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A ResponsAbIlIdAde cIvIl InteRnAcIonAl dos estAdos: dIReItos humAnos e meIo AmbIente

A Responsabilidade Civil Internacional dos Estados:


direitos humanos e meio ambiente
The International Civil Liability of the States: human rights
and environment

Rui Decio Martins


Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais (PUC-
SP), Mestre em Direito Internacional (USP), Bacharel em Direito
(USP), Professor do Curso de Mestrado em Direito (uniMep),
Vice-Diretor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.
Professor aposentado da unesp.

JoRge Luís MiaLhe


Pós-doutorado em Direito Internacional Ambiental (Université de
Limoges) e em História e Direito das Relações Internacionais
(Université de Paris), Doutor em História Social (USP), Mestre em Direito
Internacional (USP), Bacharel em Direito (USP) e História (USP),
Professor do Curso de Mestrado em Direito da UNIMEP e de
graduação da UNESP/Rio Claro.

Introdução
A Responsabilidade Civil Internacional dos Estados

Um Estado é responsável internacionalmente quando lhe são


imputados atos de caráter ilícito que causem danos a outros Estados
ou a seus nacionais, sejam pessoas ou bens, por conta de ação ou
omissão dos seus órgãos ou de seus funcionários ou,

ainda, por atos de seus habitantes reputados como ilícitos


internacionais. Também há responsabilidade internacional por atos
que não são necessariamente ilícitos, mas que causam danos e, por
isso, devem ser reparados.
As principais teorias sobre os requisitos exigidos para a
existência da responsabilidade são:
a) a teoria da responsabilidade subjetiva ou por culpa: é
Rui Decio MaRtins & JoRge Luís MiaLhe

admitida não apenas quando o ato (ação ou omissão)


imputado ao Estado é contrário ao Direito Internacional,
como se exige do Estado a culpa;
b) a teoria da responsabilidade objetiva, denominada sem culpa
ou por risco, ainda que o ato imputável ao Estado seja
contrário ao Direito Internacional.

Os elementos da responsabilidade internacional são:


a) a imputabilidade (elemento subjetivo): o ato (ação ou omissão)
deve ser im- putado ao Estado como pessoa jurídica de direito
público internacional e,
b) a ilicitude (elemento objetivo):o ato (ação ou omissão) deve
ser contrário ao Direito Internacional. Isto é, o Estado, autor do
ato, deve ter violado uma obrigação internacional e lesionado
um Estado, um conjunto de Estados, uma Organização
Internacional Governamental ou qualquer pessoa com
persona- lidade jurídica reconhecida pelos foros de solução de
litígios internacionais.

Para alguns autores existiria, ainda, um terceiro elemento: o


dano, já que consideram que sem este não haveria lesão para
reparar e, por conseguinte, tampouco responsabilidade. Esclareça-
se, outrossim, que esse dano não significa sempre que seja de
ordem material, podendo, não raro, manifestar-se como uma ofensa
moral ao um Estado, a seus súditos ou patrimônio histórico e
cultural.
A responsabilidade civil, conforme anota Varella (2009, p.366),
“não exige pre- visão específica em tratado”. Além disso, prossegue
o autor:

O número de situações que podem ensejar a


responsabilidade é bem superior à quantidade
de práticas consideradas ilícitas pelo direito
internacional. Isso, não há listas de atos
proibidos, mas apenas normas genéricas, que
se referem aos danos. Caso assim fosse, os
Estados cujos nacionais praticam atos
A ResponsAbIlIdAde cIvIl InteRnAcIonAl dos estAdos: dIReItos humAnos e meIo AmbIente

potencialmente danosos ou com a intenção de


lesar outros poderiam simplesmente não se
engajar perante os tratados sobre a maté- ria e
escapar de uma eventual indenização, em caso
de danos.

A responsabilidade será atribuída, inicialmente, àquele que


explora projeto, competindo ao Estado assumir a reparação dos
danos se o empreendedor não tiver recursos para fazê-lo.
Nas atividades de exploração espacial, desde o seu início 1 , a
responsabilidade internacional dos Estados Partes já se fazia
presente, conforme previsto no artigo 6º do Tratado Sobre os
Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e
Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais corpos Celestes,
de 27 de janeiro de 1967:

Art. 6º - Os Estados Partes do Tratado têm a


responsabilidade interna- cional das atividades
nacionais realizadas no espaço cósmico, inclu-
sive na Lua e demais corpos celestes, quer
sejam elas exercidas por organismos
governamentais ou por entidades não-
governamentais e de velar para que as
atividades nacionais sejam efetuadas de
acordo com as disposições enunciadas no
presente Tratado. [...]

Portanto, no caso dos danos causados por objetos espaciais, o


Estado será objetivamente responsabilizado pelos danos causados,
mesmo que o lançamento tenha sido promovido por pessoas
jurídicas de direito privado.
O Convênio Sobre a Responsabilidade Internacional por Danos
Causados por Objetos Espaciais, de 29 de março de 1972, afirma
em seu artigo 2º que “um estado lançador será responsável absoluto
pelo pagamento de indenização por danos causados por seus
objetos espaciais na superfície da Terra ou a aeronaves em vôo”.
A mesma norma internacional prevê, ainda, a responsabilidade
solidária quando afirma, em seu Artigo 4º, § 2º que:

[...] se não for possível estabelecer o grau de


culpa de cada um desses es- tados, o ônus da
indenização deve ser dividido em proporções
iguais entre os dois. Tal divisão se fará sem
prejuízo do direito que assiste ao terceiro Estado
de procurar a indenização total devida nos
termos desta Convenção de qualquer ou de
todos os Estados lançadores que são, solidária
e indivi- dualmente responsáveis.

Certamente os dispositivos contidos no tratado acima citados


estão relaciona- dos, também, à proteção do meio ambiente
internacional pois este é considerado na atualidade “um bem comum
da humanidade, portanto, passível de ser protegido o mais possível
por todos os ordenamentos jurídicos existentes, não importando a lo-
calidade que se pretenda estudar sob o enfoque ambiental.”
(Martins, 1991, p. 49)

2. Responsabilidade
Manifestação

Os atos que ensejam a responsabilidade internacional do Estado


podem ser pratica- dos por qualquer um dos seus três poderes, de
qualquer nível federativo (se for o caso), e, também, por atos de seus
particulares bem como por uma Organização Internacional.
O Poder Executivo é, sem sombra de dúvidas, o mais produtor
de atos que ensejam a responsabilidade internacional dos Estados,
uma vez que a esse Poder compete a representação externa do
Estado. Assim, são comuns os danos provocados por atos do
pessoal diplomático ou militar quando em missões externas ao seu
território.
Quanto ao Poder Legislativo, deve-se ter em conta que a esse
Poder corresponde a função típica de fazer leis; e é nessa atividade
que ele pode editar norma contrária ao Direito Internacional, ou,
ainda, deixar de revogar ou alterar norma interna diante de previsão
convencional internacional posterior sentido contrário. Se dessa
omissão de- correr um dano imputável ao Estado, poderá haver a
responsabilidade internacional.
Um exemplo dos mais sintomáticos sobre responsabilidade do
Estado por omissão legislativa refere-se ao Caso Alabama.
Durante a guerra civil americana, conhecida com a Guerra de
Secessão, movida entre Estados do norte da federação americana
(mais desenvolvidos e industrializados), contra os estados do sul, de
economia essencialmente agrícola e que baseava sua atividade
exclusivamente na mão de obra escrava, o Reino Unido da Grã-
Bretanha declarou-se neutra na contenda.
Ocorre, todavia, que no curso das atividades bélicas os estados
sulistas, os con- federados, encomendaram a diversos estaleiros
britânicos várias belonaves e que foram utilizadas
indiscriminadamente no conflito americano. Dentre aqueles vasos de
guerra destacava-se o Alabama, tido como uma espécie de nau
capitânea, com alto poder de fogo.
Essa frota infringiu enormes danos às tropas federalistas (do
norte) bombar- deando vários paióis, fortificações e afundando
diversos navios do norte, além de, certamente, terem causado a
morte de inúmeros combatentes federados.
Ora, uma vez que a Inglaterra ao declarar-se, unilateralmente
como essa frota devastadora foi adquirida ilegalmente do ponto de
vista do direito internacional é de praxe, neutra no conflito americano
não poderia ter permitido a venda daquelas embarcações bélicas por
súditos britânicos.
Os EUA interpelaram politicamente a Inglaterra sobre a flagrante
quebra da neutralidade britânica, pois o governo não coibiu aos seus
súditos as negociações que culminaram na venda e entrega efetiva
daqueles navios o que foi, como é óbvio, prontamente rebatido pela
coroa inglesa.
Alegavam os EUA que a Inglaterra após ter-se declarada neutra no
conflito – e por meio de seu Poder Executivo – deveria, de pronto, ter
editado norma proibitiva extensiva a todos os súditos do Império
Britânico impedindo-os de negociarem sobre quaisquer assuntos e em
quaisquer bases com quem quer fosse das partes americanas em
conflito. E isso não ocorreu, pois não foi editada essa norma interna.
Com isso estava aberto o caminho para os estaleiros ingleses
negociarem livremente com beli- gerantes. Em decorrência dos
prejuízos causados pela citada frota os EUA cobravam uma
indenização a ser apurada e fixada.
A Inglaterra retrucou lecionando que a Grã-Bretanha era um estado
soberano e democrático e que seu regime político liberal militava em
favor da liberdade de escolhas privadas de seus súditos; assim, o
governo não poderia sancionar normas editando comportamentos na
esfera privada de seus súditos.
A resposta americana não se fez esperar e a argumentação residia no
fato de que o poder de um Estado é, de fato e de direito, uno e
discricionário; porém, quando um dos poderes (no caso o Executivo)
assume um compromisso internacional em nome e por conta de seu
país é obvio que o Estado tem de envidar os esforços legais internos
para que os atos praticados no âmbito interno estejam em
consonância com o compromisso internacional assumido. Ora isso não
ocorreu no caso explanado, pois o Poder Legislativo inglês omitiu-se
quanto à questão da neutralidade e dessa omissão surgiram os danos
infringidos aos interesses americanos.
O governo dos Estados Unidos, então, propugnou pela
responsabilidade internacional da Inglaterra por atos omissivos de seu
Poder Legislativo; daí, o direito à obtenção de reparações.
Vale ressaltar que os atos dos juízes são considerados atos do Estado.
Como bem exemplificou Varella (2009, p. 369), “um erro grave do
Judiciário que provoca anulação de um processo com a consequente
não punição de um agente” [...] “pode gerar a responsabilidade
internacional do Estado, por negação de justiça”. Nesse particular,
continua Varella (2009, p. 373), “essa situação pode ocorrer tanto para
os nacionais quanto para os estrangeiros”, nas seguintes
circunstâncias: “quando o Estado não oferece a devida assistência
judiciária”; “quando as autoridades judiciá- rias se negam a tomar
conhecimento das causas propostas”; “quando não oferecem as
garantias necessárias à boa administração da justiça”, ou “quando há
demora na prestação jurisdicional”.
Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 9(16-17): 199-216, jan.-dez. 2009 7
uanto à responsabilização de um Estado por atos de indivíduos, pode-
se afirmar que é, sim, possível.2 porém, é necessária uma análise
criteriosa dos atos cometidos pelo súdito para verificar se ele agiu em
nome do Estado ou se agiu em caráter privado e, mesmo assim, se
houve dolo. Mesmo assim, só se poderá imputar ao Es- tado o ato
ilícito e danoso quando houver omissão, negligência ou imperícia
desse mesmo Estado na apuração dos fatos.
Suponhamos que um indivíduo – e aqui, nem é preciso que seja
nacional do Estado – pratique um ato lesivo a alguém ou a algum
Estado, no plano internacional. Por exemplo, atire no Papa que está
em visita ao país e os motivos são de ordem particular. Poderia esse
país ser responsabilizado pelo atentado? A resposta deve ser:
depende.
Em primeiro lugar, se logo após a infração o aparato estatal
responder adequa- damente e de acordo com sua legislação interna
para a apuração dos fatos e da auto- ria e mesmo assim, não seja
possível determinar as circunstâncias do ato criminoso e de sua
autoria, não há que se falar em responsabilizar o Estado.
Por outro lado, se na condução do inquérito policial/judicial que
se seguisse ao atentado, as autoridades locais agissem com
leviandade, com desprezo pelos pro- cedimentos legais de apuração
dos fatos, neglicenciando informações vitais para o esclarecimento
do ato lesivo, resultando na não apuração do autor do crime aí,
então, poderia o Estado ser responsabilizado internacionalmente.
Todavia, não pelo atenta- do mas, sim, pela inércia ou omissão de
seu aparato legal repressivo.

3. o pRojeto de códIgo de dIReIto InteRnAcIonAl de epItácIo pessoA

Interesse neste ponto, anotar a lição de Epitácio Pessoa,3 em seu


Projecto de Co- digo de Direito Internacional Publico, quando prevê
que a responsabilidade de um Estado decorre de atos de seu
governo, de seus representantes no estrangeiro e dos seus
funcionários no interior, de suas forças de terra ou mar, em território
ou águas estran- geiras, de particulares residentes no seu território e
sujeitos à sua autoridade efetiva, sempre que houver negligência do
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estado em impedir ou deixá-los impune. (art. 21).
Outro ponto interessante é a equiparação de estrangeiros aos
nacionais para pleitear a responsabilidade de um Estado (art. 22). Mesmo em
caso de guerra civil cabe aos forasteiros submetidos a uma jurisdição estatal tal
pedido, sempre que o ato lesivo for praticado contra este por ser estrangeiro ou por
ser nacional de certo Estado. (art. 23)
A reparação do ato lesivo será pelo restabelecimento ao status quo ante, ou
pela indenização nos casos de perda e danos; além disso, poderá se dar pela
satisfação, por explicações públicas ou desculpas por via diplomática. (art. 25)

No caso de o Estado responsabilizado for uma federação não poderá invocar


para se subtrair à responsabilidade, o fato de lhe não conferir a Constituição
federal, na espécie, nenhuma autoridade sobre os Estados federados. (art. 26)

4. o pRojeto dA comIssão de dIReIto InteRnAcIonAl dAs nAções


unIdAs sobRe ResponsAbIlIdAde poR fAto IlícIto InteRnAcIonAl

A responsabilidade internacional, pela sua relevância, mereceu atenção espe-


cial da Comissão de Direito Internacional (CDI), da Organização das Nações Uni-
das. A CDI aprovou em 2001 um projeto de Convenção sobre a Responsabilidade
do Estado por Fato Internacionalmente Ilícito, iniciado em 1963, sob a presidência
do jurista italiano Roberto Ago.
O anteprojeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas é
com- posto por 59 artigos, distribuídos em quatro partes: I. O fato
internacionalmente ilícito (dividida em cinco capítulos: princípios gerais, atribuição
de um comporta- mento ao Estado, violação de uma obrigação internacional,
responsabilidade de um Estado em razão do fato internacionalmente ilícito de outro
Estado e as circuns- tâncias excludentes de ilicitude - arts. 1 a 27); II. Conteúdo da
responsabilidade internacional do Estado (dividida em três capítulos: princípios
gerais, reparação do prejuízo e violações graves das obrigações decorrentes das
normas imperativas do Direito Internacional Geral – arts. 28 a 41); III.
Implementação da responsabilidade do Estado (dividida em dois capítulos:
invocação da responsabilidade do estado e contra-medidas – arts. 42 a 54); IV.
Disposições gerais
Importa sublinhar que artigo 4º. do projeto reafirma, conforme mencionado
acima, que os três poderes do Estado, em todas as posições que ocupam na sua
orga- nização, respondem pelos seus comportamentos frente ao Direito
Internacional:
Article 4
Conduct of organs of a State
The conduct of any State organ shall be considered an act of that State
under international law, whether the organ exercices legislative,
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execu- tive, judicial or any other functions, whatever positision it
holds in the organization of the State, and whatever its character as an
organ of the central government or of a territorial unit of the State.
An organ includes any person or entity wich has that status in accordan-
ce with the internal law of the State.

5.A ResponsAbIlIdAde InteRnAcIonAl poR vIolAções dos


dIReItos humAnos
O tema da responsabilidade dos Estados por violações aos
direitos humanos é recente no universo do direito internacional. Em
verdade começa com a criação da
ONU, em 1945, cuja Carta constitutiva, em seu Preâmbulo, vincula
os Estados a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, da
dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos
homens e das mulheres... , para, em seguida, em seu Artigo 1º, citar
como um dos propósitos e princípios da Organização:

conseguir uma cooperação internacional para


resolver os problemas in- ternacionais de
caráter econômico, social, cultural ou
humanitário e, para promover e estimular o
respeito aos direitos humanos e às liberdades
fun- damentais para todos, sem distinção de
raça, sexo, língua ou religião

Na lição de Braga (2002, p. 139-140), além disso é de se considerar que o Di-


reito Internacional até então privilegiava os Estados como sendo os seus mais
impor- tantes - se não os únicos – sujeitos, relegando os indivíduos a um plano
secundário e, mesmo assim, com un sistema de protección que beneficiaba
exclusivamente a los extranjeros residentes, sendo certo que essa proteção
amparava-se quase que estri- tamente no instituto da proteção diplomática. Na
verdade, o que se protegia eram os direitos do Estado do nacional lesado e não os
do indivíduo, ou seja,

Se les amparaba por medio de la tutela que les ofrecia el Estado de


su nacionalidad, mediante la denominada “protección diplomática”.
Según la ficción jurídica elaborada por el derecho internacional, para
mantener la indispensable mediación estatal, los derechos que se pro-
tegían no eran los de la persona víctima de la lesión en sus derechos,

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sino los derechos del estado de su nacionalidad, a quien se ofendía y
es el titular de esta acción.

Mais adiante, informa o citado autor que houve uma vasta jurisprudência
inter- nacional en matéria de responsabilidad de los Estados, respecto a la
protección de los derechos de los particulares extranjeros.
E aí está o problema que afligia a doutrina e a prática internacional: as repara-
ções destinavam-se apenas aos estrangeiros. A pergunta que não calava era quanto
aos nacionais em seu próprio Estado: caberia a eles alguma forma de proteção aos
seus direitos lesados exatamente pelo Estado que deveria protegê-los?
Importante assinalar que na busca de um sistema internacional efetivo de
prote- ção aos direitos humanos se encontra o reconhecimento por parte dos
Estados de que as normas e obrigações assumidas por eles com o advento da Carta
da ONU são de caráter geral atingindo mesmo os estados que não fazem parte do
sistema onusiano. Na continuidade da lição de Braga (2002:141-142) um terceiro
elemento fun- damental para o surgimento da proteção internacional dos direitos
humanos repousa

sobre a la necesaria vinculación com una organización internacional, pois como


sujeitos de direito internacional que são têm la tarea de controlar la conducta de
los Estados y verificar su comportamiento, en cuanto son obligaciones asumidas
ante la propia organización y los individuos titulares de los derechos.
Nesse contexto, em 1946 de houve a criação da Comissão de Direitos
Humanos, no âmbito do ECOSOC – Conselho Econômico e Social, da ONU, e que
com seu trabalho incansável para atingir a excelência na proteção internacional dos
direi- tos humanos, revelou ao mundo, em 10 dezembro de 1948, a vital Declaração
Universal dos Direitos Humanos a qual, por sua vez, foi precedida pela Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada pela IX Conferência Inter-
nacional Americana, em Bogotá, e na mesma ocasião criou a OEA - Organização
dos Estados Americanos, em abril de 1948.
Todavia, os instrumentos acima eram genéricos e programáticos, não possuin-
do o caráter de ius cogens; portanto, sua eficácia dependia da boa vontade de cada
um dos Estados envolvidos. Tal cenário desolador muda com o Tratado de Roma,
de 1950, que criou o Conselho da Europa e, no seu bojo, a Convenção Européia
para a Salvaguarda dos Direitos Humanos e que, ao contrário de outros
instrumentos inter- nacionais baseados no princípio da reciprocidade, instituiu um
regime de obrigações para os Estados, sempre que se tratasse de proteção aos
direitos humanos.
Nesse contexto, a contribuição da ONU para a consolidação de um sistema
internacional de proteção aos direitos humanos foi – e ainda o é – inegável, com a
formulação sob o seu comando de inúmeros tratados internacionais versando sobre
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o tema da proteção aos direitos humanos em suas mais variadas minudências e cujo
conteúdo é já de domínio público.
Na esteira desse progresso “legislativo” internacional surge no plano
americano a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) em 1969,
mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. Em síntese, por essa
Convenção o Sistema Interamericano de Direitos Humanos é constituído por dois
órgãos: a) Comissão Interamericana de Direitos Humanos, criada pela Resolução
VI, do 5º Encontro de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores, da OEA,
ocorrida em Santiago do Chile, em 1959, e agora incorporada à Convenção; e b)
Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), criada pelo Pacto de São José.
Para os objetivos deste trabalho somente esta nos interessa, com sua farta
jurisprudência.
É de se notar que a CADH impõe aos Estados signatários o dever de cumprir
integralmente suas regras, ou seja, de assumir, inclusive, “um compromisso tran-
scendente aos limites do poder soberano interno: o de cumprir decisões de um
órgão jurisdicional não sujeito á sua soberania”. (Jayme, 2005, p. 61) Em outras
palavras, se está diante do fato de que a Corte Interamericana de Direitos
Humanos – criada

por aquela – reveste-se de um caráter supranacional, visto que ao decidir com defi-
nitividade, formando, inclusive, coisa julgada, sobrepõe-se efetivamente às
próprias Constituições nacionais. (Jayme, 2005, p.66).
Neste sentido a CIADH reconhece em suas sentenças o caráter
supranormativo da Convenção:
em relação ao ordenamento jurídico interno, inclusive em relação a
normas constitucionais, porquanto o Direito Internacional dos Direitos
Humanos não reconhece hieraquia das normas internas, de modo que,
mesmo a norma constitucionaol violadora de direitos humanos deve
ser afastada para dar lugar à norma internacional de proteção dos
direitos humanos. (Fernando G. Jayme, 2005, p. 67)

É a CADH que em seu artigo 63, § 1º, reafirma a submissão do Estado à sua
responsabilidade internacional ao prelecionar que:

Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade


protegi- dos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure
aoanproju- dicado o gozo do seu direito ou loiberdade violados.
Determinará tam- bém, sem isso for procedente, que sejam reparadas
as consequências da medida ou situação que haja configurado a
violação desses direitos, bemm como o pagamento de indenização
justa à parte lesada.

Mais adiante a citada Convenção determina que os Estados condenados ao pa-


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gamento de indenizações compensatórias deverão satisfazê-las pelo processo inter-
no vigente para a execução de sentenças contra o Estado. (art. 68)
Obrigatória a informação de que os Estados não podem se furtar ao cumpri-
mento da sentença proferida pela CIDH após aceitarem a competência conten-
ciosa da Corte, pois não há previsão convencional nesse sentido, corroborando o
disposto nos Artigos 27 e 46, da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados,
de 1969. A única forma de um Estado, após expressar seu consentimento à com-
petência contenciosa da Corte, deixar de se obrigar às suas decisões é através da
denúncia (CADH, art. 78, c.c. Art. 44, § 1º da Convenção Viena sobre Direito dos
Tratados, de 1969).
Isso nos leva à conseqüência de que uma decisão condenatória da CIDH
contra um Estado se enquadra num dos mais importantes princípios de direito
internacio-
Como exemplo disso podemos citar o Caso Ximenes Lopes vs. Brasil.
Damião Ximenes Lopes possuía deficiência mental e nessa condição sua mãe
o internou numa clínica privada, Casa de repouso Guararapes, em Sobral, Ceará,
na data de 01/10/1999. Naquele local sofreu uma série de agressões e vivenciou

condições de internação desumanas e em conseqüência disso veio a falecer três


dias depois. A partir de então começou o calvário de sua mãe e irmão para apurar
as reais condições da morte. Esta, porém, não devidamente esclarecida por falhas
aberrantes na fase do inquérito policial. Após denunciar a inércia do Estado junto
ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, no Ceará, e posteriormente à
Promotoria, sem nada conseguir, a irmã fez uma denúncia à Comissão
Interamericana de Direitos Hu- manos, em 1999, e que foi acatada em 2002, sob
processo de nº 12.237 e Relatório de Admissibilidade nº 38/02, Petição 12.237,
Damião Ximenes Lopes vs. Brasil.
Posteriormente a Comissão, diante de indícios de que o Estado brasileiro
havia violado diversos artigos do Pacto de San José da Costa Rica resolveu
apresentar de- manda contra o Brasil junto à Corte Interamericana de Direitos
Humanos, em 2004, e em 2006, a CIDH proferiu sentença condenatória obrigando
o Brasil ao pagamento de indenização à mãe e à irmã.

6. A ResponsAbIlIdAde InteRnAcIonAl dos estAdos no


dIReIto InteRnAcIonAl AmbIentAl

A ideia de responsabilizar e indenizar um dano ecológico (Martins, 1991, p. 43)


já estava mencionada no Princípio 22, da Declaração de Estocolmo, de 1972, a saber:

Os Estados devem cooperar para o contínuo desenvolvimento do


Direi- to Internacional no que se refere à responsabilidade e à
indenização, às vítimas de contaminação e de outros danos ambientais

Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 9(16-17): 199-216, jan.-dez. 2009 13


por atividades re- alizadas dentro da jurisdição ou sob o controle de
tais Estados em zonas situadas fora de sua jurisdição.

O alcance da reparação, entretanto, atinge apenas os danos diretos, aqueles


que guardam íntima e precisa relação com os fatos ensejadores da
responsabilidade; quanto aos danos indiretos (consequential damage) não ensejam
a reparação, pois:

residem na infinita variedade de relações e circunstâncias exteriores que


podem intervir entre o ato ilícito e os danos produzidos, resultando ser
impossível elaborar um critério único que permita deslindar os danos
pas- síveis de indenização daqueles não ressarcíveis. (Martins, 1991, p.
44-5)

De acordo com Lavieille (2004, p. 93), a responsabilidade por danos ao meio


ambiente é controversa. Por um lado, ainda não existe no Direito Internacional
Am- biental um princípio geral da responsabilidade internacional objetiva (sem
culpa). Por outro lado, existe nas declarações internacionais em matéria ambiental a
exorta-
ção ao engajamento dos Estados na elaboração de legislações relativas à responsa-
bilidade internacional.
Existem também sistemas convencionais que, nas suas respectivas áreas de
atu- ação, admitem uma responsabilidade objetiva como, por exemplo, a
Convenção de Bamako (capital do Mali), delineada mais abaixo.
Do ponto de vista das Declarações, o Princípio 22, previsto na Declaração de
Estocolmo (1972), inaugurou a previsão da responsabilidade objetiva, mantida no
Princípio 13 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento (1992), destacados a seguir.

– Princípio 22 da Declaração de Estocolmo:

Os Estados devem cooperar para o contínuo desenvolvimento do


Direi- to Internacional no que se refere à responsabilidade e à
indenização às vítimas de contaminação e de outros danos ambientais
causados por ati- vidades realizadas dentro da jurisdição ou sob
controle de tais Estados, mesmo que em zonas situadas fora de suas
jurisdições.

– Princípio 13 da Declaração do Rio de Janeiro:

Os Estados devem desenvolver legislação nacional relativa à responsa-


bilidade e indenização das vítimas de poluição e outros danos ambien-
tais. Os Estados devem ainda, cooperar de forma expedita e
14 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 9(16-17): 199-216, jan.-dez. 2009
determina- da para o desenvolvimento de normas adicionais de direito
ambiental internacional relativas à responsabilidade e indenização por
efeitos ad- versos causados por danos ambientais em, áreas fora de sua
jurisdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle.

Quanto às Convenções, o artigo 235 da Convenção das Nações Unidas sobre


Direito do Mar (Montego Bay, 1982), avançou no mesmo sentido:

1. O Estados devem zelar pelo cumprimento das suas obrigações interna-


cionais relativas à proteção e preservação do meio marinho. Serão
respon- sáveis de conformidade com o direito internacional.
2. Os Estados devem assegurar através do seu direito interno meios de
recurso que permitam obter uma indenização pronta e adequada ou ou-
tra reparação pelos danos resultantes da poluição do meio marinho por
pessoas jurídicas, singulares ou coletivas, sob sua jurisdição.
3. A fim de assegurar indenização pronta e adequada por todos os
danos resultantes da poluição do meio marinho, os Estados devem
cooperar na aplicação do direito internacional vigente e no ulterior
desenvolvi-mento do direito internacional relativo às
responsabilidades quanto à avaliação dos danos e à sua indenização e
à solução das controvérsias conexas, bem como se for o caso, na
elaboração de critérios e procedi- mentos para o pagamento de
indenização adequada, tais como o seguro obrigatório ou fundos de
indenização.

Há, portanto, responsabilidade por risco no caso de poluição dos mares por
vazamento de petróleo.
No mesmo sentido, várias convenções internacionais adotaram o regime da
responsabilidade por risco, dentre as quais, a Convenção sobre Responsabilidade
Civil por Danos Nucleares (Viena, 1963); a Convenção sobre a Responsabilidade
Civil no Estabelecimento de um Fundo Internacional para Compensações por Da-
nos de Poluição de Óleo (Bruxelas, 1971); a Convenção sobre a Responsabilidade
internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais (Londres, Moscou e Wa-
shington, 1972); a Convenção sobre a Responsabilidade Civil por Dano decorrente
de Poluição de Óleo, resultante de Exploração e Explotação de Recursos Minerais
do Subsolo Marinho (Londres, 1977).
É imperioso sublinhar que algumas Convenções prevêem a responsabilidade
objetiva. Assim, por exemplo, a Convenção de Bamako, Relativa à Interdição da
Importação de Rejeitos Perigosos para a África e ao Controle da Movimentação
Transfronteiriça e a Gestão desses Rejeitos na África (Bamako, 1991), no seu art.
4º., alínea 3, letra “b”: “impõe a responsabilidade objetiva e ilimitada, assim como
a responsabilidade conjunta e solidária aos produtores de rejeitos perigosos”.
No mesmo sentido, tanto a Convenção sobre a Responsabilidade Civil no
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Cam- po da Energia Nuclear (Paris, 1960, art. 3º), celebrada pelos países membros
do Or- ganismo Europeu para a Energia Nuclear, como a Convenção sobre a
Responsabili- dade Civil no Campo da Energia Nuclear (Viena, 1963, art. 4º),
concluída no âmbito da Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA),
imputam a responsabilidade automaticamente ao país explorador daquela
tecnologia. Da mesma forma, a Con- venção Internacional sobre a Intervenção em
Alto Mar em Caso de Acidente que Provoque ou Possa Provocar uma Poluição por
Hidrocarbonetos (Bruxelas, 1969, art. 3º), concluída no âmbito da Organização
Marítima Internacional (IMO), imputa a responsabilidade ao proprietário do navio
e a Convenção sobre Diversidade Bioló- gica (Rio de Janeiro, 1992, art. 14, alínea
2), patrocinada pela ONU, prevê que:
A Conferência das Partes deverá examinar, com base em estudos que
se levarão à cabo, a questão da responsabilização e reparação, incluin-
do a recuperação e a compensação por danos causados à diversidade
biológica, salvo quando esta responsabilidade seja uma questão pura-
mente interna.

A Convenção relativa à Responsabilidade dos Exploradores de Navios Nucle-


ares (Bruxelas, 1962), aprovada no âmbito da OCDE, prevê, no seu art. 2º., a res-
ponsabilidade objetiva, nos seguintes termos: “O explorador de um navio nuclear
é objetivamente responsável por todo dano nuclear que seja provado que tenha sido
causado por acidente nuclear no qual sejam implicados o combustível nuclear ou
produtos e rejeitos radioativos desse navio”.
Também merece ser citada a Convenção sobre a Responsabilidade Civil para
os Danos Provocados durante o Transporte de Mercadorias Perigosas pela Estrada,
pelo Trilho e pelos Barcos de Navegação Interna (Genebra, 1989), conhecida pela
sigla CRTD, adotada pelo Comitê de Transporte Interiores da Comissão Econômica
para a Europa, no âmbito do ECOSOC, notadamente o seu artigo 1º., alínea 10;
artigo 9º. e artigo 24.
No quadro do Conselho da Europa, foi adotada uma Convenção Européia so-
bre a Responsabilidade Civil dos Danos Resultantes de Atividades Perigosas para o
Meio Ambiente (Lugano, 1993), que canaliza a responsabilidade sobre o
explorador da atividade perigosa.
Na lição de Soares (2003, p. 834), a Convenção de Lugano:

pode ser considerada a primeira convenção internacional que tratou


do tema da responsabilidade internacional por atividades perigosas ao
meio ambiente, expressamente tendo declarado sua finalidade preser-
vacionista”. (...) “Sua nítida origem no Direito Internacional do Meio
Ambiente revela-se pela adoção da técnica denominada ´nova
engenha- ria normativa´, que significa prover os textos solenes dos
tratados ou convenções, de procedimentos ou formas que permitam
sua adaptação mais rápida aos avanços da tecnologia e da ciência: no
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caso, ... a adoção de anexos, como já salientado, de natureza técnica de
mais fácil altera- ção que os textos principais dos tratados e
convenções tradicionais

O campo de aplicação desta Convenção refere-se ao conjunto das atividades


perigosas para o meio ambiente: a produção, a manipulação, a estocagem, a uti-
lização e a dejeção de substâncias perigosas (art. 2º). Trata, ainda, das operações
concernentes aos organismos geneticamente modificados e da exploração de uma
instalação ou de um sítio de incineração, de tratamento, de manipulação, de reci-
clagem ou de estocagem permanente de rejeitos, sejam de atividades oriundas de
pessoas privadas ou públicas.
O termo “dano” é definido de forma ampla. Ele diz respeito às pessoas, aos
bens e ao meio ambiente. A Convenção de Lugano distingue, de um lado, os danos
“comuns” às pessoas e aos bens, e de outro lado, aos danos “resultantes de uma al-

teração ao meio ambiente”. São excluídas as operações de transporte e as


atividades nucleares (art. 4º). Todavia, a exclusão não se aplica no caso dos danos
resultarem de um acidente nuclear coberto pelas Convenções de Paris (1960) ou de
Viena (1963), ou se esta responsabilidade for regulada por uma legislação interna
que seja mais favorável que a Convenção de Lugano para a reparação dos danos.
Quanto ao regime da responsabilidade, trata-se de uma responsabilidade obje-
tiva, pois exploram atividades perigosas ou em lugares cujos responsáveis por
danos causados seguem explorando um sítio contaminado. Seu proprietário não
será res- ponsável. Salvo se também tratar-se de um explorador.
No tocante ao tema da exoneração da responsabilidade, lembra Lavieille
(2004, p.94), destacam-se os danos decorrentes de conflitos armados, catástrofes
naturais, de um fato intencional produzido por um terceiro ou oriundo do comando
de uma autoridade legítima. Além destas, outra exoneração pode ocorrer: trata-se
da deno- minada poluição “de nível aceitável”, tendo em vista as circunstâncias
locais perti- nentes, que logra isentar de reparação o autor do dano. Tal disposição é
criticável na medida em que o termo é vago e, dependendo dos interesses
envolvidos, pode criar dificuldades na aplicação do princípio.
Do ponto de vista da ação, a vítima do dano tem o direito de requerer ao poder
judiciário que o explorador da atividade perigosa forneça-lhe as informações neces-
sárias para impedir eventual dano. Todavia, neste caso, existem algumas exceções:
a defesa nacional, o segredo industrial, etc. As associações de proteção do meio
ambiente podem demandar ao tribunal que ordene uma injunção para interditar
uma atividade perigosa e ilegal que ameaça causar danos sérios ao meio ambiente.
Final- mente, a Convenção prevê, no seu artigo 2.8, medidas que garantam o
retorno do ambiente a um estado satisfatório.
Extremamente relevante é o princípio poluidor-pagador. Admitido
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originalmen- te pela OCDE numa recomendação de 1972. Posteriormente, em
1992, o Princípio 16 da Declaração do Rio de Janeiro reafirmou aquele princípio:

Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo de-
corrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover
a internalizarão dos custos ambientais e uso de instrumentos
econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer
o comércio e os investimentos internacionais.

O mesmo princípio é previsto em outras Convenções, tais como a Convenção


sobre a Proteção e Utilização dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos
Internacionais (Helsinki, 1992), a Convenção para a Proteção dos Alpes
(Salzbourg, 1991), a Convenção sobre a Proteção do Meio Ambiente Marinho do
Atlântico do

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Nordeste (Paris, 1992) e a Convenção sobre a Proteção do Meio Marinho e do Lito-
ral do Mediterrâneo (Barcelona, 1995).
Existe, ainda, na esfera de Direito Internacional Ambiental, um debate sobre
os possíveis efeitos do princípio poluidor-pagador. Alguns doutrinadores se
inquietam com a aplicação deste princípio que, segundo eles, frearia o espírito da
livre iniciati- va colocando em cheque projetos de desenvolvimento. Outros
insistem, ao contrário, sobre as possíveis derivações do princípio. O princípio é
necessário, porém insufi- ciente, tanto em termos de afirmação da responsabilidade
quanto nos casos onde se observa a incitação à poluição. Pode-se poluir porque se
poderá pagar a multa ou reparar o dano. É esta a razão pela qual as multas devem
ser dissuasivas e os fundos internacionais de indenização devem ser apenas mais
um dos meios entre outros e não um meio único e dominante.

Doutrinadores, como Sadeller (2009, p.51), destacam o aumento da importân-


cia atribuída ao princípio da prevenção que teria por objetivo “evitar o dano
ambien- tal e reduzir ou eliminar o risco de dano”. Na sua avaliação, a
responsabilidade civil, “apesar de sua função essencialmente curativa”, também
“inclui uma função preven- tiva, já que sempre envolve uma perda ou um
empobrecimento da parte considerada responsável”. Considera, ainda, que:

A extensão da reparação requerida assim serve ao propósito da pre-


venção à medida que as partes potencialmente responsáveis adaptem
seu comportamento com vistas a probabilidade de responsabilidade. A
eliminação das falhas na determinação da responsabilidade pelo dano
que é inerente em regimes de responsabilidade restrita que é inerente
em regimes de responsabilidade estrita também ajudou a reforçar a di-
mensão preventiva da responsabilidade civil. Em tais regimes, a
função preventiva sobrepujou a função curativa que a responsabilidade
civil tem a intenção de cumprir.

conclusão

A responsabilidade internacional dos Estados adquiriu, notadamente nas últi-


mas décadas, uma importância capital, sobretudo nas áreas de Direito Internacional
dos Direitos Humanos e Direito Internacional Ambiental. Na medida em que a so-
ciedade internacional toma consciência e reconhece a valorização da vida humana
e do meio ambiente sustentável como bens juridicamente protegidos pelos tratados
internacionais, verifica-se, como consequência, que os Estados são crescentemente
responsabilizados nos vários foros internacionais. Prova disso é a abundância de
ca-
sos de condenação de Estados julgados e responsabilizados civilmente pelas cortes
de direitos humanos, no âmbito dos sistemas europeu e interamericano.
No mesmo sentido, é notável a responsabilização destes mesmos sujeitos de
direito público internacional pelos tribunais arbitrais e cortes internacionais de
cará- ter global (Corte Internacional de Justiça) e, sobretudo, regional (Corte de
Justiça da União Européia), por atos e/ou omissões lesivas ao meio ambiente e,
ainda, na esfera dos direitos humanos (julgados pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos e pela Corte Européia de Direitos Humanos). Tal fenômeno,
impensável até meados do século passado, toma fôlego no século XXI,
notadamente pela atuação pró-ativa dos novos atores internacionais, sobretudo as
ONGs que, em rede global, promovem o patrocínio de ações nos foros competentes
e, sobretudo, pressionam governos dos Estados e as organizações internacionais
governamentais a implementarem políticas públicas coerentes com o ordenamento
jurídico internacional, numa clara manifes- tação de vontade da sociedade civil
globalizada em prol do respeito do princípio basilar do Direito Internacional,
consagrado no artigo 26 da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos dos
Tratados (Viena, 1969): pacta sunt servanda.

RefeRêncIAs
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Recebido: 22/9/10
Aprovado: 6/12/10

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