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Revista de Economia Política, vol.

21, nº 4 (84), outubro-dezembro/2001

Resenhas

O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul


Luís Felipe de Alencastro
São Paulo: Companhia das Letras, 2000

Alencastro procura fazer em seu livro uma tema. Os negros comprados dos nativos na Áfri-
nova leitura dos séculos XVI e XVII de nossa for- ca são vendidos ao Brasil, gerando rendas para os
mação. Sua principal tarefa será mostrar que o enten- capitais lusos e brasílicos e tributos para a Coroa
dimento da gênese de nossa economia e sociedade portuguesa. O controle sobre a mão-de-obra dá
passa necessariamente pelo estudo de todo impé- maior força aos portugueses sobre os produtores
rio português, notadamente das relações no Atlân- de açúcar. A igreja sanciona o negócio que amplia
tico Sul. Como diz, os desdobramentos relevantes a fé católica e também lucra com as taxas de ba-
à nossa formação não se restringem à delimitação tismo e outros ritos. O tráfico permite ainda aos
de nosso território atual, mesmo porque tal con- capitalistas lusos, através dos Asientos, penetrar
figuração não fazia o menor sentido naquela época. nas colônias espanholas praticando vasto contra-
Dentro dessa nova postura, adquire maior bando — com destaque ao comércio da prata na
relevância a relação Brasil — África no período, rota Luanda, Rio de Janeiro e Buenos Aires.
notadamente os circuitos existentes entre Recife, Além dessa análise conceitual, Alencastro
Salvador, Rio de Janeiro e Luanda. Alencastro mos- procura demonstrar a partir de alguns fatos a im-
tra em seu texto que todo sistema açucareiro bra- portância do esquema sul atlântico para o enten-
sileiro era fortemente dependente do fornecimen- dimento de nossa formação. Destacam-se aí as
to de africanos, com destaque para Angola. Até aí guerras travadas na conquista e reconquista de An-
nada novo. A novidade de seu texto está justamen- gola no período das invasões holandesas no Bra-
te em ampliar a pesquisa referente ao tráfico ne- sil. Em 1641, Maurício de Nassau decide tomar
greiro, mostrando que esse não se resumia ao for- Luanda em vez de atacar Salvador. Estava claro
necimento puro e simples de mão-de-obra para para o líder dos holandeses que sem o braço afri-
nossas lavouras. cano, o sistema açucareiro não poderia funcionar.
No aprofundamento desse estudo, Alencas- Em 1648, a expedição mista de portugueses e bra-
tro vai demonstrado a existência de um “todo sul sílicos toma Luanda de volta dos holandeses. Ape-
Atlântico” que será em última análise o maior res- sar da presença de frotas da Holanda em nosso
ponsável pelas bases de nossa formação. Para de- litoral, lança-se uma expedição — liderada por Sal-
fender essa idéia, o autor discute ao longo do livro vador de Sá e praticamente montada no Rio de
aqueles que seriam os pilares desse sistema mon- Janeiro — para reconquistar a fonte de suprimen-
tado pela Coroa portuguesa para administrar e to de mão-de-obra de nossa economia.
explorar seu império: feitorias africanas, tráfico Essencial também ao entendimento do dese-
negreiro, açúcar brasileiro, liberdade dos índios do nho que se formava aqui à época de nossa forma-
Brasil e jesuítas. ção é a análise das condições de navegação de en-
Ao longo do texto, vemos como essas peças tão, mais especificamente do papel do anticiclone
vão se articulando para o funcionamento do sis- de Capricórnio. Este, “estacionado no Oceano en-

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tre 15 e 20 graus de latitude sul”, reduzia conside- da “Bandeira dos Limites” — que iria definir os
ravelmente as distâncias entre os enclaves litorâ- contornos de nossa borda oeste — liderada por
neos brasileiros e a costa africana, privilegiando a Raposo Tavares com início em 1648, mesmo ano
troca de vários produtos. Na rota negreira transita- da expedição que parte para reconquistar Ango-
vam, além de escravos, alguns produtos do Brasil la, ilustra a alienação paulista. Amazonas e Pará,
que acabariam por formar um eixo bipolar de comér- apesar de distantes, se aproximam mais de São
cio. Dentre estes se destacam a mandioca, as con- Paulo do que de Recife e Salvador. Ao não se en-
chas ou moeda zimbo e a cachaça ou jeribita do caixar nas redes sul atlânticas — açúcar, negros e
Brasil. Alencastro apresenta várias evidências do pe- comércio com Angola — ficavam também fora do
so dessas mercadorias na troca por escravos negros. sistema colonial trazendo inclusive grandes proble-
Essa leitura de nossa história traz luz a uma mas à administração portuguesa.
série de eventos de nossa formação. A dizimação Com a descoberta do ouro, alguns dos deta-
indígena, o povoamento dos sertões e o avanço da lhes dessa configuração ficam encobertos ou esque-
pecuária bovina, a mestiçagem, entre outras. Den- cidos. Essa nova leitura do século XVII é, portan-
tre todas, talvez a mais importante seja a contri- to, essencial para o entendimento do século XIX.
buição ao entendimento da configuração econômi- Alencastro argumenta já no final de seu livro que
ca e territorial que se apresentava aqui à época. não é possível entender a sequência de eventos dos
Salvador, Recife e Rio de Janeiro formavam aqui- 1800 sem este novo pano fundo dos 1600.
lo que conhecíamos como Brasil. São Paulo e os
bandeirantes constituíam um universo a parte. Vol- Paulo Gala
tados para o interior e na busca de índios, iam na Mestrando em Economia de Empresas —
contramão de todo sistema sul atlântico. A chama- Fundação Getúlio Vargas, São Paulo.

O Futuro da Indústria no Brasil e no Mundo: os Desafios do Século XXI


Antonio Barros de Casto e outros
Rio de Janeiro: Campus, 1999, 334 p.

Quais são os principais desafios para a indús- industrial do Brasil e de outros países é analisada
tria numa fase de financeirização e globalização? sob os mais variados aspectos, tendo como pano
Essas são as questões centrais presentes nesta opor- de fundo as transformações advindas da nova di-
tuna coletânea que traz a contribuição de especia- nâmica da economia globalizada, sob a égide da
listas nacionais e internacionais, a partir de um qual, nas ultimas décadas, passou a prevalecer a
simpósio realizado em Brasília pela CNI — Con- hegemonia das finanças.
federação Nacional da Indústria. À partir de uma agenda ampla, as seis partes
O primeiro aspecto que chama atenção é a compõem um conjunto de abordagens complemen-
diversidade de análises de economistas e sociólo- tares entre si: Como as nações se desenvolvem?,
gos das mais variadas correntes teóricas e especi- Por que a indústria é importante?, O que é a ques-
alizações como Antonio Barros de Castro, Anto- tão tecnológica para a indústria?, Qual é a nova
nio Delfim Neto, Arthur Barrionuevo, Celso Lafer, empresa que está surgindo?, A organização do tra-
David Landes, Eduardo Gianetti, Fernando Hen- balho e o novo trabalhador e Política Industrial em
rique Cardoso, José Pastore, Leôncio Martins e um mundo global: restrições e possibilidades.
Regis Bonelli, além de empresários como Décio da Uma das principais características dessa nova
Silva (WEG), Fernado Bezerra e Jorge Gerdau, para fase da economia globalizada é o crescimento da
destacar alguns que, entre muitos outros, expõem internacionalização da economia. A expansão glo-
com maestria seus pontos de vista a partir da agen- bal dos investimentos diretos estrangeiros tem feito
da proposta. O fato de trazer tão vasta e qualifi- com que o papel das empresas transnacionais na
cada análise sobre a questão já justificaria por si economia mundial seja crescente. Estima-se que
só a contribuição relevante da obra. Mas o seu cerca de um terço da produção mundial seja de
mérito não para aí. responsabilidade dessas empresas, que respondem
Organizada em seis partes, que compõem de- também por cerca de 60% das exportações mun-
zenove capítulos, a questão do desenvolvimento diais, sendo que a metade dessa parcela correspon-

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da a transações intra-firma, ou seja, entre matri- que mais recebeu ingressos de investimentos dire-
zes e filiais, ou entre filiais de vários países. tos estrangeiros, logo depois da China.
Conforme o World Investiment Report, da A exemplo do que ocorre no cenário inter-
Unctad, essas corporações, das quais 40 mil ma- nacional, na economia brasileira o processo de fu-
trizes com 250 mil filiais em todo o mundo, gera- sões e aquisições tem crescido muito nos últimos
ram transações diretas da ordem de US$ 14 trilhões anos, tanto envolvendo transações nacionais como
(1999). A expansão internacional das empresas internacionais. Esse é um movimento que incorpo-
tem impulsionado os investimentos diretos estran- rara cada vez mais setores industriais, comerciais
geiros, que crescem em proporções sem preceden- e de serviços. Às transformações da economia mun-
tes na história econômica mundial. dial se somam as dificuldades competitivas espe-
Saindo de um patamar pouco superior a US$ cíficas da economia brasileira, o que limita a ca-
50 bilhões em 1985, o volume de investimento di- pitalização e expansão das empresas.
reto estrangeiro global atingiu US$ 200 bilhões no Além dos aspectos microeconômicos da
início da década de noventa e, mantendo cresci- questão, este é um movimento que representa,
mento contínuo ao longo dos demais anos, chegou para a economia mundial e os Estados Nacionais,
a US$ 800 bilhões em 1999. Dados preliminares um enormes desafio no tocante à coordenação das
para o ano 2000 apontam para um nível superior políticas econômicas e a defesa da concorrência,
a US$ 1 trilhão. o que torna importantíssimo o papel regulató-
Outro fenômeno diretamente associado a es- rio do Estado, de forma a articular as estratégias
se processo é o movimento de fusões e aquisições de desenvolvimento, assim como preservar as
de empresas, que tem crescido muito nos últimos condições de competitividade no mercado e evi-
anos. Os efeitos da globalização da economia, o tar as distorções potenciais do processo. Por ou-
acirramento da competitividade e maior exigência tro lado, a crescente desnacionalização de empre-
dos mercados têm imposto às empresas, novos de- sas precisa ser compatibilizada com um aumen-
safios e transformações que, muitas vezes, não con- to da capacidade de geração de divisas, de manei-
seguem realizar individualmente. ra a evitar o desequilíbrio estrutural do Balanço
Nas últimas duas décadas, a liquidez do mer- de Pagamentos.
cado financeiro internacional e a expansão capita- Aos compromissos de remessas para remu-
lista têm implicado uma procura crescente de no- neração dos investimentos se somam as remessas
vos mercados por parte das empresas dos países de juros, as despesas com fretes, seguros e viagens
centrais, fazendo aumentar o interesse dos investi- internacionais, que pressionam o déficit da balança
mentos destinados aos países em desenvolvimento. de serviços e seu impacto na conta de transações
Isso tem feito crescer a parcela dos países em correntes do Balanço de Pagamentos.
desenvolvimento no montante global de recursos. A esse fator de mudança estrutural, ressal-
O Brasil, que estivera ausente do mapa de investi- te-se que a abertura comercial no Brasil não foi
mentos externos ao longo da “década perdida” nos acompanhada de mudanças sistêmicas que propor-
anos oitenta, entrou na rota dos investimentos di- cionassem aos produtores locais condições de com-
retos estrangeiros nos noventa, especialmente de- petitividade compatíveis com os concorrentes in-
pois da implantação do Plano Real. A queda da ternacionais. Como se não bastasse essa distorção,
inflação, que era a última resistência dos investi- a taxa de câmbio se manteve artificialmente valo-
dores ao mercado brasileiro, veio consolidar o ce- rizada ao longo do período de 1994 a 1998, o que
nário receptivo às novas inversões, definido ante- fez com que houvesse uma significativa deteriora-
riormente pela abertura comercial, a redução das ção do saldo da balança comercial, que de um su-
restrições de atuação setorial, como informática, perávit superior a US$ 10 bilhões em 1994, trans-
por exemplo, e a renegociação da dívida externa. formou-se em um déficit que chegou a US$ 8 bi-
Mais tarde, as privatizações e o boom das lhões em 1997.
fusões e aquisições também foram determinantes, Adicionalmente, convém destacar que a au-
assim como a emergência do Mercosul. Essa com- sência de um projeto nacional articulado de desen-
binação de fatores e a extraordinária expansão do volvimento de longo prazo, contemplando a ade-
fluxo internacional de capitais fizeram com que o quada utilização das políticas públicas como ins-
montante destinado ao Brasil crescesse de pouco trumento de inserção ativa no mercado globalizado
mais de US$ 1 bilhão ao ano, nos início da déca- fragilizou a posição da indústria e tende a ampliar
da, para US$ 30 bilhões recebidos na média de crescentemente os riscos da vulnerabilidade exter-
1998-2000. Em 2000, o Brasil foi pelo quinto ano na da economia brasileira.
consecutivo, o segundo país em desenvolvimento É nesse sentido que o livro organizado pela

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CNI apresenta uma importante discussão sobre gorias de analistas (muito provavelmente excluden-
o papel da indústria no novo cenário interna- tes entre si): os perplexos e os desinformados!
cional e doméstico. Mais do que isso, o trabalho Ao primeiro grupo filiam-se, é claro, os au-
se mostra igualmente imprescindível para aque- tores da coletânea em questão.
les que se interessam pela discussão das grandes
transformações na dinâmica econômica global e Antônio Corrêa de Lacerda
seus impactos. Professor do Departamento de Economia da
Lendo o trabalho me lembrei da assertiva de PUC-SP e Presidente da Sobeet (Sociedade
que, diante do quadro atual, de tão rápidas trans- Brasileira de Estudos de Empresas
formações, incertezas e desafios, só há duas cate- Transnacionais e Globalização Econômica)

Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World.


Lincoln Gordon
Washington DC: Brooking Institution Press. 2001. 243pp.

Ambassador Lincoln Gordon’s book Brazil’s as Gordon believes? The per capita income, for
Second Chance: En Route toward the First World example, was much lower in comparative terms to
sets forth to answer a critical question: can Brazil the after “miracle” years of 1968-73 when the
reach the political and economic consensus neces- growth rate averaged 11.2% as compared to a me-
sary to implement the policies that will fulfill its re 6.4% per annum during the 6 years preceding
two century-long aspirations to attain first world the first lost chance. Likewise the political criterion
status? To Gordon, a former Harvard University is questionable. Other newly developed countries,
professor, past president of Johns Hopkins Univer- in particular South Korea, which is often consid-
sity and the former US ambassador to Brazil from ered to be a country that succeeded in reaching first
1961 to 1966 (the ambassador who presided the world status was not a democracy until 1993. In-
1964 “coup d’état”) the answer depends on whe- deed, Ambassador Gordon never clearly explains
ther Brazil can satisfy three criterion: 1) a politi- why democratic regimes, as opposed to dictatorial
cally stable pluralist democracy; 2) a domestic eco- ones, are better to reach first world status. And,
nomic situation in which well developed industrial he does not explain why Brazil has not effectively
and service sectors, together with urbanization, addressed the issues of poverty, illiteracy, corrup-
provide income levels and social safety net cover- tion and the forever increasing income concentra-
age equivalent to standards found in OECD coun- tion in the Brazilian authoritarian or democratic
tries; and, 3) a regime that maintains openness to administrations.
foreign trade and investment. In Brazil’s Second Chance, the nation’s de-
For Gordon, the year 1964 was the turning velopment trajectory is analyzed by examining the
point in Brazilian history, the year Brazil missed its three Brazilian recent historical phases — Kubits-
chance to reach first world status. By undertaking chek’s administration from 1955 to 1960, the mili-
an assessment of the nation’s development in the tary regime from 1964 until 1985, and the post-
last half-century, the author seeks to shed light on 1985 civilian phase with emphasis on the Real Plan
what contributed to the missed opportunity. Bra- era — an era of more liberalization, more priva-
zil’s inability to achieve development was based on tization, more stabilization but with stumbling eco-
its failure on all three criterions. Politically, the nomic growth. In a concise, but comprehensive,
nation suffered from more than 20 years of dicta- volume Gordon achieves an interesting summary
torship. On the domestic front, policymakers were of the main political, economic and social chal-
unable to overcome chronic inflation, verging on lenges faced by a large developing country attempt-
hyperinflation, and extreme inequality in the dis- ing to catch up the already developed economies
tribution of incomes and wealth. In the external of the OECD.
front the country turned inwards stressing an im- Under Getúlio Vargas, Brazil’s economy en-
port substitution industrialization strategy. tered the process of industrialization in the 1930s.
But one does question whether the country However, it was only in the 1950s under the lead-
was as close to attaining first world status in 1964 ership of President Juscelino Kubitschek that this

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process really took off. With a well-designed plan cao could avoid the constraints on the balance of
and an strategy that welcomed foreign direct in- payments.
vestments Brazil seemed to be on a fast track to- The strong presence of US political and eco-
ward first world status. President Kubitschek’s pro- nomic interests in many Latin American countries
gram “Fifty Years in Five” led to an annual growth and their involvement in seeking to alter the re-
rate of 9% from 1957 to 1962. Among other sec- gion’s political map is rejected by Gordon, who
tors, the auto industry grew at a high rate and ma- staunchly denies any involvement of the US gov-
ny factories were installed in Brazil’s already larg- ernment in the 1964 overthrow of President Gou-
est city and consumer market, the city of Sao Paulo lart. He also does not believe that the CIA was
and its metropolitan area. Those optimistic and engaged in an undercover operation like the one
prosperous years became unforgettable to Brazil- that happened in Chile in 1973. He does acknowl-
ians in particular and for the world in general. edge however that a naval task force consisting of
Soccer became a national passion with Brazil win- an aircraft carrier and escorting destroyers left the
ning its first world cup in 1958 and the capital of Caribbean for the Brazilian coast on March 31,
the country was transferred to the newly built city 1964. Gordon acknowledges that this operation
of Brasilia — an icon of the modern architecture was organized based on his recommendation to the
and at that time symbol of the Brazil’s optimism. US government. That it would be necessary to have
Notwithstanding the economic progress a contingency plan in case that a civil war devel-
achieved in the prior decade, the beginning of the oped in Brazil. Gordon stipulates that the US gov-
60’s was turbulent. Despite peaceful elections and ernment reassigned the battalion based on the pre-
the impression of broad-based support for the ad- mise that the forces would solely be used to evacu-
ministration of the Janio Quadros, his unexpected ate Americans in the region. Gordon credits the
resignation, few months after his inauguration, entirety of the deposition of President Goulart to
triggered a crisis. The military did not approve the Brazilian military.
Vice-President João Goulart, and even orchestrated In subsequent chapters, Lincoln Gordon des-
an attempt to prevent him from even taking office. cribes the political and economic episodes of the
Episodes such as the triumph of the Cuban revo- 70’s, 80’s and 90’s that similarly challenged Brazil’s
lution increased the US government’s fear that La- trajectory. After providing an encompassing over-
tin America would quickly become a bastion of view of the structural changes under the military
communism. Brazil, under left-leaning President republic and the incomplete transformations of the
Goulart’s administration, was among those being economic and social structures, Gordon addresses
closely watched. Eventually Goulart was ousted by the social dimensions of the Brazilian efforts to
a military coup d’état in 1964 and a twenty-one become a first world member. Gordon effectively
year period of dictatorship ensued. underscores that neither military nor democrati-
Professor Gordon points that Brazil’s “first cally elected governments have prioritized policies
chance” toward the first world failed in 1964 af- aimed at achieving more equitable income distri-
ter the early resignation of Janio Quadros and the bution, completing land reform, poverty reduction
ill-fated presidency of Goulart. In spite of the fast- measures including investments in education and
paced industrialization process implemented in health care. Reflecting on these issues the author
1950s, little was done with respect to developing dismisses them, arguing that “the key to large-scale
the nation’s human capital in the following deca- transformation, however, is job-creating overall
des. Significant investments in education and public economic growth and price stability, combined
health were never a priority to the military govern- with radical improvements in education at all lev-
ments, and the reforms that were implemented, els, suited to a modern economy. The watchwords
such as the much-criticized MEC/USAID — Min- must be persistence and patience”.
istry of Education and the United States Agency for But as the successive years of inflation
International Development reform was ineffectual. throughout the 80’s and 90’s indicate, persistence
Meanwhile, policymakers within the military gov- and patience have long been essential for enduring
ernment aggressively advocated the continuation Brazil’s crises. These lost decades were the result
of the industrial strategy based on import substi- of a long chain of events and mismanaged policies
tution where state companies would play a pre- including: rise in the world interest rates because
dominant role. At the time, these officials who are of anti-inflationary policies in US, slowdown in
quoted by Gordon, believed that not importing worldwide rates of growth, declines in primary
expensive capital goods and exporting traditional commodity prices, defaults of debt payments by
commodities such as coffee, sugar, cotton and ca- Mexico in 1982 and the subsequent sharp reduc-

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tion in foreign bank lending to the rest of Latin the world arena’s attention to it as a promising
America, including Brazil. For Brazil, the challen- major player regionally. Brazil has entered into a
ges of stabilizing chronic inflation were particularly free trade agreement with neighboring Argentina,
unique given the accompanying challenge of a tran- Uruguay and Paraguay. But, as Gordon effectively
sition from military to civilian regimes. notes, integration and dependence also pose risks
The Cruzado Plan launched in 1986 by Presi- for Brazil. For example, Gordon cites the differ-
dent Sarney represented then Brazil’s most ambi- ences in monetary regimes adopted by Brazil and
tious move to eliminate hyperinflation. Prices and Argentina as threats to the future of the Mercosur.
salaries were frozen overnight. The plan had a suc- Nevertheless, Gordon advocates that Brazil begin
cessful start with inflation dropping from 450 per- negotiations with the US in order to consolidate its
cent to single digits in the first months, but the joy entry in the Free Trade of the Americas Agreement,
did not last long and the Cruzado failed before it an agreement whose details have yet to be accorded
completed its first anniversary. By January 1987, by most government in the region.
inflation was once again averaging 40 percent per Gordon concludes his historical analysis by
month. Once more, Brazilians watched powerlessly identifying four key policy challenges that Brazil
as inflation coexisted alongside a series of econo- must address in order to attain development and
mic experiments throughout the next nine years first world status: consolidation of macroeconomic
while annual inflation rates ranged from 1,300 to stability, poverty reduction, active engagement in
2,600 percent and the population’ s mood, between the global economy, and political reform. The crite-
one economic plan and other, alternated between ria established by Gordon to be a first world coun-
euphoria and despair. try are established ex-post and the policy prescrip-
After the failure of the “Bresser”, “Summer” tions beg the question “what came first, the chicken
and “Rice and Beans” plans, the newly inaugurated or the egg?” or more precisely, “are these policy
President Collor applied a heterodox program to prescriptions necessary and sufficient conditions to
eradicate hyperinflation in 1990. The Collor plan ensure economic growth and development?”
froze two-thirds of the economy’s liquid assets in- Brazil’s Second Chance is without any doubt
cluding personal savings and bank accounts for 18 one of the most interesting books published on
months, as well as salaries and prices. The Collor Brazil’s contemporary history. Lincoln Gordon’s
Plan failed, and along with corruption scandals, style and language are clear and easily catch the
would eventually lead to Collor’s impeachment reader’s attention. The book is written with an ex-
two years later. The new Itamar Franco’s admin- citing combination of history, economics and poli-
istration prepared the Real Plan, and tamed the tics and the author’s role as an insider and at times
inflation in 1994. Brazil’s most voracious enemy outsider provides the reader with a unique insight
for decades was finally subdued. Nevertheless, the into this compelling half-century of Brazilian his-
economic stabilization Real Plan did not address tory. Gordon’s book is definitely worthwhile for
vexing problems such as poverty and regional dis- both old and new generations. For older genera-
parities inside and between northern and southern tions, namely those who opposed military role, the
states. Another troubling feature is that the Real book tests one’s ability to be able to analyze the
Plan accentuated Brazil’s fiscal indiscipline, as the author’s compelling assessment without being bi-
government could not count on high inflation to ased by his controversial role as US ambassador of
erode a chunk of its expenditures. the coup d’état. For the new generations, the book
Professor Gordon considers macroeconomic is an invitation to revisit Rostow’s and Kuznets’s
stability and fiscal discipline as the basic pillars for theories of development, of which Gordon’s analy-
economic development. However, he points that in sis is premised.
order to gain advanced development, Brazil should
also pursue political reform and greater integration Gilmar Masiero
into the world economy. Indeed, Brazil has become State University of Paraná at Maringá and
further integrated in the 50s as well as in the 90s. Visiting Scholar at David Rockefeller Center for
Brazil’s progress in the 1990s definitely increased Latin American Studies, Harvard University

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A Economia como Ela É...
Paulo Nogueira Batista Jr.
São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.

O livro como ele é... O título da coletânea é Assessor Especial do Ministro da Fazenda para As-
uma alusão à série de contos A vida como ela é..., suntos da Dívida Externa (gestão Funaro) tendo
de Nelson Rodrigues (o segundo autor mais cita- sido um dos principais artífices da Moratória en-
do no livro e fonte de inspiração de muitos arti- tão anunciada. Foi ainda um dos mais importan-
gos nele incluídos, o primeiro, mas por razões di- tes assessores econômicos do Partido dos Traba-
versas, é o presidente Fernando H. Cardoso). lhadores, por ocasião da última campanha de Luiz
Parte preponderante do livro é formada por Inácio Lula da Silva à Presidência da República.
ensaios, papers acadêmicos e conferências, sobre Num país em que os economistas escrevem
a Economia Brasileira (Plano Real, Política Cam- tão pouco, publicou, como autor ou co-autor, mais
bial, Finanças Públicas, Banco Central e Crise Ban- de dez livros, dentre os quais destacamos: Mito e
cária no Brasil, Dívida Externa e Movimentos de Realidade na Dívida Externa Brasileira, Da Crise
Capital, Desnacionalização); sobre a “Globaliza- Internacional à Moratória Brasileira, e A Luta pela
ção” e seus “Mitos”, sobre a Argentina e o Mer- Sobrevivência da Moeda Nacional e A Economia
cosul, sobre a Dolarização, sobre o Quadro Mun- Como Ela É, objeto desta resenha. Na adolescên-
dial, e sobre Personalidades da Cena Nacional, mas cia, o seu interesse principal era a Filosofia. Hesi-
com a vantagem de serem quase sempre acessíveis tou bastante entre estudar Economia e Filosofia e
a leigos e não-economistas, pois o Autor tem uma acabou preferindo estudar Economia por razões
característica um pouco rara entre nós economis- pragmáticas. Tinha receio que o estudo de Filoso-
tas — e isso deveria ser sempre um elogio — : es- fia não lhe fosse dar condições de sobrevivência a
creve muito bem. Com exceção de um estudo so- longo prazo. Seu pai, Paulo Nogueira Batista (já
bre a questão tributária, que é inédito, as confe- falecido), um dos mais importantes diplomatas da
rências e ensaios apareceram anteriormente em re- história do Itamaraty, não tinha formação em Eco-
vistas e outras publicações acadêmicas. Mas esses nomia, pois estudou Direito e fez mestrado em
textos em sua maioria foram atualizados e par- Ciência Política, mas sempre foi um diplomata vol-
cialmente reescritos para o livro. Já os artigos de tado para questões econômicas. Então, em sua ca-
jornal são quase todos da coluna semanal (quin- sa, desde cedo, debates sobre questões econômicas,
tas feiras) mantida pelo autor na Folha de S. Pau- políticas, nacionais e internacionais, sempre foram
lo. Assim, os textos reunidos no livro são bastan- muito presente. Paulo Nogueira Batista Jr. tem tam-
te heterogêneos quanto à forma, ao tom e ao con- bém, desde jovem, muito interesse por História
teúdo. Vão desde embates jornalísticos, permeados pois logo percebeu que na História as questões eco-
de sarcasmo e ironia, até a linguagem “sóbria e nômicas tinham um peso muito forte. Paulo No-
contida” do ensaio. Tratam de temas muito vari- gueira Jr. ao contrário da maioria dos economis-
ados, da macroeconomia à política, do contexto tas de sua geração, fez sua pós graduação na Eu-
internacional a personalidades da vida brasileira, ropa pois tinha uma percepção, que ainda acha vá-
do futebol às crises financeiras dos anos 90. lida, de que seria mais interessante estudar na Eu-
O autor como ele é: Paulo Nogueira Batista ropa do que nos Estados Unidos, pois o contexto
Jr. formou-se em Economia pela PUC/RJ, e obte- intelectual europeu era mais rico que o americano,
ve seu Mestrado na London School of Economics e que seria uma experiência intelectualmente mais
and Political Science. Trabalhou no Centro de Es- interessante estudar em uma universidade inglesa
tudos Monetários e de Economia Internacional do do que em uma americana. Na London School foi
Instituto Brasileiro de Economia — IBRE da FGV aluno de Mark Blaug, professor de História do
de 1979 a 1989, chefiando este Centro entre 1986 Pensamento Econômico, que também tem obras in-
e 1989. Foi Professor da PUC/RJ e desde de 1989 teressantes sobre Metodologia da Economia, bem
é Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Gra- como de Lionel Robins (em seus últimos cursos).
duação da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Mesmo não tendo sido seu aluno, dentre os
Iniciou sua participação na vida pública em 1985 economistas brasileiros, o que mais lhe influenciou
como Secretário Especial de Assuntos Econômicos foi Celso Furtado, a quem Paulo Nogueira consi-
do Ministério do Planejamento. Posteriormente foi dera o economista brasileiro com a contribuição

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mais significativa. Outra influência que deve ser netária mais recente na América Latina, especial-
mencionada e que também não foi formalmente mente nos casos argentino e brasileiro. Vou plagiar
seu professor, mas com quem Nogueira Batista Jr. o autor, com o intuito de melhor defini-lo, pois
trabalhou no IBRE, foi Octávio Gouvêa de Bu- “quem o conhece e pensa nele (Paulo Nogueira Jr.)
lhões, Ministro da Fazenda no governo Castello pode-se lembrar da advertência de Nietzsche: evi-
Branco, uma pessoa que o ajudou muito em seu tem as biografias com o refrão “fulano de tal e sua
interesse por Economia. De suas leituras em Eco- época” e procurem aquelas em cujo fronstispício
nomia, devem ser destacada as leituras (e releituras) possa figurar “um lutador contra o seu tempo”.
de Keynes, não só o Keynes da Teoria Geral, mas “Os homens que valem realmente a pena”, dizia
também e principalmente o Keynes pouco lido pe- Nietzsche, “são os que atuam contra o seu tem-
los economistas brasileiros, o do Collected Writings po”. Uma das linhas-mestras do pensamento de
(a respeito, escreveu um trabalho sobre o papel do Paulo Nogueira Bastista Jr. é, como se sabe, o
Keynes no debate da estabilização do marco ale- nacionalismo. Nesses tempos de “globalização” e
mão). Não erraríamos em dizer que Keynes é a sua de “entreguismo”, Paulo Nogueira é, aos olhos de
principal referência teórica. muitos dos economistas brasileiros, uma figura
Desde sua experiência no IBRE, Paulo No- solitária e ultrapassada, assim como Barbosa Lima
gueira é fundamentalmente um economista de pes- Sobrinho, “um náufrago da época em que o Bra-
quisa. Apesar de ser um exímio professor, nunca sil sonhava em comandar sua própria história”.
deu na sua vida mais que um curso por semestre, Paulo Nogueira é, antes de mais nada, um eco-
e em muitos períodos, optou por não dar aula para nomista que ama o seu País e, gostemos ou não
sobrar mais tempo para a pesquisa e, nelas, o in- de suas idéias, é um dos mais importantes econo-
teresse dominante é por questões de política eco- mistas do Brasil. Seu livro, portanto, é de leitura
nômica. O debate sobre estabilização na América obrigatória.
Latina, nos anos 80 e 90, teve muito a ganhar, com
as suas análises das estabilizações clássicas, a par- José Marcio Rego
tir de suas referidas releituras de Keynes do The Professor de Metodologia da Economia
Monetary Reform e especialmente, do Treatise on do Curso de Mestrado em Economia da FGV-SP
Money e de suas outras obras intermediárias, lan- e de Economia Brasileira dos Cursos de
çando uma luz enorme sobre a estabilização mo- Graduação da PUC-SP

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