitocentos,
tendo nas teorias racialistas certa aceitação nos dois primeiros decênios do século XX na
construção da ideia de nação brasileira.

Os Manuais Escolares de História e a nação

O debate em torno sobre o que deveria a nação foi rico. Entre os muitos sentidos
possíveis pode-se inferir que a educação4, ainda, deveria criar condições para um sentimento
patriótico e de civilidade do indivíduo para com a pátria, ou seja, de pertencimento a uma
tradição, a uma nação ‒ o Brasil ‒ seja mediante formação do súdito, no período imperial, seja
mediante formação do cidadão, no período republicano (MELO, 2008). Dito de outro modo, a
educação estava sob o signo do nacionalismo, e os instrumentos para esses projetos de nação,
dentre outros, eram os manuais escolares de História e Ensino de Moral e Cívica. Na
historiografia didática, Gasparello (2004) assinala três temporalidades distintas: a primeira, de
cunho patriótico, é a história patriótica (1831-1861); a segunda é a história imperial (1861-
1900); e a terceira é a história republicana (1900-1922). Assim, este trabalho investiga mais a
fundo essas temporalidades que dizem respeito às permanências, aos deslocamentos e às
rupturas sobre a questão das teses racialistas na conformação da nação brasileira. Dito assim,
parte-se da seguinte premissa:

[...] com a constituição dos Estados nacionais e com o desenvolvimento, nesse


contexto, dos principais sistemas educativos, o livro didático se afirmou como
um dos vetores essenciais da língua, da cultura e dos valores das classes

4
A educação tinha diferentes finalidades na construção do Estado-nação brasileiro: a de superar a ignorância e as
mazelas sociais e econômicas e a de preparar as populações libertas e livres para o regime de trabalho assalariado
e para as transformações econômicas sociais vividas pelo Brasil, especialmente no último quartel do século XIX
(GONDRA; SCHUELER, 2008).
16

dirigentes. Instrumento privilegiado de construção de identidade, geralmente,


ele é reconhecido, assim como a moeda e a bandeira, como um símbolo da
soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante papel político.
(CHOPPIN, 2004, p. 553).

Entendem-se, portanto, os livros escolares como veículos privilegiados de transmissão


de valores e símbolos de uma sociedade a ser construída no presente e no futuro por meio da
educação. Dessa forma, são constituintes da modernidade pedagógica inseridos nos diferentes
modelos escolares de ensino, imbuídos de dispositivos e normas. Além disso, também são
artífices do processo histórico em questão, porque trazem consigo uma representação sobre o
que é a nação brasileira e sobre qual é o passado histórico que as juventudes conhecerão e com
a qual se identificarão.
Desse modo, cabem reflexões sobre a natureza controversa ou multifacetada do livro
didático, pois este é um objeto acerca do qual muito se debate: defendido como importante ou
fundamental componente na prática docente por uns e condenado e execrado por outros5, já que
é um artefato cuja produção sofre influências de outros agentes, como os editores. No caso
brasileiro, os intelectuais ‒ conservadores ou progressistas ‒ incumbiram-se da tarefa sobre a
História a ser ensinada com base na organização dos programas curriculares. Assim, destaca-
se que:

Programas curriculares e livros didáticos foram sendo produzidos


concomitantemente, um auxiliando o outro na elaboração dos conteúdos das
diversas disciplinas a serem transmitidos pela educação formal. Os programas
de ensino passaram a preceder a elaboração de compêndios somente no
decorrer do século XIX, com a consolidação das disciplinas escolares.
(BITTENCOURT, 2008, p. 97).

Ao longo do século XIX, o livro didático se consolidou como concretização do saber


disperso e erudito que se destinava a educar a mocidade e, nesse sentido, consolidou a posição
de determinados saberes válidos e necessários para a constituição das disciplinas escolares.
Contudo, as relações entre a disciplina e o livro escolar se constituem como um corpo dinâmico
de conhecimentos elaborados por especialistas e intelectuais que não convivem pacificamente.
Por isso, de acordo com as circunstâncias históricas, os conteúdos dos livros são redefinidos
em razão dos objetivos e dos usos feitos dentro da comunidade escolar.
Com base nessa problemática, o primeiro objetivo desta tese é o de investigar a
presença do conceito de raça nos manuais escolares de História do Brasil como elemento da

5 Para mais informações, ler Pinsky (2006), Toledo (2011) e Bittencourt (2013).
17

nacionalidade brasileira no período de 1861-1900. Para tanto, utilizam-se obras dessa


delimitação temporal, contemporâneas à ascensão das teses racialistas na Europa, nos Estados
Unidos e no Brasil. Assim, que conceitos, dentro dessa representação, podem dar pistas à
formulação de um tempo histórico das narrativas escolares de História do Brasil.
Nesse sentido, elencaram-se, como fontes de análise, as obras: Lições de História do
Brasil, de Joaquim Manuel de Macedo, publicada em dois volumes, um em 1861 e o outro em
1863; Lições de História do Brazil, de Luís de Queirós Mattoso Maia, publicada em 1880; e
História do Brasil, de João Ribeiro, publicada em 1900, edição para os cursos superiores. Estas
são obras consideradas marcos no ensino de História do Brasil, pois tiveram ampla longevidade
e repercussão, além de terem sido utilizadas pelos principais colégios de ensino secundário do
País, especialmente no século XIX.
O ano de publicação desses livros, todos destinados ao ensino, configura a delimitação
temporal de análise nesta tese. Utiliza-se o primeiro volume das Lições de História do Brasil
de Joaquim Manuel de Macedo, de 1861, como marco inicial, porque foi a inauguração da fase
imperial da historiografia didática (GASPARELLO, 2004), em que pese a conformação de uma
história imperial para os jovens súditos e foi contemporâneo às primeiras ideias de
aprimoramento biológico dos homens e das nações, notadamente na Inglaterra. A delimitação
se encerra com a publicação da História do Brasil de João Ribeiro, de 1900, porque suas teses
foram amplamente debatidas entre a intelectualidade brasileira. Entretanto, cabe destacar que o
debate racialista não se encerra na virada do século, mas, antes, ganha novos significados com
as teses eugênicas que favoreceram políticas de Estado em diferentes países, com destaque para
a Inglaterra, para a Alemanha e para os Estados Unidos nos primeiros anos do século XX.
A respeito dos manuais elencados como fontes de análise, cabem algumas
considerações, que, ao longo da tese, serão desenvolvidas. As Lições de História do Brasil, de
Joaquim Manuel de Macedo, publicadas em 1861, ou seja, na metade do século XIX, por ser
uma obra genuinamente nacional e exclusivamente destinada ao ensino científico do Colégio
Pedro II, onde o autor lecionava História, é um marco para o ensino secundário brasileiro. A
obra gozava do apoio do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), órgão responsável
pela elaboração da memória nacional, de onde era sócio, secretário e orador. Ressalta-se que
Macedo foi, ainda, deputado pelo Partido Liberal. Esse manual, concebido com base nas linhas
mestras da História Geral do Brasil, de Adolfo Varnhagen6, é considerado pela historiografia

6
Isto não significa que Macedo não construiu seu próprio ponto de vista sobre a História do Brasil, especialmente
sobre os episódios da Independência do Brasil, que ainda marcavam os debates e as disputas políticas durante sua
juventude, no início do Segundo Reinado. Para mais informações, consultar Mattos (1993).
18

como obra destinada à conformação do súdito da Coroa e, ainda, expressão da centralidade


monárquica e imperial (MELO, 2008). A hipótese de nosso trabalho acerca dessa fonte é a de
que as Lições de Macedo trazem descolamentos e compreensões próprias sobre os sentidos da
História do Brasil, quando comparadas à História Geral do Brazil de Varnhagen.
A segunda fonte, Lições de História do Brazil, de Luís de Queirós Mattoso Maia,
publicada em 1880, também foi, a partir de 1882, um manual utilizado pelo Colégio Pedro II,
onde o autor ingressara em 1879 como professor de História Geral. Para a historiografia do
ensino de História, a obra pouco se difere das linhas mestras formuladas por
Macedo/Varnhagen. Contudo, nas análises aqui feitas – uma das contribuições deste trabalho
para o campo de pesquisa –, demonstra-se que a obra de Mattoso Maia foi muito mais do que
um alinhamento aos pensamentos de Macedo ou Varnhagen, pois, inclusive, alinhou-se a
bibliografias que estavam além do IHGB. Entretanto, como apresentam divergências existentes
entre as datas e os eventos importantes da história brasileira, essas Lições são mais densas que
as de Macedo.
No caso, o referido manual já era dotado de uma linguagem científica acerca da
História do Brasil, com menos recursos literários em sua narrativa, sem grande apelo a heróis.
Contudo, dirigia-se à conformação de um súdito, embora do “terceiro reinado”, o qual
condenava a escravidão e a necessidade de modernização do Brasil diante das mudanças que se
impunham naquele momento histórico, quando a industrialização e as formas de trabalho livre
se expandiram para outras áreas do planeta.
Maia se distancia de Macedo na questão indígena, seja por divergência, seja por
evolução dos estudos etnográficos no Brasil. Para Maia, os indígenas possuíam certo grau de
civilização, mas o contato com o branco civilizador foi o que acelerou o progresso e a civilidade
desses povos. Então, o contato com os jesuítas foi positivo, pois os auxiliou na vereda da
civilização, diferente do que pensava Macedo, que não apresentava como positiva a ação dos
jesuítas. Maia, ao contrário de Macedo, via negativamente a expulsão dos jesuítas, na ocasião
do ministro Pombal, em 1759. Segundo Gasparello (2004), o livro de Maia foi fruto das aulas
ministradas, com predomínio da linguagem oral, e das apostilas utilizadas para tanto.
A terceira obra é a História do Brasil de João Ribeiro. A primeira edição, de 1900, não
possuía um público definido, mas, em seguida, as novas versões possuíam: o ensino primário,
os cursos superiores do ensino científico e as Escolas Normais. Trata-se de uma obra bem
explorada pela historiografia, que a coloca como marco da renovação do ensino de História,
inclusive extrapolando o público inicial, os estudantes (HANSEN, 2000; GASPARELLO,
19

2004); MELO, 2008; SANTOS, 2009). É compreendida como expressão do debate intelectual
acerca da nacionalidade brasileira (RODRIGUES, 2011).
A obra de João Ribeiro e a de outro autor de livro didático, Jonatas Serrano, que
escreveu Epítome de História do Brasil (1933)7, são exemplos de um novo momento da
produção didática, resultado das transformações institucionais do ensino primário e secundário
e da efervescência de novas ideias pedagógicas, que vieram a se chamar pedagogia nova. Cabe
salientar as transformações do mercado editorial dos livros didáticos, o qual se ampliou
vertiginosamente em função das demandas, sobretudo no Rio de Janeiro, capital da República
(SILVA, 2008). A princípio, podem-se demarcar essas diferenças em relação à produção do
período imperial, o que possibilita inferir a ampla circulação das ideias presentes nos manuais
utilizados pelas instituições de ensino. Menciona-se, ainda, a dissolução do caráter modelador8
do Colégio Pedro II em relação a seus congêneres estaduais pelo País afora. Assim, o ensino, o
currículo e toda a organização escolar, a partir de 1930, passaram a ser dirigidas pelo Ministério
da Educação e Saúde.
A estratégia utilizada nesta tese foi a de estudo analítico sobre cada uma das obras, de
modo a construir uma temporalidade histórica das representações que se fizeram sobre a nação
brasileira. Assim, acentuam-se as permanências, os deslocamentos e as rupturas dos discursos
presentes nelas. Nesse sentido, é importante investigar as obras em diferentes períodos e estudar
a questão da nacionalidade relacionada diretamente com a educação, o que permite uma
compreensão sobre as relações entre o Estado Nacional, a Nação e a Educação. Os objetos de
estudo, os manuais escolares de História, são entendidos como artífices da realidade histórica.
Desse modo, em razão de sua natureza pedagógica, espera-se poder explicitar essas relações,
porque, em boa medida, elas (re)criam e tentam reordenar uma nova realidade, ao mesmo tempo
que a refletem. Para essa delimitação temporal, as contribuições de Alonso (2002) são
importantes, visto que dão pistas sobre o movimento das matrizes de pensamento da
intelectualidade do último quartel do século XIX no Brasil.
Compreende-se que os estudos das matrizes de pensamento, as quais formularam as
ideias de nação, não são um fim em si mesmos, pois, ainda que entrincheirados no meio

7
Para mais informações, conferir Santos (2009).
8
O Colégio Pedro II e seu currículo deveriam servir de modelo às escolas secundárias do País. Se, por um lado, o
Ato Adicional de 1834 descentralizou a responsabilidade de promover os ensinos primário e secundário às
Províncias, por outro, garantiu a uniformidade do ensino e dos conteúdos curriculares, já que o bacharel em Letras
formado pelo Colégio Pedro II tinha o direito ao ingresso nos cursos superiores sem a necessidade de exames, ao
passo que os provinciais deveriam prestá-los, o que diferenciava e criava um status ao referido colégio. Isso
implicou a necessidade de as Instituições de ensino secundário seguirem o modelo curricular adotado pelo Colégio
Pedro II. Para mais informações, ler Vecchia (2006), Gasparello (2004) e Bittencourt (2008).
20

intelectual, extrapolam esses debates. Ademais, as matrizes são influências para os agentes
políticos, em boa medida ligados à elite intelectual9. Procura-se, então, demonstrar como as
ideias fazem parte da realidade como um todo e como os sujeitos ativos têm grande capacidade
de interferir no meio. Tais ideias não são apenas abstrações que vagam no mundo dos
intelectuais, mas também são objeto de ação social e política, são as “carnes” da História.
Portanto, a empiria deste trabalho são os estudos exegéticos e de análise comparativa
entre as fontes mencionadas. Esta tese também estabelece diálogo com os autores da História
Cultural, quadro teórico que mantém relações com a História da Educação. Nessa perspectiva,
como a educação é mais uma manifestação cultural, assim como outros aspectos da realidade,
situa-se a História da Educação como campo investigativo da História Cultural. Contudo, cabe
assinalar que o estudo comparativo é o da investigação sobre os argumentos presentes nos
manuais de História do Brasil, pois, assim, não se pretende elaborar uma sociologia das ideias,
em que o contexto histórico determina a formulação dos argumentos dos intelectuais. Antes,
pretende-se compreender a arqueologia do debate sobre a questão da raça em manuais de
História de tempos distintos (de meados do século XIX ao início do século XX). Neste estudo,
também, trabalham-se as interfaces entre diferentes campos de pesquisa histórica: a História da
Educação, a História Intelectual e o Ensino de História e suas relações com o desenvolvimento
de sua historiografia.

Os referenciais teóricos

Os referenciais teóricos deste trabalho perpassam a questão dos tempos históricos


problematizados por Reinhart Koselleck e, então, perpassam os conceitos de espaço de
experiência e horizonte de expectativa. Aliadas a esses conceitos, estão as questões postas sobre
o nacionalismo amplamente debatido pela historiografia. Compreende-se que o esforço
intelectual dessa tese como apropriação da História dos Conceitos de Koselleck, como uma das
possibilidades ressignificada do uso desse campo epistemológico. O uso de dicionários de
época como o Bluteau (1712-28) e Moraes e Silva (1813), bem como os jornais e revistas se
articulam na construção de sentidos sobre o que se definia como nação e raça para o
entendimento sobre o que o brasileiro.

9
Nesse sentido, o trabalho de Caroline Carula é uma importante fonte, pois sua tese se debruça sobre as
Conferências Públicas que ocorriam no Alto da Glória, Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX, onde
compareciam dirigentes políticos, cientistas, advogados, médicos, professores e leigos em geral. Para mais
informações, conferir Carula (2012).
21

Por fim, a origem desta pesquisa se desenrola a partir de um estudo anterior10, por meio
do qual se investigou a representação da nacionalidade brasileira com base nos conceitos de
raça e território, compreendidos como pilares da formulação da referida nacionalidade. Para tal
análise, elaborou-se um estudo exegético sobre a obra História do Brasil de João Ribeiro,
buscando compará-la a obras historiográficas representativas do mesmo período, de modo a
perceber a arqueologia do debate sobre a nacionalidade brasileira à época. Por essa razão, fez-
se um estudo comparativo com as obras História da Literatura Brasileira, de Sílvio Romero
(1888), e Capítulos de História Colonial, de João Capistrano de Abreu (1908). Dessa maneira,
discute-se como a História do Brasil em análise sedimenta os debates intelectuais, políticos e
historiográficos do período e como se apresenta ao público estudantil de nível científico no
início do século XX.
Assim, com base nesse estudo, que procurou compreender e destrinchar o tempo
histórico dessas ideias entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX, a questão
do modo como a raça está posta em outros manuais escolares de História anteriores e posteriores
à História do Brasil estimulou a escrita desta tese. Tal trabalho se justifica porque a racialidade
e moral são colocadas na obra História do Brasil como elementos na formação da nacionalidade
brasileira. Se, por um lado, são elementos históricos e constituintes da nacionalidade; por outro,
são entraves para a conformação de uma nacionalidade forte e altiva diante do mundo
civilizado, isto é, de seus pares do Ocidente (RODRIGUES, 2011).
Na mesma obra, João Ribeiro enuncia um caminho para a conformação dessa nova
nacionalidade que seria melhor e mais preparada para os desafios do século que se iniciava: a
da contínua imigração europeia e sua miscigenação com a raça mameluca nacional, que tornaria
a nação mais branqueada, mais culta e superior (RIBEIRO, 1900). Além dessas teses biológicas,
o autor discute o papel da educação, que instruiria moral e intelectualmente as novas gerações,
as quais, ao assimilarem a cultura do trabalho que o europeu trazia consigo, promoveriam o
progresso material, industrial e intelectual para o Brasil.

O Livro didático: o campo de estudo e o objeto

Por fim, cabem considerações sobre como se entende, aqui, o objeto de pesquisa, o
livro didático e/ou manual escolar, que, de acordo com a reflexão de Gasparello (2009), é, antes
de mais nada, um artefato da vida social e cultural e, assim, expressa temporalmente os valores,

10
Trata-se da dissertação Entre as raças e o território: os projetos de nação na História do Brasil de João
Ribeiro de Rodrigues (2011).
22

as crenças e os anseios de uma sociedade. Embora possa ser empobrecedor compreender uma
sociedade por meio do livro, este, como fonte, pode revelar aspectos de uma época. Assim,
concebem-se as fontes, os manuais escolares de História, como veículos privilegiados de
transmissão e difusão de conhecimento e como expressões de projetos de nação, pois, na medida
em que são utilizados como recursos pedagógicos, transmitem não só uma representação sobre
o passado, mas também os projetos das novas gerações que por eles são instruídas. Desse modo,
tais fontes expressam um tempo histórico das ideias sobre a nacionalidade brasileira e, ainda,
são artífices desse mesmo tempo, por construírem essa realidade. Portanto, os livros são
entendidos como artefatos culturais, imbuídos de sentidos, e como expressão do tempo
presente. Desse modo, seu lugar também é o da esfera das instituições de difusão de cultura
material e intelectual (FALCON, 2006, p. 337).
As fontes desta pesquisa, na tessitura de suas narrativas escolares, possuem a
especificidade de trazerem consigo uma representação do passado. Por meio do livro didático,
nessa perspectiva, pode-se compreender como uma sociedade estabeleceu relações com a sua
memória, com o seu passado e, portanto, com parte de uma cultura histórica (GASPARELLO,
2009). Assim, entende-se que, por meio das análises dessas narrativas, é possível compreender
um tempo histórico e perceber as relações de força em uma sociedade para a construção de sua
memória e de seu esquecimento, na construção do conceito de civilização e de barbárie. Por
intermédio dos usos do passado, em suma, é possível estabelecer o tempo histórico do conceito
de nação.
As fontes primárias analisadas nesta tese se articulam com diferentes campos de estudo
da historiografia. Nesse sentido, cabem reflexões acerca dos campos de estudo da produção
científica sobre os manuais escolares de História, suas relações com a História da Educação e
com o Ensino de História. Como este estudo é também historiográfico, articula-se com o campo
da História da Historiografia, com destaque à brasileira.
A constituição do campo da História da Educação passou a ganhar corpo e a se renovar
de modo profundo a partir dos anos de 1980. Até então, constituía-se de estudos de legislações,
reformas educacionais e projetos educacionais. A partir das últimas décadas do século XX,
estudos como os de Cultura escolar, História do ensino e História das disciplinas escolares
passaram a atravessar esse novo/velho campo de estudos.
Guimarães e Silva (2010) destacam que a produção acadêmica a respeito do ensino de
História cresceu dentro da conjuntura de democratização do processo político do Brasil após a
ditadura, especialmente em razão do combate à consolidação da disciplina de Estudos Sociais
23

e do combate a outras formas de precarização da formação e do trabalho docente. Ocorreu,


paralelamente a isso, uma progressiva perda das lutas coletivas a partir dos anos de 1990.
Nesse escopo externo ao conhecimento, a história das disciplinas escolares no Brasil
foi e é objeto de diferentes campos de análise com destaque a diretrizes curriculares, livros
didáticos e paradidáticos, formação de professores, papel da disciplina História na formação
escolar do aluno, critérios de conteúdos e processos de aprendizagem. Vale destacar que tais
campos são também espaços de disputas e de interesses entre os acadêmicos.
A seleção dos conteúdos de História para o ensino é outro motivo de disputa, a
exemplo de quando se discute sobre quais memórias devem ser trabalhadas com os discentes.
Esses conteúdos expressam conflitos e interesses a respeito de quais memórias e tradições se
inventam no interior das salas de aula. Independente da seleção, o importante é como fazer dos
alunos sujeitos desses processos de aprendizagem
No escopo dessas mudanças, os livros didáticos, que se destinavam ao ensino,
passaram a ser tema de estudos, especialmente nas Faculdades de Educação. Adjacente a isso,
desenvolvia-se, também, a História do Ensino, cuja renovação passou pela inserção dos
historiadores no campo da História da Educação, trazendo consigo as renovações
epistemológicas da historiografia da segunda metade do século XX. Assim, no início do século
XXI, o campo avançou, tornando-se mais extenso e heterogêneo, em razão do desenvolvimento
de diferentes perspectivas metodológicas sobre os objetos de pesquisa, os quais, por sua vez,
foram renovados, revisitados e relidos. Tais mudanças permitiram releituras sobre as teses
clássicas da História da Educação, por exemplo, sobre o ineditismo do regime republicano nas
questões acerca do papel da educação junto à sociedade brasileira, sobre a construção do Estado
nação ou sobre o pioneirismo da Escola Nova no sistema nacional de ensino (GONDRA;
SCHUELER, 2008).
Parte dessa renovação também ocorreu com a História Cultural, permitindo novos
olhares sobre as fontes históricas, notadamente as do universo escolar (CARVALHO; NUNES,
2005). Assim, recompõem-se diferentes aspectos históricos das narrativas de História da
Educação, dando voz à experiência do magistério, à formação dos professores, ao currículo e
ao ensino, ao funcionamento dos sistemas de ensino e a seus diferentes ciclos e significados.
Dentro desse campo, o objeto é historicizado como compêndio para os livros do século
XIX e manual escolar para os livros do final desse século e início do século XX, os quais, no
cerne de profundas mudanças, deram origem ao moderno livro didático. Os pesquisadores de
24

livros didáticos de História e do Ensino de História defendem que a tese de Bittencourt (1993)11
é um marco na constituição desses dois campos de estudos, pois, até então, eram poucos os
trabalhos que privilegiavam tal objeto de pesquisa. Essa autora,

[...] na medida em que apresentou um conjunto de temas e abordagens que o


objeto comportava para além da denúncia da ideologia. [...] tratava da questão
do livro didático como política pública educacional, mas também enveredava
em questões como a produção editorial desse objeto para o mercado, a sua
inserção na escola como dispositivo constitutivo do saber e da cultura escolar,
a sua importância como suporte de disciplinas escolares (em particular, de
história ensinada) e os usos e as práticas que incidem sobre esse material.
(MUNAKATA, 2012, p. 183).

Tal tese se apoia na imersão do livro didático na constituição do ensino escolar no


Brasil entre 1810 e 1910. É uma reflexão sobre o significado e o uso do livro escolar nas salas
de aula. Conforme apontado por Munakata (2012), a tese de Circe Bittencourt contempla
diferentes questões que permeiam a produção e os desdobramentos de uma obra didática para
a história ensinada e destaca as controvérsias do objeto de análise, possuidor de uma longa
história de relações com o Estado. Ressalta-se que o livro didático é o maior nicho de mercado
para as editoras e está, aos milhões, nas mãos de professores e alunos. Para uns, o livro é um
obstáculo ao aprendizado e deve ser descartado das salas de aula; para outros, é fundamental
para a construção do conhecimento, ao qual o curso deve se subordinar. Dito de outro modo, a
autora destaca as diferentes facetas do livro didático, conforme as definições de Choppin
(2005)12.
Desse modo, Bittencourt (1993) discutiu o papel do livro didático na construção do
saber escolar, as concepções de ensino por ele veiculadas, o controle sobre a produção didática,
o mundo editorial em torno da produção dos livros escolares e sua relação com a História
Oficial, a função do livro didático na conformação da disciplina escolar de História nos aspectos
da História Sagrada e Profana, a História do Brasil nos livros didáticos e os usos dos livros
didáticos tanto pelos professores como pelos alunos. Seu trabalho contribuiu, também, com os
inúmeros estudos que o sucederam: o livro didático como objeto de política educacional, como
objeto de disciplinas escolares e como artífice da História do ensino de História, por exemplo.
Munakata (2012), ademais, destaca a importância de compreender o livro didático na
sua materialidade, isto é, de entender os diferentes processos que compõem sua produção ‒ a

11
A edição utilizada nesta tese é a versão em livro publicada pela editora Autêntica, de 2008.
12
Trata-se das quatros funções assinaladas por Choppin (2005) sobre o livro didático, as quais serão explicitadas
posteriormente.
25

circulação, o consumo e o público ‒, pois, dessa forma, compreende-se o processo de


formatação do livro, sobretudo dos modernos livros didáticos, por meio do qual determinada
forma discursiva ganha inteligibilidade. A materialidade ou o processo de produção do livro é
uma dimensão importante a ser observada, já que a narrativa final é resultado de um processo
de impressão, preparação e revisão do texto, com cortes e outras alterações que podem
transformar a inteligibilidade da narrativa, o formato e a paginação do livro, por exemplo
(CHARTIER, 2001; MUNAKATA, 2012).
O campo de conhecimento sobre os estudos de livros didáticos tem se desenvolvido
há pelo menos 30 anos, de forma mais sistemática nas universidades, especialmente nos
Programas de Pós-Graduação em Educação. O estudo acerca desse objeto também tem ganhado
espaço nos Departamentos de História, sobretudo no final do último século e nos 15 primeiros
anos do século XXI. De acordo com Munakata (2012), as publicações sobre os livros didáticos,
que consistiam nas análises ideológicas de seus conteúdos, até a década de 1990, não passavam
de 50 títulos. Nesse sentido, os programas de Pós-Graduação em Educação, mediante
publicação de dissertações e teses sobre o tema, contribuíram para o crescimento do campo;
afinal, na maioria das universidades públicas, o ensino de História estava filiado às Faculdades
de Educação, quadro que vem se transformando na última década. O mesmo autor afirma que
o crescimento desse campo de estudo não aconteceu apenas no Brasil, mas em todo o Ocidente,
por meio da criação de grupos de pesquisas nos EUA, na Alemanha, na Noruega, na Espanha,
na Argentina, na França, no Canadá e em outros países. Munakata (2012) ainda conclui que o
caso brasileiro é representativo, visto que o Estado, sob regulamentação do Plano Nacional de
Livros Didáticos (PNLD), é o maior comprador de livros didáticos, que são destinados às redes
públicas municipais e estaduais do Brasil. Nesse contexto, envolvem-se outras questões: quais
livros são aprovados para a compra e quais características são impostas pelas editoras aos
autores, os quais precisam se adaptar ao maior comprador de seus produtos, o Estado cliente.
Dentre as questões ressaltadas por Munakata (2012) e Choppin (2004), esta tese se
dedica a estudar o livro didático como vetor de transmissão de valores e crenças, ou seja, dedica-
se a analisar a função ideológica e cultural dessas produções (CHOPPIN, 2004)13. Nesse

13
De acordo com Choppin (2004), os livros didáticos podem ter quatro funções ou dimensões que se referem à
sua produção e à sua circulação e que podem variar de acordo com o ambiente sociocultural e com a época. A
primeira é a função referencial, que funciona como suporte privilegiado do sistema de ensino, sob as diretrizes
consideradas úteis pelo grupo social às próximas gerações. A segunda é a função instrumental, que coloca em
prática o sentido social do conteúdo a ser lecionado. A terceira é a função ideológica e cultural: “A partir do século
XIX, com a constituição dos estados nacionais e com o desenvolvimento, nesse contexto, dos principais sistemas
educativos, o livro didático se afirmou como um dos vetores essenciais da língua, da cultura e dos valores das
classes dirigentes. Instrumento privilegiado de construção de identidade, geralmente ele é reconhecido, assim
como a moeda e a bandeira, como um símbolo da soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante papel
26

sentido, esta pesquisa se debruça sobre como tais funções estiveram prescritas nas narrativas
escolares de História e como compuseram um tempo histórico de representação e de conceitos
formuladores da nação brasileira. Fundamentado nessa problemática, desenvolve-se um estudo
de historiografia sobre as narrativas de História do Brasil no âmbito escolar, com destaque para
os manuais da segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX. Ao analisar os
discursos historiográficos dos autores, compõe-se uma História do Ensino de História com base
na formulação de um tempo histórico sobre as representações da nação brasileira presentes
nesses livros, com ênfase nos manuais dos cursos superiores, denominação do ensino
secundário entre o século XIX e o início do século XX.
Nesta formulação, estudar o livro didático como vetor cultural de transmissão de
valores (CHOPPIN, 2004) não significa, necessariamente, concebê-la como a expressão do
pensamento das classes dirigentes. Antes, pode-se inverter o argumento: os conhecimentos
desenvolvidos com bases científicas sustentaram e legitimaram a representação que as classes
dirigentes construíram sobre as sociedades. O caso brasileiro do século XIX é exemplar nessa
perspectiva.
A constituição da disciplina escolar de História se desenvolveu por intermédio de
debates e trabalhos com a historiografia do IHGB na segunda metade do século XIX. Sofreu
fortes influências de teses cientificistas e, assim, construiu uma ideia de nação, de raça nacional,
de História do Brasil e de seus atores nesse processo, aqueles que deveriam ser a memória e o
esquecimento dessa narrativa. Essas representações, especialmente com a base científica da
época14, influenciaram as diferentes correntes políticas e, mesmo, a ideologia racial existente
no Brasil durante esse período (STEPAN, 2005, p. 15). A ideologia conformada por diferentes
aspectos da sociedade brasileira imperial foi marcada pela escravidão, que impactou fortemente
as mentes, a cultura, as atitudes, as representações e as formas de se enxergar a realidade
próprias do século XIX.

político. Essa função, que tende a aculturar ‒ e, em certos casos, a doutrinar ‒ as jovens gerações, pode se exercer
de maneira explícita, até mesmo sistemática e ostensiva, ou, ainda, de maneira dissimulada, sub-reptícia, implícita,
mas não menos eficaz” (CHOPPIN, 2004, p. 553). A quarta é a função documental, que se refere à metodologia
de uso de documentos e à própria realidade de apreensão do conteúdo desejado, além de possuir a função de
despertar a autonomia do sujeito frente ao conhecimento. Esta última não é uma realidade mundial, pois há em
poucos lugares.
14
Especialmente ciências como a antropometria, a craniologia e a antropologia. Em síntese, tais campos científicos
visavam compreender as raças que compunham a espécie humana e seu processo de evolução, particularmente
após o desenvolvimento das teses evolucionistas de Darwin e os diferentes significados que lhes foram atribuídos
entre o século XIX e XX. Desse campo científico, resultaram análises histórico-sociológicas que, por um lado,
reforçavam as relações de forças de brancos sobre os negros e, por outro, construíam uma imagem sobre a nação
brasileira, cujo futuro estaria em xeque, por ter sido formada por uma raça biológica inferior. Para mais
informações, conferir Schwarcz (1993), Carula (2012), Diwan (2011) e Santos (2009).
27

Nessa relação inextricável entre o mundo editorial e o livro didático, não é possível se
esquecer do autor. Bittencourt (2004) problematiza que, em princípio, um autor de obra didática
se caracteriza pelo cumprimento de programas oficiais de ensino e de políticas públicas. A
autora analisa, especialmente, os autores do século XX e a massificação desse mercado editorial
criador de uma relação de interdependência entre o editor, o revisor e o autor. Num contexto
em que o Estado é o maior comprador de livros didáticos das editoras e das livrarias, há de se
convir que, para garantir a viabilidade econômica e mercadológica das obras, a liberdade de
expressão possui limites. Contudo, o que se analisa aqui é o resultado dessa narrativa impressa
e publicada, com ou sem a benção do autor/escritor. Assim, debruça-se sobre o estado da arte
dedicado ao estudo dessas narrativas e à História do Ensino de História, isto é, à história do
objeto de análise desta tese.
O estudo de narrativas históricas é, em última análise, um estudo acerca dos usos da
historiografia, das formas como se representa o passado, possuindo, assim, uma historicidade.
Isso implica uma tensão entre a narrativa e o acontecimento em si. Tal tensão possibilita
compreender como tal sociedade se relaciona ou se relacionava com o passado e com as relações
de forças, com as práticas dos historiadores e com os usos do passado, dos métodos e da própria
epistemologia do conhecimento histórico. Em suma, permite perceber como o próprio sujeito
observa o objeto e o fenômeno, como sugere Malerba (2006).

Os caminhos da tese

O caminho percorrido por esta tese se dividiu em quatro momentos. O primeiro versa
sobre o estado da arte dos manuais escolares do século XIX, especialmente as publicações do
século XXI, marcado pelo aumento considerável de pesquisas sobre o livro didático. Com a
finalidade de manter a objetividade desta análise, apresentam-se aquelas que são mais
representativas para um estudo das narrativas escolares de História do Brasil: a ideia de nação
e os projetos políticos. Entende-se que tais análises permitem entender como as narrativas e a
ideia de nação se deslocaram ao longo do tempo. Nesse sentido, explorou-se a História dos
Conceitos, como já mencionado em Reinhart Koselleck e as possibilidades para estabelecer o
tempo histórico da semântica conceitual de nação e raça nas narrativas escolares. Com essas
ferramentas analíticas e conceituais, analisam-se, também, as discussões historiográficas sobre
os conceitos de raça e nação e o modo como eles foram entendidos pela intelectualidade
brasileira do século XIX.
28

O segundo momento deste trabalho consiste na análise da primeira fonte: as Lições de


História do Brazil, de Joaquim Manoel de Macedo, publicadas entre 1861 e 1863. Destacam-
se as discussões sobre a formação do Estado Nacional, sua consolidação após a independência
política em 1822 e os grupos políticos e econômicos que estavam em luta pela preservação de
seus interesses e monopólios, como ressalta Mattos (1990). Nesse sentido, o estudo sobre as
primeiras legislações em torno do ensino primário e secundário foi importante para a
compreensão do papel da instrução/educação na conformação do Estado Imperial e da chamada
boa sociedade. A biografia de Joaquim Manoel de Macedo também foi reconstruída, afinal, ele
foi escritor e expoente do Romantismo brasileiro, secretário e membro do IHGB, preceptor dos
filhos do Imperador e deputado geral pelo Partido Liberal. Assim, perseguiu-se como Macedo
se inseriu nessa sociedade e no circuito intelectual da capital do Império. E, por fim, são
analisadas as Lições de História do Brazil, a formulação das ideias de nação e raça e a
representatividade desses conceitos para a nacionalidade brasileira. Em outros termos, são
analisados quais eram os parâmetros na formação desse súdito imperial, marcado pela herança
portuguesa e pela importância da família Bragança na constituição do Estado Imperial. Os
negros foram silenciados nessa narrativa ‒ o que não impediu o autor de fazê-lo em outras
produções intelectuais por meio das quais denunciou a escravidão – e os indígenas tinham certo
destaque, embora como coadjuvantes do hábil e astuto português na conquista e na formação
do Império.
O terceiro momento se referiu às Lições de História do Brazil, de Luís de Queirós
Mattoso Maia, o mais anônimo entre os autores analisados nesta tese, o que se explica pelo fato
de ele não pertencer ou não frequentar os ambientes da intelectualidade carioca do século XIX.
Antes, pertencia ao universo militar, uma vez que foi médico cirurgião na Guerra do Paraguai.
Sua biografia foi marcada pela ocupação de outros cargos na vida pública, como diretor de
Hospital e delegado de polícia em Niterói, o que nos permite dizer que o magistério foi mais
uma de suas atuações. Reconstituir parcialmente a sua teia de redes de sociabilidades foi um
dos méritos de nosso esforço; e desse modo explica-se o porquê do uso de produções
intelectuais para além do IHGB em suas Lições de História do Brazil. Assim, esse capítulo é
constituído pelas discussões sobre a consolidação Saquarema e sobre a radicalização dos
Liberais em torno das ideias republicanas, como destaca Alonso (2002). Nesse escopo,
compreendem-se, por meio das legislações, as transformações conservadoras da educação
durante a década de 1870. Tais análises foram importantes para se compreender os
deslocamentos semânticos e, até mesmo, os novos parâmetros para aquele que seria o novo
súdito e para um “futuro terceiro reinado” da princesa Isabel, questões presentes nas Lições de
29

História do Brazil, de 1880. Nesse sentido, demonstra-se como essas Lições avançaram na
compreensão dos povos indígenas e dos projetos de nação que deveriam lhes ser impostos para
que integrassem a civilização.
O quarto momento se dedicou ao autor mais estudado pela historiografia do Ensino de
História, João Ribeiro e a sua História do Brasil, de 1900. Para se compreender como ele
entendeu a nação brasileira, foram importantes as discussões acerca da crise política vivida pelo
Império, acerca da derrota desse sistema pelo golpe militar que deu origem à República e acerca
dos primeiros anos de supremacia das oligarquias regionais na estrutura política do regime. Na
esteira do predomínio político e jurídico, foi importante compreender as legislações em torno
do ensino secundário, o papel central que o Ginásio Nacional manteve nesse nível de ensino,
as disputas entre o ensino humanista e o propedêutico e as modernas ciências que alavancaram
o desenvolvimento tecnológico no Ocidente naquele momento. A biografia intelectual de João
Ribeiro foi destacada com base nas instituições a que pertenceu, como o próprio Ginásio
Nacional, o IHGB, a ABL e os diversos jornais por meio dos quais publicou centenas de artigos
ao longo de sua existência, em que foram encontradas pistas sobre o pensamento e a
interpretação do autor sobre o que era o Brasil e a sua sociedade. Finalmente, analisam-se a
História do Brasil, a tessitura da narrativa em torno da ideia de nação e a importância das teses
racialistas para a compreensão do caráter dessa nação como modelo explicativo para o atraso
social, moral e intelectual do Brasil em relação ao Ocidente. Embora pesem as teses racialistas,
João Ribeiro imaginou caminhos para a superação desse estado social, entre eles o
branqueamento e a educação para o trabalho para a organização da vida social, política e
econômica do País e, desse modo, para o ingresso no caminho do progresso e da futura nação
regenerada: branqueada, forte, inteligente e integrada ao mundo “civilizado” europeu e
estadunidense.
Por meio deste estudo semântico e exegético, pretende-se demonstrar a possibilidade
de estabelecer o tempo histórico mediante análise das narrativas. No caso, os manuais escolares
revelam certo uso do passado, de acordo com os projetos de nação estabelecidos pelos
intelectuais ou pelo Estado. Revelam ainda um espaço de experiência com vistas a um horizonte
de expectativa, isto é, a um projeto de futuro para o País, baseando-se no conceito de nação
brasileira. Quem era ou é a nação brasileira? Que direitos possuía? Que espaços podia ocupar
e almejar? Qual era a cultura histórica a ser valorizada? Assim, o desafio que se impunha era o
de construir uma História do Brasil com base em uma história em comum em detrimento dos
conflitos internos regionais e das contradições.
30

Posto assim, percebe-se que esse debate não morreu no início do século XX; em vez
disso, ganhou diferentes significados ao longo desse século, do qual João Ribeiro é uma das
referências historiográficas. Se a mestiçagem era condenada pela intelectualidade do final do
século XIX e do início do século XX, tornar-se-ia, a partir dos anos de 1920 e 1930, valorizada
e reinterpretada, especialmente após a publicação das teses culturalistas de Gilberto Freyre
(1963) e Sérgio Buarque (2002) cuja democracia racial silenciou as diferentes formas de
opressão sobre as populações afrodescendentes e indígenas. Tal leitura, embora contestada e
muito criticada por parte da academia e dos movimentos negros, atravessaria o século XX,
valorizando estereótipos como a mulata do samba ou o jogador de futebol. Assim, é possível
perceber como a memória é um campo de batalhas e disputas, e como essas batalhas e disputas
repercutem na ideia de nação brasileira.
31

CAPÍTULO 1: DEBATE SOBRE NAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DAS NARRATIVAS


ESCOLARES DE HISTÓRIA DO BRASIL: CONCEITOS DE RAÇA E NAÇÃO NA
CONFORMAÇÃO DA NAÇÃO BRASILEIRA

Neste primeiro capítulo, trata-se de quatros questões imprescindíveis para a análise


dos manuais escolares sobre os quais se debate nesta tese: a discussão semântica acerca do
termo nação à luz da História dos Conceitos de Reinhart Koselleck; a historiografia e o
nacionalismo; os debates racialistas do século XIX; e a presença desses debates nos manuais
escolares de História do Brasil ao longo desse século.
Nesse sentido, o caminho percorrido neste primeiro capítulo se organizou em quatro
momentos, equivalentes aos temas mencionados. O primeiro momento foi o de problematizar
a História dos Conceitos como ferramenta analítica e metodológica para a compreensão dos
conceitos de raça e nação, bem como o de discutir os limites dessa análise. O segundo momento
tratou da discussão conceitual em si de nação e as contribuições da historiografia para a
problematização desse termo. O terceiro momento, de mesmo esforço cognitivo, dedicou-se
ao(s) conceito(s) de raça e a debates e disputas no interior dessa historiografia, além de analisar
como ela influenciou a percepção dos intelectuais que procuraram definir o que era a nação
brasileira. O último momento deste capítulo se reportou ao estado da arte sobre a historiografia
dos manuais didáticos de História do Brasil do século XIX.
Todas essas discussões são importantes para a hipótese de que o conceito de raça –
ainda que produzido com diferentes significados – foi a base da representação da nação
brasileira no Oitocentos, havendo certa aceitação nos dois primeiros decênios do século XX.
Essa proposição permite destrinchar os significados históricos da memória nacional a ser
representada no ambiente escolar junto à mocidade brasileira durante meados do século XIX e
início do século XX, como componente do forjamento da ideia de nação brasileira a ser
consolidada e defendida.

Nesta tese, essas questões situam os objetos de análise dentro da historiografia e dos
debates que se desenrolaram em torno da política, da educação e dos destinos do País. Isto
permite compreender as multiplicidades de análise e a riqueza das ideias desenvolvidas pela
intelectualidade brasileira do século XIX.
32

1.1 – A História dos conceitos para a compreensão da ideia de nação:

A historiografia da História dos Conceitos no Brasil tem se desenvolvido em diferentes


campos do conhecimento, como o caso da História do Pensamento Político nas Ciências
Políticas. No campo historiográfico, pode ser útil como ferramenta analítica de um tempo
histórico com base no campo semântico e na genealogia histórica das palavras, isto é, com base
na investigação dos deslocamentos e das rupturas dos conceitos.
A História dos Conceitos pode ser compreendida segundo duas tradições: a primeira,
de fala inglesa, nos Estados Unidos, chamada abordagem collingwoodiana, cujos principais
intelectuais são Melvin Richter, Quentin Skinner e John Pocock; a segunda, de fala germânica,
conhecida como begriffsgeschichte, cujo expoente que tem maior ressonância no Brasil é
Reinhart Koselleck15.
A História dos Conceitos, na Alemanha, resultou da reflexão sobre a necessidade de
se recompor o valor semântico dos termos, ao longo do tempo, nos manuais universitários. É
herdeira das tradições da Filologia e da História da Filosofia.

[...] os conceitos políticos e sociais do passado devem ser descobertos e


interpretados através do horizonte conceitual que lhes é coetâneo e em termos
dos usos linguísticos, mutuamente compartilhados e desempenhados pelos
atores que participaram desses conflitos. O trabalho conceitual quer tornar as
proposições passadas mais precisas em seus próprios termos. (KOSELLECK
apud FERES JR; JASMIN, 2006, p. 13).

Imbuído de um historicismo próprio, embora não exclusivo, da historiografia alemã, a


história conceitual (ou História dos Conceitos) busca uma genealogia da semântica dos
conceitos os quais possuam importância social e coletiva, partilhados e usados socialmente por
uma cultura. Isto porque, na leitura do alemão, os conceitos são indicadores de uma realidade
histórica. A perspectiva historicista de Koselleck, desse modo, permite compreender a dinâmica

15
O principal objeto de estudo da história conceitual de enfoque collingwoodiano é a História do Pensamento
Político. Trata-se de uma abordagem historicista cuja finalidade é revisar as análises feitas sobre os cânones da
Ciência Política, as quais incorreram no erro de se projetar, nos autores, algo a que eles não pretendiam responder.
Assim, esse enfoque resultou na tentativa de superar anacronismos e teleologismos. Para aprofundamento, vale a
leitura de Jasmin e Feres Jr (2006). De acordo com Bentivoglio (2010), a importância de Reinhart Koselleck e da
História dos Conceitos se deve à “[...] reunião sistemática de extensas citações de fontes originais do pensamento
político e social do Ocidente a partir do século XVIII, demonstrando como a linguagem moldou as profundas
transformações vividas revelando a continuidade e as descontinuidades entre conceitos e realidade histórica. Nesta
empreitada, Koselleck demonstrou como os conceitos passaram por um processo de historicização, de
democratização, de ideologização e de politização. Evitar anacronismos e a utilização superficial e vaga do termo
ideias são, entre outros, uma decisiva contribuição para o conhecimento histórico e social contemporâneos”
(BENTIVOGLIO, 2010, p. 130).
33

polissêmica dos conceitos em um mesmo tempo histórico ou em um mesmo agrupamento social


e, também, perceber os diferentes usos da História ou do conhecimento histórico.
A historicidade é um caminho para a elaboração de categorias meta-históricas para a
análise dos processos históricos. No caso, a história conceitual usa conceitos como indicadores
de uma realidade social, embora esta não seja uma relação estática, como conforma a História
das Ideias. Antes, os conceitos, que são ideias teorizadas ‒ e quando são teorizadas ‒,
incorporam as experiências históricas, sociais e políticas e, depois, superam o contexto histórico
original.

A história dos conceitos é, em primeiro lugar, um método especializado da


crítica de fontes que atenta para o emprego de termos relevantes do ponto de
vista social e político e que analisa com particular empenho expressões
fundamentais de conteúdo social e político. (KOSELLECK, 2006, p. 103).

Tais considerações permitem compreender como o conceito de nação foi moldado


pelas diferentes realidades históricas, o que tanto acarretou a “globalização” e a difusão de
ideias de nacionalização, quanto, posteriormente, o fenômeno do nacionalismo. Pelo mundo
afora, conceitos próprios de nacionalização foram gerados pela luta dos povos por
autodeterminação, os quais, geralmente, basearam-se em passados históricos em comum, na
religiosidade e na ocupação espacial como legitimação de um Estado Nação. Claro que a
multiplicidade de contextos de espaço e tempo ultrapassam qualquer generalização do
fenômeno. A ideia de nação no Brasil, por exemplo, surgiu, no primeiro momento, como
antilusitanismo; mas a unidade política do País foi uma conquista longa, consolidada ao longo
do século XIX, contra sentimentos e/ou regionalismos locais. Assim, o estudo da representação
da nação brasileira nos livros didáticos de História busca analisar como esses conceitos foram
indicadores de realidade histórica.
As contribuições de Richter (2007), ao problematizarem as perspectivas de análise,
apontam para o mesmo caminho de investigação acerca dos conceitos e de sua circulação. Em
geral, quando se analisa um conceito que tenha circulado da Europa para as Américas,
investiga-se na perspectiva europeia; entretanto, seria enriquecedor analisá-lo com base na
percepção dos povos americanos, dando-lhes voz. Em outros termos, esse autor propõe o que
chama de tradução e apropriação do conceito: um estudo das traduções, isto é, da transposição
de conceitos políticos de uma cultura para outra, especialmente entre culturas europeias e não
europeias. Richter (2007) destaca esse problema porque os conceitos são polissêmicos e temas
de profundos debates e contestações dentro do próprio Ocidente, o que implica a
34

impossibilidade de atribuir-lhes um sentido único de acepção. Além disso, existe a dificuldade


da equivalência de tais conceitos em espaços de culturas não europeias, conclusão a que chegou
quando investigara os conceitos de liberdade e democracia no contexto histórico chinês do
século XIX.
Tal assertiva não anula, antes complementa a operação historiográfica de Koselleck
(1992) baseada em três pressupostos: o conceito, o contexto e a mudança conceitual.
Primeiramente, existe a distinção entre a palavra e o conceito. O conceito é uma palavra que
passou por um processo histórico de teorização e, assim, possui uma acepção definida, não
ambígua, diferente da palavra. Diante desses axiomas, é importante problematizar as
contribuições do autor alemão, que se dedicou à semântica das palavras como meio de
compreender as realidades de um tempo histórico ou ainda perceber as distinções ao longo de
uma temporalidade. Dizendo de outro modo, por meio da semântica dos conceitos, pode-se
destrinchar um tempo histórico a partir de sua historicidade.
Koselleck (2014) também se dedicou a problematizar a ideia de tempo. Para ele,
existem dois polos entre os historiadores sobre a questão da temporalidade: o primeiro concebe
o tempo como uma flecha, sem um futuro definido, de natureza teleológica ou não,
permanecendo a ideia de linearidade; o outro compreende o tempo em sua circularidade, isto é,
como um “eterno retorno”. Por um lado, sob a referência teórica de Momgliano, a reflexão de
Koselleck se localiza entre os dois polos, pois, para o alemão, os diferentes tempos possuem
tanto linearidades como circularidade. Por outro lado, é possível pensar, como Herder que
existem tempos próprios, isto é, com medidas e particularidades específicas. Nesse sentido, o
tempo das tradições pode ser pensado pela ideia de repetição, que se traduz na capacidade de
criar verdades mediante a consolidação das tradições. O deslocamento semântico dos conceitos,
desse modo, pode ser localizado nos embates de sua significação e na justaposição de
temporalidades distintas.
Em sua primeira assertiva, Koselleck (1992) afirma que não é qualquer palavra que
designa um conceito capaz de compor uma história dos conceitos, embora toda palavra remeta
a algum sentido. Contudo, há uma distinção entre palavra e conceito:

[...] podemos admitir que cada palavra remete-nos a um sentido, que por sua
vez indica um conteúdo. No entanto, nem todos os sentidos atribuídos às
palavras eu consideraria relevantes do ponto de vista da escrita de uma história
dos conceitos [...] cuja formulação seria necessária um certo nível de
teorização e cujo entendimento é também reflexivo. (KOSELLECK, 1992, p.
134-135).
35

Essa distinção delineará as palavras que são teorizáveis ou não. As escolhas desses
conceitos, em boa medida, ligadas a questões que extrapolam o universo da linguagem,
possuem distintos níveis de arbitrariedade. Trata-se de conceitos de relevância social, como,
por exemplo, Estado, Revolução e Cidadania, ou seja, de conceitos que expressam problemas
reais de uma sociedade, de uma cultura e, também, de uma época.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o conceito de nação esteve na ordem do dia para
os dirigentes políticos do Ocidente, sobretudo após as revoluções liberais que sacudiram a
Europa e a América Latina. Nos debates de problematização desse conceito no último quartel
do século XIX, esteve a ideia de raça, não apenas no Brasil, como na Europa, ainda que não
fosse a única corrente de pensamento. O romantismo, por exemplo, não abordava tal questão,
pois se dedicava à valorização dos heróis nacionais, da literatura e da produção intelectual e
científica desses povos.
Pode-se inferir que esses debates permitiram a teorização do termo nação e, do ponto
de vista político, promoveram sua importância para a organização dos Estados nacionais. Nessa
perspectiva, a ideia de pertencimento a uma comunidade cultural, imaginada ou não, contribuiu
para o amálgama de diferentes culturas e povos dentro de um mesmo perímetro político. Já do
ponto de vista econômico, tais debates garantiram a preservação de monopólios e suas reservas
de mercado às oligarquias locais/regionais pelo mundo afora.
Koselleck (1992) problematiza o que seriam palavras teorizáveis ou não. Em geral, os
conceitos relevantes socialmente resultam de experiências históricas que possibilitaram tal
teorização, como um processo a posteriori que permitiu um alto nível de reflexão sobre a
conceituação de uma ideia. O autor trata de diferentes termos da história alemã, como Liga
(Bund), que só conheceu tal nível de conceituação a partir da união das cidades em ligas
militares e comerciais entre os séculos XIII e XVI. Apenas depois dessa experiência histórica,
foi possível refletir sobre o desenvolvimento do conceito, fenômeno que também pode
acontecer com outros conceitos que tratam de problemas reais de uma sociedade. Uma breve
análise sobre os dicionários de língua portuguesa dos séculos XVIII e XIX demonstra que o
conceito de nação passou por esse processo de teorização, deslocamento e mudança de
significado, questão que será mais bem desenvolvida adiante.
Com fundamentação nessas teses, pode-se refletir sobre algumas questões. Em
primeiro lugar, um conceito designa uma relação com sua realidade histórica e com seus
significados específicos, próprios do tempo e da sociedade em que se insere. Sua função é tentar
tornar presente uma realidade e, também, ser dela elemento constituinte, dado que os sujeitos
se apropriam de um conceito que faz parte das relações sociais. Em segundo lugar, decorrente
36

disso, à medida que os sujeitos dele se (re)apropriam, o conceito ganha significados próprios
em novos contextos ou em gerações posteriores. Em suma, ele não pode ser pensado apenas em
sua realidade histórica, mas também na relação com outros conceitos, que variam, sem dúvida,
de uma realidade a outra.
Tais ideias podem ser exemplificadas com o conceito de Estado. Por um lado, no
século XIX, Estado está imbricado no conceito de sociedade e nação, os quais, por sua vez,
foram pensados na legitimação e na existência institucional dos Estados nacionais. Por outro
lado, tais relações ganharam contornos próprios entre os diferentes países da Europa e da
América Latina, configurando regimes políticos específicos.
Outra reflexão pode ser acrescentada às de Koselleck. Se a ideia de Estado foi
refundada com as revoluções liberais, a educação/instrução pública fez parte desse processo, já
que os países europeus, por diferentes razões, passaram a incluir a educação/instrução como
componente estratégico da redefiniçao dos Estados Nacionais, seja pela necessidade de criar
uma ideia de pertencimento social, de patriotismo, seja pela necessidade da alfabetização para
o trabalho nas indústrias que transformavam fundamentalmente as sociedades europeias e
norte-americanas.
Daí que uma terceira questão pode ser abordada: a historicidade para o trabalho da
História dos Conceitos, que trata da condicionante histórica no uso dos termos, ou seja, sua
validade e seu significado temporal, o que invalidaria uma perspectiva diacrônica da História.
Essa questão se justifica pelas possibilidades que podem acontecer em relação ao conceito e
aos seus significados: permanecer inalterado na ortografia, mas alterado em seu conteúdo de
modo substancial e, assim, ter uma sobrevida para além da experiência histórica na qual estava
inserido e pela qual foi imaginado. Nesse sentido, o conceito não está necessariamente
circunscrito no espaço-tempo, pois a migração das ideias não tem fronteiras ou limites, nem
conhece estratificação social; o conceito é, na verdade, uma manifestação cultural, quase um
organismo vivo. Isto remete à ideia de fluidez da cultura, presente em Chartier (2001, p. 203).
Tratar da historicidade de conceitos que abarca o Ocidente seria um desafio
monumental para qualquer pesquisador; porém, em princípio, é possível inferir que a ligação
histórica, jurídica, filosófica e religiosa envolveu o novo mundo com os conceitos e as culturas
desenvolvidos na Europa. Todavia, o novo mundo ganharia contornos próprios e adaptados às
correlações de forças entre as diferentes sociedades americanas. O Estado brasileiro, no caso,
se fundamentou nas diferentes correntes de pensamento ilustrado e liberal para a sua
constituição; contudo, preservou os pilares que fundamentaram a sociedade brasileira do século
37

XIX: a escravidão, a grande propriedade e a economia para exportação. Por si sós, essas
características demonstrariam a adaptabilidade das ideias europeias ao solo brasileiro.
Adjacente as três questões anteriores outra questão a ser discutida: a polissemia, isto
é, o fato de o mesmo conceito poder ter diversos significados, como o caso do termo História,
que serve para designar experiências individuais, coletivas e nacionais e sobre o qual muito se
refletiu a partir do final do século XVIII, o que culminou na historiografia avançou para além
dela. O termo em si é uma apropriação de todos e, desse modo, cada qual o entende de acordo
com suas experiências próprias, sem que, no entanto, se altere seu significado social.
Diante das questões apontadas por Koselleck, de suas contribuições e dos problemas
a serem enfrentados por uma história conceitual, foca-se uma discussão sobre os termos raça e
nação e suas implicações para a formulação da ideia de nação. Esses termos já apontam o que
Koselleck (1992) disse a respeito das relações que um conceito possui com os outros. O termo
nação, entre meados do século XIX e início do século XX, perpassou, necessariamente, pela
ideia de raça, como constituidora biológica de um povo. Este foi um problema real enfrentado
pela intelectualidade brasileira, diante das formulações europeias de raça, especialmente de
mestiços, negros e indígenas. Além disso, o termo nação, durante o século XVII e meados do
século XIX, estava obrigatoriamente vinculado à capacidade de se autodeterminar e ser
soberano política e militarmente diante dos outros povos. Contudo, Moraes (1813) já indicou a
dissociabilidade de Estado e Nação, quando analisara o caso da nação judaica, e fez menção ao
termo raça, que será desenvolvido em momento posterior nesta tese.
Pensar os conceitos significa também pensar no tempo em que estão localizados,
questão sobre a qual Koselleck (1992) também refletiu, visto que é própria ao ofício do
historiador. Para ele, o tempo histórico se formula pelo calendário combinado com o
aprofundamento da compreensão desse mundo histórico e que se conheçam suas inflexões, suas
permanências e suas rupturas, porque o tempo histórico é atravessado pela relação do ser com
o tempo, com o seu tempo, relação desenvolvida pelo campo da experiência e do horizonte de
espera16. Por intermédio da experiência (o passado) e da expectativa (futuro), cria-se uma
temporalização da experiência humana. De outro modo, o passado que atravessa e se faz
presente. O mesmo movimento é compreensível pelo futuro que atravessa esse mesmo presente.
Assim, de acordo com o alemão, é possível formular a temporalidade por meio da semântica
dos conceitos, pois uma ideia é ressignificada, temporalmente, na troca das palavras, para dar
significado a uma nova experiência histórica.

16
Reis (1996) usa a expressão horizonte de espera como Horizonte de Expectativa. Para saber mais, conferir
Koselleck (2006).
38

A análise de tempo histórico, em Koselleck, se refere à relação que os homens


estabeleceram com o seu passado, especialmente os europeus, ao longo da Idade Média e da
Moderna. Dessa relação, o autor concluiu o desenvolvimento de uma assimetria entre a
experiência passada e a perspectiva futura, que também pôde ser percebida pela dissolução do
conceito de História Mestra da Vida (Magistrae Vitae) e construção do moderno conceito de
História, de base científica e analítica sobre as fontes, já que a experiência passada não servia
de base para o presente ou para a perspectiva futura.
Assim, este trabalho se distingue de estudos anteriores, como os dos autores Gasparello
(2002), Hansen (2000) e Mattos (1993), porque, agora, parte-se de uma perspectiva conceitual
na elaboração da ideia de nação, notadamente o conceito de raça. Assim, o fulcro desta análise
se debruça sobre os manuais escolares, não sendo incorporadas as discussões sobre o
desenvolvimento da disciplina escolar de História, nem os currículos e o desenvolvimento das
instituições de ensino secundário. Em razão desse enfoque, portanto, torna-se necessária uma
discussão sobre os conceitos analisados neste trabalho ‒ Nação e Raça ‒, que, entre meados do
século XIX e meados do século XX, foram formuladores do tempo histórico sobre a
representação da nacionalidade brasileira.

1.2 - Nação Brasileira: uma discussão conceitual

A historiografia debateu e debate longamente sobre o processo histórico de formação


das nações e das ideias de nacionalismo. Hobsbawm (2004), por exemplo, assinala que, a partir
do século XVIII, o nacionalismo se tornou um fenômeno histórico particular da modernidade,
cujos aspectos e fisionomias são próprios de cada lugar e tempo. Dessa forma, o conceito de
nação se tornou, também, flexível e polissêmico.
Diante desse axioma, Hobsbawm (2004) fez um estudo sobre o desenvolvimento do
nacionalismo do final do século XVIII até a segunda metade do século XX. A rigor, não existiria
tal definição para o conceito de nação, mas haveria uma ideia genérica: “qualquer corpo de
pessoas suficientemente grande, cujos membros consideram-se como membros de uma nação”
(HOBSBAWM, 2004, p. 18). Dessa forma, a questão da nação foi abordada pelo viés do
nacionalismo e do seu desenvolvimento ao longo dos últimos dois séculos. Nessa perspectiva,
pode-se dizer que a nação é continuamente construída e inacabada, definida espacial e
temporalmente.
39

A nação é, entre outras definições, um paradigma político sob cuja autoridade se


construíram os Estados, que foram legitimados política e institucionalmente. A nação foi a
substituição do Estado monárquico existente desde a Baixa Idade Média pelos Estados
nacionais. Assim, na esteira da autodeterminação dos povos, a democracia conquistou seu
espaço, pois governar-se-ia pela legitimação do poder do povo e em seu nome, dando-lhe o
sentido moderno de dimensão pública de poder.
A ideia de nação, portanto, foi uma construção cultural que articulou diferentes campos
do conhecimento para expressar certa unidade cultural de símbolos, ritos, língua e religião. Para
tanto, e para a construção dessas identidades nacionais, foi necessário o envolvimento de
diferentes setores das sociedades.
Em Invenção das Tradições, Hobsbawm e Ranger (1997) trazem reflexões sobre o
nacionalismo como fenômeno e construção cultural. A tese se baseia na necessidade de o
nacionalismo se apoiar em laços coletivos que poderiam ser forjados e/ou inventados nas dadas
unidades políticas. Nesse sentido, o conhecimento histórico teve a função social de estabelecer
laços de continuidade entre o passado e o presente, na forma de uma memória histórica coletiva
que justificasse a organização das sociedades na forma de Estado-Nação. Dessa forma, as
historiografias se tornavam artífices do processo histórico de fortalecimento dos Estados
Nacionais, ao mesmo tempo que expressavam seu tempo histórico.
Ainda de acordo com Hobsbawm (1990), os Estados deram origem aos nacionalismos,
os quais, por sua vez, originaram as discussões sobre o que eram as nações. Assim, a nação foi
o resultado de uma análise posterior e reconhecida com base em critérios históricos e maleáveis.
Já o nacionalismo surgiu no final do século XVIII e se desenvolveu ao longo do século XIX
com uma conotação patriótica, ou seja, com uma relação de afeto e identificação com a terra
natal, identificação essa que resultou na ideia de Estado Nacional como expressão da
autodeterminação dos povos. Pode-se destacar que os primeiros autorretratos das nações eram
marcados por um nacionalismo de nobreza expressos por uma elite política e intelectual que
conferia legitimidade política ao conceito de Povo e Nação. Este foi, por exemplo, um dos
motes a serem perseguidos pelos manuais escolares secundários de História do Brasil durante
o século XIX, como pode ser percebido na leitura das Lições de História do Brasil, de Joaquim
Manoel de Macedo (1861-63) e Luís de Queirós Mattoso Maia, de (1880),
Se as narrativas históricas dos homens das letras teriam essa conotação política e se
uma história nacional deveria se ater ao que une historicamente cada sociedade, o que dizer dos
manuais escolares destinados à educação dos súditos durante o século XIX ou aos cidadãos
40

republicanos do século XX? Nesse sentido, os manuais funcionavam como “construtores de


identidade”, consoante denomina Gasparello (2004).
Anderson (1989) define nação como uma comunidade imaginada, cujo agrupamento
de indivíduos, apesar de desconhecidos uns dos outros, são unidos por laços de fraternidade.
Embora a desigualdade e a exploração prevaleçam em todas as sociedades humanas, o autor
usa o termo comunidade, porque “[...] a nação é sempre concebida como um companheirismo
profundo e horizontal” (ANDERSON, 1989, p. 16). Desse modo, o tempo e o espaço são
dimensões sine qua non para o florescimento de uma nação legítima.
Além dos autores citados, Hall (1997) entende que “[...] as identidades nacionais não
são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da
representação” (HALL, 1997, p 53), o que, em boa medida, converge com Hobsbawm (1997)
e (2004), já que ambos entendem a identidade como uma contínua construção, sobretudo
quando se usam símbolos para representar essa unidade política.
Faz parte do universo simbólico a ideia de nação, cuja valorização consiste em criar e
manter costumes que tornem presente a identidade nacional. Entretanto, como é um símbolo
que visa organizar o espaço público. Essa ideia está, desse modo, vinculada à dimensão política
que ordena a vida social e as instituições. Embora existam diferenças entre os autores
mencionados, entende-se que a percepção sobre a nação é uma construção cultural, resultado
das sociedades humanas contemporâneas.
Tais questões são importantes para se perceber como esse fenômeno histórico se
formulou no Brasil, especialmente a partir da independência política de 1822, quando urgia a
necessidade de se estudar e construir a ideia de nação brasileira ‒ sua identidade, sua memória
e seu passado histórico comum ‒, por meio da qual a sociedade se sentisse identificada e
pertencida do ponto de vista cultural e social.
Segundo Pereira (2013), que resgatou os sentidos do termo povo nos jornais do Rio de
Janeiro durante os anos de 1820, esse conceito entrou para o debate político no Império Luso-
brasileiro com a Revolução Constitucionalista de 1820. Na questão nacional, as referências de
povo se davam no plural, mas, depois, a palavra passou a ser refletida no singular, isto é, na
singularidade de cada povo, o que a autora chama de “abertura da linguagem do conceito de
povo”. Encontram-se leituras semelhantes nas definições de dicionários de época, como o de
Silva (1813), que será exposto mais adiante.
O uso do termo povo em periódicos e panfletos durante a Revolução Constitucionalista
de 1820 produziu sentidos diferentes entre absolutistas, liberais e, ainda, liberais mais
“radicais”. Tais publicações, segundo Pereira (2013), propunham uma pedagogia política no
41

uso dos termos como ruptura à tradição política pautada em vocábulos como corte, soberania,
cidadão, constituição e povo. Nesse sentido, as ideias liberais e ilustradas criaram novos
fundamentos para a existência do Estado e/ou Império, tendo em vista que a política era arena
de disputas e os conceitos, armas importantes.
De acordo, com Pereira, (2013), para os conservadores da época da independência, a
Revolução não significava a ruptura com o passado, mas antes a restauração de antigas
liberdades e privilégios perdidos por causa do despotismo, da ignorância e da força bruta. O
Império se formava, por conseguinte, pela comunhão de diferentes povos, cuja unidade era o
Rei. A chave mestra para a mudança, então, estava no termo “regeneração”, que implicava a
restauração dos modelos jusnaturalistas baseados na tradição e nos direitos naturais dos
indivíduos e das castas sociais, de influência do Antigo Regime. A razão, com base na origem
medieval, ditava o que era o direito dos povos, os quais teriam seus direitos naturais tomados
pelo despotismo. Desse modo, a Revolução não era uma tentativa de reviver o passado, mas de
atualizá-lo e reconstruí-lo; e o conceito de nação, assim, era sinônimo de Estado-Império, que
dizer, os povos poderiam formá-lo. Contudo, no período das luzes, a nação estava unida ao
Parlamento por meio do qual os povos se representariam.
Sobre o conceito liberal-monárquico de povo e o diálogo com a tradição luso-
brasileira,

Esta vertente se caracterizou pelo maior vínculo com o governo. Procuraram


dirigir o movimento constitucional no Brasil à sua maneira: para eles, era
imprescindível compatibilizar o princípio monárquico de relação entre o rei e
seus povos e o princípio da soberania do povo ou da nação que se impunha
nos novos acontecimentos. A ideia de que o povo ou a nação eram soberanos
deveria se compatibilizar claramente com a ideia da soberania real.
(PEREIRA, 2013, p. 35).

Lideranças políticas, como José Bonifácio de Andrada e o Conde de Palmela, eram


favoráveis ao Constitucionalismo, porém não defendiam os caminhos tomados pelos liberais
portugueses que desejavam colocar o povo no centro da vida política. Defendiam, antes, a
renovação do pacto político entre a nação e o monarca como uma “ordenação racional do poder
para evitar o despotismo” (PEREIRA, 2013, p. 36).
A relação de dependência entre o monarca e os povos ocorria por diferentes razões. A
primeira delas era descrença na capacidade de o povo se autogovernar, visto e definido como
massa informe e desorganizada. Assim, tornava-se imprescindível que o Estado gerisse os
negócios públicos. Uma das fontes utilizadas, o jornal dos anos de 1820, Regulador brasileiro,
42

destacava a inabilidade que as revoluções e as rupturas trouxeram aos povos, porque as


mudanças políticas deveriam levar em conta o quanto eles estariam preparados para viver em
um sistema político distinto daquele para o qual foram educados e com o qual estavam
acostumados. Dessa forma, a República lhes traria a anarquia e a insolvência política.
Um discurso constitucionalista, de caráter mais radical, esteve presente no Rio de
Janeiro em diferentes hebdomadários dessa mesma época, como o Reverbero Constitucional
fluminense, Malagueta e Correio do Rio de Janeiro, que defendiam a República
implicitamente. Neles, nega-se a soberania de uma majestade, pois se trata de um direito natural
dos homens nas sociedades: “O povo [...] é um conjunto independente de homens racionais
portadores de direitos naturais que realizam um pacto político expresso numa Constituição”
(PEREIRA, 2008, p. 41). A escolha da soberania é um direito imprescritível dos povos; são eles
que escolhem o soberano e não o soberano que a eles se impõe, pois isso seria tirania, seria um
direito sem fundamento baseado no costume e na tradição histórica.
Esse embate intelectual ressoaria na concepção dos Estadistas do Império sobre a ideia
de nação durante a Regência e, principalmente, durante o Segundo Reinado, quando seriam
criados o IHGB, que estabeleceria a formulação da História oficial do País, e o Colégio Pedro
II que formaria uma parte da elite intelectual e política do Império. Essas instituições, dentre
outras, como a Faculdade de Medicina da Bahia e a Faculdade de Direito de Recife, produziriam
discursos sobre o que era a nação brasileira, quais eram os seus problemas e quais seriam as
soluções para enfrentá-los.
O IHGB seria exemplar na discussão sobre a nação brasileira:

Uma vez implantado o Estado Nacional, impunha-se como tarefa o


delineamento de um perfil para a “Nação brasileira”, capaz de lhe garantir
uma identidade própria no conjunto mais amplo das “Nações”, de acordo com
os novos princípios organizadores da vida social do século XIX.
(GUIMARÃES, 1988, p. 06).

Essas academias ilustradas, como o IHGB e seus congêneres europeus do século XIX,
exerceram importantes papéis na produção historiográfica de seus países. O caso brasileiro foi
clássico nesse sentido. Inspirada no Instituto Histórico Geográfico Francês, a monarquia
brasileira criou o IHGB para escrever a História oficial do País em 1838, no momento de
consolidação do Estado Nacional17.

17
O IHGB foi criado com a ajuda da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, cujos espaços foram ocupados
provisoriamente até a instalação na sede oficial, porém manteve seus estatutos administrativos independentes. A
43

Ademais, existia a necessidade de legitimação histórica para a preservação de uma


unidade política, pelo menos como justificativa ideológica. O desafio que se impunha, então,
era o de pensar a nação brasileira com uma população heterogênea “racialmente” e escravagista,
com a qual as elites políticas e intelectuais não se identificavam, dado que se reconheciam no
processo civilizatório europeu branco e cristão. Então, em sua primeira fase, o IHGB pensava
a nação brasileira como continuadora da obra colonizadora portuguesa e não como oposição à
antiga metrópole. Caberia à Coroa e à monarquia a preservação da união nacional por meio do
reconhecimento da “vontade” de seu povo e de suas “índoles históricas”.
Essa leitura histórica de nação brasileira, que buscou conciliar-se com o passado
colonial português, trouxe consigo a definição de quem é o “eu” na formulação da nação e de
quem é o “outro”. Assim, a ideia de nação se vinculou racialmente com o elemento branco
como portador da civilização no Novo Mundo e como responsável por sua difusão na América,
enquanto negros e indígenas foram depreciados e mesmo alijados da identificação de nação
brasileira. Guimarães (1988) argumenta que a difusão dessas ideias extrapolou o momento em
que foram formuladas; para além disso, entende-se que tais ideias foram ressignificadas com as
teses racialistas e darwinistas de meados do século XIX, reforçando a ideologia racial que
existia, como Stepan (2005) indica.
Se, no plano externo, excluíam-se negros e indígenas e lhes impingiam a imagem de
selvagens e bárbaros, as Repúblicas hispano-americanas, no plano externo, eram representadas
como péssimos exemplos políticos em razão de sua fragmentação política e de seu caudilhismo.
Com base nessas linhas mestras, o IHGB e seus letrados formularam a ideia de nação brasileira
que influenciou a agenda política do Segundo Reinado.
Embora a questão indígena tenha sido tratada como estudo científico da etnologia, foi
a literatura o maior campo de batalha nessa questão. Varnhagen, por exemplo, criticava a
brasilidade atribuída aos indígenas, como fazia Gonçalves Dias. Tal crítica se coadunava com
a ideia de História prevalecente no Instituto:

[...] à presença da tradição historiográfica iluminista da concepção de história


do IHGB, tanto pelo tratamento linear dado ao desenvolvimento da história,
quanto por sua instrumentalização como “mestra da vida” e a tradição
particular do Iluminismo português, marcadamente católico e conservador,

instituição, por um lado, teve caráter centralizador e catalizador de documentos e registros históricos e, por outro,
impulsionou a criação de Institutos provinciais para que, além de ser um braço capilar na busca por documentos
históricos, fosse escrita a história regional. Ao longo de sua trajetória, privilegiou a escrita de livros e a coleta de
documentos históricos, contudo manteve estreitas relações com o Instituit Historique de Paris, o que, de certa
forma, forneceu subsídios ao trabalho dos historiadores e deu relevância e legitimidade ao trabalho desenvolvido
no País. Para mais informações, ver Guimarães (1988) e Schwarcz (1993).
44

que deixara suas marcas na geração fundadora do Instituto Histórico.


(GUIMARÃES, 1988, p. 14).

Enquanto “mestra da vida”, a história deveria filtrar os exemplos históricos para


conformar as trilhas do futuro e executar a tarefa civilizatória herdada pela colonização
portuguesa. Nos aspectos pragmáticos do universo da política, o conhecimento histórico era e
é fundamental para estabelecer as fronteiras geográficas de um território, especialmente o
brasileiro, em virtude de sua vastidão e do nível de controle que a Coroa era capaz de exercer
sobre ele. Daí a importância dos institutos regionais, que somariam a totalidade histórica e
territorial do Império brasileiro.
Tão importante quanto o território é a origem da formação de seus povos. Nesse
sentido, Martius (1845) enunciou, no concurso que venceu em 1843, que a formação do povo
brasileiro deveria ser entendida como uma mescla entre as raças, as quais, para alguns, foram
os alicerces do famoso mito da democracia racial.

Portanto devia ser um ponto capital para o historiador reflexivo mostrar como
no desenvolvimento sucessivo do Brasil se acham estabelecidas as condições
para o aperfeiçoamento de três raças humanas, que nesse país são colocadas
uma ao lado da outra, de uma maneira desconhecida na história antiga.
(MARTlUS, 1845, p. 384).

O autor indicava o caminho a ser seguido para se compreender o processo histórico da


nação brasileira: o cruzamento de raças. Entre a intelectualidade brasileira envolvida nessa
questão, produziram-se sentidos diversos sobre esse cruzamento, o que implicava, por
consequência, um projeto de civilização para essas raças.
Mesmo que os indígenas estivessem integrados à história brasileira, os protagonistas
eram as ordens religiosas e os bandeirantes na tarefa de desbravar e civilizar. A história dos
indígenas é a da sua integração à civilização e à colonização portuguesa, portanto. Já o negro,
que não recebeu a atenção devida, era colocado como empecilho ao progresso da civilização
brasileira, seja pela “inferioridade biológico-racial”, seja pela marca da escravidão. A escrita
da história deveria privilegiar a unidade, o amor entre os súditos e ao trabalho, a fidelidade, a
prudência e a necessidade de uma monarquia em um país que contava com grande número de
escravos. Em outras palavras, a necessidade da unidade explicava o silêncio sobre certas
questões, como acontece com o tema da escravidão.
Varnhagen, em suas publicações e discursos no IHGB, foi um árduo crítico do projeto
literário do romantismo que enunciava os indígenas como símbolos da nacionalidade brasileira.
45

Nesse sentido, defendia a tese de que o melhor caminho para essas populações era o da
catequese, o da cristianização, para civilizá-los e integrá-los ao que seria a verdadeira nação
brasileira, a de origem europeia e cristã.
Ao mesmo tempo, a questão indígena se tornava capital para o Estado monárquico,
especialmente nas regiões fronteiriças, porque garantiria a presença do Estado Nacional nessas
áreas e seria uma possibilidade de fornecimento de mão de obra para a modernização que o
Brasil atravessava em meados do século XIX. Assim, a cristianização desses povos era
fundamental para aumentar a oferta de trabalhadores.
Se havia possibilidades de “salvação” para os povos originais, a imagem dos principais
inimigos e obstáculos ao progresso brasileiro ficava para os escravos e libertos. No caso, era
melhor investir nos indígenas e dispensar os africanos, vistos como um risco à unidade nacional.
E, em meio a essa problemática, surge a alternativa da imigração estrangeira para o País,
sobretudo para o seu branqueamento.
Em síntese, o projeto de alguns membros do IHGB e da elite política imperial
centralizava os indígenas, colocando-os a seu serviço, assim como a serviço de seu projeto de
País, de Nação e de Estado brasileiro. Por conseguinte, não se incorporava o indígena e sua
cultura à vida social e política. Neste trabalho, acredita-se, então, em uma integração
conservadora e de tutela sobre esses povos, tese já consagrada entre alguns historiadores, como
Sevcenko (1999) e Schwarcz (1993).
A intelectualidade brasileira da segunda metade do século XIX ‒ se é que se pode
chegar a termos genéricos que a integrem que não sejam a cronologia histórica ‒ repensou o
Brasil em bases científicas, numa torrente de ideias, dentre as quais estão as teorias
evolucionistas, as positivistas, as liberais e as republicanas. O conhecimento histórico
acompanhou essa renovação no campo intelectual.
Para Alonso (2002), a expressão “bando de ideias novas” é uma autorrepresentação
cunhada pelos seus próprios contemporâneos. Desse modo, a historiografia consagra a tese de
que essa geração intelectual absorveu a produção científica e intelectual europeia para a
edificação de um sistema filosófico que interpretasse a realidade brasileira. Para a autora, as
classificações em torno dos intelectuais e de suas escolas filosóficas e políticas podem ser
temerárias, porque, na experiência, são verificáveis as classificações superpostas, adjacentes.
Em outros termos, um indivíduo, do ponto de vista intelectual, não se filia apenas a essa ou
àquela escola ou movimento intelectual.
Esse ponto é importante para se compreender a ação política dos intelectuais nas
esferas do Estado ou das instituições. Essas classificações são mais um uso do passado, uma
46

leitura histórica que os estudiosos fazem, do que propriamente a realidade histórica, a priori,
como a autora discute: “se nem mesmo na matriz havia teorias puras e bem delineadas à
disposição, não há razão para tomar as classificações teóricas como critério para leituras das
obras da geração de 1870” (ALONSO, 2002, p. 30). Nesse sentido, refere-se, aqui, a intelectuais
que tinham mais de um campo de atuação e também compunham os quadros políticos.
A justificativa para essas questões resvala na compreensão sobre as produções
intelectuais desses homens, na ausência de instituições que favorecessem o aprofundamento
teórico de seus trabalhos ou mesmo na dedicação exclusiva às atividades intelectuais. Entende-
se isso pelo fato de esses sujeitos serem agentes políticos, parlamentares, atuantes em cargos
públicos no Estado ou polígrafos – que, por não terem compromisso institucional, possuíam
mais liberdade de escolha entre os mais variados assuntos.

Categorias como darwinismo, positivismo, spencerianismo, liberalismo


sofreram apropriações, redefinições, usos políticos. Isso é evidente nas
polêmicas entre facções: termos como positivistas laffittistas e littreístas,
darwinistas e spencerianos, liberais e conservadores foram criados nas
controvérsias. As categorias são contrastivas, exprimem relações entre
grupos: a própria nomeação é uma arma em meio ao conflito de definições de
identidades. [...] são construções tanto históricas como políticas. Grande parte
das guerras doutrinárias disputa precisamente significados. (ALONSO, 2002,
p. 32).

Além dessas querelas, os estudos sobre os intelectuais e as ideias no Brasil deveriam


se ater à tradição intelectual brasileira, porque os intelectuais brasileiros não apenas assimilaram
e difundiram as correntes de pensamentos estadunidenses e europeus. Essa relação é dinâmica.
Ao se interpretar o pensamento brasileiro como mera filiação às correntes europeias e se
desconsideram os contextos históricos locais em que essas produções se desenvolveram,
produz-se outra leitura histórica: a de que a produção brasileira é insignificante ou mera cópia
deformada da matriz europeia.
Em outros termos, nos referimos as importantes transformações ocorridas na sociedade
brasileira dos anos de 1870 e 1880, das novas ideias que circulavam e dos diferentes projetos
de educação para o País, tema de intensas discussões no seio da sociedade. Este foi, por fim, o
momento histórico de crise nas bases políticas da monarquia que levou à sua queda em 1889.
No plano político, o gabinete conservador de Rio Branco procurou reorganizar as
instituições do Império, bem como regulamentar as relações de trabalho entre os senhores e os
seus escravos – tema delicado, afinal, os senhores eram a base política da monarquia. Nesse
47

escopo, a instrução pública também foi objeto de discussão e de implementação de políticas


imperiais com o objetivo de alargar a instrução junto à população livre do País.
A instrução assumia, ainda que teoricamente, um papel estratégico para se repensar e
construir a nação brasileira. Se o corpo físico da nação era condenado pela mestiçagem e pelas
teorias cientificistas a respeito das “raças” etíopes e americanas, o desafio que se impunha era
transformá-la pela educação, o que estava muito além da mera instrução ou educação escolar.
Gondra e Schueler (2008), por exemplo, discorrem sobre as diversas tentativas do Estado e da
sociedade organizada em difundir a instrução para as camadas populares da sociedade.
A República que se desenhara como a redenção futura para a nação brasileira, segundo
os liberais e os republicanos da geração de 1870, tomaria caminhos distintos daqueles
imaginados por essa intelectualidade. No plano político, consolidou-se o modelo de exclusão
das camadas populares do processo político e alçaram-se as oligarquias cafeicultoras de São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais ao comando político do País.
O último quartel do século XIX se caracterizou pela movimentação de ideias que, em
geral oriundas da Europa, ganharam, aqui, significados distintos, sendo parcialmente ou mal
absorvidas. Tais ideias resultaram nos debates sobre o que era cidadania na Constituição de
1891, carta magna de caráter liberal e desregulamentadora de muitos setores da economia e da
mão de obra, eliminou o voto censitário, mas manteve a exclusão dos analfabetos do processo
eleitoral. De acordo com Carvalho (2002), tal exclusão diminuiu ainda mais a população da
vida política, quando comparada ao regime imperial, o que o autor chama de “dissociação do
direito político do direito civil”, pois dividiu, por consequência, a sociedade em civil e política
(ou a conformação de uma República de letrados).
Se a educação esteve presente nos debates da intelectualidade dos anos de 1870 e 1880,
a República, ou pelo menos os homens que dela saíram vitoriosos, não aprofundou as reflexões
e gerou medidas que desobrigavam o Estado da obrigatoriedade e da gratuidade do ensino
primário18. Este foi um retrocesso em relação à Constituição de 1824, quando esse compromisso
era constitucional. Vê-se aí o paradoxo sobre educação dentro da legislação política: porque,
por um lado, eliminavam-se os analfabetos do processo político e, por outro, dava-se aos
Estados, controlados pelas oligarquias estaduais, a obrigação de promover o ensino primário.
Ou seja, as oligarquias não aumentariam a participação política que colocaria seu poder em
risco.

18
Ainda que tenham criado o Ministério da Instrução Pública como uma das primeiras medidas do regime
republicano, isso se deveu ao interesse de afastar Benjamin Constant do núcleo central do novo poder que havia
se estabelecido. Para mais informações, conferir Carvalho (1999) e Gondra e Schueler (2008).
48

Os caminhos tomados pela República frustraram boa parte de intelectualidade


brasileira. Alberto Sales, irmão do presidente Campos Sales, foi um dos contundentes críticos
do regime, o qual, para ele, se tornou mais despótico do que o regime monárquico: o Estado
não representava a nacionalidade, o País não tinha uma sociedade e os seus homens não eram
cidadãos.
O que era essa nação brasileira? “[...] as teorias racistas europeias, importadas via
Lapouge e Gobineau, exerciam ainda influência poderosa. A elite intelectual ainda se
envergonhava do seu povo” (CARVALHO, 1999, p. 103). Na primeira metade do século XX,
o debate sobre a nação brasileira caminhou fundamentado em leituras racistas que condenavam
o Brasil interior e pobre como inferior biologicamente, composto por um povo doente que, se
tratado, poderia ser tão produtivo quanto um ianque. Ainda que pese toda a crítica sobre o Casa
Grande e Senzala, de Gilberto Freyre lançada em 1933, e ainda que tenha silenciado os conflitos
raciais no interior do processo histórico, sua síntese histórica integrou as culturas americanas e
africanas à identidade nacional brasileira e criou o chamado mito da “democracia racial”. Logo,
essa identidade nacional, como “nação do futuro”, ganhou novas cores com a ditadura
republicana de Getúlio Vargas, a qual incorporou o operariado numa relação paterna com o
patrão e com o Estado.
Nesse contexto, surgem as discussões sobre o que era nação e, assim, desenvolve-se
uma teorização sobre os conceitos de nação e raça. Logo, vale o esforço de analisar, neste
trabalho, como esses conceitos estavam inscritos em dicionários utilizados pela intelectualidade
da época. Mesmo que não seja prova documental e cabal de que os intelectuais fizeram uso de
tais dicionários, esse material dá pistas para encontrar e analisar os sentidos possíveis
produzidos por esse grupo.
Com intuito de se compreender como os homens do século XIX concebiam a ideia de
nação, pelo menos a intelectualidade de língua portuguesa, foram feitas consultas em dois
dicionários recorrentes entre esses intelectuais. O primeiro deles é o Dicionário Vocabulario
portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico, de Raphael Bluteau (anexo 2),
publicado entre 1712 e 1728. Segundo esse autor, o termo nação significa:

Nome collectivo, que fe diz da Gente; que vivem em alguma grande região,
ou Reyno, debaixo do mefmo Senhorio. Nifto fe differença nação de povo,
porque nação comprehende muitos povos; & afim Beirões, Minhotos,
Alentejoens, & c. compoem a nação portuguesa; Bávaros, Saxões, Suabos,
Amburguezes, Brandeburguezes, & c. compoem a nação hespanhola. Nações
de extraordinário, & monftruoso feitio de que fazem menção autores antigos,
e modernos. (BLUTEAU, [1712-28], v. 5, p. 658).
49

O segundo é o Diccionario da lingua portuguesa, de Antonio de Moraes e Silva, de


1789, recompilado em 1813, edição aqui utilizada. Segundo esse autor, nação designa:

Á gente de um paiz, ou região, que tem Lingua Leis, e Governo á parte: v. g.


a. a Nação franceza, Hespanhola, Portugueza. § Gente de Nação; i. e. ,
descendente de judeos, Christãos novos. § Raça, casta, espécie. Prestes.
(SILVA, 1813, v. 2, p. 332).

O que essas definições nos dizem? Como é possível compreendê-las? O primeiro


dicionário [1712-28] indica um amálgama da ideia de controle político sobre determinada
região por parte de um Senhor, talvez um governante, seja ele de que natureza for. Entretanto,
o que fundamenta uma nação é o senhorio ou o soberano, isto é, o senhor antecede ao povo:
“Gente; que vivem em alguma grande região, ou Reyno, debaixo do mefmo Senhorio”
(BLUTEAU, [1712-28], v. 5, p. 658). Destaca-se o caráter semântico do termo, que funde a
ideia de Estado e Nação. Quando o termo nação se difere do conceito de povo, traz consigo
uma carga, ou melhor, uma ideia de império/conquista, porque uma nação pode ser configurada
por vários povos, que não possuem, necessariamente, autodeterminação e soberania.
Nação não significa, nesse caso, um passado histórico em comum, uma língua ou uma
religião; antes, designa um perímetro político de determinado governante e, nesse sentido,
destaca a diferença entre povo e nação. A ideia de nação aqui apresentada, sim, está presente
no conceito de povo, isto é, uma nação (Estado) pode designar vários povos, ou seja, diferenças
sociais e culturais dentro de uma mesma nação. O seu sentido, portanto, é institucionalizado,
pois representa experimentalmente a existência real do Estado.
Torna-se necessário, então, consultar o termo povo no mesmo dicionário em análise.
Embora a designação desse vocábulo seja muito extensa (Anexo 1), importa o fato de o termo
designar a ordem social a que os moradores de uma vila ou cidade pertencem. Porém, não se
faz menção a outras ordens, como o Clero e a nobreza.
O dicionário destaca o que caracteriza o popular, sempre com referências pejorativas
a hábitos e costumes ou a vontades políticas, o que descreve como “obedecer com vileza e
governar com arrogância” (BLUTEAU, [1712-28] v. 6, p. 661). Essa citação, que expressa o
que ocorre quando uma sociedade é governada pelo povo, pode ser explorada e comparada a
uma citação de João Ribeiro (1900), a qual, em linhas gerais, define o povo brasileiro como
incapaz de se autogovernar, porque, ao obedecer, sente acanhamento, e, ao governar, o faz com
vileza. Essa citação será explorada em momento posterior.
50

Embora se destaquem esses dois aspectos, o termo pouco dá pistas sobre o significado
de nação, o que implica um retorno a tal termo, realçando sua diferença em relação a povo.
Mesmo com essa volta, entende-se que, para se compreender o termo nação, é necessário
analisá-lo por intermédio da palavra povo, já que, na contemporaneidade, seu significado, em
grande medida, migrou para nação. Tais análises, aqui, não esgotam a problemática semântica
de nação, termo utilizado pela intelectualidade luso-brasileira dos séculos XVIII e XIX.
O segundo dicionário consultado, o Diccionario da lingua portuguesa, de Antonio de
Moraes e Silva (1813) produziu para o termo nação uma acepção mais próxima da
contemporaneidade: um conjunto de pessoas de um “paiz” que disponham de uma língua e de
leis em comum e sejam subordinadas a um governo. O autor problematiza o significado
utilizando as nações francesa, espanhola e portuguesa e, desse modo, destacando que a
experiência histórica determinou o aprofundamento do termo. O que nos remete as leituras de
Koselleck (1992) apontam.
Entretanto, seu espaço de experiência indica um horizonte de expectativa para a
transformação futura do termo, a qual dissociará nação e Estado. Retorna-se, então, a uma outra
designação: “Gente de Nação; i. e. , descendente de judeos, Christãos novos. § Raça, casta,
espécie. Prestes.” (SILVA, 1813, v. 2, p. 332). Nela, o autor trata dos judeus como uma nação
sem Estado, experiência histórica que direciona a mudança do termo para o sentido
contemporâneo: o de que os sujeitos possuem em comum o passado histórico, a língua, a
religiosidade, a ocupação territorial, a autonomia política ou não, entre outros.
O que vale destacar em ambas as leituras é a necessidade da existência de um Estado
para designar uma nação, o que quer dizer, nas entrelinhas, a capacidade de um povo (nos
termos de Bluteau) se autodeterminar política e militarmente para garantir a soberania sobre si
diante e aos outros povos. Esse argumento banal pode dar pistas para se compreender a História
do Brasil narrada e o tipo de nação que se constituiu no País, da colonização portuguesa até a
independência.
As histórias narradas pelos livros didáticos da segunda metade do século XIX, em
especial as aqui analisadas, são marcadas pelas guerras de conquistas sobre os diferentes povos
que habitavam o litoral brasileiro, pela interiorização da colonização do território, pelos
conflitos contra os espanhóis nas fronteiras da América Portuguesa e pelas lutas contra os
franceses e holandeses (leia-se: os invasores). Por um lado, a inflexão desta leitura, que pode
deslegitimá-la, são as encomiásticas narrativas sobre a presença de Mauricio de Nassau no
nordeste brasileiro, em meados do século XVII. Por outro lado, as narrativas justificam
historicamente a ocupação e o direito daqueles que vieram a configurar a nação brasileira, um
51

império formado por meio da conquista sobre diferentes povos, conquista essa que geraria
novos povos, como baianos, pernambucanos, fluminenses e são paulinos. Contudo, as
narrativas escolares de História do Brasil seguiram o caminho de silenciar as identidades
regionais em nome da unidade nacional, frágil e questionada, especialmente nas três primeiras
décadas após a independência. Desse modo, trata-se da soberania do Estado Imperial Brasileiro;
herdeiro da tradição do Império de Portugal, Brasil e Algarves, decretado em 1815, como a
elevação do Brasil à condição de Reino Unido, não mais como domínio que se estabeleceu
como memória nacional. Mas essas análises das narrativas ficam para outro momento. Por ora,
desenvolve-se como a ideia de nação foi discutida pela intelectualidade brasileira do século
XIX.
No bojo das questões sobre a ideia de nação, a monarquia instituída em 1822 carecia
de construir esse passado, essa memória brasileira. Para tanto, instituições como o IHGB e o
CPII foram capitais no processo de construção dessa memória, dessa história, e da ideia de
nação que dela resultou, pois os intelectuais que refletiram e escreveram sobre a nação
brasileira, durante o século XIX, estiveram ligados a tais instituições. A geração de intelectuais
do Primeiro Reinado e mesmo do início do Segundo Reinado era formada por uma elite
ilustrada que frequentou faculdades brasileiras ou europeias. Além de estar ligada ao CPII ou
ao IHGB, também escreveu em folhetins, hebdomadários, periódicos e jornais. Nesse sentido,
pode-se pensar no papel dos intelectuais nas representações de nação brasileira por eles
produzidas.
Pensar essa questão pelo viés do termo geração, embora não seja a principal análise
nesta tese, pode dar pistas para compreender essas narrativas, porque o referido termo implica
partilha de ambiente cultural, de interesses e questões a serem enfrentados, o que não quer dizer
que uma geração possa ser homogênea. Antes, parte-se da pluralidade das ideias, porque isso
permite compreender a diversidade de uma geração em um determinado tempo histórico.
Assim, o uso da História como representação da nação deve ser analisado, no caso
brasileiro, pela historicização dos intelectuais, porque, ao longo do século XIX e mesmo no
início do século XX, os homens que se dedicaram ao conhecimento histórico, conhecidos como
homens das letras, eram eruditos de saber geral, polígrafos, e formados principalmente, embora
não exclusivamente, nas academias de Direito e Medicina. Gontijo (2008) destaca que se trata
de um mundo intelectual de polígrafos e não de especialistas em História com formação
acadêmica. Desse modo, a História tem o sentido de ação política que pretendia responder a
questões mais pragmáticas sobre o caráter do brasileiro, sobre sua nacionalidade, e, por
conseguinte, interferir nos destinos da nação.
52

A afirmação do profissional de História só viria mais tarde. No caso, foi o


desenvolvimento da História como disciplina escolar, em diferentes níveis de ensino, que
consolidou a posição dos professores de História. Isto favoreceu a criação de cursos
universitários dessa disciplina para a formação de bacharéis e professores19.
Dessas instituições de ensino superior que existiram no Brasil, durante o século XIX
surgiu o estudo da História do Brasil com base em suas matrizes raciais, isto é, no encontro
entre os europeus, os africanos e os nativos da América, como afirmava Martius (1843).
Portanto, havia a necessidade de se investigarem as relações estabelecidas entre essas raças na
formação da História do Brasil, embora se considerasse a superioridade do gênero ariano ou
europeu e a perfectibilidade das demais “raças” humanas. De outro modo, é um racialismo
hierarquizante que, porém, já considera a possibilidade de regeneração dos gêneros indígenas e
africanos.
As teses a esse respeito não seriam levadas a termo pela historiografia imperial do
Segundo Reinado, sedimentado na História Geral do Brasil, de Varnhagen (1854), que afirma
o oposto e retifica a tese de superioridade e inferioridade das raças. As contribuições desse autor
para a Historiografia brasileira foram inúmeras, dentre as quais a organização de arquivos e
fontes para a História do Brasil, referência para os manuais escolares de História durante o
Império. O Brasil era resultado da mão colonizadora portuguesa e, assim, sua narrativa, de
caráter político e cronológico, dedicava-se a contar essa colonização contra os levantes feitos,
ilegalmente, contra ela pelos invasores estrangeiros.
De acordo com Cezar (2007), a História Geral do Brasil, de Varnhagen (1854), foi
resultado de diferentes trabalhos do sorocabano, como anotações de viagens sobre a costa
brasileira, trabalhos como etnólogo sobre os povos indígenas e visitas a museus europeus e a
diferentes arquivos nesse continente que contivessem documentos sobre a história brasileira.
Por essas e outras, a obra foi considerada de grande erudição, embora o estilo narrativo do autor
não fosse elogiado entre os intelectuais.
A virada para o século XX marcou a contestação de tais teses pela intelectualidade.
Para historiadores como João Capistrano de Abreu (1906), a questão da raça nem aparece20,
porque a sociedade brasileira era uma explicação histórica, de base material, resultado de

19
Vale destacar que existe uma discussão sobre a profissionalização do historiador. Destaca-se, neste trabalho,
quem se dedicava naquele momento ao conhecimento histórico, quando os professores secundaristas tinham papel
proeminente ao lado dos jornalistas, que também eram críticos sobre a produção intelectual que se fazia e se
divulgava nos jornais. Para mais informações, ler Freitas (2008), Haidar (1972) e Fonseca (1993).
20
Não aparece, pelo menos, nos Capítulos da História Colonial (CAPISTRANO, 1906). Durante sua juventude,
o autor até discutia teses racialistas para a compreensão da sociedade brasileira, contudo abandonou tais teses
quando se dedicou a escrever o referido livro.
53

relações sociais e culturais, sem determinismos raciais ou biológicos (RODRIGUES, 2011, p.


14). Outro intelectual a citar foi Euclides da Cunha, para quem confere ao meio, como elemento
sobrepujante, a conformação do caráter do indivíduo: o interior, o sertão, teria criado o
verdadeiro brasileiro, específico e distinto das influências da cultura europeia ou do exterior.
No bojo das contestações das teses racialistas, pode-se mencionar Manoel Bonfim,
para quem essa “teoria não passa de um sofisma abjeto do egoísmo humano, hipocraticamente
mascarado de ciência barata, e covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes”
(BONFIM, 1993, p. 180). Quer dizer, ao fazer um mergulho nessa intelectualidade, é possível
perceber que existia um debate em torno da raça e que as teses racialistas possuíam resistência
e, também, contrapontos bastante contestadores da ótica sociológica.
As premissas racialistas sobre o povo brasileiro partiam das leituras feitas pela boa
sociedade imperial que se entendia como uma ilha de civilização, de bons costumes, se
comparada à população mestiça e aborígene que compunha o que João Ribeiro (1900) chamava
de nação mameluca. Assim, para os intelectuais, a regeneração da população e da nação
brasileira era o desafio que o Brasil deveria enfrentar para seguir os caminhos do progresso.
A geração de 1870 pensava a nação brasileira com base em premissas científicas, no
sentido da formulação de uma ideia de nação (MAIO; SANTOS: 2010). Os republicanos,
críticos da sociedade imperial do Segundo Reinado, acreditavam no poder da ciência e da
técnica e, assim, posicionavam-se como vanguarda intelectual, ao defenderem as análises
científicas sobre a sociedade e sobre a realidade brasileira. Alguns teóricos, como Thomas
Buckle (1857) influentes na intelectualidade brasileira, apresentavam a sociedade brasileira
mediante determinismos geográfico-climáticos.
Sílvio Romero, embora crítico de History of Civilization in England , lançado em 1857,
foi um dos grandes adeptos das teorias deterministas do clima e da geografia na edificação de
uma civilização nos trópicos. Romero (1960), cujas críticas se fundamentaram nas teses
evolucionistas e positivistas, ainda, defendia o uso da ciência para a elaboração do direito.
Assim, criticava a literatura romântica idealizada do indígena brasileiro, que, segundo ele,
distorcia a realidade. Para esse intelectual, a nação brasileira estava em formação e, por essa
razão, era necessária a imigração combinada com a miscigenação, a conhecida “boa
mestiçagem”, definida pelo branqueamento da população com o intuito de torná-la evoluída do
ponto de vista biológico.
Tais leituras sobre a nação brasileira só se transformariam mais tarde, nos anos de
1920, mediante renovação intelectual e artística, quando a dimensão valorativa positiva da
nação ganharia destaque. Inclusive, as leituras médicas se transformariam: o povo não era
54

degenerado, mas sim mal alimentado, doente e sem instrução e, por esses motivos, não teria
condições de participar da vida social e política do País. A educação/instrução ganharia um
novo papel na regeneração do povo: se, na segunda metade do século XIX, significava auxiliar
a regeneração biológica da raça, esse novo momento regeneraria o aspecto higiênico-sanitário
como profilaxia dos corpos, os quais, assim, saudáveis, poderiam participar da vida social,
política e produtiva do Brasil. Com essa base fisiológica, a educação/instrução colocaria os
alunos no centro do processo de ensino e aprendizagem, cuja consequência seria a valorização
da cultura nacional, dos costumes, das tradições e do folclore. O movimento da Escola Nova,
por fim, acompanhou as novas leituras sobre o Brasil e sobre o povo brasileiro.

1.3 - Conceitos de Raça: o Caminho para a Conformação de uma Nação com base nas Teorias
Racialistas

Se a discussão acerca da nação em meados do século XIX girava em torno da ideia de


raça, o que significava raça? Conceituar o termo em si é um grande desafio de erudição,
especialmente, quando comparado ao usado em contextos tão distintos, embora próximos,
como o Brasil, a Europa ou os Estados Unidos. O que se pode inferir, no entanto, é que sua
teorização esteve a serviço das diferentes correntes nacionalistas de pensamento intelectual e/ou
social pelo ocidente afora. No Brasil, não seria diferente, mas, antes, um caso exemplar, mesmo
com todos os problemas decorrentes das leituras sobre mestiçagem.
A exemplo do procedimento metodológico adotado com o termo nação nesta tese,
consultou-se o termo raça nos mesmos dicionários, o de Bluteau (1712-28) e o de Silva (1813).
Tal estudo permitiu compreender o sentido desses termos quando utilizados pelos intelectuais
ao longo do século XIX.
De acordo com o dicionário Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico,
architectonico, o termo raça (Anexo 3) possui três significados distintos: o primeiro se refere a
espécies de animais, especialmente aos cavalos; o terceiro se refere a uma parte da pata do
cavalo em algumas raças. O segundo significado é problematizado a seguir:

Falando em gerações, fe toma fempre em mà parte. Ter Raça (Fem mais nada)
val o mefmo, que ter raça de Mouro, ou judeo. (Procurarfeha, que os
fervidores da mifericordia não tenhão Raça). Raça. Compromiffo da
mifericordia). (BLUTEAU, [1712-28] v. 7, p. 86).
55

Assim, a definição para o termo raça perpassa, necessariamente, pela ideia de povo,
com especial destaque àqueles que não fazem parte do universo cristão. A raça carece de um
compromisso de misericórdia com o irmão de fé, não necessário aos de outra raça, como os
judeus e os mouros. Nesse sentido, o conceito de raça representa, no mínimo, uma identidade
social, para além das diferenças físicas.
Com intuito de se perceber certa teorização sobre o termo, recorreu-se ao mesmo
procedimento metodológico, buscando um dicionário posterior ao citado. Para surpresa, o
dicionário de Silva (1813) não possui o termo raça. Assim, lançou-se mão de um outro
dicionário, o Diccionario da Lingua Brasileira, de Luis Maria Silva Pinto, de 1832. A definição
é enxuta, pura e simples e se divide em dois significados: “S. f. Casta. Abertura de casco da
besta” (PINTO, 1832, s/p). Na leitura desse autor, quando o termo se refere a povos ou nações,
a ideia de raça perpassa necessariamente pela ideia de Casta, isto é, passa por uma linhagem
social determinada e distinta da população como um todo, mais precisamente: “s.f. Geração
antigamente. Raça, fallando de animais e fallando de plantas, etc. espécie” (PINTO, 1832, s/p).
Analisando os dois termos, conjecturam-se duas possibilidades, a primeira delas as
muitas informações produzidas por Koselleck sobre a necessidade de teorização de determinado
conceito para uma história dos conceitos. Nesse sentido, percebe-se que o quadro político
europeu do século XVIII determinou a teorização do conceito de nação e a sua íntima relação
com o termo Estado como, no que se acredita, capacidade de um povo se autoafirmar política
e militarmente diante dos outros povos. Isso significa que uma nação é necessariamente um
reino, composto por diferentes povos, dentro do mesmo território político, e, portanto, a ideia
de agrupamento nacional, de acordo com a língua, a história, a religiosidade e o território, é
resultado do processo político do Ocidente, a partir do século XIX. A segunda possibilidade é
a de que o termo raça não havia se desenvolvido ou não tinha a necessidade histórica de
desenvolver-se teoricamente; assim, nesta tese, a hipótese é a de que o termo só foi
problematizado no limiar do século XIX, quando a questão da raça estava na ordem do dia para
a determinação de uma nação.
Exposto dessa forma, entendendo que o conceito de nação desenhava sua teorização
semântica em direção ao sentido moderno, cabe investigar os sentidos de nação expressos
naqueles livros que deveriam desenvolver a memória coletiva sobre a História do Brasil, ou
melhor, investigar que ideia de memória as elites políticas, econômicas e intelectuais do Brasil
Imperial teriam sobre a História, a civilização e a nação brasileira. Será que o termo nação, nos
manuais escolares de História, carregavam um sentido ligado à sociedade absolutista ou ao
56

Antigo Regime? Afinal, o Brasil independente se ergueu à forma monárquica, ainda que
constitucional e herdeira do absolutismo europeu. Está aí uma interessante chave de leitura.
Até o século XVIII, o termo raça designava a descendência de um ancestral em
comum, uma estirpe, relativa aos laços de parentesco, o que era completamente distinto do
significado que ganharia no desenrolar do século XIX, em especial após a expansão do
imperialismo europeu sobre a África e a Ásia.
Vale destacar a multiplicidade semântica que envolve a “disputa” pelo significado do
termo raça. Hofbauer (2006) destaca que o termo conquistou significados distintos, mas,
inicialmente, não tinha relação com as diferenças fenotípicas entre os seres humanos21. O autor
salienta, ainda, que a semântica do termo está mais vinculada à identidade religiosa, como
cristão, mouro ou judeu. Ser branco, no caso, significava ser cristão, isso por volta do século
XVI.
Já durante a chamada Idade Moderna, o conceito de raça estava vinculado à estirpe
familiar, à descendência. Dizendo de outra forma, tinha a função social de distinguir a origem
das famílias nobiliárquicas das famílias plebeias. Paralelo a isso, o termo também era usado
para distinguir os judeus, conhecidos como raça de David. Com a entrada do século XIX, o
conceito de raça, ainda que polissêmico, ganhou contornos de categoria científica, como
Hofbauer (2006) destacou.
O vínculo entre os fenótipos e o conceito raça, de acordo com Carula (2009), se origina
do século XVII, com a obra Nouvelle division de la terre, par les diferentes espèces ou races
d’hommes qui l’habitent, do médico Charles Bernier, de 1684 cujos trabalhos taxonômicos
combinavam diferenças fenotípicas e ocupações espaciais, bem como traços comportamentais.
Mas somente durante o Iluminismo o termo ganharia maior aprofundamento semântico, na
medida em que as Ciências Naturais passaram a se dedicaram a classificar e a nomear as
espécies, com destaque para a obra Sistema Natural, de Carlos Lineu, de 1735.
Outro autor que se dedicou ao estudo semântico do termo raça foi Kabengele Munanga
(s/d), para quem a origem semântica do termo provinha do latim razza, que designa sorte,
categoria ou espécie. Entretanto, tal conceito variou no espaço e no tempo. Na Europa medieval,
o termo designava descendência, linhagem ou, nos termos dos dicionários observados, estirpe.
A distinção feita por esse autor é importante para esta pesquisa porque se encaixa no sentido

21
Particularmente, nas leituras aqui feitas sobre os dicionários de língua portuguesa dos séculos XVIII e XIX,
comprovam-se as afirmativas do autor, porque os significados variavam desde uma parte do arreio de cavalo até a
diferença entre os povos de um mesmo reino.
57

utilizado pelos autores estudados, quando eles usam o termo raça para designar povo brasileiro.
Ribeiro (1900) raria maior dubiedade entre a acepção de estirpe e a de ordem biológica.
A problemática de Munanga (s/d) é interessante, porque defende de onde viria a ideia
de classificar as espécies:

Por que então, classificar a diversidade humana em raças diferentes? A


variabilidade humana é um fato empírico incontestável que, como tal, merece
uma explicação científica. Os conceitos e as classificações servem de
ferramentas para operacionalizar o pensamento. É neste sentido que o conceito
de raça e a classificação da diversidade humana em raças teriam servido.
Infelizmente, desembocaram numa operação de hierarquização que
pavimentou o caminho do racialismo. A classificação é um dado da unidade
do espírito humano. (MUNANGA, s/d).

A questão fundamental destacada por Munanga trata da não distinção racial em si,
aquilo que, ao longo do século XX, a biologia comprovou ser inoperante para a explicação da
diversidade do patrimônio genético da espécie humana. O autor trata da hierarquização das
raças como o direito à conquista ou à escravidão derivada das leituras dessas teses.

O fizeram erigindo uma relação intrínseca entre o biológico (cor da pele,


traços morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e
culturais. Assim, os indivíduos da raça “branca”, foram decretados
coletivamente superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função de suas
características físicas hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do
crânio (dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo, etc. que
segundo pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos,
mais inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as
outras raças, principalmente a negra mais escura de todas e consequentemente
considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos
inteligente e portanto a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de
dominação. A classificação da humanidade em raças hierarquizadas
desembocou numa teoria pseudocientífica, a raciologia, que ganhou muito
espaço no início do século XX. Na realidade, apesar da máscara científica, a
raciologia tinha um conteúdo mais doutrinário do que científico, pois seu
discurso serviu mais para justificar e legitimar os sistemas de dominação racial
do que como explicação da variabilidade humana. Gradativamente, os
conteúdos dessa doutrina chamada ciência, começaram a sair dos círculos
intelectuais e acadêmicos para se difundir no tecido social das populações
ocidentais dominantes. Depois foram recuperados pelos nacionalismos
nascentes como o nazismo para legitimar as exterminações que causaram à
humanidade durante a Segunda guerra mundial. Podemos observar que o
conceito de raça tal como o empregamos hoje, nada tem de biológico. É um
conceito carregado de ideologia, pois como todas as ideologias, ele esconde
uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação. A raça, sempre
apresentada como categoria biológica, isto é, natural, é de fato uma categoria
etnossemântica. De outro modo, o campo semântico do conceito de raça é
determinado pela estrutura global da sociedade e pelas relações de poder que
a governam. (MUNANGA, s/d).
58

Essas noções são importantes para se compreender a distinção entre os conceitos de


racismo e racialismo, conforme Todorov (1993) assinala. O racismo, por um lado, é um
comportamento humano de longa data entre a relação do eu com o outro, o diferente; o
racialismo, por outro lado, é um conjunto de ideias datado historicamente entre os meados do
século XVIII e o século XX, ainda que de diferentes formas e circunstâncias históricas. Em
comum, há o fato de vincularem diferenças fenotípicas e comportamentais ao aspecto moral e
cultural das sociedades humanas. Assim, as caracterizações das raças possuem um “arsenal” de
adjetivos que as distinguiu e as hierarquizou sob o olhar europeu ocidental.
No decorrer do século XIX, o termo passou a designar diferenças fenotípicas entre os
seres humanos, como os caucasoides, os mongoloides, os etíopes, entre outros. Mediante
atribuição de cientificidade ao termo, passou a descrever as características socioculturais. Pode-
se destacar, também, o debate entre as teses monogenistas e poligenistas de origem da espécie
humana. Destaca-se a poligenia por explicar a origem da humanidade com base em diferentes
matrizes raciais, do ponto de vista biológico, o que reforça a ideia de raça dentro da espécie
humana.
Desse debate, Romero (1960) e outros intelectuais brasileiros eram adeptos. Essas
correntes de pensamento têm, na antropometria, na craniologia ou na frenologia as suas
principais referências. Artur de Gobineau e o seu Ensaio sobre as desigualdades das raças
humanas, publicado em 1853 e 1855, por exemplo, é um dos marcos para o estudo e para a
difusão dessas ideias na Europa e nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX. Tais
correntes, por sua vez, explicavam as desigualdades existentes nos padrões civilizatórios entre
as raças e, por conseguinte, a sua evolução.
Assim, o conceito de raça se tornou polissêmico, interpretado de diferentes formas
entre os países e os povos. A rigor, tal conceito designava as variações fenotípicas de uma
mesma espécie, ou seja, as variações exteriores, como cor da pele, dos pelos e dos cabelos, no
caso humano. Todavia, a partir do desenvolvimento das teses cientificistas, especialmente das
racialistas, a semântica do termo passou a ganhar importância, sobretudo em razão das
consequências sociais e das políticas de Estado, notadamente, as políticas de branqueamento
das populações brasileiras e argentinas, as quais sofreram profundas transformações
fenotípicas.
Outro cientista que merece destaque é Francis Galton, primo de Charles Darwin,
conhecido como o pai da eugenia. Suas pesquisas se iniciaram na Inglaterra, ainda nos anos
1860, mas encontraram importantes ressonâncias na Alemanha e nos Estados Unidos. Suas
59

ideias não se restringiram ao debate científico, afinal, sob suas premissas, cuja finalidade era
gerar novas nações, mais fortes biologicamente, saudáveis e mais inteligentes, praticou-se a
esterilização em massa de indivíduos vistos como incapazes e improdutivos, tais como
alcóolatras, deficientes e loucos, já que se acreditava na hereditariedade dessas características
às gerações seguintes. Desse modo, a finalidade de tais práticas era a conformação biológica de
uma nação mais forte, sadia, bela e inteligente, formação essa relacionada com a formação
intelectual e moral pela educação.
Outra questão importante para se entender a intelectualidade do período em estudo é a
dos movimentos históricos que daí resultaram. Nesse sentido, um estudo semântico para a
compreensão do termo é importante para se compreender a relação social entre o conceito, as
teses racialistas e a luta ativa dos movimentos de emancipação dos negros e outras minorias
(maiorias) discriminadas ao longo dos séculos.
Por um lado, o racismo pode ser designado como comportamento de ódio ou aversão
contra aqueles que possuem uma fisionomia física distinta. Por outro, o termo racialista designa
um conjunto de ideias que diz respeito às diferenças físicas dos homens e que busca explicar as
desigualdades sociais e os padrões evolutivos das civilizações e dos povos. O florescimento e
o apogeu do racialismo ocorreram entre 1860 e 1945, quando a Segunda Guerra Mundial
praticamente o liquidou.
Tais conceitos tiveram relevância social porque influíram nas práticas políticas no
quartel do século XIX e no início do século XX fundamentados em três supostos. No primeiro,
os homens se diferenciam em grandes grupos raciais, com certa unidade física que lhes confere
caracteres psicológicos e culturais; para alguns, tais diferenças se constituiriam em outras
espécies. No segundo, o comportamento do indivíduo é determinado pelo grupo racial a que
pertence. No terceiro, como as raças são desiguais, seria necessária e aceitável a dominação de
uma raça sobre as outras.
A partir de parâmetros histórico-sociológicos da civilização europeia, estabelecer-se-
ia uma hierarquização entre as raças para que se fundamentassem científica e sociologicamente
as estratégias de dominação imperialista sobre a Ásia e a África. Ademais, as teses racialistas
se transformavam, de certo modo, em um contraponto às ideias políticas de igualdade entre os
homens. Dessa maneira, o conceito de raça para a formulação da representação da nação
consistiu na definição de uma base física sobre quem faria parte do corpo da nação e quem seria
distinto dos demais povos. É na exacerbação da diferença que se fortaleceu o nacionalismo das
primeiras décadas do século XX pelo mundo, portanto. Pode-se inferir, hipoteticamente, que as
teorias racialistas serviram aos diferentes projetos de Estados nacionais e a seus respectivos
60

nacionalismos entre os meados do século XIX e a primeira metade do século XX. A eugenia,
nas primeiras décadas do século XX, também se apresentaria como ferramenta para a
construção das nações do Ocidente22.
Nesse sentido, cabem reflexões sobre o debate a respeito da mestiçagem, porque este
foi tema de debates acalorados entre a intelectualidade brasileira do século XIX, em virtude da
importação dessas teses oriundas da Europa e que hierarquizavam padrões e comportamentos
com base na noção de raça.

No século XIX, muitos cientistas julgavam que a noção de raça era não só
aplicável às sociedades humanas, como também determinante dos
comportamentos e potenciais dos indivíduos; naquele contexto, a mestiçagem
era geralmente encarada como sinônimo de degeneração e inferioridade.
(VIANNA, 2007, p. 21).

Tal leitura provém de uma ressignificação das teorias evolucionistas das espécies
transpostas para a espécie humana: o cruzamento entre os diferentes fenótipos resultaria em
indivíduos degenerados biológica e comportamentalmente. Não raro, estudiosos da biologia,
como Paul Broca enunciavam que o mestiço era semelhante a uma mula, porque era infértil. Já
os deterministas, como Conde de Gobienau, E. Renan e H. Taine, assinalavam o oposto: a
fertilidade dos mestiços era responsável pela transmissão dos caracteres negativos de cada raça
aos seus descendentes.
De acordo com os estudos de Carula (2009), as teses de Darwin repercutiram nos
jornais, no IHGB e na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, naturalmente. Os chamados
homens de ciência também se debruçaram sobre a origem do ser humano ‒ a monogenia ou a

22
A eugenia está ligada à ciência da hereditariedade do século XIX, especialmente do último quartel. Tal ciência
enunciava que a vida social de um povo, de uma nação, era resultado de sua base biológica e genética ou, para
usar o termo de época, de seu plasma germinativo. Assim, a ciência moderna criava um modelo explicativo para
as realidades sociais e culturais por meio de teses evolucionistas da espécie humana. Dessa maneira, a eugenia foi
o embasamento científico para inúmeras práticas políticas em diferentes regiões do mundo ocidental, ou melhor,
em quase todas as partes: nos Estados Unidos, na América Latina e na Europa. Stepan (2005) investigou como a
eugenia criou diferentes concepções e práticas pelo mundo no início do século XX. Embora pudessem
ressignificar-se, segundo as circunstâncias, possuíam o traço comum de terem a finalidade de controlar/transformar
a hereditariedade das novas gerações, formadoras das nações. O termo eugenia, polissêmico que é, vem do grego
eugen-s, bem nascido. No campo científico, é a aplicação de conhecimentos para o aprimoramento biológico da
espécie humana por meio de intervenções sobre o processo de hereditariedade, prática que ganhava dois
significados: do ponto de vista político, significa a ideia de se constituir uma raça nacional pura, destituída de
vícios ou defeitos que pudessem comprometer o desenvolvimento social e econômico de uma nação, atravessada
uma seleção social e biológica sobre quem deveria se reproduzir e quem deveria ser esterilizado; do ponto de vista
biológico, significa controlar biologicamente a conformação de uma nação em seus aspectos fenotípicos. Desse
modo, para os cientistas e para os intelectuais, a ciência poderia ser um artífice na construção física de uma nação
e, nesse sentido, campos do conhecimento como a antropologia, a antropometria e a craniologia poderiam
estabelecer chaves de leitura e transformação concreta sobre os problemas nacionais. Para mais informações,
conferir Stepan (2005), Diwan (2011) e Santos e Maio (2010).
61

poligenia ‒ e sobre a teoria de Darwin. A autora concluiu que os intelectuais e os médicos que
buscaram comprovar empiricamente as teses do naturalista inglês e que promoveram
conferências em torno da questão da raça e das origens da espécie humana tiveram diferentes
opiniões sobre as teorias de Darwin. Nesse processo, o tema ganhou significados próprios entre
os intelectuais, cujas análises não se limitaram à vida animal e vegetal, mas sim avançaram para
a transposição dos conceitos evolucionistas às análises sociais das civilizações humanas. A
intepretação desses médicos e intelectuais variava desde a aceitação da teoria criacionista até
as teorias monogenistas e poligenistas.
Num contexto histórico que definia as nações de acordo com a estirpe, com a raça e
com a história, ter uma nação mestiça ou majoritariamente negra era o grande desafio para a
intelectualidade que se dedicava ao tema. Outra questão até mais central para o Estado Imperial
e, posteriormente, para o Republicano era: essas populações eram capazes de ingressar na
ordem liberal e modernizante que os tempos da Belle Èpoque exigiam?
O médico e diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, Nina Rodrigues, era um dos
adeptos das teses degenerativas a respeito dos negros e dos mestiços que se dedicou a vários
estudos buscando comprovar essas teses. Para esse médico, os negros tinham características
inatas de resistência ao progresso, ao passo que os mestiços possuíam degeneração psíquica, o
que era uma ameaça à ordem social e econômica do País (SCHWARCZ, 1993; VIANNA,
2007). Desse modo, contestava a miscigenação como futuro para a nação, o que seria um
caminho nocivo aos atributos da raça superior branca. Nina Rodrigues seria uma das expressões
de pensamento social sobre a nacionalidade brasileira que reforçavam, com base no racialismo,
a ideologia racista presente na sociedade brasileira ao longo dos séculos.
Vianna (2007) destaca que os debates se desenrolavam entre intelectuais como Sílvio
Romero, que, embora creditasse a inferioridade às populações africanas, indígenas e, mesmo,
mestiças, via na mestiçagem a possibilidade de vitória do homem branco na formação da raça
nacional, porque não existia, no Brasil, um tipo racial acabado e próprio, como nas nações
europeias. O tipo nacional estava em formação. Isto significava ser possível interferir no
processo, porque as raças negras e mestiças tinham alta mortalidade e baixo crescimento
vegetativo. Esse fator combinado à massa de imigrantes oriundos da Europa favoreceria o
branqueamento da população, tornando-a, portanto, um tipo superior física e culturalmente.
Acrescenta-se, conforme apresentado por Rodrigues (2011), que não se trata apenas
da miscigenação, mas sim da boa mestiçagem com o homem branco europeu, pois essas massas
de imigrantes deveriam ser espalhadas por todo o território brasileiro, de modo a uniformizar a
62

territorialidade do País. Assim, criticava-se a concentração de imigrantes no centro sul, bem


como se criticava a imigração asiática para o Brasil.
De acordo com Ventura (1991), Romero combinava teses racistas – axiomas que
supunham a superioridade de uma raça sobre outra – com teses evolucionistas – baseadas na
concorrência e no predomínio dos mais aptos, o que fatalmente levaria ao predomínio do
homem branco europeu e ao branqueamento da população brasileira. Essas eram as suas teses
em meados dos anos de 1880, visto que, na virada do século XX, passa a descrer na tese do
branqueamento, porque os povos mestiços, para Romero eram inferiores aos povos de raça
pura.
De acordo com Costa (2006), as ideias de Romero podem ser situadas na ascensão das
revoluções burguesas combinada com a ascensão dos paradigmas sociais e políticos calcados
na soberania da nação e do Estado. Posto esse problema, a intelectualidade se dedicou a
investigar e a pensar os problemas das sociedades contemporâneas, envolvida aí a questão da
nação e seus desdobramentos.

No intervalo que compreende as últimas décadas do século XIX e meados da


década de 1910, as tentativas de interpretar o nacional são conduzidas a partir
da possibilidade percebida de articulação dos conceitos de raça e meio, com
o objetivo de encontrar uma espécie de via alternativa cujo eixo preservaria a
“singularidade sociorracial brasileira”; entretanto, essas tentativas são
guiadas, do ponto de vista teórico, por uma certa tensão que identificaria uma
determinada parte de nossa intelectualidade, cujo eixo bifurca-se entre
assimilar a ciência da época, realista, naturalista e pretensamente
universalista, a elementos idiossincráticos subjacentes à cultura local, não
necessariamente traduzíveis no logos de então; essa tensão desmembra-se em
uma perspectiva relativamente determinista e de cunho racial. (COSTA, 2006,
p. 138).

Esse contexto dá pistas sobre como interpretar a questão nacional e sobre quais eram
as correntes de pensamento que norteavam as sínteses históricas sobre o Brasil. Para Costa
(2006), a teoria social que se constituiu no País entre o último quartel do século XIX e os
primeiros decênios do século XX se baseou na raça como constructo da nacionalidade. Segue-
se, aqui, a mesma direção, embora o racialismo não fosse a corrente predominante.
De acordo com Costa (2006), as ideias de Romero podem ser explicadas pela
renovação do campo intelectual. Por exemplo, a chamada Escola de Recife foi um desses
centros de renovação, com Tobias Barreto e o próprio Sílvio Romero. As teses desse grupo,
fundamentadas nas novas perspectivas que a Ciência e a Filosofia abriram naquele momento,
nas ideias racionalistas e científicas de leitura da realidade e na formulação da jurisprudência,
63

combatiam as formulações românticas de pensamento nacional. Isto explicaria o cientificismo


para a compreensão e para a transformação do caráter da nação brasileira de seu tempo.
A produção intelectual de Paulo Prado, de Euclides da Cunha, de Sílvio Romero e de
Oliveira Vianna, por exemplo, mesmo possuidores de leituras diferentes, realçou a questão
racial na construção da identidade brasileira. Os princípios evolucionistas, a degeneração do
povo e da raça e a miscigenação são chaves de leitura para a teoria social desses autores. Assim,
o problema nacional resolver-se-ia pelo cruzamento racial com os imigrantes europeus no
sentido de branqueamento da sociedade. Trata-se de uma corrente de intelectuais, portanto, que
cria na mestiçagem como caminho para a conformação e para o aprimoramento da
nacionalidade brasileira.

Ora demonizada, ora alçada à condição de viabilizadora de um projeto de


nação, pode-se ressaltar que a mestiçagem foi debatida pelos principais
intelectuais desse período através da mediação primordial da noção de “raça”,
que então reunia aspectos biológicos e sociais na construção de uma visão
profundamente hierarquizada sobre a sociedade brasileira. (VIANNA, 2007,
p. 24).

Casa Grande e Senzala, de G. Freyre (1963) romperia com essas leituras deterministas
e biológicas sobre o caráter e a história brasileira, com destaque para os aspectos culturais e
para a amplificação das contribuições africanas para a vida nacional, bem como para a visão
sobre o mestiço como tipo ideal da nacionalidade brasileira, especialmente por se tratar de um
país tropical. A mestiçagem é problematizada nas figuras do mulato e da mulata e em seus
papéis na sociedade patriarcal brasileira.

1.4 - Entre Notas Historiográficas e o Estado da Arte sobre as Narrativas Escolares de História
do Brasil

Diante dessas discussões, a História dos Conceitos é sim uma ferramenta metodológica
relevante para a análise do objeto em estudo: os manuais escolares. Nesse bojo, acrescentam-
se as discussões semânticas e historiográficas a respeito da questão da nacionalidade e a
importância da raça para a ideia de nação e de nacionalismos do final do século XIX. Assim,
com base nessas contribuições metodológicas, para avançar na análise sobre os manuais
escolares, cabe tanto refletir sobre como se consolidaram os livros didáticos nas práticas
pedagógicas, quanto destacar alguns aspectos da história desses manuais no Brasil, desde o
início do século XIX.
64

Os compêndios, os manuais escolares e, posteriormente, os livros didáticos surgiram


nas primeiras décadas do século XIX, no Brasil, e se consolidaram como estratégias para o
aprimoramento das práticas pedagógicas na virada para o século XX, quando deveriam ser
combinados com outras práticas pedagógicas, como o uso de museus e bibliotecas e de mapas
e outros artefatos para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem23. A consolidação dos
livros didáticos também se deveu ao progresso das artes gráficas e da editoração, o qual permitiu
imprimir recursos imagéticos mais diversificados nesses livros. Contribuíram ainda, a
profissionalização de autores para a elaboração dos conteúdos didáticos e as ações estatais de
incentivo às publicações, como os prêmios e a compra de livros e de outros materiais didáticos
para as escolas e para o ensino desde o século XIX, tais ações se fortaleceram com as políticas
públicas voltadas para o livro didático no século XX.
O desenvolvimento do mercado editorial brasileiro ocorreu ao longo do século XIX,
após a abertura da Impressa régia, em 1810, com a circulação dos primeiros livros, jornais e
revistas. Aos poucos, paralelamente, os compêndios e os manuais escolares se desenvolveram
e se afirmaram na cultura das escolas primárias e secundárias brasileiras24.
Os primeiros projetos educacionais para o ensino de História expressavam a
importância dessa disciplina para a formação escolar dos jovens. Nesse contexto, o ensino se
desdobrava em História Sagrada e História Profana, disciplinas que ganhariam fisionomias
próprias e se tornariam presentes nos currículos escolares: a primeira, pelo caráter moral e ético;
a segunda, por tratar da história civil, de caráter político e de importância para a vida cívica e
social, especialmente no ensino secundário, responsável pela formação das elites dirigentes do
País.
Ainda de acordo com Bittencourt (2008), o caráter do ensino secundário no Brasil
contribuiu para reforçar as distinções sociais e econômicas e os privilégios das camadas
dirigentes do Império, posteriormente da República. Com isso, construiu-se um currículo com
forte peso no conhecimento humanístico em que o ensino de latim e francês concorria com o
de português. Juntamente com o de História, esses conhecimentos funcionaram como
argumentos para a retórica, uma erudição importante para a vida política da juventude dessa

23
Além de promoverem práticas pedagógicas, os manuais escolares deveriam seguir os programas de ensino que
se modificaram ao longo das reformas educacionais do século XIX. A capacidade de seguir os programas de ensino
garantia a venda do manual para o Estado, que o distribuiria na rede escolar, e garantia também a venda do produto
para a rede privada, visto que o manual estava em consonância com os programas de ensino exigidos nos diferentes
exames para o ingresso nos cursos superiores, como os exames preparatórios e de madureza.
24
Para mais informações, conferir Bittencourt (2008), Schueler e Gondra (2008) e Gasparello (2004).
65

classe que ingressaria mais tarde na política ou mesmo, como funcionário público, ingressaria
no aparato burocrático do Estado.
No ensino secundário, em 1837, a História se consolidou como disciplina obrigatória
no Colégio Pedro II e mediante decretos-leis, manteve-se nos programas curriculares ao longo
do século XIX. Como a Igreja Católica tinha forte influência nos caminhos que a educação
tomava durante esse mesmo século, os decretos-leis dos anos de 1850 privilegiaram tanto o
ensino religioso, nos programas de ensino e as iniciativas particulares do setor privado e de
caráter confessional25. Ademais, a cultura clássica e humanista mantinha forte influência sobre
a consecução dos programas oficiais desse Colégio.
No limiar do século XIX e início do século XX, rapidamente, foram criadas mais
instituições de ensino, como os Grupos Escolares e as Escolas Normais. Com a chamada
montagem do moderno Estado brasileiro, durante os anos de 1930, a posição e o uso do livro
didático nas práticas pedagógicas e escolares, ao receberem amplo apoio das políticas
governamentais, foram fortalecidos.
No Brasil, a História do livro didático remonta às primeiras décadas de sua
independência em relação aos primeiros manuais utilizados no País, como o Resumo de História
do Brasil, traduzido por Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde (1831), e o Compêndio de
História do Brasil, autoria de Abreu e Lima (1841).
O resumo de Bellegarde foi uma tradução e, em boa medida, uma reelaboração da obra
Resumé de l’histoire du Brésil, de Fernand Denis, que abarcava a história brasileira até o ano
de 1828. De acordo com Centeno e Alves (2009, p. 472), a tradução de Bellegarde, que não
tinha pretensão escolar, continha correções/inserções do tradutor e referências a autores como
D. de Goez, Rocha Pita, Madre de Deos, Ayres do Cazal e Lery e Robert Southey. Mediante
anuência de Antonio Carlos de Andrada, o manual foi utilizado no recém-inaugurado Colégio
Pedro II, embora, de acordo com Gasparello (2002), já fosse utilizado no município da Corte
desde 1834 para estudos escolares. Nesse sentido, o resumo foi o primeiro que serviu para o
ensino de História do Brasil nas escolas primárias da Corte e no ensino secundário oficial do
Imperial Colégio de Pedro II.
A narrativa de Bellegarde é composta por episódios históricos, sem maiores
problematizações, com enaltecimento do espírito patriótico e romântico em oposição ao
colonizador português. Tais linhas mestras são enunciadas como historiografia patriótica, sem
o peso da história imperial e do IHGB como regulador da história oficial do Brasil, como seria

25
Para mais detalhes, ler o decreto-lei n° 1331, de 1854, conhecido como A Reforma Couto Ferraz. Também vale
a pena ler Martinez (1997) e Rocha (2010, 2011).
66

no segundo reinado (GASPARELLO, 2004). Bittencourt (2008) destaca que os primeiros


manuais de História do Brasil provieram de militares ‒ como o próprio Bellegarde, major do
exército, ou como o Abreu e Lima, general e um dos heróis da independência da Venezuela ‒
e, assim, pertenceram a uma temporalidade marcada pela influência ou pela interferência
estrangeira e pela necessidade de legitimação do Estado-Nação.
Em suma, este foi um começo por meio do qual a emancipação política criou demandas
de uma história nacional e de um sistema de ensino que, pelo menos, atendesse a população
branca e livre. Dizendo de outro modo, tudo ou quase tudo, em matéria de instrução, estava por
fazer e por construir no jovem Brasil politicamente independente.
Nesse contexto, Santos (2009) destaca que a historiografia científica serviu de modelo
para a construção da ideia de Estado-nação, isto é, de identidade nacional. Desse modo, apesar
de a disciplina escolar de História ter conquistado espaço junto ao ambiente escolar como
categoria de articulação entre o passado, o presente e o futuro, ela sofreu diferentes
intervenções, cujas finalidades eram educativas, por um lado, e políticas, por outro.
Partindo dessas premissas, argumenta-se, após o período de independência do Brasil e
a sua consolidação como Estado independente atendia a um determinado projeto civilizatório.
Os intelectuais e a elite do Estado monárquico se dedicaram a refletir e a forjar uma ideia de
identidade nacional calcada na de civilização europeia. E o Colégio Pedro II teve um lugar de
destaque na consecução dessa ideia de nação.
Consoante Schueler e Gondra (2008), a educação brasileira, ao longo do século XIX,
unia os esforços do Estado, da Igreja e da Sociedade Civil para a expansão da malha escolar no
País, o que não teve as mesmas características do século XX, quando o Estado foi protagonista
da pretensão de universalizar a oferta de ensino. Antes, como visto, a própria sociedade e as
suas mobilizações é que davam curso a essa empreitada. Isso implica um processo irregular e,
por conseguinte, pouco eficiente de atuação do Estado nessa frente, o que talvez explique a
historiografia “azevediana” que se inaugurava na República: o protagonismo do Estado nas
políticas públicas.
O segundo compêndio utilizado amplamente pelo Colégio Pedro II para o ensino de
História foi o Compêndio de História do Brasil, de José Ignácio Abreu e Lima, de 1843. De
acordo com Alves e Centeno (2009), tal livro não era originalmente escolar, mas já sua segunda
edição foi adaptada a esse mercado. E, a despeito das críticas do IHGB, o manual, entre 1856 e
1861, foi utilizado pelo Colégio Pedro II. A análise de Gasparello (2004) demonstra a intenção
de Abreu e Lima na constituição da obra: a reunião dos mais variados episódios da história
67

brasileira em diferentes obras, justificando o título de compêndio26, que, além de ser dedicado
à mocidade brasileira, traçava um plano sobre o modo como deveria seguir a escrita da História
do Brasil. Em suma, essa narrativa continha uma ideia historiográfica e didática.
De acordo com Mattos (2007a), a nacionalidade presente no compêndio de Abreu e
Lima é herdeira da ideia de Império do Brasil, composto por um vasto território e dotado de
história, experiências e valores em comum. A independência política traria consigo a integração
desse vasto território, formado por identidades regionais, e criaria uma unidade fundamentada
na soma de todas as unidades e na herança europeia, a qual construiria o Brasil como uma nação
civilizada.
Mattos (2007a) ainda resgata o significado da palavra brasileiro em distintos
momentos da história narrada por Abreu e Lima. Em um primeiro momento, brasileiro
significava traficante de pau-brasil ou do brasileiro trabalhador de sua extração. São os
brasileiros-pernambucanos, os brasileiros-baianos e outros, que resultam da ocupação
portuguesa. Em um segundo momento, são os portugueses-brasileiros que resultam de
portugueses-europeus, isto é, o termo havia se tornado um adjetivo pátrio. A nação, então,
construiu-se por essas identidades regionais dentro um grande império. Daí a noção da nação
brasileira ser herdeira do vasto território chamado de Império do Brasil.
Para o general, cada povo, segundo as tradições, era dotado de aptidões, as chamadas
“índoles históricas e psicológicas”27. Se, para a independência venezuelana, Abreu e Lima
defendeu a república; para o Brasil, defendeu a monarquia como melhor caminho para a
emancipação política do País, defesa também feita por Joaquim Macedo, Luís de Queirós
Mattoso Maia e João Ribeiro, autores de manuais escolares de História do Brasil no século XIX.
Para João Ribeiro, que era um exemplo do momento republicano, o caminho da monarquia,
mais afeito às índoles do povo, manteria a unidade política deste vasto território de origem
colonial.
A reflexão de Abreu e Lima partia do pressuposto de que o Brasil colonial não
produziu uma cultura solidificada em colégios e universidades capaz de criar um povo culto e
instruído, nem capaz, por conseguinte, de estabelecer aqui um regime republicano. Abreu e
Lima sustentava que, no Brasil, não havia liberdade civil, por se tratar de uma sociedade
dividida em livres e escravos e, depois, em livres e libertos, e por se tratar de uma república
com direitos políticos limitados, os quais não englobariam toda a sociedade civil.

26
Os compêndios são uma reunião de diferentes textos já publicados, compilados e reunidos em uma nova obra.
27
O uso desses termos era recorrente entre a intelectualidade brasileira que se dedicava a pensar as questões
políticas. É o que se chamaria, hoje, de naturalização dos comportamentos e das hierarquias sociais.
68

Ainda de acordo com Mattos (2007a), a narrativa de Abreu e Lima representou o


discurso vencido sobre o que deveria ser escrito na História do Brasil. Se, com a sua História
Geral do Brasil, Francisco Adolfo Varnhagen construiu uma narrativa encomiástica da obra
civilizadora e colonizadora dos portugueses nos trópicos, Abreu e Lima se contrapôs a essa tese
com base no argumento de que o atraso brasileiro ocorreu justamente pelos caminhos
percorridos pela colonização portuguesa. Como por exemplo, a crítica do general as ações dos
Bragança na expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, e sobre a caça feita sobre os povos
indígenas pelos bandeirantes paulistas caracterizados, pelos pernambucanos, como violentos e
cruéis.
Nesse sentido, para Abreu e Lima, a ideia de raça é caracterizada pela heterogeneidade.
Seu conceito oscila entre a ideia de estirpe ‒ corriqueira no século XIX, segundo as definições
dicionaristas28 ‒ que classifica a identidade regional, como baianos, mineiros e pernambucanos,
e a ideia do fenótipo, como brancos natos, brancos adotivos, negros e mulatos livres e negros
escravos. Quer dizer, a ideia de raça possuía, aqui, a sua própria historicidade semântica,
distinta das narrativas cientificistas da História do Brasil do final do século XIX. 29
Hebe Mattos (2007b) possui uma leitura distinta de Mattos (2007a), autora
anteriormente mencionada. Para ela, a questão da raça pode ser analisada por intermédio dos
heróis das narrativas, como as personagens das invasões holandesas. Embora Henrique Dias
tenha o “acidente de cor” (ser negro), a análise de Mattos (2007b) é a de que Abreu e Lima era
um antirracista, visto que dava mais destaque às virtudes dos heróis do que à condição de cor.
Segundo ela, Abreu e Lima tinha ligação com o liberalismo pernambucano, que condenava a
manutenção da escravidão após a independência. Na medida em que destaca Henrique Dias,
torna-se um contraponto à outra obra que seria publicada mais tarde, as Lições de História do
Brasil, de Joaquim Manuel de Macedo, em que o herói negro é um mero coadjuvante da história
brasileira, e considera que “a geração de 1870 modificaria essa relação, pensando a formação
do Brasil em termos raciais e culturais” (MATTOS, 2007b, p. 221). A construção da raça
brasileira incorporava, portanto, negros e indígenas, linha de análise com a qual coadunam
Gasparello (2004) e Bittencourt (2008).
As Lições de História do Brasil (entre 1861 e 1863), seja para o ensino primário, seja
para o secundário, de autoria de Joaquim Manoel de Macedo, se tornaria a primeira obra

28
Semelhante ao encontrado entre os dicionários analisados: o de Moraes Silva (1813) e o de Bluteau (entre 1712
e 1728).
29
É o caso de A História do Brasil, de João Riberio (1900), e das Lições de História do Brasil (1880), de Luis
Queirós Mattoso Maia, o qual tem o mesmo caráter cientificista, embora sem a riqueza e as renovações que João
Ribeiro faria 20 anos mais tarde.
69

didática genuinamente nacional. O autor foi médico, poeta, romancista e historiador e, nessa
última condição, integrou os quadros do IHGB. Exerceu a função de professor de “Historia e
Chorographia patria do antigo Collegio de Pedro II”, na qual foi entronizado em 1849. O
exercício do magistério motivou Macedo a elaborar dois manuais didáticos direcionados ao
conhecimento do Brasil, ambos recomendados como fontes nos programas. (ALVES;
CENTENO, 2009, p. 473). Dizendo de outro modo, a obra surgiu das demandas dos programas
de ensino e de suas apostilas de sala de aula e tornou-se pioneira na finalidade exclusiva de
ensino, elaborada por um professor de História em exercício, que foi autor, também, de Noções
de Chorografia do Brasil (1873).
Tal manual foi amplamente explorado pela historiografia da História do Ensino de
História. Foi fonte de comparação com o principal manual do período republicano, a História
do Brasil, de João Ribeiro, por Melo (2008), para o qual a obra representou a estabilidade e a
centralidade do período monárquico, destinada à educação do súdito imperial. Ao direcionar
sua obra à educação do súdito, de acordo com Melo (2008), Macedo construiu uma narrativa
dos feitos heroicos das casas reais que governaram o império português. Assim, defendeu
medidas, a exemplo da expulsão dos jesuítas, como positivas e tratou das rebeliões e das ideias
republicanas como movimentos ilegais, tratadas do ponto de vista da lei e não da justiça moral.
A escravidão foi, então, silenciada.
Não se distanciando da formulação de Melo (2008), Gasparello (2004) defende que tal
obra sedimenta o peso de uma história imperial sob os auspícios do IHGB e da História Geral
do Brasil, de Varnhagen, e representa, ainda, a condição de autores/professores, porque os
livros foram escritos por professores que exerciam o magistério, como Luis Queiros Mattoso
Maia, também professor do Colégio Pedro II e autor de livro didático.
Homônimo do anterior e também escrito com finalidade didática, o Lições de Historia
do Brazil, de 1880, foi outro manual da área utilizado no Colégio Pedro II. Seu autor, Luis de
Queirós Mattoso Maia, foi “professor cathedratico” de “Historia Geral” a partir de 1879, ano
de sua posse. Anteriormente, formou-se em medicina e atuou como cirurgião de guerra na
Guerra do Paraguai. Em 1882, o seu Lições de História passou a integrar uma das referências
dos programas de ensino, utilizado até o final do século XIX, nos programas de 1892, 1893,
1895 e 1898 (VECHIA; LORENZ apud ALVES; CENTENO, 2009, p. 473). Como professor
de História do internato e autor de livro destinado ao público escolar, Mattoso seguiu o caminho
de Macedo.
Para Gasparello (2004), a obra tem o sentido de uma história imperial que consolida
as posições de Macedo e Varnhagen. A opção pela independência monárquica era melhor e
70

adequada às tradições e às índoles do povo brasileiro, resultado de sua evolução política, social
e econômica. Assim, a nação imperial “é gerada por uma pátria mãe branca e construída pelos
seus descendentes – os colonos – que, nessa construção necessitaram exercer a sua
superioridade de raça e civilização” (GASPARELLO, 2004, p. 197).
A obra de Mattoso Maia pode ser analisada, por conseguinte, com base nas diferenças
em relação à de Macedo, as quais, aqui, são relevantes. Embora tenha o sentido de formação de
súditos, estes têm, para Mattoso um significado diferente, já que o autor não silencia a
escravidão e projeta a princesa Isabel como uma heroína do abolicionismo. Então, para esta
tese, trata-se de um súdito do terceiro reinado, atualizado com as mudanças, mas fortemente
ligado ao passado dinástico.
A obra de Mattoso Maia foi pouco explorada pela historiografia. Por essa razão,
levantam-se novos questionamentos e olhares sobre a obra, além de se observar certo
distanciamento em relação à obra de Macedo e maior aproximação com a narrativa formulada
por João Ribeiro, em sua História do Brasil, de 1900, o que traz outra possibilidade de
compreensão sobre a historiografia didática do Oitocentos.
Ao contrário da obra de Mattoso Maia, a História do Brasil, de João Ribeiro, foi
densamente explorada pela historiografia, especialmente a de Ensino de História. Para
Gasparello (2004), a obra marcou o momento de fortalecimento do campo historiográfico pela
renovação dos estudos históricos que eram feitos no País. Assim, o ensino refletiu essas
mudanças com as contribuições de João Capistrano de Abreu e do próprio João Ribeiro, ambos
de um grupo de intelectuais que fazia parte do Colégio Pedro II, como Max Fleiuss, Sílvio
Romero e Tristão de Araripe Jr. De acordo com a autora,

A nação dos compêndios é uma nação em processo, que ganha novas cores à
medida que as representações sobre a identidade nacional passaram a
incorporar novos elementos que anteriormente eram indesejáveis e até mesmo
impensáveis para fazer parte do povo. (GASPARELLO, 2004, p. 208).

Nesse sentido, a principal contribuição foi a incorporação de elementos, antes


negligenciados e/ou indesejados pela historiografia imperial, como os negros (cativos e libertos
e os seus descendentes) e os povos indígenas. A História do Brasil deixava de ser uma obra
civilizadora europeia para se tornar uma história interna, de seus sujeitos, uma historiografia
republicana e nacionalista, ainda que fosse feita sob a perspectiva senhorial e conservadora,
cuja tese era a da necessidade de haver um escol intelectual a guiá-la.
71

De um lado, Capistrano renovou a historiografia brasileira por meio do


aprofundamento no uso das fontes; por outro, Joao Ribeiro usou tais renovações para o ensino
da disciplina, inclusive lançando mão da ideia de que a nação brasileira era mameluca – como
defendia Capistrano de Abreu, segundo Gontijo (2005). João Ribeiro seguiu o caminho de
Macedo e Maia, como professor e autor de livros didáticos. Seu manual foi utilizado nas
primeiras décadas do século XX; contudo, não foi o único, pois outros autores também foram
utilizados pela Instituição, como os manuais de Pedro do Couto, Mario Veiga Cabral, Max
Fleiuss e Basílio Magalhães.
As contribuições de Capistrano de Abreu para o conhecimento histórico e para a
História do Brasil foram notáveis. Gontijo (2005), ao destacar a originalidade e as iniciativas
de Capistrano para uma produção historiográfica para além do IHGB, em suas
correspondências, apresentou dados da relação de João Ribeiro com Capistrano, o primeiro
nutrindo grande admiração intelectual pelo segundo. Essa leitura, para a além dos textos de
Ribeiro, permite compreender a presença bibliográfica de Capistrano na obra de Ribeiro, porque
o último usa as chaves de leitura do primeiro para a composição de sua História do Brasil,
como a ideia de raça mameluca e os focos de irradiação da colonização brasileira. No quarto
capítulo desta tese, essa questão será explorada.
Embora tenha transformado a narrativa escolar da História, o conteúdo da História do
Brasil de João Ribeiro, para Melo (2008), destinava-se à formação do cidadão republicano. De
acordo com Hansen (2000), uma pedagogia da história atravessava a obra com a finalidade
apontada por Melo (2008). A obra, então, significou um exemplar quase único ao dar ênfase às
teses racialistas como modelos explicativos para o atraso social da civilização brasileira. Isto é
justificado como uma tentativa de expressar o debate intelectual acerca da nacionalidade
brasileira (RODRIGUES, 2011), o que se arrisca chamar de historiografia racialista, pois as
mesmas análises podem ser encontradas em outros intelectuais brasileiros, como Sílvio
Romero, na História da Literatura Brasileira, de 1890, o qual, por meio dos indicativos de Von
Martius, definia a literatura brasileira como expressão de sua raça e da sua experiência histórica
(ROMERO, 1960, p. 53-54).
Hansen (2000) destaca o sentido da formação da raça mameluca, enquanto formadora
da nação brasileira, como chave de leitura que atravessa a interpretação de João Ribeiro. Em
um momento anterior, segundo Rodrigues (2011), a raça mameluca foi entendida como um
estágio inacabado da nação, a qual seria levada a termo com o aprofundamento da miscigenação
desse povo já mestiço, em virtude da onda imigratória vinda da Europa naquele momento – em
1900 ‒, e constituir-se-ia um horizonte de expectativa sobre o que seria o futuro da nação.
72

Fundamentados nessa reflexão, Magalhães e Gontijo (2009) dissertam sobre a ética do


presente na História do Brasil de João Ribeiro. De acordo com a análise dos autores, João
Ribeiro recusava uma história do presente ou do passado recente em função das paixões
envolvidas pelas testemunhas dessa história. Para o historiador do século XIX, a imparcialidade
e o distanciamento do objeto eram condições sine qua non para o métier do historiador e
bastante comuns entre outros intelectuais citados pelos autores do artigo.
Os autores ressaltam, ainda, as características dos manuais escolares do início do
século XX, sempre com referências a quem eram os autores dos livros e a quais instituições os
qualificavam para tal empreitada. De outro modo, a erudição e a autoridade discursivas eram
relacionadas pelas instituições a que os intelectuais pertenciam, como a Academia Brasileira de
Letras (ABL), a Escola Normal, dentre outras. Outra questão importante é a característica
inacabada dos manuais didáticos, porque os programas oficiais de ensino se modificavam ao
longo do tempo, mudanças que os livros escolares precisavam acompanhar.
Diante das questões postas, Magalhães e Gontijo (2009) apresentam, utilizando
diferentes versões da História do Brasil de João Ribeiro, como esse autor abordou o presente
daquele momento: a República. Se, na primeira edição, em 1900, a República foi pouco
explorada, com maior ênfase no processo de abolição, em 1920, na nona edição, quando a
República não era mais presente, mas passado, o tema foi explorado e representado como uma
evolução das ideias democráticas e como forma definitiva de governo, cabendo à monarquia a
função de garantir a transição.
Para Freitas (2006), a História do Brasil, além de apresentar renovações
historiográficas, pertenceu a um escopo de ideias sobre como se construir a nação brasileira por
meio da educação, cujas estratégias eram a educação do corpo (que fortaleceria a raça), o cultivo
da memória e a pedagogia científica (que formaria intelectual e moralmente os cidadãos
republicanos).
Se por um lado, Moraes (2010) observou a lógica senhorial adotada por João Ribeiro
na sua abordagem sobre o abolicionismo, justificando sua hipótese pelo realce dado às leis
imperiais que, gradativamente, aboliam a escravidão e mantinham, com o protagonismo de
Dom Pedro II e da princesa Isabel no processo da Abolição, certa reserva pelos exaltados. Por
outro lado, pode-se afirmar que João Ribeiro (1900) criticava a escravidão, que, segundo ele,
desenvolvia as vicissitudes nos homens brancos, portadores do espírito civilizatório da
civilização brasileira. Assim, a autora destaca a influência das teorias por ela denominadas
racistas. Porém, adota-se aqui o termo racialismo como tentativa de historicizar tais ideias
73

raciais e não as confundir com o racismo e o preconceito em si e com as lutas por igualdade,
próprias do século XX.
Como contraponto, Moraes (2010) estabeleceu uma comparação com a obra didática
Noções de História do Brasil, publicada em 1918, de Osório Duque-Estrada. Para o autor do
hino nacional, a abolição foi resultado de uma vitória popular das ruas e não uma adesão dos
fazendeiros ou do parlamento. Tal comparação destaca questões sobre como diferentes usos do
passado são utilizados e construídos e como disputam o espaço na memória coletiva da
sociedade. O uso do passado por determinados sujeitos sociais é uma questão importante para
os estudos exegéticos porque revelam as intencionalidades e os diferentes significados
históricos atribuídos aos mesmos episódios tidos como cânones da História tradicional do País.
Mediante comparação, é possível situá-los no tempo histórico objetivo, porque se revelam as
matrizes de pensamento que compõem a obra.
Dentre as muitas possibilidades de se estudar o ensino de História, escolheram-se as
pesquisas que se dedicaram ao estudo das narrativas escolares, porque trouxeram chaves de
leitura sobre as fontes que debatiam e disputavam o que seria ou o que era a nação brasileira.
74

CAPÍTULO 2: A RAÇA E A NAÇÃO EM AS LIÇÕES DE HISTÓRIA DO BRAZIL (1861-63)


DE JOAQUIM MANOEL DE MACEDO: UM MANUAL PARA A BOA SOCIEDADE

Nesta tese, o percurso de compreensão das Lições de História do Brasil, de Joaquim


Manoel de Macedo, passa pela conformação da Instrução Pública e da Educação imaginadas
pelos fundadores do Império e, posteriormente, pelos Saquaremas no momento de consolidação
do Estado Nacional via monarquia. Outros sentidos provêm da biografia e da trajetória
intelectual de Macedo – embora sem esgotá-las. Por fim, segue a análise das Lições.
A emancipação política do Brasil trouxe diferentes consequências e problemas a serem
enfrentados pelos homens que dirigiram esse processo. De um lado, como defende Mattos
(1987), havia a necessidade de restauração da moeda colonial, isto é, de preservação dos
monopólios que compunham a economia da América Portuguesa; de outro, havia a necessidade
de construção e consolidação do Estado Nacional e de abrigo aos diversos interesses entre as
mais longínquas regiões do Império.
De acordo ainda com Mattos (1987), o monopólio foi a própria essência do
mercantilismo consolidado no interior das sociedades do antigo regime. Quando essa prática
foi questionada, ela corroeu as bases desse regime e do próprio mercantilismo. A consequência
foram os processos de independência da América Latina; embora, no Brasil, a preservação dos
monopólios estivesse por trás da condução de tais processos.
Nesse sentido, “[...] a delimitação espacio-temporal de uma região existe enquanto
materialização de limites dados a partir das relações que se estabelecem entre os agentes, isto
é, a partir das relações sociais” (MATTOS, 1987, p. 24). Ou seja, trata-se de fatores articulados
aos aspectos internos e externos, dotados de dinâmicas sociais, políticas e econômicas. Por que
tais questões são relevantes? Porque ajudam a entender o que é ou era uma nação e porque
permitem compreender os Estados Nacionais como nações imaginadas ou culturalmente
construídas. Isso trouxe outras questões para os homens que viveram o século XIX e que
estavam envolvidos com a independência do Brasil. O que era a nação brasileira? Como os
livros de História ou o próprio conhecimento histórico interferiam ou interferem nessas
questões?
A introdução da Corte portuguesa na cidade do Rio de Janeiro aprofundou as
tendências econômicas da região sudeste no último quartel do século XVIII. Seu intenso
crescimento entre 1799 e 1819 não pode ser creditado apenas à vinda da Família Real, mas
75

também às funções econômicas que a cidade exercia nessa parte da América Portuguesa: o Rio
de Janeiro era o centro administrativo gerador de grandes demandas de consumo e bens de
serviço e era sede de bancos, de diferentes oportunidades de negócios e de outras oportunidades
para a população livre e pobre da colônia. Paralelamente a esse processo, a política joanina se
encarregou de construir estradas que ligavam à capital as regiões econômicas próximas para
melhor abastecê-la. Isso criou maior integração entre o centro sul, porque a cidade era
abastecida por diferentes regiões: o Rio da Prata, as cidades de Lisboa e Porto e as Províncias
de São Paulo e Minas ‒ uma cadeia econômica em torno da nova capital do Império.
Nesse eixo econômico, destacou-se a conformação das oligarquias proprietárias rurais
que atingiram tal ponto de poder e de fortuna e se miscigenaram com as diferentes elites
metropolitanas. Se, por um lado, a dinâmica econômica colonial se desenvolveu com a presença
da Corte no Rio de Janeiro; por outro, criou aqui fatores favoráveis à supremacia dos interesses
das oligarquias fluminenses e coloniais, especialmente com a Revolução liberal do Porto, de
1820, quando as medidas recolonizadoras que atingiriam os privilégios e os monopólios desses
setores da economia colonial foram colocadas em xeque. Despertavam ali os interesses da
emancipação política e/ou a conservação de interesses, privilégios e monopólios já
estabelecidos na América Portuguesa.
Se a luta por igualdade política e jurídica entre as Cortes do Brasil e de Portugal se
tornava cada vez mais antagônica, o caminho para a emancipação se tornava a segunda
alternativa. Isso levava a uma outra questão: o Estado e a nação. Surgia a necessidade de se
construir esse Estado e de forjar uma classe senhorial não apenas ligada aos negócios, mas à
ampliação de sua influência sobre a alta burocracia imperial. Nesta, cafeicultores, comerciantes
e financistas se confundiam por meio das alianças, dos contratos e dos casamentos que
formaram fortunas, se refizeram e/ou se expandiram para diferentes atividades econômicas.
Nesse quadro, originou-se o Estado Imperial brasileiro. O que, afinal, legitima a
existência de um Estado? A soberania de sua nação. No entanto, o problema é compreender o
que era a nação brasileira, especialmente para a elite política e intelectual que conformou esse
Estado por meio da atuação de instituições do aparelho administrativo. Já que somente a
independência não seria capaz de sustentar o Estado criado, foram necessárias décadas para a
consolidação tanto do regime imperial como do próprio Estado brasileiro.
Mattos (1987) compreende o chamado golpe da maioridade não como um
acontecimento em si e de suma importância. A maioridade foi um catalisador de acontecimentos
desconexos entre si que inaugurou uma espécie de novo tempo em relação ao seu passado,
sobretudo o recente. Paradoxalmente, representou a continuidade: a “recunhagem” da moeda
76

colonial (os monopólios), por um lado, e a necessidade de maior coesão política entre as
oligarquias, por outro.
Dom Pedro I e Dom Pedro II foram nomeados imperadores, ou seja, tornaram-se
senhores das terras conquistadas. Dizendo de outro modo, a América portuguesa não era vista
como uma unidade porque incorporava todas as províncias à autoridade e às leis do Império do
Brasil. Era a unidade sobre a regionalidade. Fundamentada nesse paradigma, a elite do império
refletia sobre a ideia de nação.
A nação foi construída mediante a dissociação entre cidadania e nacionalidade.
Cidadania, no caso, definia a constituição da vida política do Império: o cidadão era homem
livre, brasileiro e estabelecesse domicílio no País. Com essa delimitação, enxergava-se o Brasil
como a obra continuadora da civilização europeia. Entretanto, o escravo, que não era
considerado cidadão, mantinha-se como uma das mais valiosas riquezas, a propriedade, a mão
de obra, um dos monopólios e pilares da vida social e econômica do Brasil.
Ademais, algumas figuras, como José Bonifácio de Andrada, entendiam a questão da
nação como fundamental para a constituição e a preservação do Império. Para Andrada, o
Império não era mais do que uma circunscrição territorial, pois as nações revolucionárias eram
unas e indivisas, isto é, possuíam coesão contra as ameaças internas e externas. Para o Império
do Brasil, tais questões eram capitais em face das sedições regionais, como a questão platina.

A garantia da unidade do Império se constituía na garantia de uma


continuidade, também. O caráter de permanência que o “duplo corpo” do rei
encerrava, simbolizando a continuidade dos monopólios que se constituíram
havia muito. (MATTOS, 1987, p. 91).

O café se encarregaria de amalgamar essa grande fragmentação territorial. Desse


modo, o Estado Imperial funcionava como uma agência administrativa para o gerenciamento e
o funcionamento da economia cafeeira e açucareira e das demais atividades econômicas ligadas
a alguma oligarquia provincial. É o que Mattos (1987) chama de “jogo de inversões”. Para
tanto, foi fundamental a manutenção de um determinado regime de trabalho: a escravidão.
Se, de um lado, as oligarquias se serviam do Estado Imperial para consolidarem suas
posições verticais; de outro, a Coroa promovia a expansão da classe senhorial de modo
horizontal. A coroa arbitraria as fissuras no interior dessa classe senhorial, e o império
transformaria o colono em cidadão ativo e ascenderia o plantador escravista à condição de
classe senhorial, restaurando interesses e mantendo privilégios.
77

Mattos (1987) destaca a atuação inglesa na conformação de seu monopólio sobre os


mercados brasileiros, ainda sob o domínio português. O processo de independência manteve os
privilégios ingleses sobre os mercados brasileiros; além disso, o capital inglês modernizou a
economia do centro sul do Brasil, com destaque para a cafeicultura fluminense e paulista, que
investiu nas estradas de ferro e expandiu as lavouras. Os sertões, pela primeira vez, se
libertavam da tutela da faixa litorânea, aonde os produtos chegariam mais rápido e baratos, em
condições de competição com o comércio mundial.
Desse modo, prevaleceu o modelo que vinculava a sociedade e o comércio brasileiros
à Europa, ao conjunto das nações civilizadas. Quer dizer, a monarquia também significou o
alinhamento ideológico com as nações europeias, em contraponto às Repúblicas americanas:
“[...] era a maneira de utilizar as diferenças como uma espécie de escudo ideológico justificador
da permanência de uma dominação, traduzida no exercício dos monopólios” (MATTOS, 1987,
p. 101).
Ainda que haja diferenças entre as leituras feitas por Mattos (1987) sobre a
conformação das elites políticas e econômicas do Império, sua análise se assemelha à de
Carvalho (1988), que compreende a elite imperial do Brasil em seu predomínio. Embora os
pensamentos de tais autores não sejam homogêneos, acabam possuindo traços em comum,
como o entendimento da herança da tradição portuguesa patrimonial e absolutista, que conferiu
ao Estado monárquico a sua baixa representatividade política e o amplo controle do Estado
sobre a sociedade. Para Carvalho (2013), o Estado monárquico se fortaleceu da aliança entre o
Rei e a magistratura, de um lado, e entre o grande comércio exportador e os grandes
proprietários de terra, de outro. Aqui, chamar-se-ia a estruturação de um sistema oligárquico de
poder entre as elites locais/regionais e o poder central da Coroa.
As relações entre o poder central e os regionais eram tensas e complexas. As revoltas
regenciais dão uma boa mostra das dificuldades e dos desafios que se impunham à Coroa para
estabelecer, na perspectiva das insatisfações das elites regionais, uma dominação em âmbito
nacional. As rebeliões também tinham caráter e apoio popular, inclusive dos escravos, embora
estes fossem um elemento indesejado e temido na participação das revoltas. Os alvos eram a
Coroa e os comerciantes portugueses que dominavam esse setor nas principais cidades do País.
As rebeliões, populares ou das elites regionais, demonstraram a complexidade dessa
equação de poder, porque não se tratava apenas de controlar as populações urbanas, os cativos,
mas também de controlar os proprietários rurais e as facções de poder locais. Segundo Carvalho
(1988), com base no depoimento do jornalista Justiniano da Rocha, nem os proprietários rurais
nem os setores populares viam no Estado um mediador para os seus interesses. O jornalista
78

mencionado defendia a aliança e a apropriação do governo pelos proprietários rurais e pelos


grandes comerciantes para se estabelecer a ordem institucional e a unidade política.
Com o início do Segundo Reinado (1840-1889), os grupos políticos se alinharam em
torno de dois partidos: os conservadores e os liberais. Esse novo tempo marcou também o
predomínio dos conservadores, a chamada direção Saquarema, que estabeleceria as diretrizes
da chamada boa sociedade.
Os Luzias ou liberais se caracterizavam pelo modo de conduzir uma política segundo
a qual os interesses regionais deveriam prevalecer com maior autonomia político-administrativa
para as Províncias. Para os liberais, o império era controlado por uma oligarquia opressora que
mantinha forte influência sobre a condução do Estado Imperial, da Coroa para as Províncias.
Tratava-se de libertar o Brasil. Porém, as vitórias conservadoras de 1842 frearam tais intenções
políticas, além de unificarem as denominações em torno dos Luzias. Os dirigentes do império,
ademais, passaram a tratar as sedições como crimes contra a unidade do Império e a sua
constituição política.
Denominam-se Saquaremas os conservadores fluminenses liderados pela tríade
Visconde de Itaboraí, Visconde de Uruguai e Eusébio de Queirós. Com apoio dos
conservadores paulistas, essas figuras políticas deram o tom da política imperial até os anos de
1860, quando os liberais retornaram ao poder.
Para Carvalho (1988), o partido conservador representava a aliança da alta burocracia
com o comércio e a lavoura, provenientes, embora não necessariamente, de áreas mais antigas
de ocupação. O partido liberal representava a aliança dos profissionais liberais urbanos com os
proprietários rurais do mercado interno e das áreas mais recentes de colonização. Essa
percepção é importante para não se ter uma ideia homogênea entre os dois partidos da
monarquia. Essa composição heterogênea criava fraturas internas em relação a determinadas
questões, como o abolicionismo e a escravidão e a descentralização versus centralização
política.
Mais do que frear as pretensões liberais, os conservadores impingiram-lhes a pecha de
rebeliões contra a lei. É justamente esse axioma que os diferia, porque os conservadores
controlavam o mundo do governo e, portanto, das leis. Há um interessante debate sobre a
composição de ambos os partidos. Mattos (1987) envereda por uma leitura oligárquica e marca
a conformação dos dois partidos pela composição estadual-oligárquica. Assim, o partido
conservador era formado, embora não exclusivamente, por latifundiários do Rio de Janeiro, de
Pernambuco e da Bahia, além de grandes comerciantes das grandes cidades. O partido liberal
tinha maior penetração entre as oligarquias de Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná. Mais do
79

que dois partidos, existiu entre eles uma relação de dominação dos conservadores – vencedores
‒ sobre os liberais.
Mattos (1987) entende a relação das oligarquias que compunham o governo imperial
com o Estado numa relação dialética. Isto significa dizer que o “governo da casa” e o “governo
do Estado” não se opõem, mas, antes, a pertença ao mundo do governo estabelece uma relação
de igualdade entre os senhores. Trata-se de um conceito de liberdade da antiguidade em que a
liberdade e a propriedade são as principais características dos partícipes do processo político
do Estado. Entre os liberais, (embora pudesse existir os exaltados ou republicanos) defendiam
certa participação política de outros atores, ainda que com limites; assim lutaram para que
prevalecesse esse conceito de liberdade, embora tenha prevalecido o conceito antigo de
liberdade política, essa discussão não era tola porque implicava a inserção do povo livre e
desapropriado às questões políticas.
Carvalho (1999) também defende que o sentido do conceito de liberdade aqui
instituído era dos antigos. Esse autor argumenta que o Brasil independente teve inspirações
externas, como o constitucionalismo inglês, para a organização política do Estado brasileiro e,
como as inspirações portuguesas e as francesas, para o modelo político-administrativo do País,
porque a tradição centralizadora brasileira se aproximava destes dois últimos. Contudo, a
organização da justiça e, mesmo, certa descentralização provincial foram inspiradas nos
modelos anglo-americanos.
O início do Segundo Reinado se caracterizou pelo predomínio dos conservadores
(1836-1852), os quais, junto aos Liberais, imprimiram sentidos diferentes àquilo que
compreendiam como nação brasileira e aos que faziam parte dessa comunidade social e política.
Os conservadores viam as ideias liberais como uma ameaça à ordem, porque, para eles, em
razão da “desorganização” e da “anarquia” desse sistema, não havia controle sobre os níveis de
liberdades individuais e de participação política. Os liberais defendiam a supremacia e a
soberania do parlamento sobre o executivo ‒ o parlamento representaria a soberania nacional,
ao qual os reis deveriam se sujeitar respeitosamente, pois é a autoridade da nação que legitima
a autoridade do soberano, do monarca. Os conservadores, em sua restauração em 1842,
traçaram um sentido contrário: é o soberano quem antecede a nação, é ele quem se torna um
árbitro das disputas particulares, ordena o corpo político e social e impede a anarquia. Daí a
importância de um poder como o Moderador. Mattos (1987) destaca que os diferentes conceitos
de liberdade, especialmente os dos liberais, não podem ser confundidos com a igualdade, pois
não significam a incorporação do que se chama hoje de povo ou a plebe. Trata-se de uma
liberdade marcada pela dissociação da sociedade política e da sociedade civil.
80

Com referências de autores como Thomas Hobbes (2014) e Jeremy Bentham (2000)30,
os conservadores naturalizaram as diferenças entre os homens, bem como os hierarquizaram,
segundo sua liberdade, sua riqueza e sua responsabilidade sobre as coisas do Estado. Assim,
sob a direção Saquarema, a natureza da monarquia brasileira era a de que o Rei reina, governa
e administra de acordo com a circunstância do País e de suas especificidades. A felicidade da
sociedade é entendida pela preservação dos monopólios e privilégios de determinados atores
sociais, os quais, segundo essa visão, promoveriam a riqueza do País. Ao imperador, caberia a
manutenção da paz e a liberdade dessa prosperidade econômica e, naturalmente, ao Estado,
caberia seguir os interesses desse segmento social e econômico.
A circunstância histórica do Brasil impunha aos conservadores a necessidade de,
segundo sua ótica, construir a nação. Esta é uma leitura histórica de seu povo e de sua cultura
que justificou os diferentes mecanismos de controle, de tutela e de exclusão da população da
participação da vida política e da garantia de direitos individuais. Tais mecanismos são
definidos por Rocha (2002) como insuficiência cívica, isto é, uma leitura de que o povo – as
camadas populares – não possuía a capacidade de se governar, o que justificaria a necessidade
de uma classe dirigente conduzi-lo e tutelá-lo.
Mattos (1987) insiste na questão de distinguir os Luzias dos Saquaremas, porque essa
diferenciação permite compreender os caminhos que o Império tomou durante o Segundo
Reinado, após a restauração conservadora de 1842 e o fracasso dos liberais em manterem sua
diretriz política e econômica sobre o Império. Os Saquaremas viam no projeto liberal, de maior
autonomia provincial, a grande ameaça à unidade territorial e política construída pela
monarquia, a exemplo, sobretudo, do fracasso dos liberais em contingenciar os conflitos
nativistas/regionais durante o período regencial. “Os saquaremas, para exercerem uma
autoridade, isto é, para estar no governo do Estado, devem estar no governo da Casa. E,
efetivamente, o conseguiram” (MATTOS, 1987, p. 156). Dizer que se está no governo do
Estado significa possuir o poder e a capacidade de estabelecer uma diretriz política e executá-
la enquanto governo. Os Saquaremas:

Não se limitaram ao exercício de uma dominação. Por meio da “difusão das


luzes” e da promoção do “espírito de associação”, puderam estar no governo
da Casa. Não deixaram de estar, também, nas ruas e nas praças. Processo
crucial em cujo decorrer os Saquaremas, intimamente ligados ao Estado, a si
próprios se elaboravam, ampliando seus quadros e as suas perspectivas, por
meio de uma operação que consiste na transformação daqueles nascidos na
esfera da vida econômica e, até então, a ela ligados de modo quase exclusivo,

30
Para saber mais, ver O Panóptico (BENTHAM, 2000) e O Leviatã (HOBBES, 2014).
81

fazendo cada qual um elemento qualificado, em seu respectivo lugar, para uma
direção e uma organização que estão pressupostos no desenvolvimento de uma
sociedade que faz parte do conjunto das “nações civilizadas”. (MATTOS,
1987, p. 156-157).

Para Mattos (1987), entretanto, os liberais não foram capazes de construir uma ideia
de dimensão pública mais sólida porque, ao privilegiarem o governo da Casa, e não o do Estado,
portavam-se como déspotas. E à medida que não tinham um consenso sobre quem
poderia/deveria participar da vida política, entravam em contradição, já que essa ideia interferia
na sua posição de dominação social e econômica e no seu raio de ação ‒ o que explica a leitura
de grande parte da historiografia a respeito dos partidos políticos do Império. Os liberais
também não conseguiram se organizar nacionalmente: por exemplo, os interesses dos gaúchos
não tinham eco entre os liberais pernambucanos ou paulistas e, quando tinham, não se faziam
valer, o que culminou em diferentes rebeliões regionais contra o poder central da Regência e
no início do Segundo Reinado.
Ilustração, credibilidade, força e riqueza eram os atributos dos conservadores
Saquaremas, que não apenas apontaram uma direção para o Império, mas também fundiram os
interesses dos antigos monopolizadores “abençoados” pela Coroa. Os monopólios fundaram a
classe senhorial, monopólio que incluía o tráfico de escravos.
Ambos os partidos favoreceram o desenvolvimento de um Império dividido em três
mundos, marcado pela ocupação de diferentes atores sociais, segundo hierarquias e cor de
nascimento. As raças, como dizia Francisco de Paula de Rezende31, nunca se confundiam, antes
cada raça e cada uma das classes sabia sua posição na sociedade. Assim, esses critérios definiam
quem era a flor da sociedade e quem era a escória da população: “[...] três seguintes classes: a
dos brancos, sobretudo daqueles que por sua posição constituíam o que se chama de boa
sociedade; a do povo mais ou menos miúdo; e finalmente a dos escravos” (REZENDE, 1944,
apud MATTOS, 1987, p. 113). Em outros termos, o Império era formado por três mundos
distintos, cujos sujeitos sabiam qual espaço ocupavam, destacadas suas diferenças sociais e
econômicas. Prevalecia, portanto, o espírito aristocrático dessas elites sobre a sociedade em
geral.
Assim, o liberalismo tinha dupla função e importância: constituía e mantinha a classe
senhorial e construía o Estado Imperial. Nesse sentido, Luzias e Saquaremas estavam do mesmo
lado na busca por preservar os velhos monopólios e construir um Estado capaz de viabilizar

31
Memorialista utilizado por Ilmar Mattos como a síntese da sociedade criada durante o Império Brasileiro. Para
saber mais, consultar Tempo Saquarema (MATTOS, 1987).
82

essa organização política e econômica. Desse modo, as ideias de liberdade e propriedade foram
capitais para as matrizes de pensamento político de ambos os partidos.
As populações pobres, cativas e libertas pertenciam ao mundo da desordem, porque
promoviam diferentes formas de resistência, afinal a cidadania e o acesso à riqueza lhes eram
vedados. Quilombos, matanças e assaltos a engenhos e propriedades alimentavam esse
imaginário da “boa sociedade” sobre o povo pobre e miúdo:

A existência de três mundos era, em primeiro lugar, a existência da distinção


entre coisa pessoa. Povo e plebe eram pessoas, distinguindo-se dos escravos
por serem livres. Todavia, Povo e plebe não eram iguais, nem entre si, nem no
interior de cada um dos seus mundos. (MATTOS, 1987, p. 125).

A essas distinções se consolidavam outras, como a cor da pele, a propriedade sobre a


terra ou sobre os escravos e a rede de relações que o indivíduo era capaz de estabelecer para
marcar sua posição na sociedade imperial. Dessa maneira, o Estado Imperial se organizava
tendo a Europa como ideal a ser seguido, já que via o Brasil e a sua “boa sociedade” como
herdeiros da civilização ilustrada.
O Império brasileiro tinha uma percepção própria do conceito de nação em relação às
chamadas nações civilizadas. Nelas, extinguiram-se, ao longo do tempo, as distinções, porque
nação é um conjunto de homens livres e iguais. Fundamentalmente, não era esse o caso
brasileiro, quando ainda existiam escravos no seio de sua sociedade.
Entre os fundadores do Império, baseados no liberalismo iluminista, e os
consolidadores do Império, baseados no nacionalismo romântico, é possível inferir as distinções
entre Luzias e Saquaremas no que tange às questões educacionais, porque o desenvolvimento
da Instrução Pública esbarrou no predomínio de políticas que garantiam os lucros dos
monopólios econômicas que sustentavam a base política do regime imperial. Tais questões são
importantes para se compreender a legislação educacional em meados do século XIX.

2.1 – A instrução Pública: entre a emancipação política e o forjamento da classe senhorial, a


boa sociedade

Como se conformou a legislação entre Luzias e Saquaremas e seus projetos políticos


que distinguiam a sociedade brasileira em três mundos, como relatam as memórias de Rezende
(1944)? Já que a historiografia da História da Educação desenvolveu amplos trabalhos sobre o
tema, seria dificílimo condensá-lo aqui. Mas cabem muitas notas sobre como se pensou a
83

Instrução/Educação pública e o que se esperava dela para a consecução de um projeto de nação


brasileira imperial.
A primeira Carta Magna do Brasil, de 1824, não é muito aprofundada e não trata de
um conjunto de leis sobre como se deveria legislar a instrução primária, secundária ou ainda o
ensino superior no País. Consoante o texto constitucional:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos


Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
(BRASIL, 1824).

O direito à educação é compreendido como uma das garantias de direitos civis e


políticos invioláveis por parte do Estado. Desse modo, até é possível entender a profundidade
desse direito, enquanto dimensão pública, como veio a ser no século XX. Contudo, os incisos
32 e 33 o definem de forma pouco clara:

XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.


XXXIII. Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das
Sciencias, Bellas Letras, e Artes. (BRASIL, 1824).

O texto constitucional declara a questão da gratuidade, o que mostra uma ideia


publicista sobre a educação. Porém, esse artigo e os dois incisos que versam sobre a instrução
pública não foram acompanhados de leis complementares que demonstrassem como seria
executada a garantia do direito à educação. Isto é, não expõem de quem é (Coroa, Província ou
Município) essa atribuição. Já a Coroa se comprometeria com a oferta do ensino secundário e
universitário. À escola, era vedado, segundo a legislação, o ingresso de cativos e doentes
contagiosos, o que reforçaria a manutenção do regime escravista de trabalho, mas não era
vedada a entrada de libertos.
De acordo com Chizzotti (2001), o texto final da Constituição outorgada simplificou
o debate que houve na Constituinte dissolvida por Dom Pedro I. Segundo ainda o mesmo autor,
a forma como o direito à educação foi prescrito resultou das pressões dos liberais portugueses,
a quem Dom Pedro I desejava manter a sucessão do trono de seu pai D. João VI. No entender
de Chizzotti (2001, p. 31), a gratuidade não foi resultado de interesses articulados da sociedade
civil; antes, “sintetiza as relações de força sociais e políticas que, por fraturas diversas, deram
condições a independência”. A assembleia Constituinte foi composta majoritariamente por
bacharéis em direito, funcionários públicos de alto escalão, alguns clérigos e profissionais
liberais de outras áreas ‒ os quais Mattos (1987) chamou de representantes políticos da classe
84

senhorial latifundiária, camadas da sociedade ligadas e subordinadas aos proprietários rurais


(do gado, do café, do cacau e/ou da cana-de-açúcar).
As discussões para a elaboração de uma constituição brasileira giravam em torno do
constitucionalismo, isto é, os governantes do País administrariam sob uma constituição que lhes
impunha deveres e limites, o que era um golpe contra o absolutismo político das casas reais. A
instrução foi discutida na esteira dessas querelas políticas, ficando, em boa medida, à margem
desse processo político.
Os deputados constituintes não conseguiram pensar um projeto nacional de instrução
pública, sobretudo de instrução primária, que ficou alheia às discussões a respeito da elaboração
do melhor tratado de educação para o Brasil. Ou seja, eles mesmos não discutiam ou não
queriam discutir e pensar sobre o assunto. Cabe ressaltar que, para o ensino superior, foi
diferente, visto que houve discussão e implantação de cursos de direito em Recife e São Paulo,
de Medicina no Rio, e por aí afora. A única medida adotada para a instrução primária foi a
desregulamentação do ensino privado. Prescrevia-se a abertura de aulas por particulares sem a
necessidade de autorização do Estado, caracterizando a instrução como mais um serviço
prestado à sociedade mediante pagamento.
É mais relevante destacar, nessa Carta Magna, a definição de cidadão, porque esta é a
chave para a compreensão sobre quem deveria ter acesso à educação:

Art. 6. São Cidadãos Brazileiros


I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda
que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua
Nação.
II. Os filhos de pai Brazileiro, e os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em
paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Imperio.
III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em serviço
do Imperio, embora elles não venham estabelecer domicilio no Brazil.
IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes
no Brazil na época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias,
onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação
da sua residencia.
V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei
determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalisação.
(BRASIL, 1824).

Os textos dos incisos II, III, IV e V, por si só, explicam essa questão. Contudo, cabem
considerações sobre o primeiro inciso: são considerados cidadãos brasileiros os indivíduos
nascidos no Brasil, quer sejam “ingênuos”, isto é, filhos de escrava e livre32, quer sejam libertos.

32
Para mais informações, ler Mattoso (1991).
85

Nele, destaca-se que a nacionalidade estrangeira só se mantém se o pai estiver a serviço de sua
nação.
Interpretando o conceito de cidadão brasileiro e quem poderia frequentar as escolas
primárias e secundárias e os cursos superiores, estabelece-se somente que os cidadãos poderiam
frequentar as escolas primárias, entretanto não se define o acesso de acordo com a cor. Aos
cativos, implicitamente, o texto constitucional vedava o acesso.
De acordo com Gondra e Schueler (2008), com base nas produções de História da
Educação, foi possível buscar um olhar para além das divisões históricas político-
administrativas. Esses autores propõem uma ruptura historiográfica com as leituras clássicas
que a História da Educação Brasileira fazia sobre os insucessos escolares e o pioneirismo
republicano. Dessa forma, a educação é compreendida como uma prática social que existe no
meio social e familiar e no desenvolvimento de outras habilidades de leitura e escrita escolar.
Nessa perspectiva, o Oitocentos é compreendido pela nova historiografia como dotado de
sentidos próprios de seu tempo, de concepções de Estado e de organização administrativa. Isso
significa romper com a historiografia republicana que entendia a política imperial para a
educação como vazia. Nesse sentido, toda a efervescência política vivida no período pós-
independência colocaria em xeque a unidade política. Por essa razão, a questão nacional estava
posta na ordem do dia e, como consequência, a política era a arena de diferentes projetos de
nação, de concepções de ser brasileiro.
O Brasil é entendido como uma invenção política pelas instituições monárquicas, as
quais foram criadas para gestar e civilizar aquilo que deveria ser a nação brasileira. Tal projeto
está presente ao longo de todo o período monárquico e pode ser percebido pelo deslocamento
semântico do termo brasileiro, como apontado a seguir:

[...] a palavra brasileiro adquiriu novos sentidos. Deixava, então, de apenas


qualificar uma profissão (aquela dos exploradores e comerciantes do pau-
brasil) ou de designar o grupo de portugueses e seus descendentes, os nativos
e criollos da América, naturais da terra, e os escravos africanos nascidos na
colônia. [...] com a Independência do Brasil, a palavra “brasileiro” passou,
então, a expressar e a adjetivar um corpo político autônomo. (GONDRA;
SCHUELER, 2008, p. 26).

A educação, nesse sentido, tinha a função ou a pretensão de estabelecer laços


identitários entre os súditos em relações de interdependência com os cidadãos ativos e os
inativos. Assim, ao mesmo tempo que a educação reificava a hierarquia social, política e
86

econômica da sociedade imperial, direcionava-se a formação do povo e da construção da


nacionalidade, leitura essa que se coaduna com a de Mattos (1987).
Esse é o sentido atribuído ao texto da Constituição outorgada em 1824, segundo a qual
a instrução era direito fundamental para as garantias de liberdade e igualdade entre os cidadãos.
Os anos de 1820 foram marcados pelos intensos debates em diferentes meios de imprensa sobre
o que era a nação, sobre a necessidade de inserção de negros e mestiços ou ainda sobre a
necessidade de civilizar os índios. É o que os autores chamam de disputa do significado de ser
brasileiro e dos limites para o exercício da cidadania.
A cidadania é exercida pela liberdade e pela propriedade, princípios capazes de
ordenar toda a hierarquia social e econômica da sociedade brasileira divididas em livres e
escravos. Um outro ponto é a renda, que constitui uma democracia censitária. Os votantes, que
tinham direito de eleger, mas não de serem eleitos, deveriam ter uma renda anual de 100 mil
réis. Os elegíveis, que, além de eleitores, poderiam ser eleitos, deveriam ter renda de 200 mil
réis, porém, para candidaturas a deputado, renda de 400 mil réis, e a senador, renda de 800 mil
réis. Os libertos só poderiam participar das eleições locais para vereadores, juízes de paz e corpo
eleitoral ativo (aqueles que, pelo voto local, ganhariam o direito de eleger os cargos regionais
e nacionais do império).
Esse modelo sofreria contradições com o desenvolvimento da economia brasileira
durante a segunda metade do século XIX, que permitiu à parte considerável da população
participar da vida política local, porque 100 mil réis se tornava acessível a uma parcela dos
trabalhadores e libertos. Isto é, o corpo político local era mestiço e negro e participava da vida
política, o que não pode ser desprezado, quando se mencionam representações de um povo
sorumbático e alheio aos processos políticos do Brasil, ideia comum entre políticos e
intelectuais.
As transformações que ocorreram no Brasil na segunda metade do século XIX
permitiram maior participação dos mestiços na vida intelectual e política do País, porém a
racialidade era silenciada33. As indefinições da legislação sobre a cor também contribuíram para
essas questões. Ainda que fosse vedado o acesso à educação aos cativos, isto não significa que
eles não tenham tido algum acesso à escolarização, o que provoca uma releitura mais complexa
sobre o fenômeno da escolarização da população brasileira, especialmente as populações negras
e mestiças entre os cativos e os libertos dessa sociedade.

33
Para mais informações, ler Escravidão e cidadania no Brasil monárquico (MATTOS, 2000).
87

Depois da primeira Constituição outorgada, a primeira lei aprovada por uma legislatura
foi a de 15 de outubro de 1827. O documento versa sobre as ordens de se construírem escolas
primárias para o sexo masculino por todo o Império, pelo menos entre as cidades, as vilas e os
lugares mais populosos. Para as meninas, seriam construídas escolas quando, segundo seu
artigo 11, “os Presidentes em Conselho julgarem necessário este estabelecimento” (BRASIL,
1827). Dizendo de outro modo, as escolas para os meninos eram a prioridade.
Essa lei orientava que o Presidente de cada Província deveria determinar quais escolas
seriam construídas e onde se localizariam, de acordo com as necessidades. Inclusive, permitia
a extinção de escolas em locais mais afastados para que fossem transferidas para localidades
mais populosas.
O sexto artigo da referida lei estabelecia o programa de ensino a ser desenvolvido nas
escolas primárias:

Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de


aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais
de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral
cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à
compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do
Império e a História do Brasil. (BRASIL, 1827).

A disciplina de História, sobretudo a do Brasil, estava incluída entre as disciplinas


escolares, bem como a leitura da Constituição do Império estava incluída no programa de
leitura. O conhecimento histórico estava entre os instrumentos de consecução da nação.
Contudo, a dimensão moral era fundamental a esse sentimento, já que o ensino da doutrina
cristã católica dava o sentido de educação, para além da instrução: formação intelectual (as
línguas e as ciências) e formação moral (ensino religioso)34.
Cabe destacar que os professores eram nomeados pelos presidentes de Província
mediante exame e aprovação do Conselho. Para tanto, deveriam ser cidadãos brasileiros em
“gozo de seus direitos civis e políticos”, ou seja, livres ou ingênuos poderiam exercer o cargo
do magistério. Pelo menos, não há uma restrição clara aos libertos e ingênuos sobre poderem
ou não exercer o magistério.
E, por fim, destaca-se, nessa lei, o artigo 16:

34
Para saber mais, consultar o livro Ensino de História: fundamentos e métodos, de Bittencourt (2008). Segundo
o autor, a História Profana e a Sagrada tiveram destaque na conformação da Disciplina de História na cultura
escolar.
88

Art. 16. Na província, onde estiver a Corte, pertence ao Ministro do Império,


o que nas outras se incumbe aos Presidentes. (BRASIL, 1827).

Se a historiografia consagra o Ato Adicional de 1834 como marco do estabelecimento


de responsabilidade sobre a Instrução/Educação para as Províncias, o artigo 16 dessa lei mostra
a anterioridade legislativa nesse assunto. Em síntese, no mínimo, a lei de 1827 estabeleceu as
bases sobre as quais se consolidaria a responsabilidade das Províncias na difusão das primeiras
letras.
O ato adicional de 1834 fortaleceu o poder das oligarquias provinciais mediante
estabelecimento de Assembleias Provinciais, as quais poderiam legislar sobre os mais variados
assuntos. Entretanto, manteve-se o controle da Coroa sobre a arrecadação e a nomeação do
Presidente da Província.
A respeito da Instrução Pública, a lei delibera, em seu artigo décimo, o seguinte:

§ 2º Sobre instrucção publica e estabelecimentos proprios a promovel-a, não


comprehendendo as faculdades de Medicina, os Cursos Juridicos, Academias
actualmente existentes e outros quaesquer estabelecimentos de instrucção que
para o futuro forem creados por lei geral. (BRASIL, 1834).

O texto em si define-se pela exclusão. Não eram de responsabilidade da Província as


faculdades de Medicina ou de Direito, bem como as Academias que já existissem ou que
viessem a existir. Somente o restante, portanto, era de sua competência: o ensino primário e o
secundário.
O ato adicional de 1834 foi o marco para a descentralização administrativa das
políticas para a educação, cabendo à Coroa a responsabilidade sobre o município. A deliberação
sobre a instrução foi apenas um dos sintomas das disputas políticas entre as províncias e o
governo central ou, nesse caso, entre a hegemonia das províncias do centro Sul e as do Norte.
Essa disputa foi árdua e integrou diferentes ações políticas e militares com levantes, cujo
resultado foi a criação de assembleias legislativas provinciais mais autônomas que
contemplavam as elites políticas locais. Para Sucupira (2001), a descentralidade da obrigação
educacional revela a influência do modelo federativo estadunidense e das lutas liberais que
ensejavam maior autonomia e governança em relação ao poder central da Coroa.
A despeito do fracasso das políticas de Estado em torno da Instrução, Gondra e
Schueler (2008) refletem sobre um novo sentido para a educação no período imperial, sentido
esse que consistiu nas diferentes iniciativas provinciais para o ensino. Os recentes trabalhos de
História da Educação discutem tais iniciativas, as quais, contudo, não eram, necessariamente,
89

estatais, mas organizadas pela livre iniciativa de cidadãos de pequenos vilarejos cujas escolas
funcionavam em residências e nas casas dos professores.
Pode-se entender que, dentro da sociedade brasileira, a educação possuía uma
concepção própria, já que a instrução não foi apenas resultado das ações de atores políticos na
promoção de um sistema de ensino, mas, antes, foi resultado das ações dos cidadãos que se
mobilizaram na contratação dos mestres-escolas e no aluguel de residências para o
funcionamento das aulas. Era uma educação entendida mais como atribuição da família e
tradição da sociedade do que a necessidade de política estatal que se conformaria décadas mais
tarde.
Visto que cabia a cada Província e ao município da Corte a promoção da Instrução
Pública primária e secundária, o Rio de Janeiro foi lugar privilegiado em legislação e no relativo
sucesso da expansão da malha escolar. Dizer sucesso significa comparar as Províncias do
Império, o que não quer dizer que tenham logrado diante das necessidades reais do município
da Corte.
Essa lei não passou impune às críticas dos mais variados profissionais, pois a Coroa
se eximia da instrução primária e secundária. A consequência disso, segundo os testemunhos
do artigo de Sucupira (2001), foi a ausência de um sistema nacional de ensino que
homogeneizasse o caráter brasileiro. No século XIX, houve, então, uma luta pela uniformização
e pela integração do ensino, demonstradas pelo referido autor em relatórios de ministros e de
outros políticos.
Nessas disputas, contudo, não significa que os políticos não tinham nenhum projeto de
nação. O problema é que esses projetos não se configuravam como transformação social e
política. José Bonifácio de Andrada, em discurso à constituinte de 1823, proferiu a defesa do
fim do tráfico de escravos, bem como o fim gradual da escravidão. A saída para o Brasil,
segundo ele, era a integração racial dos elementos que compõem a nação brasileira: o negro, o
índio e o branco. Defendeu, então, a civilização dos negros e dos indígenas com o objetivo de
torná-los também cidadãos “sadios” e imbuí-los de sentimento de patriotismo. Todavia,
Andrada não tratava apenas dos ideais apregoados pela constituinte, pois defendia a pequena
propriedade como meio de libertar da miséria a maior parte da população e inserir o trabalho
livre, que, a seu ver, apenas enriquecia os traficantes e não melhorava em nada o trabalho no
Brasil e o uso dos recursos naturais dessas terras, as quais, para ele, eram mal utilizadas e
estavam sendo esgotadas.
A História do Ensino secundário do Brasil Imperial e boa parte da historiografia a seu
respeito se confundem com a história do Colégio Pedro II (CPII), com os programas de ensino
90

modelados por essa instituição, bem como com os materiais de ensino produzidos por seus
professores. Dessa forma, cabe uma retomada sobre a Instrução secundária no Brasil do século
XIX, porque foi nessas instituições que os manuais foram criados e consolidados, sobretudo no
CPII, fundado em 1838, no município da Corte imperial. Contudo, não se pretende aprofundar
ou trazer novas questões sobre os estudos acerca do ensino secundário, porque o foco desta tese
são os manuais.
A origem do Colégio Pedro II é a criação do Abrigo dos órfãos de São Pedro em 1733.
Já em 1739, o bispo D. Antonio de Guadalupe transformou o prédio em Colégio dos órfãos de
São Pedro. Em 1776, o Colégio se transformaria no Seminário São Joaquim, ao lado da Igreja,
de mesmo nome. De acordo com Santos (2009), após a expulsão dos Jesuítas dos domínios
portugueses, o Seminário ganhou muita importância cultural e prestígio de ensino em
decorrência das poucas opções que a população carioca dispunha para educar a mocidade.
Durante a permanência de Dom João VI no Rio de Janeiro, o prédio foi transformado em abrigo
para os soldados da Coroa. Ao longo dos anos de 1830, com a finalidade da construção da atual
sede do Colégio Pedro II, a Igreja foi derrubada.
Em 2 de dezembro de 1837, um decreto determinaria a transformação do Seminário
de São Joaquim em Colégio de instrução secundária, o qual denominar-se-ia Colégio de Pedro
II, que entraria em funcionamento em 25 de março de 1838 sob a regência de Pedro Araújo
Lima. À época, o ministro interino do Império era Bernardo Pereira de Vasconcellos.
O Colégio Pedro II, acompanhado desde o início pelo jovem e futuro Imperador Pedro
II, tinha um caráter aristocrático, porque, de acordo com Santos (2007, p. 104, grifos da autora),
“buscava-se apoio daqueles que compunham a boa sociedade que dependia de bons
governantes, de bons administradores e de bons agentes civilizadores”. Entretanto, a
importância atribuída ao CPII não era apenas a de formar os quadros da elite econômica, social
e política do Império, mas também a de delinear as primeiras fisionomias do ensino secundário
brasileiro. A instituição, durante décadas, baseou-se na formação humanista e propedêutica, nas
ciências naturais e matemáticas, afinal, na contemporaneidade, tais conhecimentos estavam na
ordem dia para o progresso material das sociedades modernas.
Paralelamente a essas características, o Colégio Pedro II servia de modelo para os
Colégios existentes nas demais províncias. Assim, a Coroa, por intermédio do ensino
secundário no Colégio da Corte, controlava os programas do ensino secundário e, por
conseguinte, a entrada nas Instituições de Ensino superior, porque o ingresso nesse nível de
ensino se dava mediante aprovação nos chamados exames preparatórios, formulados com base
nos conteúdos escolares trabalhados no CPII.
91

Isto pode ser visto como um contraste à política imperial: por um lado, o Ato Adicional
de 1834 determinava que cabia às Províncias o desenvolvimento das primeiras letras e do ensino
secundário, configurando a descentralização administrativa da instrução pública; por outro,
regulamentava e controlava os programas de ensino por meio da cobrança desses conteúdos nos
exames preparatórios para as faculdades. Em suma, ao mesmo tempo, garantia-se o ingresso
nos cursos superiores aos concluintes do curso secundário de sete anos,35 quadro que só
começaria a se transformar durante a Primeira República, entre avanços e retrocessos na
legislação36.
Pode-se confrontar a tese de controle imperial sobre os currículos provinciais com a
tese de Gondra e Schueler (2008). Esses autores não põem em xeque o caráter modelar do
Colégio Pedro II; antes, problematizam o alcance desse projeto ambicioso de nacionalização
dos programas de ensino do nível secundário no País. Isto porque, a rigor, as diferentes
modalidades de ensino secundário (liceus e aulas avulsas) eram desconexas entre si, mas
visavam ao ingresso nos cursos superiores mediante aprovação nos processos seletivos
denominados exames preparatórios. A exceção ficava por conta do próprio CPII, pois o
bacharel formado nessa instituição, em razão de seu diploma, tinha o ingresso garantido nas
faculdades.
Nesse modelo de instrução/educação, os níveis de ensino – primário e secundário –
não se articulavam em graus sucessivos e contínuos, já que eram:

[...] cursos justapostos, organizações paralelas, que se diferenciavam à base


do nível social das respectivas clientelas e da finalidade social a que obedecia
a sua formação educativa. Tinham prestígios sociais diversos e visavam a
objetivos pedagógicos diferentes, distinguindo-se nitidamente em suas
organizações didáticas, na preparação e nas condições de trabalho de seus
professores. (SILVA, 1969 apud GONDRA; SCHUELER, 2008, p. 126-127).

Os autores mencionados salientam que, apesar do título de bacharel, em função do


curso de sete anos, o Colégio Pedro II formava poucos. Assim, os alunos buscavam caminhos
mais rápidos e facilitados para o ingresso nos cursos superiores, como os exames, que lhes
confeririam a mesma titularidade. O Estado/Coroa criou, então, mecanismos de controle mais

35
Vale destacar que, embora existisse esse recurso, a via de regra era o ingresso nos cursos superiores mediante
aprovação nos exames parcelados e nos próprios preparatórios. A isenção dos exames preparatórios passou a existir
a partir do decreto n.º 296, de 30 de setembro de 1843. Para saber mais, ver, ao final desta tese, a Bibliografia.
36
Para saber mais, consultar: Lei Benjamin Constant, decreto n° 981, de 1890; Lei Epitácio Pessoa, decreto n°
3890, de 1901; Lei Rivadavia Correia, decreto n° 8659, de 1911; Lei Maximiliano, decreto n° 11530, de 1915; e
Lei Rocha Vaz, decreto n° 16782, de 1925.
92

sutis, embora a consequência fosse sua pouca eficácia em uniformizar os Programas de Ensino
do País.
Fernando Penna (2008) defende a hipótese de que o conceito de currículo pode ser
aplicado ao processo de consolidação do Colégio Pedro II como instituição de ensino
secundário no Brasil em substituição às chamadas aulas ou estudos menores (PENNA, 2009).
Segundo o autor, a criação do Colégio se constituiu em uma nova forma organizacional ou, nos
termos de Gasparello (2004), significou a institucionalização do ensino secundário no Brasil.
Isto ocorreu como contraponto às chamadas aulas avulsas e às escolas isoladas que
permaneceriam por muito tempo na História da educação brasileira, embora o Colégio as tenha
substituída como modelo de ensino.
Já que sua criação significou a institucionalização do ensino secundário no País, o
Colégio Pedro II também foi, segundo Penna (2008) o primeiro a criar e adotar um currículo
seriado e multidisciplinar. Consoante informado pelo autor, o termo currículo ‒ que, em termos
sucintos, designa como se organiza o processo de escolarização, isto é, as disciplinas do curso
‒ foi raramente utilizado entre os administradores do Colégio. Para Penna (2008) na perspectiva
de Goodson, o currículo deve ser compreendido com base não apenas nos conflitos, nas tensões
e nas negociações, mas também na questão dos padrões de estabilidade e mudança. Em outros
termos, é imprescindível desnaturalizar as relações entre os atores da educação e os currículos.
Com fundamentação nos estudos de Goodson, Penna (2008) teceu uma reflexão
profícua sobre a questão do currículo e do Estado Nacional, uma chave de leitura para a
compreensão do papel da educação secundária nesse período:

O envolvimento estatal na escolarização é uma questão central para o


entendimento do currículo. [...] Neste sentido existe uma forte relação deste
sistema com questões econômicas, mas não só isso. Questões políticas que
envolviam a identidade nacional também estavam em jogo – acreditava-se que
o Estado ganharia coesão [...] e a escolarização era vista como uma das
principais formas de socializá-los nesta identidade. Em alguns casos, este
processo está associado com o estabelecimento da escolarização compulsória
de massa e a criação de uma burocracia estatal especificamente criada para
legislar sobre a escolarização. A principal forma desta burocracia exercer seu
controle sobre a escolarização seria a definição do currículo escolar. (PENNA,
2008, p. 57).

Vale destacar que o caso brasileiro se caracterizou pela pequena malha escolar, como
destacam Gondra e Schueler (2008), ou seja, embora os estadistas do Império compartilhassem
de tais ideias, houve um alcance mínimo da rede escolar durante o império. Assim, a questão
nacional, cujo enfrentamento ocorreu por diferentes estratégias e caminhos, tornava-se patente
93

para estadistas, políticos e intelectuais da boa sociedade imperial. Todavia, a expansão dessa
malha escolar seguiu o caminho do alargamento do Estado burocrático brasileiro, assim como
seguiu os limites dessa expansão durante o Segundo Reinado.
A hipótese de Penna (2008) é a de que a institucionalização do ensino secundário foi
acompanhada da implementação de um currículo, porque os programas de ensino publicados
ao longo dos anos constituíam o curso secundário como seriado e multidisciplinar,
características decorrentes dos exames preparatórios para o ingresso nas faculdades existentes
no País. Então, justificava a ideia de currículo a fiscalização sobre o trabalho docente, sobre o
que se ensinava, como se ensinava, se as aulas possuíam doutrinas “nocivas” à sociedade e,
principalmente, se as chamadas aulas avulsas permitiam a preparação para a entrada nas
faculdades.
Vale lembrar que a instituição, em 1857, se dividiu entre Externato e Internato,
instalada na Tijuca em 1858 e permanecendo lá até 1888, quando foi transferida para o Campo
de São Cristóvão, dando origem ao atual Campus de São Cristóvão. Outro elemento que se
pode congregar à discussão acerca da importância do Colégio Pedro II é o perfil dos professores
que pertenceram à instituição, conforme afirma Santos (2009). Gasparello (2004, p, 116)
assinala que esses intelectuais, de saber notório, fizeram parte de agremiações, como o IHGB,
as Academias Literárias, a ABL e outras sociedades culturais e científicas da época. Fizeram
parte desse corpo ex-alunos, escritores, médicos, políticos de grande projeção nacional ou
administrativa no Estado brasileiro, entre outros.
As principais legislações sobre o ensino secundário do Primeiro Reinado são
mencionadas a seguir. Sua importância decorre dos materiais didáticos produzidos pelos
professores do Colégio Pedro II, considerados os diferentes decretos publicados pelo Imperador
via ministro do Império.
Em 1838, foi decretado e publicado o estatuto interno do Colégio Pedro II: organização
administrativa, fontes de receita, despesas, organização da grade curricular, dos professores,
alunos e funcionários, dentre outros detalhes37. O regimento interno sofreria alterações em
1841, quando se determinaria a duração de sete anos para o curso secundário. Outra
determinação do decreto versa sobre as disciplinas do curso, sua duração e o ano que
comporiam a grade curricular38. Em 1843, o decreto imperial estabeleceria que os concluintes

37
Para saber mais, consultar o Regulamento n.º 8, de 31 de janeiro de 1838, que contém os estatutos do Imperial
Colégio de Pedro II.
38
Para mais informações, consultar o Regulamento n.º 62, de 1 de fevereiro de 1841, que altera algumas das
disposições do Regulamento n.º 8, de 31 de janeiro de 1838.
94

do curso secundário portadores de diploma de bacharel em letras estariam isentos dos exames
preparatórios para o ingresso nas faculdades, como já mencionado.
A principal reforma do ensino primário e secundário durante a consolidação do regime
monárquico – suas três primeiras décadas – foi a conhecida Reforma Couto Ferraz, que
estabelecia mudanças nos dois níveis de ensino no município da Corte. Embora se
circunscrevesse apenas a esse município, a reforma ganhava repercussão nacional, pelo menos
no nível secundário, porque o Colégio de Pedro II tinha caráter modelar em relação aos Colégios
e Liceus provinciais públicos e privados.
A Reforma Couto Ferraz consistiu na reorganização do organograma administrativo
da Instrução Pública do Município da Corte, como o caso da nomeação do Inspetor Geral da
Instrução Pública, e na subordinação da Instrução ao Ministério dos Negócios do Interior. O
decreto ainda reformou a organização administrativa do Colégio Pedro II. De acordo com
Rocha (2011b), a Reforma Couto Ferraz, em um contexto de estabilidade da unidade nacional,
pode ser entendida como paradigma propositivo de Construção Educacional por parte do
Estado/Coroa. Nos dizeres de Mattos (1987) e Martinez (1997), a direção saquarema imputou
um projeto conservador à Instrução Pública do País.

[...] primeira grande matriz reguladora da política de educação são a de um


Estado fortemente proponente da educação, visto o caráter ativo muito mais
pela regulação e fiscalização do que propriamente pelo investimento público,
embora este seja também instigado por ministros e políticos em geral
comprometidos no entendimento do papel da educação na formação da
sociedade civil. (ROCHA, 2011b, p. 178).

Isto é exposto na obrigação da Inspetoria Geral de ensino em fiscalizar e organizar os


exames para os estabelecimentos de ensino primário e secundário e em deliberar sobre a
admissão, a promoção ou a demissão dos professores adjuntos e substitutos. Ademais, a
Reforma definiu a criação de um Conselho diretor composto pelo Inspetor Geral, pelo Reitor
do Colégio Pedro II e por professores de ensino primário e secundário das instituições públicas
e privadas.
Para o ensino primário, a Reforma regulamentou a contratação de professores e seu
plano de carreira e aposentadoria, com destaque ao aspecto moral tanto para homens como para
mulheres na ocupação do cargo de magistério. Definiu as disciplinas que compunham a grade
curricular e a segmentação entre escolas de primeiro e segundo grau. Além disso, a grade
curricular se destinou aos meninos e às meninas; com isso, às segundas foram acrescidas
disciplinas de bordado e agulhas.
95

Cabe destacar que cada paróquia deveria ter uma escola de primeiro grau. Nas
paróquias mais afastadas e de população rarefeita, onde não existissem essas escolas, abria-se
o precedente para a contratação do professor de estabelecimento particular para os alunos
pobres. Desse modo, o decreto lei determinou que as despesas fossem pagas pelos cofres
públicos, incluindo o fornecimento de materiais como livros, cadernos e uniforme escolar aos
alunos carentes e órfãos. Porém, em termos de cidadania, proibiu claramente a frequência de
escravos nas escolas primárias:

Art. 69. Não serão admittidos á matricula, nem poderão frequentar as escolas:
§ 1º Os meninos que padecerem molestias contagiosas.
§ 2º Os que não tiverem sido vaccinados.
§ 3º Os escravos.
(BRASIL, 1854, grifo nosso).

Se, por um lado, o decreto lei impediu claramente aos cativos o acesso às primeiras
letras; por outro, não excluiu os ingênuos e libertos do direito à educação. Contudo, isto
significou a segmentação da sociedade entre livres e cativos ou, nas palavras de Mattos (1987),
a criação de um abismo entre os três mundos, conforme indicava a direção saquarema.
Em relação ao ensino secundário, definiu a criação de um externato para o Colégio
Pedro II, criado apenas em 1857, cujo funcionamento se dava no Campus que veio a ser o de
São Cristóvão. Manteve duração de 7 anos de curso e regulamentou sua grade curricular por
meio das disciplinas. Cabe destacar que o artigo 69, a exclusão dos escravos de ingressarem no
Colégio Pedro II, também valeu para o ensino secundário. A Reforma ainda previa o pagamento
de matrícula pelos alunos ingressantes, mas isentava os alunos pobres que conseguiam se
distinguir, em razão de seu talento, e lhes fornecia material de estudo.
O Programa de ensino das disciplinas ofertadas pelo Colégio Pedro II seria tema de
outra lei, a Portaria de 24 de janeiro de 1856, que publicou o Programa de Ensino do Colégio
de Pedro II, sob o Ministério do Interior de Couto Ferraz. Tal Portaria definiu o Programa de
Ensino de cada ano do curso secundário, suas disciplinas e seu conteúdo programático, e,
também, os livros aprovados para uso. Como a Portaria versava sobre todas as disciplinas,
tratar-se-á aqui apenas da presença da disciplina História entre os setes anos de curso.
A Portaria definiu a presença da disciplina História entre o terceiro e o sexto ano de
curso. Para o que se chamaria hoje de História Geral, a principal referência era o Manual francês
96

Manuel du Baccalauréat, de autoria de Delamarche. A História do Brasil era denominada


História Pátria e o livro aprovado e em uso era História do Brasil, de Abreu e Lima39.
A portaria significou a consolidação da História entre as disciplinas escolares do
ensino secundário. As Lições de História do Brasil do já professor do Colégio de Pedro II
Joaquim Manoel de Macedo surgiram na esteira das significativas modificações no interior
dessas leis. O decreto n.º 2006, de 24 de outubro de 1857, traria alterações significativas, as
quais estavam em vigência na ocasião da publicação do primeiro tomo das Lições de História
do Brasil.
Entre essas leis do Império, vale destacar a distinção entre educação e instrução,
assunto que fez parte dos debates políticos para a construção do Estado Imperial. As reformas
francesas, influenciadas por Condorcet, definiam a educação como relativa à formação moral,
sentimental e religiosa, provinda da família, ao passo que designavam a Instrução como um
conjunto de conhecimentos que o Estado deveria proporcionar aos cidadãos para o progresso
coletivo do País. Contudo, no Brasil, durante o período imperial, existiram inúmeras iniciativas
educativas por parte de setores organizados da sociedade civil, como asilos e irmandades
religiosas, que promoviam educação integral, especialmente para as crianças órfãs e/ou
desvalidas. Imbuídas de ambos os sentidos, as ações educativas, como destaca Martinez (1997),
significavam a afirmação dos ideais de civilização e progresso do País, civilização essa que
também designava bons costumes e comportamento ordeiro e controlado.
Além de promover a ordem e a boa convivência, a educação seria uma das estratégias
para solucionar uma questão importante para as classes dirigentes do império: o trabalho. As
transformações do capitalismo exigiam melhor mão de obra, com noções de aritmética e de
língua materna, por exemplo. Dessa forma, a educação para o povo tinha um sentido claro:

Educação popular – ensino primário e profissional – como garantia de


transformação social, de alcance do “progresso” e da “civilização” – mas
também, e fundamentalmente, como elemento de direção das “ideias do
povo”, de modo a reproduzir hierarquias e conservar a ordem imperial.
(MARTINEZ, 1997, p. 25).

39
De acordo com a portaria, o terceiro ano tinha História Moderna, cujo conteúdo continha a formação das
principais potências europeias: Inglaterra, França, Espanha e Alemanha. Compreendia ainda o renascimento, a
expansão ultramarina e do comércio mundial e as revoluções modernas, como a Gloriosa. O manual de referência
era o do já mencionado Delamarche. No quarto ano, continuam os estudos de História Moderna com as ideias do
século XVIII, a Revolução Francesa e o século XIX europeu, a formação da Alemanha, as disputas com a Áustria,
a independência da Grécia e a formação dos países nórdicos. Incluía ainda a formação dos Estados Unidos e do
México. O quinto e sexto ano retornavam no tempo com a História Antiga e a Média, respectivamente.
97

Longe de um sentido emancipacionista, a educação popular visava à manutenção das


hierarquias sociais e econômicas da sociedade brasileira. É possível inferir a reprodução da
desigualdade como projeto de Estado Nacional por parte das elites políticas do Império? Em
alguma medida, sim. Mensurar a consciência desse projeto seria um desafio titânico, mas
considerar os debates entre conservadores, liberais e republicanos pode dar pistas dos sentidos
de instrução/educação pública e popular produzidos. Como a própria Martinez (1997) aponta,
existiam diferentes projetos políticos para a educação, os quais estavam longe de um consenso.
O impulso civilizador para a Instrução se dava pelas políticas implementadas na Corte.
Assim, há de se considerar a relação existente entre as ideias sobre a educação, como hoje é
chamada, e a construção do Estado Nacional Imperial. Por um lado, os conservadores
defendiam um Estado centralizador da política e da justiça – e, pelo menos em tese, a educação
deveria seguir esse axioma ‒; contudo, a educação encontraria resistências nas estruturas sociais
e econômicas da sociedade escravista. Por outro, os liberais defendiam um Estado
descentralizado com mais autonomia para as Províncias governarem – o que também não
significava uma efetiva política pública para a educação, porque encontrava os mesmos limites
da estrutura da sociedade brasileira, os quais nunca foram ultrapassados pela educação
brasileira. Isto porque não se rompeu com os interesses dos grandes latifundiários e dos
monopólios econômicos estabelecidos nas províncias, assim como executaram-se as políticas
educacionais ao sabor das prioridades dos governos provinciais e das limitações de orçamento.

2.2 - Joaquim Manoel de Macedo: o intelectual, a sociedade imperial e a suas Lições de História
do Brasil (1861-63)

Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882) ficou conhecido em razão da produção de


obras literárias, especialmente A Moreninha. Contudo, ele não foi apenas um autor que marcou
época no romantismo brasileiro. Como um dos principais expoentes dessa literatura, foi,
também, intelectual, deputado, jornalista e, em boa parte de sua vida profissional, professor do
Colégio Pedro II, tendo no ensino de História uma de suas inquietações intelectuais.
De acordo com Gasparello (2011), um caminho para se compreender um intelectual,
nesse caso Macedo, também aqui analisado, é o conceito de autoria ‒ no sentido da articulação
entre o autor e seus textos como instituintes de dada configuração histórica ‒ e a geração com
a qual o intelectual conviveu. Esta é uma articulação com a linha interpretativa de Dosse (2003)
sobre geração:
98

A unidade de uma geração está na sensibilidade comum; cada autor tem sua
trajetória singular e inteligível em sua coerência própria. Contudo, um
vínculo tácito fundamenta uma identidade comum, a do pertencimento a um
espaço intelectual. (DOSSE, 2003, p. 23, grifos do autor).

Essas questões dão algumas pistas sobre o referido intelectual e sua atuação.
Gasparello (2011) não só se aprofundou em compreender o professor “Macedinho”, como ainda
em entender o que significava ser professor secundário no Rio de Janeiro em meados do século
XIX, o que será explorado adiante. Escreve-se, então, sobre um sujeito histórico largamente
explorado pela história da literatura brasileira, destacando-se os pontos mais conhecidos de sua
biografia pública, porque, afinal, o centro da análise desta tese são suas Lições de História do
Brasil.
Macedo nasceu na freguesia de São João de Itaboraí (hoje, Itaboraí-RJ), onde realizou
seus estudos elementares. Era filho do casal Severino de Macedo Carvalho e Benigna Catarina
da Conceição. Mais tarde, foi para a Corte continuar seus estudos e ingressou no curso da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Sua trajetória na medicina foi paralela à nas artes, na
literatura e no jornalismo. Em 1844, ano de sua formação nesse curso, publicou o grande
sucesso literário A moreninha.
Após a publicação do livro, a carreira de médico foi praticamente abandonada.
Contudo, como a carreira de homens das letras na sociedade imperial não permitia uma
dedicação exclusiva, Macedo se dedicou ao jornalismo, ao magistério e, também, à política,
como deputado fluminense. Suas obras literárias foram publicadas em folhetins semanais, como
O Moço Loiro (1845), Dois amores (1848), Rosa (1849), Vicentina (1853), Forasteiro (1855),
entre outras40.
Macedo teve uma extensa produção literária ao longo de sua carreira intelectual,
compartilhada com a vida de professor do Colégio Pedro II. Por isso, é conhecido em todo o
País como uma das grandes figuras da literatura brasileira, notadamente do romantismo. Por
essa razão, por escolha do fundador Salvador Mendonça, é o patrono da cadeira de número 20

40
Publicou o poema A Nebulosa (1857) e as seguintes peças de teatro: O Cego (1849), Cobé (1852), O Fantasma
Branco (1856), O Sacrifício de Isaac (1858), Amor à Pátria (1859), Luxo e Vaidade (1860), O Novo Otelo (1860),
A Torre em Concurso (1861), Lusbela (1862), Romance de uma Velha (1870), Remissão de Pecados (1870),
Cincinato Quebra-Louças (1871) e Antonica da Silva (1880). Publicou os romances a seguir: A Carteira de meu
Tio (1855), O Primo da Califórnia (1858), Os Romances da Semana (1861), Um Passeio pela Cidade do Rio de
Janeiro (1862-1863), O Culto de Dever (1865), Memórias do Sobrinho do meu Tio (1868), O Rio do Quarto
(1869), As Vítimas-Algozes (1869), A Luneta Mágica (1869), A Namoradeira (1870), As Mulheres de Mantilha
(1870), Um Noivo e Duas Noivas (1871), Vingança por Vingança (1877), Memórias da Rua do Ouvidor (1878) e
Antonica da Silva (1880).
99

da Academia Brasileira de Letras41. De acordo com Mattos (1993), os romances dessa fase
foram marcados pela moral burguesa, pelo cotidiano urbano e por dilemas e problemas, como
os namoros, os casamentos, as alianças e o mundo estudantil, especialmente o do Rio de Janeiro
do século XIX.
Como intelectual, pertenceu ao Partido Liberal e foi deputado provincial em 1850, em
1853 e entre 1854 e 1859. Foi também deputado geral (federal) entre 1864 e 1868 e entre 1873
e 1881, pouco antes de falecer. Acreditava na monarquia constitucional e em suas instituições,
as quais, para ele, seriam capazes de promover as reformas seguras para a abolição da
escravidão. Sua dupla ação, a de intelectual (professor e jornalista) e a de político, é um exemplo
sobre o que eram os intelectuais brasileiros, como indica Alonso (2002), porque Macedo tinha
uma vida de produção discursiva e, ao mesmo tempo, atuava na política como deputado.
O médico e homem das letras também foi um sujeito na edificação do IHGB, pois
ocupou os cargos de Primeiro e Segundo secretário do Instituto, foi seu Orador oficial e,
também, assumiu sua presidência em 1876. Participando dessa instituição, Macedo se inseriu
na intelectualidade carioca, gozou da amizade com Imperador Dom Pedro II e ocupou posições
políticas importantes. Foi sócio da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e, ainda,
recebeu o título de Comendador da Ordem Rosa e da Ordem de Cristo42. Ademais, ficou
conhecido por ter sido o preceptor das princesas Isabel e Leopoldina. Embora tenha participado
ativamente do IHGB, Macedo não se notabilizou por obras historiográficas; contudo, deixou
suas contribuições mais relevantes no Ensino de História.
A História, então, esteve presente na vida desse autor literário como professor do
Colégio Pedro II, responsável pelo ensino de História e Chorografia do Brasil. De acordo com
Melo (2008), o magistério foi o principal meio de vida do Dr. Macedinho, como era conhecido
no Colégio Pedro II, instituição na qual ocupou diferentes cargos até a sua morte em 1882.
Nomeado professor em 1849, seu nome ficaria marcado na historiografia didática após a
publicação das Lições de História do Brasil entre 1861 e 1863. Pode-se destacar, ainda, que ele
pertenceu ao Conselho Diretor de Instrução Pública da Corte em 1866. De acordo com Doria
(1997), que explorou as memórias do aluno e futuro cronista da história fluminense José Vieira
Fazenda, o professor Macedo estava entre os professores “benévolos” com os alunos (DORIA,
1997, p. 105), pelo menos durante a década de 1860, pois gozava de certa popularidade e não
era dos mais exigentes.

41
Essas informações estão disponíveis no seguinte endereço eletrônico:
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=905&sid=218.
42
Para saber mais, consultar o Diccionario Bibliographico Brazileiro (BLAKE, 1898).
100

Em síntese, Macedo foi um intelectual que transitou entre as principais esferas de


poder durante a Monarquia, além de ter pertencido à elite intelectual e a seus quadros políticos,
o que não o impediu de viver na pobreza em seus últimos anos de vida após a perda das
faculdades mentais.43 Doria (1997), lançando mão do depoimento de Franklin Távora, recorda
a repercussão do professor Macedo dentro do Colégio: “Macedo exerceu o magistério no
Colégio Pedro II e para os seus alunos escreveu um tratado de Corografia e História do Brasil,
muito criticados, mas geralmente copiados pelos que o censuram” (DORIA, 1997, p. 150).
Quem era professor secundário em meados do século XIX no Rio de Janeiro? O círculo
das pessoas cultas da Corte, composto por bacharéis em direito e em medicina e por sujeitos
provenientes das Escolas Politécnicas Civis e Militares. O fato de ser capital do Império
permitiu ao Rio de Janeiro concentrar a maior parcela desse grupo. Boa parte da intelectualidade
nordestina, por exemplo, migrou para o Rio de Janeiro, como José Veríssimo (2005) dizia: a
“meca dos nortistas”. Isto indica que a cidade funcionava como um polo nacional de
intelectuais.
Parte considerável dessa intelectualidade exerceu o magistério como pelo menos uma
de suas atividades, sejam profissionais, sejam intelectuais. Eram os chamados letrados, que,
não raro, participavam da imprensa como jornalistas, críticos e ensaístas. Macedo não fugiu à
regra, pois contribuiu com diferentes folhetins fluminenses por meio dos quais escreveu críticas
e debateu questões diversas. De acordo com Gasparello (2011, p. 469), esses intelectuais eram
“detentores de uma cultura humanística: ser professor era ser reconhecidamente letrado”.
Homens como Macedo exerceram, então, o magistério nas principais instituições de ensino
secundário da cidade, locais que serviam de redes de sociabilidade e permitiam, portanto, acesso
a diferentes esferas políticas e sociais.
Essas redes de sociabilidades e de, sobretudo, oportunidade fortaleciam a autoridade e
o reconhecimento dos indivíduos junto a esses grupos intelectuais. A criação dos primeiros
cursos superiores, a nacionalização da elite intelectual brasileira e o acesso a essa educação lhes
conferiam uma distinção, um status diferenciado, em uma sociedade cuja maioria esmagadora
era analfabeta. O Colégio de Pedro II, portanto, tinha um papel específico na formação dessa
elite intelectual e na formação da cadeia de relações sociais, de unidade ideológica, já que a
instituição reunia alunos de diferentes Províncias do Império.

43
Além de Mattos (1993) e Melo (2008), também foi feita uma consulta à breve biografia de Macedo no sítio da
Academia Brasileira de Letras, disponível no seguinte endereço eletrônico:
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=905&sid=218.
101

Presente nos programas de ensino do Colégio desde 1849, a disciplina História era
denominada História Pátria. Seus primeiros professores foram nomeados pelo Governo Central,
contudo, ao longo dos anos, precisaram passar por concursos, o que lhes conferia maiores
honras e prestígios que também se consolidavam com a participação desses sujeitos em
instituições como o IHGB e, mais tarde, a ABL, onde os letrados compartilhavam o espaço e
as redes de sociabilidade.
Em função da escassa produção didática à época, Macedo conquistou ampla
repercussão mediante produção de manuais dedicados ao ensino primário e ao secundário.
Embora atuante em segmentos escolares distintos, suas Lições de História se dedicaram a
construir uma História do Brasil com o sentido de legitimar a ordem imperial, a monarquia
Bragança e o Império brasileiro entre as nações civilizadas do Ocidente.
De acordo com Mattos (1998), as Lições de História podem ser contextualizadas
dentro da chamada boa sociedade imperial, caracterizada pelos indivíduos brancos, livres e
proprietários de escravos e terras. No cruzamento entre o fenótipo biológico e a ascendência
social, esses sujeitos conformavam o sentimento aristocrático entre essas elites dirigentes do
império. Nos termos de Mattos (1987), essa boa sociedade se separava em três abismos ou
camadas sociais, nas quais os cativos estavam de um lado, mantendo-se excluídos das
oportunidades econômicas e da vida social e política do Império, e os livres e os libertos
estavam de outro.
Provindos dessa casta social ou não, os intelectuais do império com ela se relacionaram
e nela se infiltraram, seja por sobrevivência, seja por conveniência. Nessa questão, Mattos
(1987) destaca que os intelectuais, como representantes políticos, eram subordinados à classe
senhorial latifundiária. Tal leitura, embora distinta, não se distancia dos termos de atuação de
intelectual exposto por Alonso (2002). Assim, alguns desses intelectuais, paralelamente à
atividade política, dedicaram-se a refletir sobre a construção da ideia de nação brasileira, a sua
história, a sua política e a sua cultura. Em outros termos, introjetaram projetos de nação que, na
leitura de Macedo, estavam vinculados à continuidade histórica entre a colonização portuguesa
e a monarquia Bragança, tal como Varnhagen (1956) anunciava em sua História Geral do
Brasil.
Dentro dessa sociedade imperial, mesmo entre os proprietários, havia hierarquia e
papeis políticos e sociais bem definidos. Assim foi com os pais de Macedo, que eram pequenos
proprietários rurais de Itaboraí distintos dos grandes proprietários que arrogaram para si a
função de governar e ordenar a sociedade, especialmente nessa região dominada pelos
conservadores Saquaremas. É a sociedade dos “três mundos” (MATTOS, 1987). É a sociedade
102

que define a cidadania pela liberdade (MATTOS, 2000). É a sociedade marcada pela
dissociação entre a cidadania e os direitos políticos (CARVALHO, 1988). É a boa sociedade
imperial a que as Lições de História eram dedicadas: a que naturalizava as diferenças e as
hierarquias, definidas pela liberdade e pela proteção à propriedade.
Na sociedade sobre a qual se fala, o termo “pardos” era usado para designar a
população livre com alguma ascendência europeia e sinalizava a origem e as restrições impostas
a essa condição – como o impedimento de ocupar altos cargos administrativos. Em muitas áreas
e períodos, “negro” designava escravo, inclusive os indígenas escravizados poderiam ser
chamados de “negros da terra”; enquanto “preto” designava os forros, isto é, os libertos
alforriados44. Com a complexificação da sociedade luso-brasileira, consolidou-se a
denominação “pardo livre” para se referir aos homens de ascendência africana e livre do
cativeiro. Ainda que se demarcasse a liberdade, indicavam-se conjuntamente os limites da
ascensão do negro na sociedade brasileira.
Dessa forma, o direcionamento da cultura histórica tinha algumas finalidades:
contribuir para a edificação e a consolidação das instituições políticas, administrativas, jurídicas
e monárquicas; preservar a unidade territorial e política; e dar continuidade a uma estrutura
social e econômica consolidada, ainda dos tempos do domínio português e da recém
independência, instruindo, segundo Mattos (1998, p. 35), “para manter a ordem e civilizar”.
Essa estrutura social hierarquizava e definia os diferentes papéis dos indivíduos no interior da
boa sociedade e, desse modo, incumbia à classe senhorial o direito de governar e difundir a
civilização, bem como o de tutelar o povo no caminho dessa civilização e dessa estabilidade. A
competência de governar não se atribuía ao povo, o qual, antes, deveria se incorporar ‒ ser
apadrinhado ‒ a uma família de proeminência política e social para não ser perseguido por
vadiagem, subversão, sedição, dentre outros motivos.
Nesse contexto, os próprios manuais sintetizavam o objetivo das instituições escolares:
a necessidade de difundir a civilização entre os setores populares, mas não de forma universal
e irrestrita, pois se tratava de uma formação diferenciada para quem, no futuro, iria ocupar as
posições políticas importantes do Império e das instâncias burocráticas e administrativas. Os
livros, para serem utilizados tanto nos estabelecimentos privados como nos públicos, deveriam
ser aprovados pelo Conselho de Instrução Pública, que avaliava tais textos e conferia
premiações aos autores das obras. A respeito desse processo, Schueler e Teixeira (2009)
destacam duas questões: a ampla participação dos professores como autores dos livros didáticos

44
Para saber mais, consultar o livro Escravidão e Cidadania, de Mattos (2000).
103

e a relevante presença feminina na sociabilidade intelectual do Rio de Janeiro dos meados do


século XIX.
Consoante Bittencourt (2004), os livros utilizados nas escolas, antes de chegarem às
salas de aulas, passavam por uma complexa rede de relações de poder que ia desde a aprovação
do livro pelo Conselho de Instrução Pública até os mecanismos burocráticos para a sua
impressão em tipografias. Schueler e Teixeira (2009) destacam que esse caminho não era linear,
imediato ou fácil. Segundo as autoras, houve inúmeros casos de atraso no pagamento dos
prêmios e das impressões dos livros aprovados. Nesse sentido, o fato de os professores do
Colégio Pedro II serem autores desses livros e pertencerem à rede de sociabilidades intelectuais
do Rio de Janeiro tornava esses caminhos menos espinhosos e permitia a esses autores que seus
livros circulassem com maior mobilidade. João Ribeiro, por exemplo, foi o professor que
melhor aproveitou tais oportunidades. Os avaliadores, que eram professores de instituições de
ensino na cidade, deveriam considerar idôneos os conteúdos dos livros. A pesquisa de Schueler
e Teixeira (2009) revela que, para tanto, as autoridades e o mercado editorial levavam em conta
as experiências pedagógicas dos professores que escreviam os livros didáticos.
As Lições de Macedo, para Mattos (1998), foram a mais completa combinação entre
essas necessidades políticas e as intencionalidades pedagógicas da História desenvolvida pelo
IHGB, pois buscavam promover o conhecimento histórico e difundir a História da Pátria entre
a população. Nesse sentido, Macedo, intelectual preocupado com as questões pedagógicas da
História, combinou um método de estudo e uma narrativa da História do Brasil, cujo resultado
foi a produção de um manual didático voltado à formação, segundo Melo (2008), do súdito
imperial.
Do ponto de vista pedagógico, as Lições de Macedo significaram, por um lado, a
inauguração de um manual de História genuinamente escolar e, por outro, a renovação dos
materiais de estudo de História do Brasil. Até a publicação do primeiro volume de suas Lições,
o livro de História utilizado pelo Colégio Pedro II era o Compêndio de História do Brasil, de
José Abreu e Lima. Esse livro, em sua formatação original (1843), não era destinado ao ensino,
porém foi readaptado para ser utilizado em colégios e liceus. De acordo com o Programa de
Ensino de 1856, o livro indicado para ser usado nas salas de aula era a obra de Abreu e Lima,
como informa Mattos (2009).
Outra contribuição de Mattos (1998) é a distinção relevante entre os manuais
dedicados ao ensino primário e aos dedicados ao secundário nas Lições de Macedo: o primeiro
formado por texto narrativo, com perguntas e quadro sinótico; o segundo formado por texto
narrativo e quadro sinótico. A autora justifica que o autor se preocupava com a idade dos alunos.
104

Desse modo, as perguntas acrescidas às edições primárias se justificariam pela necessidade de


superação da memorização para a compreensão dos episódios históricos. Como no ensino
secundário havia estudantes mais avançados, o primeiro volume das Lições era direcionado aos
estudantes do quarto ano e o segundo volume era dedicado aos alunos do sétimo ano do curso
ginasial do Colégio Pedro II.
Esse modelo de construção da obra didática consistia numa narrativa combinada com
perguntas, pois pretendia mais do que a simples memorização dos quadros sinóticos que
sistematizavam os pontos-chaves de cada lição. As perguntas tinham o objetivo de enfatizar o
que deveria ser apreendido pelo aluno e, além disso, de facilitar a docência, pois destacavam o
que deveria ser ensinado e salientado no aprendizado. Embora não tenha escrito um guia de
metodologia de ensino de História, Macedo produziu sim um guia, em suas entrelinhas, sobre
o que e como se deveria ensinar (GASPARELLO, 2011).
A sistematização sobre como ensinar História só aconteceria no século XX por
intermédio da produção de professores como Jonathas Serrano, cujos manuais se destinavam à
formação dos professores de ensino secundário. A base principal desse autor foi Seignobos e
Fernand Braudel45. Para Gasparello (2011, p. 481), tratou-se de uma “mudança substancial na
relação aluno-conhecimento escolar, até aqui visto como um processo de recepção passiva, com
base nas noções de aprendizagem como a simples apropriação memorizada dos textos”.
Por fim, as Lições de História seriam, em larga medida, as divulgadoras dos princípios
e dos conteúdos desenvolvidos por Varnhagen, em sua História Geral do Brasil, publicada em
1854. Tais obras, de perfil conservador, estenderiam às sucessivas gerações da boa sociedade
imperial conteúdos, métodos, valores e imagens de uma História do Brasil que cumpria o papel
de não apenas legitimar a ordem imperial, mas também, e sobretudo, de destacar o lugar do
Império do Brasil no conjunto das “nações civilizadas” e o lugar da boa sociedade no conjunto

45
Para a produção de seu saber histórico, Serrano se fundamentou em Fernando Braudel e Charles Seignobos.
Serrano acompanhou um novo momento da historiografia brasileira, sobretudo preocupado com o modo como se
ensinava História aos alunos, dando sentido e sensibilidade a quem os ouvia e os compreendia. O autor
acompanhou as transformações do ensino de História ocorridas na França no mesmo período, as quais significaram
uma teorização sobre o ensino de História, uma pedagogia histórica. Nesse sentido, a maior inquietação estava na
formação do professor dessa disciplina no ensino secundário, pois se tratava do maior obstáculo para seu
desenvolvimento. Serrano era um crítico do sistema de seleção de professores e do sistema de ensino. Ademais,
apontava a reforma de ambas as questões como providenciais para as transformações do ensino e, assim, defendia
a criação de um Escola Normal Superior para a formação dos professores para o ensino secundário. Esta era uma
questão patente entre os intelectuais da educação no período: a modificação da seleção de professores, angariada
entre os bacharéis de direito, medicina e engenharias, sem uma formação pedagógica específica e dedicada ao
ensino, ou ainda angariada entre autodidatas sem formação nenhuma, isto é, sem formação secundária. Para mais
informações, consultar Freitas (2006).
105

da sociedade imperial, permitindo, assim, a construção de uma identidade (MATTOS, 1993, p.


18).
Para Gasparello (2004), três pilares legitimaram as Lições de Macedo: o IHGB, pois a
obra era de um de seus membros proeminentes; o Colégio de Pedro II, instituição onde Macedo
era professor e onde usava tal manual; e a referência teórica à História Geral do Brasil, de
Varnhagen, obra de maior fôlego produzida até aquele momento. De acordo com Wehling
(1999, p. 48), Varnhagen seguiu a culture savant, cultura que valorizava o Estado e o
conservadorismo europeu como contrapontos às revoluções liberais daquele período,
prestigiando o nacionalismo e, paradoxalmente, desprezando a cultura popular, utilizada apenas
como recurso para o enaltecimento da nação. Para o autor, a obra de Varnhagen se insere nessa
conceituação, porque sua linha narrativa está centrada na atuação estatal e na elite política e
cultural. Assim, Varnhagen é entendido, por esse estudioso, como pertencente a um contexto
romântico e historicista, do qual Alexandre Herculano seria uma das principais referências.
Trata-se de um nacionalismo de escola francesa baseado na ideia de que o Estado nação nasceu
de uma vontade nacional.
O romantismo pode ser expresso na obra intelectual de Varnhagen pela
indissociabilidade entre o progresso material, o intelectual e o moral (WEHLING, 1999, p. 67).
Essas chaves de leitura permitem compreender a linha narrativa do autor, que considerava a
conquista portuguesa, os diferentes “estágios de civilização” entre os povos nativos do Brasil
e, por conseguinte, o juízo que se fez deles quanto à contribuição com a nacionalidade brasileira.
Do ponto de vista historiográfico, sua narrativa escolar construiu uma história para
além das crônicas e dos fatos, segundo a evolução do povo e da nação. Contudo, essa linha se
destinava aos alunos mais avançados no curso secundário (sétimo ano). É o que Mattos (1998,
p. 40) chama de jogo de poder entre a memória e o silêncio: memória definida pela difusão da
civilização e da obra colonizadora e silêncio relacionado à cor e à escravidão presente na
sociedade brasileira.
Dessa forma, os estudos de Mattos (1998) dão pistas para o aprofundamento da análise
hermenêutica sobre a narrativa de História do Brasil de Joaquim Manoel de Macedo, porque os
aspectos objetivos de uma existência e de um tempo histórico trazem chaves de leitura sobre os
conceitos que estruturam a representação de Nação e da História do Brasil.
106

2.3 – Raça e Nação nas Lições de História do Brasil de Joaquim Manoel de Macedo

Inicialmente, a disciplina História estava na cadeira de História Universal, que


abrangia as que hoje são chamadas de História e Geografia, esta última denominada de
Chorographia. A cadeira era dividida de acordo com as clássicas temporalidades de
historiografia francesa: Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. Em 1847, a disciplina
foi desmembrada em História e Chorographia. A História seria, ainda, desmembrada em
História Geral e História do Brasil. No Colégio Pedro II, o primeiro ocupante da disciplina de
História do Brasil foi Gonçalves Ledo, seguido por Macedo, que se tornou permanente, sendo
também o primeiro professor a produzir um livro de História do Brasil destinado ao ensino
dessa disciplina. As Lições de História, de Joaquim Manoel de Macedo, foram escritas de
acordo com os Programas de Ensino do Colégio de Pedro II de 1856. Assim, por um lado, a
História foi considerada componente das Ciências, ao lado da Geografia; por outro, tinha um
caráter filosófico, de saber desinteressado e destinado às camadas privilegiadas da sociedade,
com a finalidade de formar lideranças políticas e, no mesmo compasso, considerar a História
do Brasil a História das grandes civilizações.
A primeira edição da obra foi a de 1861, com publicação do primeiro volume, que
narra os episódios históricos iniciados na “Lição I – Considerações preliminares” (a formação
de Portugal na baixa Idade Média) e finalizados com o século XVI na “Lição XI – Divizão do
Brazil em dous governos e subsequente reunião em um só. Domínio espanhol (1573-1581)” (o
século XVI da História do Brasil). O segundo volume, publicado em 1863, narra os episódios
históricos iniciados na “Lição I. Dominio da Hespanha: considerações geraes: estado em que
se achava o Brasil em 1581” (o domínio espanhol sobre o Brasil entre 1580-1640) e finalizados
na “Lição XXIII. Acclamação e Coroação do primeiro imperador do Brasil. Guerra da
independencia. Conclusão. 1822-23” (a independência política em 1822).
Os dois volumes são compostos por lições que, ao final, possuem quadros sinóticos
com esquemas explicativos acerca dos principais pontos da lição. Esse sistema de organização
do livro demonstra certa preocupação pedagógica em verificar a interpretação elaborada pelos
alunos. Vale ressaltar que o livro se destinava aos alunos do quarto ano (vol. 1) e do sétimo ano
(vol. 2) do curso ginasial, isto é, aos que eram avançados em um curso cuja duração era de 8
anos. Nesse sentido, a narrativa era mais densa, especialmente a do segundo volume.
O autor de a Moreninha coloca a Monarquia como fato natural ‒ oriunda das tradições
e dos costumes do povo desde o descobrimento e pautada em governos dinásticos ‒ e, também,
107

como vontade divina sobre os destinos do País. A legitimidade da monarquia estaria na não
ruptura do controle político, o que permitia o laço fraternal entre os dois povos (Portugal e
Brasil). A dinastia dos Bragança apenas cumpriria, em 1861, o desejo do povo e da nação em
manter a unidade territorial que se construiu pela língua, pela religião cristã e católica e pela
luta contra os invasores externos. O que chama a atenção é a leitura teológica sobre a história,
segundo a qual fatos e estruturas foram resultado da vontade divina sobre os destinos da nação
brasileira, conformada com a colonização portuguesa. Não menos característicos são os
sentidos teleológicos, para os quais o presente é utilizado para dar inteligibilidade às ações
passadas, de modo a promover coerência entre o passado e o futuro. Assim, a monarquia
justificaria os desejos antecedentes de liberdade e unidade, o que é identificado aqui como a
tessitura da intriga da narrativa. Isto é, os fios que dão sentido a uma narrativa, conforme a
elaboração de Ricoeur (1994).
O primeiro e o segundo volume abordam a ideia de nação de maneira distinta e, ao
mesmo tempo, complementar. Afinal, o primeiro volume trata do século XVI, ou seja, da
conquista e da colonização do Brasil, questões fundamentais para a edificação da obra
civilizadora portuguesa. A linha mestra para a interpretação da colonização nesse período é a
dimensão moral que explicaria os malogros dos colonizadores. O segundo volume, em razão
de sua extensão temporal, aprofunda as tensões e os conflitos que conformaram o Brasil nos
séculos XVII, XVIII e XIX, o que implicaria a formação do povo e de determinada ideia de
nação.
Neste momento, tratar-se-á do primeiro volume. A ideia de nação se fundamenta,
como já analisado, na ideia civilizatória da colonização portuguesa, cujo marco foi a expedição
de Martin Afonso de Souza, a quem Macedo se refere, com trechos encomiásticos, como o
primeiro e grande colonizador do Brasil e responsável pela Capitania de São Vicente.
Um termo que chama a atenção é “regeneração”. Em diferentes momentos da sua
narrativa, em ambos os volumes, esse conceito está associado ao de independência política dos
povos, tanto na formação de Portugal e sua restauração em 1640, quanto na independência do
Brasil: “Ha mais de trez seculos que teve lugar o descobrimento do Brazil, ha perto de meio
seculo que a terra de Santa Cruz regenerou-se e escreveo o seo nome na lista das nações do
mundo” (MACEDO, 1861, p. 57, grifo nosso). Essa passagem destaca também o que se percebe
nos dicionários aqui analisados, nos quais nação é necessariamente vinculada à soberania
política do povo. A nação brasileira se conformou, então, em um território ricamente descrito
pelo autor romântico:
108

No meio porém de toda esta brilhante e opulenta natureza de todas estas


proporções gigantescas, que tanto excitarão a ambição européa cumpre
reconhecer que os olhos dos descobridores e conquistadores do Brazil o que
se apresentou menos digno de admiração, mais pequeno, mais mesquinho foi
o homem que habitava, e senhoreava esta vasta região. (MACEDO, 1861, p.
58).

Para Macedo, tal mesquinhez era uma leitura feita pelos descobridores e
conquistadores do Brasil sobre a inferioridade do gentio brasileiro. Nas entrelinhas, além de
destacar a opulência do território brasileiro, ele discordava da referida assertiva e justificava
que as fontes a respeito dos gentios eram contraditórias e extremadas: desde uma representação
idílica até a negação da humanidade dos autóctones. Para Macedo, a resposta era um meio termo
nessas representações. Nesse sentido, o primeiro volume é pouco revelador para o entendimento
de nação brasileira, embora possua chaves de leitura que permitem perceber que os gentios
recebiam certa dimensão valorativa do referido autor. O povo brasileiro, nesse entendimento,
estava na “infância” de sua história, mas a cultura “superior” e “civilizada” europeia poderia
acelerar esse processo.
Macedo também reflete sobre nação quando trata dos povos originais do Brasil. Ele
reforça a tese de que os povos indígenas tinham uma origem comum em função de suas línguas,
as quais, embora fossem dialetos, se inseriam em uma mesma nação. O sentido de nação aqui
empregado é semelhante ao utilizado nesta tese, pois é baseado na:

[...] similitude mais ou menos completa dos costumes o mesmo horisonte


limitado de idéas, a mesma indole, os mesmos vicios, e as mesmas virtudes
indicão que todas ellas formavão uma só nação; não formavão porém um só
corpo, ou se hostilizavão como inimigas incarniçadas; porque o atraso
immenso que mostravão em civilisação, condemnava-as a viver sem um
governo sufficientemente regular e sem fortes laços sociaes; porque não tinhão
uma religião, senão a unica verdadeira, ao menos alguma fundada em
principios, que sendo por todas ellas acatados, fosse um nexo que as ligasse,
e as fizesse fraternisar; porque não havia interesses geraes, nem dependencia
mutua; porque cada qual podia viver por si e sem precizar de outrem, visto
que o rio e a floresta lhe dava o peixe, a caça, e os frutos, as aves lhe davão
penas, as arvores o arco, a flexa e a tacape. (MACEDO, 1861, p. 73).

Se, de um lado, existiam aspectos em comum entre os diferentes povos, denominados


majoritariamente como Tupys; de outro, essas características explicavam a “incapacidade” de
eles criarem governos regulares – ou semelhantes aos europeus – e ainda destacavam a pujança
de recursos naturais para justificar a independência vivida pelas tribos. Os laços de
solidariedade se restringiam à tribo ‒ em geral algumas centenas de pessoas divididas entre
quatro a seis palhoças num círculo central. O Morubixaba tinha autoridade nos tempos de guerra
109

e as decisões eram tomadas por meio dos votos de todos os guerreiros em conjunto. Essa leitura
de Macedo, segundo Gasparello (2004), justificava a colonização portuguesa para enveredá-los
na civilização.
A religiosidade é caracterizada por Macedo de forma positiva. Ainda que não fossem
cristãos, os índios acreditavam na eternidade e criam em um ser supremo, “embora não
soubessem apreciar todos os seus divinos atributos” (MACEDO, 1861, p. 78). Reconhece-se,
desse modo, que Macedo entendia a inteligência e a humanidade desses povos, mesmo que não
se furtasse de taxar os pajés como charlatães, maníacos e pretensos adivinhos do futuro.
Contudo, compreende-se que essa leitura era um deslocamento e um caminho para inserir essas
nações, quem sabe em um futuro próximo, à civilização branca e europeia, notadamente, via
cristianismo.
Por fim, destaca-se a questão moral abordada por Macedo para explicar o estado social
da colônia brasileira. Embora tenham tido sucesso em alguns núcleos, as capitanias hereditárias,
para Macedo, haviam criado vários inconvenientes. A independência e o isolamento de cada
uma delas concediam extraordinários privilégios aos capitães donatários, por exemplo. Então,
era fundamental criar laços comuns e de dependência entre elas. Para isso, era necessária a
formação de um governo geral capaz de conter as ameaças externas e internas à colonização do
território brasileiro. Gasparello (2004) identifica, na narrativa de Macedo, que as capitanias, tal
como se conformaram, eram uma ameaça à unidade territorial da colônia. Desse modo, uma
das causas do malogrado à empresa estaria na questão moral dos capitães donatários:

Os donatários não podião ter escolhido zelozamente os colonos que havião


trazido para installar suas capitanias; em geral tinhão vindo com elles fidalgos
desmoralisados, e gente de costumes desregrados: no Brazil essa reunião de
elementos perigosos, e a communicação com o gentio que a todos os respeitos
tão selvagem era, não devião produsir senão a desmoralisação e a desordem,
tanto mais que os chefes das capitanias nem sempre estavão no caso de
empregar meios seguros de coerção; além de quem nem todos os donatários
se achavão á frente de seos estabelecimentos, e os delegados que os
representavão nem ao menos tinhão a força moral que os delegadores terião
para se fazer respeitar. (MACEDO, 1861, p. 109).

A questão moral explica os diversos fracassos político-administrativos da conquista e


da ocupação portuguesa na América. Essa chave de leitura é importante por ser a linha mestra
do pensamento conservador no Brasil usada para explicar as injustiças praticadas ao longo da
história do País. A dimensão moral se impôs, então, para diminuir as experiências e as
contribuições dos naturais da terra e das nações africanas trazidas para cá e para excluí-los do
processo civilizatório que amalgamaria a conformação daquilo que deveria ser a nação
110

brasileira no Império, durante seu período de estabilidade política. A dimensão moral não seria
abandonada por parte da geração de 1870, mas combinada às teorias racialistas de explicação
sobre o estado social e civilizatório da nação brasileira.
O segundo volume destaca a evolução da ideia de nação, ainda que vinculada ao
nacionalismo português. As guerras contra os holandeses, junto ao processo de independência,
trazem chaves de leitura nesse sentido. A “Lição VII – Guerra Hollandeza: desde a retirada de
Mathias de Albuquerque até a aclamação de D. João IV no Brasil. 1635-1641”, por exemplo,
versa sobre a chegada de Mauricio de Nassau para governar o Brasil holandês, enaltece suas
virtudes políticas e militares e destaca os amplos poderes que recebeu para governar o País. O
texto, ainda, enaltece a força de Henrique Dias com passagens sobre a perda de sua mão
esquerda em combate: “Henrique Dias recebeu uma bala na mão esquerda, e continuou a bater-
se depois de fazel-a amputar” (MACEDO, 1863, p. 89). O mesmo parágrafo narra os feitos de
Camarão e sua esposa: “Camarão e sua intrépida esposa D. Clara, imortalisárão-se por inauditas
proezas” (MACEDO, 1863, p. 89). A questão racial foi abordada nas lições posteriores e são
desenvolvidas adiante.
Maurício de Nassau recebeu grandes elogios por ter administrado Pernambuco com
caráter moralizador sobre a coisa pública do Estado. Mais uma vez, a questão moral foi
desenvolvida, tida como a grande chaga do desenvolvimento da sociedade, nesse caso nether-
brasileira:

Justo, imparcial e severo, nada lhe foi impossivel: atacou de frente a


desmoralisação, e venceu-a, demittindo e castigando os funccionarios
corrompidos, e não dando quartel ao crime, nem fingindo não ver os abusos:
abrio uma fonte de recursos pecuniarios, pondo em hasta publica os engenhos
abandonados, muitos dos quaes forão arrematados pelos seus antigos
proprietarios, que tinhão emigrado: convocou por bandos todos os fugitivos,
garantindo o esquecimento do passado, completa liberdade e tolerância de
religião, conservação dos impostos estabelecidos sem creação de novos.
(MACEDO, 1863, p. 90).

Segundo Macedo, Nassau foi derrotado em função dos interesses mesquinhos que ele
combateu dentro da administração holandesa e da desconfiança da Companhia das Índias
Ocidentais sobre suas intenções. Assim, os inimigos se reuniriam e o depuseram após seus
malogrados combates na tentativa de conquista sobre Salvador. Na “Lição IX – Guerra
hollandeza no Brazil desde a acclamação de D. João IV até o rompimento da insurreição
pernambucana 1641-1645”, Macedo destaca o sentido de regeneração, isto é, de soberania
política do Império Português:
111

A regeneração politica de Portugal tinha necessariamente de influir sobre os


negocios do Brasil de um modo muito nocivo aos interesses dos hollandezes;
porque a flamma patriotica que se acendêra na genuína metropoli em
dezembro de 1640 havia de diffundir-se pela colonia, enthusiasmando os
portuguezes e seus descendentes, habitadores d’ella, com todo o ardor da
nacionalidade triumphante. (MACEDO, 1863, p. 109).

O início da lição é revelador, já que Macedo definiu o que ele entendia por nação no
território da colônia em meados do século XVII. Para ele, nação são os descendentes de
portugueses que viviam na América e se identificavam com a soberania do reino português ante
às demais nações do mundo. A genuína metrópole da nação portuguesa seria Lisboa e não a
cidade de Madri, como fora os sessenta anos anteriores à restauração portuguesa. A nação é
entendida como o Império Português, os seus domínios e a incorporação dos povos presentes
nele.
Para Macedo, por um lado, a compreensão sobre o conflito contra os holandeses é
importante por ter despertado o espírito patriótico no País, ainda que a nação seja entendida
como portuguesa, estando os descendentes na América. Por outro lado, a ruína da presença
holandesa no Nordeste se deu pela intolerância e pela cobiça dos sucessores de Maurício de
Nassau – que é representado como o governante que trouxe as ciências, a tolerância religiosa e
as liberdades individuais para o Brasil. Esse quadro animou a nacionalidade portuguesa,
especialmente o insulto à religião católica dos brasileiros que habitavam o Brasil holandês,
como Macedo diz:

Os vigorosos motores d’ella forão o triumpho da nacionalidade portuguesa em


1640, e a influencia da religião catholica que os brasileiros não toleravão que
continuasse a ser insultada e proscripta. O grito de guerra soltado por Vidal ao
ligar-se a Vieira, foi este “Deos e liberdade”. (MACEDO, 1863, p. 143).

Ou seja, para Macedo, as causas da ruína do poder holandês no Brasil são dois
sentimentos: “o da religião e do nacionalismo”. O que reafirma sua tese é que os próprios
colonos encetaram a insurreição contra os holandeses, “quasi completamente abandonados pela
metropoli” (MACEDO, 1863, p. 144). Segundo Macedo, se Nassau tivesse logrado em suas
empresas por mais tempo, com certeza, o Brasil, em 1863, não formaria o vastíssimo império
de língua e religião homogêneas. Entretanto, Nassau propiciou a união entre as capitanias,
mediante construção de fortalezas e estradas entre elas, e favoreceu a indústria e o comércio,
porque os holandeses fizeram os europeus conhecerem outros produtos – Macedo não menciona
quais – e atraírem, assim, outras nações.
112

A apresentação das Lições que versa sobre o conflito contra os holandeses serve de
comparação com as questões fronteiriças da região platina. Na “Lição XVI – Reinado de Dom
José I: questões e lutas no sul do Brasil: Jesuitas e a sua expulsão: o Marquez de Pombal (1750-
1777)”, Macedo trata das disputas entre Portugal e Espanha. Portugal atravessava mudanças
após a assunção de José I e seu ilustrado ministro Marques de Pombal. A principal resistência
viera dos indígenas, instigados pelos jesuítas. Assim, tanto Portugal quanto Espanha
marchariam juntas contra as resistências ao tratado assinado em Madrid em 1750.
Se as invasões holandesas foram capitais para o espírito de nacionalidade, ainda que
não brasileiro, mas português, tal questão nem aparecia no conflito das fronteiras do sul. No
caso, nesse conflito, estava a querela dos jesuítas que se opunham à mudança dos domínios, o
que levou o Marquês de Pombal a expulsá-los dos domínios portugueses. Aqui vale destacar
que o posicionamento de Macedo contemporiza as consequências dessa medida, realça o direito
que cabia ao monarca português e valoriza os serviços prestados pela companhia na ocasião do
início da colonização portuguesa na América. Para Macedo, os jesuítas tinham ultrapassado seu
limite de atuação:

O seu interesse particular servira a causa da humanidade nos primeiros tempos


coloniaes; desde alguns annos porém mostrava-se em luta desregrada com os
altos interesses do Estado: defendendo a liberdade dos indios, embora por
conveniência propria, a companhia tinha-se mostrado humanitária e
civilisadora; mas depois abusando do seu poder sobre os rudes filhos do
deserto, e d’ elles fazendo uma cohorte, que não hesitou em oppôr ao governo
do rei, condemnou-se, como uma instituição revoltosa, e nociva. (MACEDO,
1863, p. 206).

A cobiça e o conflito contra os interesses da Coroa portuguesa teriam determinado a


decisão de D. José I sobre os jesuítas. A Guerra dos Sete Anos, na Europa, teria consequências
e agravaria as lutas político-militares no sul do Brasil, colocando as monarquias ibéricas em
lados opostos. A tessitura da narrativa é a de intercalar as disputas militares entre os
governadores de Buenos Aires e do Brasil, com mais vitórias aos hispânicos. A questão da
nacionalidade da população que habitava a região sequer é mencionada nos acordos
diplomáticos entre as Coroas ibéricas.
Um certo traço de nacionalismo brasileiro seria mencionado e desenvolvido por
Macedo na “Lição XVII – Primeiras idéas de independencia do Brasil: Conspiração mallograda
em Minas Geraes. O Tiradentes”. Esse nacionalismo é marcado pelo desenvolvimento
econômico e urbano da região mineradora que enriqueceu a população colonial e lhes trouxe
os primeiros traços artísticos e intelectuais por meio da frequência às universidades europeias.
113

A ideia da mudança da capital do império português para o Brasil era antiga, embora
utópica para a maior parte dos estadistas e de seus ministros. Mas, ao final do século XVIII, já
ressoavam os gritos por liberdade. Macedo contemporiza o estado do Brasil que, embora tivesse
progredido, não estava à altura dos Estados Unidos.
Macedo destaca os primeiros estabelecimentos de ensino para a mocidade que
trouxeram novas ideias aos anseios de uma juventude alimentada por instrução e ciência. Os
livros franceses penetravam as principais cidades do litoral e do interior e, segundo Macedo,
“plantavão os germens do liberalismo, que então ia insensivelmente conquistando povos e
governos” (MACEDO, 1863, p. 217). As artes e a literatura brasileira ganharam os seus
primeiros traços com incontestável brilhantismo que expressava o desenvolvimento das ideias,
das artes e da literatura no Brasil colonial, o que, segundo Macedo, alimentava utopias e sonhos
distintos daqueles que o Brasil vivera desde o século XVI. Para o literato:

Essa tendencia, e, póde-se dizer, ostentação de brasileirismo apresentava


como primeiro resultado a independência na literatura e nas artes; mas trazia
por isso mesmo a idéa de uma nacionalidade que sómente á independencia
politica era dado realizar; os poetas e os artistas pois, sem o pensar talvez,
trabalhavão já na obra majestosa da regeneração do Brasil. (MACEDO, 1863,
p. 218).

A independência artística e intelectual brasileira antecedeu à política, favorecida pelos


ventos da independência da América Inglesa. Diferente do que se havia imaginado, Macedo
concede certa honra aos conspiradores de Minas Gerais ao dizer que “ninguém lhes póde negar
a honra da concepção” (MACEDO, 1863, p. 218). Destaca também o caráter e a ilustração dos
inconfidentes e, depois, pormenoriza os planos da Inconfidência Mineira.
A sentença é contemporizada por Macedo ao explicar, à luz de seu tempo, o patíbulo
ou o enforcamento dos condenados. Com lamento, Macedo narra o episódio da condenação de
Tiradentes, explicando que a condenação à morte do chefe deveria servir de exemplo. O
monarquista ressalta, por fim, os brios do inconfidente: “mostrando antes e na hora da execução
a mais inabalável coragem” (MACEDO, 1863, p. 225). Tal leitura sobre Tiradentes não o
impediu de criticar o movimento:

A projectada revolução mineira de 1789 foi inoportuna, e nunca ou


difficilmente offereceria os grandiosos resultados da de 1822; porque os
conjurados mineiros, quando muito, estavão de acordo com alguns
fluminenses, e o resto do Brasil era estranho aos seus planos e aspirações.
Por outro lado, admittida a hypothese do triumpho d’essa revolução, a
consequencia sería o estabelecimento da republica, systema de governo em
114

manifesta desharmonia com a educação, os costumes, e as tendencias do povo,


e ainda quando essa republica não ficasse limitada à provincia de Minas, e
pelo contrario convergissem para o mesmo fim todas as capitanias da colonia
portugueza da America, ahi está o exemplo das republicas americanas da
lingua hespanhola, mostrando-nos o futuro que em tal caso esperava o Brasil.
(MACEDO, 1863, p. 226).

Suas críticas se direcionam ao caráter republicano do movimento ‒ que, para ele,


estava em descompasso com as tradições luso-brasileiras ‒ e, principalmente, à ausência de
unidade nacional no projeto de revolução que se limitou às capitanias do Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Em síntese, contraposta à estável monarquia unitária do Brasil (embora se saiba que
esta não foi pacífica nem estável), Macedo fundamenta a clássica tese de fragmentação da
unidade territorial portuguesa que era temida pelos políticos e estadistas em função dos destinos
políticos que as repúblicas hispano-americanas tiveram ao longo do século XIX sob o fenômeno
do caudilhismo e da instabilidade política.
Se a Conspiração mineira teria certo reconhecimento do autor, ainda que as
imaturidades das ideias e as inconveniências do movimento estivessem na tessitura de suas
Lições, o movimento republicano pernambucano de 1817 teria uma representação
completamente oposta. Esse movimento, que aglutinou as Províncias da Paraíba, do Rio Grande
do Norte e de Alagoas, durou cerca de dois meses. Diferente do movimento mineiro, cujas
figuras são de certa forma elogiadas em razão de sua ilustração e criticadas em razão de sua
imaturidade, o movimento pernambucano é representado como violento e ilegal, como uma
afronta à unidade do Império que veio a se constituir posteriormente. Reifica a lição anterior:

[...] o systema de governo republicano oppunha-se á indole e á educação do


povo brasileiro, que por certo aspirava já a instituições livres, mas nem por
isso desamava a monarchia. (MACEDO, 1863 p. 256).

Mais uma vez, o argumento da unidade política, combinado com as índoles


psicológicas e históricas das tradições brasileiras, seria a autoridade argumentativa para
condenar o movimento nordestino. Esses eventos constroem a linha mestra da narrativa em
torno da ideia de nação brasileira herdeira de um Império, cuja unidade, língua e religião
deveriam ser preservadas. Para tanto, a vinda da Família Real, descrita como “Transmigração”
e não como fuga – como faria a historiografia republicana –, seria o caminho traçado pela
Providência para uma independência do Brasil que preservasse tais traços.
A nacionalidade se afirmaria nas quatro últimas unidades desse volume, as quais são
reveladoras de um conceito de nação com certo brasileirismo como contraponto ao português:
115

“Lição XX. Revolução de Portugal em 1820: seus effeitos no Brasil: regresso da corte
portugueza para Lisboa. 1820-1821”; “Lição XXI. Primeiros mezes da regencia de D. Pedro no
Brasil; Lição XXII. Desde o dia do fico até o dia do Ypiranga. 1822”; e “Lição XXIII.
Acclamação e Coroação do primeiro imperador do Brasil. Guerra da independencia. Conclusão.
1822-23”.
A Revolução Liberal de 1820 e seu caráter recolonizador despertaram o sentimento
nacionalista, o que, nos episódios anteriores, era contemporizado como imaturidade ou
descompasso com as tradições político-dinásticas do Brasil. Diante de tal quadro, A Lição XX
encerra com a célebre frase de D. João VI que pede a D. Pedro colocar a coroa em sua cabeça,
antes que outro o faça. O caminho estava aberto para uma mudança sem maiores rupturas.
Na Lição XXI, o movimento de independência é narrado de forma distinta por
Macedo. O príncipe D. Pedro é o protagonista de uma saga que tenta conciliar os dois tronos,
afinal ele era o herdeiro do trono português. Além disso, o movimento liberal desejava retomar
o monopólio dos mercados e do comércio brasileiro (a recolonização), o que aflorou os
sentimentos nacionalistas no Brasil. A separação era a consequência natural.

O pensamento que triumphára em Portugal com a revolução de 1820, que


projectava recolonisar o Brasil, (...) os brasileiros porém, mostravão-se
dispostos a não consentir em tal degradação, e muitos aspiravão á
independência completa para o Brasil, idéa patriotica e santa que contava já
nobres martyres, e recebêra em 1792. (MACEDO, 1863, p. 269-270).

A leitura de Macedo é a da evolução política e econômica46 como substituta de um


movimento ilegal contra a Coroa portuguesa. As políticas recolonizadoras contra o Brasil
criaram um sentimento patriótico, que, nesse caso, estaria acima das “abusivas” leis. Em outras
palavras, nessas exceções, as leis poderiam ser desrespeitadas, leitura adversa da feita sobre as
insurreições contra o domínio português durante os séculos XVII e XVIII:

A recolonisação do Brasil annunciava-se n’esses decretos, e a impressão que


causárão taes medidas e os resultados que produzírão logo se fôrão
manifestando no patriotico e ardente ressentimento dos brasileiros, e no
concurso de não poucos portuguezes que a elles se unirão, vendo-se feridos
em seus interesses pela abolição de tribunaes (de justiça, grifo meu), que
impunha a necessidade de se recorrer a respeito de tudo á tão longinqua
Lisboa. [...] Os brasileiros responderão aos planos manifestos da
recolinisação, conspirando franca e enthusiasticamente para a independencia.
(MACEDO, 1863, p. 276).

46
Há aqui uma conotação hegeliana de evolução da razão, que não se confunde com o evolucionismo que se
desenvolveria na mesma década na Inglaterra.
116

Assim, D. Pedro abraçou a bandeira da independência e se tornou um elemento que,


ao mesmo tempo, criava uma barreira ao republicanismo e instigava a unidade territorial da
colônia. Assim, estabelecer-se-ia uma monarquia liberal e constitucional. A Lição XXII traz
outras personagens e seus serviços prestados à independência, como José Bonifácio, e finaliza
com o grito do Ypiranga.
Por fim, a última Lição, a XXIII, traz um texto entusiástico sobre o papel do príncipe
como protagonista do processo de independência do Brasil. Dedica-se a relatar o entusiasmo
do povo pelas ruas do Rio de Janeiro e contemporiza as guerras de resistência na Bahia. O final
é emblemático: a História deveria ser mestra da vida para o povo brasileiro que nascia com a
independência liderada pelo príncipe português, o qual, em si, já representava a civilização que
faltava ao País para trilhar o progresso:

Um povo que se emancipa, tem de escolher o seu governo, e so acerta, quando


o governo que escolhe é a expressão das conquistas da civilisação da época, e
tambem da sua indole, dos seus costumes, da sua educação; porque assim ha
um povo que se ennobrece com o progresso civilizador e que está preparado
para o governo que adopta; e não ha um governo que tem de preparar o povo
para conprehendêl-o, ou de precipital-o por caminhos que elle ainda não
conhece, ou de lançar-lhes pêas aviltantes com receio de vêl-o progredir.
(MACEDO, 1863, p. 298-9).

Segundo Macedo, o futuro de um país se construía com o cimento da civilização e da


História, pois, assim, o povo seria capaz de viver no governo de acordo com as suas tradições
históricas e culturais. Para o autor e para boa parte da historiografia monárquica, esse regime
foi a melhor escolha, sobretudo se comparado à fragmentação política da antiga América
espanhola, um temor paras as elites que conduziram o processo de independência no Brasil.

O seculo dezenove dizia ao povo brasileiro – liberdade! A educação, os


costumes, as antigas instituições, as noções transmittidas dos pais aos filhos
dizião-lhe – monarchia!
O consorcio d’ essa idéas era o fundamento da grandeza futura; o povo
brasileiro tinha n’alma o amor da liberdade; mas não tinha no solo que
habitava um principe para realisar a monarchia.
A providencia fez tudo. (MACEDO, 1863, p. 299).

A Providência se encarregou de preparar o terreno para a vinda de um príncipe que


estava de acordo com as tradições e com os costumes do povo e que o representava como
117

ordeiro e amante da liberdade, embora ligado às tradições. Isto tornaria legítima a monarquia
para o povo brasileiro.
Dessa forma, Joaquim Manuel de Macedo compõe uma história cujo centro são os reis
e os príncipes e, em alguns casos, os subalternos mais ilustres que deixaram suas marcas na
expansão e na consolidação do Império português. O Brasil independente, assim, é uma
continuação autônoma, sem dúvida, da civilização portuguesa. O tratamento dado a questões
como a escravidão africana, a independência do Brasil e as sedições no período colonial é
marcado pela contenção, sem esboçar qualquer conflito com a Coroa.
Assim, o sentido da nação brasileira construído por Macedo está restrito à civilização
branca, católica e portuguesa, legado que a nação independente e monárquica recebeu,
acomodada com a tradição do povo aqui constituído, ungido pela vontade divina. Macedo segue
na esteira de Varnhagen, inclusive no tom encomiástico próprio ao historiador oficial da
Monarquia, no que tange ao reconhecimento da mão branca civilizadora em detrimento dos
africanos e dos autóctones.
No primeiro volume, a questão da raça é destacada na descrição sobre os autóctones
do Brasil. A racialidade é compreendida de forma distinta em relação à visão de boa parte da
intelectualidade do último quartel do século XIX. Na “Lição V – Brazil em geral os povos que
habitavão na época do descobrimento”, Macedo tece uma narrativa em que descreve os povos
indígenas fisicamente, entendendo-os como uma raça única oriunda do tronco mongólico:

[...] debaixo do ponto de vista physico eis aqui o selvagem, como pouco mais
ou menos o descrevem Spix e Martius. Sua estatura é pequena, não tendo o
homem mais de quatro a cinco pes (alemães) e a mulher não excedendo a
quatro pes de altura. A compleição é forte e robusta. Tem o craneo e os ossos
da face largos e salientes; a fronte baixa; as temporas proeminentes, o rosto
largo e angular; as orêlhas pequenas; os olhos tambem são pequenos, pretos e
tomando a direcção obliqua, com o ângulo externo voltado para o nariz; as
sobrancelhas delgadas e arqueando-se fortemente; o nariz pequeno,
ligeiramente comprimido na parte superior e achatado na inferior; as ventas
grandes; os dentes brancos; os lábios espessos; o pescoço curto e grosso; o
peito largo; as barrigas das pernas finas; os braços redondos e musculosos; os
pes estreitos na parte posterior, e largos na anterior; a pelle fina, macia,
lusente, e de uma côr de cóbre carregado; os cabellos longos e espessos. O
homem apresenta ordinariamente pouca barba, bem que não sejão raras as
excepções desta regra. (MACEDO, 1861, p. 59).

Apesar dessa descrição, Macedo não define como certeza tal origem mongólica dos
naturais da terra:
118

Estes caracteres physicos, que em geral ajustão à todo o gentio do Brazil,


parecem indicar que a sua raça provém do mesmo tronco da mongólica; esta
questão está ainda por decidir, e se mostra sempre duplamente duvidosa: em
relação à sciencia até mesmo a pluralidade das raças tem sido negada: em
relação ao facto nada ha de positivo que demonstre e explique a origem
asiática da raça americana. [...] são tudo hypotheses: mas de hypotheses não
passarão ainda. (MACEDO, 1861, p. 59-60).

Dizendo de outro modo, existe um debate científico e não consensual sobre a origem
da espécie humana. A própria hipótese da poligenia não era uma certeza científica. O texto de
Macedo também não se mostra muito entusiasta de tais teses sobre a origem da espécie humana
e do homem americano. Dessa maneira, ele destaca que a cor do homem americano se deve à
sua nudez e ao uso de diferentes tintas no corpo, como o urucum, de cor vermelha, considerando
outros fatores para a distinção racial ou da cor.
Macedo destaca também o uso de batoques no lábio inferior – os botocudos – e de
outros ornamentos que os diferentes povos utilizavam em suas culturas e em seus rituais e
festas. Para o romancista, as armas de guerra ‒ as lanças e os arcos e flechas ‒ revelam a rudeza
da cultura dos indígenas, que eram vingativos e cruéis com os seus inimigos. Em outra
passagem, ressalta que os indígenas viviam “na sua infancia, homens rudes e selvagens, alheios
à civilização” (MACEDO, 1861, p. 65), característica que seria comprovada pela antropofagia
praticada pela maioria das tribos, como Macedo destaca. Entretanto, os indígenas eram
hospitaleiros como os árabes e destemidos diante da morte e na luta contra os inimigos.
Macedo também relata o modo de vida dos índios – sempre de forma genérica e sem
identificar os nomes de suas nações. Fala da divisão do trabalho entre homens e mulheres: os
meninos, após saírem da amamentação, seguiam o pai e as meninas continuavam com as mães.
Descreve, ainda, os rituais fúnebres, nos quais o morto era enterrado com os seus pertences.
Mas Macedo possui uma leitura própria tanto dos aborígenes quanto dos africanos. Nesse
sentido, as lições que narram as invasões holandesas e a reconquista luso-brasileira são
importantes fontes para análises.
A “Lição X: ultimo periodo da guerra hollandeza: desde o rompimento da insurreição
pernambucana até a capitulação da Campina da Taborda. 1645-1654”, do segundo volume,
narra as vitórias consecutivas dos portugueses sobre os holandeses em Pernambuco. Nesses
casos, as principais personagens históricas são da própria colônia, incluindo os negros e as
tropas indígenas. Porém, na narrativa, o aspecto racial não tem relevância ou destaque, pois é
colocado como apenas mais uma característica.
119

Duas questões saltam aos olhos na narrativa. A primeira é a afirmação dos interesses
coloniais sobre os metropolitanos da política de Dom João IVem relação à Holanda e à Espanha,
como será visto abaixo:

A intervenção do governador-geral do Brasil na guerra de Pernambuco, não


passava desapercebida. Os Estados-Geraes da Holanda fizerão sentir por
vezes essa offensa do tratado de 1641 a Francisco de Souza Coutinho, enviado
de Portugal em Haya; mas em 1646 elevárão as suas representações ao gráo
de queixas quasi ameaçadoras, e D. João IV, tendo conhecimento de que se
entabolavão entre a Hollanda e a Espanha as negociações de Munster, que
devião acabar pela famosa paz de Westphalia em 1648, receioso de uma
alliança d’ aquellas duas potencias, ordenou a Telles da Silva que em seu nome
desarmasse a insurreição pernambucana, em respeito ao armistício ajustado;
fosse porém na verdade patriótica resistencia dos chefes independentes, ou
ainda um novo artificio em que se achavão de prévio acordo o soberano, o
seu delegado no Brasil e os capitães que guerreavão os hollandezes, certo é
que Vieira, Vidal, e seus companheiros recebendo em 1646 pelos dous jesuitas
Manoel da Costa e João Fernandes a ordem do rei, declararão que
desobedecião a ella, e que irião receber o castigo d’ esse seu crime depois de
lançar fóra de Pernambuco o estrangeiro invasor. (MACEDO, 1863, p. 126).

Ou seja, as elites coloniais já tinham decidido o caminho a ser seguido, independente


das ordens de Lisboa. Claro, pode-se também ler isso como um mecanismo político de
demonstração pública de respeito pela trégua entre Portugal e Holanda. Afinal, Telles de Souza
foi substituído, na autoridade de governador Geral do Brasil, por Antonio de Souza de Menezes,
Conde de Vila Pouca. O aparente crime de lesa-majestade é relevado pelas agressões holandesas
à Bahia, o que modificou a política de Dom João IV, que aderiu à causa colonial de expulsão
dos holandeses do Nordeste.
A segunda questão trata da representação de Filipe Camarão e Henrique Dias nessa
narrativa, como mostrado a seguir:

O celebre poty (Dom Antonio Philippe Camarão), indio da tribu dos


potyguaras, da qual era chefe, recebeu no baptismo o nome Antonio; mas
conservou o que havia tomado entre os seus, e que em portuguez quer dizer
Camarão: educado pelos jesuitas, aprendeu a lêr, a escrever, e assegura-se que
tambem o latim: nos combates hábil capitão e intrepido soldado illustrou-se
pelejando contra os francezes no norte, e contra os hollandezes na Bahia e em
Pernambuco: em premio de seus serviços merecêra do Philippe IV a graça do
titulo de Dom para ele e seus herdeiros, o fôro de fidalgo, o habito da ordem
de Christo com uma pensão pecuniaria, e a patente de capitão-mor dos indios.
Para ganhar tantas distincções era na verdade preciso que aquelle filho das
selvas fosse incontestavelmente um benemérito, e um heróe, e ele o foi: sua
bravura igualava a sua modestia; e morrendo aos sessenta anos de idade,
gastára mais de metade da sua vida e combater as hostes estrangeiras que
invadírão o Brasil: a sua biographia é uma série triunphos: o seu exemplo um
120

desmentido à opinião d’ aquelles que descrêem da catachese e da civilização


dos gentios, e só confião na escravidão erigida em systema. (MACEDO, 1863,
p. 130).

A representação do herói potiguara, que lutou ao lado dos portugueses, revela uma
posição contraposta à de Varnhagen sobre a capacidade de regeneração moral e civilizatória
dos povos indígenas, o que não impressiona, afinal, fala-se de um célebre cânone da literatura
romântica brasileira, que tem, nos indígenas, o referencial de um passado histórico da nação
brasileira. Para Varnhagen, é o oposto: a obra colonizadora exclusivamente portuguesa criou a
nação brasileira. Assim, Macedo apresenta um deslocamento ou uma discordância em relação
à leitura de Varnhagen sobre a nação brasileira, na medida em que a catequese se apresentava
como o melhor instrumento para enveredar os indígenas à civilização.
A respeito do negro, Henrique Dias é retratado como herói devidamente honrado no
Brasil com cargos importantes. Diferente de Camarão, Macedo não faz qualquer enaltecimento
à raça de Henrique Dias:

O benemerito e bravo Henrique Dias esquecido em Portugal, foi no Brasil,


nomeado mestre de campo de um regimento de negros da Bahia, regimento
que nunca se devia extinguir, e que perpetuamente se chamaria Henrique
Dias: esta denominação, indisputavel titulo de gloria, não tardou a estender-
se aos regimentos de negros em outras provincias. (MACEDO, 1863, p. 138).

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Macedo, ao representar Henrique Dias,


embora o identifique como negro, como líder dos regimentos de negros e como um dos heróis
da pátria, não faz qualquer menção à sua raça ou estirpe, porque se está falando de um homem
que se tornou governador do Maranhão e, depois, de Angola, os maiores cargos públicos da
colônia. A questão da civilização ou da raça é silenciada.
O sujeito histórico Henrique Dias é explorado pela historiografia que se dedica tanto
ao ensino de História quanto a questões mais amplas sobre o Brasil Oitocentista. Mattos (2007)
auxilia na compreensão da representação dessa personagem nas Lições de Macedo como um
contraponto à representação elaborada por Abreu e Lima no Compêndio de História do Brasil.
Segundo Mattos (2007), Abreu e Lima possui uma leitura antirracista, quando compreendida
em seu tempo, porque os argumentos do herói da independência venezuelana se fundamentaram
na superação da questão da cor mediante enaltecimento das virtudes individuais. Tal postura se
explica pelo vínculo do pernambucano com o liberalismo de sua terra, o qual rechaçava a
manutenção da escravidão na sociedade brasileira. O contraponto de Macedo se caracteriza pelo
silêncio da cor, pois, para o literato, Henrique Dias foi um mero coadjuvante, sem maiores
121

digressões. A questão da raça, na verdade, nem é abordada, mas sim a condição de escravo ou
liberto. De acordo com a mesma autora, “a geração de 1870 vai modificar essa relação pensando
a formação do Brasil em termos raciais e culturais” (MATTOS, 2007, p. 221).
Com base nessas questões, entende-se que a nação, para Macedo, estaria na
identificação com o passado colonial português, resultado dos enfrentamentos internos e
externos que realçam a bravura das raças branca e indígena e silenciam a negra. A ligação de
Macedo com o romantismo brasileiro da geração indianista sugere a razão do enaltecimento de
Felipe Camarão, afinal, se José de Alencar criou Peri para a literatura, Macedo poderia enaltecer
a bravura de um líder militar como Poty.
Uma importante análise ajuda a contrastar as representações sobre o negro. Amaral
(2007) analisou as representações do escravo na obra literária de Macedo, com destaque para
as três novelas do livro Vítimas e Algozes, de 1869. Nesse sentido, a contribuição da autora é
válida para a compreensão das Lições de História do Brasil, uma vez que, no mundo escolar,
Macedo silenciou algumas questões em torno da escravidão e do negro.
O romance Vítimas e Algozes teve cunho emancipacionista em relação à questão da
escravidão, obra escrita seis anos após o segundo volume das Lições de História do Brasil. De
acordo com Amaral (2007), existe a possibilidade de a obra ter sido encomendada pelo
Imperador Dom Pedro II com a finalidade de preparar os espíritos para as leis abolicionistas
que viriam nos anos posteriores. Assim, a obra tinha uma função pedagógica sobre os malefícios
da escravidão e as dificuldades do governo em enfrentá-la. A ideia adotada por Macedo, de uma
abolição conciliadora, é a defesa da liberdade do ventre e a indenização aos senhores. Todavia,
existe uma apelação à humanidade dos senhores juntamente com o ensinamento moral do
catolicismo com vistas ao trabalho. De acordo com a autora, “Macedo afirmava que a
degeneração do negro não era inerente a ele, o que o tornava amoral era a escravidão”
(AMARAL, 2007, p. 202). Em outros termos, como a condição de cativo deformou o caráter
da população negra, somente a liberdade poderia lhes trazer de volta a civilização e a
humanidade. Desse modo, ainda argumenta a autora, o negro nascido em liberdade, sem a
experiência do cativeiro e educado na civilização, combinado com a miscigenação, poderia
contribuir para a nacionalidade brasileira. De acordo com o discurso proferido pelo próprio
Macedo, no IHGB, em 1871, na ocasião da Lei do Ventre Livre, a libertação do ventre seria a
purificação da “inocência”. Amaral (2007) revela um significado bastante interessante: ao usar
argumentos conservadores e pejorativos em relação aos negros, Macedo tentava convencer os
senhores de que só a libertação dos escravos poderia subverter aquele quadro cultural das
populações cativas.
122

Por que tais questões sobre a representação do negro e da escravidão são relevantes?
Porque, ao comparar a representação da escravidão ou do negro nas Lições de História do Brasil
com Vítimas e Algozes, o contraste é notável. Se, no início da década de 1860, Macedo silenciou
a questão da escravidão, no final da mesma década e na literatura, problematizou essa questão
social. Ainda que com limites, na perspectiva senhorial e de modo conciliador, o literato se
pronunciou favorável ao fim da escravidão como caminho para a edificação da nacionalidade
brasileira. A questão racial é tratada na sua dimensão moral, isto é, a degeneração do negro não
possuía um viés biológico; antes, as condições sociais inerentes à escravidão lhe degeneravam
o comportamento e a moral. De acordo com Amaral (2007), Vítimas e Algozes foi a única obra
que Macedo publicou a respeito da questão do negro e da escravidão.
Outra questão abordada é a distinção entre o negro da África e o crioulo brasileiro:
como o negro nascido no Brasil e miscigenado ou não era mais inteligente do que o seu ancestral
vindo da África, ele não seria um empecilho à civilização no Brasil. Amaral (2007) destaca,
ainda, que Macedo não defendia apenas o fim da escravidão, como também defendia a educação
para os libertos, de modo que eles pudessem usufruir civilizadamente dessa liberdade,
sobretudo por meio do aprendizado de um oficio que lhes preparasse para o trabalho. A
liberdade sem a educação criava o “vadio”, o que era pior para a sociedade do que a sua
condição de escravo.
A educação pela civilização combinada com a emancipação também resolveria outro
temor posto nas entrelinhas de Vítimas e Algozes, o da africanização do Brasil, que era a afeição
das populações mais pobres pela cultura da senzala, como o caso dos rituais “feiticeiros” do
Candomblé. Macedo chamava essa estratégia de apagar todas as sombras da escravidão: “Essa
prática de feitiçaria organizada [...] é uma peste que nos veio com os escravos d’África, que
desmoraliza” (MACEDO,1869, apud AMARAL, 2007, p. 74-75). Isto é, como eram bárbaros,
os costumes africanos deviam ser eliminados da cultura brasileira ‒ ainda que tivessem se
desenvolvido no Brasil ‒ para que fossem substituídos pela civilização. Na virada para o ano
de 1870, Macedo defendia, para as populações cativas, o mesmo projeto civilizatório defendido
para os indígenas, isto é, a cristianização, civilização para o progresso moral dessas populações.
Até mesmo essa possibilidade era negada ou silenciada para as populações afrodescendentes.
Voltando às Lições, a linguagem utilizada pelo autor para construir a narrativa tem
certa simplicidade. Quer dizer, é uma linguagem adaptada aos alunos do ensino secundário,
entre o quarto e o sétimo ano, os quais, em geral, utilizam outros livros como fontes. Ademais,
o livro possui quadros sinóticos (com referência a datas, nomes e fatos) e lições ao final de cada
123

capítulo, elementos usados como estratégia pedagógica para conferir o aprendizado do


conteúdo.
No contexto em que Macedo produziu sua obra, a História do Brasil ainda estava por
se fazer, embora tivesse o peso e o respaldo de uma instituição como o IHGB. Porém, como
assinala Gasparello (2004), o Instituto ainda estava desenvolvendo uma historiografia, a qual
só se tornaria mais sofisticada no último quartel do século XIX.
Outro ponto a destacar é o momento histórico da publicação das Lições de Macedo,
incentivado pelo governo a produzir e imprimir livros de História que fossem utilizados no
Colégio Pedro II e, por consequência, nos Liceus estaduais. Dessa maneira, os professores dessa
instituição se tornavam, também, autores de livros didáticos e, assim, conformavam o que
Gasparello (2004) assinala como historiografia imperial, produzida, afinal, com apoio
financeiro e institucional do Império.
O IHGB, no entanto, era o lugar de produção da memória nacional, o lugar do discurso
oficial, frequentado pela elite intelectual e palaciana do regime imperial. Durante a monarquia,
a maioria dessa elite se formou em Coimbra e alguns foram professores do Colégio Pedro II.
Assim, conforme assinalou Gasparello (2004, p. 147), “a nação imperial é gerada por uma pátria
mãe branca e constituída pelos seus descendentes – os colonos – que, nessa construção
necessitaram exercer a sua superioridade, de raça e civilização”. Nesse sentido, a memória
construída defendia a monarquia dos Bragança como continuadora da obra civilizatória nos
trópicos. Tal mote era uma das linhas mestras de Varnhagen em sua História Geral do Brasil.
Por essa razão, as Lições sintetizam, em termos, a obra mestra História Geral, de
Varnhagen. Contudo, em assuntos como a chegada da Família Real e a Independência, Macedo,
que também fora uma testemunha desses episódios históricos, demonstra certa autonomia, com
reflexões próprias e distintas de Varnhagen. Desse modo, por exemplo, Macedo utilizou a
literatura para enaltecer o valor dos indígenas na história da nação brasileira.
124

CAPÍTULO 3: AS LIÇÕES DE HISTÓRIA DO BRAZIL (1880) DE LUÍS DE QUEIRÓS


MATTOSO MAIA: ENTRE AS CONTINUIDADES DO IMPÉRIO, UM NOVO SÚDITO
BRASILEIRO

O terceiro capítulo desta tese versa sobre as Lições de História do Brazil, de Luis
Queirós Mattoso Maia, de 1880, sobre como sua narrativa acerca da história brasileira construiu
a ideia de nação e sobre a importância da raça nessa consecução. Desse modo, este capítulo se
divide em quatro momentos importantes para a compreensão da fonte analisada.
O primeiro momento trata das mudanças políticas, econômicas e sociais vividas pelo
Brasil em meados do século XIX, as quais trazem chaves de leitura para a compreensão das
diferenças entre as Lições de História do Brazil, de Macedo, e as Lições, de Mattoso Maia,
como a radicalização dos liberais, a modernização econômica e as lutas abolicionistas pelo fim
da escravidão.
O segundo momento trata da articulação entre as transformações vividas no País e as
mudanças ocorridas na Corte com o desenvolvimento da instrução pública primária e
secundária no que se refere às legislações e a seu vínculo com o gabinete conservador de
Visconde de Rio Branco.
O terceiro momento revela um pouco da biografia pública do Dr. Luis Queirós Mattoso
Maia, que, médico e militar, além de ter participado da campanha da Guerra do Paraguai,
ocupou diferentes cargos públicos no Rio de Janeiro e em Niterói. Sua rede de sociabilidade foi
bastante distinta da dos outros autores analisados nesta tese.
E, por fim, no quarto e último momento, analisam-se as Lições de História do Brazil,
de Mattoso Maia, cuja ideia de nação foi “atualizada” para o momento histórico que o Brasil
vivia desde os anos de 1860. Há, nesse caso, o deslocamento semântico do termo raça para
conotações mais científicas, ainda que diversas do racismo científico que se configuraria mais
tarde na Europa, nos Estados Unidos e no próprio Brasil. Seu conceito de raça é resultado da
etnografia e dos estudos dos povos indígenas de Couto Magalhães.
O Brasil da década de 1880 sentiu, mesmo que com limites, os efeitos da modernização
das três décadas anteriores, em virtude da expansão das áreas urbanas, sobretudo das próximas
às capitais provinciais e à Corte. Isto não significa que as regiões tenham se desenvolvido
igualmente. Antes, o Rio de Janeiro se consolidou, em razão de sua industrialização, como polo
nacional de atração para a elite política, intelectual e econômica. Em consequência dessa
125

desigualdade, imprimiram-se na sociedade brasileira as feições de modernidade, embora a


tradição rural, patriarcal e hierárquica tenha prevalecido como modelo societário.
A estrutura política e representativa do regime monárquico não conseguiu acompanhar
a velocidade das mudanças econômicas e sociais vividas pelos brasileiros daquele período. A
historiografia consagra a tese da incapacidade ou inabilidade política dos Estadistas do Império
em reorganizarem suas bases políticas com a ascensão de novos setores da economia. Assim,
esses setores emergentes não nutriram nenhum sentimento de lealdade ou fidelidade ao regime
político (CARVALHO, 2003; ALONSO, 2002; VIOTTI DA COSTA, 1999). Dessa forma, os
novos atores sociais e políticos ‒ de um lado, os militares e os cafeicultores; de outro, a Igreja
Católica, os abolicionistas e os republicanos ‒ contribuíram para a derrubada das bases políticas
da monarquia, as quais, não indenizadas, sentiram-se contrariadas na questão da transição do
trabalho escravo para o assalariado livre. Desse modo, esses diferentes sujeitos históricos não
se viram representados nessa estrutura e, portanto, se não conspiraram contra a monarquia,
também não fizeram questão de se envolverem em defesa de suas instituições.
O predomínio do café se aprofundou no segmento econômico, no que tange às pautas
da exportação, ainda que sem a mesma força e representatividade política. Tal descompasso
entre a economia e a política contribuiu para o desgaste do regime monárquico e favoreceu a
tomada de poder das oligarquias cafeeiras no final da década de 1880. Então, sem dúvida,
embora em leitura retrospectiva, o último ano da década de 1870 e o início da década seguinte
indicavam mudanças de maior envergadura na sociedade brasileira. Afinal, as ideias
republicanas ganharam fôlego e contribuíram para a queda do regime monárquico.
Em termos econômicos, o período se caracterizou pelos investimentos ingleses na
cafeicultura, como as estradas de ferro e os portos para as exportações. A inserção do Brasil,
especialmente da região cafeeira, no capitalismo financeiro, como país fornecedor de bens
primários financiado por bancos ingleses, significou, do ponto de vista social, o fim gradativo
da escravidão. Além disso, foram publicadas as leis abolicionistas paralelamente à integração
de imigrantes estrangeiros ao mercado de trabalho, sobretudo à de italianos e espanhóis em São
Paulo.
No que concerne às lutas sociais, o abolicionismo se tornava a principal bandeira de
modernização da sociedade brasileira. As diferentes formas de resistência, aos poucos,
ganhavam apoio popular, mesmo por parte das camadas mais abastadas da sociedade brasileira
ou por parte de militares e cafeicultores do oeste paulista. Essa bandeira ganhou apoio especial
das novas áreas de expansão do capitalismo no Brasil, sobretudo daquelas alijadas do sistema
político representativo monárquico. De acordo com Alonso (2002), diferentes grupos políticos,
126

surgidos entre o final dos anos de 1860 e a década de 1880, foram marginalizados politicamente
pela direção Saquarema. Porém, embora tivessem esse elo em comum, eram bastante
heterogêneos entre si e tinham objetivos distintos, como a necessidade de maior autonomia
política, a busca pela preservação da posição econômica ou, ainda, a defesa de uma república
eminentemente democrática e popular.
No mundo das ideias, diferentes correntes de pensamento chegaram ao País importadas
da Europa, como o evolucionismo, o materialismo e o positivismo. Este último repercutiu
fortemente na elite política, que cria na ideia de progresso e na evolução dos povos por meio da
razão e da ciência. O Brasil monárquico, para alguns desses intelectuais, correspondia à fase
teológico-metafísica e, por isso, deveria caminhar para a fase positiva do regime industrial e
republicano (CARVALHO, 1999).
No interior dessas mudanças, Luis de Queirós Mattoso Maia, nascido no período de
consolidação do Estado Imperial, em torno de 1833, transformou suas aulas de História do
Brasil em Lições de História do Brazil. Com 26 anos, em 1859, Mattoso Maia, de família de
militares e professores, formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, aproveitando
as oportunidades da modernização da economia brasileira, que formava profissionais liberais,
como os médicos, os advogados, os engenheiros e os farmacêuticos. Vale ressaltar que os
profissionais urbanos não mantiveram os laços ou a identificação com os interesses daqueles
que predominavam na vida política do País. O referido doutor, ademais, como médico da
Guerra do Paraguai, aproveitou outro nicho social e político em ascensão ‒ o universo militar
‒, mantendo laços de sociabilidade com esse emergente sujeito histórico na sociedade brasileira.
Se Macedo veio do chamado estamento da sociedade imperial, ainda que filho de
pequenos proprietários rurais de Itaboraí, o Dr. Mattoso Maia percorreu os setores em ascensão
social, econômica e política da sociedade brasileira, especialmente a carioca da segunda metade
do século XIX, afinal o Rio de Janeiro, como capital do Império, contava com grande número
de militares em quartéis e escolas de oficiais das armas.
Se, no período de formação e consolidação do Estado Imperial, a elite política
procurou reestabelecer a moeda colonial e os monopólios, as gerações herdeiras da práxis
política dos Saquaremas procuraram manter seus privilégios e controlar o “leme” frente às
mudanças que se operavam no mundo ocidental capitalista, “entregando os anéis para não
perder os dedos”. Diante da “radicalidade dos liberais” e das ideias republicanas, o gabinete de
Visconde de Rio Branco foi o melhor exemplo de transformação conservadora e segura.
A Guerra do Paraguai alterou um pouco a constituição da sociedade monárquica, uma
vez que os militares se fortaleceram como instituição. Assim, o Escola Militar e as ideias
127

positivistas do professor de Matemática Benjamin Constant, com os quais Mattoso Maia


conviveu, ganharam adeptos, dentre os quais jovens estudantes e oficiais. Mattoso Maia, que
foi médico nessa Guerra, manteve laços sociais com os militares ao longo de sua vida,
comparecendo a diferentes funerais de heróis da Guerra do Paraguai. Além disso, sua filha
também foi casada com um militar. Esses pontos, destacados nesta tese, permitem compreender
por que o autor não teve os mesmos vínculos com os jornais, com o IHGB e com outros círculos
literários e por que, portanto, não se encontram tantas fontes nesses lugares.
Ainda no tempo de vida de Mattoso Maia, o debate sobre a escravidão girava em torno
de adaptá-la e transformá-la livre, sem comprometer as estruturas e o status quo. Antes vista
como pilar fundamental da colonização e do crescimento econômico, a escravidão agora era
vista como ameaça, porque as dívidas mudavam as mãos que controlavam as fazendas, os
agricultores, os quais, falindo, entregavam os escravos aos traficantes e aos especuladores
financistas como hipoteca de seus pagamentos. Tais ações colocavam em risco a produção de
alimentos e, também, a própria economia interna do País. Ainda, o número excessivo de
escravos, que atacavam e emboscavam senhores e capatazes, era uma ameaça à segurança
interna da boa sociedade.
No ambiente urbano, enquanto se mantinha a escravidão, recrudesciam-se as rebeliões
dos negros. Foram diversas as formas de resistência, como os abortos, os assassinatos de
senhores, de seus familiares e de feitores, a sabotagem na produção agrícola, as greves, as
diferentes formas de negociação, os suicídios e as fugas em massa. Pairava sobre os estadistas
do Império a sombra do “haitismo”. Outro temor pouco comentado foi a ameaça de uma guerra
civil como a ocorrida nos Estados Unidos (1861-1865) cujo estopim fora a questão da mão de
obra cativa ou livre, o que, para muitos estadistas do Império Brasileiro, deveria ser evitado.
Vale destacar que os pretos forros se articularam nas lutas abolicionistas em busca de
igualdade de direitos políticos e sociais, como, por exemplo, em busca da possibilidade de
ocuparem cargos religiosos e cargos administrativos no funcionalismo público ou em outras
esferas do Estado. Da perspectiva senhorial, as sedições dos negros tornavam seu custo cada
vez mais alto, se comparado à mão de obra assalariada, e, principalmente, contribuíam para a
instabilidade econômica.
A escravidão, que será explorada no último tópico, foi tema abordado e duramente
criticado por Mattoso Maia, diferente da historiografia do IHGB e da abordagem de Varnhagen
e de Macedo, nas Lições. Contudo, sua crítica teve limites, já que seguia uma leitura
conservadora, talvez próxima da linha política do Gabinete de Visconde de Rio Branco. Isto
não implica pensar que, diante das mudanças, era necessário não fosse necessário repensar o
128

que era a nação brasileira, a sua cultura e a sua história. Sugere-se, aqui, portanto, que houve
certos deslocamentos de representação da nação, quando comparada às Lições de História do
Brazil, de J. Manoel de Macedo.
A questão da imigração estrangeira foi tratada pelo Estado Imperial da perspectiva
senhorial, isto é, da perspectiva das necessidades dessa classe. O Estado (o governo), em meio
a suas contradições, favoreceu o governo da Casa, os lavradores. Como o monopólio da mão
de obra era vital para as diferentes províncias, o tráfico interno era um problema para as lavouras
das regiões economicamente decadentes, porque, em razão de seu poder de compra, as áreas
mais rentáveis e lucrativas venciam, ou seja, as Províncias do sudeste cafeicultor venciam as
Províncias do Norte. Os fracassos das primeiras iniciativas privadas de imigração europeia, as
quais procuravam frear a participação dos negros na economia e a africanização do País,
significaram a vitória dos escravistas e a derrota dos liberais. Entretanto, nos anos de 1860, a
intervenção da Coroa no sistema de parcerias alteraria esse quadro.
Em síntese, o tema da imigração foi explorado pela Filosofia da História, de João
Ribeiro, mas ignorado pelas Lições de Mattoso Maia, pois talvez não houvesse o devido
distanciamento histórico para que o autor percebesse os efeitos da imigração europeia ou
mesmo as teorias racialistas do último quartel do século XIX.
A política de terras, segundo a leitura de Mattos (1990), é um símbolo da política
Saquarema de ocupação e colonização das terras e de equilíbrio da oferta de mão de obra para
as áreas mais rentáveis da economia do Império. Por um lado, mantinha-se a mão de obra para
a manutenção dos canaviais e dos engenhos do Nordeste; por outro, abasteciam-se as novas
áreas em expansão do café e, em seu interstício, controlava-se o acesso à terra, garantindo que
os trabalhadores não fugissem do controle da classe senhorial.
Outra questão importante a discutir é a implantação de modelos políticos no Brasil. A
expressão de Euclides da Cunha, a de que o Brasil foi criado com base em uma teoria política,
é utilizada para problematizar os debates sobre representatividade política e cidadania na
legislação eleitoral do Império. De acordo com a tese de Carvalho (1988), as legislações
eleitorais do império tinham três preocupações: definir o que é e quem tinha direito à cidadania,
garantir a representação das minorias (como forma de prever a ditadura de uma facção política)
e captar a verdade eleitoral, livre das influências espúrias e dos interesses particulares, seja da
sociedade, seja do governo. Nesse sentido, as legislações eleitorais do Império mantiveram
grande parte da população excluída da vida política, e o Brasil não foi uma exceção. O chamado
“mundo civilizado” só o faria no século XX. A exclusão do votante pobre e analfabeto era
129

justificada partindo-se da premissa de que era esse tipo de votante o corruptor do processo
político, a causa das fraudes eleitorais e do falseamento da representatividade política do País.
A alfabetização ganhava contornos políticos à medida que se tornava requisito para a
participação da vida política do Estado, no mesmo momento que, curiosamente, a malha escolar
encolhia ou crescia menos diante da demanda da década de 1880, se comparada às décadas de
1860 e 1870, pelo menos no município da Corte analisado por Martinez (1997). Apesar desse
quadro, a instrução ganhava forte apelo dos liberais, sobretudo dos alijados da estrutura
político-representativa da monarquia.
Esse quadro político começou a se desintegrar ou a se desgastar por meio da
radicalização dos liberais e de suas facções regionais dentro da estrutura representativa do
Império. Alonso (2002) destaca os diferentes matizes liberais que, em um primeiro momento,
desejavam transformar as estruturas políticas para manter seus privilégios – como o caso dos
liberais pernambucanos e fluminenses. Contudo, os republicanos ganhariam força entre os
liberais, especialmente entre os oriundos de setores marginalizados pelas estruturas político-
representativas, os quais, embora contassem com recursos e/ou riquezas, não tinham autonomia
para a ação política.
A relação entre o partido conservador e o liberal pode ser destacada pelos elementos
que os unem: a regra oligárquica de regras mínimas de convivência, segundo as quais cada
facção poderia ser a mais poderosa, sem que, no entanto, alterasse os conservadores que
ocupavam o poder central. Tais partidos eram consensuais nos debates cavalheirescos da Corte
e no critério de cidadania (a propriedade e a liberdade), inobstante violentos nas eleições no
interior. Manter esses pilares significava manter a ordem política consolidada.
A hegemonia conservadora foi contestada de diferentes formas, o que se agravou ao
longo das décadas de 1870 e 1880. O Manifesto do Novo Partido Liberal, de 1869, era claro
diante do dilema que as instituições monárquicas enfrentavam: “ou a reforma ou revolução”. O
entendimento do Partido Liberal era o de que o sistema representativo vivia sob o golpe
absolutista por meio do Poder Moderador e da falsificação das eleições e comprometia a real
correlação de forças políticas do País.
As principais formas de contestação da ordem foram, mediante expansão do mercado
editorial impresso, os jornais e as revistas publicados nas principais cidades brasileiras ou, pelo
menos, nas regiões mais urbanizadas. Nesses impressos, a opinião pública demarcava seu lugar
dentro da nova sociedade imperial que se edificava com a modernização. O livro didático, por
exemplo, ganhava espaço, em razão da demanda das diferentes instituições de ensino e da
130

afirmação de diferentes materiais didáticos impressos destinados à aprendizagem e ao uso do


professor no cotidiano.
Para produzir manuais destinados ao ensino secundário, resultado de suas aulas,
Mattoso Maia, se não foi polígrafo ou literato, aproveitou esse nicho de mercado e o mérito de
pertencer a uma instituição importante. Dessa forma, escreveu as Lições de História do Brazil
(1880) e as Lições de História Universal (1887). Vale destacar que ele escreveu as Lições de
História do Brazil destinadas às escolas primárias, ou seja, como autor, atuou em ambos os
segmentos de ensino: no primário e no secundário. Vale frisar também que existiam incentivos
do governo para os professores produzirem seus materiais didáticos, ainda que houvesse
dificuldades para a aprovação, para o recebimento da verba e, por fim, para a circulação e a
venda desses livros, como destacam Teixeira e Schueler (2009).
Enquanto o autor vivia determinadas mudanças em sua vida profissional, a crise de
representatividade política se estabeleceu pela contestação à ordem. Assim, o desenvolvimento
da autonomia das instituições monárquicas em relação ao estamento senhorial ocasionou a
tensão entre dois mundos, ou seja, a crise do último quartel do século XIX entre a classe
senhorial e os representantes políticos, contexto em que o patrimonialismo direcionou a
burocratização e a nacionalização do aparato estatal.
A esfera pública se desenvolveu, portanto, por meio de parâmetros racionais e
abstratos, em confronto com os privilégios já estabelecidos, para a melhor eficácia das
instituições estatais. Desse modo, a conciliação foi feita mediante preenchimento de cargos de
acordo com a meritocracia, no caso dos cargos de oficiais das forças armadas, mas também
mediante utilização da lógica familista, no caso da ocupação dos cargos políticos ou do alto
funcionalismo público. Mattoso Maia se enquadrou em ambos os casos, tanto por mérito,
quanto por suas sociabilidades na Corte, como será visto adiante.
Na tensão dessas duas lógicas, o Estado imperial, especialmente o modelo político
estabelecido pela direção Saquarema, ainda herdeira da tradição colonial, precisou se rever. Em
meados do século XIX, então, surgiram e cresceram novos setores sociais e econômicos e que
não tinham a representatividade política proporcional a sua força econômica, o que
desencadeou a crise vivida na fase final da monarquia.
O gabinete de Visconde do Rio Branco promoveu transformações que faziam parte da
agenda dos liberais, como a reforma judiciária, a comercial, a monetária e o sistema métrico de
padrões e medidas. Os transportes e as comunicações também acompanharam as mudanças por
meio da criação das estradas de ferro e do telégrafo submarino para a Europa e para os Estados
Unidos. Entretanto, para essa modernização econômica, era necessária a modernização da
131

concepção sobre o cidadão, não apenas como possuidor de direitos políticos, mas de
conhecimentos necessários para as novas atividades econômicas advindas da Segunda
Revolução Industrial.
Para tanto, era imprescindível a expansão da malha escolar, embora isto tenha se
limitado ao município da Corte. A Reforma Educacional de 1874, de João Alfredo, propôs a
implantação de ensino industrial, técnico e profissionalizante e de programas de alfabetização
de adultos, proposta que não ultrapassou a fase de projeto de lei. Entretanto, a Reforma
promoveu a expansão das vagas no ensino superior. Desde a independência, prevaleceram as
escolas de direito e a exigência de cargos técnicos e, nesse escopo, criaram-se a Escola de Minas
e a Escola Politécnica, separando civis e militares, entre outras mudanças.
Essas mudanças implicavam a formação de uma nova opinião pública, não pertencente
ao estamento senhorial. Porém, o Estado deveria promover, controlar e disciplinar tais
mudanças e, correndo o risco de ruir todo o edifício monárquico, evitar que a própria sociedade
conduzisse esse processo. As medidas não lograram e, desse modo, resultaram em uma
modernização incompleta.
A ação dos intelectuais, baseados em suas concepções sobre o homem e sobre a
sociedade, foi importante no processo de mudança, para o país emergir como nação “civilizada”
e desenvolvida. Alonso (2002) problematiza as classificações em torno dos intelectuais e de
suas escolas filosóficas e políticas, porque, na experiência, são verificáveis as classificações
superpostas, adjacentes. Em outros termos, um indivíduo, do ponto de vista intelectual, não se
filia apenas a essa ou àquela escola ou movimento intelectual, ponto importante para se
compreender a ação política dos intelectuais nas esferas do Estado ou das instituições. Em suma,
essas classificações são mais um uso do passado, uma leitura histórica que os estudiosos – a
historiografia ‒ fizeram do que propriamente é a realidade histórica, a priori. Como o autor
destacou: “se nem mesmo na matriz havia teorias puras e bem delineadas à disposição, não há
razão para tomar as classificações teóricas como critério para leituras das obras da geração de
1870” (ALONSO, 2002, p. 30).
Desse ecletismo intelectual, emergiram maneiras de se pensar e interpretar a nação, os
problemas enfrentados pela sociedade brasileira, os caminhos pelos quais se deveria enveredar
e o papel da memória e da História na construção do novo súdito ou cidadão brasileiro para o
fim do século XIX e início do novo século.
Assim, munido dessas chaves de leitura, Alonso (2002) dá pistas sobre a compreensão
dos significados presentes nas narrativas escolares aqui analisadas, porque, afinal, os autores
em questão – no mínimo – tiveram contato com as Faculdades de Medicina e com as novas
132

teorias científicas, o que inclui o chamado racismo científico. Macedo e Mattoso Maia foram
médicos e Ribeiro, embora tenha-a abandonado, cursou medicina por algum tempo. Vale
destacar que Macedo não teve contato com as teses cientificistas durante sua formação, nos
anos de 1840.

3.1 - Entre o bando de ideias novas, a modernização conservadora da Instrução Pública.

Entre as Lições de História do Brazil, de Joaquim Manoel de Macedo, publicadas entre


1861 e 1863, e as Lições de História do Brazil, de Mattoso Maia, publicadas em 1880,
passaram-se 17 anos, período em que a legislação sobre o ensino secundário sofreu mudanças
significativas, embora sem a envergadura da construção e da consolidação da direção
Saquarema. A legislação sobre o ensino primário passou por um processo semelhante, porém
a malha escolar da Corte e capital do Império teria um crescimento significativo decorrente das
diferentes iniciativas da sociedade civil e das instituições privadas.
Com o decorrer do Segundo Reinado, aumentou a disparidade da malha escolar entre
o município da Corte e as Províncias. Pode-se inferir que o Ato Adicional agravou as diferenças
regionais em relação à difusão das primeiras letras e aos progressos dessas regiões. A exceção
seria o Estado de São Paulo, que, na virada do século XX, expandiria os Grupos Escolares e,
junto do Rio de Janeiro, não seria apenas a região economicamente mais desenvolvida, mas
também a de maior malhar escolar.
Um famoso relatório do Conselheiro Liberato Barroso47, utilizado pela historiografia
da História da Educação, destaca as dificuldades de se expandir a rede escolar e a irregularidade
de frequência a essas escolas. Ele não só denunciou tal problema, mas ressaltou a importância
da proliferação das primeiras letras para a modernização da sociedade e para a economia do
País. Schueler (1999) destaca o crescimento das escolas primárias entre 1865 e 1878: Minas
Gerais passou de 232 para 768; a Bahia passou de 200 para 468; e o município da Corte e a
província do Rio de Janeiro passaram a ter 177. As regiões mais pobres, como Pará, Ceará,
Maranhão e Santa Catarina, tinham, em média, menos de 50 estabelecimentos escolares. Assim,
a Instrução Pública se desenvolveria ao longo do século XIX de maneira irregular entre as
províncias, mas com pretensas unificações.

47
Para saber mais, consultar Barroso (1867).
133

As intenções básicas do ensino primário fundamentavam-se na tentativa de


forjar e manter a unidade, na garantia da ordem pública e o estabelecimento
de laços e hierarquias entre a população, distinguindo os súditos e os cidadãos
da massa de escravos. (MARTINEZ, 1997, p. 14).

Essa leitura, com base nos estudos de Mattos (1990), explica a importância da
instrução pública no projeto de Estado Nacional durante o Império. Embora pardos e negros
tivessem acesso às primeiras letras, o acesso escolar, no plano institucional, lhes era impedido
ou dificultado.
À medida que a formação do povo se tornava uma urgência social a ser enfrentada
pelas elites políticas do Império, consolidava-se o papel de institucionalização do poder público
sobre a Instrução. No bojo desse debate, questionava-se sobre quem seriam os beneficiados,
sobre quais categorias de cidadão poderiam frequentar os recintos escolares. Martinez (1997)
responde que:

Constituía o conjunto dos homens livres e sadios, compreendendo ainda


aqueles que, por serem livres e pobres, vivenciavam relações de dependência
para com as classes senhoriais e o Estado, simbolizado, em última instância,
pela figura do Imperador. Excluindo os escravos, a legislação da Instrução
Pública estabelecia e ratificava a distinção fundamental da sociedade imperial:
a que marcava a subordinação dos escravos aos homens livres. (MARTINEZ,
1997, p. 15).

A Legislação da Reforma Couto Ferraz, de 1854, enunciava a obrigatoriedade de


incluir os meninos perdidos nas ruas da Corte em escolas primárias e lhes dar mínimas
condições de existência, mediante fornecimento de uniforme e material escolar. Depois das
aulas, esses meninos eram enviados aos Arsenais do Exército e da Marinha, onde faziam cursos
de ofícios. A finalidade era, por um lado, dar oportunidades a quem tinha distinção; por outro,
formar a mão de obra trabalhadora livre. Isso exemplifica o sentido de instrução pública
primária destinada às camadas populares e de ensino secundário monopolizado pelas classes
senhoriais que se manteriam nos cargos públicos ou na direção do Estado.

A instrução primária foi entendida como a instrução popular por excelência,


destinada a toda a população livre. Incluindo as crianças provenientes das
famílias livres e pobres, a escola primária pretendia construir um espaço de
integração e inclusão social, preparando-as para a aquisição futura de uma
instrução profissional. (MARTINEZ, 1997, p. 19).
134

Por meio da análise dos relatórios da instrução pública do município da Corte,


verificou-se a progressiva implantação de novas escolas primárias em diferentes áreas do Rio
de Janeiro, chegando, no ano de 1865, ao número de 42 escolas.
Longe de um sentido emancipacionista, a educação popular visava à manutenção das
hierarquias sociais e econômicas da sociedade brasileira. Pode-se inferir a reprodução da
desigualdade como projeto de Estado Nacional por parte das elites políticas do Império? Em
alguma medida, sim. Embora mensurar a consciência desse projeto seja um desafio titânico, ao
menos considerar os debates entre os conservadores, os liberais e os republicanos pode dar
pistas acerca dos sentidos da instrução/educação pública e popular. Como Martinez (1997)
destacou, existiam diferentes projetos políticos para a educação que estavam longe de um
consenso, mas o impulso civilizador para a instrução ocorria sim pelas políticas implementadas
na Corte.
Há de se considerar a relação existente entre o que hoje se chama educação e a
construção do Estado Nacional Imperial. Isto porque, de um lado, os conservadores defendiam
um Estado centralizado pela política e pela justiça – pelo menos, em tese, a educação deveria
seguir esse axioma, inobstante encontrasse resistências nas estruturas sociais e econômicas da
sociedade escravista; de outro, os liberais defendiam um Estado descentralizado com mais
autonomia para as Províncias governarem – o que também não significaria uma efetiva política
pública para a educação, pois encontravam-se os mesmos limites da estrutura oligárquica da
sociedade brasileira. As disputas de ideias no interior dos projetos políticos da intelectualidade
e dos estadistas, por fim, demonstram a heterogeneidade que marcava a chamada geração de
1870 e 1880.
Os diferentes projetos de instrução pública se colocavam como imposição frente às
transformações que a sociedade brasileira passara, especialmente a dos centros urbanos, com
os primeiros surtos industriais e com a necessidade de alfabetização da população para a
inserção no regime de trabalho livre. Outra necessidade que se impunha era a de educar as
crianças nascidas libertas pela Lei do Ventre-Livre, de 1871. As lutas abolicionistas revelavam
as contradições econômicas e as bases políticas da monarquia diluídas no apoio ao regime.
Ademais, para incorporar essa parcela da sociedade ao trabalho livre, a educação era a principal
estratégia, embora isto não se tenha efetivado.
Segundo Mattos (1990), a instrução primária fazia parte daquilo que o autor chama de
“teia de Penélope”, isto é, as relações entre o mundo do governo (atribuições do Estado) e o
governo da Casa (mundo privado), expandindo-se, portanto, enquanto não colocasse em xeque
o monopólio ou o controle daquilo que pertencia ao mundo da família. A instrução sofria, por
135

conseguinte, com a disputa sobre os limites de ação da família, que lhe mostrava resistência, e
do Estado, para o qual significava o controle necessário sobre as famílias ou o controle sobre a
formação da mão de obra em proveito da expansão da classe senhorial. Em síntese, a construção
da civilidade era fundamental para a edificação do Estado Imperial.
A difusão da civilização e da instrução tinha dupla finalidade: unir a classe senhorial
aos trabalhadores livres e distingui-los dos escravos, mantendo cada qual em seu devido espaço
e reconhecendo as hierarquias previamente marcadas. Os finais dos anos de 1840 foram
marcados pela expansão da rede escolar, embora tímida para a demanda populacional. Contudo,
ressalta-se que, das 177 instituições de ensino, 134 eram particulares (MARTINEZ, 1997, p.
278).
Se o momento de edificação e consolidação do regime monárquico e da direção
Saquarema foi marcado por uma série de leis, decretos e regulamentos acerca da instrução
primária, os anos de 1860 e 1870 não tiveram o mesmo vigor legislativo. Porém, relatórios,
como o de Liberato Barroso (1864), ou projetos de lei, como os de Paulino José Soares de Souza
(1870), Antônio Cândido Cunha Leitão (1873) e João Alfredo Corrêa de Oliveira (1874), são
reveladores acerca das discussões legislativas em torno da instrução pública e dos projetos de
Estado.
Em seu projeto, Paulino José de Souza (1870) sugeriu a criação de faculdades de
Direito, Teologia, Medicina e Ciências Naturais e Matemáticas no município da Corte, bem
como a subvenção da Coroa para a construção de escolas primárias para ambos os sexos em
todas as Províncias. Vale destacar, ainda, a sugestão da obrigatoriedade de ensino para as
crianças e os jovens de 7 a 15 anos de idade no segmento primário de ensino.48
Por fim, o mais consistente e mais amplo como projeto educacional e, por essa razão,
o mais conhecido e debatido pela historiografia é o projeto de João Alfredo Corrêa de Oliveira
(1874), cujas ideias são bastante contemporâneas. Para Oliveira, a instrução era uma urgência
social a ser enfrentada pelos dirigentes políticos e, por isso, o Estado brasileiro deveria
organizar a educação no País. Além da obrigatoriedade de ensino e frequência, o ensino
primário deveria ser destinado às crianças e aos jovens de 7 a 14 anos, bem como aos adultos
que não tiveram acesso ao ensino. Também deveriam ser construídas escolas

48
Após três anos de espera para que se debatesse sobre o referido projeto na Câmara, o deputado Antônio Cândido
Cunha Leitão apresentou outro projeto, até mais “polêmico” que o primeiro. Se, de um lado, contemporizou a
obrigatoriedade de ensino para os jovens de 7 a 14 anos das vilas e das cidades; de outro, dispensou os alunos
protestantes das aulas de ensino religioso, afinal, o Catolicismo era a religião oficial, atrelado ao Estado Imperial.
A exemplo do primeiro projeto, o de Leitão também não foi discutido entre os parlamentares. Esse bando de ideias
novas atingia a questão da relação entre a Igreja e o Estado.
136

profissionalizantes para homens e mulheres e a obrigatoriedade de ensino, ser estendida aos


jovens de 14 a 18 anos. Novamente, mais um projeto educacional, embora discutido, não teve
andamento e não se tornou lei.
Por um lado, a difusão da instrução primária serviria para regenerar, do ponto de vista
moral, a sociedade brasileira. Por outro, era necessária uma formação para o indivíduo se tornar
um cidadão eleitor e ter condições de participar da vida política. Assim, questões educacionais
sobre como deveria ser e se organizar a cultura escolar não eram preocupações, antes eram
urgências sociais e econômicas frente à modernização que as áreas mais ricas do País tiveram.
O desenvolvimento de um sistema nacional de ensino era, dessa maneira, o caminho para o
Brasil acompanhar as ideias de progresso, civilização e modernização econômica das chamadas
nações “civilizadas”.
A despeito desses debates do final dos anos de 1870, foi sancionado, em abril de 1879,
o decreto-lei n.º 7.247, da conhecida Reforma Leôncio de Carvalho, que reformulava o ensino
primário e secundário no município da Corte e o superior em todo o Império. De caráter
nacional, esta foi a principal legislação do período até a Reforma Benjamin Constant, de 1891.
Foi publicada no contexto das reformas liberais, após o gabinete conservador de Visconde de
Rio Branco, quando as diretrizes conservadoras procuraram incorporar bandeiras dos liberais
na consecução de um projeto político para o País, não apenas na questão educacional, mas
também na legislação abolicionista, que pode ser outro exemplo dessa tentativa de
aproximação.
O decreto ficou marcado pela promoção da liberdade de ensino aos estabelecimentos
educacionais privados e públicos, contanto que estes não ferissem a moralidade e tivessem
condições adequadas de higiene. Podem-se entender dois sentidos para essa liberdade de ensino
presentes na formulação de Leôncio de Carvalho. Na linha interpretativa de Primitivo Moacyr
(1937), o primeiro diz respeito à liberdade de oferecer o ensino com liberdade de consciência,
sem mensuração do Estado sobre o mestre; já o segundo se refere ao discernimento sobre o que
se ensina ao alunado sob os auspícios da oferta e da procura. De acordo com esse último sentido,
a população selecionaria os professores mais aptos e melhores para a instrução de seus filhos,
e o mestre, em face da concorrência, seria obrigado a zelar pela qualidade de sua formação e
dos ensinamentos dados à clientela. Em suma, a educação e o conhecimento são interpretados
como produtos de mercado. Consoante Rocha (2009), tais linhas interpretativas resultam do
caráter doutrinário das leis que organizavam a sociedade imperial.
Para Dória (1997), a reforma Leôncio de Carvalho virou do avesso as estruturas do
Colégio Pedro II, afinal a disciplina da instituição era baseada na frequência obrigatória, que, a
137

partir dessa reforma, tornava-se livre. Assim, entende que os professores se tornavam meros
“examinadores gratuitos dos preparatórios” (DÓRIA, 1997, p. 129), frase que revela uma das
leituras feitas por essa comunidade escolar. O decreto de Leôncio de Carvalho ainda estabelecia
os termos das gratuidades na instituição: os órfãos comprovadamente pobres, os filhos dos
militares mortos na Guerra do Paraguai, os filhos dos professores que tivessem mais de dez
anos de magistério na instituição e os alunos que se distinguissem como os melhores no ensino
privado.
A historiografia destaca a dispensa de frequência para os alunos acatólicos, isto é, para
os alunos protestantes, questão que se tornava importante para garantir direitos e condições
mínimas para a vinda de imigrantes, especialmente os de origem alemã ou mesmo de outras
nacionalidades, como judeus ou árabes. Esse artigo foi duramente criticado por ferir a religião
oficial do País, mas foi uma demonstração do avanço dessas questões no debate político.
Para entender o decreto como matriz de uma modernidade pedagógica49, uma
possibilidade é a ideia de responsabilização do poder central – o Estado encarnado na figura da
Coroa ‒ sobre o ensino primário nas províncias e a necessidade de oferta escolar tanto à
população adulta analfabeta como às crianças menores de 7 anos, porque o decreto previa a
criação de jardins de infância para crianças de 3 a 7 anos de idade em cada distrito do município,
bem como de bibliotecas e museus escolares. Sobre o auxílio às províncias, ainda vale ressaltar
que a Coroa também se comprometia com a promoção, nos municípios mais importantes, do
ensino profissionalizante.
Exposto assim, compreende-se a contemporaneidade das questões educacionais
assinaladas no decreto. A oferta de ensino e a sua constituição como direito fundamental dos
indivíduos eram pontos nevrálgicos para a modernização do Estado brasileiro, especialmente
em razão das transformações ocorridas, não apenas no próprio País, mas no ocidente, como a
segunda fase da Revolução Industrial, que havia se expandido pelo continente europeu, pelos
Estados Unidos e pelo Japão.
O decreto permitia que a Coroa subvencionasse estabelecimentos particulares,
sobretudo em regiões mais afastadas onde não existissem escolas ou aulas gratuitas, garantindo

49
Segundo a hipótese de Rocha (2009, p. 126), “Entenda-se por modernidade educacional o surgimento de
questões contemporâneas de educação, como, por exemplo, o direito dos povos à educação, a previsão
constitucional de aplicação de recursos públicos orçamentários no setor, a incorporação obrigatória à escola do
público em idade escolarizável. Embora um desses tópicos tenha aparecido anteriormente – a questão da
obrigatoriedade escolar elementar em certa faixa de idade –, somente o conjunto desses quesitos caracterizará essa
modernidade, segundo a definição de uma contemporaneidade histórica”. Se não tinha todos esses requisitos, o
decreto-lei se fez moderno ao responsabilizar o Estado pela oferta de ensino. O mesmo autor salienta o
retardamento do direito à educação no Brasil, não apenas comparando-o com a Europa ou os Estados Unidos, mas
com países vizinhos e de menor envergadura econômica, como o Chile, a Argentina e o Uruguai.
138

a gratuidade aos alunos pobres. Interessante destacar que, embora um dos motes para a
liberalização do ensino fosse a suposta incapacidade de o Estado ofertá-la, o mesmo poderia
subvencionar as iniciativas particulares.
Para os fins deste trabalho, o artigo oitavo destaca as condições de equiparação dos
estabelecimentos de ensino secundário ao Colégio Pedro II: seguir o mesmo programa de
ensino, existir regularmente pelo menos por 7 anos e formar 60 alunos graduados no
bacharelado em letras. Contudo, ao legislativo, cabia a aprovação de tal equiparação e, ao
governo, sua cassação, quando o caso, e a comunicação ao legislativo sobre essa medida.
Ao longo das décadas de 1860 e 1870, foram aprovadas outras legislações relevantes,
datadas de 1862, 1870, 1876 e 1878, que versam sobre o próprio Colégio Pedro II, porque
alteraram os planos de estudo ou os programas de ensino dessa instituição, o que será
desenvolvido a seguir.
A primeira dessas legislações é a de 1862, aprovada entre a publicação do primeiro e
a do segundo volume das Lições de História do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo. Trata-
se do decreto n.º 2.883, de 1º de fevereiro de 1862, que alterou os regulamentos dos cursos de
estudos do Imperial Colégio de Pedro II.
O decreto reorganizou a grade curricular em relação ao plano de estudos
regulamentado em 1857, ao número de professores de cada cadeira e ao respectivo ano em que
as disciplinas eram lecionadas. Preservou a História Sagrada no primeiro ano do curso, como
em 1857, e colocou a História do Brasil no sétimo ano de curso, junto com a disciplina de
Chorographia do Brasil. Estabeleceu, ainda, o formato dos exames do sétimo ano – com
matérias lecionadas apenas naquele ano – em provas escritas e orais. Cabe destacar a supressão
do curso especial de cinco anos que existia na instituição, implantado em 1857.
O ensino de História na instituição pouco se alteraria, mas prevaleceria a força do
ensino religioso e, ao mesmo tempo, seu vínculo e sua distinção com relação à disciplina de
História, sendo a Sagrada lecionada pelos capelães que, obrigados ao serviço religioso,
trabalhavam na instituição (BITTENCOURT, 2008). Assim, o ensino de História Sagrada e o
da História Profana ganharam fisionomias próprias e se tornaram presentes nos currículos
escolares: a primeira, pelo caráter moral e ético; a segunda, como história civil, pelo caráter
político relevante para a vida cívica e social.
A segunda mudança no curso de estudos do Colégio Pedro II, aqui explorado, foi o
decreto n.º 4.468, de 1º de fevereiro de 1870, que tratava das alterações do regulamento desse
Colégio Secundário e estabelecia uma grade comum entre o internato e o externato da
instituição. O decreto também versava sobre as condições de admissão de alunos para a
139

instituição. Convém destacar, ainda, que se tornava obrigatória a frequência ao curso do


Colégio.
O primeiro artigo manteve a duração de sete anos para o curso secundário e as
disciplinas de História na mesma divisão: Sagrada, Antiga, Medieval e Moderna. O primeiro
ano do curso prescrevia a disciplina de Religião e História Sagrada, ambas lecionadas pelo
Capelão oficial da instituição de ensino.
A disciplina de História Antiga aparecia no quarto ano de curso e, assim, seguia
sucessivamente: História Média, no quinto ano, e História Moderna, no sexto ano. No último
ano do curso, aparecia a disciplina de História e Corographia do Brasil. Vale mencionar a
disciplina de História da Literatura Portuguesa e Brasileira, ou seja, o ensino de literatura pelo
viés histórico, como se tornaria tradição no ensino básico no Brasil.
Pode-se conjecturar que a História do Brasil, em apenas um ano, poderia demandar
um manual didático mais enxuto, como o que seria produzido dez anos mais tarde por Mattoso
Maia? Especialmente, se comparado aos dois volumes produzidos por Macedo no início da
década de 1860? Vale lembrar que as Lições de Macedo também se reformulariam em apenas
um volume em 1865.
Por fim, o decreto, ainda, estabelecia o quadro de professores tanto do internato como
do externato. Para a finalidade deste estudo, vale destacar que o Colégio Pedro II deveria ter o
mesmo professor de Religião e História Sagrada nos dois colégios. Quando se compara o
decreto de 1870 com o seguinte, de 1876, compreende-se que as disciplinas de História Antiga,
Média e Moderna pertenciam ao que se denomina de História Universal. Essa distinção é
importante, porque, como os concursos se voltavam para a área de Universal ou Brasil, o
professor seria responsável pelas disciplinas do quarto ao sexto ano. Contudo, o decreto não
esclarece se o professor podia ser o mesmo para o internato e para o externato, embora permita
que haja um para cada Colégio, questão que o decreto de 1876 deixa mais clara. Em síntese, o
decreto elaborou o quadro de professores e disciplinas e organizou o currículo dos sete anos do
curso.
O terceiro decreto analisado, o n.º 6.130, datado de 1.º de março de 1876, altera os
regulamentos do Colégio Pedro II. Em outros termos, seguiu na esteira dos decretos anteriores
limitando-se ao colégio modelo, diferente das legislações exploradas no capítulo anterior e
mesmo neste, as quais versaram sobre o ensino primário e o secundário.
O primeiro artigo desse decreto versava sobre as disciplinas que faziam parte do curso
de sete anos tanto do internato quanto do externato do Colégio e mantinha as do decreto anterior.
O segundo artigo versava sobre a composição dessas disciplinas dentro dos setes anos do curso.
140

Nesse sentido, as disciplinas de História ganharam algumas novidades quando comparadas aos
decretos anteriores. A primeira é a de que a História Antiga e a Medieval seriam reunidas em
uma única disciplina no quarto ano, e a História Moderna e a Contemporânea seriam reunidas
no quinto ano ‒ aliás, pela primeira vez, aparece a História Contemporânea, ainda que unida à
Moderna. Conjectura-se que a característica quadripartida da historiografia francesa estava aqui
em contraponto com a tripartida inglesa. O sexto ano não possuía a disciplina de História, mas
manteve a Corographia do Brasil, agora separada da História do Brasil, que estaria presente no
sétimo ano.
Voltando à questão do quadro de professores expresso no decreto anterior, o artigo
oitavo do decreto de 1876 esclarecia que deveria haver um professor de História Universal e
um professor de História e Chorografia do Brasil para cada Colégio (Internato e Externato).
Esse ponto é importante, já que Mattoso Maia foi professor do Internato quando publicou as
Lições de História do Brasil.
O decreto também estabelecia a necessidade de elaboração de compêndios para uso
dos alunos nas disciplinas, conforme destacado no artigo 10: “Art. 10. Os compendios serão
accommodados ao programma do ensino para sua plena execução” (BRASIL, 1876). Ademais,
a produção de compêndios deveria seguir os programas de ensino do Colégio. Pode-se inferir,
com isso, um entrelaçamento entre a produção didática e os programas oficiais do governo;
contudo, os referidos programas de ensino eram produzidos pelos próprios professores que
compunham a Congregação – instância maior do Colégio Pedro II.
Problematizam-se, embora sem mensurar, algumas questões. Esses professores não
eram os mesmos autores dos programas de ensino e dos livros didáticos? Um nome consagrado
no meio intelectual – neste caso, historiográfico – não influenciaria ou determinaria os pontos
que deveriam ser seguidos no ensino de História do Brasil? Afinal, instituições de peso, como
o IHGB, produziam uma historiografia brasileira que repercutia tanto nos programas oficiais
de ensino como nos manuais destinados ao ensino escolar. Dito assim, por que não dizer o
inverso? Não eram os livros que determinavam os programas de ensino? Ou, de um modo mais
dialético, será que essa relação não era mais aberta e flexível, numa influência recíproca?

Art. 11. Quando não haja livro nas circumstancias de ser adoptado para o
ensino, os Reitores de acôrdo entre si incumbirão um dos professores da
materia de compôr o compendio que fôr preciso, e que será submettido á
approvação do Ministro do Imperio por intermedio do Inspector Geral, ouvido
o Conselho Director, e o Bispo Diocesano quando fôr para o ensino religioso.
Si nem-um dos professores quizer tomar sobre si a composição do compendio,
141

poderá ser encarregada desta tarefa pessoa estranha ao Imperial Collegio de


Pedro II. (BRASIL, 1876, grifo nosso).

O décimo primeiro artigo tornava legal a relação entre a produção dos autores dos
manuais didáticos e a dos professores da Instituição que se encarregariam dela. Nesse sentido,
o compêndio de Mattoso Maia é um exemplo, já que seu manual foi produzido com base em
suas aulas no internato do Colégio Pedro II, como atesta o frontispício de suas Lições de
História do Brasil (Anexo 5). O mesmo exemplo seria seguido por João Ribeiro, vinte anos
mais tarde, como será discutido no próximo capítulo.
Pode-se afirmar, também, que se transformou o professor em autor de material
didático, processo iniciado por Macedo (GASPARELLO, 2011), ainda que se possa
problematizar a questão da autoria desse tipo de livro. Mattoso Maia não foi um intelectual que
convivera nas redes de sociabilidade como Macedo e João Ribeiro e, muito menos, publicou
obras de fôlego intelectual, literárias ou científicas, embora tenha sido autor de tese de
conclusão do curso de Medicina e de manuais de História Universal.
Por fim, o décimo quinto artigo do decreto de 1876, que alterou os regulamentos do
Colégio Pedro II, determinava a contratação de professores mediante realização de concursos
públicos, tanto para os professores de carreira quanto para os substitutos. E foi nesses moldes
que o médico Mattoso Maia se transformou em professor de História Universal da instituição,
em 1879, da qual já era substituto desde 1876. A um professor mencionado nos anais da História
do Colégio Pedro II, mas pouco explorado pela historiografia, será dedicado o próximo tópico,
investigando o porquê da escassez de dados sobre ele.

3.2 Notas Biográficas: de Médico de uma Guerra a Professor do Colégio de D. Pedro II

Luís de Queirós Mattoso Maia ‒ nascido no Rio de Janeiro, em 1833, filho de José da
Silva Maia Ferreira e Angela Mattoso de Andrade Maia ‒ é o segundo autor de livros didáticos
analisado nesta tese e tem biografia semelhante ao primeiro autor, Joaquim M. Macedo. Em um
primeiro momento, entendia-se que Mattoso Maia era o mais anônimo dentre os autores
analisados, sem grande carreira intelectual e com escassas fontes a seu respeito. A própria
historiografia de ensino de História se dedicou pouco ao autor, talvez por não haver tantas
evidências de sua contribuição para o ensino de História. Entretanto, por não ter conseguido
informações precisas, como o ano de nascimento e de falecimento ou mesmo o tempo de serviço
prestado ao Colégio Pedro II, esta tese se dedicou à procura de pistas e rastros de Mattoso Maia
142

nos principais jornais do município do Rio de Janeiro. A hipótese era a de que um professor do
Colégio Pedro II, em função da importância dessa instituição para o País, não passaria
desapercebido.
Um exame sobre os jornais O Paíz, Gazeta de Notícias e Jornal do Brazil comprovaria
tal suspeita. Para realizar tal investigação, utilizou-se a Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional, em 2016, pesquisando-se o período entre 1880 e 1920, espaço de tempo em que se
acreditava encontrar pistas sobre a primeira edição das Lições de História do Brazil, de 1880,
assim como sobre as características físicas do livro e a tipografia em que fora impresso. Em
virtude da busca pela data de falecimento do autor, limitou-se a pesquisa ao ano de 1920; porém,
Mattoso Maia falecera em 1903, notícia dada pelos três jornais mencionados. O Gazeta de
Notícias50 publicou uma notícia mais completa sobre o fato, a qual permitiu, inclusive, saber
que o autor nascera em 1833, em razão da divulgação da idade que possuía quando falecera, 70
anos.
A edição utilizada nesta tese não tem data, mas, por duas razões, acredita-se ser a
primeira. De acordo com a pesquisa feita por Gasparello (2004), a primeira razão é o fato de tal
edição não possuir referência às datas em capa dura e linhas douradas. A segunda razão é o fato
de, nas pesquisas feitas nos três hebdomadários citados, encontrarem-se referências ao preço
das obras com o mesmo subtítulo encontrado no frontispício do livro. Isto se reforça porque,
no anúncio do ano de 1886, menciona-se que estão à venda os exemplares da segunda edição
do manual didático. No exame feito nos jornais, encontraram-se fragmentos da existência do
professor, os quais dão poucas pistas sobre sua vida pessoal e intelectual.
Localizou-se que Mattoso Maia foi casado com Maria Amália Willians (1842-1903),
com quem teve 8 filhos e cujo nome mudaria para Maria Amália Mattoso Maia, conforme o
costume. Sabe-se que sua esposa era de origem holandesa, pois seus descendentes publicaram
a genealogia da família51, o que permitiu encontrar rastros de Mattoso Maia, citado, no referido
estudo, como lente do Colégio Pedro II.
De acordo com Monteiro (1987), no livro Fazenda de São Matheus, o acadêmico ou
estudante de Medicina, Luis de Queirós Mattoso Maia, esteve nessa fazenda, em 1855, para
tratar os escravos doentes, quando uma epidemia de varíola assolara a Baixada (os atuais

50
“Victimado por uma arterio-sclerose, de que há muito padecia, faleceu hontem na idade de 70 anos, o Dr. Luiz
de Queiroz Mattoso Maia. [...] Fez toda a campanha do Paraguay como cirurgião-mór de brigada. [...] Foi diretor
do Hospital de S. João Baptista de Nictheroy e delegado de polícia da mesma cidade. Tomou parte nas Palestras
Litterarias instituídas e presididas pelo imperador D. Pedro II. Durante 35 anos regeu a cadeira de historia do
Collegio Pedro II, hoje Gymnásio Nacional, tendo-se jubilado há cerca de quatro mezes” (GAZETA DE
NOTÍCIAS, 23 dez. 1903).
51
Para saber mais, consultar o link: http://www.genealogiabrasileira.com/cantagalo/cantagalo vanerven.htm.
143

municípios de Nova Iguaçu, Nilópolis e São João de Meriti). Isto indica sua carreira pregressa
na área médica, ainda que como estudante; diferente de Macedo, que praticamente não exerceu
a medicina, ou João Ribeiro, que abandonou o curso. Vale destacar que os indícios encontrados
apontaram que o Dr. Mattoso Maia, além de não ter abandonado essa carreira, foi diretor de
Hospital, em Niterói.
Em 1859, Mattoso Maia se formou em Medicina e, na condição de médico, entre 1865
e 1870, participou da Guerra do Paraguai. Por essa razão, recebeu a condecoração de Oficial da
Imperial Ordem da Rosa por serviços prestados em campanha na guerra contra o Paraguai
como Cirurgião-Mor de Brigada em comissão e chefe da ambulância da 1.ª divisão da
cavalaria, conforme folha de rosto de sua tese, apresentada ao concurso da cadeira de História
e Corographia do Brasil, em 1879, quando se tornaria professor do Colégio Pedro II, como
apresentado na relação de professores do Colégio Pedro II 1838-1920 (AZEVEDO, 1921). De
acordo com a nota de seu falecimento, ele se manteve nos quadros dessa instituição até o ano
de sua morte (1903), embora já estivesse aposentado há cerca de quatro meses.
Encontrou-se a informação do nascimento de seu filho, Luis de Queirós Mattoso Maia
Filho, em 1864, um pouco antes da ida do médico à Guerra do Paraguai. Nomes de outros filhos
foram encontrados nos três jornais mencionados: Zilah, que foi professora e diretora escolar, e
Cesar do Paço, que foi agente sanitário. Outros sobrenomes Mattoso Maia foram encontrados
nos jornais em anúncios de funerais, nos quais Mattoso Maia estava presente, o que permite
inferir a hipótese de ele ter pertencido a famílias que se dedicaram à vida militar e também ao
magistério.
A primeira faceta de Mattoso Maia a ser mencionada é a militar, por meio da qual
chegou à patente de major médico do Exército Brasileiro. Na pesquisa nos jornais já
mencionados, encontraram-se dezenas de referências ao doutor em comparecimento aos
funerais de militares, provavelmente companheiros da Guerra do Paraguai ou da vida militar.
Tudo indica que ele preservou, portanto, sua rede de sociabilidade no universo militar. De
acordo com Felix Junior (2009), o ordenado de um médico voluntário da Guerra do Paraguai
era de 600 mil réis, enquanto o ordenado médio de um cirurgião era de 90 mil mensais. Isto
significa dizer que, no mínimo, era uma boa oportunidade financeira de trabalho, embora fosse
no campo de batalha. O mesmo autor destaca que faleceram 17 médicos brasileiros no conflito,
indicando que, ainda que boa a carreira, não era a mais segura. Mas, talvez, o militarismo tenha
sido a primeira grande oportunidade profissional para o futuro professor do Colégio Pedro II.
Outra faceta do autor é a vida dedicada à Medicina. No site Genealogia Brasileira, foi
possível encontrar referências a ele como médico e diretor do Hospital São João Batista, de
144

Niterói, contudo não foi possível localizar o período. Ademais, pode-se inferir que o autor
atuava como médico paralelamente à vida docente. Ainda, em Niterói, Mattoso Maia foi
delegado de polícia.
Como já mencionado, Mattoso Maia, em 1879, se tornou professor de História
Universal no internato do Colégio Pedro II. Ainda, foi professor de Geografia e Corographia
do Brasil. Nessa nova condição, tornou-se autor de livros didáticos e, assim, seguiu o mesmo
caminho de Macedo, professor de História do Colégio Pedro II e autor de livros destinados ao
público escolar. Com esse objetivo, Mattoso Maia escreveu outras Lições de História do Brazil,
publicadas em 1880, com base em suas aulas no internato dessa instituição. Vale destacar que
Mattoso Maia era professor da instituição como substituto desde 1876, o que pode ser
confirmado pelo decreto que deliberou a incorporação do tempo de serviço referente a essa
época, conforme notícia do dia 18 de setembro de 1896, do Gazeta de Notícias, segundo a qual
Mattoso Maia completava 20 anos de magistério no Colégio Pedro II.
A Revista do Instituto Histórico (1925), publicou uma coletânea de artigos sobre o
centenário de nascimento do Imperador Pedro II. Nesses textos, há uma passagem, que fora
publicada no Jornal do Comércio, assinada por J. M. M. F., sobre as razões para o ingresso do
Dr. Mattoso Maia no Colégio Pedro II. Segundo ele, tratou-se da vontade do Imperador em
prover com cargos públicos os homens que participaram da Guerra do Paraguai 52. Assim,
Mattoso Maia foi professor com talentos e méritos até 1903, quando se aposentou.
De acordo com Boclin (2009), Mattoso Maia não fez parte do IHGB, diferente de
Macedo, que ocupou cargos importantes, ou João Ribeiro, que foi um homem das letras. As
críticas às suas Lições, exploradas adiante, se não determinam qualquer atrito com a instituição,
pelo menos demonstram que o autor e a instituição não gozavam de simpatias entre si.
As Lições de História do Brazil, de Luís de Queirós Mattoso Maia, fizeram parte dos
programas de ensino do Colégio Pedro II dos anos de 1882, 1892, 1893, 1895 e 1898, conforme
Vechia e Lorenz (1998) assinalaram. Tal afirmativa indica que o manual, embora fosse

52
“Os voluntários do Paraguay
D Pedro II sempre quis prover nos cargos públicos, para os quaes fossem aptos, os voluntários do Paraguay, e
tinha por elles predilecção. Vagando a cadeira de historia do Collegio d. Pedro II, concorreram a ella os drs
Rozendo Muniz e Luiz de Queiroz Mattoso Maia, ambos classificados com egual merecimento. O Conselheiro
Francisco Sodré, ministro do Imperio, deu preferencia á nomeação do Dr. Rozendo Muniz e mandou lavrar o
decreto, submettendo-o á assignatura do imperiador.
- os exames foram considerados eguaes, objectou dom Pedro II, delicadamente, mas o Mattoso Maia esteve no
Paraguay...
- O dr Rozendo também esteve... disse o ministro.
- Sim, replicou o imperador, mas como medico civil em Assumpção no Hospital de Marinha. O Mattoso Maia
esteve na batalha de 24 de maio, no Hospital de Sangue, como cirurgião-mór de brigada. Além disso é chefe de
numerosa família; o outro é solteiro...” (RIHGB, 1925, p. 742).
145

destinado a uma história imperial, seria, ainda, utilizado nos primeiros anos da República, pelo
menos dividindo espaço com as Lições de Macedo, atualizadas por Olavo Bilac (ALVES;
CENTENO, 2009), até o programa de ensino de 1905, quando as obras de João Ribeiro e
Escragnolle Dória seriam as referências para os novos programas de ensino.
Alves e Centeno (2009) destacam que as Lições de Mattoso Maia foram produzidas
pouco tempo depois de sua nomeação como professor do Colégio Pedro II. Os autores
defendem a seguinte hipótese, que pode ser aqui considerada:

A hipótese é de que a iniciativa se associava à identificação subjetiva do


professor com a atividade que realizava. Como a simplificação e a objetivação
do trabalho didático eram incipientes no Brasil, ainda nessa fase, o professor
se via como um mestre qualificado que procurava imprimir sua marca no
resultado do trabalho. Para tanto, a elaboração de seu manual didático
assomava como primordial iniciativa. Com esse recurso, o professor do
Colégio Pedro II sentia-se no controle do trabalho didático, situação
antagônica à que pensara Comenius ao conceber a escola moderna e a relação
educativa que lhe particularizava. (ALVES; CENTENO, 2009, p. 485).

Em outros termos, a produção de um manual didático era incorporada à prática do


trabalho docente e, ao mesmo tempo, registrava o trabalho dos professores. Outra hipótese que
se pode acrescentar é a importância financeira que a produção de um livro ganhava no limiar
do século XIX, como uma forma de sustento para os professores. Também, a isso, soma-se o
fato de o professor receber premiação pela produção dessas obras. João Ribeiro foi quem
melhor se aproveitou dessas oportunidades mercadológicas, sem contar o prestígio intelectual
que se angariava com tais publicações, especialmente pelo fato de ser um professor do Colégio
Pedro II.
As Lições de História do Brazil, de Mattoso Maia, não foram referências apenas do
Colégio Pedro II. O Colégio Militar, conforme divulgado pelo jornal O Paíz, do dia 4 de março
de 1897, deliberava por sua inclusão entre os livros utilizados pela instituição. Embora não se
possa medir a amplitude desse fato somente por uma publicação de jornal, o anúncio, pelo
menos, é um indicativo de que tal obra transporia os muros de sua instituição de origem.
Se comparado a Joaquim Manoel de Macedo e a João Ribeiro, Mattoso Maia não teve
uma extensa produção intelectual. O autor escreveu a tese para o título de Bacharel de Medicina
pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, de 1859, intitulada Determinar as condições
favoráveis em que se poderá esperar pela cura da tysica tuberculosa e os meios mais eficazes
para conseguí-la; aneurismas artero-venosos; eletricidade animal; febre amarela. Escreveu
também a tese para ingresso no Colégio Pedro II, em 1879, de título Progressos do Brazil no
146

século XVIII, até a chegada da família real. Vale destacar seus dois livros destinados ao ensino:
Lições de História Universal, de 1887, e Lições de História do Brazil, de 1880, em análise nesta
tese.
Sobre a obra Lições de História Universal, pode-se comentar a crítica feita pelo jornal
O Paíz, em 13 de fevereiro de 1887, por meio da publicação de uma resenha, na ocasião do
lançamento do primeiro volume desse livro, que abarca a chamada História Antiga. Na matéria,
destaca-se o texto encomiástico ao autor do livro que, com certeza, seria adotado pelo Colégio
Pedro II em função dos pareceres de determinados professores, como Capistrano de Abreu. Um
pouco mais de um mês, o mesmo jornal, em 27 de março de 1887, noticiaria a aprovação do
livro pelo Ministério do Interior para uso no Colégio Pedro II, custando o preço de 4$000. Essa
nota se justifica pelas ácidas críticas feitas pelo jornal Gazeta de Notícias, especificamente por
Capistrano de Abreu, às Lições de História do Brazil, exploradas no próximo tópico.
Se não foi um polígrafo como João Ribeiro ou literato como Joaquim M. Manoel de
Macedo, o dr. Mattoso Maia se ocupou de outras formas na vida do magistério ou da medicina.
Nos três jornais analisados, foi possível verificar a participação de Mattoso Maia, em diferentes
anos, nas bancas de exames preparatórios que conferiam o grau de bacharel ao formando do
Colégio Pedro II, entre os anos de 1880 e 1890. Em 1902, por exemplo, o autor participou de
uma banca ao lado de João Ribeiro.
Além disso, o professor Mattoso Maia participou de bancas de concursos para o
ingresso de professores na mesma instituição. Capistrano de Abreu foi aprovado em 1883
unanimemente pela banca, em cuja composição estava Maia, que ainda participaria de outros
concursos. Destaca-se este, em especial, em razão de sua relevância e, também, de sua
influência na História do Brazil, de João Ribeiro, mais tarde.
Mattoso Maia também participou constantemente das inspetorias aos colégios
particulares, bem como dos exames finais dessas escolas. Ademais, o autor foi professor do
Colégio Alipio, informação confirmada por uma propaganda desse Colégio em O Paíz, de 07
jan. 1895, que destaca ser Maia lente do Gymnásio Nacional de História Universal. Vale
destacar que ele não era o único que lecionava em ambas as instituições, a exemplo do professor
de Português Dr. Fausto Barreto, do professor de Latim Dr. Fortunato Fonseca Duarte e do
professor de Inglês Dr. Guilherme Affonso, destacados no anúncio.
As redes de sociabilidade vistas nas três facetas do autor ‒ professor, médico e militar
‒ mostram que, diferente de Macedo e Ribeiro, Mattoso Maia não pertencia ao círculo
intelectual das letras. Antes, Mattoso Maia, embora professor do Colégio Pedro II, pertencia ao
círculo intelectual dos militares, como herói da Guerra do Paraguai, ou do Colégio Militar, sem
147

contar sua atuação como médico. Isso talvez explique por que ele não teve a mesma dedicação
aos estudos históricos como Macedo ou Ribeiro e qual a diferença entre a sua trajetória
intelectual e a dos outros dois autores pesquisados.
Para a historiografia do Ensino de História, essa manutenção dos paradigmas
assinalados por Macedo/Varnhagen significou uma continuidade em relação às representações
históricas da História do Brasil. Compreende-se que essa leitura foi influenciada pela crítica de
Capistrano de Abreu, exposta na tese de Gasparello (2004). Entretanto, nas Lições de Mattoso
Maia apresenta as divergências existentes entre datas e eventos importantes da história
brasileira, sendo, nesse sentido, mais denso que Macedo. Esses deslocamentos, explorados na
análise sobre as Lições de História, de Mattoso Maia, são a contribuição desta tese para o campo
de pesquisa.
Mattoso Maia produziu sua própria leitura sobre a História do Brasil e indicou como
ela deveria ser lecionada. Avançou em algumas questões ‒ como o reconhecimento das nações
indígenas enquanto partícipes da colonização portuguesa ‒ e teceu críticas à administração
pombalina sobre o domínio brasileiro. Fundamentado nessas chaves de leitura, é possível
estabelecer quem é o súdito brasileiro imaginado por Mattoso Maia e que conhecimento e crítica
histórica deveriam se desenvolver.
Por um lado, Mattoso Maia pecou por não ter incorporado a historiografia
desenvolvida no IHGB, como criticou Capistrano de Abreu. Por outro, suas inexatidões
históricas não o impediram de construir um manual com certa originalidade, inclusive ao
incorporar produções intelectuais para além da história oficial do Instituto Histórico e ao
desenvolver uma linha narrativa própria sobre os povos nativos do território brasileiro, o que,
em boa medida, foi um avanço, se comparado aos manuais de história que o antecederam.

3.3 – Entre as continuidades do Império: uma nação e o novo súdito brasileiro.

As Lições de História do Brazil, de Mattoso Maia, foram utilizadas, segundo os


documentos do Colégio Pedro II, entre 1880 e 1900, quando foi lançada a História do Brasil,
de João Ribeiro. As Lições de História Brazil estavam presentes entre os livros autorizados nos
programas de ensino de 1882 e 1892. Quando comparado às Lições, de Macedo, ou à História
do Brasil, de João Ribeiro, o livro de Maia foi o de menor longevidade no Colégio e talvez, por
isso, tenha recebido pouca atenção da historiografia do Ensino de História. Junto a esse fato,
pode-se conjecturar que Mattoso Maia não se notabilizou no meio intelectual como membro de
148

agremiações, como o IHGB ou ABL, diferente de João Ribeiro, tampouco teve uma jornalística
que desse visibilidade à sua produção intelectual. Apesar de sua trajetória de vida ter sido
multifacetada entre diferentes cargos públicos, Mattoso Maia não foi um homem das letras,
como foram o literato e o polígrafo aqui analisados.
As edições das Lições de História do Brazil, de Mattoso Maia, passaram por diferentes
livrarias e editoras. Localizaram-se seis edições da obra, da segunda à sexta, pois todas
mencionam a edição em seu frontispício. Uma está sem data e, por isso, acredita-se ser a
primeira, afinal, também era comum que a primeira edição não viesse com essa informação.
Resumindo: 1.ª edição, de 1880, sem data, publicada pela Editora Dias da Silva Júnior; 2.ª
edição, de 1886, publicada pela B.L. Garnier; 3.ª edição, de 1891, também pela B. L. Garnier;
4.ª edição, de 1895, publicada pela Francisco Alves; 5.ª edição, de 1898, também pela Francisco
Alves; e 6.ª edição, de 1908, publicada pela Typographia Amerino e organizada pelo filho de
Mattoso Maia, numa publicação póstuma.
Antes de adentrar a análise das Lições, mergulha-se em uma passagem do professor
Mattoso Maia e nas críticas feitas a seu manual didático. Como se adiantou, seu livro não foi
bem recebido pelos editores do Gazeta de Notícias. Na sessão Livros e Letras, do dia 29 de
julho de 1880, há duras críticas sobre as Lições de História do Brazil, de Luis de Queirós
Mattoso Maia. Embora não se faça menção ao autor da crítica no jornal, foi possível localizá-
lo quando se analisou a dissertação de Santos (2009b): tratava-se de Capistrano de Abreu. As
críticas dão mostras de como os contemporâneos, no caso de alguém específico, recebiam a
publicação do manual didático.

O primeiro é não mostrar estudo das fontes. Que um professor de historia


universal as não conheça, é desculpável, é mesmo justo: mas um professor de
historia particular – professor que rege a cadeira ha annos, historia que pouco
mais abraça que trez séculos, ‒ não nos parece que tenha a mesma desculpa.
(GAZETA DE NOTÍCIAS, 1880).

A crítica cobra de Mattoso Maia a postura de professor e pesquisador da História do


Brasil que conhece as fontes diretamente ou que possui um aparato erudito sobre quais fontes
devem ser utilizadas para compor a narrativa. Por fim, o fato de a obra ter sido escrita por um
professor que há anos regia a disciplina pesa nessa crítica. O desconhecimento das fontes ou
mesmo da “historiografia” é atestado por inúmeras inexatidões históricas que Capistrano de
149

Abreu apresentou. Mesmo que seja demasiado longo citá-las aqui53, tais críticas podem ser
sintetizadas na seguinte afirmação:

E’ estar pouco a par dos estudos críticos que entre nós se tem feito sobre alguns
pontos da história pátria. A Revista do Instituto traz alguns; mas o ilustrado
professor do Imperial Collegio parece que embirra com a Revista Trimensal,
e não julga a digna de leitura. [...] Mas se o ilustrado professor foleasse [...]
estaria isento de muita cousa. (GAZETA DE NOTICIAS, 1880).

De acordo com Capistrano de Abreu, a obra teria a oportunidade de integrar aos livros
escolares de História do Brasil as produções do IHGB. Embora existam críticas fortes às linhas
narrativas de Mattoso Maia, o autor não escreveu o pior dos livros, inclusive Capistrano cita o
manual de língua portuguesa de autoria de certo Motta, como exemplo de manual ruim. Talvez
a explicação da ausência da produção do IHGB na obra esteja no fato de Mattoso Maia não ter
sido sócio dessa instituição, ainda que ocupasse um cargo de importância, como o de professor
de História no Colégio Pedro II.
Tal crítica se confirmaria mais uma vez em 2 de agosto de 1880, quando outra
duríssima avaliação às Lições de História do Brazil seria feita. Além de mais ataques às
inexatidões históricas, o texto respondia a críticas do próprio Mattoso Maia aos editores do
jornal. Infelizmente, não se encontrou tal carta de resposta. Porém, os editores do jornal
afirmaram:

Atirando-nos um remoque, dizer-nos que somos tidos e versados em todos os


ramos de conhecimentos humanos. [...] Sr. Doutor. Não somos versados em
todos os ramos de conhecimentos humanos. Nem mesmo em historia pátria
somos. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1880, grifos do autor).

Recorrendo à modéstia, os editores afirmaram não conhecer tudo mesmo. Mas para os
editores, o autor das Lições demonstrou não conhecer outras fontes da História do Brasil ou
outros trabalhos como o do Senador Cândido Mendes54 sobre a História Pátria, o que Mattoso
Maia negou, pois inclusive indicava tal obra aos seus alunos. Os editores lhe responderam com
outra crítica: a falta de citação dos trabalhos de referência para as Lições de História: “Não o
duvidamos, e, si não houvesse exemplos de citar-se autores sem os ter previamente lido,

53
Ver a crítica historiográfica em Santos (2009b).
54
O jornal se refere ao Senador pela Província do Maranhão entre 1871-1881. Cândido Mendes, que foi deputado,
advogado e magistrado, teve publicações em Direito e História. Provavelmente, os artigos do jornal se referem ao
Atlas do Império e aos artigos publicados na Revista do IHGB: XL, de 1877, e XLII, de 1879. Para saber mais
sobre a biografia do senador, consultar o link:
http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1535&li=17&lcab=1878-1881&lf=17.
150

reconheceríamos esmagadora a sua prova. Com o precedente não o é” (GAZETA DE


NOTÍCIAS, 1880). E finalizam com uma crítica ao destempero do professor: “Só lhe pedimos
um obséquio. Não se lembre de quebrar algum braço” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1880). Outra
crítica é a já mencionada por Gasparello (2004), a de que as lições mantiveram os quadros de
ferro inaugurados por Varnhagen.
O livro Lições de História, de Mattoso Maia, divide-se em 37 lições que destacam
desde os descobrimentos marítimos, anteriores à chegada portuguesa ao Brasil, até a Coroação
de Dom Pedro II, em 1840. Comparadas às de Macedo, as Lições de Maia avançam sobre o
primeiro reinado, enfatizando os estadistas como regentes e destacando os conflitos no Rio
Grande do Sul (Revolução Farroupilha) e na Bahia (Sabinada), especialmente a pacificação
desses conflitos pelo Barão de Caxias. Vale ressaltar que, diferente de Macedo, Mattoso Maia
se dedicou aos estudos etnográficos dos povos indígenas.
Um exame mais atencioso sobre os fios da narrativa de Mattoso Maia revela a ausência
de uma tessitura de intriga, isto é, de um enredo que dê sentido à História do Brasil. O heroísmo
narrado por Macedo, por exemplo, é apenas descrito por Maia, sem maiores aprofundamentos.
O autor destaca a preeminência portuguesa sobre as terras brasileiras, embora reconheça a
anterioridade dos navegadores espanhóis, como Vicente Pinzon e Diego de Leppe. Pode-se
entender, assim, que Maia sobrepõe o direito português aos descobrimentos das terras
brasileiras, isento de nacionalismo romântico.
Na leitura dessas Lições, chama atenção a ausência de qualquer estratégia pedagógica
de ensino, já que Maia limita o manual à narrativa histórica dos acontecimentos, diferente do
livro de Macedo, que, ao final de cada capítulo, possui quadros sinóticos, explicando
cronologicamente a lição, e questionários.55 Porém, sua narrativa é mais enxuta quando
comparada à de Macedo, seja pelo fato de ter escrito um volume único, seja pelo número de
lições organizadas, questão também destacada por Gasparello (2002b).
Em relação à problemática apresentada nesta tese, retomam-se algumas questões.
Como Maia representa a nação? Como a ideia de raça está articulada na construção dessa
narrativa? Essas perguntas permitem perceber as nuances de Maia comparadas às de Macedo e
revelam limites à consagrada tese da continuidade histórica entre ambas as lições.
Maia se distancia de Macedo na questão dos indígenas brasileiros, seja por suas
divergências, seja pela evolução dos estudos etnográficos no Brasil. Para Maia, os indígenas

55
A estratégia de questionários ao final dos capítulos ainda existe nos manuais de hoje. A maioria dos livros possui
exercícios de reflexão, interpretação e análise de documentos ou obras historiográficas a respeito do assunto
tratado, sem, contudo, abrir mão de exercícios que retomam a leitura do capítulo.
151

possuíam certo grau de civilidade, como se o contato com o branco civilizador tivesse acelerado
o progresso e a civilização dos indígenas. Tal civilidade também é atribuída a alguma
ancestralidade caucasiana, ideia presente em sua principal referência bibliográfica, a de Couto
de Magalhães. A “Lição V – Povos que habitavam o Brazil na época do seu descobrimento” é
uma importante fonte para se compreender o que o autor definia como raça, afinal ele se
debruçou sobre os povos autóctones. Primeiro, Maia estabelecia duas raças: as primitivas,
descendentes dos Incas, e as puras, descendentes dos asiáticos (mongólicos). Já a raça de origem
nativa da América:

Representa um índio grande, escuro, abaúna, côr de cobre tirando para


chocolate, estatura alta e corpulenta, cabelos pretos e duros, molar e orbitas
salientes, olhos horizontaes, não acompanhando a obliquidade das
sobrancelhas, como na raça mongolica, quasi recto o angulo maxillar do
inferior, o diâmetro transverso entre os dous angulos posteriores do maxillar
inferior igual ao diâmetro transverso do craneo de um ao outro parietal, caixa
thoraxica ampla e bem desenvolvida, o calcaneo grosso, o tarso largo com um
pé sólido e bem feito. (MAIA, 1880, p. 37).

A interpretação de Maia se baseia na obra O Selvagem, de Couto de Magalhães56, cuja


tese é a de que a raça descrita é autóctone dos Andes. Ainda nos tempos pré-históricos, a mesma
teria se misturado à raça mongólica vinda da Ásia e à outra, branca, vinda da Europa ou da
África. Essa mistura teria dado origem a outras duas raças: Tapuya e Tupy, diferenciadas pela
estatura e pela cor, mas conservada a semelhança nos demais caracteres. Dizendo de outro
modo, identifica-se o uso da poligenia para explicar a origem da espécie humana.
Os Tupys, também, teriam se miscigenado com povos da antiguidade europeia, após a
destruição de Troia, e se originariam dos Guanches, das Ilhas Canárias. De toda forma, as duas
raças teriam continuado o processo de miscigenação com a raça de origem asiática, dando
origem aos Tupis-únas (pretos) e aos Tupis-tingas (brancos). É importante notar que Maia
apresenta os caracteres e as diferenças entre os povos nativos, o que é um salto se comparado à
narrativa de Macedo, para quem esses povos só entram na narrativa quando têm contato com
os europeus.
No sentido de problematizar esses povos, a narrativa de Maia se concentrou nas
diferenças entre Tupis e Tapuias, como as de cor: os Tapuias seriam mais claros e de estatura
mediana, e os Tupis mais escuros e de estatura pequena. Mas a principal distinção está no

56
José Vieira Couto de Magalhães foi uma importante figura política e militar do Império, que ocupou a
presidência das províncias do Mato Grosso, do Pará e de São Paulo. Também foi um intelectual, formado em
direito pela Faculdade de São Paulo. Foi um dos precursores dos estudos sobre a língua e a cultura dos Tupis.
Além de O Selvagem (1876), escreveu Ensaios de Antropologia (1894).
152

desenvolvimento civilizatório: os Tupis possuiriam lavouras e teriam uma língua geral por meio
da qual as tribos se compreendiam, ao passo que os Tapuias seriam caçadores e teriam diversas
distinções linguísticas. Os Tupis foram representados como vencedores dos antigos ocupantes
das terras litorâneas, expulsando os aymores para os sertões. Inclusive, Tapuia, na língua Tupi,
significa bárbaro; quer dizer, entre os próprios autóctones, existiria a noção de civilização. O
capítulo retrata, em boa parte, o debate dentro do IHGB sobre uma suposta origem de
civilização decaída entre os indígenas brasileiros. Assim, a representação dos Tupis ganhou
destaque em relação aos outros povos nativos.
Maia apresentou uma teoria interessante sobre a ancestralidade das línguas faladas
entre os autóctones da América. Com base em Couto de Magalhães, explicava a origem de
línguas como o quéchua, que teria parentesco com o sânscrito, e como o tupi, que teria mais
afinidade com a língua do Egito antigo. Em outras palavras, Maia tentava explicar a
ancestralidade desses indígenas com a civilização europeia57 e defendia uma percepção
evolutiva para se interpretarem os Tupis e os Guaranis como povos que viviam na Idade da
Pedra Polida, usando ferramentas, sem fundição dos metais, mas dominando o fogo. Para ele,
além disso, o selvagem brasileiro teria vivido a fase de agricultor sem ter desenvolvido a cultura
pastoril. Trata-se de uma projeção do processo histórico e civilizatório europeu para analisar os
povos americanos, configurando diferentes estágios de evolução das civilizações humanas.
Além dos aspectos físicos e raciais, Maia se dedicou a apresentar aspectos do
cotidiano, dos hábitos, da organização das aldeias e dos instrumentos de trabalho. Cabe destacar
a representação da moral, de forma genérica, sobre os indígenas:

Eram os índios essencialmente vingativos e crueis; bravos nos combates;


impassiveis no soffrimento physico, zeloso da sua independência; nada
previdentes, viviam como os francezes diziam au jour le jour, eram muito
desconfiados e promptos a quebrarem qualquer contracto feito, logo que a
menor suspeita lhes atravessasse o espirito. (MAIA, 1880, p. 45).

57
Sílvio Romero faria considerações sobre a obra de Couto de Magalhães, o que demonstra que a obra do militar
não seria anônima no meio intelectual, pois antes fora analisada e criticada por essa intelectualidade. Contudo,
analisar tais críticas e tal repercussão extrapolaria os limites deste trabalho, cabendo apenas curtas considerações.
Romero foi um ferrenho crítico do que ele chamava de índio-mania, isto é, do enaltecimento da literatura romântica
brasileira à figura dos aborígenes, coisa que, nos Estados Unidos, era da ciência e que, ainda, não havia chegado
ao Brasil, exceto por meia dúzia de intelectuais. Nesse sentido, Romero criticou a obra de Couto de Magalhães,
embora reconhecesse seu esforço intelectual. Ademais, não se furtou em demonstrar as fraquezas científicas e
bibliográficas da obra, porque o militar, como não tinha o conhecimento das teorias científicas mais atuais, baseava
seu trabalho em velhas noções acerca desses povos “selvagens”. Nesse sentido, enumerou sua crítica ao trabalho
geográfico do militar e a seus devaneios de poesia. Criticou também a nada original tese de descendência ariana
dos Tupis ou de seu cruzamento com os povos da América Central ou dos Andes. Sua análise se completa com a
teoria de que a língua tupi tinha algum laço de parentesco com o quéchua, sânscrito ou qualquer língua indo-
europeia, o que, para Romero, não possuía qualquer sentido. Para mais informações, conferir Romero (1888).
153

Maia destacou os sentidos aguçados desses povos, bem como a prática da poligamia e
a liberdade de se divorciarem entre si. Outro ponto foi o da divisão sexual do trabalho e das
funções sociais: os homens eram totalmente voltados para a guerra e para a preparação da
agricultura; e as mulheres eram os misteres domésticos, desde a produção de utensílios
domésticos e o preparo de alimentos até o carregamento do peso nas marchas, afinal, era o
homem quem fazia a defesa contra o inimigo à espreita.
Outra questão destacada por Maia é a religiosidade desses povos, que criam numa vida
além da morte e faziam diferentes rituais, como queimar os ossos e enterrá-los com pertences
do cotidiano. Por um lado, Maia representava a diversidade religiosa desses povos; por outro,
hierarquizava as religiões quando as comparava ao cristianismo e a seu Deus criador e
regulamentador do mundo. Os deuses dos Tupis eram Tupã (Supremo), Guaracy (sol), Jacy
(lua) e Rudá ou Perudá (amor). Além deles, existiam inúmeras entidades que acompanhavam
os vivos em diferentes ocasiões, como a guerra e a caça.
O governo foi apresentado por Maia tendo o morubixaba como líder, especialmente
nos tempos de guerra, pois, nos tempos de paz, ele dividia seu poder com uma assembleia, a
Nhemongaba. As leis eram “naturais”, à base da força física. Quando havia crime, que
praticamente se limitava ao homicídio, o assassino era entregue à família da vítima. Em outras
palavras, a justiça era baseada no que se chama hoje de vingança.
Embora fosse um avanço, quando comparado às Lições de História do Brasil, de
Joaquim M. Macedo, o trabalho de Maia tinha limites sobre a interpretação da nação brasileira.
A relação dos jesuítas é emblemática para se compreender esses limites, porque, embora
apresentasse aspectos da cultura e da evolução dos povos autóctones, Maia preservava o sentido
eurocêntrico de civilização. Tratava-os como elementos exóticos no contato com a civilização,
e não como artífices da nacionalidade brasileira.
No intuito de buscar mais pistas sobre a leitura de Mattoso Maia, procurou-se a
principal referência para sua representação das nações indígenas, o também militar Couto de
Magalhães, que viajou por 12 anos pelos sertões do Pantanal e da Amazônia, onde conheceu e
aprendeu as línguas indígenas e escreveu um manual para aprendê-las e para civilizar tais
povos. Para ele, essas ações seriam fundamentais para a posse de toda essa grande
territorialidade e de “um milhão de braços aclimados, e que se prestam ás indústrias extractivas
e pastoris” para o Império (MAGALHÃES, 1876, p. VIII). Para o militar, a conquista pacífica
era o melhor caminho para a real ocupação da “civilização” sobre essas terras virgens e
inexploradas pelo Império, conforme assinalou: “Testemunho da história demonstra que por
154

toda a parte, e em todos os tempos em que uma raça barbara se poz em contato com uma raça
civilisada, esta se vio forçada ou a exterminal-a, ou a ensinar-lhe a sua língua” (MAGALHÃES,
1876, p. VII).
A despeito das intenções de Magalhães, o que, por si só, seria um trabalho desafiante
que extrapolaria os limites desta tese, limita-se a análise à sua leitura sobre as nações e à sua
ideia de raça indígena. Couto de Magalhães, conforme resenha feita por Mattoso Maia sobre a
segunda parte de sua obra, distinguia a espécie humana em quatro troncos: preto, amarelo,
vermelho e branco, surgidos em épocas diferentes. Sua hipótese era a de que o mais antigo, o
preto, seria o primeiro a se extinguir, seguido do amarelo e do vermelho, restando o tronco
branco, como foi o desaparecimento do que ele denomina de quadrúmanos. Entretanto, não
definia se sua teoria era monogênica ou poligênica, mas dava pistas do uso da lei de seleção
natural de Charles Darwin. Vale destacar que a tese de Magalhães induzia à ancestralidade das
raças andinas com as raças arianas e parte delas teria migrado para as selvas brasileiras, onde
coexistiriam com outras raças. Os andes teriam essa ancestralidade ariana, embora miscigenada,
em razão do alto grau de civilização, costumes e religião e da semelhança entre o Quéchua e o
Sânscrito.
Em síntese, a resenha de Mattoso Maia sobre a obra de Couto de Magalhães enunciava
certa ancestralidade das raças “vermelhas” em relação à raça ariana. Contudo, tal valorização
não significou o reconhecimento das nações indígenas presentes no território brasileiro como
nações civilizadas. Antes, significou a necessidade de incorporá-las à civilização e ao
cristianismo. Tal incorporação tinha diferentes intenções. Para Magalhães, era a conquista real
sobre os sertões amazônicos e sobre o Pantanal, era o uso dos seus “braços” para a economia
do Império e para os progressos do País. Porém, o autor silencia se tal cultura comporia o que
se chamaria de nação brasileira.
A leitura de Mattoso Maia sobre as nações indígenas, com base em Couto de
Magalhães, permite afirmar que suas referências estavam para além do IHGB, inclusive da rede
de sociabilidade dos militares. Como já mencionado, Couto de Magalhães foi militar, assim
como Mattoso Maia, e ambos conheceram o pantanal brasileiro e o Chaco, palco da Guerra do
Paraguai, local onde Magalhães desenvolveu seus conhecimentos sobre o que ele chamava de
“selvagens”. Se, por um lado, não incorporou a produção do IHGB; por outro, preferiu
incorporar os estudos de campo de militares. Infelizmente, investigar tal querela extrapola os
limites desta tese, ainda que seja enriquecedor, para o que seriam necessárias novas fontes.
Entre os políticos do império e os membros da camarilha do IHGB, debatia-se o
processo civilizatório para os povos indígenas que deveriam ser integrados ao Império
155

brasileiro. Segundo Moreira (2010), o uso das palavras utilizadas por lideranças do IHGB como
Varnhagen ‒ “clientes, brasileiros e concidadãos” ‒ revela uma distinção para se referir aos
indígenas. Nesse sentido, a autora problematiza que tipo de História se escreveria sobre o Brasil
e, por conseguinte, que projetos políticos de nação estariam propostos para os indígenas dentro
do Império brasileiro. Também, questiona as políticas do Império em relação às populações
indígenas, isto é, as estratégias adotadas pelo Estado imperial para integrar ao império esses
territórios e essas populações efetivamente. Moreira (2010) destaca que essas populações
habitavam regiões de fronteira e, dentre elas, algumas viviam com certa independência ao
sistema político e social da monarquia.
Para parte dos estadistas do Império, os índios se revelariam uma grande reserva de
mão de obra para as demandas econômicas do País. Além disso, o uso dos índios na lavoura
poderia minimizar e contribuir para o fim da escravidão. Outra questão proposta, admitida pela
geração política da independência, eram os direitos de propriedade dos povos indígenas que,
afinal, as cortes portuguesas haviam reconhecido. Contudo, ao longo do Segundo Reinado, a
expansão da lavoura acarretou a dizimação de populações indígenas e a tomada de suas terras.
O desenrolar da questão indígena entre os séculos XIX e XX se tornou uma questão de posse
de terras e, em paralelo, a representação histórica acerca desses povos foi a de que eles
conviveram com a colonização europeia.
A “Lição XXVI Reinado de D. José I – Questões e lutas ao sul do Brazil. Jesuítas e
sua expulsão. – O Marquez de Pombal. 1750 – 1777” destaca o papel civilizador da Companhia
de Jesus sobre os povos indígenas. Na leitura de Maia, o contato com os jesuítas, para os
indígenas, foi positivo, já que os auxiliou na vereda da civilização, diferente da leitura de
Macedo, que não lhes economiza críticas. Maia, ao contrário de Macedo, vê negativamente a
expulsão dos jesuítas pelo ministro Pombal, em 1759, pois os concebe como importantes
elementos da formação moral da colonização portuguesa: “Desvirtuava-a d´ahi a pouco esse
ministro com a expulsão dos Jesuítas, unicos agentes (como diz o insuspeito Robert Southey)
de poderem realizar o projeto de verdadeira emancipação e civilisação dos índios” (MAIA,
1880, p. 198). Tal leitura é semelhante à de outro manual que seria utilizado mais tarde pelo
Colégio Pedro II, durante a Primeira República, a História do Brasil, de 1900, de João Ribeiro,
para quem os jesuítas foram o elemento moral da colonização. Gasparello (2002b), numa
releitura desse manual, fez semelhante análise.
A etnografia foi o ramo do conhecimento utilizado para estudar os povos nativos do
território brasileiro. Se, por um lado, Varnhagen negava ou, no mínimo, desconfiava da tese de
os índios serem pilares fundamentais da nacionalidade brasileira, por outro, foi um dos grandes
156

incentivadores aos estudos etnográficos sobre os povos indígenas, sobre os nomes, as origens,
as línguas e os costumes das nações. Nesse sentido, Varnhagen se opunha ao espírito romântico
do indianismo da literatura brasileira. Porém, curiosamente, sua História Geral do Brasil foi
“adaptada” pelo romântico Joaquim Manoel de Macedo. A pergunta que pode se fazer é a de
como Macedo estabeleceu a ponte entre Varnhagen e o romantismo na elaboração dos indígenas
como elementos da nacionalidade brasileira.
Para Varnhagen, os índios não eram cidadãos brasileiros e eram estranhos ao pacto
social (MOREIRA 2010, p. 59). Dessa forma, não poderiam pertencer à nacionalidade
brasileira. Contudo, teriam a perfectibilidade humana se enveredassem pelo caminho da
civilização e da cristianização. Gonçalves de Magalhães, outro romântico, contestava
diametralmente Varnhagen acerca dos indígenas: para o literato romântico, a leitura que se fazia
dos indígenas era preconceituosa e caricatural, baseada no que se chamaria hoje de
etnocentrismo, o que, no seu entender, segundo Moreira (2010, p. 63), eram “(axiomas)
mobilizados pelo discurso político para justificar uma série de ações abertamente contrárias aos
direitos de liberdade, propriedade e cidadania dos índios”. Para Gonçalves de Magalhães, que
também defendia a unidade do gênero e da origem humana, os indígenas viviam em estado
social regular tão racional e moral quanto o homem civilizado.
Dito de outro modo, Maia destoava da análise de Macedo em relação à medida tomada
pelos ancestrais do Imperador D. Pedro II. Essa leitura pode ser entendida de dois modos: o
primeiro, como o estabelecimento de uma análise crítica sobre o processo histórico para além
dos silêncios e das não permissões, a fim de relatar a História oficial do País ou, pelo menos, a
escrita pelo IHGB; o segundo, como certa liberdade de ideias e expressões, já que Maia se
distanciava ao modelo monárquico e de educação voltada para os súditos, segundo os moldes
de Macedo. Se o momento em que Macedo escreveu as suas Lições de História do Brasil era o
da estabilidade política, o momento de Mattoso Maia eram os ventos das mudanças do chamado
bando de ideias, numa busca de reconfiguração do pacto político58. Porém, Maia não
desenvolvera uma análise sociológica ou de uma filosofia da História para os episódios, como
João Ribeiro fez mais tarde59.

58
Não se quer dizer com isso que se trata de uma mudança natural ou teleológica do regime monárquico para o
republicano. Como Alonso (2002) destaca, concorriam diferentes projetos políticos com a radicalização do Partido
Liberal, os quais não necessariamente se direcionavam à República. Existiam projetos de reordenamento da
representação política em face das novas forças econômicas surgidas com a modernização do País no último
quartel do século XIX.
59
Isto não quer dizer que Maia deveria tê-lo feito. Trata-se apenas de uma diferença para se destacarem as rupturas
que João Ribeiro faria em sua História do Brasil, em 1900.
157

Na passagem apresentada acima, mostra-se que Maia não se desvencilhou do conceito


do que é uma verdadeira civilização, como postulada por Varnhagen, calcada nos parâmetros
europeus e na cristandade, o que facultaria aos povos indígenas a vida na “civilização”. Trata-
se de uma das ideias comuns da elite dirigente do Império sobre os indígenas: extermínio ou
civilização. Assim também apontava Couto de Magalhães (1876): a necessidade de civilizar e
cristianizar os selvagens do Brasil.60
Para completar a argumentação, a “Lição VIII – Segundo governador Geral – D.
Duarte da Costa. 1553-1558” traz uma interpretação historicista para a compreensão da
presença jesuítica no Brasil:

Têm alguns increpado a D. João III o ter introduzido em Portugal, e


suas colônias os jesuítas; nós pensamos que não devemos julgar esse
soberano pelas idêas correntes do tempo de Marquez de Pombal, e do
século XIX, depois da extinção da Companhia, e sim pelas idêas do
século em que esse Rei vivia, e pelos fins que se propunha. (MAIA,
1880, p. 73).

Esta é mais uma marca de deslocamento entre as narrativas de História do Brasil. Se


Macedo marcava-a pelos elementos literários e pela intencionalidade de torná-la atraente à
mocidade, Mattoso Maia apontava para a direção de uma discussão historiográfica ‒ a esse
tempo, bem desenvolvida pelo IHGB (1880) ‒ e de uma narrativa de teor científico, com
apresentação de fontes e documentos sobre esse passado.
Ao final dessa lição, Maia fez uma defesa pela presença jesuítica no Brasil colonial,
em circunstância de seu caráter moralizador, de artífice na colonização portuguesa, na
conversão do gentio. Diferente de Macedo, Maia contemporizava as ações perniciosas dos
jesuítas em preferência aos grandes serviços prestados à Coroa Portuguesa. Cabe ressaltar que
Macedo também enaltecia o feito dos jesuítas, mas dava maior ênfase aos abusos cometidos
pelos clérigos durante a colonização, especialmente no conflito com os jesuítas.
A questão da nação e da raça foi abordada nas lições que versavam sobre a presença
holandesa no Brasil. Na “Lição XX – Último período da guerra hollandeza: desde a insurreição
pernambucana até a à capitulação da campina do Taborda. – 1645-1654”, Mattoso Maia expôs
como concebia a ideia de nação. Nessa lição, narrou os conflitos em Recife e no interior a partir
de uma revolta interna que ganharia apoio das tropas vindas da Bahia, destacando-se as
personagens Vidal de Negreiros, Felipe Camarão, Henrique Dias e outras figuras militares,

60
De acordo com Almeida (2008), a política indigenista da Coroa variou ao longo do tempo e do espaço e de
acordo com as relações que os povos indígenas mantinham com o poder monárquico.
158

como João Fernandes Vieira, que se tornou governador depois da tomada de Recife. As tropas
seguiram conquistando e “libertando” a Paraíba, o Rio Grande do Norte e o Ceará.
A narrativa sobre “a peleja”, como por ele foi chamada, destacou o heroísmo dos
pernambucanos na batalha, a desobediência dos insurgentes contra as ordens da Coroa
portuguesa (que, naquele momento, negociava uma paz com a Holanda e a Espanha) e a força
das tropas do líder potiguara Filipe Camarão. Nesse sentido, chamava a atenção um patriotismo
de uma guerra que duraria, ainda, mais 5 anos:

Depois de uma tão estrepitosa derrota, parecia tudo pressagiar a imediata


terminação do domínio hollandez no Brazil; no entretanto para isso ainda foram
necessários 5 longos annos, durante os quaes o patriotismo pernambucano teve
de passar por novas provações. (MAIA, 1880, p. 153).

Essa análise se contrapunha à leitura de Macedo. Maia defendia uma posição em


relação ao que era a nação brasileira, a mesma que estaria presente em João Ribeiro, em 1900:
o século XVII não configura uma nação brasileira, mas configura sim os particularismos
regionais. Essa questão também foi abordada em outra passagem, na “Lição XXI – Paz de
Portugal com a Hollanda. – Causas da ruina do poder hollandez no Brazil e do triumpho que os
pernambucanos tiveram. – resultados da guerra. 1661”. Nela, há uma passagem interessante
que demonstra que o autor não embarcava na ideia de patriotismo dos pernambucanos em
relação à unidade nacional, mas sim em relação à sua própria terra:

(Pernambuco) a capitania mais florescente do Brazil, embora a Bahia fosse mais


populosa. Tendo o seu território invadido pelos hollandezes e sujeitos à
conquista, os pernambucanos que, como os outros portuguezes de então, não
primavam pelo seu amor a Hespanha, foram soffrendo sempre de má vontade
os invasores, rebellavam-se parcialmente contra elles; mas em certas occasiões
talvez preferissem o dominio hollandez intelligente e industrial, ao do
hespanhol despotico e beato. (MAIA, 1880, p. 159).

Mattoso Maia explicou o protagonismo dos colonos que, em um processo de


reorganização política e econômica, expulsaram os holandeses do nordeste brasileiro. Também
explicou a restauração da Coroa portuguesa, o que reaproximaria as elites locais a Portugal,
aliada à política adotada pela Cia das Índias Ocidentais, depois da saída de Nassau. Tal narrativa
defendia a postura utilizada pela Coroa ‒ que estava com sérios problemas nas finanças ‒ e sua
posição de inferioridade em relação às outras potências europeias. Tal protagonismo colonial
também seria defendido na História do Brasil, de João Ribeiro.
159

O regionalismo também seria reforçado noutra Lição: “XXIII – Destruição dos


Palmares. – Guerras civis dos Mascates e dos Emboabas. 1675-1714”. Mattoso Maia fez
questão de apresentar a guerra dos mascates como um conflito de certa diferenciação de
identidade; contudo, não embarcou na ideia da formação de um sentimento nacionalista entre
os fazendeiros de Olinda (brasileiros) e os negociantes de Recife (portugueses), controladores
do comércio e do crédito de empréstimos. Entre as duas regiões e os dois centros políticos e
econômicos, surgia uma animosidade, representada por “Pernambucanos e Portugueses”
(MAIA, 1880, p. 172), com destaque à identidade regional e não nacional, o que é um dado
importante.
Mattoso Maia entendia a identidade com base no antagonismo entre reinóis e colonos.
A primeira ideia de sedição nacional seria a Conspiração Malograda em Minas (Lição XXVII),
que combinava fatores externos, como a independência estadunidense, com fatores internos,
como as rebeliões do século XVII e XVIII, que apresentavam animosidades entre os coloniais
e os reinóis, os quais, paulatinamente, despertaram os sentimentos emancipacionistas, não
necessariamente nacionais, na colônia.
Chama a atenção o título da Lição. A exemplo de João Ribeiro, Maia apresentou o
episódio como Conspiração e não como Inconfidência, o que demonstra que a leitura desses
autores sobre a importância desse episódio é a do mito fundador da independência. Segue sua
conclusão sobre o episódio:

Eis meus senhores, a historia resumida da primeira tentativa malograda


pela independencia nacional, a que tão injustamente se dado o nome de
conjuração, emquanto não foi mais do que um projecto de
conspiradores, sem um plano definitivamente concertado, sem os
iniciados terem sido ajuramentados, e principalmente sem ter havido
um principio de execução de revolta. (MAIA, 1880, p. 211).

Como se percebe em Macedo ou até mesmo em João Ribeiro, Mattoso Maia, nesse
contexto, não imprimiu um caráter teológico à História, bem como não atrelou, até aqui, as
índoles psicológicas e históricas e as tradições brasileiras ao processo de independência
monárquica do Brasil. Descreveu o fato sem divagações em torno do que se chamaria de história
filosófica para os fatos, metodologia muito mais utilizada por João Ribeiro.
Se, na narrativa de Maia, por um lado, os indígenas foram amplamente desenvolvidos;
por outro, os africanos ocuparam pouco espaço. Não há destaque para os feitos dos negros, nem
em Palmares, nem na libertação do Brasil do julgo holandês. No caso de Palmares,
demonstrando que os ventos abolicionistas não tinham chegado à sua narrativa, o autor
160

enalteceu a bravura de Domingos Jorge Velho, líder da expedição militar que aniquilou o
Quilombo de Palmares. No caso do julgo holandês, Maia enalteceu a bravura militar de heróis
como Filipe Camarão e Henrique Dias, sem fazer referência às suas raças. O negro ser ou não
ser um portador da civilização e contribuir ou não contribuir para a edificação da nação foram
questões silenciadas pelo autor. Contudo, as passagens sobre a escravidão não são por ele
escamoteadas.
Na Lição XXXV, “Tratados de commercio. – medidas legislativas. – Revolta de tropas
estrangeiras. – Almirante Roussin. – Tumultos em Pernambuco e Bahia. – D. Maria II. – A
imperatriz D. Amelia. – Abdicação. – 7 de Abril de 1831”, o que há de mais relevante é a crítica
à escravidão feita por Maia, que fora silenciada por Macedo, nos contextos das leis do Brasil
independente:

Não seria melhor terem acabado de uma vez com a escravidão, em vez de nos
legarem esse cancro social, para cuja completa extirpação devemos ainda
esperar que a lei de 28 de setembro de 1871 produza todos os seus beneficos
effeitos! (MAIA, 1880, p. 289).

Trata-se de uma crítica direta à estrutura social e econômica do regime imperial, que
poderia ser interpretada como uma afronta vinda de um súdito. Todavia, cabe ressaltar que a lei
do Ventre Livre, mencionada na passagem, foi decretada pela princesa Isabel, favorável ao
abolicionismo. Conjectura-se, então, que o sentido de uma história imperial poderia continuar
a existir, mas nos moldes de um provável terceiro reinado, sem a chaga da escravidão. De toda
forma, a passagem demonstra certa liberdade de pensamento e de debate sobre a questão da
escravidão na fase final do império. Outra possibilidade de leitura é o reconhecimento das
políticas encaminhadas pelo gabinete conservador de Visconde de Rio Branco, as quais, embora
critiquem a escravidão, não se aprofundam ou, pelo menos, não destacam outras possibilidades
de finalizar a escravidão de forma mais incisiva, pois, antes, destacam a via conservadora
adotada pelo Gabinete de Visconde de Rio Branco para a solução desse cancro social. Ainda
sobre esse contexto histórico, a experiência da guerra partilhada com os escravos mandados
para o front favoreceu o apoio dos militares ao fim da escravidão, ideia essa também defendida
pelo médico, militar e professor em questão.
Outra passagem da obra é reveladora acerca do modo como Maia tratava o termo raça.
Na análise do conflito da Cisplatina, raça é sinônimo de nação: “O antagonismo tradicional da
raça castelhana contra a portugueza” (MAIA, 1880, p.282). Interessante é que o conflito foi
longamente narrado com destaque às derrotas brasileiras no confronto, evidenciando a
161

inabilidade dos generais para conduzir as forças contra os separatistas. Em síntese, a dimensão
racial determinou que o melhor caminho era a independência do Uruguai.
Acredita-se, então, que Maia se aproxima da concepção de Sílvio Romero sobre a
distinção das raças: a primeira é a de caráter físico, denominada antropológica; e a segunda,
denominada histórica, da qual nasceram as nações modernas. Ainda que sutilmente, existe uma
teorização sobre o conceito de raça, embora pouco explorado (ou não explorado) pelo autor ao
longo da narrativa de sua História do Brasil.
Uma outra questão que salta aos olhos é a sucessão do trono em Portugal, na ocasião
da morte de D. João VI, que criou uma forte crise política no Brasil, agravada pela oposição do
parlamento ao Imperador. Cabe destacar o posicionamento de Maia:

As relações de D. Pedro I com as assembléas legislativas tinham sido sempre


eivadas de desconfianças e prevenções taes, que foram degenerando as
animosidades, cuja effervescencia devia necessariamente ser fatal ao
imperador, ou á nação. Como a Nação é sempre mais forte, o imperador foi a
victima. As assembléas legislativas, que se seguiram á Constituinte, pareciam
ter recebido d´esta o diapasão para afinarem a sua atitude para com a Côroa.
Não eram Câmaras servís dispostas a curvarem-se a Sejanos improvisados;
eram representantes eleitos pelos comícios populares de uma nação, a qual
tendo quebrado, havia pouco, os grilhões de dependência, no seu enthusiasmo
pela liberdade, propendia para implantar o regimen da democracia na mais
alta escala, que pudesse. (MAIA, 1880, p. 292).

A passagem é reveladora porque não faz a leitura histórica de uma tradição à brasileira
de se governar por um rei. O que faz é apresentar abertamente as primeiras ideias republicanas
durante o primeiro reinado, embora as contemporize com a independência.
Diante dessas afirmações, relativiza-se a continuidade entre as Lições. As leituras,
como a das Lições de Macedo, são bem distintas no que se refere à formação de um súdito. Para
Maia, as questões das tradições dinásticas ou das índoles do povo não são caminhos para a vida
política do País. Curiosamente, sobre a mesma questão, João Ribeiro retomaria a leitura de
Macedo de outra forma: embora houvesse ideias republicanas, as índoles psicológicas e
históricas, na ocasião da independência, apontavam a monarquia como o melhor caminho para
a manutenção da unidade territorial colonial, ao passo que, ao longo do regime imperial, uma
“evolução política” permitia a existência de um regime republicano imaturo para as condições
da independência.
Aponta-se, aqui, para deslocamentos nas concepções sobre a História do Brasil. Se
havia o sentido de conformação de um súdito, este, provavelmente, não era o mesmo súdito das
Lições de Macedo, pois a escravidão não era silenciada e o indígena, embora tivesse prestado
162

serviços à História e à Nação Brasileira, não era o herói romântico desse autor. Gasparello
(2002) também destacaria as diferenças entre as duas Lições de História do Brazil:

[...] os livros didáticos de História do Brasil no século XIX nos ensinam


também que a pedagogia da nação não foi construída linearmente nem foi
singular: ao longo do império, visões conflitantes, que ajudaram a fabricar
diferentes representações da nação brasileira, estiveram presentes no jogo
contraditório da vida cultural e ideológica. (GASPARELLO, 2002b, p. 7).

As nuances das diferentes representações de nação brasileira permitem conhecer a


riqueza de ideias de cada tempo histórico e os diferentes jogos e relações de poder que disputam
quais memórias permaneceriam e deveriam ser conhecidas pelas futuras gerações. Assim, a
nação imaginada por Mattoso Maia foi modernizada de forma conservadora – no sentido da
manutenção das estruturas sociais e políticas da monarquia. Entretanto, esta deveria ser
atualizada aos novos tempos, às novas ideias oriundas das nações mais “modernas e
civilizadas”.
Então, a questão da raça, além de pouco desenvolvida, é limitada aos indígenas.
Embora pouco explorada por Maia, sua teorização sobre raça, que se baseia nas diferenças
fenotípicas entre brancos, negros e indígenas, bem como na distinção entre raças antropológicas
e históricas, resultado dos estudos da antropologia é mais complexa quando comparada à de
Macedo. Para Maia, não há aspectos biológicos determinantes na formação da nação ou de seu
caráter. Assim, enquanto houve um deslocamento semântico em Macedo, calcado na ideia de
estirpe, Maia caminhou na direção das noções científicas, baseado nos estudos etnográficos de
Couto de Magalhães, porém sem as conotações do racismo científico. Isto demonstra a assertiva
de Koselleck (2006) quanto à teorização de um conceito de acordo com sua importância social
e coletiva.
Entretanto, Mattoso Maia não fez uso das teorias raciais para problematizar o que era
a raça nacional e seu desdobramento para a nacionalidade brasileira. Embora médico, não fora
um entusiasta de seu uso na consecução de livros de História do Brasil destinados ao ambiente
escolar ou na formulação da ideia de nação brasileira. Nesse sentido, compreende-se que as
Lições de História do Brazil, de Mattoso Maia, estiveram entre as continuidades da chamada
História Imperial assinalada por Gasparello (2004), marcadas pelo peso da monarquia, do IHGB
e do Colégio Pedro II. No entanto, suas Lições já traziam as marcas científicas que a
historiografia do início do século XX desenvolveria com maior profundidade.
Esse segundo doutor teve uma vida intelectual diferente da dos demais homens das
letras analisados. Embora professor, manteve-se ligado aos círculos médicos de sociabilidade e
163

aos vínculos com os militares dos tempos da Guerra do Paraguai e ocupou cargos públicos de
diferentes importâncias para a sociedade. Ou seja, não se notabilizou como intelectual e/ou
historiador, mas como militar e médico. A vida docente foi uma de suas facetas ao longo de sua
vida. Uma vida tão multifacetada pode explicar a pobreza de sua obra quando comparada às
Lições, de Macedo, ou à História do Brasil, de João Ribeiro, o que não o impediu de produzir
um livro escolar que deu mais destaque aos povos indígenas, à origem do homem americano e
à sua linhagem biológica. Vale destacar que sua referência era outro militar, Couto de
Magalhães, um conhecedor dos povos do Mato Grosso, um desbravador da “Civilização”.
Essas bases já estavam postas por Mattoso Maia. João Ribeiro, em sua História do
Brasil, apenas as renovaria sob diferentes aspectos: o avanço do conhecimento histórico, o uso
das teorias raciais para a formulação da nacionalidade brasileira e a ruptura com os modelos
explicativos de história e sociedade brasileira assinalados por Adolfo Varnhagen e enunciados,
por Capistrano de Abreu, no limiar do século XIX, como algo com que se deveria romper.
164

CAPÍTULO 4: A HISTÓRIA DO BRASIL (1900) DE JOÃO RIBEIRO: A NAÇÃO


BRANQUEADA COMO HORIZONTE DE EXPECTATIVA.

Neste quarto capítulo, dividido em quatro momentos, João Ribeiro (1860-1934) é o


intelectual analisado. No primeiro momento, trata-se das mudanças políticas, econômicas e
sociais que o Brasil viveu no limiar do século XIX e no início do século XX, já que o referido
intelectual estava inserido no seio de tais mudanças, especialmente na imprensa e na opinião
pública da capital do País naquele período.
No segundo momento, avalia-se qual seria o papel da instrução pública na esteira das
mudanças políticas ocorridas no País e qual seria a contribuição de João Ribeiro para a
legislação sobre o ensino secundário, uma vez que o Colégio Pedro II ocupava um espaço
central na conformação do ensino secundário brasileiro.
No terceiro momento, refazem-se alguns passos da trajetória intelectual de João
Ribeiro. Analisam-se, então, suas redes de sociabilidade na capital do Império/República e o
modo como ele ocupou esses espaços e aproveitou as oportunidades de universo intelectual e
letrado, marcado por agremiações como a ABL e o IHGB.
E, por fim, no quarto momento, analisam-se as linhas mestras de sua História do Brasil
e sua interpretação acerca da nação. Na composição dessa autobiografia nacional, pode-se
perceber o forte peso da historiografia Oitocentista e das referências de Capistrano de Abreu,
levando em conta que Capistrano e Ribeiro tiveram as mesmas percepções de outro historiador,
L. Handellman, um alemão que via na formação do Estado Brasil a multiplicidade de focos
populacionais que se integraram ao longo do tempo, em torno da unidade política, tanto da
colônia como do Império. Desse modo, embora a nação brasileira fosse vista como decaída do
ponto de vista racial e moral, a educação, a miscigenação e o trabalho assalariado poderiam
regenerar o estado social do País com vistas ao futuro, rumo a um progresso branqueado.
No Brasil do final do Oitocentos e do início do século XX, houve o aprofundamento
das mudanças vividas no último quartel desse século, mediante urbanização e industrialização
(ainda que com limites) de suas maiores cidades, o que transformou as fisionomias do País. A
República foi proclamada por meio de um golpe militar que reuniu diferentes atores políticos
e, sobretudo com a gradual abolição da escravidão, atingiu interesses econômicos. A cidade do
Rio de Janeiro se consolidou como principal centro de atração para os intelectuais, seja em
razão de suas faculdades, seja em razão das oportunidades que a imprensa e o mercado editorial
– que cresceram a passos largos – deram a essa geração de intelectuais.
165

João Ribeiro (1860-1934), o autor de História do Brasil, de 1900, é o terceiro autor


analisado nesta tese. Diferente dos professores anteriormente trabalhados, Ribeiro viveu o
seguinte momento: a fase final do Império e o surgimento da República, o turbilhão de ideias
que transformaram o Ocidente, a Segunda Revolução Industrial e o desenvolvimento da ciência
decorrente dessa revolução.
Além disso, o autor manteve algumas permanências no circuito intelectual e escreveu
sobre uma considerável diversidade de assuntos ao longo de sua trajetória, caracterizando-o
aqui como polígrafo. Nascido em Sergipe, posteriormente viveu e morreu no Rio de Janeiro
dos anos de 1930, já na chamada Era Vargas. Tantos deslocamentos e mudanças políticas, de
alguma maneira, transformaram as percepções desse intelectual sobre o Brasil, sobre a política
e sobre a nação brasileira. João Ribeiro aproveitou muitas oportunidades que o Rio de Janeiro,
capital do Império e da República, pôde lhe oferecer e, assim, viveu os debates políticos entre
monarquistas e republicanos e entre abolicionistas e aqueles que defendiam a mudança gradual
do trabalho cativo para o trabalho assalariado livre.
Entre os diferentes projetos políticos sonhados por esses intelectuais, prevaleceram os
interesses dos latifundiários do interior de São Paulo, dando origem ao que veio a se chamar,
posteriormente, de República Oligárquica, para a frustração de grande parte dessa
intelectualidade seduzida por diferentes correntes de pensamentos políticos e científicos vindos
da Europa. Um exemplo dessas mudanças foi Pereira Passos, prefeito conhecido como aquele
que “civilizou” o Rio de Janeiro por meio das reformas urbanísticas, como destaca Chalhoub
(2001). Outro dado destacado por esse autor é o crescimento demográfico do Rio de Janeiro,
cidade que, em 1872, tinha 274.972 habitantes e, em 1906, durante as reformas urbanas, passou
a ter 811.443. Tal crescimento acelerado se deveu à migração de escravos, ex-escravos e
libertos e à imigração de estrangeiros (cuja maioria vinha de Portugal) rumo à capital do país.
De acordo com o Censo de 1890, a capital concentrava a maior população de negros e pardos
do Sudeste, os quais somavam cerca de 34% da população.
A virada para o século XX foi marcada por profundos contrastes para a realidade
brasileira e para o mundo. Nessa contextura, a ciência se impunha como forma de redimir as
incertezas, e a crença no progresso tecnológico gerava o otimismo contra a guerra. É o período
que a historiografia consagra como Belle Époque, pois marcado pelas transformações que o
Ocidente sofreu do último quartel do século XIX até a Primeira Guerra Mundial. Esses
contextos mais gerais são importantes para a compreensão acerca do intelectual em análise, o
qual, de certa forma, escreveu para diferentes hebdomadários e folhetins de Rio de Janeiro e
166

São Paulo acompanhando tais mudanças. A questão do nacionalismo entrava na ordem do dia
na opinião pública e nos escritos desse intelectual sobre a História e a cultura nacional.
Os inventos e os progressos científicos prometidos ao século XX, como uma era de
conquistas inimagináveis, favoreceram o clima de otimismo no limiar do século XIX. Verdades
como a religiosidade e o patriotismo não haviam sido abaladas por guerras mundiais ou
revoluções, como viria a acontecer na década de 1910. Inventos como a luz e a velocidade e,
com isso, a criação de carros, dirigíveis, rádio, telégrafo, cinema e avião, por exemplo, foram
os motores da revolução promovida pela ciência. Com base nessas mudanças, os homens
produziram novas noções de tempo e espaço, as quais culminaram em novos ritmos de vida.
Tais crenças contrastavam com outras realidades, como as vividas pelos
marginalizados no Rio de Janeiro ‒ entre automóveis e carroças, havia um choque de mundos,
afinal. Era justamente contra esse passado, associado à monarquia, que a ideia de progresso e
de civilização se impunham para controlar o futuro do Brasil. Em outros termos, a ciência e o
futuro, crenças que fizeram parte das linhas mestras da História do Brasil de João Ribeiro, eram
as chaves para a transformação da sociedade brasileira mediante a superação de suas mazelas.
Para Schwarcz e Costa (2000) e para Sevcenko (1999), a chamada Bèlle Époque
ganhou significado próprio no Brasil, o da regeneração. A inserção do País na modernidade
perpassaria pela reformulação dos espaços urbanos, especialmente nas capitais, seja a da
República, sejam as dos Estados, afinal, a modernização das grandes cidades se tornava vital
para a atração de investimentos internos ou externos. Desse modo, a regeneração significou a
remodelação dos espaços urbanos e, também, a da gente, população que habitava essas áreas.
A mudança de regime significou, por fim, a luta simbólica entre o passado e a afirmação do
progresso, o futuro.
Essa luta é percebida na proibição das manifestações culturais populares em áreas
públicas, no bota-a baixo das populações pobres das áreas centrais do Rio de Janeiro. Porém,
em São Paulo, o sentido de reconstrução do espaço urbano ocorreu de outra forma, porque,
como não tinha a mesma importância histórica, a cidade evoluiu como importante entreposto
comercial entre o interior do Estado e o Porto de Santos, por onde escoava o café. Para atrair
os grandes capitalistas do interior enriquecidos por esse produto, a cidade passou por intensas
transformações urbanas e arquitetônicas: abriam-se avenidas na cidade e estradas ligando-a a
outras localidades e substituíam-se os burros e os lampiões pela luz elétrica e pelos bondes.
Essas transformações, como o alargamento de ruas e avenidas, também expulsaram as
populações mais pobres das áreas centrais, como ocorreu no Rio de Janeiro, instituindo-se
167

códigos de postura que se transformaram em uma forma de exclusão social. Dessa maneira, a
capital política do Estado também se transformava em capital econômica.
No Brasil, as duas últimas décadas do século XIX foram “sacudidas” pelas disputas
políticas entre liberais (de diferentes matizes), abolicionistas, republicanos e monarquistas
(ALONSO, 2002). O regime imperial sofreu gradativo desgaste e perdeu o apoio de sua base
política: a Igreja, o exército e os latifundiários. No capítulo anterior, destacou-se a ausência de
identificação entre os novos setores da economia e a monarquia, o que os levou a não defender
as instituições monárquicas. Os avanços das lutas abolicionistas ruíram o último apoio que o
regime monárquico tinha: os latifundiários.
O Rio de Janeiro, capital do Império, que despontava como polo industrial, passou por
transformações urbanas que atingiriam seu ponto máximo na primeira década do século XX
com a política do bota-abaixo e com a Revolta da Vacina. Para o mercado editorial, foram anos
de crescimento substancial, especialmente em razão da consolidação dos livros escolares como
instrumentos de trabalho escolar. O Rio de Janeiro concentrava a maioria de editores e livrarias,
as quais se expandiram e criaram filiais nas demais capitais do País, a exemplo da maior delas,
a Francisco Alves (BRAGANÇA, 2004), editora da História do Brasil de João Ribeiro.
No último quartel do século XIX, como o Rio de Janeiro era a cidade mais populosa e
a capital econômica do País, a população, pela primeira vez, se via envolvida em seus
problemas. A capital sofreu um boom populacional em função da imigração estrangeira e, a
seguir, em função da libertação dos escravos ao mercado de trabalho, os quais foram para a
capital em busca de melhores condições de vida e trabalho. As consequências foram o
subemprego, o desemprego e o desequilíbrio de gêneros, pois havia mais homens do que
mulheres. A miséria e o abandono das crianças foram característicos desse período, como
elementos que não colaboraram com a formação da cidadania, mas sim distanciaram ainda mais
essas populações de seus direitos.
As condições sanitárias da cidade eram precárias e, por conta disso, as epidemias
tomaram-na, sobretudo no verão, período que as doenças, como a malária e a febre amarela,
assolavam a população com maior intensidade. Além disso, como a cidade havia se tornado
palco da especulação bancária, a emissão de moedas se tornou mais necessária para os
pagamentos dos assalariados livres, o que resultou na chamada política do encilhamento. A
inflação se generalizou e implicou tanto o alto custo de vida para a população, com o agravante
do consumo de produtos importados, quanto a desvalorização da moeda, que fragilizaria ainda
mais a economia.
168

Se não houve participação popular na implantação do novo regime, os populares, por


meio das primeiras tentativas de organização de agremiações políticas de trabalhadores,
promoveram agitações no Rio de Janeiro na virada para o século XX. Contudo, brigas internas,
conflitos com a polícia, perseguições e assassinatos de portugueses e monarquistas frustraram
tais tentativas. E, nesse contexto, os capoeiras foram perseguidos sob acusação de vadiagem.
Carvalho (2002) interpreta os cortiços da capital como verdadeiros lugares de
sociabilidades populares. Eram comunidades que passavam longe da política oficial do Estado,
a qual, por sua vez, implantou políticas que destruíram tais espaços e não os integraram como
espaços públicos maiores, em consonância com a República, ou como o que o autor chama de
espírito público. Paralelamente à formação dessa cultura marginalizada, formou-se outra
cultura, em sintonia com a Europa, com destaque à França e à sua capital reformada, Paris: é a
chamada Belle Époque, que escamoteava a diversidade, escamoteava o Brasil negro e pobre
que se organizou no alto dos morros adjacentes do Centro do Rio, origem dos subúrbios e das
favelas.
A questão nacional foi pensada por diferentes esferas, seja pela organização do Estado,
seja pela representação da nacionalidade criada pela intelectualidade. Para Carvalho (2003), os
instrumentos clássicos de legitimação do poder nos Estados modernos foram a ideologia e a
justificação racional da organização do poder, regra a que o Brasil não fugiu. Assim, o autor
identificou três correntes que disputavam a definição da natureza do novo regime: o
jacobinismo, que ensejava a democracia direta, mediante participação de todos os cidadãos; o
liberalismo, que via o desenvolvimento autônomo da sociedade com a menor interferência
possível do Estado (a chamada mão invisível do mercado); e o positivismo, que previa a
experiência de uma futura sociedade: racional e progressista, como uma idade do ouro a ser
alcançada.
Para Carvalho (2003), essas ideias circularam mais entre as elites (intelectuais e
políticas) do que entre as demais camadas da sociedade. Tais influências se realizaram na
conformação de símbolos e heróis, como é o caso de Tiradentes. Assim, a educação e o ensino
de História assumiram o papel de (re)criação das narrativas sobre o passado do Brasil que
demonstrassem a gênese das ideias democráticas e republicanas, conotações estas em que se
pautavam as diferentes rebeliões. Os sentidos de liberdade expressos nessas representações
configuraram o novo jogo político e acarretaram disputas pela memória e pela imagem que os
republicanos fizeram da monarquia: atrasada, colonial, ligada ao passado e ao obscurantismo e
corrupta. Carvalho (2003) contesta essa historiografia republicana, porque, a seu ver, a
monarquia foi mais moralizante com a dimensão pública do poder.
169

Entretanto, a mudança de regime foi a oportunidade de as províncias defenderem seus


interesses junto ao poder central, sobretudo Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, que
eram as mais importantes do Império e, depois, da República. Cada qual tinha as suas facções
e os seus interesses na solução de um modelo político para o País. No caso, o caminho adotado
foi o federalismo de inspiração estadunidense, porque respondia ao anseio descentralizador dos
proprietários rurais, isto é, porque disponibilizava mais poder às oligarquias estaduais no
sentido individualista. O interesse público foi entendido como soma dos interesses privados, o
que servia de justificativa legítima para a defesa dos interesses oligárquicos.
Boa parte da intelectualidade brasileira entendia que faltavam ao Brasil o espírito de
solidariedade, do chamado bem comum, e a capacidade da livre iniciativa aliada à participação
política, a exemplo do que pensavam Sílvio Romero e Alberto Salles. O próprio João Ribeiro
comungava, em parte, com esses valores, em contraposição ao individualismo bretão.
Então, os anos que se seguiram à República foram de desencantamento com o regime
e, até, de certa admiração pela monarquia, nostalgia demonstrada pelas linhas narrativas da
História do Brasil. Para que isso acontecesse, um dos fatores foi a chamada virtude republicana,
que colocava o interesse do bem comum acima dos interesses individuais. De acordo com a
literatura que esses homens seguiam, talvez a Suíça fosse o único lugar a ter essas condições,
pois nem mesmo os Estados Unidos as teriam. Assim, entendiam que o Brasil desenvolvera o
capitalismo predatório, isento da ética protestante. Ademais, vale ressaltar que o encilhamento
do final do século XIX favorecia essa leitura política e econômica acerca do País.
Tais leituras sobre o Estado repercutiram na forma como a intelectualidade
problematizava e representava a nação brasileira. Nessa conjuntura, a raça poderia ser um dos
problemas a serem enfrentados por estadistas, intelectuais e, até, sanitaristas. Desse modo, as
ideias para o enfrentamento dessas questões também foram bem diferenciadas, como a
imigração estrangeira, o branqueamento e, também, a real inserção das populações
afrodescendentes à vida econômica do País.

4.1 – Entre a República imaginada e a República instituída: as permanências da instrução


pública

João Ribeiro viveu as transformações das legislações de ensino entre as décadas de


1880 e o início do século XX. Inclusive, fez parte, como já mencionado, das bancas
examinadoras dos preparatórios do final do curso secundário do Colégio Pedro II e foi um dos
170

autores do Programa de ensino dessa instituição em 1915. Nesse período, as principais


legislações foram as seguintes: a Reforma Benjamin Constant (1890) e a Constituição (1891).
Além disso, ocorreram alterações nos programas de ensino em 1881 (sem maior relevância para
a compreensão da História do Brasil em análise) e em 1898. Vale mencionar, ainda, a Reforma
Epitácio Pessoa (1901), publicada um ano após o livro de João Ribeiro. Também, um ano após
a publicação das Lições de História do Brazil, de Luis de Queirós Mattoso Maia, ocorreu mais
uma reforma nos regulamentos do Colégio Pedro II, o decreto n° 8.051, de março de 1881, que
manteve o curso secundário de sete anos e, em relação ao ensino de História, manteve um lente
de História Geral e outro de Chorographia e História do Brasil.
Diferente dos decretos anteriores, este último continha, além das disciplinas do curso,
uma “ementa”, isto é, os conteúdos a serem lecionados em cada disciplina. A História, cujo
conteúdo englobava o que se chama hoje de História Antiga e Medieval Europeia, entrava no
quinto ano do curso. No sexto ano, a História Geral completava sua divisão quadripartida com
a História Moderna e a Contemporânea. A História do Brasil aparecia no último ano do curso,
acompanhada dos estudos de Corographia (composto tanto pelos limites físico-geográficos
quanto pela realidade jurídico-econômica do País). É importante destacar essa composição do
programa de História, porque, ao longo do século XIX, os programas de ensino dessa disciplina
foram “enxugados”, abrindo caminho para outras disciplinas científicas dentro da grade
curricular do curso secundário do Ginásio Nacional, uma quebra diante de sua tradição
humanística e propedêutica.
Vale destacar outra questão sobre esse decreto-lei: a não obrigatoriedade de os alunos
“acatholicos” frequentarem as disciplinas de Religião e participarem dos cultos católicos do
Colégio. Desse modo, as discussões sobre as relações entre Estado e Religião ressoaram na
organização escolar e, assim, a laicidade ou a secularização do ensino ganharam força dentro
do debate educacional. No artigo 17 desse decreto, o juramento que o bacharelando fazia na
formatura foi alterado: “as palavras - «manter a religião do Estado» - serão substituidas por
est'outrás - «respeitar a religião do Estado» - quando tenha de receber o gráo um acatholico”
(BRASIL, 1881).
A reforma Benjamin Constant, de 1890, deve ser interpretada à luz de seu contexto, o
do governo provisório da República, que, em um primeiro momento, criou o Ministério do
Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. De acordo com a
historiografia, tal Ministério foi uma pasta criada para alocar um dos heróis do golpe que dera
origem à República, o professor de Matemática Benjamim Constant, que teve forte influência
171

sobre o oficialato do exército, como professor e divulgador das ideias republicanas e positivistas
dentro da Escola Militar do Rio de Janeiro.
O decreto n° 981, de 8 de novembro de 1890, mais conhecido como a Reforma
Benjamin Constant, que aprovou o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito
Federal, foi publicado ainda no período do governo provisório de Marechal Deodoro da
Fonseca. Isto significa dizer que o decreto era anterior à Constituição de 1891. Em linhas gerais,
essa reforma propôs um ensino de caráter científico e propedêutico a fim de preparar os alunos
para o ensino superior; então, foi uma ruptura ou, pelo menos, uma tentativa frente à tradição
humanista e de forte influência católica. O documento estabelecia o exame de madureza ‒ que,
para ingresso no ensino superior, equipararia as instituições de ensino secundário ao Ginásio
Nacional ‒ e abrangia a estrutura para o funcionamento das escolas, como um museu escolar,
uma revista e um espaço para os professores discutirem questões pedagógicas, o Pedagogium.
O decreto também regulamentava o funcionamento das instituições privadas mediante
subvenção do Estado.
Embora se restringissem ao Distrito Federal, os regulamentos da Reforma
funcionavam como modelo para que os outros Estados se equiparassem ao Ginásio Nacional.
Desse modo, pode-se entender que a Reforma transpunha seus limites político-geográficos,
obrigando os outros estabelecimentos a seguirem essas normas, assim como ocorreria com as
reformas subsequentes. Entende-se essa forma de controle de acordo com o próprio propósito
da descentralização administrativa da República. No caso, a união estabelecia as diretrizes por
meio das Instituições modelo e os Estados as seguiam em consonância com as prioridades e as
possibilidades de execução. Em outras palavras, permanecia o mecanismo de controle que a
Coroa exercera nos tempos do Império após o Ato Adicional de 1834.
Nessa Reforma, a primeira questão que chama a atenção é a desoficialização do
trabalho do professor particular, pois o requisito para o exercício do magistério se restringia à
comprovação do caráter moral do diretor, que deveria apresentar o certificado das condições
sanitárias do estabelecimento, e do professor. Nesse sentido, dava-se continuidade à
desoficialização do trabalho do professor, comparando-se a Reforma ao decreto de Leôncio de
Carvalho, de 1879, que também prescindia de uma formação específica para o exercício do
magistério primário e secundário.
Entretanto, para o exercício do magistério público, o artigo 14 determinava: “Só
podem exercer o magisterio publico primario os alumnos ou os graduados pela Escola Normal”
(BRASIL, 1890). Isto significa que o decreto fixava uma formação específica a um trabalho
que tinha caráter profissional, o que era uma contradição, pois profissionalizava o magistério
172

público coetaneamente à desoficialização do trabalho particular. Tal questão pode ser


investigada, mas não aqui. Além disso, o artigo 10° estabelecia que os programas e os livros
deveriam ser aprovados pelo Conselho Diretor e pelo governo.
O seu segundo artigo definia que a “instrucção primaria, livre, gratuita e leiga”
(BRASIL, 1890) deveria ser lecionada em escolas primárias de primeiro grau (para jovens de
7 a 13 anos) e de segundo grau (para jovens de 13 a 15 anos). A Constituição promulgada um
pouco mais de três meses depois, em 24 de fevereiro de 1891, não seguiria esse mesmo
princípio, pois, de acordo com esse documento, cabia aos Estados as definições da natureza e
da obrigatoriedade do ensino ‒ e o decreto se destinava ao Distrito Federal. Assim, a União se
desobrigava de garantir o ensino gratuito como direito de toda a população, luta essa que seria
abraçada pelo século XX.
Os artigos organizados sob o título V estipulavam os regulamentos do ensino
secundário no Distrito Federal. Seu primeiro artigo, o n° 25, definia que o ensino público
secundário seria ofertado pelo Ginásio Nacional e manteria a divisão entre internato e externato,
bem como a independência administrativa de cada um, ainda que regulados pelas mesmas leis.
O artigo 26 tratava da grade curricular do curso secundário e mantinha a duração de 7 anos. O
artigo 30 dissertava sobre a distribuição do conteúdo programático entre os 7 anos de curso, e
o 44 assinalava que os livros adotados pela escola deveriam ser propostos pelos professores e
aprovados pela congregação.
Com base na análise da grade curricular, pode-se aferir o balanceamento entre as
disciplinas de caráter cientificista e as de caráter humanístico, considerando as cadeiras da
língua materna, da moderna e da morta. A historiografia consagra a ênfase no ensino científico
dessa Reforma, contudo o que se percebe é seu caráter enciclopédico, já que, em consonância
com o caráter propedêutico e preparatório do ensino secundário para ingresso nas faculdades,
o documento indicava o estudo de uma variedade de campos do conhecimento que
compreendiam, além das línguas, a Física, a Química, a Biologia, a História, a Sociologia Moral
e a Geografia, e previa também aulas de Música, Desenho e Educação Física. Ademais, cada
uma dessas disciplinas abarcava subitens, como a Álgebra, a Trigonometria, a História
Universal, a Geografia Física e a Política do Brasil.
O decreto também estabelecia o quadro de disciplinas ao longo dos sete anos de curso,
entretanto a disciplina de História Universal aparecia somente no sexto ano e a de História do
Brasil no último ano. Em outros termos, embora isto tivesse significado a diminuição dessa
disciplina no currículo do ensino secundário, diferente do que ocorria nas legislações do
173

Império, foram inseridas as Ciências Exatas e da Natureza na grade curricular, o que, em alguma
medida, explica essa perda de espaço no conjunto do programa de ensino.
Ainda que o curso tivesse a duração de sete anos, o inciso terceiro do artigo 35 definia
que os alunos estranhos ao estabelecimento poderiam requerer os “exames finaes” de cada ano
letivo e garantir o diploma do ensino secundário e, portanto, o ingresso nos cursos superiores.
Isto significa dizer que a estrutura burocrática do ensino secundário abria margem para a não
frequência obrigatória do curso e, ao mesmo tempo, garantia a entrada no ensino superior.
Imagina-se que esse mecanismo tenha sido usado para que os alunos oriundos de regiões mais
distantes e de famílias importantes pudessem ter a formação superior.
Nesse decreto, observa-se a formação de todo um aparato burocrático com a finalidade
de administrar a educação primária e secundária do Distrito Federal. As Instituições nos Estados
que quisessem equiparação com o Ginásio Nacional deveriam observar esses regulamentos, o
que não significa que tais instituições não se organizaram em torno de suas especificidades
locais. Acrescenta-se ainda que a Reforma se inseria no bojo da institucionalização do ensino
que se sedimentaria com os Grupos Escolares que se sucederam primeiro em São Paulo e,
depois, no restante do País a partir do início do século XX. Contudo, previa espaço ainda para
o ensino domiciliar e particular não vinculado às instituições de ensino.
A primeira Constituição Republicana manteve os principais aspectos a respeito da
educação como direito e como obrigação do Estado. As disputas entre os conservadores
(centralizadores) e os liberais (descentralizadores) resultaram na não interferência do ente
federal, a União. Nos artigos 4 e 5 da Constituição, percebe-se o alto grau de autonomia dado
aos Estados, que não permitiam a interferência da União nos interesses regionais, salvo em
alguns casos especificados. Vale ressaltar que a mudança dos limites territoriais partia da
aprovação das assembleias legislativas estaduais para a assembleia nacional. Ainda, o artigo 5
determinava que cada Estado deveria se tornar gerador de sua renda para a administração
governamental, embora contasse com auxílio da União em caso de necessidade.
Na questão tributária, de acordo com a Constituição, a União monopolizaria a
administração e a cobrança de impostos sobre produtos estrangeiros nas alfândegas e sobre
outros serviços, como no caso dos bancos, e deveria tratar com isonomia todos os Estados.
Porém, a Lei estabelecia como a União e os Estados poderiam tributar produtos e serviços. Aos
Estados, dentre inúmeras atribuições, era permitida a cobrança de impostos sobre aquilo que
produzia em seu interior, sobre as propriedades rurais e as urbanas e sobre a transmissão de
propriedade de um indivíduo a seus herdeiros, e eram permitidos o estabelecimento de linhas
telegráficas em seus domínios e o subsídio aos serviços de correio.
174

Por que lança-se mão dessas referências que estão para além da educação? Porque
ajudam a situá-la no contexto da organização política e administrativa da Primeira República,
que não superou os debates dos tempos do Império: o pacto federativo e os limites das
Províncias ou dos Estados em relação ao poder central. A educação, nesse caso, se mantinha
atrelada ao poder das oligarquias estaduais.
Quando se comparam o ato adicional de 1834 e as reformas da instrução pública ao
longo do século XIX, percebe-se uma descontinuidade em relação ao caráter público e gratuito
da educação e à oferta obrigatória do ensino pela União. Entretanto, se comparadas as
atribuições da União em relação a outras áreas do governo e as atribuições relacionadas à
educação, entende-se mais uma expressão da descentralização da Constituição de 1891, como
expressa o texto constitucional:

Art. 35. Incumbe, outrosim, ao Congresso, mas não privativamente:


2º Animar, no paiz, o desenvolvimento das lettras, artes e sciencias, bem como
a immigração, a agricultura, a industria e o commercio, sem privilegios que
tolham a acção dos governos locaes;
3º Crear instituições de ensino superior e secundario nos Estados;
4º Prover á instrucção secundaria no Districto Federal. (BRASIL, 1891).

Apesar de determinar que a União deveria promover o desenvolvimento das primeiras


letras, o texto constitucional não especificava os meios para essa execução. Cabia
privativamente aos Estados e aos Municípios a organização, a administração e a oferta da
instrução primária, porém não se encontra no texto constitucional o compromisso dos Estados
ou dos Municípios com a educação, como consagra a historiografia. Mas em relação ao ensino
secundário e superior nos Estados, não obstante tenha silenciado sobre o caráter público e
gratuito do ensino, o texto deliberava que a União, concorrente aos Estados, deveria legislar,
promover e administrar sua oferta.
Vale destacar que a Constituição de 1891 estabelecia o ensino laico em instituições de
ensino públicas, além de determinar que a oferta do ensino era de livre expressão de
pensamento. Entretanto, utilizava os regulamentos do ensino oficial para deliberar sobre as
equiparações das instituições privadas com seus congêneres públicos.
De acordo com Cury (2001), a União delegava aos Estados a decisão sobre como o
ensino deveria ser ofertado e em quais circunstâncias. Todavia, as reformas publicadas
posteriormente (até a Constituição de 1934) não garantiram a gratuidade do ensino e a
obrigatoriedade do Estado sobre sua oferta. No decreto n° 981, da Reforma Benjamin Constant,
175

a gratuidade se limitava ao Distrito Federal, pois tal deliberação não era um compromisso com
todo o território brasileiro, ainda que servisse de modelo para os outros Estados.
Em relação à educação pública, a mudança de regime político não significou alterações
nos termos que estabeleciam como o ensino deveria ser tratado. Se, na Europa e nos Estados
Unidos, as políticas públicas educacionais se tornaram centrais para o desenvolvimento
econômico, no Brasil, a educação permaneceu como um privilégio de determinados setores da
sociedade (tradicionais e emergentes), os quais aproveitaram as oportunidades de alargamento
da estrutura burocrática do Estado e de modernização conservadora promovidas pelas
oligarquias durante a Primeira República.
Em 1898, mediante publicação do decreto nº 2.857, de 30 de março de 1898, outra
reforma, cuja novidade foi a divisão do ensino secundário em Propedêutico e Clássico, alterou
os regulamentos do Ginásio Nacional. De acordo com a grade de disciplinas, as quais eram as
mesmas, no Clássico, o aluno teria sete anos de curso, com opção de cursar as disciplinas de
Latim e Grego ao longo desse período, enquanto, no Propedêutico, o aluno teria seis anos de
curso. Em relação à disciplina de História, a História Universal era alocada no quinto, no sexto
e no sétimo ano, e a História do Brasil, apenas no último ano. Ressalta-se que a disciplina de
Latim era cobrada nos exames de madureza para os cursos de Direito e Medicina.
O decreto é um tanto quanto extenso e aborda inúmeras questões, sobre as quais não é
possível deter-se agora, até porque fugir-se-ia do propósito desta tese. A título de exemplo, o
texto aborda o funcionamento da Congregação do Colégio, o plano de carreira dos docentes, as
atribuições dos diretores, dos professores e do pessoal administrativo, a premiação de acordo
com o mérito da carreira de cada um deles e a organização dos concursos públicos para o
preenchimento das vagas para docentes. Outro ponto em destaque é o de que, nos Estados, os
exames de madureza deveriam ser feitos nos estabelecimentos equiparados ao Ginásio
Nacional. Houve, ainda, outros decretos-lei que regulamentaram a equiparação de
estabelecimentos de ensino secundário, como o n° 3.285, de 20 de maio de 1899.
Em suma, o que esses decretos-lei esclarecem sobre a História do Brasil em análise?
Eles permitem inferir que a narrativa de João Ribeiro estava engendrada nos programas de
ensino do Ginásio Nacional. Ainda que pudesse haver outros mecanismos de obtenção do
diploma do ensino secundário, a disciplina de História estava incluída no curso e o livro do
referido intelectual, como dito, fazia parte dos programas. Em outras palavras, os estudantes,
em alguma medida, tiveram acesso (ou deveriam ter) a uma narrativa que, de alguma forma,
formou gerações de alunos e de professores ao longo da primeira metade do século XX.
176

Para aprofundar o debate, é importante conhecer um pouco da biografia de João


Ribeiro, professor muito explorado pela historiografia do ensino de História e da História da
Educação. Trata-se, então, do desafio de trazer novidades ou releituras acerca do autor e do
assunto.

4.2 – As facetas de Ribeiro: o intelectual e polígrafo

João Ribeiro (1881-1934), como já mencionado, foi um professor e intelectual que


conviveu com as redes de sociabilidade do Rio de Janeiro, capital federal (BOURDIEU, 1996).
Essa convivência fez com que sua memória fosse preservada pelos intelectuais que o
sucederam, seja no tradicional Colégio Pedro II, seja nos jornais em que escreveu centenas de
artigos e críticas literárias e bibliográficas. Por essa razão, sua História do Brasil foi explorada
largamente pela historiografia do Ensino de História e da História da Educação. A condição de
professor de História do Colégio Pedro II e de autor de livros didáticos de História Universal e
de História do Brasil também favoreceram os estudos de sua produção intelectual.
Dessa forma, os dados de sua biografia intelectual foram extraídos de obras
conhecidas, como Trechos Escolhidos, de Múcio Leão (1960), um de seus principais biógrafos,
organizador de sua produção intelectual dentro da Academia Brasileira de Letras, e Feições e
Fisionomias, de Patrícia Hansen (2000), autora mais contemporânea. Além das citadas, A
Língua Nacional (1979), do próprio João Ribeiro, a qual traz as importantes contribuições da
língua para a conformação da nacionalidade brasileira, possui uma cronologia biográfica de
autoria de Hilma Hanauro. Vale destacar também a pouco conhecida obra Diretrizes de João
Ribeiro, de Carlos Devinelli (1945), o sítio da Academia Brasileira de Letras61, dentre cujos
imortais está o próprio João Ribeiro, o primeiro escolhido por votação pelos confrades, e o
trabalho de Rodrigues (2011d), que problematizou as biografias produzidas por intelectuais
próximos a João Ribeiro e, mesmo, por pesquisadores mais recentes.
Segundo Rodrigues (2011d), que trazia ambas as questões, os intelectuais próximos
ao autor, por questões afetivas, não destacavam seus reveses biográficos, como a perda dos
filhos, já os mais recentes destacavam a produção intelectual em razão de seus objetos de
análises. Assim, como se trata de um autor bem explorado pela historiografia, a incompletude
marca os trabalhos sobre o João Ribeiro polígrafo. Nesse sentido, buscam-se elementos que
permitam a compreensão de sua História do Brasil, mesmo que esse recorte possa excluir um

61
Para saber mais, conferir o site: http://www.academia.org.br/academicos/joao-ribeiro.
177

objeto de análise, até porque englobar a totalidade seria um trabalho extenuante, estéril e,
possivelmente, sem objetividade.
Desse modo, entende-se que boa parte dos trabalhos que tratam do mesmo tema podem
se complementar com a compreensão da História do ensino secundário brasileiro, dos
professores e artífices desse processo histórico, da História das disciplinas escolares e do Ensino
de História, entre outros campos de conhecimento. Sem dúvida, as Teorias da História,
especialmente os elementos que as compõem, também podem ser excelentes chaves analíticas
para a compreensão das narrativas escolares sobre a História do Brasil.
João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes nasceu, em 1860, na cidade de Laranjeiras,
na então Província do Sergipe, onde, por meio da convivência com o avô, teve acesso às
primeiras letras, período que lhe permitiu desenvolver e demonstrar seu talento. Ingressou nos
estudos secundários no Liceu de Aracaju, onde mais uma vez se destacaria, e ingressou na
Faculdade de Medicina da Bahia, que não levou a termo, abandonando-a, característica comum
aos autores analisados anteriormente, os quais foram médicos. Ingressou, ainda, na Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, que também não foi concluída. Por fim, em 1894, já vivendo há
muito no Rio de Janeiro como jornalista, professor do Ginásio Nacional e autor de livros de
gramática portuguesa e de História Universal, completou sua formação superior em Ciências
Jurídicas.
O intelectual foi casado com Dona Maria Luiza Ramos, com quem teve 16 filhos. De
acordo com Rodrigues (2013c), apenas oito sobreviveram, traço da vida pessoal do polígrafo,
que, além de conviver com a perda dos filhos, teve de lidar com as doenças que acometeram sua
esposa. O referido pesquisador escreveu sobre a biografia pessoal de João Ribeiro, assunto pouco
destacado pela historiografia, que estava mais interessada em sua trajetória intelectual, caso desta
pesquisa. Entretanto, tais acontecimentos dão pistas sobre esse intelectual multifacetado.
Por volta dos 21 anos de idade, em 1881, Ribeiro foi viver no Rio de Janeiro, a capital
do Império, onde estava a maior parte da intelectualidade brasileira e por onde circulavam os
jornais e as revistas. Sem dúvida, era a melhor cidade para a carreira intelectual brasileira.
Então, exerceu o magistério em instituições privadas de ensino, como o Colégio São Pedro de
Alcântara e o Colégio Alberto Brandão, e, após essas experiências, trabalhou como funcionário
da Biblioteca Nacional, mantendo contato com boa parte dos acervos a respeito da História do
Brasil e, mesmo, com a bibliografia produzida pelo IHGB. Também, conviveu com outro
historiador proeminente de seu tempo, João Capistrano de Abreu.
A partir dessa experiência, sua trajetória intelectual ganharia mais consistência,
especialmente após publicar obras sobre a língua portuguesa, a sua evolução e a sua
178

transformação no Brasil. Embora tenha se candidatado a professor de Língua Portuguesa em


1887, foi nomeado três anos depois como professor de História Universal do Colégio Pedro II.
A partir disso, os biógrafos indicam que o polígrafo teve maior conforto e segurança financeira,
o que lhe permitiu alçar voos maiores, como a publicação de vários livros didáticos e não
didáticos. Então, foi professor dessa instituição até 1926, quando se aposentou. Como lente do
Ginásio Nacional, exerceu diferentes cargos e funções, participando de bancas dos exames
finais da Instituição. Além de ter participado da elaboração do Programa de ensino de 1915,
produziu, em 1902, uma proposta de currículo para o Ginásio Nacional, a qual, em síntese,
equilibrava ambos os campos do conhecimento: o ensino humanista e o científico. De acordo
com Freitas (2006b), João Ribeiro foi um crítico do caráter preparatório para os exames
admissionais e para os de madureza para ingresso nas faculdades de Direito e Medicina.
João Ribeiro, ainda na condição de professor e participante do circuito intelectual do
Rio de Janeiro de sua época, teve a oportunidade de viajar duas vezes à Europa: a primeira,
cujos resultados são desconhecidos (FREITAS, 2006), em 1901, com a finalidade de conhecer
os sistemas de ensino da França e da Alemanha; a segunda, em 1913, como secretário de
Joaquim Nabuco, com o intuito de tratar da questão diplomática da Guiana Francesa. Segundo
Rodrigues (2011), Freitas (2006b) e Hansen (2000), João Ribeiro desejava se estabelecer na
Europa, mas a Primeira Guerra Mundial mudou tais planos.
A produção de manuais didáticos foi uma das facetas de João Ribeiro, como indicara
José Veríssimo, ao recepcioná-lo na Academia Brasileira de Letras, em 1915: “Um milhão de
brasileiros conhecem o vosso nome, tanto o levaram a todos os recantos do país” (ABL, 2005,
p. 40). Quer dizer, a produção didática de Ribeiro o tornou popular no meio escolar, sobretudo
em razão dos livros de gramática portuguesa.
De resto, João Ribeiro se destacou pela produção jornalística, como crítico de
publicações bibliográficas diversas, que iam desde livros de História e de Literatura até
traduções de obras clássicas, e como analista das conjunturas políticas de seu tempo. Assim
como o magistério, o jornalismo percorreu, praticamente, toda a sua vida. Em um momento
anterior, Rodrigues (2011) averiguou diversas publicações de João Ribeiro em diferentes
jornais, como o jornal Estado de São Paulo e o Jornal do Brasil, com os quais o intelectual
manteve vínculo até 1934, ano de seu falecimento62. Ribeiro escreveu para muitos jornais e

62
A dissertação de mestrado do pesquisador, defendida em abril de 2011, na Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora, versou, entre outros assuntos, sobre a biografia de João Ribeiro, porque,
naquele momento, com base no debate intelectual daquele período, analisava-se sua História do Brasil e, nela,
como o autor representou a nação brasileira.
179

revistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, como: Revista Sul Americana, Gazeta da Tarde, O
Globo (de Quintino Bocaiúva), A Época, A Semana, O País e Correio do Povo. De acordo com
Devinelli (1945), um dos seus biógrafos, embora o magistério lhe desse a segurança e a
estabilidade financeira, seus maiores dividendos provinham da atividade jornalística, o que
justifica sua longevidade nessa atividade, mesmo após ter se aposentado do Colégio Pedro II.
Sem dúvida, João Ribeiro foi um sujeito histórico que soube aproveitar as
oportunidades que o mercado editorial de sua época lhe oferecia, porque, além de jornalista, o
intelectual foi autor de manuais escolares ‒ seja de gramática portuguesa, seja de História ‒,
dentre os quais citam-se: História Antiga (Grécia e Oriente), de 1892; História do Brasil, de
1900; História Universal, de 1918; História da Civilização, de 1932; e Gramática Portuguesa,
de 1887. O fato de o Estado ter se transformado no maior comprador de livros escolares e o de
João Ribeiro pertencer ao principal conglomerado editorial da época, a Francisco Alves63, cujo
dono, de mesmo nome, tornou-a a maior livraria do Brasil durante a Primeira República,
permitiram ao polígrafo ser conhecido do grande público, como já indicara Veríssimo. Tais
trabalhos permitiram, também, que João Ribeiro escrevesse livros de outra natureza, mais
teórica e aprofundada, como foram os seus trabalhos de História da Língua Portuguesa e de
Filologia e as obras literárias. São eles: Dicionário Gramatical, de 1889; Páginas Estéticas, de
1905; Frases Feitas I, de 1908; Frases Feitas II, de 1909; Fabordão, de 1910; A Língua
Nacional, de 1921; Notas de um Estudante, de 1921; Colméia, de 1923; Cartas Devolvidas, de
1926; Curiosidades Verbais, de 1927; e Florestas de Exemplos, de 1931.
Em torno de questões políticas, foi possível perceber o apreço de João Ribeiro por
estadistas que se caracterizavam pela centralização de seus poderes, como o Imperador Pedro
II – a quem, em cartas, escrevia com admiração, segundo Hansen (2000), o que também pode
ser percebido na própria História do Brasil, com relação a Marechal Deodoro da Fonseca e, já
no final de sua vida, a Getúlio Vargas. Tais ideias podem ser explicadas pela capacidade de
esses estadistas manterem a ordem, seja a pública, seja a das instituições. Ainda sobre essa
leitura acerca da sociedade brasileira, destaca-se que, em sua História do Brasil, os povos
mestiços estavam condenados a regimes autoritários e a serem conduzidos pelo seu escol
intelectual em função de a natureza da nação brasileira ser destrutiva e ter o instinto infantil
(RIBEIRO, 1900). Tais características se adaptariam a uma sociedade sem o chamado Self-
government, como a sociedade brasileira.

63
Para saber mais, conferir Bragança (2004).
180

Nesse sentido, João Ribeiro, embora percebesse as lacunas dessa narrativa, possuía
leituras conservadoras a respeito do povo brasileiro e de sua História. Imbuído das teses
cientificistas de seu tempo, desconfiava da capacidade de esse povo desenvolver as habilidades
de se autogerir e organizar, o que permite compreender seus artigos encomiásticos em torno de
figuras políticas concentradoras do poder. A habilidade de self-government poderia ser
edificada por meio da miscigenação da já nação mameluca com os imigrantes europeus que
vinham para o Brasil em sua época. É o que Sílvio Romero chamava de “boa mestiçagem”,
porque branqueava o povo brasileiro com povos que, de alguma forma, possuíam relações
históricas e culturais com o Brasil, diferente dos povos asiáticos que vieram na mesma época e
que Romero condenava64.
Em 1915, João Ribeiro ingressou no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, o
IHGB, como sócio ‒ mais um ponto de sua biografia intelectual gerado pelo sucesso editorial
de suas obras didáticas de História, especialmente a do Brasil. Também fez parte, como sócio,
do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe, além de ter sido sócio da Academia Sergipana de Letras e da Academia das Ciências
de Lisboa (RODRIGUES, 2013d). Outra nota biográfica que vale a pena destacar é sua
passagem pela Academia Brasileira de Letras, pela qual foi empossado em 1898. Embora tenha
pertencido ao circuito intelectual que deu origem à ABL, não foi um de seus fundadores, em
função de estar na Europa no momento de sua fundação, em 1898.
A presença de João Ribeiro na ABL65 ficou marcada pelo embate com Machado de
Assis a respeito da composição da Academia, a qual, para Ribeiro, deveria ser formada não
apenas por homens das letras e da produção literária, mas por intelectuais de diferentes campos
do conhecimento, como o jornalismo e a jurisprudência. O polígrafo exerceu diferentes cargos
na instituição, da qual foi eleito presidente em 1926, embora tenha recusado o resultado e
renunciado. Teve opiniões diversas acerca da entrada das mulheres na Academia: em 1912, foi
contrário; em 1927, favorável. Isto dá pistas sobre o conservadorismo do autor em determinadas
posições.
Estas foram algumas das referências que deram pistas para a compreensão do que é a
raça dentro do conceito de nação brasileira na História do Brasil em análise, no limiar do século
XIX e no alvorecer do século XX, quando as teses racialistas teriam aceitação e receberiam
questionamentos. Tais desdobramentos originaram as teses culturalistas sobre a nação

64
Para saber mais, ler Romero (1960).
65
Em momento pregresso, explorou-se sua participação dentro da ABL. Para mais informações, ler Rodrigues
(2011).
181

brasileira, como o mito da democracia racial, a partir da década de 1920 e dos anos de 1930, e
como o questionamento dessa crença pelos diferentes movimentos negros, protagonistas
históricos dos elementos afrodescendentes e autóctones do território brasileiro.

4.3 – A Nação mameluca: a integração conservadora dos negros, dos indígenas e dos pardos.

O livro analisado foi lançado primeiramente, em 1900, pela Livraria Cruz e Coutinho.
Ainda em seu ano de lançamento, foi reeditado pela maior livraria daquela época, a Francisco
Alves, com versões para os cursos primário e superior (correspondentes ao que hoje se chama
de anos finais do ensino fundamental e médio), as quais ganhariam maior receptividade da
intelectualidade brasileira. Enquanto vivo, a obra de Ribeiro teve 12 edições. Mas sua História
do Brasil teria longevidade editorial, pois sua 13.ª edição seria lançada em 1935, enquanto sua
19.ª, em 1966. A partir de sua morte, as edições foram revisadas por seu filho Joaquim Ribeiro.
Vale destacar que tal longevidade engloba as celebrações de aniversário de morte de 10 anos,
em 1944, e de centenário de seu nascimento, em 1960.
A primeira edição da obra foi dividida em nove unidades temáticas sobre os quatro
séculos da chegada portuguesa ao Brasil, de 1500 até o final do século XIX, com a Proclamação
da República. Nessas unidades, destacam-se diferentes questões, como: a formação territorial
com base nos focos de irradiação populacional – sob inspiração de Handelmann –, as inúmeras
guerras de conquista portuguesa sobre os povos indígenas, as invasões estrangeiras e as sedições
contra a Coroa portuguesa e também já no Brasil independente.
Cada lição possui subtópicos que dão sentido a cada unidade. Dessa forma, a tessitura
da História do Brasil é a formação de seu povo, do seu território e da sua raça nacional – um
elemento importante para aquilo que qualificava uma nação na virada para o século XX. Então,
outros sujeitos históricos, como o próprio João Ribeiro, atestavam como os jesuítas, os
bandeirantes, os indígenas e os negros foram incorporados à história oficial junto aos heróis
políticos e militares.
Entre os diferentes campos de conhecimento investigados por João Ribeiro, vale
destacar a importância da evolução da língua portuguesa no Brasil como traço da nacionalidade
brasileira. Em outra obra, A Língua Nacional, o autor analisou como as línguas Bantas e Tupis
contribuíram para a formação da lexicografia da língua falada no País. De acordo com Silva
(2008c), para o polígrafo, a evolução da língua portuguesa no Brasil teve movimentos históricos
diferentes em relação à sua origem, Portugal, pois fora enriquecida pela experiência histórica
182

da América66 e pelo “encontro”67 entre os povos Bantos e Tupis, o que lhe deu uma fisionomia
própria, especialmente no que tange à topografia, à fauna e à flora brasileira. Afinal, havia a
necessidade de dar novos nomes às coisas e aos lugares desconhecidos pelos portugueses e,
para isso, era fundamental a experiência anterior das nações autóctones e suas contribuições
linguísticas.
A exemplo da análise acerca de Luis Mattoso Maia, cabem algumas considerações
sobre a crítica em torno da História do Brasil de Ribeiro. Enquanto Maia foi criticado por
Capistrano de Abreu pela ausência de referências bibliográficas ou pelo não acompanhamento
da produção do IHGB, Ribeiro escreveu um breve texto ao final da primeira edição para indicar
suas leituras, dentre as quais está a produção da Revista Trimestral do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro e a de cronistas e autores, como o próprio Capistrano de Abreu. Outra
referência importante, que sugere a influência da produção germânica na narrativa de Ribeiro,
é o autor alemão Handelmann e sua Geschichte von Brasilien, que explicava a colonização
brasileira por focos de irradiação populacional. Pode-se inferir que o fato de Ribeiro reconhecer
a produção intelectual de seu tempo fez com que os mesmos intelectuais tecessem boas críticas
a respeito de sua obra, especialmente sobre sua atualidade e sua erudição.
A primeira edição também possui uma introdução por meio da qual Ribeiro apresentou
suas intenções. Nela, consta a célebre passagem, muito usada por estudiosos como Hansen
(2000), Gasparello (2004) e Bittencourt (2008), sobre como Ribeiro compreendia o que era a
História do Brasil e, por conseguinte, a nacionalidade brasileira, isto é, os agentes internos ou,
em termos atuais, os sujeitos históricos desse processo.

Nas suas feições e physionomia propria, o Brasil, o que elle é, deriva do


colono, do jesuíta e do mameluco, da acção dos indios e dos escravos negros.
Esses foram os que descobriram as minas, instituiram a criação de gado e a
agricultura, catechiseram longínquas tribos, levando assim a circulação da
vida por toda a parte até os últimos confins. (RIBEIRO, 1900, p. VIII).

Se, por um lado, o intelectual interpretou quem foram os agentes históricos do Brasil,
por outro, criticou a historiografia Oitocentista que consagrava a ênfase eurocêntrica e os
aspectos político-administrativos dessa mesma história. Nas entrelinhas, ainda revelou certas
permanências sobre o Brasil, como herdeiro da colonização portuguesa, que se sobrepujou aos

66
Para mais informações, ler Ribeiro (1979).
67
Ainda que pese a natureza desse encontro entre os Portugueses, os Tupis, os Bantos e os Iorubas.
183

povos que aqui existiam. Dizendo de outro modo, para ele, as culturas autóctones não eram o
Brasil, embora tivessem feito parte dessa trajetória histórica.

Essa historia a que não faltam episódios sublimes ou terríveis, é ainda hoje a
mesma presente, na sua vida interior, nas suas raças e nos seus systemas de
trabalho que podemos a todo instante verificar. Dei lhe por isso uma grande
parte e uma consideração que não é costume haver por ella, n’este meu livro.
(RIBEIRO, 1900, p. VIII).

Dessa maneira, Ribeiro reforçava a tese de uma história nacional centrada nos agentes
da colônia ou do império que deram origem às raças presentes no território, marcado por guerras
e conflitos que, ao longo da obra, estiveram presentes na maior parte da narrativa. Essa tese
mencionada era uma crítica a historiografia oitocentista que privilegiava a história política e
administrativa. Contudo, os estudiosos de João Ribeiro não destacaram que essa crítica se
completava com o reconhecimento das dificuldades da tarefa de transpor a história política e
administrativa:

E’ certo e é difficilimo attender a todos os elementos que entraram na


composição do Brasil, marcar-lhes o grau de collaboração em que agiram.
Seria preciso attender a um só tempo ao trabalho de toda a cultura collectiva,
na vida official e na do povo. (RIBEIRO, 1900, p. IX).

Ou seja, na tarefa historiográfica, existem limites para a execução das intenções. Nesse
sentido, embora destacasse que sua História do Brasil não era filosófica, em razão dos limites
e das intenções de uma obra de público escolar, Ribeiro conferia-lhe certa filosofia da História.
No caso brasileiro, ele entendia que o sentido dessa história era “á causa do commercio livre”
(RIBEIRO, 1900, p. IX), porque foi o comércio livre que impulsionou as navegações e o jugo
holandês. O componente central dos principais conflitos dos séculos XVII e XVIII foi a
liberdade comercial, a despeito de certo nacionalismo, questionado por João Ribeiro, o que se
contrapunha à historiografia patriótica e imperial, nos termos de Gasparello (2004).
Dando centralidade ao Brasil interno, Ribeiro destacava os núcleos originais da
colonização portuguesa na América:

[...] as quatro cellulas fundamentaes que por multiplicação formaram todo o


tecido do Brasil antigo: a de Pernambuco que gera os nucleos secundarios da
Parahyba, R. G. do Norte, Ceará, e Alagoas e a cujo influxo maternal sempre
obedecem (na guerra dos mascates 1710-12, na revolução de 1817, na
confederação do Equador); na Bahia que absorve Ilheos e Porto Seguro e gera
Sergipe; a de São Paulo donde evolve todo o oeste, com os bandeirantes,
Goyaz, Minas, M. Grosso; a do Rio que pelo elemento official em lucta com
184

os hespanhóes faz nascer, e já tarde, as capitanias do extremo sul; a do


Maranhão ou Pará que gera as unidades administrativas do extremo norte.
(RIBEIRO, 1900, p. X).

A colonização originaria e legitimaria a formação e a soberania do território brasileiro.


A teoria de João Ribeiro se baseava nas teses de Capistrano de Abreu, do livro Descobrimento
do Brasil, de 1878, e na produção do historiador alemão, L. Handelmann, já mencionado, pois
ambos os autores destacavam a conformação territorial brasileira fundamentada em células
originais de colonização. Na ocasião do lançamento da tradução da obra germânica, João
Ribeiro fez uma crítica historiográfica a Handelmann, no Jornal do Brasil, em 1926, por meio
da qual revelava a importância desse livro para a compreensão da História do Brasil. O
povoamento da colônia “não se originou de um núcleo central que se multiplicasse ou se
expandisse como Roma” (JORNAL DO BRASIL, 1931 apud RIBEIRO, 1961). Handelmann
teria notado o particularismo do Brasil, um País que “começou a nascer ao mesmo tempo em
diferentes pontos incomunicáveis quase. As distâncias e o sistema colonial favoreciam esse
crescimento e a independência dos núcleos criadores mais o agravava” (JORNAL DO BRASIL,
1931 apud RIBEIRO, 1961).
A unidade da colônia decorreria da religião e da raça e a História do Brasil se
desenrolaria por intermédio da superação dos sentimentos regionalistas, como o liberalismo
radical pernambucano, o platinismo gaúcho ou a religiosidade baiana. Nesse sentido, destacava
a importância das Províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo para a independência e para a
sustentação da monarquia. Desses particularismos, existia uma referência ao tipo sertanejo,
como coletividade própria e distinta do povo do litoral, que corresponderia a uma identidade
propriamente brasileira:

Os seus nucleos de população conservaram o melhor as tradições que o


folklore nacional ainda exprime; o typo ethnico é mais puro e superior ao do
littoral quase de todo ennegrecido pela escravidão africana. Os sertanejos são
brancos e muitas vezes louros, mais frequentemente ruivos; tem virtudes
cavalheirescas, o sentimento talvez exagerado de honra, o que os faz
frequentemente appelar paras as armas que todos desde a infancia manejam
com pericia. (RIBEIRO, 1900, p. 117).

Essa tese se assemelharia à obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, produzida mais


tarde, segundo a qual o meio e o isolamento desses povos teriam lhes dado características
distintas dos povos do litoral que mantiveram contato com a “civilização”. No entendimento de
Ribeiro, o sertanejo seria o tipo mais puro e homogêneo nas características nacionais comparado
aos povos do litoral influenciados pela cultura europeia. Vale destacar, ainda, a
185

sobrevalorização do fato de o sertanejo ser branqueado, isto é, superior ao povo do litoral


enegrecido pela escravidão. Por um lado, valorizava-se o meio que o criou mais puro; por
outro, inferiorizavam-se as populações mestiças e negras.
De acordo com Hansen (2000), João Ribeiro compreendeu a ação jesuítica frente aos
colonos como o elemento moral da colonização brasileira, destacando os conflitos entre os
jesuítas e os colonos na questão da escravidão vermelha. Ao longo dos capítulos, compreendeu-
se a hipótese de Hansen e a defesa da ação jesuítica por Ribeiro que, nesse sentido, seguiu a
mesma trilha de Mattoso Maia, ao criticar a expulsão dos jesuítas dos domínios portugueses no
século XVIII. Enquanto, no período de Maia, poderia haver algum problema em criticar a ação
dinástica dos Bragança, o período republicano vivido por Ribeiro lhe daria mais liberdade
crítica.
Dessa forma, Ribeiro qualificou como “infame” o comércio de escravos indígenas, que
se traduziu em grandes lucros para os empreendedores do negócio, e considerou-o um dos
responsáveis pelo atraso do Estado do Pará, ao mesmo tempo que considerou essa escravidão a
responsável pela interiorização da colonização da região. Assim, o confronto com os jesuítas
foi inevitável, porque a Igreja condenava a escravidão vermelha. Por fim, os jesuítas
promoveram o aldeamento de povos indígenas pelo interior do País, as chamadas missões.
Essa tese de incorporação conservadora é demonstrada quando Ribeiro defende a ideia
de que os indígenas deveriam ser civilizados: “Eram ensinados na religião christã e instruídos
no pensamento de certos deveres para com o Estado” (RIBEIRO, 1900, p. 137). Isso era
importante para a organização colonial também porque os indígenas trabalhavam nas obras
públicas. Vale ressaltar que todas as irmandades que investiram nos aldeamentos pelo interior
do País se enriqueceram com o trabalho dos naturais da terra.
Se a ação jesuítica endossava a crítica contra a escravidão vermelha, a escravidão
africana ganhava outros contornos. De acordo com Ribeiro (1900), a escravidão negra era
praticada no império português desde a sua expansão pela África, mas sem a escala praticada
na América. O intelectual descreveu também as nações africanas ‒ bembas, gingas, tembas ‒
que forneciam escravos ao império português, nações essas conhecidas no Brasil por Congo e
Cabinda. De Moçambique, vinham os negros das nações Macuas e Angicas.
Ribeiro sintetizou o fenômeno da escravidão de ordem moral, já praticada pelos reinos
africanos e utilizada como importante fonte de riquezas tanto por traficantes quanto por líderes
políticos africanos:
186

A escravidão para as nações negras era a pena de quasi todos os delictos. O


pae podia vender os filhos, o juiz (sova) podia comndenar qualquer a
escravidão; o rei podia escravisar os vassalos e a guerra podia escravisar a
todos. D’esse principio barbaro (cuja execução facilitavam ou procuravam
originar) aproveitam-se os traficantes comprando e resgatando a impia
propriedade. Desde logo a cobiça dos paes, o arbitrio dos reis e dos sovas, e o
direito da guerra convulsiona como um terremoto no sertão negro; as famílias
se desmembram, as rixas se multiplicam, as guerras se ateiam, a caça humana
se institue. O resgate dos negreiros é apenas o triste epilogo das grandes
conflagrações cujo rastilho elles acendiam de longe na foz deserta dos rios ou
a beira do Oceano. (RIBEIRO, 1900, p. 150).

João Ribeiro entendeu a escravidão, ou como denomina vil comércio, em divisão de


responsabilidades entre as nobrezas africanas e os traficantes europeus; e, mais adiante, afirmou
que os traficantes se desculpavam, afirmando ser esse um negócio africano, e não deles. A
escravidão, como elemento da cultura do continente africano, não impedia que se denunciasse
as mais infames barbáries acometidas sobre os negros na América, desde a sua prisão e
translado pelos tumbeiros até às séries de castigos físicos sobre os que se negavam a viver como
escravos.
A explicação do Banzo como fator para inúmeras mortes pode ser a chave para explicar
outro comportamento dos negros na América: “Uma molestia estranha que é a saudade da
patria, uma espécie de loucura nostalgica, o banzo, dizima-os pela inanição e fastio, ou os torna
apathicos e idiotas” (RIBEIRO, 1900, p. 151). Ribeiro também tratou dos benefícios da
escravidão após “horripilante jornada”, como descreveu:

D’ ahi em diante, a vida dos negros regularisa-se, a saúde refaz-se e com ella
a alegria da vida e a gratidão pelos novos senhores, aqui melhores que os da
África e os do mar. Sem duvida alguma muitos dos horrores e crimes
permanecem no captiveiro novo, e aqui e ali, não falham, entre os senhores
crueis, rigores monstrosos. (RIBEIRO, 1900, p. 152).

Em outros termos, o autor, comparando todos os quadros da escravidão, afirmou que


o cativeiro da América era o menor dos males acometidos sobre essa população, afinal “A
escravidão, porem, sempre era corrigida entre nós pela humanidade e pela philanthropia”
(RIBEIRO, 1900, p. 152). A moral e a caridade da raça nacional contemporizavam a condição
do cativo, portanto. Pode-se destacar também a inferiorização do continente africano e de sua
cultura quando comparado e relacionado à vida na América, o que é mais um indício de
incorporação conservadora dos então elementos negligenciados pela história oficial do Brasil.
Ribeiro enumerou os diferentes mecanismos do interior da sociedade escravista
colonial, como as alforrias, os apadrinhamentos e a existência das irmandades negras que
187

congregavam numerosos escravos. Todas essas permissões, chamadas pelo polígrafo de


filantropia, podiam se desenvolver dentro do limite imposto pela civilização dos brancos.
Ribeiro também afirmou ser a condição dos negros no Brasil melhor do que a condição deles
na América francesa e inglesa, onde existia o código negro, que os colocava completamente
alheios à vida social da colonização europeia.

Não é nosso intento fazer a apologia a escravidão, cujos horrores macularam


o homem branco e sobre elle recahiram. Mas a escravidão no Brasil foi para
os negros a reabilitação d’elles próprios e trouxe para a descendência d’elles
uma pátria, a paz e a liberdade, e outros bens que paes e filhos jamais
lograriam gozar, ou sequer entrever no seio bárbaro da África. (RIBEIRO,
1900, p. 154).

Em outros termos, sua narrativa deu importância à inserção dos negros na “civilização”
e nos costumes europeus. Se, por um lado, não silenciou a violência praticada sobre as
populações africanas vindas da África, por outro, contemporizou sua reabilitação em direção à
civilização. É o que se chamaria de uma perspectiva senhorial sobre a escravidão, isto é, o ponto
de vista do Estado, da colonização e dos agentes históricos que conduziram esse processo.
Vale a pena destacar, ainda, a questão da conformação da nacionalidade brasileira ao
final do século XVIII, acelerada após a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro.
O período de meados do século XVIII até a independência foi o do surgimento e do
recrudescimento da animosidade entre portugueses e nacionais, resultado da consolidação da
raça nacional. Para Ribeiro, a vinda da família real foi completamente oposta às representações
imperiais de Macedo e Mattoso Maia, pois se tratou de uma fuga e não de uma transmigração
para o Brasil: “Foi visto o rei chorando em segredo, no intimo dos seus paços, quando se viu
coagido a fugir aceitando o conselho do ministro inglez Lord Strangford” (RIBEIRO, 1900, p.
251-252).
Voltando à questão nacional, Ribeiro destacou que os movimentos políticos da
Revolução Liberal, de 1820, foram uma revolução dos brancos. Os mamelucos (os nacionais)
defendiam a revolução americana, a reforma radical e republicana, que não se coadunaria com
o espírito “civilizado”. Destacou, ainda, a antipatia pela guerra da cisplatina, que só servia aos
interesses da rainha Carlota Joaquina, que desejava herdar os domínios americanos após as
guerras napoleônicas.
Nesses fatos políticos, a nacionalidade brasileira é engendrada pelo arquétipo da raça.
As raças americanas e a mestiçagem derivada dela teriam características próprias em relação às
raças europeias, especialmente em relação às de origem anglo-saxônica e germânica, dotadas
188

de “espírito liberal” e de autogoverno. Destacar-se-á essa questão mais adiante, porque, antes,
é importante compreender a tessitura da ideia de raça em João Ribeiro.
Enquanto Mattoso Maia se baseou nos estudos de Magalhães Couto para descrever os
indígenas, João Ribeiro avançou nessas reflexões, embora nem tanto na bibliografia. O
polígrafo não utilizou a produção do militar que serviu de fonte para Maia, mas da produção do
IHGB, notadamente a de Martius.

A principio suppoz-se que eram todos os índios do Brasil da mesma estirpe;


mas dentro em pouco se percebeu que se distinguiam, muito, uns de outros,
pela diversidade dos costumes, sempre incultos, pela índole pacifica ou feroz
ou ainda pelo habito de comerem carne humana o qual não era de todas as
tribus; e distinguiam-se egualmente pela variedade de linguas. (RIBEIRO,
1900, p. 18).

Ribeiro avançou na compreensão da variedade de povos que habitavam as terras


brasileiras e até as considerou com algum grau de civilização. Ademais, considerou certa
unidade linguística entre as variações do tupi na costa brasileira e destacou a importância dos
jesuítas no registro escrito da língua geral. Relatou, ainda, as crueldades praticadas por ambos
os lados, portugueses e indígenas, suas vinganças e suas desconfianças. Nesta tese, questiona-
se o que Ribeiro esperava, pois tratava-se de terras invadidas pelos portugueses ‒
provavelmente, não era o ponto de vista desse intelectual.
De acordo com Ribeiro, com base em Martius, os alemães avançaram nos estudos
acerca dos povos indígenas. Entretanto, as primeiras leituras foram criticadas pelo intelectual,
como simplificadoras da interpretação sobre as variedades étnicas, culturais e africanas, já que
os colocavam sob uma única família dividida em inúmeras tribos:

Entretanto, muitas tribus differiam entre si mais do que diferem européos e


africanos actuaes no ponto de vista da cultura geral; o povo tupi, comtudo
representava como o judeu, o povo cosmogenico a que todos os mais se
reduzião, máo grado a Babel das linguas. Era uma raça geral, a exemplo da
lingua geral. (RIBEIRO, 1900, p. 21).

Interpretavam-se esses povos como uma certa unidade, o que era contestado pelo
polígrafo, que afirmava não haver uma raça e língua geral. Para ele, “Hoje pelo menos podemos
assegurar que quatro grandes nações de índios são absolutamente disctintas. E são ellas: a tupy,
a tapuya (ou gé), a nuaruaque e a cariba. Fóra d’esses grupos existem três de menor
importância” (RIBEIRO, 1900, p. 21). Nessa narrativa, Ribeiro destacou as lacunas ainda
existentes a respeito desses povos, os quais se localizavam em diferentes áreas do continente
189

sul-americano, e explicou suas diferentes correntes migratórias, o que lhes dificultou a evolução
ao longo da “pré-história” brasileira.
Houve avanço na compreensão dos fenômenos históricos da escravidão vermelha e
sobre a diversidade de povos americanos e africanos, incluindo a escravidão (ainda que na
perspectiva senhorial), mas a leitura de Ribeiro sobre o fenômeno da miscigenação da sociedade
brasileira teve as referências científicas de seu tempo. Para Ribeiro, a miscigenação entre as
nações portuguesa, africana e americana era um problema para a sociedade brasileira
“evidenciado” da seguinte forma:

A fusão das raças brancas, negra e vermelha traduzem-se em vários typos de


cruzamento (mameluco, multato, cafuso) [...], nos costumes e na linguagem
que se apropriou de vocábulos africanos e indígenas.
Os colonos, porem, dentro em pouco conheceram o perigo de tamanha
confusão. A sociedade mesclada, incapaz de unir-se enfraquece e se
corrompe. (RIBEIRO, 1900, p. 35, grifo nosso).

Em outros termos, para João Ribeiro, a miscigenação inviabilizaria a formação de uma


sociedade sólida e civilizada, hipótese que estaria localizada na conformação racial do País. Tal
paradigma se articulava entre o particularismo (o poder das oligarquias regionais) e a união
nacional, polos entre os quais a História do Brasil pendularia ao longo dos séculos. Aqui, pode-
se identificar a tese de degenerescência, de Arthur de Gobineau, qual seja: a miscigenação
“degenera” as “virtudes” das “raças superiores”.

Ainda hoje o Brasil resente os germens das oligarchias locaes que, como
então, apenas toleram o protectorado do príncipe, vencedoras umas vezes,
vencidas em outras. Toda a nossa historia é o desenvolvimento d’esse duello
original. Revezam-se cada século. As capitanias apparecem no século XVI; a
união necessaria pela guerra hollandeza domina no seculo XVII; o espirito das
capitanias volta de novo a emancipar-se no seculo XVIII, com as minas; a
união com a monarchia subjuga-as no seculo XIX. Parece que o século XX se
abrirá de novo o particularismo feudal. (RIBEIRO, 1900, p. 36).

Para completar a crítica, Ribeiro deu ênfase ao problema político da virada para o
século XX no Brasil, já que consolidados os poderes das oligarquias estaduais. Por conseguinte,
criticou os rumos tomados pela República, que completava onze anos em 1900, e o fato de os
cafeicultores tornarem-se senhores do poder político, acentuando os poderes regionais frente ao
poder central, o que, para Ribeiro, poderia ser uma ameaça à unidade nacional. Entende-se que
esta é a chave de leitura para compreender sua admiração por estadistas que foram capazes de
190

suplantar os interesses particulares regionais, dentre os quais D. Pedro II, Floriano Peixoto e
Getúlio Vargas.
Voltando ao problema da raça, embora em passagens anteriores se pudesse
compreender uma espécie de embrião para leituras que mais tarde consolidariam o mito da
democracia racial, o polígrafo não se furtou de perceber como entenderia esse caráter de
democracia: “Logo cedo no Brasil, na sua capital, como nas demais povoações a obra da
civilisação foi deturpada pelo conflito das raças, disfarçado em democracia, fructo antes da
luxuria que da piedade dos peninsulares” (RIBEIRO, 1900, p. 54). Esta é uma passagem
interessante, pois, nela, João Ribeiro destacou a maneira como entre as raças funcionava a
“democracia”, a qual, na verdade, era marcada pela luxúria, especialmente a dos colonos
europeus, degenerando seu comportamento e seu caráter. Junto a isso, Ribeiro tratou da
miscigenação:

O contacto das raças inferiores com as que são mais cultas sempre desmoralisa
e deprava umas e outras.
Principalmente, porem, deprava as inferiores pela oppressão que soffrem, sem
que este seja o peior dos contagios que vem suportar. (RIBEIRO, 1900, p. 55).

Esse contato ainda desmoralizaria as “raças inferiores”, não por causas biológicas,
mas, antes, pela opressão que viviam, isto é, por questões culturais. Ribeiro definiu o que eram
as “raças superiores ou cultas”, explicando que o contato com as “raças inferiores” prejudicaria
a ambas, principalmente a esta última. A condição da mulher se tornaria ainda pior se existissem
essas hierarquizações, porque os homens brancos não as valorizavam como deveriam ou, pelo
menos, como valorizavam as brancas.

É claro que os negros e índios, não poderiam ser senão a occasião de desdem
e de ódios que gera escarneo dos superiores. A mulher da raça inferior não
consegue ser dignificada, nem mesmo depois de formada a raça mestiça. O
próprio governo considerou por vezes uma infamia o casamento promiscuo de
brancos e negros. (RIBEIRO, 1900, p. 55).

A raiz do argumento de Ribeiro estava na questão moral da vida social da colônia


como determinante para o estado social e para o atraso da sociedade brasileira. A questão da
raça se coadunava com a moral como elemento da formação da nação brasileira. No caso, a
moral fora degenerada pela ociosidade vivida pelos brancos a partir da escravidão.

A primeira consequencia era a ociosidade dos remediados e ricos, o luxo e


com elle a depravação da energia e a dos costumes. Quasi toda a gente tinha
191

escravos, ou indios ou negros. Esse costume gerava o sarcasmo, o ódio, o


desprezo de um lado e a perfidia de outro. Se acrescentarmos que na maioria
eram os brancos degredados e criminosos pode-se fazer idéa dos crimes que
então se commettiam e da dissolução que lavravam em toda a sociedade.
(RIBEIRO, 1900, p. 55).

A moral dessa sociedade era “determinada” pela condição dos colonos vindos para o
Brasil, o que resultou na opressão combinada com a crueldade e no caráter dos degredados que
compunham grande parcela da sociedade colonial. Dessa forma, formou-se uma sociedade
mestiça e degenerada – no aspecto moral. Além disso, a liberalidade na aplicação das leis
fortaleceria tal degeneração social.
Ribeiro destacou que não apenas o Brasil se encontrava em tal estado de degeneração
social, mas também Portugal, em função do monopólio do comércio com as Índias e da
Inquisição, que teria criado conflitos internos, de um lado, e promovido riqueza, luxo e outros
vícios, de outro. Com base nesse mote, o elemento negro foi inserido nessa sociedade colonial,
cujo comportamento fora determinado pela escravidão: “O negro, o fructo da escravidão
africana, foi o verdadeiro elemento economico, creador do paíz e quasi o unico. Sem elle, a
colonisação seria impossivel” (RIBEIRO, 1900, p. 57).
Ao mesmo tempo que o elemento negro foi o braço motriz na edificação da sociedade
colonial e gerador da riqueza do País, a escravidão lhe deturpou o espírito e lhe degenerou o
caráter. Vale destacar a origem das populações africanas que, primeiramente, vieram da Guiné
e, posteriormente, de Angola e Moçambique. Sobre os indígenas, a representação não era das
mais otimistas, pois Ribeiro relatou a pouca participação desses povos no desenvolvimento
econômico da sociedade: “Esse elemento ethnico pouco contribui e contribue ainda pouco no
desenvolvimento econômico e moral do paíz” (RIBEIRO, 1900, p. 57). No entendimento do
intelectual, tal qual rezava a cartilha da política imperial, os índios deveriam se adaptar à
chamada “civilização”. Para ele, as três “raças” ‒ o negro, o índio e o branco ‒ formariam a
nacionalidade brasileira no futuro:

O branco intelligente mas avido e atroz, o negro servil e o índio altivo mas
indolente, são os três elementos donde vae sair a nacionalidade futura. Mas a
agitação ethnica é toda subterranea e está repartida por todo o subsolo,
guardando a futura erupção. (RIBEIRO, 1900, p. 58).

Vale destacar que se Ribeiro interpretava o cruzamento das raças como formador da
nacionalidade brasileira, fê-lo segundo uma hierarquia racial, baseada na inteligência e na moral
192

desses povos, de acordo com os parâmetros europeus de organização social e política. Cabe
investigar se essa hierarquia também era biológica.
A raça, na representação de João Ribeiro, é uma questão muito cara à análise histórico-
sociológica da nação brasileira, pois é no cerne de seu caráter moral que o intelectual explica o
porquê do atraso social do País em relação ao Ocidente. A moral estaria, para ele, imbricada às
virtudes das raças, acumuladas ao longo de sua história. A miscigenação ocorrida nesses 400
anos constituiria uma raça, a mameluca, desmoralizada, sem as virtudes de constituir um Estado
superior, uma República, cujas habilidades seriam o self-government.
Na leitura de João Ribeiro, as raças teriam habilidades inatas, uma natureza ontológica
que as caracterizaria e as distinguiria entre si, leitura essa que não está apenas exposta na
História do Brasil de 1900, mas está também em outras publicações sobre História Geral, como
a História Universal e a História da Civilização68, segundo as quais o sentido da História se
insere, primeiramente, na formação da ideia de nação, a unidade social de um povo, ou, dito de
outra forma, na história da Humanidade e em sua marcha como civilização. No caso, a formação
dos Estados nacionais fica mais explícita na História Moderna e na Contemporânea. Vale
destacar que o argumento da raça, como formadora de cada povo, está presente nas linhas
narrativas de cada capítulo.
Outra possibilidade de leitura é o uso do termo mameluco para expressar a
nacionalidade brasileira: é um modo de silenciar o elemento africano na conformação dessa
nacionalidade. Por que não incluir o mulato ou o cafuzo? Seria o Brasil herdeiro apenas da
cultura europeia e Tupi? Assim, problematizam-se os limites que a historiografia do Ensino de
História consagrou como incorporação de elementos negligenciados ou não desejados à nação
brasileira, o que reforça a tese de incorporação conservadora dos elementos exógenos à cultura
europeia.
Todavia, João Ribeiro enunciou novos paradigmas para a formulação da nacionalidade
brasileira mediante inserção de questões racialistas e cientificistas à interpretação do processo
histórico do País. Assim, sua narrativa foi construída por temáticas e não por uma cronologia
histórica de acontecimentos protagonizados por personagens políticos e heróis de guerra. Sua
História do Brasil, portanto, trouxe elementos culturais e problematizou o cruzamento das raças
e a moral constituída por essa miscigenação.

68
As edições são de 1918 e 1892, respectivamente.
193

Enquanto a questão da raça foi silenciada69 nos manuais do Império, como no de


Macedo e no de Mattoso Maia, tal tema foi profundamente problematizado por João Ribeiro.
A miscigenação entre europeus, africanos e americanos, para ele, foi o motor para a formação
da raça nacional mameluca. Essa questão foi problematizada no subtópico “Espírito da
Autonomia”, que, entre outros assuntos, trata daquilo que o autor chamava de Conspiração
mineira.
Nessa seção, João Ribeiro destacou “o espírito de uma época”, o século XVIII e a
ascensão do Iluminismo como corrente de pensamento na organização dos Estados
Absolutistas, citando referências como Rousseau, Montesquieu e outros. A essa mudança
intelectual, acresceu os episódios da independência das 13 colônias, baseados nos princípios da
liberdade, da felicidade e do bem-estar do povo, o qual tinha direito de destituir o governo, caso
não fossem garantidos tais direitos, como enunciava Locke. Para Ribeiro, a “Conspiração”
despertou o sentimento de liberdade entre os coloniais, embora tais ideias precisassem de
amadurecimento: “Pouco importava que não estivessem preparados (e de facto não estavam os
nossos opressores e ainda menos nós) para levar a cabo a tarefa de emancipação do homem. A
verdade é que a idéa nova despertou o sentimento de liberdade em todos os corações bem
formados” (RIBEIRO, 1900, p. 232). Para Ribeiro, como a ideia de nação brasileira ainda
estava latente, os movimentos emancipacionistas brasileiros se resumiram mais às lutas entre
absolutistas e liberais portugueses do que entre nacionais e portugueses.

Uma conspiração de quasi portuguezes contra portuguezes é o espírito novo e


cosmopolita contra os prejuízos nacionaes; é a mesma revolução que se chama
constitucionalismo em 1820 com D. João VI e se chama, para nós,
independência política em 1822 com D. Pedro I, ou em uma só palavra, é o
liberalismo portuguez contra o absolutismo portuguez; é a liberdade dos
brancos contra o despotismo dos brancos.
É claro que a população mestiça estaria do lado do liberalismo e por interesse
próprio; mas esta série de revoluções não é a sua que ella se reservará com
todas as forças para o abolicionismo e a república, no império. (RIBEIRO,
1900, p. 232, grifos do autor).

O autor explorou a ideia de raça nacional como mestiça, o que ainda não configuraria
uma nação, pois estava ainda em formação. Para Ribeiro, a verdadeira revolução dessa raça
mestiça foi o abolicionismo e a República. Desse modo, destacou como o povo, embora seus
interesses estivessem jogo, manteve-se alheio a essas disputas políticas.

69
Mesmo que por diferentes razões: no caso de Macedo, elas praticamente não existiam ou não eram
suficientemente amadurecidas; no caso de Maia, elas também não foram discutidas.
194

Os movimentos da historia já no século XVII se havia formado no Brasil a


raça nacional, mameluca em maior ou menor gráo de cruzamento e com essa
criação ethnica desapparece por inexplicavel, a lealdade, e começam os
perjurios. As duas raças que quasi ao mio então dividem o paiz, começam a
odiar-se e a applicar-se nomes despreziveis. (RIBEIRO, 1900, p. 234).

A raça nacional, então, havia se formado ao longo dos séculos XVII e XVIII. À medida
que essa raça mestiça se consolidava, sua lealdade à metrópole diminuía. Formada a raça
nacional, a mameluca ‒ que só ao longo do século XIX estaria “preparada” para seguir seu
caminho autonomamente ‒, criou-se o que Ribeiro chamou de “base física para a revolução”.
Ademais, Ribeiro contextualizou esse movimento histórico com as nações hispano-americanas,
cujas lutas tiveram um “fundo patriótico sob vestes liberais”.

As raças inferiores jamais consentem repartir o solo com os adventicios,


qualquer que seja o espírito liberal das suas leis toda a imitação da literatura
estrangeira. Não podemos crer que o homem de côr [...] seja a peste da cultura
americana como sentenciam os sociólogos. (RIBEIRO, 1900, p. 234).

Há, em Ribeiro, um sentido de hierarquização das raças, porém o autóctone não é


entendido como inferior completamente. Discordando de Haeckel, para Ribeiro, os indígenas
possuíam algum grau de civilidade, e discordando também de Von Martius, não havia a
perfectibilidade das raças americanas. Segundo o autor, sempre houve “uma elite intelectual e
moral que consegue sempre subjugal-as” (RIBEIRO, 1900, p. 234-5). Em outros termos, as
raças da América Latina estariam condenadas a viver regimes autoritários, tese que se relaciona
com a mestiçagem: “as raças miscigeneas no seu todo, porém, quaes no-las representa a
América Latina não possue a capacidade do self-government” (RIBEIRO, 1900, p. 235).
Consoante a representação de João Ribeiro, embora se adaptem às ideias civilizadas,

[...] falta-lhes o sentimento que aquelas ideas pressupõem e as virtudes e


qualidades moraes que, ao contrario das theorias, só a educação secular da
historia consegue a custo verter no espirito humano. Pode-se dizer d’ellas que
são raças cathechisadas, mas não christans; o christianismo vive n’ellas como
n’um pouco d’agua as gotas de vinho indispensáveis para colorir-lhe o aspecto
ou alterar-lhe o aroma. (RIBEIRO, 1900, p. 235).

O polígrafo argumentou que os latino-americanos eram de uma raça de moral decaída


para a existência de um regime político tão superior. Além disso, desconfiava da cristandade
dos povos latino-americanos cuja história fora marcada pelas radicalidades políticas. Os
195

regimes políticos dos mamelucos, caracterizados pela incapacidade política de se


autogovernarem, embora forjados pelo espectro da civilização europeia, não se coadunavam
com o espírito destrutivo sobre a natureza, elemento que lhes era ontológico, comum a todos os
nacionais e latino-americanos:

Em geral, assimilam e preferem as theorias e os systemas mais radicaes porque


esses são possíveis só com a demolição da sociedade; cortejam assim a
civilisação e ao mesmo tempo satisfazem o instincto interior que é como o das
creanças, puramente destructivo. Sem o apoio moral dos costumes, da religião
passam á impiedade e ao atheísmo; do governo ao anarchismo, e pode dizer-
se generalizando, na ordem amam a subversão. Aquelles que descendem
directamente da escravidão ou da floresta viva nada teem com o passado que
a prole d´elles, não tendo nobreza, não cultiva. Nada aceitam da historia que
naturalmente lhes é suspeita e buscam remedio impossivel nas utopias do
futuro que a sua fragil moral não comporta; assim sorriem dos reis que a
historia consagrou e ainda escarnecem mais dos deuses falsos que elles
proprios fabricam e propõem-se inutilmente a venerar. Nem sabem governar
nem ser governados; primeiramente porque confundem auctoridade com a
força que para elles é o unico symbolo d´ella; e depois confundem a
obediencia com servilismo. Tão grande é a alegria no mandar como é
ignominiosa a vergonha no obedecer. E como a obediencia é para elles a
escravidão, cada um e todos luctam por uma parcella do mando como por um
alimento essencial á vida; e por isso pela força ou pela fraude falsificam todos
os actos e processos da vida publica que conduzem ao poder. Por isso contam
os annos da existencia pelas revoluções e pelos tumultos; desprezam o
trabalho (que é sempre de Tantalo porque podem crises e as revoluções d´um
golpe destruil-o) pelos azares e empregos. O governo é, pois, para elles afinal
de contas um orgão do communismo e um agente da redistribuição da fortuna.
(RIBEIRO, 1900, p. 235-236).

Para Ribeiro, com base em uma filosofia da História fundamentada em conceitos


biológicos, a vida política estava condenada pela natureza dessa raça mestiça. Devido a essa
natureza, apenas estadistas fortes poderiam conduzir os povos latinos – como os brasileiros -
ao progresso. Tal tese pode ser testada mediante análise dos textos encomiásticos que,
publicados em jornais, direcionavam-se a figuras políticas que se caracterizavam pela
centralização do poder, como Pedro II, Marechal Floriano Peixoto e Getúlio Vargas.
Em outras palavras, como eram incapazes de se governarem e de serem governados,
os povos mestiços da América satirizavam a História e confundiam autoridade com
autoritarismo e obediência com servilismo, expressões de uma nação cuja raça tinha apenas o
amor ao poder, aos interesses econômicos, aos “interesses imediatos”, termos usados por
Ribeiro ao longo de seu livro. Outro ponto a destacar nessa percepção sobre o povo brasileiro
é a semelhança da leitura de João Ribeiro com a definição de povo do dicionário Bluteau, de
196

1713, que destaca exatamente a vergonha no ato de obedecer e a necessidade de um escol


intelectual para conduzir os povos, questões mencionadas no primeiro capítulo desta tese.
Assim, para a construção de uma nação moderna e civilizada, a consciência das
limitações da raça nacional seria o primeiro passo. Desse modo, a nação não estava perdida,
porque existia um caminho a ser seguido para a superação desse estado social. E o caminho,
segundo Ribeiro, estaria no esforço secular da educação. Além disso,

O único remedio para esses povos é o mesmo da antiga colonisação, o


povoamento continuo e a immigração européa [...] que arroteia os campos,
inocula a vida e coordena essas desordens e, como dizia Thomé de Souza, não
cobra do thesouro.
Pelas formas políticas, puramente exteriores, como pelas suas modas de
vestuário, não é possivel classificar os povos. As idéas e as teorias espalham-
se de povo a povo, e cada povo arroga-se o direito de utilisal-as, como pode.
A independencia republicana dos Estados (onde outra solução não era
possivel) fez pouco a pouco republicana todas as nações da America, pouco a
pouco o federalismo de que elles eram a expressão espontanea tornou-se
theoria politica de todas as novas republicas. Sem duvida nenhuma n’essa
imitação, os povos sem recursos pra perscrutar os segredos obscuros da
historia, e mesmo não tendo historia definida, foram levados pelo desejo de
alcançar, através das formas, a substancia do bem estar e da liberdade. E’
natural que n’essas experiências tenham pago caro os seus equívocos ou seus
erros; e a dezena de nações que vivem ao longo da cordilheira atestam ha quasi
um seculo de tormentos desse sacrificio ainda não terminado. (RIBEIRO,
1900, p. 236).

Entretanto, a educação, como é mencionada, não bastava, pois a raça constituída estava
condenada. Deveria haver mais um movimento de miscigenação levado a termo com a
imigração europeia, que, aliás, estava em grande expansão nesse período. Assim, o novo
movimento de miscigenação facultaria ao novo povo brasileiro as virtudes para a organização
de uma sociedade civil. Isto, nos termos de Koselleck e de Ricoeur, seria a experiência
temporal, que relacionaria o passado, o presente e o futuro da nação brasileira com o seu
horizonte de expectativa: o de atingir um nível civilizatório e um progresso material similar ao
das nações do Ocidente. Para isso, o caminho adotado seria a educação da nação mameluca
combinada à imigração europeia.
A miscigenação ‒ o branqueamento da população brasileira ‒ daria ao País caminhos
melhores do que aqueles tomados pelas repúblicas hispano-americanas, porque, segundo
Ribeiro, tais povos, inclusive o do Brasil, eram republicanos apenas na exterioridade, pois, no
fundo, possuíam um instinto autodestrutivo com os quais somente estadistas fortes e
centralizadores seriam capazes de romper, conduzindo-os e mantendo sua sobrevivência.
197

Para Ribeiro, a independência brasileira realizada com o príncipe europeu foi o


caminho que conciliou as duas raças ‒ cujo valor semântico era, mais uma vez, o de estirpe,
sem uma leitura biológica do termo. A independência foi narrada pelo antagonismo entre os
constitucionalistas e os absolutistas, mas os brasileiros se constituíram em um grupo próprio,
porque as medidas recolonizadoras uniram diferentes interesses presentes no País. O apoio do
absolutista e príncipe regente do Brasil culminou na convocação de uma constituinte brasileira
e, por fim, no golpe dado em 7 de setembro.
Ribeiro destacaria, ainda, os grandes progressos do País durante o início do Segundo
Reinado, como a pacificação das rebeliões regionais, processo histórico do qual Duque de
Caxias também foi um dos protagonistas. A postura política do jovem rei, então, foi o fio de
uma narrativa que soube conciliar os diferentes interesses. Para Ribeiro, D. Pedro II “[...]
comprehendia com maior isempção os interesses nacionaes” (RIBEIRO, 1900, p. 301), porque
estava acima dos partidos, já que era o soberano, o que podia frequentemente ser confundido
com o despotismo de que o republicano Ribeiro (pelo menos por uma fase de sua vida)
discordava.
Se Mattoso Maia já criticava a escravidão, João Ribeiro não se furtaria de criticar a
permanência do trabalho escravo na sociedade brasileira. O intelectual, por exemplo, destacou
o preço da guerra civil nos Estados Unidos para acabar com o trabalho cativo e, inclusive, usou
esse exemplo histórico para delinear as medidas prudentes para o fim da escravidão. Assim, as
leis graduais de abolição do trabalho escravo e, especialmente, a participação dos gabinetes
imperiais e da princesa Isabel foram por ele destacadas. Para Ribeiro, a abolição estava
relacionada com o fim do regime monárquico, em função do descontentamento dos agricultores,
os quais ainda tinham cerca de 700 mil escravos, avaliados em “quinhentos mil contos”. Em
outros termos, o polígrafo destacou, mais uma vez, a perspectiva senhorial e latifundiária dos
problemas do trabalho escravo, ainda que reconhecesse as barbáries de tais práticas em outras
passagens. Reforçou que, como “esteios” da instituição monárquica, os agricultores, a partir de
então,

Passaram-se ao partido republicano ou ficaram indifferentes ao ataque das


instituições; e quando outros descontentamentos surgiram nas fileiras do
exército e a imprensa republicana com habilidade os aprofundou, umas as
outras forças reunidas levantaram-se em revolta e depondo as antigas
instituições proclamaram a Republica. (RIBEIRO, 1900, p. 314).

Interessante que a linha narrativa de Ribeiro sobre a deposição da monarquia é muito


semelhante a correntes historiográficas bastante atuais, como uma das referências aqui
198

utilizadas, Alonso (2002), que sugere o mesmo entendimento. Entretanto, o fim do regime
monárquico não foi tão explorado por Ribeiro, já que “os sucessos são ainda do dia de hoje e
seria prematuro julgal-os n’um livro destinado ao esquecimento das paixões do presente e á
glorificação da nossa historia” (RIBEIRO, 1900, p. XII) ‒ é o que Magalhães e Gontijo (2009)
denominaram de ética da atualidade. Como polígrafo e, assim, como historiador, em 1915, em
seu discurso de entrada no IHGB, o intelectual foi bastante revelador sobre como concebia o
conhecimento histórico e a existência para uma filosofia da História do Brasil. Nesse momento,
ele revelou como os historiadores constroem o conhecimento histórico em seu tempo, de acordo
com as questões do presente por eles vivido:

Mas a própria Historia é uma continua substituição de ideas e de factos. Ao


grado do presente, todo o passado se transforma. [...] O presente é quem
governa o passado e é quem fabrica e compõe nos archivos a genealogia que
lhe convem. A verdade, corrente hoje, sabe buscar, onde os ha verossimeis, os
seus fantasmas predilectos de antanho. [...] E assim, o presente modéla e
esculpe o seu passado, levanta dos túmulos os seus heróes e constróe com as
suas vaidades ou a sua philosophia a hypothese do mundo antigo. (RIBEIRO,
1915, p. 617-618).

O intelectual foi revelador, porque usou muito esse artifício para elaborar a narrativa
da História do Brasil ou, como ele denominou, para tratar dos assuntos nacionais. Ao longo
dessa narrativa, por exemplo, foi possível notar o embate entre o particularismo regional e a
unidade nacional. Nesse caso, como “construtor de identidade” brasileira, preferiu a narrativa
unitária. Nesse sentido, compreende-se o porquê do enaltecimento da figura do Imperador Dom
Pedro II: na leitura do polígrafo, essa personagem histórica conseguira unir os interesses
nacionais e os regionalismos, resolvendo a crise vivida pela nascente república, que parecia
incapaz de ter um poder central fortalecido frente ao predomínio das oligarquias. Esta era a
marca do primeiro regime republicano, que, na “profecia” de João Ribeiro, em 1900, pareceria
ser a tônica do século XX.
“A imparcialidade póde ser immoral: nós temos a obrigação de justificar o presente,
de fundar a Ethica da actualidade” (RIBEIRO, 1915, p. 618). Visto que o passado modela o
presente, esse mesmo passado é a fonte para a consecução de uma ética do presente. Antes de
se falsificá-lo, para Ribeiro, trata de se “extender ao passado as mais nobres missões do
presente” (RIBEIRO, 1915, p. 618). Essas passagens revelam tanto a experiência do polígrafo,
como estudioso da História e como professor, quanto as consequências sociais de seu trabalho.
Dito assim, ainda vale destacar sua tomada de partido acerca das ideias que desenvolvia como
199

historiador ou professor de História contra a cultuada imparcialidade. A passagem acima, por


exemplo, revela que ser intelectual é se engajar, embora essa seja uma outra discussão.
Ao buscar as hipóteses sobre o passado ou sobre o mundo antigo, o historiador deveria
compreender os sentimentos e as vocações de um povo, é o que se chamaria de uma filosofia
da História, inclusive elaborada por Ribeiro:

O character de um povo, ou, o que é o mesmo, o facto mais assíduo e frequente


da sua História, póde talvez exclarecer-nos a sua ou o seu destino.
Resta evoca-lo, descobri-lo nas suas faces essenciaes; mas sob aspectos
menores e secundário, parece-me que um sentimento fundamental em nosso
povo é o seu conservatismo exagerado, o seu espirito contemporizador, o seu
senso profundo e demorado das opportunidades.
Entre nós, os problemas as questões mesmas que tiveram rápida execução,
foram precedidas de longa expectativa.
A lentidão no resolver o anachronismo dos recursos, o misoneismo cauto e
seguro contra as idéas recentes, parece ter sido a nossa bussola desde os
primeiros tempos.
A nossa Historia ilustra perennemente essa vocação descançada de paiz
cuntactor. Todas experiências politicas e sociaes atraiçoam o culto da
tradição, o amor do passado e o temor do futuro. (RIBEIRO, 1915, p. 618).

Essa filosofia da História do Brasil permitiria traçar um plano para o presente e para o
futuro da sociedade brasileira ou, pelo menos, compreender os caminhos políticos que o País
tomava ao longo do tempo. Daí a predileção de Ribeiro por regimes centralizadores, porque a
população brasileira estaria imbuída de conservantismo e desconfiança sobre as novas ideias
que surgiam no mundo ou, pelo menos, nos países “mais adiantados”. Segundo Ribeiro (1915),
esse conservadorismo encaminhava os destinos “sempre lentos, tardos e precários, construímos
com elementos medievaes os fundamentos de uma nacionalidade”, processo que determinava a
lentidão brasileira em direção ao progresso.
Se, por um lado, essa lentidão atravancava o desenvolvimento material e intelectual,
por outro, na leitura de Ribeiro, dava soluções mais seguras e menos beligerantes para os
grandes problemas nacionais, como a independência e o fim da escravidão. No entendimento
de Ribeiro, as capitanias preparavam o self-government e a federação em formação no Brasil.
A escravidão, que já havia acabado no resto do mundo, se mantinha por aqui, embora tenha
terminado sem os conflitos da grandeza da guerra civil americana. A ideia de República existia
no País desde meados do século XIX, mas só lograria no final desse século; e a monarquia,
curiosamente, teria o papel de prepará-la, afinal, as repúblicas latino-americanas haviam sido
assoladas por guerras civis. Em síntese, para Ribeiro, a lentidão dos processos históricos no
Brasil era um dos mistérios a serem compreendidos.
200

Em linhas gerais, compreende-se que a tessitura da narrativa de João Ribeiro inseriu


questões do presente na leitura sobre o passado brasileiro. As expectativas criadas com a
República imaginada e com a de fato instituída entraram nas páginas da História do Brasil por
meio da compreensão acerca do particularismo regional e da unidade nacional. A desilusão com
a República foi expressa com essa leitura “filosófica” sobre a História do Brasil. Ademais, para
superar as mazelas da sociedade brasileira, seriam necessários dois tipos de aprimoramento: o
primeiro, de ordem física e biológica, o branqueamento da população brasileira via mestiçagem;
o segundo, de ordem cultural, os progressos material, intelectual e moral da sociedade brasileira
trazidos pela educação e pelo trabalho.
A miscigenação e as consequências para a sociedade brasileira foram debatidas pela
intelectualidade do período analisado. Nesse contexto, as faculdades de medicina investigariam
as fisionomias e as medidas dos fenótipos humanos brasileiros para desenvolver a criminologia
e outros campos do conhecimento, os quais, na verdade, reforçariam a ideologia racial que já
era presente no seio da sociedade brasileira. O conceito de raça utilizado tanto por Ribeiro
quanto por Mattoso Maia e Macedo era imbuído da acepção do início do século XIX, isto é,
baseava-se na ideia de estirpe, embora, em João Ribeiro, exista um deslocamento semântico
para o sentido biológico, ainda que velado, afinal, ele não se furtou em hierarquizar as “raças”
e as suas características na constituição da sociedade brasileira.
Segundo autores como Melo (2008), João Ribeiro foi referência para intelectuais como
Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre ao longo do século XX, carregando boa parte da
historiografia Oitocentista que ele, de certa forma, criticava. Em outros termos, se Ribeiro não
fundou o mito da democracia racial ou a ideia de homem cordial, manteve, pelo menos, a
perspectiva senhorial na interpretação do processo histórico brasileiro, o que ganharia
fisionomias culturalistas no século XX, ainda que estas dessem maior dimensão valorativa às
culturas afro-brasileiras e às indígenas. Dito de outra forma, tais leituras, mesmo que fossem
duramente contestadas e criticadas, ganhariam novos contornos e profundidade analítica com a
intelectualidade de meados do século XX. Assim, entre debates de memórias e guerras de
narrativas, produziram-se e produzem-se representações sobre a História, a sociedade e a nação
brasileira.
Esse debate não morreu. Ele está presente não só no dia a dia dos historiadores e no de
seu métier, mas também no dia a dia dos professores de História e nas narrativas utilizadas por
eles nas aulas dessa disciplina escolar, nascido e consolidado com o intuito de efervescer o
sentimento patriótico e nacionalista, o qual, hoje, possui sentidos diversos, como o da
contestação da ordem social, o do protagonismo no processo histórico entre os diferentes
201

sujeitos e o das possibilidades históricas que cada época possui para construir alternativas de
futuro, isto é, outras possibilidades de Brasil.
202

CAPÍTULO 5: QUESTÕES E CONISDERAÇÕES FINAIS

A historiografia sobre o Ensino de História ou sobre a História ensinada permitiu nos


conhecer o crescimento desse campo de estudo, especialmente nos últimos trinta anos, em
diferentes programas de Pós-Graduação em História e em Educação pelo País. O
desenvolvimento de tais campos de conhecimento contribuiu para a revisão das leituras
históricas sobre as práticas pedagógicas, bem como para a revisão dessas práticas docentes.
Além disso, essa renovação permitiu resgatar as lutas históricas em torno da consolidação da
disciplina escolar de História no interior das grades curriculares, como contraponto aos
chamados Estudos Sociais.
Na esteira dessas lutas e do desenvolvimento desses campos de pesquisa está o objeto
de estudo desta tese, os livros didáticos. Este trabalho permitiu, então, certa revisão sobre aquilo
que já se havia estudado em torno dos manuais escolares de História utilizados nos
estabelecimentos de ensino secundário no Brasil no século XIX e no início do século XX. Nesse
sentido, este estudo contribuiu para o aprofundamento dos conceitos de raça dentro da
representação da nacionalidade brasileira, exame feito com base na historicização das fontes
primárias de análise. Em outras palavras, conheceram-se as fontes em seu tempo, articulando
coma a historiografia, diferentes instâncias que influenciam a produção e a finalização do
produto livro didático.
Tal caminho foi percorrido pelo estudo exegético dos manuais escolares e a sua relação
com os programas oficiais de ensino, regidos pela legislação do Estado e por diferentes esferas
administrativas. Nesse sentido, com base na bibliografia, inferiu-se que os próprios livros
didáticos ajudaram a conformar os programas de ensino, já que tudo era novo e estava por se
fazer, para usar as expressões de Hansen sobre a literatura didática (2007).
Fundamentando-se nos estudos já mencionados, percebeu-se que as conformações
desses programas de ensino foram concomitantes a historiografia nacional erudita e da didática.
Isto é, essa complexa relação permite fugir ao lugar comum de compreender os livros didáticos
como reflexo dos programas de ensino ou ainda como expressão da produção erudita do IHGB.
De acordo com Bittencourt (2008, p. 135), “A construção dos livros didáticos no Brasil
vinculou-se à necessidade de uma produção curricular e às articulações com o conhecimento
erudito por intelectuais nacionais”.
203

Freitas (2006) observou o papel importante dos professores secundaristas de História


na conformação da produção erudita e, principalmente, da didática dessa disciplina. Esse
movimento histórico possuiu nuances, segundo observam Bittencourt (2008) e Gasparello
(2004), como a participação de militares enquanto figuras proeminentes dessa produção até a
primeira metade do século XIX e o novo perfil de autores de livros escolares a partir da segunda
metade do século XIX e início do século XX ‒ professores que, de algum modo, estavam
ligados à elite intelectual e política do País (como Joaquim Manoel de Macedo) ou atuavam em
outras áreas (como Luís de Queirós Mattoso Maia, que atuava na Medicina, e João Ribeiro, que
atuava no Jornalismo). Assim, paralelamente, esses autores também se dedicaram ao magistério
em instituições de ensino, movimento histórico se desdobrou em transformações na educação
e na legislação, as quais, com isso, ampliaram o campo de profissionalização dos professores.
Em decorrência da obrigatoriedade do ensino de História, desenvolveu-se a literatura
didática, bem como a própria produção historiográfica sobre o País. Assim, o Brasil e a política
educacional também se transformaram. Afinal, surgiram diferentes textos de História para
diferentes níveis de estudantes, entre o elementar e o secundário, preparatórios para os cursos
superiores ou para as Escolas Normais, construindo-se uma narrativa de História do Brasil
distinta do primeiro momento.
A ampliação do público estudantil favoreceu o crescimento do mercado editorial, a
exemplo das livrarias Garnier e Laemmert, que impulsionaram novos autores de livros
didáticos. Nesse sentido, professores do Colégio Pedro II e sócios do IHGB foram privilegiados
pelas instituições que lhes davam respaldo, bem como pelo pertencimento à elite intelectual da
capital do Império. Tal ampliação se aprofundaria na virada para o século XX, com a Livraria
Francisco Alves, que havia se tornado o maior conglomerado editorial do País, com atuação
nos Estados Unidos e na Europa, e havia mantido os privilégios dos intelectuais vinculados às
instituições referidas, embora tenha-os ampliado a outros intelectuais ligados ao jornalismo.
De acordo com a análise de Bittencourt, os primeiros autores de Manuais Escolares de
História do Segundo Reinado, por meio das instituições que representavam, tiveram estreita
relação com o saber oficial. É o caso de Cônego Caetano Fernandes Pinheiro, Joaquim Manoel
de Macedo e Duarte Moreira Azevedo, por exemplo, que mantinham relações com a elite
política do País. Foram eles que disseminaram uma história oficial da nação.
No último quartel do século XIX, porém, esse quadro começou a se alterar, em razão
da maior quantidade de intelectuais não tão ligados ao poder oficial, como também em função
da inserção de intelectuais de camadas mais modestas da sociedade brasileira no meio escolar
204

e intelectual. Os autores de manuais didáticos, cujas Histórias do Brasil eram resultado de suas
aulas e práticas pedagógicas, dedicavam-se ao ensino.
Bittencourt (2008) destacou um importante debate, ocorrido durante a segunda metade
do século XIX, entre o corpo docente do Colégio Pedro II, cujo perfil estava se modificando:
de professores ligados ao meio religioso para leigos, com destaque para os intelectuais que, de
alguma forma, estiveram ligados à chamada Escola de Recife, de caráter cientificista e de
influência germânica, como Sílvio Romero, Schiefler, Capistrano de Abreu e João Ribeiro, os
quais criticavam contundentemente a hegemonia francófona no ensino de História Geral no
Colégio Pedro II. Inclusive, a presença da produção germânica pode ser percebida nas linhas
narrativas das Histórias do Brasil tanto de Capistrano como de João Ribeiro.
Desse modo, cabem aqui algumas considerações sobre os debates acerca da ideia de
nacionalismo. De acordo com Guimarães (2002) e Costa (2003), o nacionalismo brasileiro girou
em torno de duas matrizes distintas, mas não antagônicas: a primeira de influência do
pensamento francês, calcada na ideia de pacto social e de origem iluminista e rousseauniana; a
segunda, ligada ao nacionalismo alemão, baseada no corte étnico e racial. No caso, boa parte
da intelectualidade brasileira comungava com as teses alemãs, o que explica, em parte, a
aceitação das teses racialistas, os desdobramentos disso na interpretação da ideia de nação
brasileira e os caminhos a percorrer para o aprimoramento moral, político e biológico do povo.
Entretanto, cabe destacar que, mesmo baseado no pacto, o pensamento francês não invalidou
as teorias de raças históricas com base na assimilação de povos, o que para Costa (2003) é uma
posição ambígua.
A consolidação do Estado Nacional não era um problema enfrentado apenas pelos
estadistas e pelos intelectuais brasileiros. O velho mundo da Europa também foi sacudido por
esse movimento histórico e viveu fortes celeumas para a consecução desses novos Estados. De
acordo com Stolcke (apud COSTA, 2003), o século XIX foi marcado pelo:

[...] surgimento de uma multiplicidade de Estados territoriais que rivalizavam


entre si em torno de soberania e dominância. Entretanto, as comunidades
tradicionais não coincidiam necessariamente com os Estados territoriais como
sociedades modernas politicamente organizadas. Assim, tornou-se imperioso
dispor de uma regulamentação clara a respeito de seus membros, ao foco de
lealdade de seus habitantes e à fonte dos direitos civis e deveres em expansão,
e também de desprezo a todos os estrangeiros. (STOLCKE apud COSTA,
2001, p. 414-415).

Desse modo, o nacionalismo surgiu, num primeiro momento, baseado na ideia de


desprezo ou xenofobia pelos estrangeiros, ideologia reforçada pelas teses racialistas. A ideia de
205

pacto social entre os habitantes seria a adversária a ser batida e derrotada por essa matriz de
pensamento. Raças históricas diferentes teriam o direito à autodeterminação, ponto que estaria
acima dessa ideia de pacto e aceitação a uma autoridade política que lhes seria estranha.
Em outros termos, também se tratava de recompor o pacto político ao longo do século
XIX na Europa e nas Américas, continentes que passaram por revoluções liberais. Assim, as
disputas pelos paradigmas que prevaleceriam não seriam pacíficas. Nesse sentido,
ambiguidades, contradições e justaposições conformariam os paradigmas nacionalistas,
sobretudo de acordo com as conveniências políticas. Afinal, nem todos os territórios
conformariam uma unidade linguística, histórica e étnico-racial, mas os recursos naturais e os
interesses diversos dessas elites políticas sobrepujariam a autodeterminação dos povos.
Costa (2003) problematiza que as ideias da reconfiguração do pacto político tinham
duas origens de ordenamento político entre o antigo regime e o contratualismo liberal do século
XIX:

O ápice da discussão desdobrou-se em duas doutrinas relativas a essa


codificação: a primeira, estabelecia o princípio conservador e excludente jus
sanguinis (lei do sangue), que proporcionava à nacionalidade uma
dependência entre a pertença a um Estado e a partilha de um patrimônio
cultural transmitido por hereditariedade, alicerce do pensamento racista
constituinte da concepção moderna de nação, e a segunda, a jus soli (lei do
solo), que vinculava nacionalidade ao nascimento no território de um Estado.
(COSTA, 2003, p. 153).

Por que fazer essa discussão em torno do nacionalismo? Porque as doutrinas que o
caracterizam são chaves importantes para a compreensão dos manuais de história, não apenas
do Brasil, mas do Ocidente, visto que, afinal, estes são narrativas de autobiografias dos Estados
Nacionais, as quais legitimariam ao Estado o direito sobre a territorialidade e a pertença social,
psíquica, histórica e sanguíneo-racial. Em síntese, trata-se do direito sobre as juventudes ‒ os
cidadãos e os súditos deveriam se dispor a morrer pelas pátrias e pelo país a que pertencessem.
As análises sobre os livros didáticos em questão revelam diferentes sentidos de
cidadania ou mesmo de nação brasileira. As linhas mestras das Lições de História, de Joaquim
Manoel de Macedo, foram a História Geral do Brasil, de Adolfo Varnhagen, como informa a
historiografia (MATTOS, 1993; BITTENCOURT, 1993; GASPARELLO, 2004). Entretanto,
essa linha argumentativa não impediu o literato de criar seu próprio retrato sobre o Brasil.
Embora prevaleça a ideia de Brasil herdeiro de um Império e da colonização portuguesa,
Macedo integrou o elemento indígena a essa história, como sugeriria o Romantismo, ainda que
como coadjuvante e bom selvagem.
206

Ademais, Macedo silenciou a questão da escravidão e dos heróis de origem africana.


No entanto, como o tema estava na ordem do dia entre os intelectuais brasileiros e a serviço da
transformação conservadora, o autor publicou Vítimas e Algozes, denunciando para a classe
senhorial os malefícios da escravidão e as necessidades imperiosas de seu fim, inclusive para a
segurança dos senhores. O conceito de raça estava vinculado à acepção do século XVIII, isto é,
à estirpe e à origem familiar, tal qual enunciava o Antigo Regime. No caso, a denotação
racialista ganharia novos contornos apenas no limiar do século XIX.
O outro manual do Império, o de Luís de Queirós Mattoso Maia, também apontou para
a formação de um súdito. Contudo, o sentido de súdito mudou substancialmente, porque,
embora tivesse mantido as linhas mestras enunciadas nas Lições de Macedo e na História Geral
de Varnhagen, Mattoso Maia criou leituras distintas da História do Brasil, já que se permitiu
condenar as ações tirânicas ou nocivas da Coroa (como a expulsão dos jesuítas dos domínios
portugueses) e a evolução da sociedade colonial e imperial no sentido de condenar e extirpar a
escravidão da sociedade brasileira. Compreende-se que Mattoso Maia elaborou sua História do
Brasil com bases científicas. Em outras palavras, sua narrativa não tinha um sentido teleológico
como as Lições de Macedo, mas apresentava certa evolução baseada em fontes e outras obras,
especialmente obras sobre os povos autóctones do Brasil.
Contudo, os heróis da História do Brasil ainda eram os colonizadores e a civilização
europeia. Esclarecia-se sobre a importância do fim do trabalho cativo, diferente do manual de
Macedo, que silenciou tal questão, além de silenciar a participação dos africanos na História do
Brasil. Este foi um tempo histórico demarcado pela experiência da escravidão e da monarquia,
questões colocadas em xeque pelas mudanças pelas quais o mundo contemporâneo passava na
segunda metade do século XIX, como a Segunda Revolução Industrial e a luta pelo fim do
trabalho escravo pelo mundo. Desse modo, a identidade nacional brasileira, construída pela
intelectualidade ao longo do século XIX, segundo Naxara (1998), foi marcada, por diferentes
razões, pela ambiguidade: ora pelo descompasso entre o arcabouço teórico e a realidade
analisada, ora pela discrepância entre as formas que o povo brasileiro tomava.
Vale enfatizar que, de acordo com Antônio Candido (2000), as primeiras
manifestações de conhecimento sobre a sociedade brasileira recaíram sobre a literatura, a quem
coube a missão, segundo o Romantismo, de pensar o que era ou quem era a nação brasileira. A
ciência, nesse sentido, ainda engatinhava em seus primeiros ensaios sobre o povo brasileiro,
sobre a sua negritude e a sua mestiçagem, sem falar do elemento branco e do aborígene. O “eu”
dessa nação era identificado com a Europa. Embora resgatasse o “bom selvagem” os índios ou
os negros eram o “outro” e não se identificavam com essa representação da nação.
207

O manual de Mattoso Maia não teve a mesma longevidade dos manuais de Macedo ou
de João Ribeiro. Além disso, sua trajetória biográfica se distinguiu desses homens das letras,
pois foi médico e militar, o que, em certa medida, explica o uso de referências como o IHGB e
a não aceitação por esse circuito letrado, como aconteceu com o Selvagem, de Couto de
Magalhães, livro duramente criticado por Sílvio Romero, autor que se debruçou sobre os
estudos etnográficos. De acordo com as fontes aqui utilizadas, Maia foi professor do Colégio
Pedro II mais em razão de sua experiência na Guerra do Paraguai do que em razão do mérito
intelectual, uma vez que ainda atuaria em outras esferas da burocracia imperial, como delegado
de polícia e como diretor de Hospital em Niterói. No entanto, nada disso o impediu de deixar
suas marcas na produção de um manual didático que seria aprofundado por João Ribeiro.
A História do Brasil de João Ribeiro foi notabilizada pelas inovações pedagógicas e
pelo corpo textual que trouxe novas questões para o ensino de História do Brasil, como novos
sujeitos históricos enquanto artífices da história brasileira. A obra se destacou por aprofundar
algumas questões postas pelas teses de Von Martius sobre a História do Brasil, como o
caldeamento das raças ocorrido ao longo da história brasileira. O peso social ‒ o peso de novas
personagens históricas ‒ sobrepujou os aspectos políticos e administrativos que os manuais do
império destacavam. Sua história laica criticou a atuação da Igreja contra a escravidão,
especialmente contra a escravidão africana; porém, enalteceu o papel dos jesuítas como
elemento moral da colonização portuguesa, a qual privilegiava os interesses imediatos
(econômicos): o enriquecimento rápido e o ócio sobre o trabalho.
A História do Brasil se renovaria ou se reescreveria com base nas análises históricas e
cientificistas da sociedade brasileira. A moral, desse modo, se colocaria ao lado da questão
racial para explicar o estado e o nível civilizatório do Brasil ante as nações modernas e
desenvolvidas da Europa. A miscigenação, portanto, criou uma moral decaída entre os
povoadores do território brasileiro, resultado da ação do colono e do jesuíta sobre os povos
indígenas e sobre os escravos negros. Por diferentes pontos da América portuguesa, irradiou-se
a nação mameluca, em uma história marcada por conflitos, guerras e disputas entre o interesse
nacional e os interesses regionais e particulares. Essa nação mameluca, por fim, sobrepujou os
regionalismos, como o liberalismo radical pernambucano e o platinismo gaúcho, destacados
por João Ribeiro.
Pode-se entender, então, o nacionalismo como científico, ideia que teve, entre outros
adeptos, Sílvio Romero e João Ribeiro. A História deveria privilegiar, então, uma identidade
nacional, pois a ciência legitimaria a nação do ponto de vista histórico, geográfico e, também,
biológico. Sílvio Romero, por exemplo, polemizou a questão racial, porque questionou o termo
208

raça pura: segundo ele, mesmo as raças que se cruzaram no Brasil já eram resultado de
miscigenações anteriores, como os portugueses – mestiços do cruzamento entre europeus,
judeus e mouros. Assim, entende-se que, em função das diferentes análises da nação brasileira,
o conceito de raça apresentou distinções: há um peso da questão racial do ponto de vista
biológico no início do século XX e um peso das teses culturalistas e, também, das economicistas
no decorrer desse século.
A semântica do conceito de raça também se transformou à medida que a palavra
ganhou sentidos de reflexão. Se, no século XVIII e no início do século XIX, possuía um sentido
de estirpe familiar, de genealogia, na segunda metade do século XIX e no início do século XX,
possuía um sentido distinto que pesava sobre as diferenças fenotípicas dos seres humanos como
caracterizadoras das raças, como os caucasoides, os mongoloides e os negroides. Tais distinções
explicariam os diferentes níveis de progressos civilizatórios entre os povos do mundo.
Quanto mais se teorizava o conceito de raça, mais o termo ganhava importância para
a designação do que vinha a ser a nação, resultado histórico de conformação de uma língua, de
uma religião e, também, da formação biológica. Porém, tais paradigmas explicariam somente o
que foram as nações europeias. E o como ficaria o caso brasileiro?
As narrativas de História do Brasil apontariam diferentes caminhos. João Ribeiro
assinalava mais um movimento de miscigenação e de branqueamento da população. Para seus
antecessores, a raça e a miscigenação também não apareciam, porque o importante era a
formação de um súdito da boa sociedade imperial. Luís Queirós M. Maia, imbuído de certo
cientificismo, não se furtava a condenar a escravidão ou os males causados à educação brasileira
em razão da expulsão dos jesuítas dos domínios portugueses.
Nesse sentido, Naxara (1998) problematiza que o contraponto estaria em Manoel
Bomfim, cuja crítica era diametralmente oposta a essa representação. Segundo Bomfim, (1993)
era pseudociência barata que reforçava o imperialismo e o parasitismo da Europa sobre a
América e explicava o estado social, não apenas do Brasil, mas da América Latina como um
todo. Manoel Bomfim desvendava os mecanismos que mascaravam a suposta superioridade
dos brancos sobre os negros; afinal, o contexto brasileiro e a sua herança histórica eram
marcados pela opressão dos brancos sobre os negros, e as ideias racialistas já teriam um solo
fértil para a aceitação das elites políticas e intelectuais do País.
Com isso, o racismo como discurso que fundamentou a ideia de nação conquistava
espaço nesse processo de consolidação. Para Hobsbawm (2014), a partir da década de 1880 até
o início da Primeira Guerra, o conteúdo político-ideológico do discurso nacionalista foi
alterado. De acordo ainda com esse historiador, o discurso nacionalista surgiu entre os
209

conservadores franceses, ainda no século XIX, como bandeira contra os estrangeiros e, também,
como fundamento para a autodeterminação dos povos. Esse discurso se consolidaria no
processo de urbanização e industrialização intensa vivido pela Europa entre os séculos XVIII e
XIX.
Hobsbawm (2014) também destacou o uso da História e da raça como elementos
fundamentais para os discursos nacionalistas entre meados do século XIX e início do século
XX. Em outros termos, o ethos de autoridade argumentativa da ciência consolidou as teorias
racialistas (racismo) que, como chaves interpretativas dos processos históricos e das culturas
que estavam além do mundo europeu e ocidental, influenciaram as políticas dos Estados
Nacionais, cuja premissa era o progresso. Como uma nação poderia progredir se composta por
raças inferiores biologicamente, como populações africanas, aborígenes e mestiças? Esse mote
explica – junto à necessidade da mão de obra – as diferentes políticas de branqueamento
ocorridas na América Latina durante o século XIX e o século XX. Como a elite da boa
sociedade imperial e da Bellè époque se identificava com o universo cultural europeu, assimilou
e implantou as teorias construídas e propostas vindas desse continente.
Nesse sentido, a compreensão dos manuais didáticos de História como artífices desse
processo histórico é importante, porque, com base nela, é possível problematizar os usos e os
abusos do conhecimento histórico e da ciência, especialmente quando os livros escolares são
utilizados para a legitimação de políticas e de status quo. Os debates sobre os usos do passado
não morreram, até porque ainda são utilizados como ferramenta de lutas e disputas entre
diferentes projetos políticos, seja de hegemonia política, seja de nação e de memórias que se
criam e recriam sobre o tema.
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admitidos em qualquer as academias do Império. Disponível em:
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_______. Decreto n° 598 de 25 de março de 1849 Altera os Estatutos do Collegio de Pedro


Segundo, na parte relativa ao julgamento dos exames divide em duas a Cadeira de Historia e
Geographia; subdivide em duas a 2ª de Latim; marca o vencimento dos Professores; e
providencia sobre a hora em que devem achar-se no Collegio. Disponível em:
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Pedro II. Disponível:
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_______. Decreto n.º 2006 de 24 de outubro de 1857. Aprova o Regulamento para os colégios
públicos de instrução secundária do Município da Corte. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2006-24-outubro-1857-
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Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano XI n° 07, 07 jan. 1885.

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Jornal O Paíz, Rio de Janeiro, ano XIX n° 4068, 27 jun. 1893.

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Revista Trimestral do Instituto Histórico Geographico e Ethnographico do Brasil, Rio de


Janeiro: B. L. Garnier Livreiro editor, tomo 33, parte II, 1870.

Revista Trimestral do Instituto Histórico Geographico e Ethnographico do Brasil, Rio de


Janeiro: B. L. Garnier Livreiro editor, tomo 34, parte I, 1871.

Revista Trimestral do Instituto Histórico Geographico e Ethnographico do Brasil, Rio de


Janeiro: B. L. Garnier Livreiro editor, tomo 34, parte II, 1871.

Revista Trimestral do Instituto Histórico Geographico e Ethnographico do Brasil, Rio de


Janeiro: B. L. Garnier Livreiro editor, tomo 43, parte I, 1880.

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ANEXO 1:

Imagem da página 661, do sexto volume do dicionário Vocabulario portuguez & latino: aulico,
anatomico, architectonico ... de Raphael Bluteau.
234

ANEXO 2:

Imagem da página 658, do quinto volume do dicionário Vocabulario portuguez & latino:
aulico, anatomico, architectonico ... de Raphael Bluteau.
235

ANEXO 3:

Imagem da página 86 , do sétimo volume do dicionário Vocabulario portuguez & latino: aulico,
anatomico, architectonico ... de Raphael Bluteau.
236

ANEXO 4:

Frontispício do primeiro volume da primeira edição das Lições de História do Brasil, de


Joaquim Manoel de Macedo.
237

ANEXO 5:
Frontispício da primeira edição de Lições de História (1880) de Luís de Queirós Mattoso
Maia.
238

ANEXO 6:

Frontispício da primeira edição de História do Brasil (1900), de João Ribeiro.

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