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POLÍTICA INTERNACIONAL

PROFESSOR PAULO VELASCO

AULA 13 – BRASIL-EUA (PARTE 2)

1. ANOS 1980

― Ao olharmos para o governo Sarney, vale notar que o embaixador Seixas-Corrêa afirmou haver na
relação Brasil-EUA um encapsulamento de crises. Chamou a atenção para os desencontros na
Rodada Uruguai, em especial às disputas em temas como de patentes farmacêuticas, bem como na
questão da Lei de informática (muito criticada pelos EUA, que julgavam ser uma lei muito
protecionista, na qual o Brasil criava reserva de mercado). Nesse sentido, vale atentar para o fato
de que o Brasil, no governo Reagan, foi enquadrado na seção 301 da política americana, a qual
prevê medidas presidenciais robustas contra aqueles que não são considerados free traders. Isso
constituiu um grande atrito nessa relação bilateral.

― Além disso, a crise econômica vivenciada pelo Brasil na década de 1980, a qual culminou, no
governo Sarney, na aplicação da moratória (1987), fazendo com que Brasil e EUA se afastassem
ainda mais.

― Ademais, nesse período, podemos identificar a prevalência da autonomia nas críticas contra a
invasão de Granada (Caribe) em 1983 pelos EUA.

― Nesse sentido, o conceito de encapsulamento de crises leva a um entendimento da política externa


brasileira de que mesmo com o reconhecimento dos contenciosos sérios, tais danos devem ser
gerenciados para não contaminar a estrutura da relação bilateral Brasil-EUA, sem negar a lógica da
autonomia brasileira. É esse entendimento que vai dar o tom da relação a partir daí, quando o
Brasil vai refinar essa lógica de encapsulamento de crises.

2. ANOS 1990

― Em meio à lógica da globalização e ao momento de pós-guerra fria, podemos notar que a década de
1990 é um momento de ajuste da política externa brasileira, diante da nova realidade do cenário
internacional. Portanto, temos a necessidade de um ajustamento de estratégias para a Europa,
para a América do Sul, e para o maior parceiro econômico do Brasil na época: os EUA.

― Desse modo, no governo Collor, podemos observar que o Brasil passa a optar pela cartilha do
Consenso de Washington, diante de uma perspectiva neoliberalista.

― Desse modo, temos um certo “alinhamento” aos EUA. Uma mostra dessa convergência entre Brasil
e EUA, sobretudo na gestão de Francisco Rezek, é a renuncia do Projeto Brasil Potência, que
significou, na prática, um abandono do programa militar para fins nucleares. E a ainda tivemos uma
abertura unilateral às importações, reduzindo as médias tarifárias de importações.

― Vale observar que o Brasil busca esse “alinhamento” aos EUA como uma maneira de melhorar a
sua imagem internacional, contudo, há agendas em que o Brasil divergiu dos EUA, como por
exemplo na agenda ambiental (no contexto da Rio 92), e na Rodada Uruguai (as divergências que
haviam no governo Sarney persistiram no governo Collor). Nesse sentido, esse “alinhamento” não
significa uma subserviência do Brasil aos EUA.

― É ainda importante observar que, nesse contexto, o Mercosul era enxergado como um espaço sub-
regional que ajudaria a aumentar o poder de barganha em negociações com os EUA, ajudando a
resistir às pressões de Washington. Nesse sentido, o Brasil negocia em bloco com os EUA, por
intermédio do Mercosul, realizando o Acordo Rose Garden Agreement, em um momento em que
os EUA propuseram a Iniciativa para as Américas (IPA), proposta por Bush “pai”, que previa uma
grande área de livre comércio nas Américas, e que futuramente foi reformulada para a criação da
ALCA.

― Já no governo Itamar, o que se pôde observar foi uma “desdramatização da agenda”, em que
houve um esforço notável do Brasil para retirar qualquer elemento mais dramático na relação com
os EUA, num momento final da Rodada do Uruguai. Essa lógica de desdramatização de agenda,
apesar de não incorrer na ideia de um certo alinhamento e sim de um ajustamento, caminha na
linha de encapsulamento de crises.

― Já no governo FHC, o que podemos perceber é que o grande objetivo da política de FHC é a busca
pela credibilidade, o que vai levar o Brasil a assinar o TNP. Além disso, temos um empenho
brasileiro em ganhar credibilidade em matéria de Direitos Humanos (pressão que vem desde o
governo Carter do final da década de 1970, o qual tinha muita semelhança com o governo Clinton,
visto que ambos eram democratas). Desse modo, vemos um esforço do Brasil em se aproximar do
regime Interamericano de Direitos Humanos, bem como o reconhecimento brasileiro da jurisdição
obrigatória da Corte San José (1998). Nesse sentido, esses pontos de proximidade agradam os EUA,
mas tais ações somente foram efetuadas porque era importante para o Brasil, nesse momento,
buscar credibilidade no cenário internacional, logo, podemos identificar aquilo que o embaixador
Gelson Fonseca Júnior coloca como uma autonomia pela participação. Quando pensamos nas
divergências podemos destacar a ALCA (proposta em 1994 por Clinton); o Plano Colômbia (lançado
por Clinton em 1999); a questão da quebra de patentes, cuja discussão se deu no âmbito da OMC
em 2001.

― Já no governo Lula, o conceito que podemos utilizar para entender essa relação bilateral é a ideia
de um diálogo estratégico com os EUA, termo cunhado por Condoleeza Rice (secretaria de Estado
do governo Bush “filho”), o qual aponta para o Brasil como um interlocutor necessário dos EUA.
Nessa época, o Brasil é um player de tal envergadura que vários atores do cenário internacional se
viam na necessidade de dialogar com o Brasil em diversos temas. Na relação bilateral BRASIL-EUA,
o Brasil era visto como um elemento muito importante para a estabilidade na América Latina ( por
exemplo, o grupo que o Brasil ajudou a criar chamado “Amigos da Venezuela”). O Brasil ainda era
um interlocutor necessário na Rodada Doha-OMC (atuação do Brasil no G4 – Brasil, Índia, EUA, e
União Europeia); na questão da crise financeira de 2008 e 2009, inclusive com atuações do Brasil
como credor do FMI; na temática das mudanças climáticas; da biodiversidade; das operações de
paz; do desenvolvimento (combate à fome, à pobreza); na temática do etanol; e na temática da paz
e segurança (Brasil foi convidado para participar de uma Cúpula, realizada em Annapolis, para
discutir a questão da paz entre Israel e Palestina. Isso aconteceu por um convite de Bush “filho”).
Nesse sentido, temos um momento de afirmação do Brasil diante dos EUA.

― E ainda, temos a ideia de que Brasil e EUA possuem uma relação madura, cunhada por Antônio
Patriota. Nesse sentido, na esteira do encapsulamento de crises, da desdramatização de agendas, o
Brasil alcança uma relação madura com os EUA.

― Já em relação ao governo Dilma, o que se pode destacar é:

 A viagem de Obama ao Brasil, na qual ele faz um discurso (2011) no Teatro Municipal no
Rio de Janeiro diante de empresários e autoridades, alegando que está “na hora de o
Brasil olhar para os EUA como olha para a China e para a Índia”;
 A Conferência da Rio +20 – Hillary Clinton afirmou que o acordo final da Conferência
deveria ser creditado ao Brasil;
 Open government (ONU), uma a parceria Dilma-Obama, que buscava estimular os
Estados a aplicar práticas de governo aberto e transparência;
 Direitos da mulher e questões de gênero, uma causa abraçada pela Hillary Clinton;
 Além disso, no governo Dilma foi estabelecido um fórum de CEOs;
 Ainda temos um reforço dos “diálogos”(diálogo de parceria global, diálogo estratégico
sobre energia, diálogo sobre comércio e investimentos).

― A relação bilateral, no entanto, foi profundamente prejudicada pelo escândalo da espionagem da


NSA em 08/13, que fez cancelar a visita de Estado agendada para 10/13.

― Já no governo Temer, podemos destacar o aspecto da retomada das negociações sobre a base de
Alcântara. Em contrapartida, o Brasil passa pelo constrangimento de sofrer o “veto” dos EUA de
Trump à pretensão de entrada na OCDE (Operação para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico). Por fim, cabe destacar a convergência entre Brasil e EUA no que tange à temática da
Venezuela, na qual o Brasil passa a elevar o tom crítico sobre a Venezuela e isso agrada os EUA.

― Já no governo Bolsonaro, podemos destacar que ainda é bastante cedo para afirmar que estamos
vivenciando um alinhamento. O que se pode destacar neste governo é o aspecto da viagem de
Bolsonaro aos EUA, na qual foi firmado um Acordo de Salvaguardas tecnológicas sobre a Base de
Alcântara (aquilo que foi iniciado pelo Temer, chega aqui na sua assinatura, o que, se aprovado
pelo Congresso, abre a possibilidade para que o Brasil possa comercializar a base de Alcântara). E
ainda temos o convite para a entrada do Brasil como “major non-nato ally”. E também a disposição
brasileira para renunciar à condição de país em desenvolvimento na OMC, que foi colocada como
uma barganha para obter a retirada do “veto” dos EUA ao Brasil na OCDE. Dessa forma, todas essas
promessas sinalizam uma mudança no curso do relacionamento com os EUA observado durante
parte do governo Dilma e no governo Temer; no entanto, é ainda muito recente para garantir que
todas essas promessas vão se confirmar.

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