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Voto: unindo o útil ao desagradável

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“O que estamos buscando não é um programa para um partido, mas um modo de vida para
um povo”. (T. S. Eliot)

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Caríssimo leitor, peço licença para, neste pequeno artigo, esclarecer algumas de minhas
posições em relação ao processo eleitoral de 2018 – e todos os outros –, que já se
encaminha para o final.

Quem me conhece bem, sabe de minha vocação para o quase completo ceticismo
político em relação ao Brasil. Não creio, de modo algum, que nossos gravíssimos
problemas se resolvam na esfera política, e venho dizendo isso há tempos em meus
artigos, aqui, nesta Gazeta do Povo. Só poderemos ser içados da cova abissal na qual nos
encontramos com a ajuda de Deus e de um redirecionamento cultural que só será
possível mediante um trabalho paciente e persistente de professores, escritores, artistas,
jornalistas etc.; mas, sobretudo, de uma sociedade comprometida com aquilo que T. S.
Eliot chamou de “coisas permanentes”. Os políticos são acessórios, muitas vezes
desagradáveis, nesse processo.

Após mais de cinquenta anos sendo submetidos a uma cultura de contestação – senão
de destruição – e de exaltação do que há de mais sórdido no pensamento ocidental, a
cultura e a educação do país foram reduzidas a mera militância política, e não há o que
se possa fazer em curto ou médio prazo. Toda nossa tradição cultural, que durante
séculos foi solidamente “construída sobre antagonismos” (para usar um termo do
grande Gilberto Freyre), foi sufocada por um provincianismo mentiroso, que, ao mesmo

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tempo em que contesta o colonialismo cultural e político, se entrega a um
neocolonialismo ainda pior, o intelectual, usado por pensadores progressistas como
estratégia ideológica de transformação social. O multiculturalismo demonizou o nosso
senso de distinção daquilo que é qualitativamente superior e inferior, a nossa razão
estética, o nosso senso de simetria, e nivelou, maquiavelicamente, Carlos Gomes com
MC Carol, Pixinguinha com Pixote.

Como explica Roger Kimball, em Radicas nas Universidades (Peixoto Neto), “no centro do
ethos multicultural está a ideia de que todas as culturas são igualmente valiosas e,
portanto, preferir uma cultura, uma herança cultural ou uma ordem moral e social à
outra é ser culpado de etnocentrismo e racismo” (p. 252). E mais: “O imperativo
multicultural segue sob a suposição de que toda a vida cultural deve ser explicada em
termos políticos, preeminentemente em termos de gênero, raça, classe e origem étnica”
(p. 253). Praticamente todo o ambiente acadêmico – de onde saem, há décadas, todas as
diretrizes culturais da sociedade ocidental –, está tomado por ideólogos desse tipo,
comprometidos não com a verdade, mas com projetos de controle social por meio do
politicamente correto. Mudar isso não é um trabalho de políticos, mas, sim, de
intelectuais preparados para produzir, em larga escala, um contraponto a essa
hegemonia cultural. No momento, think tanks e fundações não progressistas são mais
importantes que presidentes – e essa é a minha, exclusivamente minha opinião.

Não há saída fácil para esse problema, que não uma paciente ocupação de espaços,
como a realizada anteriormente por esses que hoje dominam todas as esferas de
produção cultural e de educação. É preciso catalisar o senso de desordem que a
sociedade brasileira tem demonstrado nos últimos anos – através de um
conservadorismo que se manifesta não por convicção, mas por inércia –, e propor um
caminho de restauração da ordem. E, sem grandes rupturas, sem arroubos
revolucionários ou reacionários, realizar uma prudente reformação do imaginário
cultural brasileiro. Não para destruir o que foi construído até agora, mas para restaurar
o que foi destruído desde então.

Aliás, qualquer pessoa que tenha feito uma leitura atenta de Platão, Aristóteles e Eric
Voegelin, e os tenha compreendido minimamente, só se deixa arrebatar pela paixão
política se for um ingênuo ou um mal intencionado, motivado por interesses pessoais. A
paideia platônica percorria longas quatro décadas de formação, a fim de preparar um
homem para governar; o homem maduro (spoudaios) de Aristóteles – aquele que “aspira
àquilo que é, verdadeiramente, um objeto de aspiração”, por isso “julga tudo
corretamente” e é “a norma e medida do nobilitante e agradável” (Ética à Nicômaco) –, o
homem que atinge o grau máximo das potencialidades humanas, e no qual os outros
baseiam suas próprias escolhas, não alcança esse nível moral e intelectual sem muito
esforço e prática das virtudes. Evidentemente que nada disso é possível da noite para o
dia – muito menos politicamente.

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O intelectual que sucumbe à paixão política mostra-se motivado por uma espécie de
“revolta egofânica” (termo de Voegelin), pois, em estado de “obsessão libidinosa” tenta
moldar a realidade a seus esquemas, apostando no imediatismo que, ideologicamente, o
beneficia. E, então, aquele que é chamado a ponderar o arrebatamento das massas,
sucumbe ao seu alarido. O homem maduro (spoudaios) de Aristóteles é trocado pelo
intelectual orgânico de Gramsci.

De minha parte, tenho seguido minha vocação, que é a docência, e nisso tenho me
empenhado diariamente. Não desejo um comprometimento direto com a política; prezo
minha independência e minha liberdade de pensamento. Meus apoios e rejeições
caminham de acordo com a avaliação que faço da necessidade de cada momento
específico; só o que há de definitivo, para mim, é a Verdade. Tenho procurado seguir o
preceito bíblico que orienta a não temer aqueles que podem matar o corpo, mas Aquele
que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo (Mt 18, 28). Confio em Deus.

Entretanto, é preciso votar; numa democracia (ou no que deveria ser uma), é preciso
escolher o representante dos “interesses do povo”. E votar, para mim, é sempre escolher
o mal menor; é sempre escolher entre aquele que se meterá menos em minha vida e o
que vai, efetivamente, me prejudicar. Aliás, essas são minhas perspectivas para o Brasil
atual. A conjuntura me obriga a tal posição. Não tenho ilusões.

Mais importante para mim é saber em quem não votar, e isso eu sei. Não posso sequer
cogitar o voto numa organização que se apoderou do Estado brasileiro por mais de 10
anos, a fim de saquear o país e evadir divisas para seus acólitos de países cujos governos
têm em comum um projeto de perpetuação no Poder. Entre o mal evidente e o bem
improvável, fico com o bem improvável – mas não impossível. E enquanto não temos no
Brasil um verdadeiro spoudaios, capaz de governar com correção e sabedoria –
proporcionando ao país um ambiente pleno de desenvolvimento, liberdade e ordem –,
sigamos pelo caminho do possível.

Paulo Cruz

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