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Semestral.
Descrição baseada em: n. 28, 2005.
A partir de 1990 publicada pela UFRN/CCHLA
Em 2004 a revista passa a ter outra numeração de periodicidade.
Este número em parceria com a EDUFRN.
ISSN 0104-3064
1. Humanismo – periódico. 2. Ciências Humanas – periódico. 3. Ciências Sociais – periódico.
HISTÓRIA ORAL:
uma metodologia para o estudo da memória
Resumo
O artigo tem como objetivo tratar de forma breve da construção da
metodologia de história oral desde a década de 1960 no campo das
ciências humanas. No Brasil, seu boom acontece na década de
1990, o que se deve à sua expansão e articulação na academia, com
um crescente número de encontros promovidos a partir da criação da
Associação Brasileira de História Oral. A grande valorização da
história oral acontece quando paradigmas científicos que outrora
passaram a ser questionados, como neutralidade, objetividade,
verdade e precisão. A história oral, também, busca fazer uma
interpretação da fala do outro, reconstruindo não apenas os eventos,
as experiências e os processos sociais, mas o sentido atribuído pelo
seu praticante. Os trabalhos baseados nos relatos orais tentam
incorporar as vantagens da subjetividade dos documentos bem
como das relações de subjetividade entre o pesquisador e o
informante. Após a revisão de tais paradigmas, não apenas pela
história oral, mas, também, por outras perspectivas teórico-
metodológicas que questionavam os pressupostos positivistas, os
historiadores orais alargaram seu campo de discussão, resgatando,
entre outros objetos de estudo, a relação entre memória e
identidades. A última parte do artigo trata deste assunto.
Abstract
This paper aims at briefly analyzing the construction of oral history
metodology in the 1960s in the human sciences field. In Brazil, its
boom has happened later on, in the 1990s, due to its expansion and
articulation, in the academic world, to an increase on number of
conferences promoted by Brazilian Oral History Association. The
emergence of oral history has occurred at a time when established
scientific paradigms were questioned, such as neutrality, objectivity
and veracity. Oral history seeks to interpret the speech of others,
reconstructing not only events, experiences and social processes, but
also the meaning constructed by the speaker. Research based on
oral history try to incorporate the advantages of subjectivity in the
documentation as well as in the relationship between researcher and
informants. A revision of those established paradigms, not only in oral
history, but also from other methodological and theoretical
perspectives which have questioned positivism, has taken oral
historians to enlarge their field of discussion, including other subjects
such as the relation between memory and identity. The last part of the
paper deals very briefly with this issue.
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Origem e expansão da história oral
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Nos Estados Unidos da América, a História Oral teve sua origem datada
em 19481, embora só em 1964 tenha passado por um momento de extensa
produção e criação. De um número de oitenta centros no ano de 1961, irá atingir
quase 300 departamentos em 1965. O clima contestador e revolucionário da
década de 60 contribuiu para o uso freqüente da história oral. A América não estava
resumida apenas à guerra do Vietnã, paralelamente ao nacionalismo de muitos
americanos. Uma outra América surgia, revelada através do movimentos negro,
feminista, das minorias étnicas, dos imigrantes latinos e daqueles taxados de
“delinqüentes”, que também eram possuidores de um nacionalismo, porém,
marcado por uma visão idealista e existencialista. Cientistas políticos e
historiadores pretenderam “dar voz” às minorias, construindo, assim, a chamada
história “vista de baixo” - dos humildes e dos sem-história. Ela “tira do
esquecimento aquilo que a história oficial sepultou” (Trebitsch, 1994, p. 23) e se
posiciona contra a “ficção da objetividade” defendida pelos positivistas. Esta
atenção que a História Oral dedicou às chamadas minorias sociais ressaltou a
importância de memórias subterrâneas que são perspectivas diversas da memória
oficial e da memória nacional (Pollak, 1989, p. 04).
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política e militante em decorrência do luto nazista e fascista. Na Alemanha, no final
da década de 70, é desenvolvido um trabalho de pesquisas sobre a memória da
guerra e do nazismo a partir das percepções da classe operária sobre este período.
O caso alemão se diferencia dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, pois além de
abordar temas de contestação, os historiadores orais também realizam uma
intensa reflexão metodológica. Trebitsch assinala :
A partir dos anos 90, a história oral ascende com força suficiente para ser
reconhecida, nacional e internacionalmente. No Brasil, seu boom acontece na
década de 1990, o que se deve a uma articulação da academia com um crescente
número de encontros promovidos, pautados na criação da Associação Brasileira
de História Oral e uma demanda social ampla que abrange a disciplina.
Quando de sua emergência neste país, por volta de 1975, a História Oral
estava voltada para professores e pesquisadores de história e ciências sociais e
depois difundida para outros grupos e organizações. A história oral se desenvolveu
em projetos comunitários, de caráter social, tais como as associações de
moradores, sindicatos de trabalhadores e outros que estavam interessados em
preservar a memória de épocas, locais ou acontecimentos que contribuíram para
suas histórias. O marketing tem utilizado a metodologia da história oral para
registrar trajetórias de empresas, que contratam os serviços de pesquisadores,
dando preferência aos que são vinculados à academia para obter maior
legitimidade. Trata-se, pois, de um contrato de uma empresa com um pesquisador
para que sua história no mercado seja uma forma de ganhar ou manter
credibilidade dos clientes.
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pesquisas. Também surgiram associações que pretendiam promover o
intercâmbio entre os pesquisadores dessa área. Na década de 90, a história oral
ganhou um grande impulso no Brasil, desenvolvendo-se não só na comunidade
acadêmica, mas, também, em outros setores da sociedade.
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História Oral: metodologia ou técnica
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“Muitas dezenas de anos de prática da pesquisa sob todas
as suas formas, da etnologia à sociologia, do questionário
dito fechado à entrevista mais aberta, convenceram-me
que esta prática não encontra sua expressão adequada
nem nas prescrições de uma metodologia frequentemente
mais cientista que científica, nem nas precauções
anticientíficas das místicas da fusão afetiva. Por estas
razões, me parece indispensável tentar explicar as
intenções e os princípios dos procedimentos que nós temos
colocado em prática na pesquisa cujos resultados
apresentamos aqui” (Bourdieu,1999, p. 693-4).
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Se por um lado há divergências com relação ao uso da História Oral,
podemos considerar como positiva a extensão do campo que ela conquistou. Se,
na origem, ela foi associada ao estudo das minorias, dos marginalizados,
atualmente, incorporou no seu campo um debate teórico-metodológico profícuo. O
reconhecimento e adesão por um considerável número de pesquisadores de
diferentes disciplinas demonstra o seu êxito.
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o que envolve negociação entre sujeitos que estão em posições sociais
diferenciadas. Assim, a euforia da história oral militante tendia a obscurer questões
metodológicas importantes.
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foi vencido quando o debate sobre o tema saiu da Europa e se fez presente no
Brasil, fato que discutimos na primeira parte deste artigo. O segundo é o de “se
manter fiel à sua inspiração inicial”, se norteando por três fidelidades: dar voz aos
excluídos, tornar visível o que a história escrita não foi capaz de transmitir e
“testemunhar as situações de extremo abandono” (Joutard, 2000, p. 33). Este
desafio remete, ao nosso ver, ao compromisso ético-político do pesquisador com
os sujeitos envolvidos na pesquisa de história oral, o que envolve desde questões
de alteridade quanto dos usos dos documentos produzidos pelo pesquisador.
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para que, tal que, de modo que...) As categorias, que a
linguagem atualiza, acompanham nossa vida psíquica na
vigília quanto no sonho” (Bosi, 1994, p. 56)
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Na construção da identidade, Pollak, considera três elementos
essenciais, o primeiro deles é o que Pollak (1992, p. 204) chama de “unidade
física”, que se constitui no reconhecimento de fronteiras de caráter físico ou de
pertencimento a um grupo; segundo, a continuidade dentro do tempo, no sentido
físico da palavra, mas também no sentido moral e psicológico; finalmente, há o
sentimento de coerência, ou seja, de que os diferentes elementos que formam um
indivíduo são efetivamente unificados.
NOTAS
1
Com a fundação do Columbia History Office, que visava preservar a memória das elites econômicas e
culturais dos Estados Unidos.
2
Não se pode esquecer, contudo, dos trabalhos anteriormente realizados na Universidade de São Paulo por
Roger Bastide e seus alunos, publicados na revista Sociologia em 1953 (v.15, n.1, março de 1953); em 1971,
Florestan Fernandes escrevia sobre a História de Vida na investigação sociológica em Ensaios de Sociologia
Geral e Aplicada; (Lang, 200, p. 95).
3
“Mas as pessoas não só falam, como também silenciam. É preciso estar atento para a escuta do não-dito.
As áreas de silêncio podem ser tão eloquentes quanto as da fala, do mesmo modo que os desvios, quando a
pessoa relata um acontecimento de um modo sabemos perfeitamente ser bem distante dos acontecimentos
fatuais. É como se diz, uma história mal contada. Ora, essa mal contada história contém uma verdade, nem
que seja a do desejo de disfarçar algo. Podemos utilizá-la como ponto de partida de uma pista que vai nos
permitir identificar a presença de algum jogo que, repito, não é só jogo do depoente, mas um jogo que implica
todas as pessoas presentes naquela hora, inclusive o pesquisador. Mas essa implicação múltipla, longe de
representar um empecilho, pode, pelo contrário, desde que devidamente levada em conta, oferecer os meios
de chegarmos mais perto da história que queremos reencontrar” (Augras, 1997, p. 32-3).
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