Você está na página 1de 13

OS CAMINHOS DA LIOFILIZAÇÃO ORGANIZACIONAL:

AS FORMAS DIFERENCIADAS DA REESTRUTURAÇÃO


PRODUTIVA NO BRASIL

Ricardo Antunes∗

“Não demasiado antigas, há muitas profissões que


desapareceram, hoje ninguém sabe para que serviam
aquelas pessoas, que utilidade tinham...”
Saramago, A Caverna

Foram de grande monta as transformações ocorridas no capita-


lismo recente no Brasil, particularmente na década de 1990 quan-
do, com o advento do receituário e da pragmática neoliberais, de-
sencadeou-se uma onda enorme de desregulamentações nas mais
distintas esferas do mundo do trabalho. Houve, também, como
consequência da reestruturação produtiva e do redesenho da divi-
são internacional do trabalho e do capital, um conjunto de trans-
formações no plano da organização sócio-técnica da produção,


Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Hu-
manas da UNICAMP. Publicou, dentre outros livros, Os sentidos do tra-
balho (Boitempo Editorial) e Adeus ao trabalho? (Ed. Cortez/Ed. Uni-
camp). Coordena também a Coleção Mundo do Trabalho, pela Boitempo
Editorial. Este texto é parte do Projeto Integrado de Pesquisa Para Onde
Vai o Mundo do Trabalho?, que conta com apoio do CNPq.

Idéias, Campinas,9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


14 Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil

deu-se um processo de re-territorialização da produção, dentre


tantas outras conseqüências.
Esta contextualidade fez com que a configuração recente do
nosso capitalismo fosse bastante alterada, de modo que ainda não
temos um desenho conclusivo do que vem se passando. Somente
poderemos redesenhá-lo, ainda que preliminarmente, através do
desenvolvimento e realização de densas pesquisas concretas e re-
flexões analíticas capazes de oferecer esse (novo) desenho, que por
certo comporta tanto elementos de continuidade como de descon-
tinuidade em relação ao seu passado recente.
É aqui onde reside o objetivo central deste número especial da
Revista Idéias: buscar elementos que nos auxiliem na concreção do
capitalismo brasileiro recente, bem como algumas das principais
mutações que vêm ocorrendo no universo do trabalho urbano (e
também rural), percorrendo também suas principais lutas e ações
cotidianas de resistência, num período marcado pela mundializa-
ção, transnacionalização e financeirização dos capitais, que certa-
mente reconfiguram o nosso universo produtivo, industrial e de
serviços.
Se já parece obsoleto falar na teoria dos três setores (Lojkine,
1995), dada a enorme interpenetração entre as atividades industri-
ais, agrícolas e de serviços (de que são exemplos as expressões
agro-indústria, indústria de serviços, serviços produtivos), também
soa estranho, num país como o Brasil, falar-se abstratamente em
sociedade pós-industrial. Para não falar em fim do trabalho.
Nesse texto, de introdução ao presente volume, queremos tão
somente indicar alguns traços particulares e singulares da nossa
reestruturação produtiva do capital, através da exemplificação de
alguns ramos e setores. Nos diversos textos que compõem a Cole-
tânea, os leitores poderão encontram um quadro bastante amplo da
reestruturação do capital, bem como das formas multifacetadas,
polissêmicas e heterogêneas de resistência que emerge do trabalho,
que certamente ajudarão bastante para uma melhor compreensão
das novas configurações no mundo do trabalho e seus embates no

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


Ricardo Antunes 15

Brasil recente. Reestruturação produtiva que, na particularidade do


capitalismo brasileiro, comporta elementos de continuidade e des-
continuidade, conforme veremos a seguir.

O capitalismo brasileiro, particularmente seu padrão de acumu-


lação industrial desenvolvido desde meados da década de 1950 e
especialmente no pós-64, desenvolveu uma estrutura produtiva bi-
fronte: de um lado, voltava-se para a produção de bens de consumo
duráveis, como automóveis, eletrodomésticos etc., visando um
mercado interno restrito e seletivo que se desenvolvia no país; por
outro lado, objetivava também desenvolver a produção para expor-
tação, tanto de produtos primários, como também de produtos in-
dustrializados. Quanto à sua dinâmica interna, o padrão de acumu-
lação estruturava-se através de um processo de superexploração da
força de trabalho, dado pela articulação entre baixos salários, jor-
nada de trabalho prolongada e de fortíssima intensidade em seus
ritmos, dentro de um patamar industrial significativo para um país
que, apesar de sua inserção subordinada, chegou a alinhar-se entre
as oito grandes potências industriais. Esse modelo econômico teve
amplos movimentos de expansão ao longo das décadas de 1950 a
70.
Foi em meados dos anos 80, ao final da ditadura militar, que es-
se padrão produtivo começou a sofrer as primeiras alterações. Em-
bora seus traços mais genéricos estejam ainda vigentes, foi possível
presenciar algumas mutações organizacionais e tecnológicas no
interior do processo produtivo e de serviços, num ritmo inicialmen-
te muito mais lento do que aqueles experimentados pelos países
centrais. O Brasil, sob o fim da ditadura militar e no período Sar-
ney, nos anos 80, ainda se encontrava relativamente distante do
processo de reestruturação produtiva do capital e do projeto neoli-
beral, já em curso acentuado nos países capitalistas centrais. Mas

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


16 Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil

também já sofria os primeiros influxos da nova divisão internacio-


nal do trabalho. Sua singularidade, dadas por um país de capita-
lismo hipertardio, fora afetada pelos novos traços universais do
sistema global do capital, redesenhando uma particularidade brasi-
leira diferenciada, ao menos em alguns aspectos, frente à estrutura-
ção anteriormente existente. (Antunes, 2002 e 1997)
Foi nessa década de 80 que ocorreram os primeiros impulsos do
processo de reestruturação produtiva em nosso país, levando as
empresas a adotarem, inicialmente de modo restrito, novos padrões
organizacionais e tecnológicos, novas formas de organização social
(e sexual) do trabalho. Observou-se a utilização inicial da informa-
tização produtiva, principiaram-se os usos do sistema just-in-time,
germinava a produção baseada em team work, nos programas de
qualidade total, ampliando também o processo de difusão da mi-
croeletrônica. Deu-se o início, ainda preliminarmente, dos métodos
denominados “participativos”, mecanismos que procuram o “en-
volvimento” (em verdade adesão e sujeição) dos trabalhadores e
das trabalhadoras aos planos das empresas.
Iniciava-se, ainda de modo incipiente, o processo de liofilização
organizacional, cujos determinantes foram: 1) a necessidade das
empresas brasileiras buscarem sua inserção na “competitividade
internacional”; 2) as imposições das empresas transnacionais que
levaram à adoção, por parte de suas subsidiárias no Brasil, de novos
padrões organizacionais e tecnológicos, em alguma medida inspira-
dos no toyotismo e nas formas flexíveis de acumulação; 3) a necessi-
dade das empresas nacionais responderem ao avanço do novo sindi-
calismo e da rebeldia do trabalho, que procurava estruturar-se mais
fortemente nos locais de trabalho e que teve forte traço de confronta-
ção, desde as históricas greves do ABC paulista, no pós-78. (Antu-
nes, 2002 e Alves, 2000).
Inicialmente, ainda nos primeiros anos da década de 80, a rees-
truturação produtiva caracterizou-se pela redução de custos através
da redução da força de trabalho, de que foram exemplo os setores
automobilístico e o de autopeças e, posteriormente, os ramos têxtil

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


Ricardo Antunes 17

e bancário, dentre outros exemplos. De modo sintético pode-se


dizer que a necessidade de elevação da produtividade ocorreu
através de reorganização da produção, redução do número de
trabalhadores, intensificação da jornada de trabalho dos empre-
gados, surgimento dos CCQ’s (Círculos de Controle de Qualida-
de) e dos sistemas de produção just-in-time e kanban, dentre os
principais elementos.
Durante a segunda metade de década de 1980, com a recupera-
ção parcial da economia brasileira, ampliaram-se as inovações
tecnológicas, através da introdução da automação industrial de
base microeletrônica nos setores metal-mecânico, automobilístico,
petroquímico e siderúrgico. No setor automobilístico pode-se veri-
ficar a instalação de novas linhas, destinadas à produção de novos
veículos, que coexistiam com as antigas linhas de montagem, con-
figurando um grau relativamente elevado de diferenciação e hete-
rogeneidade tecnológica e produtiva no interior das empresas, he-
terogeneidade que será uma marca particular da reestruturação
produtiva no Brasil. (Antunes, 2002, Alves, 2000 e Previtalli,
2002).
Foi nos anos 1990, entretanto, que a reestruturação produtiva
do capital desenvolveu-se intensamente em nosso país, através da
implantação de vários receituários oriundos da acumulação flexível
e do ideário japonês, com a intensificação da lean production, do
sistema just-in-time, kanban, do processo de qualidade total, das
formas de subcontratação e de terceirização da força de trabalho,
daquilo que, seguindo Juan Jose Castillo, vimos denominado como
liofilização organizacional. (Castillo, in Antunes, 1999:52-59)
Do mesmo modo, verificou-se um processo de descentralização
produtiva, caracterizada pela relocalização industrial, onde empre-
sas tradicionais, como a indústria de calçados ou a indústria têxtil,
sob a alegação da concorrência internacional, iniciaram um movi-
mento de mudanças geográfico-espaciais, buscando níveis mais
rebaixados de remuneração da força de trabalho, acentuando os
traços de superexploração do trabalho.

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


18 Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil

No setor calçadista, por exemplo, várias fábricas transferiram-se


da região de Franca, no interior do estado de São Paulo, ou da regi-
ão do Vale dos Sinos, no estado do Rio Grande do Sul, para esta-
dos do Nordeste, como o Ceará e Bahia. Indústrias consideradas
modernas, do ramo metal–mecânico e eletrônico, transferiram-se
da Região da Grande São Paulo para áreas do interior paulista (São
Carlos), ou deslocaram-se para outras áreas do país, como o interi-
or do Rio de Janeiro (Resende), ou ainda para o interior de Minas
Gerais (Juiz de Fora), ou outros estados como Paraná, Bahia, Rio
Grande do Sul etc. (Alves, 2000). Ainda nesta mesma década, no
contexto da desregulamentação do comércio mundial, a indústria
automobilística brasileira foi submetida a mudanças no regime de
proteção alfandegária, sendo reduzidas as tarifas de importação de
veículos. (Previtalli, 1996).
Desde então as montadoras vêm intensificando o processo de
reestruturação produtiva, através das inovações tecnológicas, in-
troduzindo robôs e sistemas CAD/CAM, envolvendo mudanças no
lay-out das empresas, bem como através da introdução de mudan-
ças organizacionais, envolvendo uma relativa desverticalização em
direção a uma certa horizontalização, com a consequente redução
de níveis hierárquicos, implantação de novas fábricas de tamanho
reduzido e estruturadas com base em células produtivas e amplian-
do a rede de empresas terceirizadas. As unidades produtivas mais
antigas e tradicionais, como a Volkswagem, Ford e da Mercedes-
Benz, situadas no ABC paulista, também desenvolveram um forte
programa de reestruturação, visando sua adequação aos novos im-
perativos do capital, no que concerne aos níveis produtivos e tec-
nológicos e às formas de “envolvimento” da força de trabalho.
(Previtalli, 1996 e 2002).
Depois de um ensaio inicial significativo, mas estancado pela
crise que se abateu sob o governo Collor, foi com o Plano de Estabi-
lização Econômica, denominado Plano Real, a partir de 1994, sob o
governo Fernando Henrique Cardoso, que os programas de qualida-
de total, o sistema just-in-time e kanban, bem como a introdução de

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


Ricardo Antunes 19

ganhos salários vinculados à lucratividade e à produtividade das


empresas, sob uma pragmática que se adequava fortemente aos
desígnios neoliberais, encontraram uma contextualidade propícia
para o desmanche vigoroso da reestruturação produtiva, da liofiliza-
ção organizacional e do enxugamento empresarial. Portanto, se o
processo de reestruturação produtiva no Brasil, durante os anos 80,
teve uma tendência limitada e seletiva, foi partir da década seguin-
te que ele ampliou-se sobremaneira. (Antunes, 2002 e Alves,
2000).
Outro exemplo importante podemos encontrar no setor financei-
ro. Aqui também se pode presenciar intenso impacto em seu pro-
cesso de reestruturação, sendo que os trabalhadores/as bancário/as
foram fortemente atingidos pelas mudanças no trabalho, fundamen-
tadas, principalmente, nas tecnologias de base microeletrônica e
em mutações organizacionais. Novas políticas gerenciais foram
instituídas nos bancos, principalmente, através de seus programas
de “qualidade total” e de “remuneração variável”. Conforme nos
mostraram Jinkings (1995 e 2002) e Segnini (1998), a política de
concessão de prêmios de produtividade aos bancários que supera-
vam as metas de produção estabelecidas, acrescida do desenvolvi-
mento de um eficiente e sofisticado sistema de comunicação em-
presa-trabalhador bancário, através de jornais, revistas ou vídeos
de ampla circulação nos ambientes de trabalho, bem como da
ampliação do trabalho em equipe, tudo isso acarretou um
significativo aumento da produtividade do capital financeiro, além
de buscar também a “adesão” dos bancários às estratégias de
autovalorização do capital, reproduzidas nas instituições bancárias.
Como conseqüência das práticas flexíveis de contratação da força
de trabalho nos bancos (através da ampliação significativa da tercei-
rização, da contratação de trabalhadores por tarefas ou em tempo
parcial), vêm ocorrendo uma maior precarização dos empregos e dos
salários, aumentando o processo de desregulamentação do trabalho e
de redução dos direitos sociais para os empregados em geral e para
os terceirizados em particular. (Jinkings, 2002 e Segnini, 1998).

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


20 Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil

Do ponto de vista do capital financeiro, essas formas de contra-


tação permitem às empresas ganhos enormes de lucratividade, ao
mesmo tempo em que atingem fortemente a capacidade de resis-
tência dos bancários, fragmentando-os e dificultando sua organiza-
ção sindical. Apoiados no incremento informacional, os programas
de ajustes organizacionais reduzem ao máximo a estrutura adminis-
trativa e os quadros funcionais das instituições financeiras. Como
comnsequência, foram desativados ou bastante reduzidos grandes
centros de computação, serviços e compensação de cheques, ao
mesmo tempo em que setores inteiros foram extintos nas agências
bancárias e centrais administrativas. Enquanto crescem em poderio
econômico os grandes conglomerados financeiros privados, com
taxas de lucro enormes, o número de bancários no país reduziu-se
de aproximadamente 800 mil no final dos anos 80 para menos da
metade em 2002. (Jinkings, 2002).
Em relação à divisão sexual do trabalho, na medida em que se
desenvolviam os processos de automatização e flexibilização do
trabalho bancário, presenciou-se paralelamente um movimento de
feminização da categoria que, entretanto, não foi seguida por uma
equalização quanto à carreira e salário entre homens e mulheres
nos bancos. Uma série de mecanismos sociais de discriminação –
reproduzidos e intensificados nos ambientes de trabalho – vêm
estabelecendo relações de dominação e de exploração mais duras
sobre o trabalho feminino, que vão se traduzindo em desigualdades
e segmentações entre gêneros. (Segnini, 1998 e Jinkings, 2002)
As mudanças apontadas nas características pessoais e profissio-
nais dos bancários são, portanto, expressões da reestruturação pro-
dutiva em curso e de seus movimentos de tecnificação e racionali-
zação do trabalho. Visando adequar sua força de trabalho às moda-
lidades atuais do processo produtivo, as instituições financeiras
exigem uma “nova qualificação” para os trabalhadores do setor,
que parece ter mais uma significação ideológica do que tecno-
funcional. Conforme nos mostra Jinkings, num contexto de cres-
cente desemprego e de aumento de formas precárias de contrata-

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


Ricardo Antunes 21

ção, os assalariados bancários são compelidos a desenvolver uma


formação geral e “polivalente”, na tentativa de manter seu vínculos
de trabalho, sendo submetidos à sobrecarga de tarefas e a jornadas
de trabalho extenuantes. Agravaram-se os problemas de saúde des-
tes trabalhadores/as nas últimas décadas e observou-se também um
aumento sem precedentes das Lesões por Esforços Repetitivos
(LER), que reduzem a força muscular e comprometem os movi-
mentos daqueles que são portadores da doença.
Em contrapartida, os programas de “qualidade total” e de “re-
muneração variável”, amplamente difundidos no setor, recriam
estratégias de dominação do trabalho que procuram obscurecer e
nublar a relação capital e trabalho. Os trabalhadores bancários são
constrangidos a tornam-se “parceiros”, "sócios”, “colaboradores”
do bancos e das instituições financeiras, num ideário e numa prag-
mática que aviltam ainda mais a condição laborativa. (Jinkings,
2002)

II

Esse processo de reestruturação produtiva (que exemplificamos


acima através dos setores automobilístico e bancário), mas que
atingiu a quase totalidade dos ramos produtivos e/ou de serviços,
acarretou também alterações significativas na estrutura de empre-
gos no Brasil. Se durante a década de 1970, segundo Pochmann
(2000), no auge da expansão do emprego industrial, o Brasil che-
gou a possuir cerca de 20% do total dos empregos na indústria de
transformação, 20 anos depois, a indústria de transformação absor-
via menos de 13% do total da ocupação nacional. Como resultado
do processo de reconversão econômica, registraram-se, segundo o
autor, ao longo dos anos 90, novas tendências nas ocupações pro-
fissionais. Com “a mudança da dinâmica industrial voltada para o
mercado interno”, dada “a motivação dependente de maior inser-
ção competitiva externa, a economia nacional começou a conviver,

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


22 Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil

pela primeira desde os anos 30, com perda absoluta e relativa de


postos de trabalho na indústria de manufatura. Entre as décadas de
1980 e 1990, por exemplo, a economia brasileira perdeu próximo a
1,5 milhões de empregos no setor de manufatura”. (Pochmann
(2000), idem).
Paralelamente à retração do emprego industrial, entre as déca-
das de 1970 e 1990, os serviços aumentaram, em média, 50% sua
participação relativa na estrutura ocupacional, sendo em boa medi-
da direcionadas para o setor informal, que incorporou parcelas
expressivas de trabalhadores, sobretudo no comércio, comunica-
ções e transportes. Ainda segundo o autor: “Na década de 1990, os
serviços passaram a absorver mais postos de trabalho, sem com-
pensar, entretanto, a destruição dos empregos verificada tanto no
campo quanto na indústria. Atualmente, o aumento do desemprego
aberto reflete justamente a incapacidade da economia brasileira
para gerar expressivos postos de trabalho, não obstante o setor de
serviços continuar absorvendo uma parte dos trabalhadores que
anualmente ingressam no mercado de trabalho ou que são demiti-
das dos setores industrial e agro-pecuário”. (idem).
Se, em 1999, o Brasil estava em terceiro lugar em volume de
desemprego aberto, representando 5,61% do total do desemprego
global (sendo que sua população economicamente ativa represen-
tava 3,12% da PEA mundial), em 1986, esse índice encontrava-se
em 13º lugar no desemprego global, representando 2,75% da PEA
global e 1,68% do desemprego mundial. (Pochmann, 2000 e 2001).
Portanto, a partir dos anos 90, com a intensificação do processo
de reestruturação produtiva do capital no Brasil, sob a condução
política em conformidade com o ideário e a pragmática definidas
no Consenso de Washington e aqui seguidas pelos governos Collor
e FHC, presenciamos várias transformações, configurando uma
realidade que comporta tanto elementos de continuidade como de
descontinuidade em relação às fases anteriores. O que permite
supor que no estágio atual do capitalismo brasileiro combinam-se
processos de enorme enxugamento da força de trabalho, acrescido

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


Ricardo Antunes 23

às mutações sócio-tecnicas no processo produtivo e na organização


social do trabalho. A flexibilização, a desregulamentação, a tercei-
rização, as novas formas de gestão da força de trabalho etc, estão
presentes em grande intensidade, indicando que o se o fordismo
parece ainda dominante quando se olha o conjunto da estrutura
produtiva industrial e de serviços no país, ele também mescla-se
com novos processos produtivos, conseqüência da liofilização
organizacional, dos mecanismos da acumulação flexível e das
práticas toyotistas que foram (parcialmente) assimiladas no setor
produtivo brasileiro.
Se é verdade que a baixa remuneração da força de trabalho –
que se caracteriza como elemento de atração para o fluxo de capital
externo produtivo em nosso país – pode se constituir, em alguma
medida, em alguns ramos produtivos, como elemento obstaculiza-
dor do avanço tecnológico em nosso país, devemos acrescentar,
por outro lado, que a combinação obtida através da superexplora-
ção da força de trabalho com padrões produtivos tecnologicamen-
te mais avançados, constitui-se em elemento central, no verdadeiro
discreto charme do capitalismo brasileiro. Isto por que, para os
capitais (nacionais e transnacionais) produtivos, interessa a conflu-
ência entre força de trabalho "qualificada", “polivalente”, multi-
funcional”, preparada para operar com os equipamentos informa-
cionais, percebendo, porém, salários bastante dilapidados, sub-
remunerados, em patamares muito inferiores àqueles alcançados
pelos trabalhadores nas economias avançadas. E, vale acrescen-
tar, vivenciando condições de trabalho fortemente precarizadas.
Vivenciando condições que se aproximam do avesso do trabalho.

* * *

Os textos seguintes, que compreendem este volume duplo da


Revista Idéias, em seu sentido polimorfo e multiforme, nos ofere-
cem um panorama presente nos diversos setores e ramos produti-
vos, que auxiliam na compreensão do desenho atual do capitalismo

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


24 Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil

brasileiro e de sua reestruturação produtiva, com um olhar atento


para as formas modernas (e pretéritas) de precarização do trabalho,
bem como fotografam, com bela sensibilidade, as formas cotidia-
nas da ação, resistência e rebeldia do trabalho, tanto nas cidades
como nos campos.

Bibliografia

ALVES, Giovanni. (2000). O novo e precário mundo do trabalho,


São Paulo: Ed. Boitempo.
ANTUNES, Ricardo. (1995). Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as
metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São
Paulo: Ed. Cortez/Ed. Unicamp.
__________________(org.) (2002). Neoliberalismo, trabalho e
sindicatos: reestruturação produtiva no Brasil e Inglaterra.
São Paulo: Ed. Boitempo.
_________________. (1999). Os sentidos do trabalho. Ensaio
sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Ed.
Boitempo.
_________________ (1995). O Novo Sindicalismo no Brasil.
Campinas: Ed. Pontes.

JINKINGS, Nise. (1995). O mister de fazer dinheiro, São Paulo:


Ed. Boitempo.
_____________ (2002). Trabalho e resistência na fonte misterio-
sa, Campinas: Ed. Unicamp.
LOJKINE, Jean. (1995). A revolução informacional, São Paulo,
Ed. Cortez.
POCHMANN, Marcio. (2001) O emprego na globalização, São
Paulo: Ed. Boitempo.
__________________.(2000). “Nova Divisão Internacional do
Trabalho e as Ocupações no Brasil”, Unicamp, mimeo.

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003


Ricardo Antunes 25

PREVITALLI, F. S. (1996). Reestruturação Industrial: Um estudo


de caso sobre o processo de subcontratação nos níveis infe-
riores da cadeia produtiva do setor automobilístico. Disserta-
ção de Mestrado. UNICAMP/IFCH, Campinas.
________________. (2002). Controle e resistência na organiza-
ção do trabalho no setor automotivo. Tese de Doutorado.
UNICAMP/IFCH, Campinas.
SEGNINI, Liliana. (1998) As mulheres no trabalho bancário, E-
dusp, São Paulo.

Idéias, Campinas, 9(2)/10(1):13-24, 2002-2003

Você também pode gostar